Análise da Atividade Midiática de uma Emissora Fronteiriça: Estudo de Caso da Rádio Quaraí AM...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO
CURSO DE JORNALISMO
JORGE ROBESPIERRE TOMÁS JAPUR
ANÁLISE DA ATIVIDADE MIDIÁTICA DE UMA EMISSORA
FRONTEIRIÇA:
ESTUDO DE CASO DA RÁDIO QUARAÍ AM
Santa Maria
2009
JORGE ROBESPIERRE TOMÁS JAPUR
ANÁLISE DA ATIVIDADE MIDIÁTICA DE UMA EMISSORA FRONTEIRIÇA:
ESTUDO DE CASO DA RÁDIO QUARAÍ AM
Monografia apresentada ao Curso de
Comunicação Social – Hab. Jornalismo, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para obtenção do
grau de Bacharel em Comunicação Social – Hab. Jornalismo.
Orientador(a): Profª. Drª. Ada Cristina Machado Silveira
Santa Maria
2009
Universidade Federal de Santa Maria
Centro de Ciências Sociais e Humanas
Cursos de Comunicação Social
Habilitação em Jornalismo
A Comissão Examinadora, abaixo assinada,
aprova o Trabalho de Conclusão de Curso
ANÁLISE DA ATIVIDADE MIDIÁTICA DE UMA EMISSORA
FRONTEIRIÇA: ESTUDO DE CASO DA RÁDIO QUARAÍ AM
elaborada por
Jorge Robespierre Tomás Japur
como requisito parcial para obtenção do grau de
Bacharel em Comunicação Social – Hab. Jornalismo
COMISSÃO EXAMINADORA:
Profª. Drª. Ada Cristina Machado Silveira (UFSM)
(Presidenta/Orientadora)
Prof. Esp. Paulo Roberto de Oliveira Araujo (UFSM)
Prof. Bel. Leandro Stevens (UFSM)
Santa Maria, 07 de janeiro de 2010.
Dedico este trabalho a todos aqueles que, assim como meu
pai, lutam por um jornalismo sério e responsável mesmo com inúmeras adversidades.
Antes de tudo agradeço aos meus pais – Jorge Alberto Lamb
Japur e Lilian Teresa Tomás Japur – pelo apoio incondicional que me
deram durante todo o meu percurso, privando-se, às vezes, de confortos
para que eu pudesse seguir com meus estudos.
Agradeço ao meu avô (in memoriam), por ter materializado em
vida o seu sonho de menino; e à minha avó, Izar, por ter mostrado o
quão grandioso isso foi.
Agradeço à minha família uruguaia, a todos os meus tios, à
abuela Julia, pelo carinho e pela torcida que sempre me ofereceram.
Agradeço à professora Ada, pela sábia orientação e
principalmente pela liberdade proporcionada durante o
desenvolvimento deste trabalho.
Agradeço à minha irmã, Aline Vanessa Tomás Japur, cuja
atenta leitura evitou erros de digitação que passaram despercebidos
por mim.
E, finalmente, aos bons amigos feitos durante a faculdade, cuja
amizade carregarei com carinho por toda a vida.
Velha milonga Argentina, Uruguaia e Brasileira,
Contrabandeaste a Fronteira na alma dos pajadores,
Sempre a falar dos amores, na tua rima baguala
Se diferente na fala, no cantar de cada um...
Tens essa pátria comum, no Pampa todos iguala...
(trecho de Milonga do Contrabando, de Luiz Menezes)
RESUMO
As práticas midiáticas de um veículo de comunicação fronteiriço estão submetidas a
uma lealdade cruzada que, de um lado, põe em relevo a conjuntura local e, por outro, as determinações do Estado-nação ao qual pertence. Estar subordinado a essa ordem faz com que
esses veículos trabalhem com uma riqueza cultural típica de uma cultura híbrida como é a fronteiriça. Por outro lado, acarreta dificuldades políticas e econômicas que podem influir inclusive na sua subsistência. Como caracterizar a atividade midiática da Rádio Quaraí AM?
Este estudo de caso tenta resolver esse problema para compreender como uma emissora de rádio de uma cidade limítrofe participa desse fenômeno. A partir dessa compreensão é
possível especular sobre algo que parece estar se tornando uma tendência nas Terras de Fronteira do Rio Grande do Sul: o fechamento de pequenas emissoras de rádio ou a inevitável venda dos seus canais por dificuldades, dentre outras, financeiras; originadas, em parte, pelas
mesmas instâncias que elas representam. Em um primeiro momento, exploram-se questões relacionadas à fronteira e ao conceito de rádio local. Logo após, analisa-se a atividade
midiática da emissora. Dentre os resultados encontrados, destaca-se a compreensão de como o contexto fronteiriço interfere no processo de subsistência de uma pequena emissora de rádio da fronteira com o Uruguai, a partir do detalhamento de práticas existentes nessa região.
Palavras-chave:
Rádio – Fronteira – Comunicação - Atividade Midiática – Local.
RESUMEN
Las prácticas mediáticas de un vehículo de comunicación fronterizo están sometidas a
una lealtad cruzada que, de un lado, pone en relevo la coyuntura local y, por otro, las determinaciones del Estado-nación al cual pertenece. Estar subordinado a esa orden hace con
que esos vehículos trabajen con una riqueza cultural típica de una cultura hibrida como es la fronteriza. Por otro lado, trae dificultades políticas y económicas que pueden influir incluso en su subsistencia. ¿Cómo caracterizar la actividad mediática de la Rádio Quaraí AM? Este
estudio de caso intenta resolver ese problema para comprender como una emisora de radio de una ciudad limítrofe participa de ese fenómeno. A partir de esa comprensión es posible
especular sobre algo que parece estar tornándose una tendencia en las Tierras de Frontera del Rio Grande del Sur: el cerramiento de pequeñas emisoras de radio o la inevitable venta de sus canales por dificultades, así como otras, financieras; originadas, en parte, por las mismas
instancias que ellas representan. En un primer momento, explorase cuestiones relacionadas a la frontera y al concepto de radio local. Después, analizase la actividad mediática de la
emisora. Entre los resultados obtenidos, destacase la comprensión de cómo el contexto fronterizo interfiere en el proceso de subsistencia de una pequeña emisora de radio de la frontera con el Uruguay, a partir del detallamiento de prácticas existentes en esa región.
Palabras-clave:
Radio – Frontera – Comunicación – Actividad Mediática – Local.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................................................... 09
METODOLOGIA ..................................................................................................................... 13
1 A QUESTÃO FRONTEIRIÇA ............................................................................................ 17
1.1 EXPLORANDO O CONCEITO DE FRONTEIRA ....................................................... 17
1.1.1 Fronteira e Hibridismo Cultural .................................................................................... 18
1.1.2 Estabelecendo o local em uma Rádio de Fronteira....................................................... 21
1.1.3 A Malha de Comunicação local-internacional e a Ordem Heterônoma..................... 23
1.2 A FRONTEIRA DA CONCÓRDIA: QUARAÍ (BRA)-ARIGAS (URU)...................... 24
2 ANÁLISE DA ATIVIDADE MIDIÁTICA DA RÁDIO QUARAÍ AM ........................... 27
2.1 A CIDADE SE DIVERTE: A CONSTRUÇÃO/FIXAÇÃO DE
CANAIS HÍBRIDOS ATRAVÉS DA RÁDIO QUARAÍ...................................................... 27
2.2 LENDAS, MISCIGENAÇÃO E PROSPERIDADE: A EMISSORA
FRONTEIRIÇA E OS SEUS VÍNCULOS ............................................................................. 39
2.3 RÁDIO QUARAÍ E FRONTEIRA: A EMISSORA E O FUTURO .............................. 53
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 71
OBRAS CONSULTADAS ....................................................................................................... 75
ANEXOS.................................................................................................................................... 79
9
INTRODUÇÃO
Quem viaja pelas estradas em direção à fronteira oeste do Rio Grande do Sul costuma
reclamar da viagem por conta das longas retas que ligam as cidades fronteiriças. Durante o
percurso, a única coisa que se vê em todas as direções é o pampa: milhares de quilômetros
quadrados de campo rasteiro que se perdem no horizonte, tendo acima apenas o céu azul. Ao
entardecer, mas principalmente à noite, essa paisagem costuma produzir no espírito dos
viajantes um sentimento de nostalgia.
Esse percurso - que parece desolado - em certos trechos oferece uma única companhia
ao viajante: o rádio AM. Atuando como um verdadeiro marco nas fronteiras brasileiras, as
emissoras de rádio AM são as únicas que atingem quase 100% do território fronteiriço,
cobrindo lugares em que a televisão, a telefonia celular, e outras tecnologias não chegam.
Tais emissoras, por estarem localizadas nas fronteiras do Estado Brasileiro, trabalham
com uma riqueza cultural típica de uma zona híbrida como a fronteiriça. Nas suas
programações, elas contam com a participação de brasileiros, uruguaios e argentinos desde os
seus primórdios. E como não poderia deixar de ser, atendem aos anseios de quem necessita
dos seus serviços, sem se preocupar com a nacionalidade do ouvinte. É claro que essas
emissoras não esquecem, contudo, do Estado-nação ao qual pertencem, já que elas
representam-no naquele que é um dos extremos do Brasil.
O caso estudado por este trabalho, a Rádio Quaraí AM, fundada em 17 de março de
1957, traz desde essa época algo que parece ser uma lição para o mundo contemporâneo, pois
desde sempre trabalhou com aquilo que é diferente, representando ao mesmo tempo a
realidade local da fronteira Quaraí (BRA)-Artigas (URU) e os desígnios do Brasil frente ao
país vizinho, o Uruguai.
A lealdade cruzada1 com que a emissora lida há mais de meio século proporcionou-lhe
uma história rica em informações que auxiliam na compreensão de como é a vivência na
fronteira do Brasil com o Uruguai. Além disso, oferece-nos informações sobre como uma
emissora fronteiriça de pequeno porte passou pelos diferentes períodos da história nacional do
rádio (ou não, considerando que a emissora ficou alheia a algumas dessas transformações). A
Rádio Quaraí AM vivenciou a época do rádio espetáculo, com os seus programas de auditório
e radionovelas próprias; reagiu com certo atraso às transformações sofridas pelo rádio
nacional nas décadas de 70 e 80, quase fechando as suas portas no início da década de 90; e
hoje se mantém como a única emissora AM de Quaraí, com as atuais incertezas sobre o
1 SILVEIRA, 2002-b.
10
destino do rádio AM no Brasil e a chegada do sistema digital de rádio. Durante todo esse
período, a emissora ainda amadureceu os seus laços com o país vizinho, incorporando tanto
os benefícios desse contato quanto as dificuldades.
Dessa forma, estudar a Rádio Quaraí AM é um modo de levantar dados importantes
sobre emissoras de pequeno porte do Brasil, para que as futuras políticas voltadas ao rádio
possam usufruir dessas informações para tentar representá- las de forma justa. O que se tem
hoje são políticas verticais: decide-se o destino do rádio em uma instância superior, tomando-
se por base o exemplo das grandes emissoras do país. As pequenas emissoras devem
acompanhar as mudanças, sendo que esse processo normalmente é dispendioso para as
emissoras de pequeno porte. Dessa forma, tais políticas eventualmente acabam, em vez de
auxiliarem no desenvolvimento das pequenas emissoras, implicando ainda mais dificuldades
por não considerarem as suas especificidades.
Acreditamos que conhecer a realidade das pequenas emissoras de rádio do país é uma
das únicas formas, talvez, de evitar algo que parece estar se tornando uma tendência nas
Terras de Fronteira do RS (e quiçá de outras regiões do país): o fechamento de pequenas
emissoras de rádio ou a sua venda para grandes conglomerados de comunicação, igrejas ou
ainda para políticos. Evitar que isso aconteça é uma das poucas formas de garantir, na
radiodifusão, a tão sonhada pluralidade de vozes necessária para o amadurecimento de um
regime democrático.
Isso não quer dizer, obviamente, que não haja pesquisas que tentem conhecer as
pequenas emissoras de rádio do país. O que este trabalho propõe é um estudo de caso que
contribua com informações mais aprofundadas sobre a realidade dessas emissoras, para que
elas sirvam de alguma forma no complemento dessas pesquisas. Isso graças à escolha de um
caso que, pela sua condição fronteiriça, por ser a única rádio AM da sua cidade, e ainda por
ter acompanhado as principais transformações do rádio no país é um registro vivo das glórias
e das dificuldades do rádio brasileiro.
A pesquisa tenta resolver o seguinte problema: como caracterizar a atividade midiática
da Rádio Quaraí AM? O problema foi formulado considerando bibliografia especializada em
estudos sobre fronteiras e também sobre o rádio na fronteira. Acredita-se que resolvendo essa
questão, será possível compreender detalhes sobre a realidade de emissoras de pequeno porte
que trabalham em condições semelhantes à Rádio Quaraí AM.
Para o autor da pesquisa, que tem relações tanto com o contexto fronteiriço quanto
com o objeto analisado, estudar a Rádio Quaraí AM é uma forma de atentar para algumas
dificuldades que são presenciadas desde a sua infância. Filho de pai brasileiro e mãe
11
uruguaia, um doble chapa, como se diz na fronteira, é possível que essa experiência ajude a
recriar o contexto fronteiriço com detalhes que possivelmente passariam despercebidos por
outros pesquisadores.
O autor da pesquisa possui vínculos de consangüinidade com os sócios que compõem
a direção da emissora, tendo sido ambientando desde os seus primórdios com a rádio e o seu
funcionamento. Na juventude passou a auxiliar na técnica e também na produção de
comerciais, jingles, vinhetas e outros materiais radiofônicos. Esse exercício construiu uma
memória de materiais que puderam ser utilizados nesta pesquisa. Tais elementos, que não
seguem uma linha cronológica regular, provavelmente ficariam de fora da pesquisa caso outro
pesquisador selecionasse uma amostra fixa e limitada.
Tem-se consciência, no entanto, das dificuldades metodológicas que tal aproximação
acarreta. Uma crítica que pode ser levantada é sobre a legitimidade e isenção frente aos dados
apresentados.
Segundo trabalhos que investigam tema, não há como não admitir que valores estejam
imbricados nas pesquisas sociais2. Isso se reflete na própria escolha do tema. No entanto, é
possível analisar um determinado problema a partir de uma bibliografia especializada.
No caso desta pesquisa, o fenômeno é visto a partir da bibliografia selecionada, e não
a partir das experiências do pesquisador. Acredita-se que a experiência prévia do pesquisador
auxilia, no entanto, na seleção de materiais que podem enriquecer a pesquisa, seja por ter
conhecimento de jingles, vinhetas, entrevistas e comerciais que provavelmente não seriam
abarcados em outras condições. Além disso, a experimentação prévia do lugar pode permitir
uma construção mais acurada do contexto analisado.
Sabe-se que apenas parte da história da Rádio Quaraí AM foi registrada neste escrito.
Prova disso são as pilhas de documentos que infelizmente não foram acessadas a tempo, e
também das pessoas que não se pôde entrevistar (há muitos personagens já falecidos; outros
vivem em localidades de difícil acesso). A bibliografia que deu suporte à pesquisa forneceu
os subsídios necessários para a seleção dos materiais que poderiam contribuir de forma mais
imediata para este escrito.
Cabe ressaltar outra dificuldade que é possível verificar na leitura do trabalho. Tentou-
se analisar a atividade midiática da Rádio Quaraí AM atendendo hermeticamente a cada uma
das categorias escolhidas que lhe enquadram no ramo da comunicação. No entanto, a análise
dos materiais recolhidos demonstra que essas categorias não estão dissociadas. Sendo assim, é
2 GIL, 1999.
12
importante destacar que nos capítulos de análise não há uma divisão fidedigna que atenda a
cada uma das três categorias rigorosamente em separado. Mesmo dividindo-se a atividade
midiática da emissora, é possível perceber que em certos momentos as categorias se misturam
na sua análise. Isso não atrapalha, no entanto, o desenvolvimento da pesquisa.
Outra ressalva consiste no fato de que, além dos documentos acessados –
fragmentados e normalmente não atendendo a uma ordem cronológica – serviram de base
para este trabalho diversas entrevistas. Ou seja, parte significativa da história da Rádio Quaraí
AM foi reconstruída a partir de fontes orais, já que a emissora nunca pôs em prática ações
com o intuito de registrar a sua história para as gerações posteriores.
Uma crítica que pode ser levantada sobre essa questão pode ser formulada da seguinte
maneira: até que ponto os relatos não distorcem a realidade tal como ela é? A pergunta de
cunho metodológico é de difícil solução. No entanto, de acordo com trabalhos que falam
sobre o método da história oral3, um dos problemas está relacionado ao fato de que o método
normalmente é utilizado para preencher carências geradas pela falta de documentos sobre
determinado tema. Se isso é legítimo ou não, não é o propósito desta pesquisa discutir. No
entanto, cabe ressaltar que o método tem sido considerado válido por si mesmo quando o
objetivo é a reconstrução de histórias4.
Nesta pesquisa, simplesmente não há uma história documental sobre a Rádio Quaraí
AM. E por isso, antes de entender as fontes orais como complemento para registros
documentais, elas são o eixo que permitem a reconstrução da história da emissora. Os
escassos documentos existentes servem para corroborar (ou não) as informações recolhidas
nas entrevistas5.
A análise desta pesquisa está dividida em três subcapítulos que não estão dissociados.
Espera-se com este trabalho que as informações sobre a Rádio Quaraí AM, que se
assemelham em muitos aspectos a outras emissoras de pequeno porte localizadas nas
fronteiras brasileiras, sirvam para aprofundar a realidade em que elas atuam.
3 MEIHY, 2000.
4 “Alguns autores têm insistido na validade de se considerar a história oral por si mesma. Ela é relevante também
para facilitar o entendimento de aspectos subjetivos de casos que, normalmente, são filt rados por racionalis mos,
objetividades e neutralidades, esfriados pelas versões oficiais ou dificultados pela lógica da documentação
escrita que encerra um código diverso do oral” (MEIHY, 2000, p. 28). O autor fala também sobre a distinção
entre história oral e fonte oral. A primeira depende de um projeto, como é o caso desta pesquisa, a segunda se
realiza em uma gravação qualquer. 5 Ponte (2000) estudou as radionovelas produzidas pela Rádio Quaraí AM no final da década de 50. No entanto,
da mes ma forma como esta pesquisa, a autora se serviu de entrevistas para reconstruir a história que até então
estava guardada apenas na memória dos entrevistados.
13
METODOLOGIA
Sodré (2002) situa o campo comunicação dentro de um espectro de ações e práticas, a
saber: veiculação, vinculação e cognição. Esse aporte teórico é importante porque é ele que
oferece os subsídios teóricos necessários para enquadrar a atividade midiática da Rádio
Quaraí AM no campo da Comunicação.
Segundo o autor, veiculação designa “antropotécnicas eticistas ou práticas de natureza
empresarial [...] voltadas para a relação ou o contato entre os sujeitos sociais por meio das
tecnologias da informação, como imprensa escrita, rádio, televisão, publicidade, etc.” (2002,
p. 234). Nesse campo enquadra-se a produção midiática que vai ao ar pelo veículo de
radiodifusão6. Comerciais, jingles, vinhetas, reportagens, entrevistas, transmissões esportivas,
enfim, todo e qualquer produto radiofônico que relaciona os sujeitos sociais através da
emissora faz parte desta categoria.
No entanto, o contexto fronteiriço possui algumas peculiaridades que tornam especial
a produção radiofônica da Rádio Quaraí AM (assim como a de outras emissoras fronteiriças).
O porquê disso pode ser entendido a partir dos vínculos sociais estabelecidos por essas
emissoras decorrentes do contexto ao qual pertencem. Sodré (2002) define vinculação como:
[...] práticas estratégicas de promoção ou manutenção do vínculo social,
empreendidas por ações comunitaristas ou coletivas, animação cultural, ativ idade
sindical, diálogos, etc. Diferentemente da pura relação produzida pela míd ia
autonomizada, a vinculação pauta-se por formas diversas de reciprocidade
comunicacional (afetiva e dialógica) entre os indivíduos. As ações vinculantes, que
têm natureza basicamente societável, deixam claro que comunicação não se confina
à atividade midiática (SODRÉ, 2002, p.234)
No caso da Rádio Quaraí AM, as características que mais sobressaem a respeito dessa
categoria dizem respeito ao seu enquadramento nas Terras de Fronteira e à sujeição à ordem
heterônoma (SILVEIRA, 2003).
O conceito originalmente utilizado por Kant da heteronomia designa uma relação de
subordinação a forças externas. No caso das sociedades fronteiriças, de uma ordem
constituída por uma lealdade cruzada7 que põe em relevo a conjuntura local e as
determinações do Estado. Observam-se pelo menos dois tipos de vínculos: (1°) político com o
Estado-nação brasileiro; (2°) cultural com o espaço Platino.
6 O conceito de rádio utilizado nesta pesquisa foi extraído de FERRARETTO, Luiz Artur. Rádio: o veículo, a
história e a técnica. Porto Alegre: Dora Luzzatto, 2007. p. 21-3. 7 SILVEIRA, 2002-b.
14
O vínculo com o Estado-nação brasileiro pode ser constatado a partir da própria
adequação da emissora à sua estrutura burocrática, já que a rádio atua segundo as políticas
internacionais vigentes frente ao Estado-nação vizinho. Esse vínculo também pode ser
percebido a partir das parcerias que a Rádio Quaraí AM tem com rádios e agências de notícias
de outros lugares do país, que a contemplam com materiais – desde informativos até
transmissões esportivas - de cunho nacional, realçando o pertencimento dessa localidade ao
Estado brasileiro.
Por outro lado, o vínculo cultural com o espaço platino pode ser identificado pelas
práticas consolidadas não só na atualidade, mas também na história da emissora. Atualmente
é feita, por exemplo, consulta diária à meteorologia e ao câmbio de Artigas, bem como
campanhas das mais variadas ordens nos dois lados da fronteira. Há também a participação na
programação de ouvintes das duas nacionalidades (mas que compartilham um vínculo comum
– a cultura do gauchismo). Tais vínculos são construídos e reforçados desde a fundação da
emissora em março de 1957, ocasião em que – durante a parte do dia que não havia energia
elétrica em Quaraí – a rádio, com auxílio de um gerador, fazia a sua transmissão em espanhol
para a cidade de Artigas (PONTE, 2000, p. 33).
O vínculo cultural é reforçado/construído porque a Rádio Quaraí AM desempenha, de
certa forma, uma comunicação de proximidade.
Pedro Coelho, socorrendo-se das palavras de Moragas Spá [...] define os
meios de comunicação de proximidade como todos os que se “dirigem a uma
comunidade humana de tamanho médio ou pequeno, delimitada territorialmente,
com conteúdos relativos à sua experiência quotidiana, às suas preocupações e aos
seus problemas, ao seu patrimônio lingüístico, art ístico, cultural e à sua memória
histórica”. Os meios de comunicação de proximidade serão, portanto, “os que
produzem e emitem conteúdos de proximidade e que respeitam, por isso, o pacto de
proximidade” (RIBEIRO, 2007, p .453)
Sodré estabelece ainda uma terceira categoria chamada cognição. Esse conceito
significa:
Práticas teóricas relat ivas à posição de observação e sistematização das
práticas de veiculação e das estratégias de vinculação. Aqui, a Comunicação emerge
não como uma disciplina no sentido rigoroso do termo, mas como uma maneira de
pôr em perspectiva o saber tradicional sobre a sociedade, po rtanto, como um
constructum hipertextual (interface de saberes oriundos de diversos campos
científicos) a partir de posições interpretativas. A “ciência” da comunicação impõe -
se, a exemplo da filosofia concebida por Wittgenstein, como uma atividade crítica,
só que voltada para a sociabilidade, a eticidade e as práticas de socialização pela
cultura, uma espécie de „filosofia pública‟. (SODRÉ, 2002, p.235)
15
A programação da Rádio Quaraí AM e a sua adequação ao contexto fronteiriço são
objetos teorizáveis segundo essa categoria. A observação e análise desses tópicos, através de
depoimentos, fotografias, gravações e entrevistas que ilustrem a tentativa de “observação e
sistematização das práticas de veiculação e das estratégias de vinculação” (SODRÉ, 2002, p.
235) são objetos de análise da pesquisa.
Estando a atividade midiática da Rádio Quaraí AM devidamente enquadrada segundo
os pressupostos Sodré (2002), estabelecem-se assim os três ramos a seguir pela pesquisa:
1) Analisar a atividade midiática da Rádio Quaraí AM em face da sua condição de
veículo de comunicação, através da análise da sua produção radiofônica (programas, vinhetas,
comerciais, jingles, músicas, notícias, narrações de programas esportivos e sociais,
entrevistas, programas humorísticos);
2) Analisar a atividade midiática da Rádio Quaraí AM em face da sua condição de
vínculo social, tendo basicamente como objetos a legislação que regulamenta o
funcionamento da emissora e as suas parcerias (vínculo com o Estado-nação brasileiro), bem
como exemplos – atuais e presentes na sua história - que ilustrem a comunicação de
proximidade desempenhada pela emissora (vínculo cultural com o espaço platino e vínculo
social com a comunidade).
