Analise Das Obras de Cruz e Souza 2A

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Cruz e Souza – Poeta Simbolista Brasileiro Cruz e Souza foi um poeta mineiro, filho de escravos alforriados, estudado e massacrado pela sociedade. É um retrato da capacidade de superação do ser humano de qualquer opressão pelo talento, pela genialidade. Poucos foram os escritores negros e mulatos. E poucos foram os que escreveram em favor da causa negra, porém muitos acusaram Cruz e Souza de ter-se omitido, mesmo recebendo a Alcunha de Cisne Negro ou Dante Negro . Entretanto, o poeta participou de campanhas antiescravistas, demonstrando seu desgosto com a condição dos negros no Brasil. O poeta sofreu preconceitos devido sua cor, pois foi recusado como promotor de Laguna (Santa Catarina)por ser negro e ao final de sua vida, sem dinheiro e reconhecimento, seu corpo foi transportado em vagão de animais para o Rio de Janeiro onde foi enterrado. Como muitos escritores, sua obra foi reconhecida depois de sua morte e para compreendermos melhor esse representante ilustre da raça negra, será feita a análise de cinco de seus poemas pela 2ª Fase do Ensino Médio da EJA de nossa escola, que enfatizam uma certa religiosidade e tristeza perante a vida. CÁRCERE DAS ALMAS Ah! Toda a alma num cárcere anda presa, Soluçando nas trevas, entre as grades Do calabouço olhando imensidades, Mares, estrelas, tardes, natureza. Tudo se veste de uma igual grandeza Quando a alma entre grilhões as liberdades Sonha e, sonhando, as imortalidades Rasga no etéreo o Espaço da Pureza. Ó almas presas, mudas e fechadas Nas prisões colossais e abandonadas, Da Dor no calabouço, atroz, funéreo! Nesses silêncios solitários, graves, que chaveiro do Céu possui as chaves para abrir-vos as portas do Mistério?! O soneto de Cruz e Souza aborda o tema sobre espiritualidade “cárcere” “calabouço” que significa prisão subterrânea. Para o eu-

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Cruz e Souza – Poeta Simbolista Brasileiro

Cruz e Souza foi um poeta mineiro, filho de escravos alforriados, estudado e massacrado pela sociedade. É um retrato da capacidade de superação do ser humano de qualquer opressão pelo talento, pela genialidade.

Poucos foram os escritores negros e mulatos. E poucos foram os que escreveram em favor da causa negra, porém muitos acusaram Cruz e Souza de ter-se omitido, mesmo recebendo a Alcunha de Cisne Negro ou Dante Negro . Entretanto, o poeta participou de campanhas antiescravistas, demonstrando seu desgosto com a condição dos negros no Brasil.

O poeta sofreu preconceitos devido sua cor, pois foi recusado como promotor de Laguna (Santa Catarina)por ser negro e ao final de sua vida, sem dinheiro e reconhecimento, seu corpo foi transportado em vagão de animais para o Rio de Janeiro onde foi enterrado.

Como muitos escritores, sua obra foi reconhecida depois de sua morte e para compreendermos melhor esse representante ilustre da raça negra, será feita a análise de cinco de seus poemas pela 2ª Fase do Ensino Médio da EJA de nossa escola, que enfatizam uma certa religiosidade e tristeza perante a vida.

CÁRCERE DAS ALMAS

Ah! Toda a alma num cárcere anda presa,Soluçando nas trevas, entre as gradesDo calabouço olhando imensidades,Mares, estrelas, tardes, natureza.

Tudo se veste de uma igual grandezaQuando a alma entre grilhões as liberdadesSonha e, sonhando, as imortalidadesRasga no etéreo o Espaço da Pureza.

Ó almas presas, mudas e fechadasNas prisões colossais e abandonadas,Da Dor no calabouço, atroz, funéreo!

Nesses silêncios solitários, graves,que chaveiro do Céu possui as chavespara abrir-vos as portas do Mistério?!

