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Análise de Condições de Contorno para a Quantificação da Transferência
de Massa Unidimensional em Regime Turbulento
Guilherme B. Lopes Júnior, Harry E. Schulz Núcleo de Engenharia Térmica e dos Fluidos e Departamento de Hidráulica e Saneamento, Escola de Engenharia de São Carlos,
Universidade de São Paulo.
Av. Trabalhador São-Carlense, 400, CEP 13566-590, São Carlos, SP.
E-mail: [email protected], [email protected]
Resumo: O presente trabalho discute as condições de contorno aplicadas a uma quantificação de
transferência de massa unidimensional em um escoamento turbulento utilizando uma proposta “a
priori” para as flutuações das grandezas aleatórias. Tal estudo foi baseado em simulações numéricas
utilizando o método de Runge-Kutta de terceira ordem, a fim de comparar os resultados obtidos com
dados experimentais de transferência de massa unidimensional em grades oscilantes para a validação
da metodologia implementada, resultando em uma análise de sensibilidade das condições de contorno
a serem utilizadas no problema.
Palavras-chave: condições de contorno; transferência de massa; turbulência, ondas quadradas
aleatórias.
1 Exposição do Problema
Os estudos de escoamentos turbulentos têm sido realizados baseando-se na teoria estatística da
turbulência, uma vez que geralmente interessa o comportamento médio das grandezas relevantes. A
base geral para a análise estatística é a chamada decomposição de Reynolds, que consiste em dividir a
grandeza aleatória ( ) em uma componente média ( ), com comportamento mais suave, e uma
parcela aleatória ( ). Na presente abordagem indica a direção considerada. Tem-se:
(01)
Nas operações que se seguem para a obtenção das equações do transporte das grandezas médias, a
não linearidade das equações originais passa a ser um empecilho, uma vez que se geram mais
incógnitas do que equações, sendo este conhecido como o problema de fechamento em turbulência.
Não existe ainda um consenso em como quantificar as parcelas adicionais, o que fez com que os
estudiosos da área desenvolvessem conceitos aproximativos, exaustivamente testados e
incrementados, de forma a poder atingir o objetivo prático de previsão de escoamentos turbulentos e
do transporte de propriedades físicas a eles associados.
O presente texto é baseado na metodologia inicialmente apresentada por [4] e [6], posteriormente
rediscutida por [5] e [3], na qual é utilizada uma abordagem que simplifica a distribuição temporal da
grandeza em estudo com o uso de ondas quadradas aleatórias, definindo funções com significado
físico claro e que visam fazer com que as respostas buscadas através da simplificação sejam as
respostas do problema original. Nos estudos [4] e [6] analisou-se, a partir desta consideração a priori,
a transferência de massa unidimensional, onde todas as grandezas físicas e conceituais do problema de
fechamento são delimitadas no início da abordagem. (Como comentário, vale mencionar que a
abordagem a posteriori usualmente emprega modelos baseados na viscosidade turbulenta de
Boussinesq, uma aproximação heurística que é posteriormente quantificada com proposições
distintas). Este estudo de transferência turbulenta de massa é também abordado aqui.
2 Formulação Empregada
As equações utilizadas no problema de transferência de massa (ver [3], [5] e [6]) foram:
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(
) (02)
(
) (03)
Onde é média da concentração em um ponto, é a difusividade molecular do meio, é a
oscilação da concentração em um ponto qualquer e é a oscilação da velocidade ao longo de para o
ponto em questão. As médias dos produtos entre as flutuações ( e ) representam o fluxo de
massa turbulento e o fluxo da intensidade da flutuação de concentração, respectivamente. A primeira
equação é proveniente da equação de transferência de massa em regime turbulento e a segunda é um
balanço dos momentos centrais de segunda ordem.
Para a aplicação destas equações foi realizada uma simplificação do registro aleatório original
para ondas quadradas aleatórias, na qual os valores de uma grandeza (no presente caso a concentração)
oscilam entre dois valores extremos (para o caso bimodal presente) de maneira instantânea, o que pode
ser visualizado na figura 01.
