Análise da dinâmica de rotaç˜ao de um satélite artificial: uma oficina ...

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Revista Brasileira de Ensino de F´ ısica, v. 30, n. 1, 1401 (2008) www.sbfisica.org.br Pesquisa em Ensino de F´ ısica An´alise da dinˆ amica de rota¸ c˜ao de um sat´ elite artificial: uma oficina pedag´ ogica em educa¸ c˜aoespacial (The rotational dynamic analysis of an artificial satellite: a pedagogical experiment in space education) Norma Teresinha Oliveira Reis 1 , Nilson Marcos Dias Garcia 2 , Petrˆonio Noronha de Souza 3 e Pedro S´ ergio Baldessar 4 1 Secretaria de Educa¸ c˜aoB´ asica, Minist´ erio da Educa¸ c˜ao,Bras´ ılia, DF, Brasil 2 Departamento de F´ ısica e Programa de P´ os Gradua¸ c˜ao em Tecnologia, Universidade Tecnol´ ogica Federal do Paran´ a, Curitiba, PR, Brasil 3 Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, S˜ ao Jos´ e dos Campos, SP, Brasil 4 Departamento de F´ ısica, Universidade Tecnol´ ogica Federal do Paran´ a, Curitiba, PR, Brasil Recebido em 28/8/2007; Revisado em 29/12/2007; Aceito em 3/1/2008 Este artigo apresenta e explora potencialidades pedag´ogicas de uma oficina em educa¸c˜ ao espacial que si- mula o movimento de rota¸c˜ ao de um sat´ elite artificial no espa¸co. Para representar o sat´ elite, constr´oi-se um dispositivo simples formado basicamente por uma lata vazia de refrigerante e outros materiais de baixo custo e f´acilaquisi¸c˜ ao. O professor pode utilizar esse experimento para abordar conte´ udos relacionados `a terceira lei de Newton, `a press˜ao, ao movimento rotacional de um corpo no espa¸co, dentre outros. Ademais, pode fomentar o debate sobre aspectos relacionados `a explora¸c˜ ao espacial por sat´ elites discutindo com os alunos a defini¸c˜ ao de sat´ elites; a distin¸c˜ ao entre sat´ elite natural e artificial; os tipos de sat´ elites artificiais e suas ´orbitas; os benef´ ıcios oriundos da tecnologia de sat´ elites; os principais sat´ elites internacionais e brasileiros, contribuindo assim para disseminar o Programa Espacial Brasileiro como elemento relevante das realiza¸c˜ oes nacionais, bem como o uso de conhecimentos e terminologia espaciais para motivar as aulas de f´ ısica. Palavras-chave: ensino de f´ ısica,educa¸c˜ ao espacial, experimenta¸c˜ ao, sat´ elites artificiais. This article presents and explores the pedagogical possibilities of an experiment in space education which simulates the rotational movement of an artificial satellite in space. In order to simulate the satellite, a simple apparatus made of an empty soft drink can and other low-cost and easy-to-find materials is built. The teacher may use this experiment to present contents related to Newton’s third law of motion, pressure; the rotational movement of a celestial body, and so forth. Moreover, the teacher can stimulate the debate on aspects associa- ted to space exploration conducted by artificial satellites, discussing with students the definition of satellites; the distinction between natural and artificial satellites; the types of artificial satellites and their corresponding orbits; the benefits brought forward by satellite technology; the major international and Brazilian satellites, contributing to disseminate the Brazilian space program as a relevant element of national accomplishments as well as the use of space knowledge and terminology to motivate physics classes. Keywords: physics teaching, space education, experimentation, artificial satellites. 1. Introdu¸ ao Pilares fundamentais para o desenvolvimento sus- tent´ avel [1] de uma na¸ c˜ao, aciˆ encia e tecnologia contri- buem para impulsionar a qualidade de vida e o cresci- mento econˆomico dos pa´ ıses. Desde a Revolu¸c˜ao Mer- cantil e, de forma mais acentuada, a Revolu¸ c˜aoIn- dustrial, o progresso cient´ ıfico e tecnol´ogico tˆ em con- tribu´ ıdo para determinar patamares diferenciados de desenvolvimento entre as na¸ c˜oes[2]. A t´ ıtulo de ilus- tra¸ c˜ao, o investimento em setores estrat´ egicos como o aeroespacial assegura o dom´ ınio de processos, produ- tos e servi¸cos de alto valor agregado, gerando divisas que impulsionam o crescimento socioeconˆomico. No entanto, o capital cient´ ıfico 1 se encontra desigualmente distribu´ ıdo no planeta. Precisamos, assim, construir uma ciˆ encia a servi¸co das demandas da sociedade bra- sileira, comprometida com a inclus˜ao social e com o acesso efetivo aos bens tecnol´ogicos, na perspectiva de assegurar bem-estar social e cidadania plena a todos. 2 E-mail: [email protected]. 1 Categoria utilizada por Bourdieu em sua abordagem dos usos sociais da ciˆ encia. A esse respeito, consultar a Ref. [3]. Copyright by the Sociedade Brasileira de F´ ısica. Printed in Brazil.

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Revista Brasileira de Ensino de Fısica, v. 30, n. 1, 1401 (2008)www.sbfisica.org.br

Pesquisa em Ensino de Fısica

Analise da dinamica de rotacao de um satelite artificial:

uma oficina pedagogica em educacao espacial(The rotational dynamic analysis of an artificial satellite: a pedagogical experiment in space education)

Norma Teresinha Oliveira Reis1, Nilson Marcos Dias Garcia2,Petronio Noronha de Souza3 e Pedro Sergio Baldessar4

1Secretaria de Educacao Basica, Ministerio da Educacao, Brasılia, DF, Brasil2Departamento de Fısica e Programa de Pos Graduacao em Tecnologia,

Universidade Tecnologica Federal do Parana, Curitiba, PR, Brasil3Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Sao Jose dos Campos, SP, Brasil

4Departamento de Fısica, Universidade Tecnologica Federal do Parana, Curitiba, PR, BrasilRecebido em 28/8/2007; Revisado em 29/12/2007; Aceito em 3/1/2008

