ANÁLISE DO POEMA VICIO NA FALA

4
Análise do poema “Vício na fala” de Oswald de Andrade Lidiane Silva de Oliveira Vício na fala possui a meu ver uma construção sintático- semântica que leva o leitor a,no mínimo, duas interpretações desde o próprio título ao último verso. Comecemos por identificar a quem o eu lírico está se referindo quando analisa o discurso falado. Pensamos logicamente num indivíduo comum, pouco instruído na escola, presente nas classes marginalizadas e sem o domínio da variante padrão. Uma primeira interpretação que podemos entender diz respeito a esse sujeito “simples” que adéqua o vocabulário politicamente correto estipulado pelas normas a sua ortografia, a sua gramática (percebemos o estabelecimento de regras gramaticais em que o /lh/ nas palavras milho> mio, melhor >mió, telha > teia e telhado > teiado substituem o /lh/ por /i/ e o /r/ em final de palavra é suprimido). É uma reflexão sobre o emprego da variação linguística, tema possivelmente escolhido por Oswald para questionar mais uma vez o apego dos estilos anteriores ao conservadorismo estético- literário que afastava a literatura da maior parte da população brasileira. O último verso (“E vão construindo telhados”) pode se referir ao perfil do sujeito que se utiliza desse discurso mais despojado: o operário, o trabalhador que constrói, o empregado. Outra possibilidade diz respeito ao sentido

Transcript of ANÁLISE DO POEMA VICIO NA FALA

Page 1: ANÁLISE DO POEMA VICIO NA FALA

Análise do poema “Vício na fala” de Oswald de Andrade

Lidiane Silva de Oliveira

Vício na fala possui a meu ver uma construção sintático-semântica que

leva o leitor a,no mínimo, duas interpretações desde o próprio título ao último

verso. Comecemos por identificar a quem o eu lírico está se referindo quando

analisa o discurso falado. Pensamos logicamente num indivíduo comum, pouco

instruído na escola, presente nas classes marginalizadas e sem o domínio da

variante padrão.

Uma primeira interpretação que podemos entender diz respeito a esse

sujeito “simples” que adéqua o vocabulário politicamente correto estipulado

pelas normas a sua ortografia, a sua gramática (percebemos o estabelecimento

de regras gramaticais em que o /lh/ nas palavras milho> mio, melhor >mió,

telha > teia e telhado > teiado substituem o /lh/ por /i/ e o /r/ em final de palavra

é suprimido). É uma reflexão sobre o emprego da variação linguística, tema

possivelmente escolhido por Oswald para questionar mais uma vez o apego

dos estilos anteriores ao conservadorismo estético-literário que afastava a

literatura da maior parte da população brasileira.

O último verso (“E vão construindo telhados”) pode se referir ao perfil do

sujeito que se utiliza desse discurso mais despojado: o operário, o trabalhador

que constrói, o empregado. Outra possibilidade diz respeito ao sentido

metafórico da sentença “construir telhados”. Seriam outras formas de falar, de

se comunicar ainda que sem a presença da variante padrão. Construir falas e

mais falas ao se desconstruir a norma.

Uma segunda interpretação entende o poema como uma crítica a que

realmente comete o vício na fala: se se trata do falante que dá vida à língua e a

modifica de acordo com seu contexto social e cultural (foi assim através de

processos e metaplasmos que o português construiu e constrói seu léxico) ou

do falante que luta constantemente para não fugir do modelo padrão e tem que

tornar sua comunicação escrita e oral uma só. Na realidade Oswald chama de

vício a insistência em permanecer na literatura com uma fala antiquada ao

Page 2: ANÁLISE DO POEMA VICIO NA FALA

momento pelo qual o Brasil e a Literatura Brasileira estavam passando: havia

uma busca por uma identidade nacional. É a quebra do erudito e do clássico a

fim de aproximar a literatura da linguagem cotidiana.

Análise do poema “Moça linda bem tratada” de Mário de Andrade

Lidiane Silva de Oliveira

O poema pode ser divido em quatro momentos ou quarto estados. No

primeiro deles, vemos a figura da mulher que é descrita a princípio com um tom

mais sublime lembrando as idealizações românticas (“Moça linda bem

tratada”/“três séculos de família”) que no final da estrofe desfaz essa primeira

impressão com uma ofensa (“burra como uma porta”). Resumindo podemos

sintetizar a estrofe parafraseando-a: uma moça linda, de família rica importante

que ama, mas que é burra como uma porta. Mário de Andrade procura

desmistificar a figura feminina tornando-a comum, humana.

Na segunda estrofe temos a figura de um personagem masculino fino,

sem caráter, sem pudor, “sem vergonha”... (“Grã-fino do despudor”). O poema

foi construído de forma que os substantivos assumem papel de qualificador,

por isso do segundo verso ao lermos “Esporte, ignorância e sexo” inferimos

que o sujeito tem uma aparência atlética, é ignorante, pois desconhece ou não

viveu profundas experiências e é depravado. A ofensa, repetida como um

refrão (“Burro como uma porta:/ Um coió”), desqualifica ainda mais o

personagem que é chamado de bobo. Novamente a intenção de Mário de

Andrade pedia ser de desfazer um perfil idealizador de homem burguês bem

apessoado e cavalheiro legados do Romantismo em diante.

Na terceira estrofe podemos imaginar que os dois personagens já

apresentados se relacionaram e que após algum tempo ambos mudaram suas

aparências, mas não suas essências:

Page 3: ANÁLISE DO POEMA VICIO NA FALA

“Mulher gordaça, filó,De ouro por todos os poros

Burra como uma porta:Paciência...

Plutocrata sem consciência,Nada porta, terremoto

Que a porta de pobre arromba:Uma bomba.”

É possível interpretar que Mário de Andrade trouxe ao poema o feio

como uma forma de ruptura ao apego estético exposto pelo Parnasianismo e o

Simbolismo.