Figura 01: comportamento da concentração e sua simplificação ao longo do tempo para uma seção z a
partir de ondas quadradas aleatórias bimodais. (Extraído de [6])
Como pode ser observada na figura 01, a concentração possui como valores limites extremos:
superior e inferior . Como se está trabalhando com as equações 02 e 03 unidimensionais em z,
para uma posição qualquer, as concentrações variam de maneira instantânea entre uma concentração
e , onde é a parcela média de redução da máxima concentração e é a parcela média
de acréscimo da mínima concentração, ambas dependentes de .
Como já mencionado, a metodologia utiliza funções com sentido físico claro, denominadas de
função de partição ( ), de redução ( ) e de superposição ( ). A primeira decorre de uma ponderação
temporal da concentração, sendo apresentada como:
(04)
Com isso:
(05)
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Com relação à função de redução, os limites de flutuação da concentração irão depender da
posição ao longo da camada limite de transferência. Desta forma é preciso ajustar os valores extremos
a partir de e . Isto foi feito considerando as variáveis P e N da figura 01c:
( )( ) (06)
De maneira análoga:
( ) (07)
Note-se que tem uma definição condicionada a uma relação adicional entre P e N (conservação
de massa). A função de superposição caracteriza, como o nome já sugere, a superposição, no tempo,
entre os sinais (relativos à média) de concentração e de velocidade e pode ser apresentada, conforme
definido em [5] e [6] e também descrito em [3], como:
( ) (08)
Observa-se em (08) que a função de superposição é definida com base em duas funções de
partição, uma para a concentração (n, já definida) e outra para a velocidade (m, que é a função de
partição para a velocidade e que segue os mesmos moldes de definição da função n). A partir destas
funções básicas, considerando uma simplificação relativa à função , na qual sua média ao longo da
camada-limite é utilizada (uma proposta que visou testar a metodologia), conforme destacado em [5],
[6] e [3], obtém-se a seguinte equação diferencial parcial simplificada:
( )[ ( )( ) ( )]
( )[ ( )( ) ( )] (
)
( )[ ( )( )] (
)
( )[( ) ( )( )] (
)
( )( )[ ( ) ( )]
(
)
*
( )+
(09)
O domínio de aplicação desta equação é a região na qual a concentração média varia, ou seja, a
camada-limite de concentração no problema aqui considerado. Nesta equação é a média da função
de redução (que varia entre 0 e 1), é a posição adimensionalizada (também variando entre 0
e 1) e S= , onde é a espessura da camada limite de concentração e é o coeficiente de
transferência de massa, uma constante relacionada com o crescimento da concentração em relação
ao tempo no problema estudado, seguindo uma equação similar à lei do resfriamento de Newton (ver
referência [6]). Os passos dedutivos, bem como a equação completa para uma função de redução
variável podem ser vistos em [3], [5] e [6].
Vale observar que a equação apresentada decorre de uma equação diferencial parcial em relação à
e t, embora só varie com z. As derivadas parciais temporais, no presente problema, foram
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efetuadas considerando a equação constitutiva semelhante à lei de resfriamento de Newton já
mencionada. Como consequência, na sequência dos procedimentos, a equação (09) é resolvida a partir
de derivadas ordinárias.
3 Método de Resolução
A equação ordinária (09) foi resolvida numericamente, no presente trabalho, pelo método de
Runge-Kutta de terceira ordem, conforme descrito em [1]. As quantificações numéricas objetivaram
verificar o comportamento da função de partição n e compará-la com os dados dispostos por [2], que
apresenta resultados experimentais para diferentes condições experimentais. Esses dados foram
estudados de forma adimensionalizada por [4] (enfatizando a variabilidade da função ), gerando
também uma representação adimensional coesa para n, expressa por uma nuvem de pontos com
mínima dispersão. Posteriormente, [6], [5] e [3] utilizaram este resultado experimental em suas
análises.
A resolução numérica de equações diferenciais pode depender de modo bastante intenso das
condições de contorno. Considerando as três condições de contorno usuais para equações diferenciais,
tem-se:
Condição de Dirichlet: um valor específico da variável dependente é fornecido no contorno;
Neumann: um valor específico para a derivada da variável dependente (ou gradiente) é
fornecido no contorno;
Cauchy (ou Robin): uma combinação linear dos dois primeiros tipos é fornecida no contorno.