Este artigo apresenta e explora potencialidades pedagogicas de uma oficina em educacao espacial que si-mula o movimento de rotacao de um satelite artificial no espaco. Para representar o satelite, constroi-se umdispositivo simples formado basicamente por uma lata vazia de refrigerante e outros materiais de baixo custo efacil aquisicao. O professor pode utilizar esse experimento para abordar conteudos relacionados a terceira lei deNewton, a pressao, ao movimento rotacional de um corpo no espaco, dentre outros. Ademais, pode fomentar odebate sobre aspectos relacionados a exploracao espacial por satelites discutindo com os alunos a definicao desatelites; a distincao entre satelite natural e artificial; os tipos de satelites artificiais e suas orbitas; os benefıciosoriundos da tecnologia de satelites; os principais satelites internacionais e brasileiros, contribuindo assim paradisseminar o Programa Espacial Brasileiro como elemento relevante das realizacoes nacionais, bem como o usode conhecimentos e terminologia espaciais para motivar as aulas de fısica.Palavras-chave: ensino de fısica, educacao espacial, experimentacao, satelites artificiais.

This article presents and explores the pedagogical possibilities of an experiment in space education whichsimulates the rotational movement of an artificial satellite in space. In order to simulate the satellite, a simpleapparatus made of an empty soft drink can and other low-cost and easy-to-find materials is built. The teachermay use this experiment to present contents related to Newton’s third law of motion, pressure; the rotationalmovement of a celestial body, and so forth. Moreover, the teacher can stimulate the debate on aspects associa-ted to space exploration conducted by artificial satellites, discussing with students the definition of satellites;the distinction between natural and artificial satellites; the types of artificial satellites and their correspondingorbits; the benefits brought forward by satellite technology; the major international and Brazilian satellites,contributing to disseminate the Brazilian space program as a relevant element of national accomplishments aswell as the use of space knowledge and terminology to motivate physics classes.Keywords: physics teaching, space education, experimentation, artificial satellites.

1. Introducao

Pilares fundamentais para o desenvolvimento sus-tentavel [1] de uma nacao, a ciencia e tecnologia contri-buem para impulsionar a qualidade de vida e o cresci-mento economico dos paıses. Desde a Revolucao Mer-cantil e, de forma mais acentuada, a Revolucao In-dustrial, o progresso cientıfico e tecnologico tem con-tribuıdo para determinar patamares diferenciados dedesenvolvimento entre as nacoes [2]. A tıtulo de ilus-

tracao, o investimento em setores estrategicos como oaeroespacial assegura o domınio de processos, produ-tos e servicos de alto valor agregado, gerando divisasque impulsionam o crescimento socioeconomico. Noentanto, o capital cientıfico1 se encontra desigualmentedistribuıdo no planeta. Precisamos, assim, construiruma ciencia a servico das demandas da sociedade bra-sileira, comprometida com a inclusao social e com oacesso efetivo aos bens tecnologicos, na perspectiva deassegurar bem-estar social e cidadania plena a todos.

2E-mail: [email protected].

1Categoria utilizada por Bourdieu em sua abordagem dos usos sociais da ciencia. A esse respeito, consultar a Ref. [3].

Copyright by the Sociedade Brasileira de Fısica. Printed in Brazil.

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Nesse panorama, a educacao cientıfica, alem decontribuir para consubstanciar a cultura cientıfica quealmejamos, assume papel relevante no processo deformacao dos cidadaos, considerando-se o fato de que asociedade, sobretudo a partir do seculo XX, encontra-sepermeada por processos, produtos e servicos que reque-rem de todos os sujeitos determinado grau de alfabe-tizacao cientıfica2 para uma insercao social digna. Naoobstante, resultados recentes do Programa Internacio-nal de Avaliacao de Estudantes – PISA3 demonstramque um numero significativo de alunos de ensino fun-damental e medio em todo o mundo nao tem aprendidociencias como deveriam. No que se refere ao ensino defısica, Campbell comenta que essa disciplina e usual-mente abordada de forma a-historica, sem conexao comsuas raızes na sociedade e com seu uso presente ou fu-turo [6].

Esse cenario demanda a revisao de concepcoes,currıculo e metodologias para essas areas. Um dosfatores que contribuem para o sucesso do ensino deciencias, e por derivacao, da fısica, consiste na ade-quacao da linguagem ao publico a que se destina. Se-gundo Monteiro [7], alguns fatores crıticos no ensino deciencias, em maior ou menor grau relacionados a lingua-gem, precisam ser superados, quais sejam: a) enfoqueeminentemente teorico; b) temas e problemas descon-textualizados e a-historicos; c) atividades praticas comoapendices de aulas teoricas; d) programas demasiada-mente lineares; e) resistencia ao trabalho interdiscipli-nar.

No que se refere ao ensino de fısica, uma educacaocomprometida com a formacao humana integral e paraa vida passa pelo repensar de suas praticas pedagogicas.Tendo em vista que a finalidade precıpua do ensinodessa disciplina na educacao basica nao consiste emformar fısicos, dois aspectos devem ser considerados:a fısica como cultura e como possibilidade de com-preensao do mundo [8]. Isso significa que precisa-mos de um novo desenho para o ensino dessa disci-plina tanto em ambito teorico-conceitual quanto me-todologico. Os avancos dessa ciencia, sobretudo nosdois ultimos seculos, devem ser considerados em suapratica pedagogica. Da mesma forma, a abordagem ex-perimental dessa ciencia deve ser valorizada, na medidaem que possibilita a participacao ativa do estudante naconstrucao do conhecimento, contribuindo para que aaprendizagem se efetive e seja significativa, de modo aacompanha-lo ao longo da vida.