3) Analisar o discurso cognitivo da Rádio Quaraí AM proposto em sua atividade
midiática. A programação da emissora e a sua adequação ao contexto fronteiriço são os
objetos a serem analisados, através de depoimentos, fotografias, gravações, entrevistas e
outros elementos da cultura midiática.
Cabe ressaltar que essas três categorias não são isoladas. De certa maneira elas são
interligadas, como demonstrou o estudo do material coletado.
Para a coleta e o tratamento dos dados optou-se pelo estudo de caso, por ter sido o
método que melhor se adequou ao tipo de objeto analisado. A justificativa disso deve-se ao
seguinte: (1º) do objeto analisado: para tentar caracterizar a atividade midiática da Rádio
Quaraí AM, não bastou analisar apenas a sua produção radiofônica. Foi necessário, além
disso, entender os vínculos estabelecidos pela emissora com o contexto ao qual pertence.
Dependendo do tipo de vínculo tratado, não há um objeto palpável que prove a sua existência.
Além disso, o estudo toma como pressuposto que a emissora pertence ao contexto fronteiriço
(ou seja, está submetido à ordem heterônoma). Isso é significativo para entender que não se
pretende simplesmente entender como a Rádio Quaraí AM atua na fronteira; significa, isto
sim, tentar compreender como a Rádio Quaraí AM atua na fronteira por estar na fronteira.
As condições de cientificidade necessárias para esse tipo de estudo são contempladas pelo
16
estudo de caso. (2º) do método escolhido: as diretrizes do método estabelecem que um caso
só é significativo se “um observador puder referenciá- lo em uma categoria analítica ou teórica
[...] Se desejarmos falar sobre um caso, precisamos dos meios de interpretá- lo ou
contextualizá- lo em uma realidade” (DUARTE, 2005, p. 218). A autora ainda comenta que o
método “se desenvolve numa situação natural, é rico em dados descrit ivos, tem um plano
aberto e flexível e focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada” (2005, p. 218) 8.
Ao lado da descrição, outras características do método são importantes para este estudo, a
saber:
1) particu larismo: o estudo se centra em uma situação, acontecimento,
programa ou fenômeno particular, proporcionando assim uma excelente via de
análise prática de problemas da vida real; 2) descrição: o resultado final consiste na
descrição detalhada de um assunto submetido à indagação; 3) explicação: o estudo
de caso ajuda a compreender aquilo que submete à análise, fo rmando parte de seus
objetivos a obtenção de novas interpretações e perspectivas, assim como o
descobrimento de novos significados e visões antes despercebidas; 4) indução: a
maioria dos estudos de caso utiliza o raciocín io indutivo, segundo o qual os
princípios e generalizações emergem a partir da análise dos dados particulares. Em
muitas ocasiões, mais que verificar hipóteses formuladas, o estudo de caso pretende
descobrir novas relações entre elementos. (DUARTE, 2005, p. 217-8)
De acordo com Duarte, os objetos/procedimentos passíveis de análise segundo as
características descritas na citação anterior podem ser “documentos, registros em arquivo,
entrevistas, observação direta, observação participante e artefatos físicos” (2005, p. 229).
Mesmo com defasagens e lacunas nos seus arquivos, a Rádio Quaraí AM ofereceu o material
necessário para o estudo.
O critério utilizado para selecionar quais desses materiais mais convinham ao estudo é
o de adequação ao referencial teórico utilizado. Segundo Duarte, o pesquisador deve ter uma
estratégia analítica geral, que consiste em selecionar – segundo o nível de prioridade – o que
será estudado e por quê. A literatura empregada na pesquisa forneceu os parâmetros teóricos
para a seleção dos objetos analisados.
8 Para satisfazer essa condição, recorreu-se aos parâmetros existentes em Sodré (2002) no intento de enquadrar a
atividade midiát ica da Rádio Quaraí AM no campo da Comunicação. E para situar a emissora ao contexto
fronteiriço, recorreu-se, dentre outros, aos estudos de Silveira (2003, 2006, 2007 e 2008).
17
1 A QUESTÃO FRONTEIRIÇA
1.1 EXPLORANDO O CONCEITO DE FRONTEIRA
A construção do marco teórico da pesquisa teve como critério de seleção a
possibilidade de operacionalizar o problema. Como a literatura sobre Fronteiras é vasta, a
pesquisa explorou os modos como o termo é utilizado em diferentes trabalhos sobre o tópico.
Em pesquisas sobre fronteiras, os autores possuem alguns pontos concordantes e outros
díspares. Um primeiro ponto de discordância diz respeito à localização geográfica ao
empregar o termo.
Coloquialmente percebe-se que o termo fronteira é usado para demarcar o limite entre
dois Estados, para designar municípios limítrofes. No entanto, cidades de fronteira pode se
referir a municípios limítrofes e também não limítrofes, desde que estejam dentro da faixa de
fronteira. A Lei n° 6.634, de 02.05.79, que dispõe sobre a faixa de fronteira, considera “área
indispensável à Segurança Nacional a faixa interna de 150 km (cento e cinqüenta quilômetros)
de largura, paralela à linha divisória terrestre do território nacional”9. Cabe ressaltar que o
Brasil, ao lado de Peru e Bolívia, são os únicos países da América do Sul que possuem faixa
de fronteira10. Nesse aspecto, faixa de fronteira ou zona de fronteira compreende todas
aquelas cidades que estão dentro desse raio, e não só as cidades limítrofes de um país.
Em alguns trabalhos sobre rádios de fronteira, tais como Raddatz (2007) e Zamin
(2006), verifica-se que os autores utilizam expressões tais como fronteira e cidades de
fronteira para se referirem a municípios limítrofes. Raddatz (2007), apesar de parecer
considerar tais elementos ao estudar o Rádio FM de Fronteira, toma por objeto de estudo as
emissoras de rádio de cidades limítrofes. Zamin (2006), de forma semelhante, recorre à
expressão cidades de fronteira para se referir aos municípios de Santana do Livramento e
Uruguaiana (formam divisa com Rivera-URU e Paso de los Libres-ARG, respectivamente). A
9 BRASIL. lei n. 6.634, de 2 de maio de 1979. Dispõe sobre a faixa de fronteira. DNPM – Departamento
Nacional de Produção Mineral, Brasília, DF, 3 mai. 1979. Disponível em:
<http://www.dnpm.gov.br/conteudo.asp?IDSecao=67&IDPagina=84&IDLegislacao=9> Acesso em: 10 abr.
2009. Estão em tramitação no Senado duas propostas de emenda à Constituição (PEC) no intento de diminuir a
área da faixa de fronteira. A primeira, do senador gaúcho Sérgio Zambiasi (PTB), pretende encurtar a faixa de
fronteira para 50 km. A segunda, de Osmar Dias (PDT-PR), quer reduzir o espaço para 15 km. 10
Silveira (2004, p. 18) apresenta mais in formações sobre a questão: “Verificando-se o contexto fronteiriço de
outras nações da América do Sul, Rebeca Steiman (2002) reuniu e analisou a legislação básica e os projetos
especiais, tendo constatado que parte dele foi construído em dissonância com normas anteriores e sem o
conhecimento, muitas vezes, das normas entre países limítro fes. A autora consta tou que apenas cinco países
possuem legislação específica sobre o tema promulgada na década de 90, sendo que Bolív ia e Peru designam os
50 Km internos para tal, enquanto Colômbia, Equador e Venezuela não especificam a sua largura” .
18
autora, no entanto, toma o cuidado de usar a expressão município limítrofe para especificar as
localidades onde será aplicada sua pesquisa.
O conceito de Terras de Fronteira apresenta mais detalhes sobre a questão geográfica:
Terras de Fronteira como parte em parte formada pela atual fa ixa de
fronteira, além dos territórios geograficamente pertencentes à micro -reg ião da
Campanha (ou fronteira sudoeste do Rio Grande do Sul), ademais das micro -regiões
das Missões e Depressão Central (também a divisão do estado em zonas turísticas
toma em consideração esta nossa noção, ao relacionar aspectos geográficos e
culturais), totalizando, assim, 182 municíp ios (SILVEIRA, 2002-a, p.4)
Esse conceito, ao abordar aspectos geográficos, instiga também outro tópico relevante
no estudo sobre a fronteira: a questão cultural. Ele sugere que o termo fronteira não se refere
só à localização geográfica, mas a todo um complexo intercultural que caracteriza tais
localidades.
A preocupação dada à nomenclatura é legitimada por um ponto levantado por todos os
autores pesquisados, a saber, que o sujeito fronteiriço11 - pelo tipo de experiência que vivencia
– é culturalmente híbrido. Nesse aspecto, supõe-se que quanto mais freqüente é o contato com
quem pertence a outro país, mais características híbridas refletem-se na forma de ser de quem
vive na fronteira. E aqui surge a questão que justifica tal preocupação: afinal, será que as
experiências de um sujeito de uma cidade limítrofe como Quaraí, Uruguaiana ou Santana do
Livramento são semelhantes às de sujeitos de cidades não limítrofes, mas que fazem parte da
faixa de fronteira?
Na seção destinada à análise da atividade midiática da Rádio Quaraí AM surgem
indícios de que a prática da emissora é, em alguns aspectos, facilitada e às vezes dificultada
por causa do contato diário com o país vizinho. A preocupação destinada à nomenclatura é
para evitar possíveis equívocos em relação ao uso de expressões como fronteira, faixa de
fronteira, ou cidade limítrofe neste trabalho. Neste caso, sempre que se fizer menção à
fronteira, estar-se-á tratando especificamente de uma cidade limítrofe (por mais que se tenha
em mente que outras cidades pertencentes à faixa de fronteira também sejam híbridas e
apresentem dificuldades semelhantes).
1.1.1 Fronteira e Hibridismo Cultural
11
Ou seja, o sujeito que pertence às localidades constituintes da faixa de fronteira.
19
Para os autores pesquisados, o conceito de fronteira relaciona-se com a questão da
cultura. Para efeitos pragmáticos, cultura será entendida aqui como o conjunto de normas que
torna possível o funcionamento de um grupo social (PENTEADO, 2008). Para Raddatz:
Essa nova fronteira, a que nos referíamos antes, tem uma relação umbilical
com a questão da cultura. A linha imaginária e invisível concebe-se como um espaço
de convivência entre culturas que, às vezes, nem imaginávamos existir.
(RADDATZ, 2007, p.96-7)
Podemos dizer que a fronteira, nesse aspecto, é um espaço multicultural12, constituído
por dois povos diferentes. Esse conceito, apesar de ajudar no intento de analisar o conceito de
fronteira, não é suficiente para esgotá- lo, pois concebe as diferentes comunidades culturais
como sendo homogêneas e imutáveis mesmo após a sua interação. Dessa forma, estabelecer
um conceito de local para estudar o rádio na fronteira segundo essa perspectiva não seria
suficiente para explorar a riqueza da localidade, já que aparentemente as relações
estabelecidas entre os sujeitos dessas comunidades constroem novas identidades.
Foi dito no parágrafo anterior que a fronteira é um espaço onde há interações. Sendo
assim, a fronteira também é um espaço intercultural. A interculturalidade é entendida como
um processo comunicativo responsável pela interação entre culturas. Essa interação vai
promovendo as representações, as negociações e os conflitos entre os povos (RODRIGO,
1999).
As idéias de Bhabha (1998) auxiliam a entender o que acontece a partir dessa
interação:
O afastamento das singularidades de „classe‟ ou „gênero‟ como categorias
conceituais e organizacionais básicas resultou em uma consciência das posições do
sujeito – de raça, gênero, geração, local institucional, localidade geopolít ica,
orientação sexual – que habitam qualquer pretensão à identidade no mundo
moderno. O que é teoricamente inovador e politicamente crucial é a necessidade de
passar além das narrativas de subjetividades originárias e iniciais e de focalizar
aqueles momentos ou processos que são produzidos na articulação de diferenças
culturais. Esses “entre-lugares” fornecem o terreno para a elaboração de estratégias
de subjetivação – singular ou coletiva – que dão início a novos signos de identidade
e postos inovadores de colaboração e contestação, no ato de definir a própria idéia
de sociedade [...] É na emergência dos interstícios - a sobreposição e o deslocamento
de domín ios da diferença - que as experiências intersubjetivas e coletivas de nação,
o interesse comunitário ou o valor cultural são negociados (BHABHA, 1998, p. 19-
20)
12
Segundo Hall (2003, p. 52): “Multicultural é um termo qualificativo. Descreve as características sociais e os
problemas de governabilidade apresentados por qualquer sociedade na qual diferent es comunidades culturais
convivem e tentam construir uma vida em comum, ao mesmo tempo em que retêm algo de sua identidade
„orig inal‟. (...) é , por definição, p lural” .
20
O autor não fala de uma simples interação entre dois grupos diferentes que se mantêm
“iguais” após esse contato. A partir dessa articulação de diferenças culturais, esses “entre-
lugares”, ou seja, “o espaço entre o nós e os outros, que não é nem nosso, nem dos outros,
pode ser um espaço instigante para cultivarmos o inter, o espaço privilegiado da negociação
cultural” (BHABHA apud BACKES, 2003, p. 64). Utilizando o termo de Bhabha (1998), é a
partir do interstício cultural que acontece uma hibridização dos sujeitos a partir da cultura.
Cabe ressaltar que esse espaço não consiste simplesmente em um momento de troca
de figurinhas entre membros de grupos culturais distintos. Seria, antes, um espaço
intermediário entre a minha cultura e a cultura do outro, onde alguém poderia conhecer a sua
própria cultura a partir da comparação com outra. Esse jogo de significações amplia o
conhecimento da cultura local, pois o indivíduo de um determinado grupo aprende a ver a si
mesmo pela perspectiva do outro. Ele adquire novos elementos que podem ser utilizados na
avaliação da própria cultura.
No caso das fronteiras, as malhas de interação criadas, seja por via de miscigenação
familiar, cultural, econômica, acabam construindo uma identidade que, mesmo contendo
elementos proporcionados pelas suas culturas, diferencia-se delas, formando no final uma
terceira, que contém elementos das culturas originais, mas que, de certa forma, diferencia-se
delas (BHABHA, 1998).
O trecho da fronteira gaúcha que corresponde à região campanha e à fronteira oeste,
por exemplo, foi marcada por conflitos históricos até a segunda metade do século XIX
(SILVEIRA, 2002-a). Esses séculos de conflitos, primeiro entre as coroas ibéricas, e depois
entre o Império do Brasil e as Províncias Unidas do Rio da Prata estabeleceram uma
miscigenação que se estende a vários campos: sanguíneo, econômico, cultural. Tais interações
construíram/constroem formas de agir que fazem com que o sujeito ali residente adquira um
modo de viver próprio. “[...] os habitantes dos territórios de fronteira, ao mesmo tempo em
que são membros de instituições políticas, constroem redes de relações informais que
competem com o Estado (SILVEIRA, 2007, p.2)”.
O processo de construção das redes de relações informais em partes do território sul-
rio-grandense, como já exposto, é de tempos remotos. Nos estudos de Antropologia da
Civilização é possível identificar alguns indícios do por que tais práticas tornaram-se tão
enraizadas nas zonas fronteiriças com os países do Prata, através das relações construídas
pelos habitantes da região nos primórdios dos seus Estados-nação. Dois deles se fazem mais
21
presentes: 1) a enorme distância do centro do Império do Brasil; 2) as décadas de conflito que
fizeram móvel a fronteira rio-grandense. Darcy Ribeiro explica:
Os caudilhos sulinos, brasileiros porque especialmente não castelhanos e
opostos a estes por suas antigas disputas, mas opostos também ao Império longínquo
– sem olhos e sensibilidade para seus problemas -, configuram uma etnia ainda não
inteiramente identificada com uma brasilidade remota que apenas desabrochava.
Seus conflitos fronteiriços e a sua independência frente ao Império mantêm toda a
campanha em pé de guerra, ao longo de décadas. É conflagrada pelas lutas entre os
caudilhos, nas célebres califórnias, em que disputavam campos e rebanhos; dos
caudilhos com os lavradores e comerciantes de origem açoriana, assentados no
litoral, apegados à autoridade central e almejando impor ordem à campanha; e de
parcelas de uns e outros contra o domínio imperial, pela república ou por qualquer
forma de governo que atendesse melhor às suas aspirações (RIBEIRO, 1995, p. 421)
O contrabando, por exemplo, é uma das atividades ilícitas edificadas nessa época. Ele
perdura até os dias de hoje13. A literatura regional de hoje ilustra tais especificidades:
O homem da fronteira não é que ele queira ser diferente. É sua natureza que
o faz d istinto. Existem características muito específicas da gente que lá nasce. Uma
delas é que todo fronteiriço é contrabandista de nascença. Traz impregnado em seus
genes o sentimento de que fazer compras do outro lado da fronteira é normal. Nem
lhe passa pela cabeça sentir culpa por introduzir no país algo que não é importado
por vias legais. Para ele, limites geográficos não são os mesmos dos mapas
cartográficos. Sua fronteira é delimitada pelo coração. E tudo isso dependendo da
ocasião e o motivo. As grandes divergências, como um exemplo, são o futebol. Mas
são poucas as diferenças. Outra coisa maravilhosa é a mistura, o entrevero de
palavras e os ditos populares. Eles costumam ter uma identidade própria, e já tem
estudiosos que dizem que lá se fala o "portunhol". Nas famílias misturadas, como é
gostoso sentir culturas diferentes. Lembrar das coisas de criança, e depois de adulto,
ver que tudo o que aconteceu foi uma aula de humanidade (PROENÇA, 2003, p.78)
Sendo uma zona limítrofe (como a fronteira Quaraí-Artigas) um lugar onde
identidades nacionais e costumes híbridos convivem, compartilhando semelhanças e
diferenças a ponto de se estabelecer uma identidade local, coloca-se uma dificuldade
conceitual que deve ser abordada se o pretendido é pesquisar rádios fronteiriças: como definir
o local em uma rádio de fronteira?
1.1.2 Estabelecendo o local em uma Rádio de Fronteira
Por causa da facilidade de acesso, e também para evitar dificuldades teóricas a respeito
de possíveis diferenças entre fronteiriços de cidades limítrofes e não- limítrofes, optou-se em
observar somente as características da atividade radiofônica em uma cidade limítrofe, Quaraí -
13
O filme El Baño del Papa, produzido em 2006, d irigido por Enrique Fernández e Cesar Charlone, ilustra
algumas dessas práticas em uma cidade de fronteira. Trailer disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=kH40Hdvncks&feature=related>. Acesso em: 28. nov. 2008.
22
RS, mesmo tendo-se em conta que o conceito de fronteira abrange outras localidades que não
somente a analisada.
Um problema conceitual que surge nesses locais pode ser enunciado da seguinte
forma: como definir o local em rádios de cidades limítrofes? A pesquisa bibliográfica revelou
que, diferente do que é comumente definido como rádio local, as rádios de fronteira, como
nos mostra Zamin (2006), devem lidar constantemente com elementos de aproximação e
repulsão, semelhanças e diferenças, interesses comuns e interesses específicos. Entretanto,
não são apenas dualidades que as rádios fronteiriças consideram (ou deveriam considerar) em
suas programações. Raddatz (2007) diz que na programação de rádios de fronteira a questão
das práticas culturais pode ser percebida através de materiais que, apesar de serem veiculados
para dois países diferentes, expressam uma identidade compartilhada pelos dois povos. Isso
sugere que esse espaço intercultural permite a construção de uma identidade que, mesmo
contendo elementos proporcionados pelas suas culturas, diferencia-se delas, formando ao
final uma terceira, que contém elementos das culturas originais, mas que, de certa forma,
diferencia-se delas.
A partir das características levantadas pelas autoras surgem indícios sobre quais
elementos se devem levar em conta para definir o local em uma rádio de fronteira. Segundo
Vasques (2005), ser local significa ter uma linguagem que mantenha as características de seus
apresentadores, locutores e repórteres, sendo tais especificidades referentes à forma de falar,
ao sotaque e aos termos locais. De modo semelhante, Zamin (2006, p.5) diz que o “local pode
ser entendido como espaço delimitado no qual se desenrola a vida de determinado grupo ou
conjunto de grupos”.
Essas definições, apesar de fazerem menção a características das rádios de fronteira,
não parecem englobar de forma satisfatória a complexidade das mesmas, por serem genéricas
a ponto de não aludirem ao processo de hibridização dos sujeitos e dos costumes aí presentes.
As rádios de cidades limítrofes lidam com populações mescladas, que pertencem a dois países
distintos, mas constituídos por uma mesma raiz cultural, a do gauchismo. Essa condição
paradoxal manifesta-se em algumas práticas alternativas existentes nesse contexto, que ora
competem com as leis do estado por darem mais importância à realidade local, ora acusam as
mesmas práticas alternativas em prol do seu país de origem. O modo como isso se dá está em
constante elaboração14.
14
O processo de construção da identidade a partir do interstício cultural (BHABHA, 1998) não é algo já
finalizado ou em vias de finalização. A identidade compartilhada por essas populações está em constante
construção/reconstrução.
23
Considerando o levantado até o momento, pode-se sugerir que rádio de fronteira lida
com “entre- lugares”, espaços híbridos de construção identitária. Sendo esse processo
contínuo, a emissora influencia e ao mesmo tempo é influenciada por ele. Isso se dá, dentre
outras coisas, pelo tipo de programação dessas emissoras, que veiculam conteúdos que se
estendem aos dois lados da fronteira. São dois povos ao representarem os seus respectivos
Estados-nação, mas é um único povo ao que se refere à identidade local.
1.1.3 A Malha de Comunicação Local-internacional e a Ordem Heterônoma
A articulação da comunicação em terras de fronteira, tendo-se em conta o vínculo
duplo das rádios fronteiriças, é abordada pelo conceito de malha de comunicação local-
internacional. Silveira a define da seguinte forma:
[...] uma membrana que separa, recebe e transmite vibrações. Ela pretende
expressar a auto-compreensão de uma sociedade mediada por sua relação a um
Estado-nação e polarizada por uma lealdade cruzada claramente em dois níveis: o
político, responsável por sua vinculação ao Brasil, e o cultural, compreendido pelo
pertencimento histórico à conformação do espaço platino. Sua condição fronteiriça
lhe determina uma cotidianidade permeada pelas relações de poder das nações
circunvizinhas e guiada por sua pertença irrecusável a uma delas. Trata-se de um
circuito composto de canais e/ou agentes interligados segundo o princípio unificador
de atividades midiáticas que, de outra forma, estariam d ispersas em centenas de
práticas atuantes no nível local - o território fronteiriço-, com sentidas repercussões
no nível internacional, a saber, o espaço colindante dos Estados -nação do Cone Sul.
Assim compreendida, a malha envolve a estrutura permanente de canais e/ou
agentes variados e os processos comunicacionais deles decorrentes (SILVEIRA,
2008, p.3-4).
Esse conceito afirma que as sociedades fronteiriças estão sujeitas a uma lealdade
cruzada em pelo menos dois âmbitos: “o político, responsável por sua vinculação ao Brasil, e
o cultural, compreendido pelo pertencimento histórico à conformação do espaço platino”
(SILVEIRA, 2008). Através da sua atividade midiática os meios de comunicação auxiliam na
construção/fixação desses canais por onde acontece a hibridização fronteiriça, mas são, ao
mesmo tempo, responsáveis por divulgar materiais que reafirmam o seu pertencimento ao
Estado-nação ao qual fazem parte. Os meios de comunicação da fronteira, dentre os quais se
incluem as rádios de fronteira, estão submetidos a essa ordem heterônoma.
No âmbito político, essa dialética se caracteriza pela marginalidade das Terras de
Fronteira frente ao Estado-nação, cabendo a essas cidades a manutenção dos interesses do
Estado brasileiro, através da adequação a uma rígida estrutura burocrática que atende às
políticas internacionais vigentes frente ao Estado-nação vizinho; no meio cultural, elas
24
usufruem de uma cultura híbrida construída a partir de séculos de aproximação com as
culturas platinas15, que resultou em uma “malha de comunicação heterogênea [...],
desconhecida e por vezes irreconhecível ou indiscernível por outras sociedades” (SILVEIRA,
2008, p. 9).
1.2 A FRONTEIRA DA CONCÓRDIA: QUARAÍ (BRA)-ARTIGAS (URU)
Localizada na fronteira oeste do estado do Rio Grande do Sul, entre as cidades de
Santana do Livramento e Uruguaiana, essa fronteira foi primitivamente habitada por diversos
grupos indígenas, tais como Jaros, Guaicurus e Charruas. Foi também parte integrante do
território das Missões Orientais do Uruguai. Suas terras foram motivo de grandes disputas
entre Portugal e Espanha que se alternavam em sua posse. Foi reduto de tropas artiguistas,
bem como mais tarde palco de lutas como resultante de sua incorporação ao grupo
republicano durante a Revolução Farroupilha.
Até então esse território alternava seu domínio entre o Império do Brasil e os países do
Prata. As primeiras ações que fizeram com que a fronteira adquirisse a configuração atual
ocorreram anos mais tarde, durante a Guerra Civil que se deu no Urugua i entre blancos e
colorados.