Como a equação diferencial apresentada é de terceira ordem, deve-se, portanto, trabalhar com
pelo menos três condições de contorno. Fisicamente as condições de Dirichlet no início ( ) e fim
( ) da camada-limite de concentração são sempre conhecidas, bem como a condição de
Neumann em . Esta é a condição ideal de trabalho e foi inicialmente adotada. Na utilização do
método de Runge-Kutta, verificou-se que este conjunto de contornos não se adequou para a obtenção
dos perfis de n, ao longo de z*, pelo menos como o conjunto de equações definido para o método a
partir da equação (09) e a metodologia de cálculo adotada para o procedimento numérico (outras
formas de definição e outros métodos eventualmente suplantarão esta dificuldade).
Alterou-se, então, o conjunto de condições de contorno para se situarem apenas na origem de z*
(isto é, em ). Foi imposta uma condição de contorno do tipo Neumann, uma do tipo Dirichlet e
uma derivada segunda (a qual, por envolver a derivada, foi também denominada de Neumann em [3],
para simplificação de nomenclatura, porém sem vinculá-la ao sentido físico de caracterizar o fluxo da
grandeza física transferida). Desta forma foram obtidos excelentes perfis numéricos (bem ajustados
aos perfis experimentais) e com um custo computacional muito baixo.
Conforme destacado por [3], uma grande quantidade de simulações foi realizada com o método
de Runge-Kutta de terceira ordem. Já as referências [6] e [5] mostram o uso do método de quarta e
quinta ordens, bem como o conjunto de equações considerado para uso desse método e um endereço
na Internet, que disponibiliza uma planilha para o cálculo numérico da função n considerando um
valor médio para a função . A gama de valores testados para e a derivada segunda também é
fornecida nas referências.
4 Resultados
Nas figuras 02 e 03 podem ser vistos alguns resultados dispostos em [3]. A nuvem de pontos de
[2] é destacada em cinza ([4], [6], [5] e [3]), enquanto que a curva contínua é o resultado numérico
obtido por [3].
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Figura 02: Nuvem de pontos experimental e resultado numérico de para e .
(Extraído de [3])
As condições de contorno utilizadas foram extraídas dos dados e estão dispostas na tabela 01
Nota-se que o método utilizado impôs o uso de condições de contorno na origem. Nesse caso, os
dados experimentais permitiram também ajustar a derivada segunda na origem, possibilitando a
resolução matemática do problema, que foi o objetivo do estudo aqui descrito. Sua interpretação física
depende de uma abordagem mais detalhada, que é função de cada caso estudado, mas que não é objeto
do presente estudo. Essas condições foram ajustadas para que a forma da nuvem de pontos para n
fosse adequadamente seguida em toda a sua extensão, inclusive conduzindo ao valor próximo a zero
no final do domínio unitário.
Tipo de Condição Condição de Contorno
Dirichlet ( )
Neumann ( )
Derivada segunda ( )
Tabela 01: condições de contorno para a simulação da figura 02 (Extraído de [3]).
Como mencionado, a derivada segunda possibilita a resolução matemática do problema com a
utilização do Método de Runge-Kutta, mostrando que a metodologia utilizada para a resolução do
problema de transporte turbulento é viável. Na análise dos contornos verificou-se que, com a
mudança do valor médio da função de redução torna-se necessário alterar ao menos uma das
condições de contorno. Conforme disposto por [3], pode-se variar ou a derivada segunda ou o
conjunto das derivadas primeira e segunda, sendo possível obter resultados distintos em ambas as
situações, mesmo que com diferenças sutis. Na figura 03 pode ser visto um exemplo desse tipo de
variação.
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1
0 0,2 0,4 0,6 0,8 1
n
z*
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Figura 03: simulação para para condições de contorno distintas. As condições de contorno
estão arroladas na tabela 02 (Extraído de [3])
As curvas (1) e (2), na figura 03, representam duas simulações distintas da equação (09), nas
quais são alteradas as condições de contorno, conforme indicado na tabela 02. Observa-se que em
ambos os casos há uma boa representação dos dados em questão para o mesmo valor de médio.