As atividades experimentais despertam a curiosi-dade e o espırito crıtico, suscitam discussoes, deman-dam reflexao, elaboracao de hipoteses, ensinam a ana-lisar os resultados e favorecem uma melhor percepcao

da relacao ciencia e tecnologia [9]. Com efeito, a ex-perimentacao tem se revelado uma estrategia capaz detransformar praticas de ensino de fısica em experienciaspedagogicas aprazıveis, na medida em que possibilitaao estudante o contato com objetos, fatos e fenomenostangıveis e/ou observaveis presentes em seu cotidiano,facilitando a efetiva compreensao de princıpios, concei-tos e fenomenos desse campo do conhecimento. Se-gundo Ramos e Ferreira [10], o uso de experimentosconduz o aluno a tentar reproduzi-los e, a partir deseu interesse em entender o que aconteceu, a teorizacaopode ocorrer com maior profundidade. Ainda segundoos autores, o emprego desse recurso possibilita distin-guir aprendizagem de memorizacao – situacao em queo aluno domina o discurso, mas nao a compreensao dofenomeno observado.

E fundamental, todavia, que o professor com-preenda que o experimento cumpre uma funcao, pos-sui um significado e uma especificidade pedagogicana formacao do estudante, nao se tratando de meroapendice. De acordo com Soussan [11], ainda, e ne-cessario distinguir que experimentos os alunos sao ca-pazes de realizar. E essa constatacao deve consideraras experiencias significativas vivenciadas por esses estu-dantes, seus conhecimentos previos, sua historicidade,bem como seus meios de acesso ao mundo do conheci-mento em um dado momento de seu desenvolvimentobiopsicossocial.

Por outro lado, considerando-se que a tematica es-pacial tem a potencialidade de estimular a curiosidadenos jovens e seu interesse pelos conteudos cientıficos,deve ser levada em alta consideracao o uso de expe-rimentos relacionados a essa tematica nas disciplinascientıficas.

Tal abordagem contribui tambem para o resgate cul-tural e historico das atividades espaciais como elementoda cultura nacional, principalmente porque o Brasil eum dos principais paıses em desenvolvimento a buscaro desenvolvimento de todos os elementos constituintesde um programa espacial, quais sejam, satelites, plata-formas de lancamento, foguetes e veıculo lancador desatelites, centros para as aplicacoes de satelites, comoas de observacao da Terra e de meteorologia, centrosde formacao de pessoal de alta qualidade, reconheci-dos nacional e internacionalmente, como o InstitutoTecnologico de Aeronautica – ITA e o Instituto Nacio-nal de Pesquisas Espaciais – INPE, bem como um com-plexo industrial voltado as demandas do setor, concen-trado no Vale do Paraıba, interior do Estado de SaoPaulo.

Importante ainda para atualizar alunos e professoresno que se refere as recentes realizacoes e perspectivas do

2Shamos emprega a categoria alfabetizacao cientıfica para definir a compreensao das principais estruturas conceituais que formamas fundacoes da ciencia, o papel que elas desempenham no empreendimento cientıfico e a razao pela qual elas sao amplamente aceitas,assim como o entendimento dos elementos do metodo cientıfico, do pensamento analıtico e dedutivo, do processo de pensamento logico,da confianca na evidencia objetiva e o papel da experimentacao na ciencia (ver Ref. [4]).

3Exame realizado pela Organizacao para Cooperacao e Desenvolvimento Economico (OECD) (ver Ref. [5]).

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setor espacial, a abordagem dessas questoes contribuipara conscientizar sobre assuntos como o incrementonas pesquisas desenvolvidas pelas agencias espaciais dediversos paıses visando a exploracao do espaco exte-rior, principalmente pela NASA, que objetiva para asproximas decadas o retorno a Lua, com o estabeleci-mento de uma base permanente naquele satelite; o en-vio de missoes tripuladas para Marte e a exploracao doespaco distante, ou seja, dar continuidade e amplificarsua estrategia de exploracao, estendendo a presenca hu-mana no espaco [12], estabelecendo para tal, mecanis-mos de cooperacao internacional, dada a envergadura ecomplexidade do empreendimento.

Tomando essas consideracoes como premissas, apre-sentamos e discutimos neste artigo algumas potenciali-dades educativas de uma oficina em educacao espacial4

denominada Como girar um satelite. Essa atividade ex-perimental contribui para a compreensao do Princıpioda Acao e Reacao (Terceira Lei de Newton) e apresentaalguns elementos da dinamica orbital de um satelite ar-tificial.

Desenvolvida originalmente pela NASA5 e adaptadaao ambito do Programa AEB Escola,6 da Agencia Es-pacial Brasileira (AEB),7 essa oficina foi utilizada nocurso de formacao continuada de professores denomi-nado Sensoriamento Remoto como Recurso Didaticono Ensino Medio, promovido pelo Departamento dePolıticas de Ensino Medio do Ministerio da Educacaoem parceria com a AEB, por tres anos consecutivos.8

Sua realizacao e facil e demanda materiais acessıveise de baixo custo. Ela pode ser utilizada tanto na formade demonstracao quanto de experimento pratico, comampla participacao dos alunos, que montam e discutemcoletivamente o experimento.

O uso da oficina aqui apresentada estimula o debateacerca dos satelites artificiais – tipos, orbitas, carac-terısticas e seus benefıcios socioeconomicos, bem comosobre aspectos relacionados a exploracao espacial brasi-leira e mundial. Assim, torna-se relevante utilizar essaestrategia em sala de aula, de modo a contribuir paramotivar uma aprendizagem que seja efetivamente in-

terdisciplinar, significativa e comprometida com umaeducacao cientıfica para todos e, ao mesmo tempo, dis-seminar o Programa Espacial Brasileiro como elementorelevante das realizacoes nacionais e apresentar o em-preendimento espacial como uma atividade humana quecumpre determinadas funcoes sociais, contribuindo as-sim para sua desmistificacao.

2. Satelites artificiais

Conceitualmente, um satelite consiste em um corpo demenor massa que orbita um corpo de maior massa,como a Terra. Podem ser categorizados como satelitesartificiais os artefatos colocados pelo homem em orbitada Terra ou de outros corpos celestes, tais como a Lua, oSol ou outros planetas. Dentre eles, encontramos son-das interplanetarias, telescopios espaciais e o proprioonibus espacial.