Ao final da Guerra Grande, em troca da ajuda do Brasil para derrotar a Rosas,
Andrés Lamas, Embaixador Uruguaio, no Rio de Janeiro firma 5 (cinco) Tratados. O
Tratado de Limites estabelece como divisa o Quaraí e o Jaguarão. (CHEGUHEM,
1991-b, p. 11)
A cidade de Quaraí, assim, nasceu de uma decorrência política de necessidade de
fixação brasileira frente ao Uruguai. Em 1852, o governo uruguaio fundou San Eugenio del
15
“Os gaúchos brasileiros têm uma formação histórica comum à dos demais gaúchos platinos. Surgem da
transfiguração étnica das populações mestiças de varões espanhóis e lusitanos com mulheres Guaran i.
Especializam-se na exploração do gado, alçado e selvagem, que se mult iplicava prodigiosamente nas pradarias
naturais das duas margens do rio da Prata” (RIBEIRO, 1995, p. 408). Segundo o autor, a princípio os gaúchos
não se identificavam nem com os espanhóis e nem com os portugueses, eram nômades mestiços não atrelados a
quaisquer instâncias. Tal proximidade iniciou aproximadamente no primórdio dos estados nacionais da região do
Prata, graças a uma complexa rede de vínculos construída durante o processo de ocupação da campanha, e dos
ulteriores anos de conflito. Interessante também é a e xpressão usada pelo autor ao tratar sobre o Brasil Su lino.
Darcy Ribeiro utiliza “os representantes atuais dos antigos gaúchos” (1995, p. 409). Essa expressão sugere que,
apesar da tentativa atual do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) de construir e legitimar uma identidade a
partir da figura do gaúcho nômade e mestiço (vítima no processo civilizatório, segundo o antropólogo; herói
destemido e orgulhoso, para os tradicionalistas), predomina em alguns gaúchos de hoje a influência herdada dos
europeus, que muito dista dos primeiros. Para mais informações sobre o processo de marginalização do gaúcho
original, cf. RIBEIRO, 1995, p. 408-44. Cf. também RIBEIRO, 1977, p. 477-84. Neste último o autor fala em
processo de extermínio do gaúcho. Na literatura, essa figura é ilustrada pela Trilogia do Gaúcho a Pé, de Cyro
Martins. A trilogia é composta por Sem Rumo (1937), Porteira Fechada (1944) e Estrada Nova (1954).
25
Cuareim, atual departamento de Artigas16, à margem esquerda do Rio Quaraí. O governo
Imperial fortificou a margem direita, destacando uma guarnição militar comandada pelo
Coronel Simeão Francisco Pereira. Tal guarnição, em 1859, veio a se transformar na
Freguesia de São João Batista de Quarahyn (CHEGUHEM, 1991-a, p. 18). A criação dos dois
povoados foi o primeiro passo para essa fronteira adquirir a configuração atual, já que até
então os caudilhos que tinham posse de terras nessa localidade viviam em pé de guerra.
Atualmente a população do município de Quaraí, entre a sede e a sua zona rural, conta
com aproximadamente 22.883 habitantes, segundo estimativa do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE)17. A área do município é de 3.147 km². Artigas, cidade sede do
departamento de mesmo nome, localizada no extremo norte da República Oriental do
Uruguai, herda o nome do prócer de seu país, o caudilho José Gervasio Artigas 18. O
departamento tem 11.928 km², com população aproximada de 75.066 habitantes, residindo
40.249 desses na cidade sede19. A importância de se conhecer tais dados reside no fato de que
a Rádio Quaraí AM tem parte da sua programação voltada para a população rural dos dois
municípios.
As duas cidades têm forte tradição agropecuarista, tendo na produção primária a sua
principal fonte de renda. No início do século XX, Quaraí possuía duas grandes charqueadas: a
16
Departamento no Uruguai equivale a Estado no Brasil. 17
IBGE. Es timativas da população para 1° de julho de 2009. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2009/POP2009_DOU.pdf >.
Acesso em: 16 ago. 2009. 18
Interessante é a trajetória do general José Gervasio Artigas. Após as decisivas participações na guerra de
emancipação dos países do Prata contra a coroa ibérica, procedeu com a criação da Liga Federal, que
contemplava territórios da atual Argentina, Uruguai e Rio Grande do Sul. O seu programa previa uma reforma
agrária nas terras da bacia do Prata, transformando o gaúcho simples em proprietário de terra em uma república
liv re. Seus ideais libertários, republicanos e reformistas - que na posteridade o fizeram prócer do povo uruguaio
sob os títulos de Jefe de Los Orientales e Protector de Los Pueblos Libres - fez com que na época o general
fosse perseguido tanto pelo Império do Brasil quanto pelos caudilhos platinos. Ao seu lado, leais, ficaram apenas
os negros, gaúchos e indígenas que desde os primórdios do caudilho fo ram os seus companheiros na vida do
campo. Tais personagens eram considerados pela alta sociedade montevideana e portenha a parte marg inalizada
da sociedade. Assim descrevia o comerciante britânico John Parish Robertson o acampamento que viria a se
tornar por pouco tempo a capital da Liga Federal, chamada Purificación: “Tenía alrededor de 1.500 seguidores
andrajosos en su campamento que actuaban en la doble capacidad de infantes y jinetes. Eran indios
principalmente sacados de los decaídos establecimientos jesuíticos, admirables jinetes y endurecidos en toda
clase de privaciones y fatigas. Las lomas y fértiles llanuras de la Banda Oriental y Entre Ríos suministraban
abundante pasto para sus caballos, y numerosos ganados para alimentarse. Poco más necesitaban . Chaquetilla
y un poncho ceñido en la cintura a modo de kilt escocés, mientras otro colgaba de sus hombros, completaban
con el gorro de fajina y un par de botas de potro, grandes espuelas, sable, trabuco y cuchillo, el atavío
artigueño. Su campamento lo formaban filas de toldos de cuero y ranchos de barro; y éstos, con una media
docena de casuchas de mejor aspecto, constituían lo que se llamaba Villa de la Purificación ”. Extraído de EL 23
DE SETIEMBRE DE 2000: JOSÉ ARTIGAS A 150 AÑOS DE SU MUERTE. In : URUGUAYTotal.com.
Disponível em: <http://www.uruguaytotal.com/especiales/artigas2.htm>. Acesso em: 12. ago. 2009. Cf.
RIBEIRO, 1997, p. 468. Cf. ainda GALEANO, 1979, p. 128-33. 19
Informações extraídas do sítio da Intendência de Artigas. Disponível em:
<http://www.artigas.gub.uy/WebArtigas/>. Acesso em: 02. set 2009.
26
de Novo Quaraí e a de São Carlos. Os saladeiros, como são conhecidos na região, tiveram o
seu ápice no período compreendido entre os anos de 1894-1923. Apesar da sua grande
importância histórica, o interesse nelas, para esta pesquisa, reside no fato da sua história
corroborar laços alternativos criados com os uruguaios a partir das dificuldades de acesso a
outros locais do Estado e também do país. O empreendimento, segundo Cheguhem (1991, p.
142): “era destinado a suprir os Portos do Litoral Brasileiro, mas não havia estradas
transitáveis que ligassem Quaraí ao Centro do País”. Por proximidade política de algumas
personalidades da época frente a autoridades uruguaias, conseguiu-se uma concessão especial
para transportar os produtos para o litoral brasileiro através do porto de Montevidéu.
Este fato incentivou a cobiça de exportadores uruguaios que se aproveitavam
de nossa concessão para juntar suas mercadorias ao nosso charque. Isto originou o
contrabando em alta escala do qual ficou ciente o governo brasileiro que em 1928
resolveu decretar uma Lei Federal (Lei da Desnacionalização do Charque) na qual
proibia a entrada do Charque em território brasileiro, tendo, por esta razão,
fracassado a comercialização do nosso Charque. Essa Lei que vedava o trânsito do
Charque que era levado aos nossos portos do litoral através dos portos do território
uruguaio sem as taxas de exportação e respectiva importação, oneraria tanto o
produto que o colocou fora do mercado nacional, seu maior consumidor.
(CHEGUHEM, 1991-a, p. 143)
Os estrangeiros que imigraram para a região (dentre eles árabes e italianos), por sua
vez, fortaleceram outra prática que é forte entre as duas cidades: o comércio. Ele fo i facilitado
após a inauguração da Ponte Internacional da Concórdia em 1968 20. Nos dias de hoje é
possível verificar a forte dependência que as duas cidades têm entre si nesse segmento, já que
durante o dia a Ponte da Concórdia é tomada por uruguaios e bras ileiros que buscam
mercadorias nos dois lados da fronteira.
Pela sua localização geográfica as cidades de Quaraí e Artigas constituem uma das
principais portas de escoamento de mercadorias do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL),
já que ficam a uma distância semelhante de capitais como Porto Alegre, Buenos Aires,
Montevidéu e Assunção. A cidade de Quaraí possui duas emissoras de rádio e dois jornais
impressos. Artigas, por sua vez, possui sete emissoras de rádio homologadas, outras tantas
não homologadas e uma emissora de TV independente.
Constituída dessa forma, a fronteira Quaraí-Artigas aprendeu a conviver cordialmente
com as diferenças, miscigenando-se entre si, de tal forma que aos olhos do fronteiriço essa
experiência, como sugere Proença (2003, p.78), é uma “aula de humanidade”.
20
Até a década de 60 o transporte de passageiros pelo Rio Quaraí era feito em botes. A prática dos boteiros é
ilustrada no romance Sem Rumo, de Cyro Mart ins. Atualmente é possível observar carroceiros transportando
mercadorias pelo rio nos dois sentidos.
27
2 ANÁLISE DA ATIVIDADE MIDIÁTICA DA RÁDIO QUARAÍ AM
2.1 A CIDADE SE DIVERTE: A CONSTRUÇÃO/FIXAÇÃO DE CANAIS HÍBRIDOS
ATRAVÉS DA RÁDIO QUARAÍ AM
No final da década de 50, quando o rádio no Brasil já começava a perder parte do seu
romantismo inicial graças ao advento da televisão, surge a Rádio Quaraí AM na fronteira
Quaraí-Artigas. Nessa fronteira, considerando que a população não possuía ainda nem energia
elétrica em tempo integral (pelo menos em Quaraí), o advento da sua primeira emissora de
rádio causou grande expectativa frente ao que iria proceder a partir de então. Apesar de já se
captar emissoras de rádio de cidades vizinhas (as pessoas que tinham receptores ouviam as
emissoras de Uruguaiana, Alegrete, bem como emissoras argentinas e uruguaias), o fato de se
ter uma programação voltada para o local - trabalhando com elementos híbridos já
estabelecidos da cultura, e outros em processo de elaboração - era uma novidade.
ZYU 56, ZYH 335 e atualmente ZYK 282, esses são os prefixos que marcam a
trajetória da Rádio Quaraí AM. Fundada em 17 de março de 1957, a emissora, localizada na
fronteira oeste do Rio Grande do Sul, na cidade fronteiriça de Quaraí, desde os seus
primórdios trabalhou com elementos híbridos da comunidade local. Isso graças aos programas
de auditório que um dia produziu, bem como às radionovelas próprias que chegaram a ser
adaptadas para a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, ou ainda com os incontáveis programas
que até hoje são voltados ao gauchismo, que constitui um elo entre brasileiros e uruguaios
residentes nesse local. A emissora, no entanto, nunca deixou de realçar o seu pertencimento
ao Estado-nação ao qual pertence. A vinheta a seguir, que atualmente é utilizada nos os blocos
comerciais da emissora, é um exemplo disso:
Operando em 1540 kHz, desde a República Federativa do Brasil, estado do
Rio Grande do Sul, cidade de Quaraí: ZYK 282, Rádio Quaraí, há mais de meio
século unindo povos de Brasil, Uruguai e Argentina.
Analisando a vinheta percebe-se que mesmo emblemática no sentido de situá-la como
pertencente ao Estado Brasileiro na região, servindo de porta-voz dos seus interesses frente ao
Uruguai e à Argentina, ela também representa a população híbrida que constitui a fronteira:
há mais de meio século unindo povos de Brasil, Uruguai e Argentina. Dentre outras coisas,
pode-se dizer que isso se dá graças à sua programação, que é voltada à cidade e ao campo, já
que o município de Quaraí e o departamento de Artigas possuem uma vasta extensão rural.
Esta outra vinheta realça essa característica:
28
[música Gauchinha Bem Querer, dos Três Xirus, ao fundo] - Por estarmos
situados na região da campanha gaúcha, direcionamos 50% da nossa programação
ao folclore e ao nativismo. Rádio Quaraí, há quase meio século integrando cidade,
interior, e fronteiras Brasil, Uruguai e Argentina.
Essas vinhetas, no entanto, só sustentam com convicção a sua atuação como
representante do nível local por causa dos vínculos construídos pela emissora com a sociedade
fronteiriça desde os seus primórdios. Nesse aspecto, os seus microfones desde sempre
serviram como elo entre o habitante da fronteira e o mundo, seja divertindo os ouvintes com
músicas gauchescas, brasileiras e internacionais, ou ainda com programas que instigam à
participação dos ouvintes; informando, com notícias locais, nacionais e internacionais;
auxiliando quando necessário, através das suas campanhas sociais; ou ainda oferecendo
espaço para as manifestações de quem vê nela a maneira mais eficaz de expor os seus anseios
e/ou insatisfações.
O material acessado por esta pesquisa, apesar de fragmentado e por vezes com grandes
lacunas temporais, ressalta os modos como se deu processo de construção dos laços da
emissora com a sociedade fronteiriça ao longo de mais de meio século de existência.
No início das suas atividades, a emissora adotou o padrão do Rádio Espetáculo.
Segundo Ferraretto (2007, p. 112), as emissoras dessa época eram caracterizadas por “uma
programação voltada ao entretenimento, predominando programas de auditório, radionovelas
e humorísticos”. Além desses, as coberturas esportivas também compunham a programação
das emissoras de então.
Desse período, A Cidade se Diverte foi um dos primeiros programas veiculados pela
Rádio Quaraí AM depois da sua inauguração. O programa de auditório acontecia no cinema
que havia na cidade, o cine-teatro Carlos Gomes. Segundo Ponte (2000, p. 21): “as pessoas
lotavam o cinema da cidade do qual era transmitido, e participavam de diversas brincadeiras,
sorteios e assistiam a um show de calouros”. Os participantes, pessoas da comunidade, eram
brasileiros e uruguaios que estavam experimentando a grande novidade da fronteira: uma
emissora de rádio. “Qualquer um podia participar”, diz em entrevista uma das sócias da
emissora e viúva de Jorge Japur, Izar Teixeira Lamb21. “Era só ter coragem de subir ao
21
Jorge Japur, nascido em 14 de junho de 1926, foi o fundador da Rádio Quaraí AM. Segundo a edição de 11 de
junho de 2003 do jornal Zero Hora, um d ia após o seu falecimento, “Japur era considerado um ícone do
radialis mo”, por ter atuado mais de 50 anos no ramo. Filho de imigrantes libaneses, desde pequeno despertou o
gosto pela eletrônica e era fascinado pelo cinema e pelo rád io. Ao lado de familiares, como o seu irmão Nadir
Japur, e de amigos como o uruguaio Basílio Borgato, pôs em prática o sonho de criar uma emissora na cidade de
Quaraí. Autodidata, construiu um transmissor artesanal que serviu para pôr em funcionamento a emissora antes
de ela ser legalizada, em 1957. Fo i um dos sócios fundadores da Associação Gaúcha de Emissoras de Rádio e
29
palco... Nós ríamos muito”, complementa dona Izar. Os uruguaios, por sua vez, atravessavam
o Rio Quaraí em botes para poderem participar, já que ainda não existia nessa época a Ponte
da Concórdia. O programa foi um sucesso na fronteira ao lado das radionovelas produzidas
pela emissora.
Estas possuem uma especificidade: a mescla do talento da escritora e radioatriz carioca
Hedy Maia, consagrada na Rádio Nacional do Rio de Janeiro nas décadas de 40 e 50, com a
utilização de um elenco amador composto por brasileiros e uruguaios que experimentavam o
rádio pela primeira vez. “Quem poderia imaginar que uma emissora localizada em um dos
extremos do país teria radionovelas próprias escritas por tão prestigiada personalidade?”22,
comenta Izar Teixeira Lamb.
As páginas amareladas dos scripts das quatro radionovelas produzidas pela Rádio
Quaraí AM durante a estada de Hedy Maia em Quaraí, guardadas hoje em um dos escritórios
da emissora, é um valioso registro de como a questão fronteiriça foi tratada na era de ouro do
rádio. A emissora produziu quatro radionovelas, a saber: A Canção da Vingança, A Loura de
Vermelho (que posteriormente ficou conhecida como La Rubia de Rojo), Os mortos não falam
e Sorriso do Cadáver.
Ao descrever o contexto em que eram feitas tais produções, Ponte (2000) comenta:
Uma época em que as pessoas não cobravam nada para servir de
entretenimento. Pois, conforme dona Izar, nem os atores, nem a própria Hedy Maia,
recebiam cachê para fazer o rad ioteatro. Era tudo feito apenas pelo prazer de
interpretar e criar enredos e personagens inalcançáveis. Uma época de ingenuidade
Televisão (AGERT). Casado três vezes, teve três filhos: Vânia Japur e Harvey Japur do p rimeiro casamento, e
Jorge Alberto Lamb Japur, jornalista responsável e atual diretor executivo da Rádio Quaraí AM, fruto do seu
matrimônio com Izar Teixeira Lamb, que atualmente é uma das sócias da emissora. Sempre irreverente Japur foi
locutor dos programas Ponto de Encontro e do Informativo do meio-dia. No primeiro, falava dos problemas da
comunidade e fazia campanhas para famílias carentes. No informativo do meio-dia repassava recados, muitas
vezes cômicos, aos moradores da zona rural dos municípios de Quaraí e Art igas. No dia do seu falecimento, 10
de junho de 2003, a emissora não fechou, atendendo a um pedido feito pelo próprio Japur em vida: “Quando eu
morrer, a rádio tem que ficar aberta para que todos saibam que eu morri”, brincava Japur. Nem fo i preciso, já
que no dia do seu enterro a cidade parou. O prefeito de então decretou três dias de luto oficial. A emissora
veiculou durante todo o dia um CD que continha músicas em que Japur cantava serestas e boleros. Nesse
período, brasileiros e uruguaios tristes vinham deixar as suas últimas homenagens através dos microfones da
Rádio Quaraí AM. Para o autor desta monografia, neto de Jorge Japur, um dos depoimentos mais emblemáticos
foi feito por um uruguaio que disse o seguinte aos prantos: “Japur no fue alguien importante solamente para
Quaraí... Artigas también llora, por todo que él hizo y nos enseño… La comunidad de Artigas reconoce todo que
la radio hizo por nuestra gente… Si, la frontera tiene una deuda contigo… hoy es un día triste” . 22
Hedy Maia foi uma importante autora de radionovelas na década de 40 e 50. Na década de 60 escreveu
novelas também para a telev isão. Segundo Ponte (2000, p. 35): “Hedy Maia já havia trabalhado na Rádio
Nacional do Rio de Janeiro como radioatriz, além de ter sido escritora de algumas das novelas, na metade da
década de 40 e início dos anos 50. Ela vivenciou o auge desse gênero, introduzido pelos cubanos na América
Latina”. A escritora é também autora de prestigiadas novelas veiculadas pela TV Globo, como A Grande
Mentira (1968) e Cabana do Pai Tomás (1969). Casada com militar, esteve em Quaraí no final da década de 50,
durante o período em que seu marido serviu no 5° Regimento de Cavalaria Mecanizado (5° RCMec).
30
tanto na forma de se fazer rádio, quanto na maneira de se ganhar a vida, o dinheiro
com esse veículo (PONTE, 2000, p.46-7)
Compunha o elenco das radionovelas o proprietário da Rádio Quaraí, Jorge Japur, os
seus irmãos, Nadir Japur e Olga Japur (primeira locutora da Rádio Quaraí), o uruguaio Basílio
Borgato23, bem como parentes e amigos. Segundo dona Izar, essa foi uma das fases mais
promissoras da Rádio Quaraí AM. Isso tanto nas reminiscências de quem atuou nas
radionovelas quanto na de ouvintes dos dois lados da fronteira, seja pelo fascínio causado por
ter uma emissora local produzindo material de qualidade equiparável ao da Rádio Nacional –
graças ao talento de Hedy Maia e dos seus artistas improvisados – seja pelos causos que
ficaram na memória de quem, hoje, rememora o passado com carinho:
La primera emisora que tuvo la frontera fue la Radio Quaraí, de la vecina
ciudad brasileña del mismo nombre. Allí, el propietario de la misma, el Turco J...
[Jorge Japur], intentó hacer un radioteatro local, donde su esposa hacía de estrella
femenina. No recuerdo el nombre del personaje que ella interpretaba, pero
pongámosle "María". Borgato también participaba. Su personaje se llamaba
"Montenegro". En determinado momento Montenegro y María debían protagonizar
una fogosa escena de amor. El diálogo se produjo de la siguiente forma: la mujer
decía el nombre del personaje de Borgato, y éste respondía con el nombre de la
heroína, siempre en tono meloso:
"Montenegro"..."María"..."Montenegro"..."María". Así hasta que Montenegro se
excedió en la composición del personaje, y la protagonista solo pudo exclamar:
“Me solta, Borgato!”24
Segundo Ponte (2000): “antes mesmo do Brasil questionar quem matou Salomão
Ayala [...], na pequena Quaraí, no fim da década de 50, a população queria descobrir quem
havia matado a personagem Jandira” (PONTE, 2000, p. 44). Foi feito um concurso na cidade
sobre o destino da personagem, que fazia parte da radionovela Os Mortos não Falam. A
participação da população de Quaraí e Artigas foi maciça, segundo Izar Teixeira Lamb. É
provável que o primeiro contato dos uruguaios com as novelas brasileiras tenha se dado nessa
região pela Rádio Quaraí AM, já que a televisão não havia chegado nesse local.
As lembranças das pessoas que conviveram com as radionovelas são carregadas de
emoções. Carinho, risadas e algumas gafes, enfim, essas histórias corroboram o impacto que
as radionovelas produzidas pela emissora tiveram na sociedade fronteiriça de então. No seu
23
Basílio Borgato sempre fo i um dos grandes amigos de Jorge Japur. Compartilhava com este o gosto pelo
cinema e o fascínio pelo rád io. Ajudou Jorge Japur na criação da Rádio Quaraí, e trabalhava nela como locutor
durante o período do dia em que não havia energia elétrica em Quaraí, fazendo uma programação em espa nhol
voltada a Artigas. Fundou em 1963 a Radio Frontera, e lá ficou conhecido pelo modo irreverente como fazia
propaganda para os seus anunciantes. Durante o processo de legalização da Rádio Quaraí, período em que Jorge
Japur fugiu para o Uruguai com medo de represálias, Borgato hospedou Japur em sua casa. Mais informações na
seção 2.2. 24
Comentário de internauta extraído de ALLÁ LEJOS Y HACE TIEMPO... In : TODO.com.uy. Disponível em:
<http://memorias.todouy.com/mempdartigas.htm>. Acesso em: 19 out. 2009.
31
estudo, Ponte (2000) atenta ainda para o modo como a escritora dividia os papéis entre os
radioatores.
Basílio Borgato, por ter uma voz grave, enfática, com certo grau de ironia,
normalmente era convocado por Hedy Maia para fazer o papel de “descendente de índio ou de
o castelhano peleador, justamente pelo seu perfil meio machista” (PONTE, 2000, p. 41). É
por causa da sua participação, inclusive, que a novela A Loura de Vermelho ficou conhecida
como La Rubia de Rojo. A escritora escolhia os papéis de acordo com o perfil de cada um dos
atores. Segundo Ponte, Jorge Japur interpretava o galã:
Ele afirma que era por ser diretor que a escritora o colocava como
personagem principal. No entanto, ela talvez o escolhesse pelo seu timbre de voz
diferente e, principalmente, pelo seu jeito de conquistador. Izar Teixeira Lamb era
normalmente escolhida como a mocinha das tramas , provavelmente pelo seu aspecto
frágil (2000, p. 41)
Hedy Maia reservou ainda para Milton Souza, um dos primeiros locutores da Rádio
Quaraí, o papel do capataz Mariano em Os mortos não falam, radionovela inspirada na
história de Quaraí25. Segundo Ponte (2000, p. 42): “Ele se revelou como o melhor ator do
casting na opinião de dona Izar, e quiçá de Hedy Maia, de quem recebeu muitos elogios”.
Ponte menciona ainda uma curiosidade: o teor de uma carta enviada por Hedy Maia à
sua amiga Izar Teixeira Lamb no final da década de 60, período em que estava adaptando para
o português A Cabana do Pai Tomás, novela transmitida pela Rede Globo em 1969. Segundo
a autora:
Na carta, além de noticiar o falecimento de seu marido, conta que adaptou
para a Rádio Nacional a novela Os Mortos não Falam com o nome de Terra sem
Alma, fazendo o maior sucesso. – Naquela época, tinha um radioator, o Cícero
Acaiaba, que era famoso e fez o papel do Milton Souza, e ela mandou dizer que:
“por incrível que pareça o Cícero Acaiaba não conseguiu superar o Milton Souza
no papel do Mariano” (PONTE, 2000, p. 48-9)
Pode-se dizer que as radionovelas produzidas pela Rádio Quaraí AM foram uma
experiência in loco de como um gênero consolidado no centro do país funcionou em um dos
seus extremos, não simplesmente reproduzindo produções prontas, mas utilizando o talento de
alguém de lá para criar histórias que incorporavam o modo de ser da fronteira ao seu enredo.