O soneto de Cruz e Souza aborda o tema sobre espiritualidade “cárcere” “calabouço” que significa prisão subterrânea. Para o eu-lírico é nesta prisão que encontram-se as almas (no plural, pois para o eu-lírico todas estão aprisionadas). A subjetividade do eu lírico configura um estado de existência que se torna comum entre todos os seres humanos que vivem no mundo material. O cárcere é o próprio ser humano, que prende o espírito no mundo material e o impede de se libertar e atingir a plenitude, pois para ele somente a carne trancafia a essência mística da vida numa cela obscura e mórbida. Reafirma os anseios e sonhos da alma por uma nova dimensão e por todas as liberdades possíveis. Exprime uma invocação ou chamamento na terceira estrofe para enfocar o estado angustiante e doloroso que se encontram as almas, porque a mercê da sorte agonizam sua “Dor” de viver no mundo carnal. Ao finalizar o poema o eu-lírico lança uma pergunta para o interior do próprio ser, porque denota a busca incesante por respostas e assim o homem volta para a realidade subjetiva. Quanto a estrutura do soneto, observamos rimas opostas, com musicalidade através de aliterações “Nesses silêncios solitários, graves,” e assonância “Mares, estrelas, tardes, natureza.” O poeta usa a invocação das maiúsculas para dar força emocional “Rasga no etéreo o Espaço da Pureza”.

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VIDA OBSCURA

Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro,Ó ser humilde entre os humildes seres.Embriagado, tonto dos prazeres,O mundo para ti foi negro e duro.

Atravessaste no silêncio escuroA vida presa a trágicos deveresE chegaste ao saber de altos saberesTornando-te mais simples e mais puro.

Ninguém te viu o sentimento inquieto,Magoado, oculto e aterrador, secreto,Que o coração te apunhalou no mundo.

Mas eu, que sempre te segui os passos,Sei que cruz infernal prendeu-te os braços,E o teu suspiro como foi profundo!

Não há como deixar de notar na leitura desse belo soneto de Cruz e Souza, a dor humana sofrida por alguém e a compreensão dessa dor pelo eu lírico. Abre a voz um diálogo com um ser. Diálogos que traz recordações de momentos tristes. Percebemos no 2º verso que o eu lírico refere-se a Cristo que para muitos místicos e crentes, condenado ao sofrimento e a dor antes de nascer, alcança “embriagado tonto dos prazeres, o sublime. O eu lírico entende o sofrimento na mais profunda solidariedade humana e usa suas palavras para falar da incompreensão humana. Na estrutura do soneto o autor usou rimas opostas “ obscuro”/ “escuro” e para causar musicalidade ao seu soneto não deixou de usar a assonância “Magoado, oculto e aterrador, secreto”, a aliteração “Atravessaste no silêncio escuro” . O autor usa a sinestesia em versos “silêncio”, “escuro” para determinar ainda mais sua característica simbolista. Fica evidenciado o misticismo e subjetividade do autor diante de um tema tão profundo e questionador como o que ele abordou.

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Violões que choram...

Ah! plangentes violões dormente, mornos, Soluços ao luar, choros ao vento... Tristes perfis, os mais vagos contornos, Bocas murmurejantes de lamento.

Noites de além, remotas, que eu recordo, Noites de solidão, noites remotas que nos azuis da Fantasia bordo, Vou constelando de visões ignotas.

Sutis palpitações à luz da lua, Anseio dos momentos mais saudosos Quando lá choram na deserta rua As cordas vivas dos violões chorosos.

Quando os sons dos violões vão soluçando, Quando os sons dos violões nas cordas gemem, E vão dilacerando e deliciando, Rasgando as almas que nas sombras tremem.

Harmonias que pungem, que laceram, Dedos nervosos e ágeis que percorrem Cordas e um mundo de dolências geram Gemidos, prantos, que no espaço morrem...

E sons soturnos, suspiradas mágoas, Mágoas amargas e melancolias, No sussurro monótono das águas, Noturnamente, entre ramagens frias.

Vozes veladas, veludosas vozes, Volúpias dos violões, vozes veladas, Vagam nos velhos vórtices velozes Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.