O primeiro satelite construıdo na historia da hu-manidade foi o Sputnik I, lancado ao espaco em 1957,pela ex-Uniao Sovietica. Em 1958, o Explorer 1 foilancado pelos Estados Unidos, como uma resposta aolancamento do Sputnik I, no contexto da “corrida es-pacial” entre as duas nacoes. Nesse panorama, outrossatelites, tambem categorizados naves espaciais tripu-ladas, foram colocados em orbita de nosso planeta e deoutros corpos celestes, como a serie de naves da missaoApollo, responsavel pelo pouso de seres humanos naLua, pela primeira vez na historia.9 Outras sondas temsido enviadas para investigacao cientıfica do universoproximo – o Sistema Solar, incluindo o Sol, os planetase pequenos corpos celestes (cometas e asteroides) [17].

No escopo de um novo desenho dos programas espa-ciais, pautado na cooperacao internacional e no aten-dimento a demandas sociais e economicas, inumerossatelites tem sido projetados, integrados e colocados emorbita terrestre por cerca de 40 paıses, com finalidadesvariadas. Um dos satelites artificiais (tambem classi-ficado como nave espacial tripulada) de maior visibili-dade atualmente e a Estacao Espacial Internacional,10

empreendimento emblematico da polıtica da supraci-4A educacao espacial contribui para despertar a curiosidade e o interesse dos alunos por processos, produtos e servicos oriundos da

exploracao do ambiente espacial, propiciando uma compreensao interdisciplinar da ciencia e tecnologia e da forma como elas afetam ocotidiano. A exploracao espacial e seus desdobramentos podem se tornar um dos eixos a partir dos quais sao abordados conteudos em dis-ciplinas como Fısica, Ciencias e Matematica. Podem ser o ponto de partida e o ponto de chegada a partir do qual o trabalho pedagogicoe desenvolvido. Ela e capaz de propiciar ao estudante uma compreensao integrada de fatos e fenomenos cientıficos e tecnologicos [13].

5Administracao Nacional de Aeronautica e Espaco (EUA). Sıtio: http://www.nasa.gov/ (ver Ref. [14]).6Criado em 2003 e voltado ao ensino medio e fundamental, os principais objetivos do AEB Escola consistem em divulgar o Programa

Nacional de Atividades Espaciais (PNAE) e contribuir para despertar nos estudantes o interesse pela ciencia e tecnologia voltados aarea espacial [15].

7Sıtio: http://www.aeb.gov.br8O curso foi realizado em 2004, 2005 e 2006, por ocasiao da Semana Nacional de Ciencia e Tecnologia, e ainda no ano de 2005,

durante a 57a Reuniao Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciencia. Os Estados beneficiados foram: Parana, Amapa,Ceara, Espırito Santo, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e Amazonas.

9A importancia da Missao Apollo no avanco da planetologia e evidente. De fato, um unico pouso tripulado com a coleta de amostrasde outro corpo celeste do Sistema Solar seria suficiente para fazer de tal missao um marco na historia da ciencia [16].

10Em ingles – International Space Station (ISS). A aparente ausencia de gravidade encontrada em tal ambiente permite realizarpesquisas medicas, em materiais e processos que seriam inexequıveis na Terra. A par disso, a ISS contribui para as perspectivas futurasda NASA de envio de missoes de longa duracao a Lua, a Marte e alem, no escopo de sua Visao para a Exploracao Espacial, que porsua vez delineia estrategias para novas metas de exploracao espacial [18, 19].

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tada cooperacao internacional no setor espacial. Suafinalidade primordial consiste na realizacao de pesqui-sas cientıficas favorecidas pelo ambiente de microgra-vidade. Em 2006, o primeiro astronauta brasileiro foienviado a esse laboratorio orbital.11

Satelites artificiais possuem uma vasta gama de apli-cacoes. A tıtulo de ilustracao, podemos citar os satelitescientıficos, que fotografam objetos espaciais distantes12

ou transportam experimentos a serem desenvolvidosem ambiente de imponderabilidade, tambem conhe-cido como microgravidade. Os de comunicacao, res-ponsaveis pela transmissao de grande parte dos pro-gramas de televisao, pela realizacao tambem de largaparcela das ligacoes telefonicas de longa distancia, alemde contribuir para a teleducacao e a telemedicina. Osmeteorologicos, que contribuem para a realizacao deprevisoes climaticas e meteorologicas com maior pre-cisao. Os de observacao da Terra, notadamente os desensoriamento remoto, responsaveis pelo imageamentoda superfıcie terrestre, o monitoramento de recursosflorestais, minerais, e de safras agrıcolas, cartografia,geologia e recursos hıdricos. Tambem devem ser men-cionados os satelites de posicionamento, que auxiliamno controle de trafego aereo, terrestre e marıtimo, bemcomo outras aplicacoes de substancial importancia so-cioeconomica [20, 21].

As orbitas dos satelites artificiais ao redor daTerra sao calculadas matematicamente antes de seulancamento. Um dos aspectos considerados na fase deplanejamento e o risco de colisao com outros artefatoscolocados em orbita, ou mesmo com micrometeoritos.Neste ponto ha que se considerar um problema notoriono cenario espacial contemporaneo: o lixo espacial de-rivado de missoes anteriores, que permanece circulandoao redor do planeta e, de certa forma, oferecendo pe-rigo as missoes em curso. Existem atualmente cerca de10 mil fragmentos de foguetes ou satelites ao redor daTerra [22].

Os satelites artificiais coletam informacoes por meiode sensores13 e a trajetoria por eles percorrida cor-responde a sua orbita. Dentre outros parametros,tais artefatos podem ser classificados conforme o tipode orbita que descrevem. Duas dentre as infinitas

orbitas possıveis para os satelites artificiais se destacampela sua utilidade, quais sejam, as equatoriais geoesta-cionarias e as polares.a) Satelites de orbita equatorial: apresentam um planode orbita com inclinacao proxima a do equador terres-tre. Dentre estes, existem os que apresentam orbita noplano do equador terrestre e tem um perıodo igual aoda rotacao terrestre, de modo a acompanhar seu movi-mento de rotacao, mantendo sempre a mesma posicaopara um observador na superfıcie terrestre, parecendo,portanto, estacionados em um determinado ponto doespaco. Estes satelites situam-se em uma orbita conhe-cida por geoestacionaria. Eles tem por caracterısticavarrer sempre a mesma porcao da superfıcie da Terra[23]. O satelite, em seu movimento de translacao, per-manece apontado para um unico ponto ou regiao da su-perfıcie terrestre. Seu perıodo de rotacao e de 24 horase sua orbita se situa em torno de 36 mil km de altitude.Exemplos: satelites meteorologicos da serie GOES14 esatelites de telecomunicacoes.b) Satelites de orbita polar : sua trajetoria encontra-se orientada perpendicularmente ao equador terrestre,passando assim pelos polos terrestres. Isso permite aeles maior varredura de superfıcie. Os satelites de sen-soriamento remoto, em geral, tem uma orbita denomi-nada quase polar e se situam a uma altitude entre 700e 1000 km. Exemplos: CBERS15 e LANDSAT.16