Ainda durante esse período pode-se citar as transmissões esportivas da Rádio Quaraí
AM. Narrações de competições esportivas entre brasileiros e uruguaios, entre os times de
25
Milton Souza, já falecido, foi um dos primeiros locutores da Rádio Quaraí AM. Talentoso, após trabalhar
alguns anos na emissora foi contratado pela Rádio São Miguel AM, de Uruguaiana. Foi idealizador e um dos
fundadores de um dos principais festivais nativistas do estado, a Califórnia da Canção Nativa, de Uruguaiana.
32
Quaraí, transmissões bilíngües, dentre outros, ajudaram a aproximar a comunidade dos dois
lados da fronteira. “Ficaram famosas as transmissões dos jogos de futebol entre Quaraí
Futebol Clube e o Brasil Futebol Clube” (PONTE, 2000, p. 22).
A respeito do futebol, nas eliminatórias da Copa do Mundo de 1994, a emissora
realizou uma transmissão bilíngüe durante as partidas realizadas entre Brasil e Uruguai. “A
emissora levou dois locutores, um brasileiro da própria rádio, Cléber de Oliveira, e o outro,
radialista cedido pela Radio Frontera de Artigas” (PONTE, 2000, p. 24). Quando o Brasil
estava com a posse de bola, o radialista brasileiro fazia a locução; quando a posse era da
seleção uruguaia, o outro locutor narrava em espanhol.
Até o ano de 2009, a emissora, que possui equipe esportiva própria, realizava a
cobertura dos jogos dos principais times do Rio Grande do Sul, Internacional e Grêmio, nos
principais campeonatos do país. As transmissões eventualmente contavam co m a participação
de torcedores e comentaristas uruguaios. Por conta dos custos elevados, a rádio teve que
finalizar as transmissões e hoje retransmite os jogos pela Rádio Bandeirantes AM de Porto
Alegre.
Os avisos, notas e comunicados da emissora, principalmente os veiculados no
Informativo do meio-dia, também são importantes no sentido de integrar a população de
Quaraí e Artigas. “Atenção no interior do município, atenção no interior do município...”,
alertava Jorge Japur, que desde os princípios da emissora – até 2003 - foi o responsável pelo
Informativo. “Fulano, avisam aqui da cidade que cicrano está doente... é importante que tu
venhas pra cá já”. A verdade, no entanto, é que a pessoa adoentada havia falecido no hospital
de Quaraí, e estava posta a questão de como avisar os familiares do mesmo – moradores do
interior do município - sobre isso. Eis então que foram veiculadas as palavras que, dentre
outras, eternizaram-se na memória de brasileiros e uruguaios da fronteira como mais uma das
passagens que, ainda hoje, ouvintes recordam com carinho: “por via das dúvidas, vem de
luto!”.
Jorge Japur recorria ao humor também na hora de fazer anúncios comerciais,
provavelmente por acreditar que isso auxiliava na fixação de uma marca ou promoção.
“Vendem-se camas para bebês de ferro”, “vendem-se botas para homens de borracha”, ou
ainda “vendem-se gaiolas para papagaios de ferro”, essas eram algumas das brincadeiras que
o radialista fazia durante O Ponto de Encontro ou o Informativo do meio-dia. Além disso,
Jorge Japur, filho de libaneses, costumava implicar nos seus discursos com a comunidade
palestina que vive na cidade. Certa vez, ao fazer referência aos conflitos israelo-palestinos,
33
disse: “Eu sou a favor de Israel e dos Estados Unidos, tem que matar toda essa gentalha
palestina!”.
Os funcionários da emissora, atônitos, diziam-lhe para ter cuidado com as afirmações.
“E não é que ele sai pela cidade depois, indo às lojas dos palestinos para discutir com eles
sobre as bobagens que tinha falado?”, comenta Jorge Alberto Lamb Japur. “Todo mundo
achava uma farra, a ponto de rirem de questões sérias como o conflito sem problema algum”,
acrescenta Jorge Alberto. O que é ainda mais incrível para o diretor é o fato de serem esses
palestinos que riam das afirmações os mesmos que imigraram para o Brasil fugindo dos
conflitos no Oriente Médio. É provável que em outros contextos esse tipo de afirmação
pudesse gerar conseqüências graves. Jorge Japur, no entanto, não fazia esse mesmo tipo de
comentário a respeito dos uruguaios, provavelmente porque, para ele, não havia diferenças
entre quem vivia em Quaraí ou Artigas, já que eram simplesmente fronteiriços.
Em estudos sobre comunicação em faixa de fronteira é comum verificar ênfase à
importância dos comunicados para o interior realizados pelas emissoras dos municípios da
fronteira. Silveira e Adamczuk (2004, p.123) afirmam: “o alto grau de importância deste
serviço se verifica na medida em que o rádio constituía-se no único meio de comunicação
entre a área urbana e rural”. Pessoas com parentes no interior, latifundiários com avisos para
os seus trabalhadores rurais, comunicados dos órgãos municipais, dentre outros, constituem o
tipo de conteúdo que até hoje é veiculado por esses avisos26.
Hoje em dia esse tipo de serviço é mais restrito, já que o desenvolvimento tecnológico
permitiu que outras formas de comunicação fossem estabelecidas entre a área urbana e a área
rural do município. Radiotransmissores que normalmente utilizam antenas colocadas no
telhado de casas e posteriormente a telefonia móvel diminuíram a necessidade da emissora
para esse tipo de tarefa27. O que não quer dizer, no entanto, que o serviço não seja mais usual
ou menos importante, já que essas tecnologias não cobrem parte dos municípios de Artigas e
Quaraí. O rádio AM continua sendo o único capaz de cobrir praticamente 100% desses
territórios. De acordo com o atual diretor da emissora, Jorge Alberto Lamb Japur, é comum de
se ouvir na Rádio Quaraí AM avisos como, por exemplo: “Atenção fulano no interior do
município, cicrano avisa que precisa falar urgente contigo, mas o teu celular não está
pegando”. Além desses, outros avisos para o interior também são comuns, como este
26
Segundo Ponte (2000, p. 40): “os hilários avisos do meio -dia tinham, em sua maior parte, graves erros de
concordância e gramática. Eles, no entanto, não podiam ser modificados, porque as pessoas que os redigiam não
aceitavam que fossem corrigidos. Alguns alegavam que atrapalharia a compreensão de quem iria receber a
mensagem”. 27
A cidade de Artigas possui na atualidade uma in fin idade de radiotransmissores desse tipo, reflexo da grande
quantidade de produtores primários. Cf. anexo.
34
veiculado no dia 03.11.2009 no Informativo do meio-dia: “Desapareceu entre quinta e sexta-
feira uma porca branca de rabo curto (Pitoca), do estabelecimento de fulano de tal, no Quaraí–
Mirim. Se alguém souber do seu paradeiro avise no telefone xxx-xxxx. Será gratificado”28.
O cômico caso descrito no aviso acima ilustra o forte vínculo que a população da
fronteira tem com a vida do campo, o que explica o porquê da programação da emissora ser
em grande parte voltada para ela. Nesse aspecto, informações culturais sobre tradicionalismo,
músicas gauchescas, e quaisquer outras manifestações desse gênero encontram público nos
dois lados da fronteira, pois tanto o gaúcho brasileiro quando o gaucho uruguaio
compartilham em parte uma mesma raiz cultural. Segundo o apresentador do Informativo
Rural, e também do programa matutino Cambona e Cordeona, Miguel Castro: “É o deus
deles o gaúcho da fronteira. Os uruguaios participam todos os dias”.
O apresentador, que é ligado ao tradicionalismo e participa de eventos relacionados ao
tema, comenta que não há diferenças significativas entre o gaúcho brasileiro e o gaucho
uruguaio. Em eventos sobre o tema, a única diferença explícita é, segundo ele, a língua. “No
más, é tudo igual”, conclui.
No caso da Rádio Quaraí AM, é comum observar a participação de gaúchos
brasileiros e uruguaios na programação. Em alguns dos seus programas nativistas e
gauchescos, a emissora recebe participações por telefone de pessoas dos dois lados da
fronteira. Parte desse público possui parentes espalhados pelo departamento de Artigas e pelo
município de Quaraí que interagem oferecendo músicas e homenagens através dos programas
musicais da rádio.
Outro programa da emissora, o Canto Nativo, divulga informações sobre a história da
região, falando sobre personagens históricos e datas importantes dos dois países. Durante esse
programa, músicas de festivais nativistas são veiculadas a pedido de ouvintes dos dois lados
da fronteira29.
Sobre esse aspecto a emissora sempre participou dos festivais nativistas surgidos a
partir dos anos 70. “Califórnia, em Uruguaiana, Salamanca da Canção Nativa, em Quaraí, e a
Tertúlia de Santa Maria” (PONTE, 2000, p. 23). E quando a emissora não tinha condições de
enviar uma equipe própria para outros locais do estado, como tem acontecido nos últimos
28
O Quaraí-Mirim faz parte da zona rural do municíp io de Quaraí, fica a nordeste da cidade sede. É também
nome de um riacho que deságua no Rio Quaraí. 29
Música nativista é um gênero musical brasileiro típico do Rio Grande do Sul. Normalmente são músicas com
letras elaboradas que tratam de temas como os costumes do gaúcho, a sua história e a sua realidade atual.
Diferem, de certa forma, das músicas tradicionalistas, tanto pelo ritmo quanto pelas letras mais elaboradas. No
Rio Grande do Sul existem os Festivais de Música Nativista, em que freqüentemente é possível verificar a
presença de uruguaios e argentinos
35
anos por falta de patrocínio, ela divulga tais eventos através dos discos que compra30. Ponte
(2000) registra um fato curioso ocorrido durante a transmissão de um desses eventos, através
das palavras do fundador da emissora, Jorge Japur:
Uma vez nós estávamos transmitindo a primeira Tertúlia e todas as rádios já
estavam inovando com maletas transistorizadas, automáticas, bonitas... e eu mandei
o Nadir daqui junto com o Abela. O Abela transmit ia de lá, porque já morava em
Santa Maria e era do Fórum. Então o Nadir mandou uma maleta, mas a da Quaraí
era a única do tempo da maleta à luz e de ferro, enquanto que todas as outras rádios
com as transistorizadas. Deu a causalidade que antes de começar as transmissões
ouve um temporal lá, de raios, e de faíscas. Todas as mesas que estavam ligadas
queimaram, então o nadir que estava lá não teve problema, e disse para o pessoal,
“esta aqui não queima, porque é de luz, então eu vou dar o som daqui, e vocês
mandam até trocarem”. Assim todas as rádios ficaram ligadas na maleta. A energia
dela era suficiente para até quinze estações (PONTE, 2000, p. 23)
Uma lembrança da esposa do atual diretor da emissora, Lilian Teresa Tomás Japur,
ajuda a ilustrar a expectativa que os festivais nativistas criavam na população da fronteira:
“Acuérdome de la abuela de Jorginho [Jorge Alberto Lamb Japur] sentada al lado del radio
haciendo crochet... Ella decía con gran expectativa: „vai ganhar Orelhano, tenho certeza‟”. A
música citada, do compositor quaraiense Mário Eleú Silva, que em 1984 competiu na 5ª
Tertúlia Musical Nativista de Santa Maria, não venceu na ocasião. No entanto, ela traz na sua
letra a idéia de que o gaúcho pertence a mais de um país, tanto pelos seus costumes quanto
pela sua origem comum31. A Rádio Quaraí AM, por sua vez, trabalha com esses elementos
híbridos da realidade local através da sua programação.
No entanto, não é apenas nos programas voltados ao gauchismo que há participação de
brasileiros e uruguaios. Em programas musicais de gênero variado, em que são veiculadas
canções brasileiras e internacionais, também há participação do público dos dois lados da
fronteira. Isso indica que a emissora, ao mesmo tempo em que trabalha com elementos da
cultura local, também serve como vitrine para produtos da indústria cultural – tanto brasileira
quanto internacional.
Nos sábados à tarde vai ao ar o programa Sábado Show, apresentado por Cléber de
Oliveira, locutor que está na emissora desde 1966. O programa apresenta músicas variadas, e
30
Durante a década de 70 e de 80 os festivais nativistas no Rio Grande do Sul reuniam milhares de pessoas em
muitas cidades gaúchas. Saber qual música venceria a Califórnia, por exemplo, atraía tanto quanto o desfecho de
uma telenovela veiculada em rede nacional. Hoje, alguns desses festivais ainda perdu ram, sendo que outros
deixaram de existir, como a própria Tertúlia Musical Nativista, de Santa Maria, e também a Salamanca da
Canção Nativa, de Quaraí. 31
Uma das estrofes da música: “Orelhano, brasileiro, argentino... Castelhano campesino, gaúcho de nascimento.
São tranças de um mesmo tempo, sustentando um ideal, sem sentir a marca quente, nem o peso do buçal”.
Orelhano refere-se ao gado livre, não marcado nas orelhas. O termo designa, dessa forma, o gaúcho andarilho
sem destino fixo . Buçal, por sua vez, é uma espécie de cabresto forte com focinheira.
36
conta com a participação do ouvinte na escolha de quem será o artista homenageado na
próxima semana. Depois de selecionado o artista, o apresentador pesquisa sobre a vida e obra
do homenageado para o programa seguinte. De acordo com Cléber de Oliveira: “esses dias
ligou um uruguaio pedindo para que tocássemos Vicente Celestino32. Nem os brasileiros
sabem quem foi Vicente Celestino”.
A emissora também retransmite programas da Rádio Nacional de Brasília, como o
Saudade Nacional e o Eu de Cá, você de lá. Este, apresentado por Luiz Alberto, oferece
músicas, notícias e conta com a participação de ouvintes de todo o Brasil. Eventualmente
algum ouvinte de Quaraí e Artigas entra em contato com a Rádio Nacional, o que aproxima,
em parte, Quaraí ao país ao qual pertence; os uruguaios, por sua vez, sentem-se fascinados
por conhecerem mais do país vizinho. Analisando trechos desse programa retransmitido pela
Rádio Quaraí, encontrou-se um registro de participação de uma ouvinte da cidade. O
apresentador atendeu a chamada da seguinte maneira:
- Alô, quem fala!? – É fulana, de Quaraí! – Guaraí? Onde fica? – Não, não,
Lu iz, é Quaraí, no Rio Grande do Sul! – Ahh, como? Guaraí? Guaraí no Rio
Grande do Sul! Fica em que parte do estado, fulana? – É na fronteira com Art igas,
no Uruguai. – Veja só! Que bom contar com a sua participação, fulana! O que vai
pedir? – Eu gostaria de mandar uma música do Roberto Carlos para o cicrano e
beltrano que estão agora em Artigas nos ouvindo33
.
Cantores, conjuntos e compositores brasileiros são amplamente conhecidos no
Uruguai, - primeiro pela atuação das rádios fronteiriças, e posteriormente pelo advento da
televisão34. Por outro lado, as rádios brasileiras próximas à fronteira veiculam freqüentemente
ritmos musicais como cumbias e reggaetons, gêneros musicais bastante difundidos em quase
todos os países de língua espanhola da América Latina, sendo que no Uruguai e Argentina há
numerosos conjuntos que exploram esses ritmos.
32
Vicente Celestino, falecido em 1964, fo i um dos mais importantes cantores brasileiros do século XX. Ficou
conhecido por composições como O Ébrio (1936), Coração Materno (1937) e Mia Gioconda (1946). 33
A Rádio Quaraí AM retransmite a Rádio Nacional de Brasília em alguns horários do fim de semana. Alguns
programas, como o Eu de Cá, Você de Lá, apresentado por Luiz Alberto, até pouco tempo retransmitido durante
a semana no período em que a Rádio Quaraí AM não possuía programa local após A Voz do Brasil, é
emblemático no sentido de permitir que pessoas do país inteiro conheçam o Brasil e as suas dimensões
continentais, porque conta com a part icipação de ouvintes de todo o país. Em 2004, logo após a série de tsunamis
que assolou a Ásia, Luiz Alberto recebe a seguinte participação no seu programa: “ - Alô! Quem fala? – Oi, Luiz
Alberto! É fulano, da Tailândia! – Tailândia, fulano? Ora, vejam só, temos a participação de um brasileiro que
nos ouve pela internet nesse país sofrido, que está passando por inúmeras dificuldades neste momento... uma
tristeza... – Nããão, Luiz Alberto, estou falando da Tailândia do Pará”. O apresentador, em meio a risos,
comentou: “Ahhh, mas Tailândia não é o país lá da Ásia?”, ao que o ouvinte respondeu: “Não, não, Luiz
Alberto, Tailândia fica no Pará”. 34
Algumas emissoras de televisão brasileiras cobrem todo o norte do Uruguai.
37
Tratando-se do radiojornalismo35, apesar das dificuldades estruturais da emissora, tem-
se nessa prática a veiculação de informações voltadas aos dois lados da fronteira. São
veiculadas pela rádio informações sobre o câmbio do dia, condições climáticas na fronteira
(em Artigas há um centro meteorológico), ocorrências liberadas pela polícia para a
divulgação, informações preventivas dos bombeiros, bem como entrevistas com brasileiros e
uruguaios que tratam de temas comuns. Uma entrevista que ilustra a questão de como o
conceito de local em uma emissora fronteiriça abarca bem mais do que o seu município de
origem ocorreu em 20.09.2009, ocasião em que foi entrevistado o deputado uruguaio Lolo
Caram. Durante sua entrevista, realizada por conta das campanhas presidenciais de 2009 no
Uruguai, o deputado pediu apoio aos uruguaios residentes dos dois lados da fronteira36. Além
disso, falou da importância para que se reflita sobre as especificidades de ssa região, como
mostra o trecho a seguir:
Hay brasileños que tienen empresas en Uruguay y que no tienen derecho a
tener un auto. [...] Hay cosas que son incomprensibles… No hemos podido hacer
que las autoridades nacionales entendieran como es el modo de vida de la frontera.
Esa vivencia solo los sabemos nosotros… tenemos que convencer las autoridades
nacionales de los dos países de cómo es.
Uma das especificidades da fronteira é o modo como se dá o comércio entre
brasileiros, uruguaios e argentinos. A fala do deputado uruguaio, embora não aprofunde o
tema, levanta uma das problemáticas que dificulta a subsistência de inúmeras emissoras de
pequeno porte da fronteira (tanto do lado brasileiro quanto do uruguaio), a saber: a
informalidade do comércio que, do modo como é feito, não reconhece na propaganda um
instrumento necessário para a prosperidade de empreendimentos. “Alguns acham que um
alto-falante pendurado em um poste é suficiente”, comenta o atual diretor da emissora, Jorge
Alberto Lamb Japur. Além dessa questão a região convive com o problema das rádios
clandestinas que cobram valores irrisórios pelos seus serviços37. Dessa forma, a emissora
tenta superar as dificuldades provenientes dessa ordem explorando a sua credibilidade,
mostrando que a propaganda é, antes de tudo, um investimento:
35
Os conceitos sobre radiojornalismo utilizados nesta pesquisa foram extraídos de Ferraretto (2007), Prado
(1989) e Vasques (2005). Para mais informações sobre radiojornalis mo na fronteira, ver as discussões entre as
páginas 48-51 e também 58-9 deste trabalho. 36
Segundo o deputado, é possível que aproximadamente 3.000 uruguaios vivam dispersos do lado brasileiro da
fronteira. Desses, 2.000 estariam em condições de votar no Uruguai. 37
Aprofundamos a discussão sobre o comércio na fronteira e também sobre as rádios clandestinas nos capítulos
seguintes. Para mais informações, Cf. p. 56-64.
38
Se você quer mesmo vender o seu produto, anuncie na Rádio Quaraí, o
primeiro shopping da cidade. A melhor vitrine para os seus negócios e serviços.
Quaraí, quase meio século de existência, a rádio de sua confiança.
Até aqui se pode dizer que a Rádio Quaraí AM atua em duas direções: (1°) realçando
os laços locais entre brasileiros e uruguaios, através do entretenimento que explora o
gauchismo, dos programas de utilidade pública voltados para a sociedade fronteiriça, bem
como informações (nem sempre organizadas jornalisticamente) que contribuem para destacar
os acontecimentos da região; (2°) serve como instrumento do Estado brasileiro no momento
em que atua segundo as políticas vigentes frente ao Estado-nação vizinho. Além disso, veicula
produtos da indústria cultural brasileira e internacional, bem como notícias de cunho nacional
e internacional graças às suas parcerias com agências de notícias do país 38.
Para esta pesquisa seria impossível analisar toda a programação da emissora,
considerando que ela tem mais de meio século de existência. Além disso, percebe-se que
independente do conteúdo que vai ao ar (seja musical ou informativo), corrobora-se a
dialética que define a emissora. De um lado, atende ao contexto local; de outro, ao Estado-
nação ao qual pertence. Algumas histórias que viriam a enriquecer este trabalho forçosamente
tiveram que ficar de fora. Exploraram-se, dessa forma, trechos relacionados à sua produção
midiática que ilustram a lealdade cruzada descrita por Silveira (2002).
A emissora atende, em parte, às especificidades da realidade local, da mesma forma
que atenta também para os desígnios outorgados pela legislação que regulamenta o seu
funcionamento e a sua postura frente ao país vizinho. No entanto, analisando a programação
da emissora percebe-se que ora ela incorpora algumas características da fronteira, e ora tenta
distanciar-se delas.
É possível que a rádio auxilie na manutenção dos vínculos já estabelecidos na
fronteira, ou ainda na quebra de alguns deles. Os trechos da programação analisados sugerem
que a rádio trabalha considerando esse modo próprio de ser da fronteira. Isso tanto no
momento em que lida com a sua riqueza cultural híbrida (como no caso do personagem da
radionovela que era contrabandista e falava portunhol, ou ainda nas transmissões esportivas
bilíngües), quanto na tentativa de superar problemas específicos da fronteira que afetam
diretamente as emissoras de rádio (como o comércio informal e as emissoras clandestinas).
Esse contexto, que neste capítulo não foi detalhado, será analisado com detalhes na
seqüência deste trabalho.
38
Para mais informações, cf. p. 64.
39
2.2 LENDAS, MISCIGENAÇÃO E PROSPERIDADE: A EMISSORA FRONTEIRIÇA
E OS SEUS VÍNCULOS
Após passar pelas sete provas e as sete tentações, Blau Nunes, gaúcho pobre e simples,
ficou encantado com a beleza da Teiniaguá39. “Pelas sete provas que passaste sete escolhas
lhe darei”, anunciou a Teiniaguá40. O gaúcho poderia ter escolhido desde nunca perder no
jogo, ou ainda amarrar nas cordas da sua viola o coração da mulher que desejasse, até ser o
mandão no seu distrito de modo que todos obedecessem sem resmungar. No entanto, a única
coisa que o rústico dizia com convicção era “não!”. A princesa moura, trancada no corpo da
Teiniaguá, disse então: “nada te darei, porque do prometido nada quiseste. Vai-te!”. Blau nem
se moveu,
e carpindo dentro de si a própria rudeza, pensou no que queria dizer e não podia e
que era assim: Teiniaguá encantada eu te queria a ti porque és tudo. És tudo o que eu
não sei o que é, porque atino que existe fora de mim, em volta de mim e superior a
mim. Eu te queria a t i, Teiniaguá encantada!
Observando a fronteira a partir da fala do personagem Blau Nunes é possível, de certa
forma, suscitar algumas características sobre o modo simples do fronteiriço e a sua
incapacidade de explicar o que acontece na fronteira. Diferente da lenda, isso não se deve ao
fato do fronteiriço ser tão rústico a ponto de não conseguir externar o que vê, mas talvez
porque essas práticas estão tão enraizadas no seu modo de ser que às vezes só conhecendo
outras realidades é possível atentar para aquilo que é seu e não de outro. Nela estão fixadas e
ainda estão em construção práticas híbridas proporcionadas pela mescla que se
procedeu/procede pelo convívio diário. Estes são laços de amizade e de consangüinidade, a
língua entreverada, as práticas clandestinas que competem com as leis do Estado – como o
contrabando – que na prática está longe de parecer ao fronteiriço algo ilegal. A própria lenda
da Salamanca do Jarau, orgulho da terra Sentinela do Jarau (denominação dada à cidade de
Quaraí), através de seus personagens ilustra as várias vertentes culturais que estão
incorporadas à identidade fronteiriça41.
A Rádio Quaraí AM foi fundada em 17 de março de 1957, e desde então auxilia na
elaboração/legitimação dos laços construídos/reconstruídos pelo contato entre os dois povos.
Isso acontece seja aproximando os fronteiriços da fronteira oeste do Rio Grande do Sul
39
. Trechos da lenda da Salamanca do Jarau, documentada e adaptada por João Simões Lopes Neto, extraídos de
LOPES NETO, J. Simões. Contos Gauchescos e lendas do Sul. São Paulo : Globo, 1996. 40
“lagartixa”, em tupi-guarani 41
Cf. PONT, 1986.