Tipo de Condição Condição de Contorno
Curva (1)
Condição de Contorno
Curva (2)
Dirichlet ( ) ( )
Neumann ( )
( )
Derivada segunda ( )
( )
Tabela 02: condições de contorno para a simulação da figura 03 ([3]).
Uma conclusão dessas avaliações numéricas é que podem existir muitas combinações
(eventualmente inúmeras) de condições de contorno e que podem representar um conjunto de dados
experimentais. No caso dos dados experimentais usados, considerou-se um valor para S. No entanto,
apesar de a nuvem de pontos ser coesa, variações em S podem existir (no exemplo, aproximadamente
entre 200 e 1000), o que contribui para a multiplicidade de combinações possíveis mencionada.
O uso de médio se deve à busca da viabilização da metodologia proposta. Esta viabilização
concentrou-se na reprodução da função de partição n observada experimentalmente, o que foi atingido
com sucesso, conforme mostra a figura 03. Entretanto, a definição de é de que esta é uma função
variável ao longo de . Os resultados múltiplos para as combinações de condições de contorno estão
muito provavelmente ligados precipuamente à simplificação efetuada para o teste de viabilização da
metodologia. Assim, o uso da metodologia com variável, ou seja, expresso como função de z*,
deverá conduzir a resultados mais concisos, conforme enfatizado em [6], [5] e [3].
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1
0 0,2 0,4 0,6 0,8 1
n
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5 Conclusões
O problema de transporte turbulento de massa foi abordado utilizando a metodologia das ondas
quadradas aleatórias e foi resolvido numericamente com o método de Runge-Kutta de terceira ordem,
para médio constante. A atenção concentrou-se na análise das condições de contorno.
Este estudo utilizou como condições de contorno na origem, na resolução da equação de terceira
ordem, um valor da função (Dirichlet), um valor da sua derivada primeira (Neumann) e um valor da
sua derivada segunda. Para obter o perfil matematicamente, isto se mostrou suficiente e aponta para a
adequabilidade da metodologia. Entretanto, o problema físico geralmente está na obtenção dos fluxos
das grandezas transferidas, ou seja, na obtenção da derivada primeira. Consequentemente, estudos são
desejados para a obtenção dos fluxos e, mais uma vez, considera-se que a metodologia, aplicada com
genérico (variável) deverá suplantar esse problema.
Referências
[1] S. C. Chapra, R. P. Canale, “Numerical Methods for Engineers”. McGraw-Hill Education. 5ª
Edição, Singapura, 2006.
[2] J. G. Janzen, “Fluxo de Massa na Interface Ar-água em Tanques de Grades Oscilantes e Detalhes
de Escoamentos Turbulentos Isotrópicos” Tese de Doutorado, EESC – Universidade de São Paulo,
2006.
[3] G. B. Lopes Júnior, “Organização de Equações Estatísticas para Transferência de Massa em
Processos Turbulentos”, Dissertação de Mestrado, EESC - Universidade de São Paulo, 2012.
[4] H. E. Schulz, J. G. Janzen, Concentration Fields Near Air-Water Interfaces During Interfacial Mass
Transport: Oxygen Transport and Random Square Waves Analysis, Brazilian Journal of Chemical
Engineering, Vol. 26, Nº 3, pp. 527-536, 2009.
[5] H. E. Schulz, G. B. Lopes Júnior, A. L. A. Simões, R. J. Lobosco, One Dimensional Turbulent
Transfer Using Random Square Waves – Scalar/Velocity and Velocity/Velocity interactions, em
“Hydrodynamics – Advanced Topics” (H. E. Schulz, A. L. A. Simões e R. J. Lobosco, eds.), pp. 3-34,
InTech, Croácia, 2011.
[6] H. E. Schulz, A. L. A. Simões, J. G. Janzen, Statistical Approximations in Gas-Liquid Mass
Transfer, em “Gas Transfer at Water Surfaces 2010 – selected papers” (S. Komori, W. McGillis, R.
Kurose, eds.), pp. 208-221, Kyoto University Press, Kyoto, 2011.
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