Conforme considerado anteriormente, uma daspossıveis missoes dos satelites artificiais consiste na co-leta de informacoes da superfıcie terrestre, que porsua vez sao transmitidas a estacoes de recepcao naTerra, onde sao processadas, convertidas em imagens,graficos, tabelas [25], posteriormente analisados e dis-ponibilizados aos usuarios.

Praticamente todos os paıses em desenvolvimentotem se beneficiado das facilidades do uso de satelitesem setores como comunicacoes, tanto pelo uso de sis-temas internacionais quanto pelo desenvolvimento deseus proprios satelites nacionais [26].

Paıs de vasto territorio e riquezas naturais, o Brasillogo se conscientizou da necessidade de projetar e cons-truir seus proprios satelites, bem como de controla-losem orbita e desenvolver capacidade tecnica para inter-

11O Ten. Cel. Av. Marcos Cesar Pontes realizou viagem espacial e experimentos cientıficos e educativos na ISS, em marco de2006, pela Missao Centenario, da Agencia Espacial Brasileira. Seu treinamento foi realizado no Centro Espacial Houston, da NASA, ecomplementado na Agencia Espacial Russa, Roskosmos, na Cidade das Estrelas, para adaptacao aos sistemas espaciais especıficos doprograma espacial russo.

12Um exemplo notavel e o telescopio espacial Hubble, que, em 17 anos de funcionamento, ja produziu mais de 500 mil imagensde mais de 25 mil objetos espaciais http://www.nasa.gov/mission pages/hubble/news/17anniversary.html. Sua importancia para aAstronomia consiste no fato de ele estar posicionado fora da atmosfera terrestre, de modo que suas cameras podem observar objetosespaciais proximos ou distantes sem as interferencias que prejudicam os telescopios colocados na superfıcie terrestre.

13Sensores sao equipamentos que medem e registram grandezas fısicas. Um tipo muito comum sao as cameras de imageamento dasuperfıcie da Terra, a bordo dos satelites de sensoriamento remoto. Este tipo de sensor e sensıvel a energia eletromagnetica refletida ouemitida pelos elementos da superfıcie terrestre [23, 24]. Eles podem ser passivos, ou seja: dependem de uma fonte externa de energia,geralmente a solar, apenas registrando a radiacao recebida, ou podem ser ativos, por possuırem sua propria fonte de energia, como oradar. Esses sensores enviam um sinal e medem a energia refletida. Assim, eles sao mais controlaveis, pois nao dependem de variacoesde condicoes de luminosidade [24].

14Satelite Ambiental Operacional Geoestacionario (Geostationary Operational Environmental Satellite).15Satelite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres (China-Brazil Earth Resources Satellite).16Satelite de Sensoriamento Remoto Terrestre (Land Remote Sensing Satellite - Landsat Program).

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pretar e gerenciar as informacoes coletadas. Isso se tra-duziu em autonomia e soberania para o Paıs em variossegmentos da atividade espacial.

Assim, no ano de 1993, foi lancado ao espaco, pelofoguete norte-americano Pegasus, o primeiro satelite ar-tificial brasileiro, o Satelite de Coleta de Dados - SCD-1[27] (ver Apendice 1). Em julho de 1988, o Brasil firmoucom a China um acordo de cooperacao para o desenvol-vimento da serie de satelites de sensoriamento remoto,denominados CBERS-1 e 2.

Atualmente, o Brasil distribui gratuitamente asimagens CBERS de seu proprio territorio e de nacoesvizinhas, tendo com esta polıtica se transformado nomaior distribuidor de imagens de satelite do mundo.Com o sucesso alcancado com os dois primeiros satelitesda serie, foi dada continuidade a essa parceria com olancamento do CBERS 2B em 2007 e o projeto de de-senvolvimento dos CBERS-3 e 4, com lancamentos pre-vistos para o final desta decada e inıcio da proxima [28].

3. A dinamica orbital de um satelite ar-tificial

O movimento dos satelites em orbita da Terra obedeceas Leis de Kepler. Eles descrevem trajetorias circula-res ou elıpticas com o centro da Terra em um de seusfocos. A velocidade do satelite, sua direcao e distanciaem relacao a Terra no instante em que eles sao colo-cados em orbita determinam o tamanho, a forma e aorientacao dessa orbita. Desse instante em diante, janas regioes onde o ar e extremamente rarefeito, prati-camente a unica forca externa atuante e a da gravidadee, uma vez colocado em orbita, o satelite ira seguir suaorbita circular ou elıptica, retornando periodicamentepara o ponto de onde o artefato foi colocado em orbi-ta [29].

Esse movimento e normalmente caracterizado pordois conjuntos de parametros. O primeiro caracterizao movimento orbital propriamente dito, tambem deno-minado movimento de translacao do satelite. Por meiodele, e possıvel determinar a geometria da orbita e oponto exato no qual o satelite se encontra a cada ins-tante. O segundo conjunto caracteriza sua orientacaoespacial ou atitude, ou seja, o movimento em torno deseu centro de massa. O movimento de atitude deve sercontrolado de modo que ele atenda aos propositos damissao para a qual foi projetado. Assim, se a missao re-quer uma antena apontada para determinado ponto nasuperfıcie terrestre, sua atitude deve ser controlada demodo que a antena permaneca sempre apontada paratal ponto. A atitude de um satelite e caracterizada portres angulos, conforme mostrado na Fig. 1, e suas ve-locidades de rotacao (angulares), medidas em relacao aum referencial dado, que pode ser a Terra, a Lua ou oSol [29].