40
através da sua programação, seja através dos vínculos criados durante a sua atuação em mais
de meio século de existência; atuação essa que coincidiu cronologicamente com importantes
transformações no desenvolvimento da fronteira Quaraí–Artigas.
A emissora - que no início operava com o prefixo ZYU 56 -, ocupava uma casa na
praça central da cidade. Dela, hoje, só resta um pilar com uma placa de bronze fazendo
referência ao fato. No início de suas operações o seu equipamento era alimentado por
geradores próprios, já que a cidade, no fim da década de 50, não possuía energia elétrica em
tempo integral42.
Na mentalidade da fronteira oeste do Rio Grande do Sul de então pairavam resquícios
de uma forte influência positivista. Nela, a idéia de progresso e desenvolvimento
transformava-se em póstumo orgulho e grande apego àquilo que era concebido nesse
território. Isso se deve, dentre outros, a três fatores: (1°) A grande distância do centro do
Brasil, já que os meios de comunicação – apesar de estarem funcionando a pleno vapor no
centro do país, - na fronteira Quaraí-Artigas eram incipientes (tratando-se de emissoras de
rádio e televisão). Dessa forma, havia um sentimento de fascínio por ter perto de si algo que
só se conhecia à distância (emissoras brasileiras de outros locais, uruguaias e argentinas). (2°)
O isolamento e a dificuldade de acesso a outras localidades – principalmente por questões
técnicas, que retardou o desenvolvimento dessa região, bem como o fim de empreendimentos
que, a seu tempo, tiveram relevância econômica e social não só para Quaraí e o Rio Grande
do Sul, mas para o Brasil43; (3°) A história do município possui exemplos de
empreendimentos desmantelados cujas ruínas ainda hoje servem para corroborar o dito
popular que sustenta: Quaraí é a terra do já teve. Dentre esses exemplos, podemos citar a
antiga viação férrea, o antigo campo de pouso do aeroporto de Quaraí (que outrora recebeu
importantes personagens do cenário nacional), as ruínas do saladeiro, ou ainda o antigo centro
desportivo municipal. Apesar de menos numerosos na época, tais exemplos já existiam antes
da inauguração da emissora em Quaraí, o que tornou o vínculo da população com novos
empreendimentos, como a Rádio Quaraí AM, ainda mais acentuado.
42
PONTE, 2000, p. 21. 43
Ilustram esse sentimento de perda e de isolamento as reminiscências de Bernardino A. Machado, que viveu em
Quaraí durante a primeira metade do século XX. Segundo Machado (apud CHEGU HEM, 1991-a, p. 52): “os
filhos de Quaraí devem ter remorsos porque não tomaram iniciativa de qualquer espécie no sentido de evitar que
os dois estabelecimentos de industrialização dos produtos pecuários [charqueadas de Novo Quaraí e de São
Carlos], que é até hoje a sua maior fortuna, fossem completamente desmantelad os, restando apenas escombros,
para dizer aos pósteros – aqui, em princípios do século – havia civilização. Os jovens que não conheceram ou
nunca souberam que Quaraí tinha indústria quando em visita a esses lugares poderão perguntar para si mesmos
por aqui passou alguma tempestade ou esses escombros são obra dalgum terremoto?”. Na literatura da região
também é possível encontrar referências a esse sentimento de que no passado era melhor (cf. a Triologia do
Gaúcho a Pé, de Cyro Mart ins). Se realmente era melhor ou não - o que parece improvável - é outra discussão.
41
Um evento que ilustra esse sentimento do forte vínculo que a emissora viria a ter com
a comunidade encontra-se já nos seus primórdios. Entrevistados por Ponte (2000), o ex-
diretor e um dos sócio-fundadores da emissora, Jorge Japur, hoje falecido, e também a
historiadora quaraiense Diva Simões relatam um evento que ocorreu antes mesmo da
inauguração da emissora. Ao decidir-se por criar a rádio, Jorge Japur e seu irmão, Nadir
Japur, autodidatas em eletrônica, construíram um transmissor artesanal. Eles receberam da
prefeitura de Quaraí uma casa situada no centro da principal praça da cidade (até então, única
praça), e lá começaram a montar a primeira emissora das duas cidades.
Essa rádio, criada unicamente pelo sonho de se ter uma emissora na cidade – mas sem
amparo legal – mesmo com forte apoio da comunidade local viria a ser denunciada ao antigo
Ministér io da Viação e Obras Publicas , segundo a alegação de que funcionava sem
autorização do mesmo44. O transmissor artesanal, mesmo funcional, não estava no padrão
permitido pelo governo de então. Além desse problema, havia a suspeita de que Jorge Japur
possuía dupla nacionalidade, já que, segundo seus parentes, ele era registrado tanto no
Uruguai quanto no Brasil. Isso, já na época, impossibilitaria que ele adquirisse controle de
uma empresa jornalística.
Segundo Jambeiro, uma preocupação explícita na Constituição de 1934 era o controle
de empresas jornalísticas por estrangeiros. Segundo o autor, em uma postura que pode ser
entendida tanto como reserva de mercado para a mão-de-obra nacional, quanto uma precaução
contra influências colonialistas, “os constituintes impuseram que o controle destas empresas e
a sua administração estejam nas mãos de brasileiros natos e com residência no país” (2002, p.
10).
Isso não impediu, no entanto, que a população local – com o apoio do governo
municipal – apoiasse Jorge Japur no momento em que o fiscal do governo chegou à cidade
para lacrar a emissora clandestina.
No dia em que chegou o oficial de justiça com a ordem para lacrar a porta da
rádio clandestina, o pároco da cidade – padre Orlando – teve a idéia de chamá-lo
para tomar um cafezinho. Assim poderia dar tempo para o locutor Milton Souza
avisar o proprietário que se encontrava trabalhando no cinema. Nesse meio tempo, a
44
Segundo Simis (2006, p. 5): ”conforme o decreto 21.111/32, a concessão de um canal de radiodifusão
precisava ser requerida junto ao Departamento dos Correios e Telégrafos, mediante uma vistoria t écnica e o
pagamento de uma taxa de licenciamento anual, enquanto o Ministério da Educação e Saúde Pública ficava
responsável pelas orientações necessárias para atender aos objetivos do serviço no que se refere a conteúdo e
como entidade e o Ministério de Viação e Obras Públicas pela fiscalização nas questões técnicas de engenharia,
sinais e transmissões”. Ponte (2000, p.31) d iz que o Min istério de Viação e Obras Públicas “tinha uma espécie de
convênio com a Philips, empresa que fornecia os equipamentos para as radioemissoras”. E de fato, o primeiro
transmissor que a Rádio Quaraí AM teve depois de regularizada foi um Philips holandês.
42
primeira dama da época, Diamantina Giudice, liderou uma parte da população para
que entrasse na rádio e levasse tudo o que existia lá dentro, como forma de evitar
que a casa fosse lacrada e depois não se pudesse mais reco lher os objetos e o
radioamador. Foi um alvoroço na cidade. A população estava indignada com a
irremediável perda do que poderia ser seu principal entretenimento. Mas, no ano
seguinte, depois dos devidos tramites, o Ministério de Obras Públicas concedeu a
licença para o funcionamento, bem como para a instalação da torre. A população
devolveu todo o equipamento e os objetos que existiam na rádio. – Até o crucifixo
que ficava pendurado na parede, eles devolveram..., diz Diva Simões (PONTE,
2000, p.32)
Segundo a viúva de Jorge Japur, Izar Teixeira Lamb, na época a denúncia foi feita por
um correligionário do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) que, mesmo conhecido de Jorge
Japur e das pessoas que desejavam a emissora na cidade (independente dela ser ilegal ou não),
recorreu aos órgãos competentes e realizou a denúncia. Esse ato é, provavelmente, reflexo da
influência das políticas nacionalistas instituídas por Vargas que tinham, em forma de lei,
rígido controle sobre os meios de comunicação ainda na década de 50.
Nesse aspecto, Silveira e Adamczuk (2004) destacam a Campanha de Nacionalização
(1937) que instituía, dentre outras coisas, a adoção e o uso exclusivo da língua portuguesa em
emissoras de rádio. Jambeiro (2002, p. 10), por sua vez, destaca o Art. 136 da Constituição de
1934 que determina que o controle de empresas jornalísticas fosse de brasileiros natos com
residência no país. Dessa forma, Jorge Japur, acusado de dupla nacionalidade, não poderia ter
vínculo com uma empresa jornalística.
Esse fato ilustra também o que Silveira e Adamczuk (2004) assinalaram sobre a
fronteira ser detentora de um testemunho histórico sobre a convivência com distintos estados-
nação, bem como mostrar-se especialmente vulnerável à política de fronteiras nacional,
refletindo em suas experiências particulares as contradições que lhe são inerentes. No
exemplo assinalado, a contradição se dá no momento em que grande parte da população local
e órgãos oficiais da cidade endossam a emissora ilegal que estava se constituindo – a tal ponto
que a Prefeitura Municipal forneceu um local para que ela funcionasse.
Após o fechamento da emissora clandestina Jorge Japur exilou-se em Artigas na
residência do seu amigo e colaborador uruguaio, Basílio Borgato, receoso das punições que
poderia receber por conta do ocorrido. Segundo a sua viúva, Izar Teixeira Lamb, durante esse
tempo “senhores com influência política nos auxiliaram na regularização da emissora e da
condição do Jorge”.
43
Dentre essas pessoas, dona Izar destaca o advogado Luiz Pacheco Prates 45. Dr. Prates,
como é chamado pelos nossos entrevistados, foi uma Ilustre personagem da cidade de Quaraí
durante a metade do século XX. Segundo o advogado Marcello Gomes46, entusiasta da
cultura local, o jurista possuía laços de parentesco com Getúlio Vargas47. Além disso, “o
estadista brasileiro e o advogado freqüentavam assiduamente a Cabanha Azul”, diz
Marcello48. Após o fechamento da emissora clandestina, Dr. Prates se inseriu como sócio da
emissora para forçar a abertura da mesma. Gozando de prestígio político e simpatizando com
Jorge Japur, foi o seu auxílio que permitiu a regularização da emissora e a liberação da
concessão para a cidade de Quaraí.
Cabe ressaltar que a denúncia contra a emissora clandestina partiu de um
correligionário do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Por sua vez, Luiz Pacheco Prates, que
gozava de prestígio junto a Vargas, possuía um grau de influência maior frente ao governo de
então, e assim conseguiu a regularização da emissora ao se tornar um dos seus sócios.
Segundo Jorge Alberto Lamb Japur, atual diretor da emissora, filho de Jorge Japur e
Izar Teixeira Lamb, Dr. Prates foi um dos sócios da emissora até o seu falecimento na década
de 70. Durante esse período, “nunca interferiu na programação dizendo o que poderia ou não
ser veiculado. Quando ele precisava da rádio, pedia um espaço e falava da mesma forma
como qualquer outro”, diz Jorge Alberto. Ou seja, a sua influência política garantiu a
regularização da emissora e a liberação da concessão. No seu uso, servia-se dela como
qualquer cidadão, sem nunca interferir, segundo os entrevistados, na programação. No seu
testamento, destacou que se os seus herdeiros não quisessem continuar como sócios da
emissora, só poderiam vender as partes herdadas para Jorge Japur. Segundo Jorge Alberto, foi
o que aconteceu.
Após regularizar sua situação, Jorge Japur optou pela nacionalidade brasileira. Mesmo
assim ele continuou com medo de cruzar o rio Quaraí para regressar ao Brasil. Segundo sua
45
Lu iz Pacheco Prates foi um influente jurista durante o período dos acontecimentos descritos. Segundo Izar
Teixeira Lamb, a sua influência, por conta dos seus contatos, era de nível nacional. Em Quaraí, há
estabelecimentos que o homenageiam carregando consigo o seu nome. Existe uma lenda de que recusou um
convite de Vargas ao governo do Estado por preferir a ju risprudência. Em outubro de 2009 ocorreu na cidade a
inauguração do prédio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Na ocasião, estiveram presentes descendentes
de Luiz Pacheco Prates, também advogados. 46
Marcello Gomes é filho de Juarez Custódio Gomes, importante personagem da história de Quaraí que ocupou
a prefeitura em duas oportunidades: primeiro como interventor designado pelo governo militar para suceder
Heraclides Santa Helena, entre os anos de 1979-1985; depois entre os anos de 1989-1992, no incip iente regime
democrático que começava a florescer. 47
Cf. anexo . 48
A Cabanha Azul é uma das mais prestigiadas estâncias da Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul. Tornou -se
referência nacional por seu pioneiris mo no uso de alta tecnologia aplicada à pecuária. Em 23 de jun ho de 2005, a
Rede Brasil Su l (RBS) veiculou um capítulo do especial Fazendas & Estâncias sobre ela.
44
viúva, Izar Teixeira Lamb, “ele tinha um medo danado de voltar”, tendo que ir o seu pai,
Pachá Lamb, perguntar ao subcomandante do exército em Quaraí se Jorge Japur não seria
preso caso retornasse. “Quando o avisamos que ele estava livre para retornar, mesmo assim
ele se manteve com medo, tendo que ir o papai e o subcomandante até Artigas para convencê-
lo”, diz dona Izar.
O exemplo descrito até aqui traz pelo menos dois dados que devem ser observados:
(1°) O tipo de práticas alternativas que tornam a fronteira um local único. Essas práticas
trazem à tona um modus operandi criado por laços construídos/reconstruídos durante os
séculos de proximidade entre os indivíduos dos dois lados da fronteira. Aos olhos de quem
não pertence a tal ordem, essas práticas podem parecer atos de má fé, como o contrabando,
que normalmente é representado por periódicos de circulação nacional como uma ameaça. O
contrabando, assim como outras práticas alternativas, possui uma complexidade tal que é
difícil investigar até que ponto ele é benéfico ou nocivo (tanto para o fronteiriço quanto para o
país ao qual ele pertence)49; (2°) Em relação à Rádio Quaraí nos seus primórdios cabe
ressaltar o grau de informalidade que fazia parte das relações entre a emissora e a sociedade
da época. Um aspecto positivo disso foi a facilidade com que se deu a aceitação e a
participação do público na emissora. Foi durante esse período de descobertas que tanto a
Rádio Quaraí AM quanto a fronteira Quaraí-Artigas cresceram em parceria.
Foi com esse clima que os moradores da fronteiram - que contavam até então com
cinemas (cine Artigas e cine Aída em Artigas, e cine-teatro Carlos Gomes em Quaraí) -,
passaram a contar também com uma emissora de rádio. O fascínio por essas novas
tecnologias constituiu solo fértil para a promoção de uma prática que mesmo nos dias de hoje
perdura, e que no início foi um dos modos como a emissora criou os primeiros vínculos com a
sociedade fronteiriça: as campanhas sociais.
A análise da história da emissora oferece diversos exemplos nesse sentido. No início
da década de 60 a Rádio Quaraí, com o seu fundador, Jorge Japur, e o seu amigo e
colaborador uruguaio, Basílio Borgato, através dos seus microfones auxiliou na construção do
primeiro Banco de Sangue e Plasma da fronteira, localizado em Artigas. Nessa cidade a Rádio
Quaraí liderou também o movimento para a instalação do Corpo de Bombeiros, que sempre
49
Existem, na prática, diferentes tipos de contrabando. O tipo mais comum que se pode observar na fronteira é o
de pessoas simples carregando víveres, normalmente por ser o p roduto em questão (alimentício, têxtil) mais
barato do outro lado (diversos fatores influem para isso, principalmente o câmbio). É dessa prática que subsistem
essas pessoas. Por não ofertarem perigo à soberania nacional, as polícias aduaneiras dos dois países fazem vista
grossa a esse tipo de prática. Eventualmente a fronteira serve como porta de entrada de mercadorias ilegais como
armas e entorpecentes, e sobre essas sim se tenta manter um rígido controle. Acabar com o contrabando ou nã o?
Uma resposta simples a essa questão desconsideraria a complexidade de tal prática, e conseqüentemente refletir-
se-ia em políticas ineficazes para a fronteira.
45
desempenhou importantes serviços na fronteira Quaraí-Artigas50. Segundo o atual diretor
executivo da emissora, Jorge Alberto Lamb Japur, além disso, a rádio fazia campanhas
esporádicas que auxiliavam os bombeiros a suprirem algumas necessidades mais emergentes
do destacamento, como peças para a manutenção dos veículos, combustível, etc. Em outubro
de 2009, a Rádio Quaraí recebeu convite para participar dos festejos do dia do bombeiro no
Uruguai, como acontece todo o ano. Apesar dos festejos terem sido alterados por conta da
campanha presidencial no Uruguai, a emissora homenageou os bombeiros da cidade vizinha
em sua programação. O destacamento brasileiro, por sua vez, foi recentemente criado. Na
ocasião, a Rádio Quaraí endossou as campanhas que apoiavam a instalação do Corpo de
Bombeiros em Quaraí.
Além desses trabalhos, “vieram as campanhas comunitárias para o hospital de Artigas,
suas escolas da cidade e do interior”51. Campanhas de vacinação, com palestras e textos,
campanhas cívicas, etc. Observa-se que a maioria das campanhas logrou sucesso porque, no
início, além da própria necessidade de melhoramentos – seja da cidade ou do campo -
participar de tais campanhas era também uma forma de se sentir parte da novidade que se
colocou na fronteira. Na sua pesquisa, Ponte descreve o sentimento da população nesse
período, ao falar das radionovelas que foram produzidas pela emissora no fim da década de
50:
As pessoas se aglomeravam aos empurrões para disputar um lugarzinho,
porque queriam enxergar e tentar descobrir quem fazia o quê na história, e o curioso
é que faziam isso sem escutar praticamente nada (PONTE, 2000, p. 37)
Outro fator que favoreceu o sucesso dessas campanhas, e que tornou a emissora ainda
mais importante no contexto fronteiriço, foi a necessidade de se incrementar as relações entre
os dois povos graças ao próprio desenvolvimento natural da fronteira (favorecido pela
chegada de novas tecnologias à região, pelo melhoramento técnico que facilitava a locomoção
para outras cidades, pelos recentes imigrantes). Ponte relata que a professora Diva Simões, ao
ser entrevistada, conta que a emissora surgiu em uma época na qual houve incremento no
comércio entre as duas cidades:
Foi aquela época em que o peso uruguaio teve uma supervalorização. O
comércio foi muito valorizado. Nesse aspecto, Quaraí recebeu pela primeira vez
uma primeira leva de patrícios. Recebeu um tipo de comércio nunca visto na cidade
que é a confecção. A compra dos uruguaios foi muito acelerada, então isso
50
É prática comum na fronteira bombeiros do destacamento uruguaio cruzar a Ponte Internacion al da Concórdia
para auxiliar a cidade de Quaraí quando necessário, e vice-versa. 51
TRINTA e três anos. Folha de Quaraí, Quaraí, 17 mar. 1990. In : CHEGUHEM, 1991-a, p. 126.
46
fomentou um meio de comunicação entre Quaraí e Artigas, através da Quaraí.
(PONTE, 2000, p. 33)
Cabe ressaltar que mesmo com as leis da era Vargas ainda vigorando a respeito da
exclusividade da língua portuguesa nas transmissões radiofônicas, a emissora, agora
funcionando legalmente depois da sua inauguração em 17 de março de 1957, continuou
realizando transmissões bilíngües. Durante o período em que havia energia elétrica em
Quaraí, em português; no restante do tempo a programação era voltada para Artigas, em
espanhol. E fazem parte desse conjunto bilíngüe as campanhas sociais realizadas por Jorge
Japur e Basílio Borgato, bem como programas de auditório, como o Cidade se Diverte, ou
ainda as radionovelas produzidas pela emissora.
Pelo menos duas hipóteses podem explicar a vista grossa das autoridades (as mesmas
que, anteriormente, fecharam a rádio clandestina) frente a esse fato : 1ª) Influência política de
personagens da época, como o advogado Luiz Pacheco Prates. A atuação do Dr. Prates, na
prática, pode ser descrita como uma herança caudilhista cujos resquícios até hoje podem ser
percebidos na fronteira. Nessa ordem, quem tem mais força, manda52; 2ª) O apego da
comunidade ao novo empreendimento de maneira a não interessar de se tratar de uma prática
ilegal para as leis da época. Isso é algo que, assim como o contrabando, ilustra a lealdade
cruzada do fronteiriço descrita por Silveira (2002-b).
Até aqui se discorreu sobre como a emissora estabeleceu os primeiros vínculos com a
sociedade da fronteira Quaraí-Artigas. Até esse momento pode-se dizer que a Rádio Quaraí,
com brasileiros e uruguaios com programas variados, com eventuais transmissões bilíngües,
com as campanhas sociais voltadas para os dois lados da fronteira, não realçava a dicotomia
Brasil-Uruguai pelos seus microfones. Um dos seus diversos slogans representa bem a
emissora nesse período: Rádio Quaraí, fator de progresso na comunidade, sendo que o uso
do termo comunidade não distinguia quem era brasileiro ou uruguaio.
Segundo os antropólogos Thomas M. Wilson e Hastings Donnan (apud SILVEIRA e
ADAMCZUK, 2004, p. 17): “as fronteiras são registros espácio temporais das relações entre
comunidades locais e entre estados”. No caso da fronteira Quaraí-Artigas, trabalhava-se
prioritariamente com o nível local durante os primeiros anos de funcionamento da Rádio
Quaraí AM. Foi apenas nos anos seguintes que a dicotomia Brasil-Uruguai - Comunidade
Local se realçou. Poder-se- ia colocar como primeiro fator dessa dicotomia o momento em que
apareceram as primeiras emissoras de rádio na cidade de Artigas. Basílio Borgato, um dos
52
O próprio tratamento dado a Luiz Pacheco Prates pelos nossos entrevistados, que se referem a ele como Dr.
Prates, é um exemplo do tipo de reverência que personagens com influência possuíam (ou possuem) nesse
contexto.
47
principais colaboradores da Rádio Quaraí AM, bem como grande amigo de Jorge Japur,
fundou em 1963 com a ajuda deste a Radio Frontera AM. Em conjunto as duas emissoras
continuaram com o mesmo tipo de trabalho realizado até então, seja no setor do
entretenimento, seja ainda nas campanhas sociais que visavam o aprimoramento da fronteira
Quaraí-Artigas. Toti Borgato, filha de Basílio, rememora o espírito assistencialista de Basílio
Borgato e Jorge Japur com fatos da sua infância:
Ellos querían solucionar los problemas del mundo! Fíjate que yo entraba en
casa y a veces perdía mis zapatos, y entonces yo preguntaba: „¡¿papá, y mis
zapatos?!‟, al que él decía: „regalé, cómprate otro ahora‟.
O fato de serem as duas primeiras emissoras da fronteira Quaraí-Artigas não
estabeleceu, no entanto, qualquer espécie de concorrência entre elas. Ao contrário, realçou
ainda mais o modo especial com que se dava a relação de Jorge Japur e Basílio Borgato com a
comunicação, e, principalmente, com quem necessitava dela. De acordo com Toti Borgato:
“lo que ellos hacían era arte. Era una relación de respeto, porque ya en aquella época veían
la comunicación con fines útiles, y no para hacer dinero”. De acordo com a entrevistada,
além da questão social trabalhada principalmente nas campanhas assistenciais, eles
manuseavam elementos da cultura local, e por isso os dois personagens possuem um valor
inestimável para a fronteira:
Ellos trabajaron con elementos que traían desde ideas de cómo se entendía
la sociedad de la época hasta leyes de Estado, y trabajaron eso en un contexto
donde no había nada. Ellos entran con el comercio, la publicidad – pero no es una
publicidad de marketing – es algo cultural, accesible, agradable... Usaron una
parte cómica del individuo, la diversión del juego, que es algo que se ha olvidado
por las actuales competencias53
. Nunca hubo competencia. Usaron mucho la
sociabilidad, o sea, la sociabilidad en ayuda mutua, para aquel que esta triste,
alegre, para aquel que necesita algo por ser la radio un medio de transparencia .
As propagandas citadas pela entrevistada são avisos e notas cômicas que tanto Jorge
Japur quanto Basílio Borgato costumavam apresentar. São passagens que até hoje fazem parte
da memória da população da fronteira54.
A criação da Radio Frontera e posteriormente das outras que foram abertas em
Artigas não diminui a proximidade da Rádio Quaraí com as duas cidades. Segundo Lilian
Teresa Tomás Japur, esposa do atual diretor da emissora, Jorge Alberto Lamb Japur, o seu
53
Em espanhol a palavra competencia, além de significar “competente” ou “apto para realizar algo”, significa
também “concorrência”. E é com este sentido que a palavra é utilizada pela entrevistada. 54
Cf. seção 2.1, p. 32-3.
48
pai, Robespierre Tomás Fernández, costumava intercalar o período em que ouvia a Rádio
Quaraí e as emissoras uruguaias:
Acuérdome que papá escuchaba el informativo de las radios uruguayas, pero
después, a las 18h, cambiaba para la Rádio Quaraí. Le gustaba escuchar un
programa con músicas del cantante Teixeirinha. Ahí se quedaba la radio, porque a
las 20h le gustaba las radionovelas que pasaban en la Rádio Quaraí. Eso fue cerca
de 1969, un año antes de papá morir.