Nos versos abolicionistas Cruz e Souza é condoreiro como Castro Alves. Na sua visão de mundo é romântico e parnasiano pela pureza do verso. No fragmento do poema “Violões que choram” percebemos que o poeta enfatiza a busca entre a palavras e a música. Os sentimentos escapam um pouco ao controle da razão, pois o violão representa os estados emocionais que o ser humana passa. Observamos através da estrutura os jogos da aliteração e musicalidade no uso das letras, como “V” e “Z”, no 7º verso para simbolizar o bordão do violão,a corda grave do violão. Esse poema], marca a presença do Simbolismo. Ele tem 101 anos e foi baseado na obra do Simbolismo Francês “Les Sanglots dos Violons.”

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VELHAS TRISTEZAS

Diluências de luz, velhas tristezas das almas que morreram para a luta! Sois as sombras amadas de belezas hoje mais frias do que a pedra bruta.

Murmúrios incógnitos de gruta onde o Mar canta os salmos e as rudezas de obscuras religiões — voz impoluta de todas as titânicas grandezas.

Passai, lembrando as sensações antigas, paixões que foram já dóceis amigas, na luz de eternos sóis glorificadas.

Alegrias de há tempos! E hoje e agora, velhas tristezas que se vão embora no poente da Saudade amortalhadas! ...

Considerando o aspecto formal, é um soneto com rimas alternadas. Quanto ao aspecto estilístico, desde o título já ocorre uma postura subjetiva, revelando um desejo supremo, em que o adjetivo não tem uma definição rigorosa. A musicalidade nos versos, rimas com adjetivo e substantivo entre o 1º e 4º versos e substantivo e adjetivo no 2º e 3º versos. O poeta utiliza assonância “Diluências de luz, velhas tristezas”. Há uma predominância da cor branca e de claridade em seus versos para dar a existência do vago absoluto “ na luz de eterno sóis glorificados”. Outro elemento importante é o misticismo que se apresenta quase dominante na maior parte do poema. No verso “onde o Mar canta os salmos e as rudezas” a palavra “Mar” ganha um significado transcendente, absoluto, com maior expressividade ao ser grafada com a maiúscula alegorizante. Palavras como “almas”, “sombras”, “religiões”, “amortalhada”, “eternos” acentuam a sugestão mística. Já nos versos ‘Múrmurios incógnitos de gruta” “onde o Mar canta os salmos e as rudezas”, percebe-se a personificação de coisas inanimadas. Diante do poema, fica clara a característica da poesia simbolista e também a religiosidade , pessimismo e misticismo exacerbado do autor perante a vida.

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TRIUNFO SUPREMO

Quem anda pelas lágrimas perdido,Sonâmbulo dos trágicos flagelos,É quem deixou para sempre esquecidoO mundo e os fúteis ouropéis mais belos.

É quem ficou do mundo redimido,Expurgado dos vícios mais singelos,E disse a tudo o adeus indefinidoE desprendeu-se dos carnais anelos!

É quem entrou por todas as batalhasAs mãos e os pés e o flanco ensangüentando,Amortalhado em todas as mortalhas.

Quem florestas e mares foi rasgandoE entre raios, pedradas e metralhas,Ficou gemendo mas ficou sonhando !

Nesse poema, de modo belíssimo, Cruz e Souza coloca a capacidade de sublimação dos ser humano de vencer tudo aquilo que foi na vida realidade. Como podemos observar desde o primeiro verso o autor enfatiza seu misticismo perante a realidade. O poeta trabalha com a musicalidade através da assonância “Ficou gemendo mas ficou sonhando”, aliteração “Amortalhado em todas as mortalhas” e rimas alternadas “ perdido / esquecido”.

Depois de analisado os poemas, percebe-se a busca da essência do ser humano que é alma nas obras de Cruz e Souza. Com isso, podemos fazer uma analogia da temática da própria vida do autor, cuja existência terrena foi marcada pela discriminação racial e social por ser negro e filho de escravos, uma vez que, a procura pela libertação da alma do corpo é constantemente enfatizada em suas obras.e deixa-nos com uma leve suposição de que retrata a dor vivida em suas obras mesmo que tratando-as de forma na pluralidade.