Figura 1 - Atitude de um satelite no espaco. Fonte: INPE.

A forca gravitacional da Terra atuante no sateliteesta sempre voltada para o centro da Terra, de modoque, se a trajetoria e circular (pode ser elıptica), a forcasera normal a trajetoria e pode ser calculada pela ex-pressao F = mv2/R . Como a lei da gravitacao univer-sal e dada pela expressao F = GMm/R2, deduz-se quev = (GM/R)1/2, onde R e a distancia tomada desde ocentro da Terra ao satelite, G e a Constante Universalda Gravitacao, M e a massa terrestre, m e a massa doveıculo, F e a forca da gravidade e v a velocidade orbi-tal. Esta expressao nos permite afirmar que em tornode 300 km de altitude um satelite tera uma velocidadeproxima de 7,7 km/s ou cerca de 27 mil km/h.

O satelite permanece em orbita ao redor da Terraem movimento semelhante ao obtido com o lancamentode projeteis. Ele poderia, assim, permanecer em orbitapor um perıodo indeterminado, executando sempre essemovimento, sem consumo de combustıvel, caso nao hou-vesse qualquer tipo de atrito ou de perturbacoes, so-mente a da atracao gravitacional. No entanto, umsatelite artificial esta sujeito a perturbacoes causadas,dentre outras, pela gravidade de outros corpos celestes,pelas irregularidades da gravidade da Terra e pelo atritocom a atmosfera terrestre remanescente, que tendem atira-lo de sua posicao e atitude nominais (aquelas paraas quais foi projetado).

Assim, a manutencao de um satelite em uma dadaorbita envolve manobras orbitais realizadas por meio daexpulsao de massa, normalmente na forma de jatos ga-sosos produzidos por motores foguete17 acionados paramodificar sua velocidade [30]. Por outro lado, para quea atitude seja controlada, basta que um torque seja apli-cado no satelite. Este torque pode ter varias origens.Uma delas e devida aos motores foguete que, quandoconvenientemente posicionados e acionados, expulsammassa e induzem os torques desejados, alterando apenaso estado de movimento de rotacao do engenho, comosera visto no experimento a seguir.

17 Motores foguete sao equipamentos instalados em satelites e foguetes lancadores capazes de expulsar gases aquecidos a grande velo-cidade. Os gases sao produzidos a partir de combustıveis lıquidos ou solidos que, apos uma reacao quımica, liberam grande quantidadede calor, aquecem-se e vazam atraves de um bocal. Pelo princıpio da acao e reacao e aplicada uma forca no satelite na mesma direcaoe em sentido contrario do jato de gases.

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4. Construindo e girando um sateliteartificial: materiais e metodos

Como visto anteriormente, para que um satelite possacumprir sua missao, ele sempre precisa estar apontadopara uma dada direcao. Para que ele possa ser apon-tado na direcao desejada, e necessario que existam abordo meios de imprimir uma rotacao no satelite. Fi-nalmente, para que um corpo qualquer possa ser girado,e necessario que lhe seja aplicado um torque.

Pelo princıpio da acao e reacao, o torque aplicado nosatelite deve ser suportado por alguem, ou por um apoioexterno (o Princıpio da Acao e Reacao foi estabelecidopela terceira lei do movimento de Newton, segundo aqual “A toda acao corresponde uma reacao de mesmaintensidade, de mesma direcao e em sentido contrario”).

No caso de um automovel, o apoio e o solo. O tor-que e aplicado ao girar os pneus, o que provoca umdeslocamento do veıculo. No caso de um barco, o apoioe a agua. O torque e aplicado ao girar o leme, o queprovoca uma rotacao do barco. No caso de um aviao,o apoio e o ar. O torque e aplicado ao girar as bordasdas asas, o que provoca uma rotacao do aviao [31].

Como, entao, girar um satelite se ele nao tem qual-quer ponto de apoio externo no espaco?

A Fig. 2 mostra um satelite com seu instrumentode direcionamento apontado para uma direcao inicial.Mostra tambem o satelite apontado para a direcao final,ja observando o alvo.

Figura 2 - Satelite com instrumento apontado para umadirecao inicial. Fonte: INPE.

A Fig. 3 mostra as forcas F que devem ser aplicadaspara movimentar o satelite. O par de forcas F gera umtorque que provoca uma rotacao.

Figura 3 - Forcas aplicadas para movimentar o satelite.Fonte: INPE.

Uma das formas possıveis para aplicar a forca F epor meio de propulsores, que sao motores foguete queexpulsam gases em alta velocidade. A Fig. 4 mostra adirecao para onde os gases sao expulsos.

Figura 4 - Satelite apontado para a direcao final. Fonte:INPE.

O objetivo da oficina Como girar um satelite con-siste em, de maneira simples, barata e eficaz, de-monstrar qualitativamente como, no espaco sideral,os satelites descrevem seu movimento de rotacao. Epossıvel aumentar a frequencia de rotacao, diminuı-la(podendo cessa-la ou mesmo inverter a rotacao), ou al-terar a direcao do eixo de rotacao, manipulando a ati-tude de um satelite artificial por meio da ejecao ade-quada de jatos gasosos. Para isso, estamos propondoum experimento em que e estabelecido um paralelo dosupracitado movimento de rotacao do satelite com ogiro de latas vazias de refrigerante.

Esta oficina pretende, assim, reconstruir e discutircom os alunos aplicacoes da terceira lei de Newton, en-volvida na expulsao de massa, que, por meio de torquesadequados, imprime ou altera o movimento de rotacaode um satelite artificial. Ao inves dos gases expelidospelos satelites reais, essa oficina utiliza a agua impul-sionada pela gravidade.

4.1. Material utilizado no experimento

Latas de alumınio de refrigerante vazias, com o anelde abertura mantido (para a reproducao da oficina,recomenda-se, no mınimo, 3 latas para cada equipe de3 ou 4 alunos);

Linha de pesca bem fina ou barbante fino, em quan-tidade suficiente para atender a todos os grupos;

Tesouras, em quantidade suficiente para atender atodos os grupos;

3 pregos de diferentes diametros (designados pe-queno, medio e grande), sendo 3 de cada por equipe;

Balde com agua, na quantidade de 1 por equipe;Fita crepe e caneta vermelha, de modo a atender a

todas as equipes.