Cabe ressaltar que as radionovelas citadas pela entrevistada não se referem mais as
mesmas feitas pela Rádio Quaraí no início de suas operações. Perto da década de 70 a
emissora reproduzia radionovelas da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, que chegavam a ela
em fitas de rolo. Esse foi o período em que a emissora começou a veicular com mais
freqüência materiais vindos do centro do país, o que fortaleceu a sua atuação como
representante dos interesses do Estado brasileiro na região.
Durante esse período o Brasil vivia sobre as políticas impostas pela ditadura militar.
Ferraretto (2007) afirma que durante esse período ocorreram diversos casos de censura e
perseguição às rádios brasileiras. O fechamento da rádio carioca Mayrink Veiga, bem como a
demissão de 36 profissionais da Rádio Nacional em 1964, ilustram para o autor o tipo de
tratamento recebido por alguns veículos de comunicação durante o período. O panorama fica
ainda pior com a instituição do Ato Institucional N°5 (AI- 5)
A censura já existente torna-se, com base no AI-5, uma prática comum e
ganha amparo com o Decreto-lei n° 898, de 29 de setembro de 1969, que define, no
seu artigo terceiro, o conceito de segurança nacional como prevenção e repressão à
guerra psicológica adversa e à guerra revolucionária e subversiva (FERRARETTO,
2007, p. 153)
A partir disso, os meios de comunicação do país começam a servir de instrumento do
regime militar no intento de propagar a sua rígida doutrina nacionalista. Quem não se
adequava ou não aceitava as ordens sofria punições, que consistiam na cassação de
concessões, na mudança – à força – dos diretores do veículo, dentre outros.
De acordo com o autor um dos reflexos dessa política do medo instituída pelo regime
militar foi a autocensura praticada por alguns proprietários de veículos de comunicação:
A ameaça da perda da concessão incentiva esta prática. A publicidade
governamental constitui-se em outra arma nas mãos dos militares. Em muitas
emissoras, especialmente as de pequeno porte, as empresas e bancos estatais
representavam parcela significat iva do faturamento comercial. A possibilidade de
perder estas verbas publicitárias fez com que muitos rádios omitissem fatos que
poderiam ofender aos donos do poder. O Brasil vive os anos de chumbo da ditadura
49
entre 1969 e 1974, quando o general Emílio Garrastazu Médici preside o país
(FERRARETTO, 2007, p. 154)
Em Quaraí, um dado curioso ao se conversar com pessoas da cidade que
acompanharam essa época é a tendência de alguns em dizer que o período regido pelos
militares foi um dos mais promissores da história brasileira. Essa generalização se dá,
provavelmente, pelas inovações ocorridas no município durante o período. Dentre elas, a
chegada da energia elétrica em tempo integral à cidade55, a construção da BR-293 - primeira
estrada asfaltada desde a criação Quaraí -, a revitalização da zona urbana da cidade, a criação
de novas vilas, bem como a construção e a inauguração da Ponte Internacional da Concórdia.
Nesse período a Rádio Quaraí AM, pela postura política do seu diretor de então, Jorge Japur,
era alinhada com o governo militar. Aparentemente não por coerção, como sugere Ferraretto
(2007), mas por Jorge Japur simpatizar com o regime (ou pelo menos com os representantes
do regime na cidade, seus amigos)56. Nas campanhas sociais, como lembra Jorge Alberto
Lamb Japur, seu filho, a Rádio Quaraí não deixava de utilizar seus microfones para reclamar,
por exemplo, da má condição das estradas do interior ou da falta de estrutura do hospital de
caridade. No entanto, não havia manifestações contrárias ao regime em si.
Uma das possíveis explicações para essa visão positiva do regime é a de que essas
inovações na cidade, bem como a sua própria incorporação à Área de Segurança Nacional,
diminuíram em parte o sentimento de cidade esquecida que vigorava até então, trazendo uma
nova maneira de se portar frente aos estrangeiros. E a porta-voz dessa nova maneira de se
perceber era a única emissora de rádio da cidade de Quaraí, a Rádio Quaraí AM.
Os interesses do Estado brasileiro eram divulgados na época principalmente pela Hora
do Brasil. Segundo Silveira e Adamczuk (2004), era durante esse espaço que o governo
divulgava as suas ações políticas e obras realizadas. Segundo Jorge Alberto Lamb Japur, na
época a emissora transmitia a Hora do Brasil tentando sintonizar alguma emissora próxima
em um pequeno receptor de rádio. Colocando-o na frente do microfone, era assim que a
emissora veiculava o programa até a última década. A Hora do Brasil, que em 1971 passou a
55
Nesse período era prefeito de Quaraí Heraclides Santa Helena. Ele foi um dos interventores designados pelo
governo militar para governar a cidade. Durante o seu governo aconteceram importantes avanços estruturais na
cidade, como a chegada da energia elétrica ao municíp io em tempo integral a partir de 1965, bem como a
inauguração da Ponte Internacional da Concórdia, em 1968. Tendo ocupado por 12 anos o governo da cidade,
nos seus contos regionalistas, alguns dos quais aparentemente de caráter autobiográfico, apresenta -nos
interessantes pensamentos acerca da política: “há muita ingratidão, muita canseira e nela muito se perde, nada se
ganha e, de repente, tudo se transforma”. Trecho extraído de SANTA HELENA, Heraclides. Onze Braças de
Campo e Algumas Sobras. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1982, p. 61. 56
Uma curiosidade ao entrar na discoteca da emissora é encontrar alguns discos de vinil com faixas riscadas.
Segundo os funcionários da emissora, isso acontecia por ordem de Jorge Japur.
50
se chamar a Voz do Brasil por determinação do presidente Emílio Garrastazu Médici57, foi
aparentemente a primeira prática que vinculava a emissora localizada em um dos extremos do
país ao seu Estado-nação de fato.
Ferraretto rememora ainda o Projeto Minerva, que nos anos 70 foi uma tentativa do
governo militar de utilizar os meios de comunicação com fins educacionais.
O uso educacional dos meios de comunicação insere-se em uma visão
tecnicista da ditadura em que pontificam expressões como tecnologias de ensino,
instrução programada, máquina de ensinar, educação via satélite e teleensino.
Neste contexto de um processo pedagógico voltado apenas a instrumentalizar o
indivíduo para o trabalho, sem refletir crit icamente sobre a realidade, o governo
determina horários obrigatórios para a transmissão de programas educativos.
(FERRARETTO, 2007, p. 162)
Jorge Alberto Lamb Japur recorda que os programas do Projeto Minerva chegavam à
Rádio Quaraí em fitas gravadas, e eram veiculados na emissora depois da Voz do Brasil.
Apesar do objetivo do projeto ser diferente e o seu conteúdo não possuir o mesmo caráter da
Voz do Brasil, ele foi mais um dos projetos outorgados pelos militares que realçava a pertença
da emissora ao Estado-brasileiro.
O entrevistado recorda também de outro serviço que desde antes de 1964 já existia,
que era o ZZP-2. O Centro de Controle de Emissões Radiofônicas e Radielétricas de São
Paulo, prefixo ZZP-2, era um órgão ligado aos Correios e Telégrafos que tinha por fim
fiscalizar as emissoras do país com o objetivo de verificar se elas operavam na freqüência
correta. De acordo com o entrevistado, chegava um telegrama à emissora alguns dias antes da
aferição. O telegrama avisava o dia e o horário em que o ZZP-2 entraria em contato pelo ar.
Normalmente isso ocorria de madrugada. Nesse período algum locutor da emissora deveria
ficar no estúdio para responder aos chamados do ZZP-258.
Do lado uruguaio as políticas nacionalistas também ganharam consistência depois que
o presidente Juan María Bordaberry apoiou os militares em um golpe de estado em 1973, sob
a alegação de que a crise econômica e social pela qual o Uruguai passava era causada por
grupos armados que atuavam no país. Assim que o regime militar foi instituído no país,
Barrios y Pugliese (2004) afirmam que se iniciou também uma campanha contra o uso do
português nas fronteiras (e de quaisquer dialetos originados pela mescla deste com o
espanhol, como o portunhol).
57
SANTARNECCHI, 2004. 58
Escassa é a bibliografia sobre o tema. As poucas informações disponíveis para complementar as lembranças
dos nossos entrevistados estão em sites dedicados ao rádio no Brasil. Cf. CAROS OUVINTES. Instituto Caros
Ouvintes de Estudo e Pesquisa de Mídia. Florianópolis, 2005. Disponível em:
<http://www.carosouvintes.org.br/blog/>. Acesso em: 14 nov. 2009.
51
No seu trabalho as autoras pesquisaram diversos periódicos do Uruguai com o
objetivo de explicar qual era a política lingüística do país durante o regime militar. Segundo
elas, o discurso xenófobo atacou de um modo geral qualquer forma estrangeira, mas foi mais
centrada no português, como demonstra este trecho extraído do diário El País, de 03.07.1979:
[…] la falta de pureza del idioma español (¿o castellano?) en los puntos
linderos con el Brasil, alimentada por el vasto material disponible en las
mencionadas zonas que incluyen televisión, radio, revistas y periódicos, han
determinado una reacción de nuestra parte a favor de la lengua que hablamos y que
es la oficialmente nuestra (BARRIOS Y PUGLIESE, 2004)
Segundo as autoras esse projeto de purificação do espanhol não obteve o sucesso
esperado nas zonas fronteiriças:
Esta política lingüística demostró ser particularmente eficaz en el caso de
las lenguas migratorias (ya en franco retroceso), pero tortuosamente
instrumentable en las localidades fronterizas. Aunque el español ha avanzado en
esa región, el portugués sigue vital en su variedad dialectal de “portuñol”
(BARRIOS Y PUGLIESE, 2004)
Toti Borgato, professora no Uruguai, recria o contexto descrito com suas lembranças :
“en esa época había niños que hablaban las dos lenguas, y sabéis que la tendencia es hablar
como vos escribís”. A entrevistada comenta que há diversas palavras no português e no
espanhol que possuem o mesmo significado com pronúncia parecida. “Pero cuando
necesitaba escribirlas, yo cambiaba la „i‟ por la „e‟, por ejemplo”, comenta Toti. De acordo
com a entrevistada, no Uruguai proibiu-se o uso do português nas escolas durante parte da
ditadura militar uruguaia. Barrios y Pugliese (2004) comentam que em 1979 o governo
uruguaio realizou um curso de aperfeiçoamento docente para professores do idio ma espanhol
nos departamentos limítrofes com o Brasil. Supõe-se com isso que até os professores das
escolas fronteiriças, por estarem em um contexto misto, possuíam costumes híbridos que se
refletiam na própria fala.
Segundo a sua pesquisa, as autoras descobriram ainda que os grandes vilões do
problema fronteiriço – para o governo uruguaio e para alguns usuários comuns da língua –
eram os veículos de comunicação da fronteira (não só brasileiros, mas também uruguaios pelo
costume de admitir brasileiros em sua programação), como nos mostra esta carta do leitor
presente no diário El País de 27.11.79:
Quiere decir que a cambio de dineros por pago de publicidad [en portugués]
se realiza el atropello contra el idioma y las buenas costumbres. Habría que poner
52
coto a eso simplemente prohibiendo la difusión de propaganda escrita en un idioma
no nacional (BARRIOS y PUGLIESE, 2004)
Para as políticas ufanistas dos regimes militares de Brasil e Uruguai, esse tipo de
disfunção lingüística era considerada uma deturpação dos seus idiomas oficiais. Como se
sabe, longe de ser uma disfunção ou uma deturpação do idioma, trata-se antes do processo de
hibridização que séculos de convivência outorgaram à região. Esse processo vai, inclusive,
muito além da língua, refletindo-se no próprio modo de ser do fronteiriço, no modus operandi
da fronteira. Os meios de comunicação, por sua vez, contribuem na manutenção desse
processo.
De acordo com Jorge Alberto Lamb Japur, “nunca deixaram de participar uruguaios
na rádio”, mesmo durante o período ditatorial em que havia restrições quanto à participação
de estrangeiros nos veículos de comunicação nacionais. “Eles não podiam trabalhar aqui, mas
nada impedia que viessem como convidados, ou que pedissem músicas, ou avisos”, explica
Jorge Alberto. De forma semelhante atuaram as rádios uruguaias. Além disso, brasileiros e
uruguaios da fronteira compartilham uma mesma raiz cultural, que é a do gauchismo. Nesse
aspecto, qualquer emissora que trabalhasse com elementos dessa cultura atrairia quaisquer
fronteiriços, independente da nacionalidade. A programação da Rádio Quaraí já era nessa
época boa parte voltada a essa cultura, o que ocasionou, provavelmente, o fracasso das
políticas instituídas na fronteira de resguardo da nacionalidade de origem. “Para nós esse tipo
de proibição não fazia sentido”, explica Jorge Alberto.
A análise da atuação da emissora durante esse período serve como base para que se
possa especular sobre a necessidade de se conhecer a realidade de populações híbridas antes
de se instituírem leis ou programas arbitrários nessas localidades, como no caso das fronteiras
nacionais. Caso isso não aconteça, corre-se o risco do modus operandi fronteiriço tornar as
políticas voltadas a essa região inviáveis e/ou inoperantes. Além disso, o exemplo realça a
importância das cidades limítrofes para o Estado-nação ao qual fazem parte. Silveira e
Adamczuk (2004, p. 19) já haviam pesquisado sobre essa questão, quando descreveram o
modo como o rádio de fronteira era visto na era Vargas, como uma “cortina sonora de
proteção e alerta contra uma possível invasão cultural e de resguardo à cultura nacional”.
O curioso é que o fracasso dessas ações não se dá por ser a fronteira uma zona onde
florescem ilegalidades, como habitualmente a mídia dos grandes centros a representa59. É
59
Durante o segundo semestre de 2009 o autor desta monografia trabalhou como bolsista CNPq do projeto
“Brasil, mostra a tua cara. A ambivalência de fronteiras e favelas na cobertura jornalística sobre as periferias”. O
projeto em andamento, coordenado pela Profª. Drª. Ada Cristina Machado Silveira, do Departamento de Ciências
53
possível que apenas não se esteja atentando para as suas especificidades sócio-culturais.
Independente da resposta, o fracasso de políticas voltadas a essas regiões trazem à tona um
problema ainda maior, a saber: a dificuldade do povo brasileiro em lidar com as suas
diferenças internas, reflexo de um problemático processo de integração nacional60.
Este capítulo analisou alguns dos vínculos estabelecidos pela Rádio Quaraí AM com
a comunidade local e também com as políticas estabelecidas pelo Estado-nação ao qual faz
parte. Cabe ressaltar, no entanto, que foram analisados até aqui dados recolhidos de
documentos e depoimentos relacionados à história da emissora, ou seja, de informações cujas
influências não sofrem mais o fluxo dos acontecimentos (a não ser, é claro, do tempo, já que
ele atua na memória das pessoas que forneceram importantes informações para esta pesquisa).
No próximo capítulo investigar-se-á a emissora do presente, bem como as suas expectativas
para o futuro.
2.3 RÁDIO QUARAÍ AM E FRONTEIRA: A EMISSORA E O FUTURO
Antes de se falar sobre a Rádio Quaraí AM segundo o rumo que o título deste capítulo
propõe, é razoável que se faça uma breve explanação a respeito de algumas transformações
pelas quais o rádio brasileiro passou nas últimas décadas. Isso porque se supõe que rádios de
pequeno porte, como a emissora estudada nesta pesquisa, também são influenciadas, de certo
modo, por essas mudanças (se a influência é positiva ou negativa, tratar-se-á dessa questão até
o final do capítulo).
Ferraretto (2007) denomina como decadente o período compreendido entre os anos de
1955 a 1970 em relação ao rádio nacional. Segundo o autor, diversos fatores foram
preponderantes para que o rádio sofresse transformações, como o surgimento da televisão e a
conseqüente perda de publicidade para ela, a euforia em relação a novas tecnologias no ramo
da comunicação, as turbulências políticas que revolucionaram o país, dentre outros. Esses
eventos retiraram do rádio a aura romântica que fazia, outrora, parte das suas atividades.
No fim dos anos 70 o Brasil entra em um processo de abertura política. “A
efervescência política chama a atenção do público e a informação ganha destaque na
da Comunicação da UFSM, recolheu matérias jornalísticas dos periódicos de circulação nacional Isto É e Época
relacionadas às periferias nacionais, entre o período compreendido de janeiro de 2006 a dezembro de 2007.
Apesar de o projeto estar na fase inicial e não haver ainda conclusões definitivas, dados preliminares sugerem
que há generalizações nocivas na cobertura jornalística dessas periferias. 60
Cf. SILVA, 2009.
54
programação das rádios”61. Essas mudanças contextuais, aliadas às inovações tecnológicas
que vão ao mesmo tempo acontecendo no ramo da comunicação levam a uma reestruturação
do rádio no Brasil – sendo o fortalecimento do processo de segmentação, bem como a
disseminação das redes via satélite conseqüências dessas inovações.
A segmentação significa, segundo Ferraretto (2007, p. 52): “oferecer um serviço com
destinatário definido, buscando também anunciantes adequados a estes ouvintes específicos”.
É exemplo desse processo o aparecimento de emissoras com programação exclusivamente
jornalística, de rádios voltadas para o público jovem, ou ainda de emissoras comunitárias. O
que aconteceu com as rádios AM a partir da consolidação das emissoras FM no país também
é exemplo desse processo:
No final da década de 70, com a consolidação comercial da freqüência
modulada, começa um processo crescente de divisão entre as emissoras musicais
que exploravam a qualidade de som da FM e as rádios AM cuja programação girava
em torno do jornalismo, do esporte ou do serviço (FERRARETTO, 2007, p. 168)
O aparecimento das redes via satélite na década de 80, por sua vez, também ocasionou
transformações ao rádio, principalmente relacionadas à estrutura organizacional das
emissoras. Essas redes começam a unir as grandes emissoras das capitais às pequenas
emissoras do interior (sendo o modo como isso se dá nem sempre harmonioso). As primeiras,
ampliando a sua cobertura com o auxílio das pequenas emissoras (aumentando, em tese, o seu
faturamento); as rádios do interior, por sua vez, sem muitas perspectivas e muitas vezes
alheias a esse processo de reestruturação começam a depender cada vez mais dessas redes,
seja tentando aumentar o seu faturamento, seja com o objetivo de taparem buracos nas suas
programações. Essa estrutura, cada vez mais complexa, exige uma organização não menos
complexa que a gerencie, e também administre os recursos produzidos por ela.
Essa estrutura complexa modifica a maneira como se dá a relação dos meios de
comunicação com a sociedade, bem como a relação da sociedade com os meios de
comunicação62. Motta (2005) diz que o paradigma sociocêntrico representa de maneira
61
FERRARETTO, 2007, p. 165. 62
A mudança na relação da sociedade com os meios de comunicação é um fenômeno mais recente, pelo menos
em algumas pesquisas em comunicação. O professor da Universidade de São Paulo (USP), prof. Dr. Manuel
Carlos Chaparro, chama a atenção para o poder que a fonte possui nos dias de hoje em comparação às últimas
décadas. A Revolução das Fontes, expressão usada pelo professor, teve como uma das suas causas as inovações
tecnológicas do meio comunicacional. De acordo com o prof. Chaparro: “Apesa r de desprezadas pela cultura
arrogante dos manuais de redação, as fontes se organizaram, adquiriram competência, poder e querer,
transformando o jornalismo no espaço público das suas ações discursivas” CHAPARRO, C. M. Quarta
revolução, a das fontes. Disponível em: <http://www.eca.usp.br/pjbr/arquivos/comentarios_mural8.htm>
Acesso em: 25 nov. 2009.
55
menos ingênua essa perspectiva. Na relação entre os meios de comunicação e a sociedade, o
jornalismo passa a ser “um espaço de disputa onde prevalecem os interesses dos grupos
hegemônicos (como não poderia deixar de ser), mas é um espaço passível de conquistas, que
cede e negocia continuamente” (2005, p. 11). O autor completa:
Nesse paradigma a sociedade é formada por classes, frações de classe, grupos
organizados, movimentos sociais com graus de organização, de enfrentamento e de
articulação diversos, capazes de romper as barreiras políticas e de tornar visíveis
suas bandeiras no interior do jornalismo conservador. O paradigma é inteiramente
outro, menos ingênuo, mais realista, capaz de captar as nuances da cultura política
(2005, p. 11-2)
Segundo o paradigma sociocêntrico de Motta, os meios de comunicação passam a ser
entendidos pelo viés empresarial. Longe de eles serem um aparato ideológico
homogeneizador da cultura e do pensamento, eles são vistos como grupos organizados no
meio de tantos outros constituintes de uma sociedade civil. Como tal, possuem interesses que
são negociados na relação com outros grupos. As emissoras de rádio do país seguiram a
tendência e também se estruturaram/estão se estruturando como podem a essa nova ordem,
sendo que normalmente essas mudanças começam nas grandes zonas metropolitanas do país,
e gradativamente vão atingindo o interior, até, por fim, chegar às suas periferias.
Em nível de curiosidade, cabe ressaltar que ao entender os veículos de comunicação
desse modo aumentou-se a descrença na possibilidade de um jornalismo genuinamente
imparcial e livre de interesses, pelo menos por parte de comunicólogos e alguns jornalistas. A
resultante da dicotomia interesses comerciais–práticas comunicacionais passa a representar
as escolhas tomadas pelos veículos de comunicação na atualidade63.
Ainda tratando-se das idéias de Motta, cabe ressaltar que apesar do autor se referir ao
jornalismo especificamente, parece razoável que qualquer produção realizada por um veículo
de comunicação possa servir como moeda de troca na sua relação com a sociedade. Isso
porque uma das hipóteses a respeito da origem da credibilidade de um veículo de
comunicação é a capacidade de ele exercer uma comunicação de proximidade eficaz, pelo
menos no caso das emissoras locais. Segundo Vasques (2005, p. 9): “essa forma de abordar o
rádio comercial local tem como sua pedra fundamental o conceito da proximidade entre a
rádio e o seu ouvinte”. Apoiando-se em diversos pesquisadores, a autora comenta que para se
chegar ao conceito de proximidade, duas categorias devem ser observadas: a geográfica e a
63
O jargão do jornalismo imparcial que tem como único interesse o bem da comunidade passou a ser trabalhado
pelos veículos de comunicação como estratégia para dar credibilidade à sua produção, e conseqüentemente atrair
mais consumidores. É claro que isso não significa que não existe mais jornalis mo responsável.
56
cultural. É na presença das duas categorias, ou pelo menos de uma delas, que se pode falar do
rádio como próximo ao seu ouvinte.
A idéia básica é a de que se uma emissora local consegue desempenhar de forma
eficaz uma comunicação de proximidade, terá credibilidade, independente de se o material
produzido por ela for jornalístico ou não. Isso não quer dizer, no entanto, que o jornalismo
não seja um dos principais elementos para que se possa desempenhar de forma eficaz uma
comunicação de proximidade.
A força do jornalismo numa emissora de rádio local é o instrumento que dá a
ela a sensação de ser verdadeiramente local. Estações de rádio locais que querem
atingir grande audiência e ignoram o jornalis mo correm riscos. Num mercado cada
vez mais disputado, o jornalismo é uma das poucas coisas que distinguem as
emissoras locais de todas as outras. Afinal, notícias obtidas na esquina são tão ou
mais importantes do que as recebidas de outras partes do mundo (CHANTLER apud
VASQUES, 2005, p. 9)
A discussão a respeito de até que ponto a credibilidade de uma emissora local depende
do jornalismo que ela pratica reside no seguinte questionamento: até que ponto uma emissora
da fronteira oeste do Rio Grande do Sul consegue fazer jornalismo de fato? Seguindo o
exemplo do nosso caso estudado, bem como a análise de outras pesquisas que tem o rádio de
fronteira como objetos de estudo, é possível fazer algumas observações.
A própria análise do caso estudado por esta pesquisa sustenta a idéia de que é possível
uma rádio local ter credibilidade sem desempenhar jornalismo strictu sensu64. Segundo
pesquisa feita através de telemarketing ativo no estado do RS realizada pelo Instituto
Brasileiro de Pesquisa e Opinião Pública (INBRAP), a Rádio Quaraí AM atingiu, em 2005, a
marca de 98% de reconhecimento da sua marca. Segundo o diretor da emissora, Jorge Alberto
Lamb Japur, essa marca pode ter sido atingida por diversos fatores, como a prestação de
serviço, que desde a sua fundação é uma das suas características, ou ainda pelas informações
locais veiculadas – nem sempre organizadas jornalisticamente, ou também pelos diversos
programas de gêneros variados que compõem a sua grade de programação.
Vasques (2005, p. 6) destaca: “Em tese, as emissoras de rádio organizadas possuem
seu departamento de jornalismo organizado”. Isso pressupõe uma estrutura física mínima e
64
Tem-se consciência que os estudos sobre comunicação divergem a respeito dos valores que constituem a
prática jornalística. A este escrito não cabe discorrer sobre essas questões, já que esse não é o objetivo do
trabalho. Cabe ressaltar, no entanto, que se adotaram as concepções de Traquina (2004) sobre a distinção entre
informação e opinião na prática jornalística atual, bem como as noções de objetividade e imparcialidade
discutidas em Tuchman (1999). Acredita-se que tais valores estão impregnados na prática jornalística nacional, e
por isso o conceito de jornalismo usado neste trabalho contempla esses valores. Se eles são bons ou ruins, se
estão certos ou errados, não cabe a este escrito julgar. No caso específico do radiojornalismo, adotamos
orientações presentes em Ferretto (2007) e Prado (1989).