4.2. Procedimento de montagem

A Fig. 5 a seguir ilustra o procedimento de montagemdo experimento.

Analise da dinamica de rotacao de um satelite artificial 1401-7

Figura 5 - Passos para a montagem do experimento. Fonte:NASA.

Os furos precisam ser torcidos para o lado, para evi-tar que a lata funcione como um “chafariz”, jorrandoagua radialmente, sem imprimir um torque que provo-cara alteracao do estado de movimento de rotacao oude repouso da latinha.

O jato de agua acelera a lata durante um certo in-tervalo de tempo e, dependendo do tempo e da intensi-dade do jato, a lata dara um numero maior ou menorde voltas ate que a agua se esgote. A faixa vermelhaauxilia na contagem do numero de voltas da lata quesao completadas ate o momento em que a agua se es-gota. Essa contagem, por sua vez, confere um caratertambem quantitativo ao experimento.

Figura 6 - A latinha ao final da montagem. Fonte: NASA.

Figura 7 - Parametros para a montagem. Fonte: NASA.

4.3. Realizacao do experimento

Uma vez montado o “satelite”, os alunos deverao exe-cutar os seguintes procedimentos:

1. Mergulhar a lata no balde com agua ate que elafique cheia do lıquido.

2. Suspender a lata pela linha de pesca ou barbante,acima da superfıcie da agua do balde (Fotos 1 e 2)

3. Observar e registrar o que acontece com a lata ecom a agua nela contida.

Foto 1 - Demonstracao do experimento. Credito: NilsonGarcia e Pedro Baldessar.

Foto 2 - Latinha gira devido a agua que jorra por seus furos.Credito: Nilson Garcia e Pedro Baldessar.

1401-8 Reis et al.

Essa oficina pode ser realizada em grupos pequenos,de cerca de tres ou quatro alunos, cada um dispondo deum balde, uma ou mais latinhas, os pregos e o restantedo material. Na medida em que o professor explicae demonstra a oficina, os alunos reproduzem os pro-cedimentos do professor, tomam nota do que ocorre ediscutem entre si o que observam.

4.4. Discussao do experimento

O professor deve conduzir a discussao no sentido de queseja perceptıvel que a latinha entra em rotacao pela ex-pulsao da agua, o que e justificado pelo princıpio daacao e reacao.

Podem ser realizados experimentos adicionais, mo-dificando-se a posicao e o diametro dos furos (ver ativi-dades adicionais, na sequencia), verificando-se e discu-tindo o que acontece e estabelecendo-se relacoes entrenumero e dimensao dos furos e a velocidade de rotacaoda latinha.

Alem desses detalhes, pode ser realizada uma com-paracao entre o movimento de rotacao da latinha e o deum satelite artificial em torno de seu centro de massa,aproveitando para chamar a atencao para elementos dadinamica de um satelite artificial em orbita da Terra, ti-pos de satelite e de orbita, e suas respectivas aplicacoes.

5. Atividades adicionais

5.1. Elementos de metodologia cientıfica

Este experimento tambem pode ser utilizado para abor-dar elementos da metodologia cientıfica, como o cui-dadoso controle dos parametros envolvidos no experi-mento e o fato de nao se poder confiar plenamente noresultado de um experimento realizado uma unica vez,pois e sempre necessario repeti-lo varias vezes e tra-tar os resultados estatisticamente para obter os valoresmedios resultantes e suas incertezas. Para isso, os se-guintes passos devem ser seguidos:

1. Criar um universo de experimentos, explorandoa variacao no numero de furos (2◦ a 180◦, 3◦ a 120◦

e 4◦ a 90◦) e a variacao no diametro dos pregos (pe-queno, medio e grande). Com isso, seriam preparados9 dispositivos. E recomendavel que as latas sejam damesma marca de refrigerante, caso contrario, pequenasvariacoes de formato e massa poderao induzir erros noexperimento. Tambem e necessario cuidar para que ofio utilizado seja sempre o mesmo, assim como o seucomprimento.

2. Estabelecer um numero de repeticoes de cadateste de contagem de voltas, para que possam ser cal-culadas as medias de cada experimento (sugerimos ummınimo de tres repeticoes). Se houver a disponibili-dade, os alunos poderiam filmar cada um dos testes e

contar o numero de voltas, repassando posteriormentea filmagem em camera lenta.

3. Fazer cada um dos nove testes, repetindo tresvezes cada um deles, e calcular as medias do numero devoltas.

4. Dispor os resultados em uma matriz de tres li-nhas por tres colunas, conforme abaixo. Cada linhadeve corresponder a um numero diferente de furos ecada coluna a um diametro diferente de furos.

Diametro IPrego fino Prego medio Prego grosso

Furos

2I3I4I

5. Discutir os resultados obtidos e analisar astendencias de aumento ou diminuicao do numero devoltas em funcao do numero de furos e de seu diametro.Os resultados tambem deverao ser organizados em umgrafico, no qual o eixo das abscissas (x) indicaria onumero de furos, o eixo das ordenadas (y) indicariao numero de voltas. Os pontos seriam distribuıdos noplano do grafico e unidos em tres linhas, cada uma delascorrespondendo a um diametro diferente do furo. Estae uma outra maneira de analisar os resultados.

6. Imprimir a latinha uma rotacao inicial (contrariaao torque causado pelos jatos de agua) e mostrar que arotacao pode ser reduzida ate cessar a rotacao.

7. Discutir o fato de que o experimento mostra queo torque aplicado a latinha pelos jatos de agua e a gran-deza associada as alteracoes dos estados de movimentode rotacao ou de repouso dos corpos.

5.2. Conexao espacial

O experimento aqui apresentado permite estabelecerrelacao com alguns elementos da atividade espacial.Para tanto, devem ser explorados aspectos relaciona-dos a tal atividade, como as caracterısticas e grandezasfısicas envolvidas no lancamento e na manutencao desatelites em orbita. Alguns exemplos de provocacoesque podem ser feitas (indicacoes das respostas podemser encontradas no Apendice 2):

1. Discutir o que aconteceria a um satelite artificialse nao fosse possıvel controlar (aumentar, diminuir oucessar) o seu movimento rotacional.

2. O que acontece aos satelites que sao desativados,ou seja, cuja vida util chega ao fim? Quais os riscosdo lixo espacial? Ele pode representar um risco real aotrabalho dos astronautas em suas atividades extravei-culares18 (EVAs) no espaco?

3. Que tipos de orbita os satelites artificiais des-crevem ao redor da Terra?

4. Qual a utilidade dos satelites artificiais para avida humana? O que aconteceria em uma situacao hi-potetica em que todos os satelites artificiais fossem re-pentinamente “desligados”?

18 Atividades que os astronautas executam fora da nave espacial, utilizando traje de protecao.

Analise da dinamica de rotacao de um satelite artificial 1401-9

6. Conclusoes

A tematica espacial, a despeito de todos os avancos nosetor espacial e do papel exercido pela mıdia em suadivulgacao, ainda parece a primeira vista um assuntodistante do cotidiano, pois e, no mais das vezes, abor-dada de forma pontual e mistificada em sala de aula, eas pessoas tendem a apresentar resistencia ao que naocompreendem. Assim, se pretendemos que os estudan-tes compreendam esse empreendimento como uma ati-vidade social com fins especıficos, ou mesmo conside-rem carreiras no setor espacial como uma possibilidadeconcreta no escopo de suas escolhas profissionais, e im-portante que a tematica espacial se faca presente emsala de aula e que seja tratada de forma realıstica.

Abordada em sala de aula por meio de experimen-tos, tal tematica, por estar longe de ser um fim em simesmo, torna-se um recurso didatico que contribui paraelevar a proficiencia cientıfica dos estudantes e possibi-lita uma abordagem integrada de saberes de areas di-versas. O uso de experimentos praticos em educacao es-pacial contribui nao somente para que o aluno visualizee reconstrua conceitos cientıficos abstratos, mas paraatribuir um novo significado as praticas pedagogicasem ensino de fısica, de modo que o estudante assumaum papel mais ativo no processo ensino-aprendizagemdessa disciplina.

Nesse sentido, a oficina Como girar um satelite esti-mula uma rica discussao em torno de elementos fısicos eespaciais, alem de incentivar um trabalho pautado porprincıpios da metodologia cientıfica. Os alunos intera-gem com seus pares e com o experimento em si, e suaparticipacao ativa facilita a compreensao da TerceiraLei de Newton e assuntos relacionados.

Alem disso, contribui para uma educacao em fısicacomprometida com uma educacao com qualidade social,exigencias duma sociedade cada vez mais complexa epermeada por processos, produtos e servicos que de-mandam de todo cidadao um certo domınio de saberescientıficos e tecnologicos.

Apendices

1. Informacoes adicionais sobre satelites artifi-ciais

Uma missao utilizando satelites envolve diversas par-tes, dentre as quais se destaca aquela que e colocadaem orbita. Cada parte e denominada segmento, dosquais podemos destacar:a) Segmento Espacial : parte colocada em orbita,tambem designada satelite;b) Segmento Lancador : parte utilizada para colocaro satelite em orbita; tambem designada foguete oulancador;c) Segmento Solo: parte responsavel pela supervisao dofuncionamento do satelite, de seu controle e da recepcao

dos dados de suas cargas uteis [32].Usualmente, o segmento espacial – ou satelite – e

dividido em duas grandes partes, sendo que a primeiradelas e designada plataforma e contem todos os equipa-mentos necessarios para o funcionamento do satelite e asegunda e denominada carga util e constitui-se de equi-pamentos requeridos para o cumprimento da missao dosatelite.

2. Respostas

1. Em pouco tempo o satelite deixaria de apontarpara a direcao desejada, comprometendo assim a suamissao. De forma concreta, podemos citar como exem-plo os paineis solares que coletam a energia que permiteo funcionamento do satelite. Se eles deixarem de apon-tar para o Sol, o satelite para de funcionar. Tambempodem ser citadas as antenas de um satelite de comu-nicacoes. Se elas deixarem de apontar para um pontocorreto sobre a superfıcie da Terra, o contato com osolo e perdido. Finalmente, tambem podemos citar ocaso dos telescopios espaciais. Sem este controle, naoseria possıvel observar os alvos designados para estudo,como estrelas, constelacoes, planetas, etc.

2. Na pratica a maioria dos satelites atuais e aban-donada em orbita ao final de sua vida util. Isto eum problema, pois o acumulo destes objetos, com oconsequente aumento da probabilidade de colisao entreeles, o que produziria um numero ainda maior de obje-tos e fragmentos, constitui uma ameaca as atividadespresentes e futuras mantidas no espaco, tripuladas ounao. Para tentar minimizar o problema, as nacoes quedesenvolvem satelites estao criando procedimentos quereduzem o problema. Dentre eles podem ser citados aremocao de orbita dos satelites mais proximos da Terra,fazendo com que eles se queimem reentrando na suaatmosfera. Para os que estao muito distantes, a ideia eremove-los para orbitas “cemiterio”, distantes da Terrae sem interesse cientıfico ou economico.

3. Ha muitos tipos, mas as mais utilizadas sao as cir-culares polares e equatoriais. As polares sao utilizadaspelos satelites de observacao da Terra, a uma altitudemedia em torno de 800 km. As equatoriais sao adota-das pelos satelites de comunicacoes, a uma altitude deaproximadamente 36.000 km.

4. Os elementos que respondem a essa pergunta saomuitos e variados. Por isso, indicamos alguns sites, emportugues, nos quais podem ser encontrados esclareci-mentos a respeito da questao:

http://www.aeroespacial.org.br/educacao/

http://www.cbers.inpe.br/pt/index pt.htm

http://www.inpe.br/ete/

http://pt.wikipedia.org/wiki/Sat%C3%A9liteartificial

http://www.aeb.gov.br/conteudo.php?ida=28&idc=114

1401-10 Reis et al.

http://www.aeb.gov.br/conteudo.php?ida=24&idc=218

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