57
principalmente uma equipe qualificada. Ao falar sobre os recursos humanos que uma
emissora organizada deve dispor para fazer jornalismo, Vasques enumera: “há a necessidade
de uma equipe constituída por profissionais como, jornalista responsável, redator, repórter,
locutor noticiarista, que dominem a linguagem jornalística” (2005, p. 6). A esse respeito,
Jorge Alberto, que é graduado em jornalismo pela Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM), comenta: “eu me sinto de certa forma frustrado por não poder aplicar direito aquilo
que aprendi na faculdade”, fazendo referência à falta de recursos físicos e humanos que
caracterizam o seu contexto. Ele ainda completa:
Temos ótimos comunicadores, sem dúvida, mas são poucos em número e não
temos condições financeiras de contratar mais. Além disso, mais da metade desses
que estão conosco não é qualificada para tratar as informações que chegam a eles
com a responsabilidade que a atividade jornalística exige. Para a rádio que abre às
6h e fecha à meia-noite, temos um repórter policial, um repórter geral e um
apresentador. Além desses temos um apresentador para o informat ivo rural que vai
ao ar aos sábados. E só. Mas isso não quer dizer que não tenhamos credibilidade.
Prova disso é que há 52 anos estamos no ar.
Apesar deste escrito não pretender analisar especificamente a prática do jornalismo em
rádios da fronteira oeste do Rio Grande do Sul, vale a pena destacar sucintamente o modo
como pesquisas sobre o tema costumam representá- la. Habitualmente elas buscam elementos
jornalísticos nas suas práticas primárias (para não dizer rudimentares). Zamin (2008), ao
analisar a prática jornalística de emissoras comunitárias das cidades de Uruguaiana e Santana
do Livramento (fronteira com Paso de Los Libres-ARG e Rivera-URU, respectivamente),
constata que as pessoas responsáveis pelos programas jornalísticos analisados carregam, por
vezes, a função de pauteiro- locutor-apresentador-entrevistador-operador-comentarista. Um
“faz tudo”, segundo Zamin (2008, p. 95). As informações jornalísticas locais veiculadas
nesses casos, em que se embaralham fatos com comentários pessoais carregados de achismos
imprecisos, é um retrato pungente de como as emissoras dessas localidades trabalham em más
condições (por mais que esses funcionários possam não acreditar nisso, achando que o fato de
acumular funções é prova da sua capacidade individual65). Esse contexto ilustra pelo menos
duas coisas: (1°) graves problemas estruturais cujas causas deveriam ser pesquisadas no caso
de se desejar melhorar esse quadro; (2°) falta de preparo dos profissionais que atuam no meio,
já que os municípios dessas localidades não captam a mão de obra formada nos principais
65
Segundo um dos repórteres da Rádio Quaraí AM, “nem em rád io grande conseguem fazer isso!”.
58
centros de ensino do estado66. Por sua vez, os que ficam herdam a maneira informal de agir
comentada na seção 2.2.
Voltando à questão das transformações contextuais sofridas pelo rádio nacional nas
últimas décadas, esse processo foi imbuído de incertezas a respeito de quais mudanças seriam
mais benéficas ou nocivas nesse percurso (na atualidade existem outras incertezas, como as
discussões sobre o rádio digital e também sobre o futuro das emissoras AM). Emissoras
outrora importantes passam por dificuldades na nova ordem, e outras ganham importância67.
Outras ainda ficaram alheias a essas a essas mudanças até o final da década de 90, sendo que
as rádios do interior do Rio Grande do Sul estão, em parte, nessa categoria.
Além disso, pesquisas acadêmicas sugerem que a legislação que regula os o
funcionamento dos meios de comunicação não acompanhou os avanços organizacionais e
tecnológicos experimentados por eles. Tais estudos apontam para o fato de que ela possui
brechas que permitem uma série de abusos, como o coronelismo eletrônico, por exemplo. A
expressão, utilizada por Lima (2008), refere-se à posse de veículos de comunicação por parte
de políticos, principalmente de emissoras de rádio. Segundo o autor,
O coronelismo eletrônico é uma prática antidemocrática com profundas
raízes históricas na política brasileira que perpassa diferentes governos e partidos
políticos. Através dela se reforçam os vínculos históricos que sempre existiram entre
as emissoras de rádio e televisão e as oligarquias políticas locais e regionais, e
aumentam as possibilidades de que um número cada vez maior de concessionários
de radiodifusão e/ou seus representantes diretos se elejam para cargos políticos,
especialmente como deputados e/ou senadores. [...] O Congresso é a última instância
de poder onde são outorgadas e renovadas as concessões desse serviço público e,
mais que isso, aprovadas as leis que regem o setor. Por isso mesmo, a continuidade
do coronelismo eletrônico se constitui num dos principais obstáculos à efetiva
democratização das comunicações no país . (LIMA apud PINTO, 2009, p. 8)
Cozer (2009) alerta para o fato de que não são apenas políticos que usufruem de
brechas na legislação para obter concessões. Ao estudar o oligopólio no sistema de
radiodifusão de Santa Catarina, a autora atenta para o fato de quatro famílias possuírem
emissoras de rádio em mais de 40% dos municípios do estado. Segundo ela, “se brechas
legais permitem que políticos sejam donos de meios de radiodifusão, há também fatores que
66
Como Quaraí não possui centros de ensino superior, a tendência é a de que jovens com o secundário completo
saiam da cidade para estudar em centros de ensino superior de outras cidades do estado. Rara é a volta desses
jovens a Quaraí depois que os seus estudos estão completos. Semelhante é o destino dos jovens das outras
cidades da fronteira do Rio Grande do Sul. Em longo prazo, é possível que esse quadro seja alterado pelo
aparecimento de novas instituições de ensino superior nos últimos anos na região. 67
Ferretto (2007) exemplifica esse período no Rio Grande do Sul comentando a redução da influência da
Empresa Jornalística Caldas Júnior e a amp liação da Rede Brasil Su l (RBS).
59
favorecem a formação das chamadas empresas familiares no Brasil” 68. Na seqüência é
explicado o modo como isso é possível:
A não obrigatoriedade de divulgação dos verdadeiros concessionários, que
contraria uma necessária transparência no setor, é um deles. O decreto -lei 236 de
1967 permite a concessão de apenas duas TVs por estado para cada pessoa física.
No entanto, há uma estratégia que possibilita às famílias aumentar seu poder, ao
distribuir as concessões entre parentes – desta maneira, quanto maior a família,
maior poderá ser o patrimônio dela. Cada um dos acionistas permanece dentro da
lei, mes mo quando o veículo de comunicação não seja dirigido, de fato, por eles.
(COZER, 2009, p. 8)
Christofoletti (2008) diz que a acumulação e a concentração de recursos no setor da
comunicação aconteceram (e ainda acontecem) não só pelo número de fusões e aquisições
ocorridas, “mas também pelas condições pré-existentes no país que facilitavam o crescimento
de grupos já estabelecidos”69. Segundo o autor, há na legislação que regulamenta os veículos
de comunicação brasileiros lacunas e ambigüidades que não estabelecem limites claros à
propriedade cruzada, e também “um sistema promíscuo de distribuição de concessões de rádio
e TV – aproximando (e confundindo) perigosamente as figuras de legisladores e
proprietários” (2008, p. 3).
Ferraretto (2007) acrescenta outro fenômeno ocorrido a partir da década de 80, que é a
busca de emissoras de rádio por seitas e igrejas que vêem nelas um instrumento para difundir
seu projeto espiritual. Segundo o autor, um exemplo da presença de seitas e igrejas na
radiodifusão é a Igreja Universal do Reino de Deus, fundada em 1977:
No mes mo ano, com o dinheiro doado por uma devota, são alugados dez
minutos diários na Rádio Metropolitana, do Rio de Janeiro. No final da década de
70, a pregação eletrônica já se estende por duas horas. Na mesma época, outro
programa similar começa a ser transmit ido na Rádio Cacique, de Santo André (SP).
Em 1982, a Igreja passa a alugar espaço em rádios baianas, acabando por arrendar
uma emissora em Salvador. Dois anos depois, a Universal compra a sua primeira
rádio, a Copacabana, no Rio. Desde então, os investimentos em comunicação não
param (FERRARETTO, 2007, p. 183)
Para o autor um dado preocupante sobre o avanço das igrejas no setor das
telecomunicações é o perigo de que se perca o caráter aberto e pluralista da mídia,
especialmente do rádio. Segundo ele, uma de cada sete emissoras de rádio do país está
vinculada a uma igreja. No caso da Rádio Quaraí AM, atualmente elas contribuem com o
orçamento da emissora na medida em que alugam espaços para reproduzirem programas
próprios. Segundo o diretor da emissora, Jorge Alberto Lamb Japur, hoje em dia elas ocupam
68
COZER, 2009, p. 8 69
CHRISTOFOLETTI, 2008, p. 2.
60
principalmente horários do domingo, já que são igrejas locais de pequeno porte, e o horário
nesse dia é mais barato.
A cidade de Artigas é vista pelas igrejas de Quaraí como um nicho em potencial para
as suas atividades, já que os convites de fé para a participação em cultos e em eventos
estendem-se aos dois lados da fronteira, às vezes em portunhol, às vezes em português70. Essa
condição fronteiriça, que aparentemente poderia atrair mais os olhares cobiçosos de grupos
religiosos com condições de adquirir pequenas emissoras de rádio não parece realmente atraí-
las. Segundo Jorge Alberto Lamb Japur,
Pelas experiências anteriores que tivemos em relação às igrejas de grande
porte, consolidadas, dá para perceber que elas não querem pequenas emissoras como
a nossa, de 1 kW. No máximo colocam algum programa por algum tempo para
sondar a receptividade que elas têm no local. Além disso, pela sua estrutura elas
podem cruzar as fronteiras do país sem necessitar do nosso auxílio, como é o caso da
Igreja Universal, que já atua no Uruguai. A não ser, é claro, se elas descobrem que
há alguma emissora ruim das pernas a ponto de se fundir, o que não é difícil de
achar. Aí o assunto muda. No entanto, quem realmente já nos procurou tentando
comprar a emissora por valores irrisórios foram políticos. Esses sim estão sempre à
espreita.
Após as sucintas considerações feitas a respeito das transformações ocorridas com o
rádio nas últimas décadas, passa-se agora a tratar especificamente da Rádio Quaraí AM.
Localizada em uma periferia nacional, especificamente na fronteira Quaraí-Artigas, mesmo
com as transformações contextuais descritas a emissora continuou atuando até a década de 90
sob aquela informalidade que fazia parte das suas relações na década de 50 e 60. Sobre a
questão, Ponte, ao entrevistar o hoje falecido fundador da emissora, Jorge Japur, afirma:
Quanto ao caráter comercial da emissora, ela não tinha uma estrutura
publicitária. Tudo era feito de maneira o mais informal possível. O patrocinador
pagava uma taxa não muito alta e ainda tinha a vantagem de saldá-la quando
quisesse, como afirma o ex-d iretor da rádio Jorge Japur. Os anos que se seguiram
continuaram da mes ma forma (2000, p.22)
O contexto descrito na seção 2.2, relativo ao período de fundação da emissora e dos
seus primeiros anos de atividade, era propício para que ela trabalhasse de maneira informal,
afinal, além de o rádio ser uma novidade naquele local, a própria fronteira e o modo de ser do
fronteiriço contribuíam para isso. Fundada nesse contexto ela desfrutava, além disso, de
prestígio por ser a única emissora da fronteira. Após a criação das primeiras emissoras de
rádio em Artigas, continuou sendo a única emissora de Quaraí71. Segundo a viúva de Jorge
70
Uma das igrejas que anuncia na emissora já possui atividades consolidadas em boa parte do norte do Uruguai,
com templos em pelo menos dois departamentos. 71
Ainda hoje é a única emissora AM de Quaraí.
61
Japur, Izar Teixeira Lamb, o retorno financeiro era algo natural na época da fundação da
emissora: “não havia preocupação com o dinheiro... o Jorge fazia o que gostava e o retorno
vinha ao natural”, comenta dona Izar.
Com o passar dos anos, no entanto, o modo informal de ser acarretou, dentre outras
coisas, dificuldades de transição aos moldes de rádio moderno/rádio empresa que o passar
dos anos, bem como o exemplo das grandes emissoras do centro do país, outorgou ao rádio.
Além disso, mudanças locais também alteraram a forma como a comunidade percebia a
emissora.
Sobre esse aspecto, podem-se destacar as seguintes características a partir dos
depoimentos recolhidos e pelos documentos acessados por esta pesquisa : (1°) O fascínio
existente na época de descobrimento do rádio na fronteira passou. Ou seja, a facilidade com
que o retorno financeiro era atingido, como disse Izar Teixeira Lamb, acabou; (2°) Apesar de
o contexto ter mudado, o modo como a emissora trabalhava não foi alterado. Jorge Alberto
Lamb Japur explica que apesar de popular e líder de audiência antes de 1996 (ano em que
assumiu a direção), a rádio sofria com a falta de profissionalismo da direção e dos
empregados. Segundo ele, “a emissora era tratada como objeto de poder e vaidades pessoais”.
Feita sem jornalismo qualificado e se limitando à radioescuta das emissoras do centro do país,
bem como à programação musical; (3°) Os avanços tecnológicos na área da comunicação, e
principalmente a facilidade de acesso a pequenos transmissores gerou na fronteira um boom
de emissoras clandestinas que competem com as emissoras homologadas vendendo
propagandas por preços irrisórios. Isso principalmente no lado uruguaio onde o combate às
emissoras clandestinas não é tão eficaz como no Brasil; (4°) O fato de não haverem políticas
no meio radiofônico que considerem as dificuldades do meio fronteiriço e a alta carga
tributária que não contempla as especificidades de emissoras de rádio de pequeno porte como
a Rádio Quaraí AM.
Ponte, ao analisar as radionovelas produzidas pela Rádio Quaraí AM, fez um pequeno
levantamento histórico sobre a emissora. Nele a autora já atentava para mudanças
operacionais a partir de 1996:
Está quase toda informat izada. A inserção de informes comerciais e
noticiosos (da Rádio Nacional) e a gravação de alguns programas em computador
fizeram com que ela perdesse um pouco daquele caráter informal (2000, p. 24)
Em entrevista concedida a Ponte, o ex-diretor Jorge Japur, hoje falecido, diz que
“desapareceu da rádio o trabalho comunitário” (2000, p. 24). No mesmo trabalho, a
62
historiadora local Diva Simões comenta que “ela [a emissora] perdeu a sua função na cidade,
já que não se integra mais com ela”72. Nota-se que tais colocações referem-se à
impossibilidade de se manter o caráter informal nas relações da emissora com a sociedade
cujos reflexos se mantiveram até o fim da década de 90. Nessa visão, não se integrar com a
comunidade significaria, antes, não ser informal no trato, ou em outras palavras, não se
deixar levar pelo coração. De certa forma, isso lembra aspectos do conceito de homem
cordial descrito por Holanda (1995), que descreve alguém que não vê distinção entre o
privado e o público, que transplanta para a vida pública os valores compartilhados pela
família, porque se guia antes pela emoção do que pela a razão73.
O atraso em relação às modificações contextuais do rádio no Brasil, bem como a
manutenção das relações informais da emissora (inclusive do seu setor comercial) – destino
provavelmente compartilhado por inúmeras emissoras de pequeno porte do país que até hoje
temem pelo seu futuro – quase levou a emissora a fechar as suas portas. Segundo Jorge
Alberto Lamb Japur, a emissora estava fadada ao encerramento das atividades pela falta de
recursos e a falta de seriedade nas relações sócio-econômicas com a população de Quaraí e
Artigas74.
Ao atuar informalmente, a emissora, cuja rentabilidade depende do mercado
publicitário, foi, talvez, em parte responsável por propagar a idéia que se tem na fronteira de
que propaganda não é fator decisivo na legitimação de uma marca, sendo colocada em
segundo plano, por donos de empresas, como um fator de prosperidade de um
empreendimento comercial. Segundo Jorge Alberto, “o modo como se dá o comércio na
fronteira, mas principalmente o contrabando é responsável por isso”. O diretor não descarta,
no entanto, que atuando informalmente por muitos anos a emissora também contribuiu para a
construção e a manutenção dessa mentalidade.
72
Idem, p. 25. 73
“No Brasil, pode dizer-se que só excepcionalmente tivemos um sistema administrativo e um corpo de
funcionários puramente dedicados a interesses objetivos e fundados nesses interesses. Ao contrário, é possível
acompanhar, ao longo da nossa história, o predomínio constante das vontades particulares que encontram seu
ambiente próprio em círcu los fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal. Dentre esses círculos, foi
sem dúvida o da família aquele que se exprimiu com mais força e desenvoltura em nossa sociedade. E um dos
efeitos decisivos da supremacia incontestável, absorvente, do núcleo familiar – a esfera, por excelência dos
chamados “contratos primários”, dos laços de sangue e de coração – está em que as relações que se criam na vida
doméstica sempre forneceram o modelo obrigatório de qualquer composição social entre nós. Isso ocorre mesmo
onde as instituições democráticas, fundadas em princípios neutros e abstratos, pretendem assentar a sociedade
em normas antiparticularistas” (HOLANDA, 1995, p. 146) 74
Ainda segundo Jorge Alberto, foi principalmente nesse período de dificuldades que políticos sondaram a
emissora com propostas de compra.
63
Segundo o entrevistado, as diferenças cambiais fazem com que uma série de produtos
seja mais barato no Brasil, assim como outros sejam mais baratos no Uruguai75. “O comércio
daqui sabe que os uruguaios naturalmente vêm a Quaraí, e vice-versa, e esse é um dos
motivos pelos quais temos dificuldades”, afirma Jorge Alberto. Ele se refere ao fato de que as
empresas de Quaraí e Artigas – e de outros locais da fronteira – acreditam que a propaganda
não é um fator decisivo na efetivação da sua marca, por conta do modo como se dá o
comércio na fronteira. Qualquer tipo de publicidade serve para eles, segundo o diretor. “É
uma mentalidade atrasada... A gente compete até com carro de som e alto- falante”, diz Jorge
Alberto. Para o entrevistado isso é reflexo do modus operandi do fronteiriço.
Na impressão do diretor, desde 2003 o quadro está ligeiramente se modificado nesse
quesito, por conta de migrantes que estão chegando à cidade com o intuito de explorar as
pedras semipreciosas que são abundantes na região, como a ametista (a exploração ainda está
nas fases iniciais); empresários novos que estão tendo a oportunidade de avançar além do
curso secundário e ter idéia da importância de investir em sua marca; cursos de qualificação
promovidos por instituições que atuam na capacitação de pessoas que atuam na indústria e no
comércio (endossadas pela emissora), dentre outros. Está previsto para 2014 a inda a chegada
de um Parque Eólico no município, evento que provavelmente contribuirá para que essas
modificações continuem.
Se um dia a Rádio Quaraí AM auxiliou na manutenção de uma mentalidade atrasada
em relação à importância da propaganda na fronteia, hoje em dia as rádios clandestinas no
Uruguai tornaram-se as responsáveis por isso. Elas, que em Artigas contabilizam mais de
dezessete emissoras, fazem propagandas até de graça para estabelecimentos comerciais de
Quaraí e Artigas. Segundo um comerciante uruguaio entrevistado que anuncia em uma delas,
“yo pagaba U$ 50 [cinqüenta pesos uruguaios] por semana para tener propaganda de mi
almacén en la Sol FM todos los días”. A quantia, que no câmbio atual corresponde a
aproximadamente R$ 4,50, é um exemplo dos tipos de absurdos com que rádios da fronteira
devem lidar.
A problemática é complexa. Em um primeiro momento podemos citar o fato de que
enquanto uma emissora legal necessita manter uma tabela de preços mínima para honrar os
seus impostos, bem como a manutenção dos seus equipamentos, os custos com os seus
75
A Ponte Internacional da Concórdia está diariamente repleta de brasileiros e uruguaios que atravessam a
fronteira em busca de produtos. Os uruguaios costumam ir ao Brasil em busca de artigos têxteis, assim como
alguns tipos de alimentos, gás, e outros produtos do gênero. Os brasileiros, por sua vez, procuram alguns g êneros
alimentícios, como laticínios e carne. Nos free shop uruguaios eles vão a busca de bebidas e equipamentos
eletrônicos. Essas, no entanto, são apenas pequenas impressões sobre uma complexa rede de comércio
estabelecida na fronteira.
64
funcionários, dentre outros, uma emissora clandestina não possui quaisquer compromissos.
Sendo assim, o valor que elas cobram não chegam muitas vezes a um sexto do valor de um
comercial em uma emissora legal.
Em matéria sobre o tema, o jornal A Platéia de Santana do Livramento mostra que a
proliferação de rádios clandestinas é comum em toda extensão da fronteira com o Uruguai. O
texto ajuda a compreender o problema que também está presente na fronteira Quaraí-Artigas:
A propaganda em rádio, na fronteira, é algo completamente incompreensível
para quem não vive nas duas cidades irmãs. Para alinhar ao tema da pirataria nas
ondas do rádio, pode ser definida em uma guerra de canhões surdos, com as naus
legais quebrando ondas de um mar revolto chamado mercado publicitário. Para o
cliente, a questão preço é determinante e raras são as medições de pesquisa de
audiência - as quais, obviamente, não contemplam as rádios piratas, pois a lógica
indica que sua não formalidade pressupõe inexistência oficial. Na prática, no
entanto, não é assim. Por vezes, o cliente anuncia em determinada emissora pirata, a
qual é estimulado a ouvir - “sintoniza, ouve, me diz se gostou e depois a gente
conversa” ou “eu vou colocar em tal dia no ar e aí veja se gostou, depois voltamos a
falar” - sem saber que se trata de uma rádio não legalizada. A emissora clandestina
não tem qualquer obrigação de recolher qualquer tipo de tributo, não tem obrigações
trabalhistas, não faz pagamentos, não utiliza áudio legalizado, preferindo músicas
pirateadas - e não poderia ser diferente pela sua condição - ao mesmo tempo em que
seu sistema, geralmente, é também - como virou moda, na atualidade - cópia não
autorizada de programas de computador para “gerenciar” a programação que coloca
no ar. Claro que Bill Gates nem fica sabendo, assim como os clientes que, por vezes
convencidos pela argúcia dos vendedores anunciam, mas o Windows pirata deve
rodar muito bem nos sistemas das emissoras não legalizadas76
.
Para ilustrar a questão, ponha-se o seguinte exemplo: imagine-se o valor relatado pelo
comerciante uruguaio que gasta o seu dinheiro em rádios clandestinas. O valor
correspondente a U$ 50 (cinqüenta pesos uruguaios), aproximadamente R$ 4,30, lhe dá
direito a várias inserções diárias77. Como a cobrança é semanal, se gasta ao final de um mês
R$ 17,20. A tabela de preços da Rádio Quaraí AM coloca que uma inserção diária, de
segunda-feira a sábado, exige um investimento de R$ 180 mensais. O valor cobrado pela
emissora clandestina é mais de dez vezes inferior ao valor cobrado pela emissora
homologada.
Segundo a responsável pelo setor financeiro da emissora, Lilian Teresa Tomás Japur
(esposa de Jorge Alberto), é difícil para a emissora manter uma tabela de preços considerando
a concorrência desleal. Jorge Alberto Lamb Japur cita um exemplo: “pagamos mensalmente
76
PIRATARIA... nas ondas do rádio. A Platéia. Santana do Livramento, 21 e 22 out. 2007. Disponível em:
<http://srv3.v-expressa.com.br/edicoes/2007/outubro/211007/a2.pdf> Acesso em: 17 nov. 2009. 77
Para o exemplo utilizou-se a cotação do dia 04 dez. 2009 em que 1R$ equivalia U$11,62. Para fazer a
conversão recorreu-se ao conversor de moedas disponível no site do Banco Central. Disponível em:
<http://www.bcb.gov.br/> Acesso em: 04 dez. 2009.
65
de ECAD78 R$ 496 – isso com o desconto. Ainda temos sorte que Quaraí possui
aproximadamente 24mil habitantes declarados, daí é mais barato”. O entrevistado comenta
que os impostos pagos pela emissora, reunidos, consomem aproximadamente 40% do seu
faturamento bruto. Somando despesas com funcionários, manutenção e outras contas, como
água, luz e telefone, 80% do faturamento da emissora são consumidos. “É complicado manter
a rádio com uma concorrência desleal dessas”, afirma Jorge Alberto.
No Brasil, a lei não define o que é uma emissora clandestina. O que ela faz é
estabelecer o que é uma emissora legalizada. Toda emissora que não possui amparo legal para
funcionar é caracterizada como clandestina, sendo que a competência legal para o combate à
clandestinidade é exclusiva da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) 79. O uso
de radiofreqüência sem autorização é tratado pelo Art. 163 da Lei Geral de Telecomunicações
(LGT)80, e as sanções estão previstas no Art. 173 da mesma lei.
Criou-se, no ano de 2008, uma emissora clandestina na cidade de Quaraí, sob a
alcunha de Rádio Concórdia. A emissora veiculava o seu material através de link com o
transmissor de uma emissora uruguaia homologada, sendo que o seu dono, uruguaio, tinha
recebido de Brasília autorização para fazer apenas reportagens externas na cidade de Quaraí.
Após denúncia recebida pela ANATEL, a emissora clandestina foi fechada em ação da Polícia
Federal, tendo todos os seus equipamentos recolhidos, conforme outorga a lei. No caso das
rádios clandestinas que estão do lado uruguaio (sendo que algumas delas têm proprietários
brasileiros), a única coisa que a ANATEL pode fazer é informar a situação ao Ministério das
Relações Exteriores, para que o Itamaraty repasse as informações à administração do país
vizinho, para que ele tome as providências necessárias com base em sua legislação.
No Uruguai, o órgão responsável pela fiscalização das emissoras clandestinas é a
Unidad Reguladora de Servicios de Comunicaciones (URSEC). A questão sobre as rádios
clandestinas ficou em suspenso enquanto o país reformulava a sua legislação no intento de
regulamentar a radiodifusão comunitária. Uma brecha na legislação permitia que muitas
78
Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) é o órgão responsável pela a arrecadação e
distribuição dos direitos autorais das obras musicais. O órgão, que no Art. 1° do seu Estatuto afirma não ter fins
lucrativos, cobra mensalmente de emissoras de rádio e TV imposto para que estas possam executar músicas
nacionais e estrangeiras. No site do ECAD é possível simular os valores cobrados às emissoras. Disponível em:
http://www.ecad.org.br/. Acesso em: 04 dez. 2009 79
Tornamos públicos os nossos agradecimentos ao engenheiro da ANATEL, Jairo Karnas, que gentilmente nos
orientou a respeito da legislação que serve de base no combate a emissoras clandestinas no Brasil. 80
BRASIL. lei n. 9.472, de 16 de julho de 1997. Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a
criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda
Constitucional n° 8, de 1995. Ministério das Comunicações, Brasília, DF, 10 dez. 1996. Disponível em:
<http://www.wisetel.com.br/acoes_de_governo/leis_e_decretos_lei/lei_9472.htm#LGT > Acesso em: 04 dez.
2009.
66
emissoras clandestinas se defendessem argumentando que eram emissoras comunitárias, e não
piratas.
Como o país não disponibilizava uma legislação específica para o setor, diversas
emissoras se organizaram em associações para forçar o debate, como a Asociación Mundial
de Radios Comunitarias Uruguay (AMARC Uruguay). Outras emissoras, no entanto,
aproveitaram as brechas da legislação uruguaia para explorarem o serviço de radiodifusão em
benefício próprio, causando interferência em emissoras comerciais uruguaias e também em
estações brasileiras localizadas na faixa de fronteira81.
Em 22 de dezembro de 2007 foi aprovada pelo Uruguai a Ley de Radiodifusión
Comunitaria, Ley N° 18.232. Desde então o governo está realizando um mapeamento das
emissoras que se classificam nessa categoria para regulamentá-las. Até a questão ser
concluída, a problemática das rádios piratas está, em parte, em suspenso, pois não é possível
saber quais emissoras são comunitárias ou quais operam de maneira ilegal. Além disso,
mesmo aprovada há dois anos, a Lei, que tomou como exemplo a legislação brasileira ao ser
redigida, tem apresentado algumas inconsistências na prática. Para sanar esses problemas a
URSEC realizou em 2009 uma consulta pública sobre a regulamentação da lei de radiodifusão
comunitária. É provável que as emissoras clandestinas continuem a se proliferar até que essa
problemática seja resolvida pelo país vizinho.
Nos quadros a seguir estão destacadas as emissoras homologadas e as clandestinas
existentes na fronteira Quaraí-Artigas82:
Quadro 1: Rádios Homologadas na Fronteira Quaraí (BRA) – Artigas (URU)
Emissora Cidade Freqüência
Rádio Quaraí AM Quaraí 1540 kHz
Radio Cuareim AM Artigas 1270 kHz
La Voz de Artigas AM Artigas 1180 kHz
Frontera(1) AM Artigas 900 kHz
Salamanca FM Quaraí 101.3 MHz
Amatista FM Artigas 90.7 MHz
Frontera FM Artigas 88.3 MHz
Viva FM Artigas 89.5 MHz
Acuarius(2) FM Artigas 94.7 MHz (1) Emissora fora do ar por d ificuldades financeiras; (2) Perdeu a concessão, está fora do ar.
81
Segundo mapeamento realizado pela URSEC, havia em 2007 vinte e seis emissoras clandestinas no
departamento de Artigas. Nosso mapeamento encontrou 17 só na cidade sede. 82
Mapeamento realizado no dia 15 ago. 2009. Infelizmente não foi possível obter o nome de todas emissoras
clandestinas. Algumas dessas rádios não veiculam vinhetas e também não possuem locutores. Equipamento
utilizado: Ph ilips CEM220 CD-PLAYER/TUNER 4x50W.
67
Quadro 2: Rádios Clandestinas na Fronteira Quaraí (BRA) – Artigas (URU)
Emissora Cidade Freqüência
Horizonte(1) FM Artigas 91.3 MHz
Amanecer FM Artigas 92.7 MHz
Sol FM Artigas 95.1 MHz
N.i. (2) FM Artigas 97.1 MHz
Don Quijote FM Artigas 98.1 MHz
N.i. FM Artigas 98.5 MHz
N.i. FM Artigas 99.1 MHz
Cosmos(3) FM Artigas 100.3 MHz
Aries FM Artigas 101.9 MHz
N.i. FM Artigas 102.3 MHz
N.i. FM Artigas 102.7 MHz
Alternativa(4) FM Artigas 103.1 MHz
N.i. FM Artigas 104.3 MHz
N.i. (5) FM Artigas 105.7 MHz
N.i. FM Artigas 106.1 MHz
N.i. FM Artigas 106.9 MHz
N.i. FM Artigas 107.9 MHz (1) Algumas das emissoras nomeadas estão tentando a sua regularização.
(2) Não identificada.
(3) Emissora fora do ar no dia do mapeamento.
(4) Emissora clandestina localizada no Uruguai com proprietário brasileiro.
(5) Emissora fora do ar no dia do mapeamento. Segundo a URSEC, é comum tais emissoras mudarem a sua
freqüência com medo de rastreamentos. No entanto, algumas delas estampam em muros da cidade o nome de
suas emissoras. Cf. anexo.
Enquanto isso a Rádio Quaraí AM tenta garantir o seu espaço (e a sua subsistência)
investindo na sua credibilidade. Em relação às práticas das rádios clandestinas, Jorge Alberto
Lamb Japur diz: “É algo amador, artesanal, eles não têm idéia de público alvo, de como se
constrói uma mensagem considerando as potencialidades do meio...”. A emissora, por estar
desde 1957 no ar, por ser a única AM da cidade de Quaraí, e também pelas incontáveis
campanhas sociais, bem como por ter tido consigo diversos personagens importantes que já
passaram pelos seus microfones, possui audiência garantida em quase toda a região da
fronteira oeste do Rio Grande do Sul. “Os clientes até chegam a colocar propaganda nessas
clandestinas, mas depois de um tempo eles vêem que não tem retorno e recorrem a nós.
Depois de um tempo, eles desistem de gastar dinheiro nelas”, diz Jorge Alberto.
A emissora mantém o vínculo com a cultura do gauchismo tendo pelo menos 50% da
sua programação voltada para o tradicionalismo e o nativismo. Músicas, homenagens e
informações culturais são veiculadas para os habitantes dos dois lados da fronteira e conta
com a participação de brasileiros e uruguaios. Além disso, as campanhas sociais e o
desenvolvimento de informações locais (nem sempre organizadas jornalisticamente, pelas
68
dificuldades estruturais) contribuem para a manutenção dos vínculos da emissora com a esfera
local. Além disso, há uma parceria informal entre emissoras de rádio da região que se
auxiliam trocando notícias relacionadas às suas cidades. “Com o propósito de servir à
comunidade a emissora foi fundada. E mesmo com as transformações que ocorreram, a idéia
segue o mesma...”, explica Jorge Alberto.
As diversas parcerias da emissora, por sua vez, mantém ao mesmo tempo ela ligada ao
seu Estado-nação, servindo como porta voz do estado brasileiro na região. Atualmente a
Rádio Quaraí AM tem como parceiras a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), a Rádio
Nacional, O Grupo Bandeirantes de Comunicação nos esportes83, Rádio Agência Senado,
Rádio Agência Câmara, Central de Radiojornalismo do Paraná e BBC Brasil, sendo que todas
elas fornecem matérias jornalísticas de cunho nacional e/ou regional. Além dessas, a emissora
também possui uma parceria internacional com a Rádio Netherlands. A emissora holandesa
costuma enviar reportagens em português sobre o Brasil. Além disso, encaminha
periodicamente por correio produções próprias que divulgam diferentes culturas ao redor do
mundo.
Segundo Jorge Alberto Lamb Japur e Izar Teixeira Lamb, promessa de
desenvolvimento é a expressão que definia a emissora nos seus primórdios. A fronteira
Quaraí-Artigas experimentou nas décadas passadas, contando com o auxílio da Rádio Quaraí
AM, avanços em diversos setores, que vão desde estruturais até humanísticos. A integração
entre brasileiros e uruguaios foi intensificada, de modo que falar espanhol, português, ou
ainda portunhol, era só um detalhe para aqueles homens que, vivendo em conjunto e falando
línguas entreveradas, eram iguais no momento em que experimentavam o mesmo sentimento
de fascínio frente ao microfone que a partir de então passou a representá-los. Nesse aspecto,
as experiências da Rádio Quaraí AM e dos personagens que estiveram envolvidos com ela
constituem uma lição para o mundo atual, globalizado, já que a emissora é um exemplo de
empreendimento que desde as suas raízes soube encontrar e também explorar características
comuns de sujeitos que se diziam diferentes.
Mesmo com as transformações contextuais que quase a levaram à falência no início da
década de 90, a Rádio Quaraí AM conseguiu manter-se. Isso graças aos investimentos que fez
83
Até o fim do primeiro semestre de 2009 a Rádio Quaraí AM retransmit ia os jogos dos times gaúchos de mais
prestígio do Estado, Internacional e Grêmio, com equipe esportiva própria. Era comum quaraienses residentes
em outras partes do país – que ouviam as jornadas esportivas da emissora pela internet - telefonarem durante os
jogos para mandarem um alô para parentes em Quaraí. Compunha a equipe esportiva da emissora nomes como
Cléber de Oliveira e Jaldemiro Mazzuí, importantes locutores da região que já passaram por emissoras
consagradas como a Rádio Guaíba. Por não conseguir na cidade patrocínio suficiente para cobrir os elevados
custos das transmissões, a emissora optou pela parceria com a Rádio Bandeirantes AM 640 kHz, de Porto
Alegre.
69
no intuito de realçar o que, para Jorge Alberto, é o que descreve a emissora no presente: a sua
credibilidade. Em um contexto de práticas e costumes híbridos, e muitas vezes alternativos (o
que não quer dizer necessariamente ilegais ou de má fé), a emissora continua com o seu
trabalho comunitário, informativo e diversional, e graças ao sucesso que tem em trabalhar
essas questões na fronteira consegue atrair investidores da cidade local que desejam ter a sua
marca associada a essa credibilidade. Isso não significa, no entanto, que o contexto seja
favorável. Jorge Alberto comenta:
Temos que trabalhar sozinhos... Além das emissoras clandestinas, nós,
emissoras de pequeno porte, não temos representatividade em órgãos como a
AGERT84
. Eles dizem nos representar, mas na verdade nos usam apenas como
massa de manobra para representar a eles próprios e às grandes emissoras do estado.
Nunca recebemos nenhum tipo de auxílio deles. Eu já desfiliei a rádio de lá, e até
hoje eles usam o nosso nome no site deles. O que é mais triste é que o pai [Jorge
Japur] foi um dos seus sócios fundadores. A ABERT85
, bem, mes mo que possam
representar as pequenas emissoras, está muito distante de nós. Só somos filiados ao
SindiRádio86
, que nos proporciona descontos no ECAD. Além d isso, somos
explorados por agências de publicidade da capital [Porto Alegre] que dizem nos
representar. Certa vez nos ligaram de Porto Alegre, era o gerente de uma rede de
farmácias do RS solicitando um comprovante de irradiação, já que, segundo ele,
fazíamos propaganda deles aqui na rádio. Nunca recebemos nenhum contato para
que isso fosse feito. Ele disse que há três anos pagavam relig iosamente a agência de
publicidade que nos representava. A agência embolsava tudo usando o nosso nome.
Até o momento o presente da Rádio Quaraí é positivo, já que ela subsiste, mesmo com
as dificuldades geradas pelo contexto descrito. É provável, no entanto, que essa sorte não seja
compartilhada por outras emissoras da faixa de fronteira do Rio Grande do Sul. Segundo o
diretor, percebe-se isso no momento em que uma emissora de pequeno porte das redondezas é
comprada por políticos, por igrejas, ou ainda por grandes conglomerados do ramo da
comunicação.
O futuro, nesse aspecto, é uma incógnita. As discussões a respeito do Rádio Digital,
bem como as incertezas sobre o porvir das emissoras AM no país causam a impressão de que
cada vez mais tais emissoras estão por sua conta e risco. O diretor da emissora diz que o
futuro da Rádio Quaraí AM será promissor, porque mesmo com todas as adversidades ela
consegue subsistir e manter a sua credibilidade na região. Ressalta, no entanto, que os órgãos
competentes pelas decisões no setor de radiodifusão do país não têm ciência das dificuldades
das emissoras de pequeno porte. Para Jorge Alberto, um exemplo disso foi o questionário de
uma pesquisa enviada para a emissora em 2009:
84
Associação Gaúcha de Emissoras de Rádio e Telev isão. Jorge Japur, fundador da Rádio Quaraí AM, foi um
dos sócios fundadores da AGERT. 85
Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão. 86
Sind icato das Empresas de Rádio e Televisão no Estado do Rio Grande do Sul.
70
Em uma das perguntas eles questionaram qual era o orçamento mín imo que a
emissora disporia caso necessitasse adotar o padrão digital de rádio. O valor mais
baixo da questão era R$ 300.000,00. Nosso orçamento bruto anual não chega nem
na metade disso! Havia ainda alternativa que falava em milhões. Rádio de pequeno
porte só ouve falar de valores altos como esses quando está devendo na justiça,
prestes a fechar as portas.
Mesmo com as incertezas sobre o futuro do rádio no Brasil, uma coisa parece razoável
considerando as informações levantadas até aqui: conhecer a realidade de pequenas
emissoras, como a Rádio Quaraí AM, é, talvez, uma das poucas maneiras de evitar que elas
fechem as portas, ou ainda sejam vendidas para grupos que possam comprá- las. Essa é,
provavelmente, uma das poucas maneiras de garantir a tão sonhada pluralidade de vozes que é
requisito básico para o amadurecimento de um regime democrático.
71
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na medida em que a pesquisa avançava – seja na coleta dos dados, ou ainda no seu
tratamento; mas principalmente na leitura de fontes que cada vez mais tornavam menos
ingênuo o modo de ver a fronteira – percebeu-se que o universo onde está situada a emissora é
de uma complexidade tal que seria uma ousadia sem tamanho afirmar que este estudo
explorou todas as suas nuances.
Os registros históricos sobre as fronteiras sul-riograndenses, bem como os estudos de
antropologia acessados, permitiram vislumbrar o que está contido nos trabalhos teóricos que
versam sobre o processo de construção de identidades híbridas. A partir disso, tendo-se
enquadrado a atividade midiática da Rádio Quaraí AM no campo da comunicação, pôde-se
confirmar a hipótese de pesquisa deste trabalho, ou seja, de que a emissora contribui para a
manutenção desse processo híbrido. Cabe ressaltar que a análise não conseguiu, no entanto,
estudar a atividade midiática da emissora separando-a hermeticamente em cada uma das três
categorias propostas por Sodré (2002), já que elas não estão dissociadas. Tentou-se, na
medida do possível, analisar a emissora segundo a sua produção que é veiculada, segundo os
seus vínculos sociais e como ela se vê no seu contexto (cognição).
A partir dessa constatação algumas características gerais sobre a fronteira e a emissora
tornaram-se evidentes. A primeira delas diz respeito ao fato de que o modo como as zonas de
fronteira normalmente são representadas pelos veículos de comunicação - como uma zona
marginal, porta de entrada de entorpecentes, armamentos e mercadorias ilegais – não passa de
uma generalização apressada. Essa visão, ao ser incorporada no discurso oficial com o auxílio
da grande mídia, dificulta na exploração das potencialidades que a região fronteiriça tem (seja
de cunho cultural, social ou econômico).
Outra constatação realizada, que não propriamente tem a ver com o trabalho, mas com
a forma de analisar os dados, versa sobre a facilidade de lidar com informações de épocas
passadas. Ao recorrer à história da emissora e da fronte ira oeste, a grande dificuldade para
trazer tais dados foi, sem dúvida, a falta de registros (sejam escritos ou orais) que pudessem
complementar algumas lacunas da pesquisa. Nesse caso, trabalhou-se sem conjeturas que não
pudessem ser verificadas, por mais que se tenha em mente que há diversos fatores relevantes
nesse contexto que poderiam, inclusive, alterar o rumo das investigações, e se baseou apenas
em dados concretos que foram alcançados.
72
Esse material, no entanto, além de ser revestido por uma aura romântica87, não traz
consigo algo que pareceu ser uma complicação ao analisar os dados atuais sobre a emissora: o
fato de estes estarem aí, sofrendo intervenção do fluxo dos acontecimentos sociais, políticos e
culturais do meio. Afinal, por mais que possa ser uma afirmação polêmica, poder-se- ia
parafrasear um dos grandes aforismos dos manuais de comunicação que afirmam “a
comunicação é uma relação de ser a ser que quer, que passa uma mensagem a outro”88, para
dizer que esta pesquisa tem uma intenção, como qualquer ato de comunicar. E de fato ela tem,
e isso fica subjacente à própria escolha do tema de qualquer trabalho. Mas isso certamente é
diferente de a pesquisa é partidária. Para evitar que se incorresse nessa possibilidade, fez-se o
necessário para tratar de hipóteses que respondessem à bibliografia que serviu de parâmetro
para a análise do material acessado, segundo o método proposto.
Outro dado encontrado, que pela bibliografia utilizada não parece ser uma
especificidade só da fronteira Quaraí-Artigas, é o fato da história desses locais ser contada de
forma vertical. Ou seja, os registros históricos existentes pertencem a uma elite composta por
famílias importantes de outrora. Não é raro perceber nesses escritos a dicotomia famílias
importantes, cultas – população rústica, iletrada. Diz-se isso com base em algumas
passagens extraídas tanto na bibliografia sobre Quaraí e Artigas que serviu de base a este
trabalho quanto em algumas entrevistas coletadas, bem como em trabalhos de outros autores
sobre Quaraí89.
Essa mentalidade, presente no início da emissora (e muito antes dela, coisa que
sabemos graças à literatura da região), nunca atrapalhou no pleno envolvimento da emissora
com a população das duas cidades. Embaraçou, talvez, a modernização da emisso ra na
medida em que o contexto social e tecnológico ia se modificando com o passar dos anos.
Assim como ressaltamos a lealdade cruzada com que a emissora trabalha, constituída
por elementos do contexto local e também pelas relações de subordinação frente ao seu
Estado-nação, percebe-se que as dificuldades provêm dos mesmos locais que ela representa.
De um lado, há problemas relacionados ao descaso para com as emissoras de pequeno porte
no Brasil, seja no momento em que não há políticas específicas para elas, ou ainda no
87
Isso corrobora uma das características do povo da fronteira oeste do RS, a saber, o fato de ret irar os defeitos
daquilo que já passou, por mais que em algum momento ele não tenha sido tão bom assim. 88
PERUZZOLO, 2004, p. 21 89
Esta passagem registrada em uma entrevista por Ponte (2000, p. 24) é ilustrativa: “programas de maior
profundidade como os de entrevistas, noticiosos com comentários [...] não têm muita aceitação. Para ela, esses
gêneros em uma cidade como Quaraí, em que grande parte da população é iletrada, não atendem aos interesses e
necessidades das pessoas, o que é uma lástima”. A entrevistada, no caso, acompanhou a emissora desde antes da
sua fundação.
73
momento em que associações voltadas ao rádio no Brasil não parecem representá- las (pelo
menos as emissoras de pequeno porte). Por outro lado, aparecem as práticas alternativas
existentes na fronteira que geram dificuldades para as pequenas emissoras fronteiriças.
Acreditamos que estudar a Rádio Quaraí AM é importante porque, pelo seu tempo de
existência - mais de meio século - ela presenciou as principais transformações do rádio
brasileiro. Por estar na fronteira, a transformação foi lenta e tortuosa, gerando- lhe dificuldades
de subsistência, e por isso pode-se dizer que o seu caso ilustra as dificuldades de uma
emissora de pequeno porte no Brasil.
Ao ser fundada a Rádio Quaraí AM experimentou o glamour do Rádio Espetáculo,
acumulando histórias e riquezas; nas décadas de 70 e 80, viu de longe as inovações do rádio e
passou a experimentar dificuldades nunca dantes experimentadas, a ponto de quase ter as suas
portas fechadas na década de 90; hoje em dia, mesmo com o contexto adverso e com as
incertezas sobre o rádio AM no Brasil, ela mantém-se como a única emissora AM de Quaraí,
mesmo com as dezenas de emissoras clandestinas no Uruguai e com as despesas que lhe são
outorgadas pelo estado que consomem quase todo o seu faturamento.
E o futuro? Foi no intento de oferecer dados que ajudem na reflexão sobre o futuro que
se colocou este estudo de caso. As pequenas emissoras de rádio do interior, e principalmente
as fronteiriças, são, como disse um dos nossos entrevistados, verdadeiros marcos das
fronteiras do Brasil com os países vizinhos. Não só pela sua atuação como representante do
Brasil na região, mas simplesmente pelo rádio AM continuar sendo o único a conseguir cobrir
praticamente 100% desse território.
Nem todas emissoras fronteiriças compartilham da mesma sorte que a Rádio Quaraí
AM tem na atualidade, que é a de subsistir. E é por isso que o conhecimento da realidade
dessas emissoras torna-se importante: para evitar que elas deixem de funcionar (como já
acontece em Artigas mesmo, com a saudosa Radio Frontera AM, de Basílio Borgato. Apesar
de ser no Uruguai, a emissora sofre com as mesmas dificuldades provenientes da sua condição
fronteiriça, como a Rádio Quaraí).
As transformações pelas quais o rádio brasileiro passará nos anos seguintes,
independente de quais forem, devem levar em conta as dificuldades e especificidades das
pequenas rádios do interior. A mudança não pode ser vertical, ou seja, simplesmente ser
determinada considerando-se a realidade das principais emissoras do país e se outorgar:
Rádios do Brasil: adaptem-se. Refletir sobre o modo como isso se dará é, antes de tudo, uma
questão de respeito para com essas emissoras que, dentre outras coisas, alcançam os lugares
74
mais remotos do país, guardando consigo histórias de um Brasil que nem se imagina que
exista.
Além disso, evitar que tais emissoras fechem as portas é também impedir que o nosso
recente sistema democrático seja ameaçado com a ampliação de grandes conglomerados
comunicacionais, de igrejas, ou ainda do abuso cometido por políticos que, antes de
legislarem a favor de um país melhor, aproveitam-se de brechas na legislação para explorar
indevidamente os serviços da radiodifusão.
Enquanto isso, a Rádio Quaraí AM, ZYK 282, operando na freqüência de 1540 kHz,
desde a República Federativa do Brasil, estado do Rio Grande do Sul, cidade de Quaraí,
fundada em 17 de março de 1957 por um sonhador, segue cumprindo o seu papel. Resta-nos
esperar que as suas condições de existência tornem-se menos ásperas no futuro. Até lá, a
emissora deve seguir o exemplo do personagem Blau Nunes da lenda: “Alma forte, coração
sereno”. Isso para evitar que a sua história se perca na vastidão dos pampas que ela tanto ama
representar.
75
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Dissertação (Mestrado em Ciências da Comunicação), Universidade do Valo do Rio dos Sinos, 2008.
79
ANEXOS
ANEXO A – Vista da cidade de Artigas e suas inúmeras antenas
Data da imagem: 15 ago. 2009
80
ANEXO A1 – Antena de rádio clandestina
Data da imagem: 15 ago. 2009
81
ANEXO A2 – Emissora clandestina não identificada
Data da imagem: 15 ago. 2009
82
ANEXO A3 – Emissora clandestina com inscrição no muro ao lado do seu estúdio
Data da imagem: 15 ago. 2009
83
ANEXO A4 – Emissora clandestina que se autodenomina comunitária
Data da imagem: 15 ago. 2009
84
ANEXO B – Pacheco Prates (ao fundo de traje branco) e Getúlio Vargas na inauguração da
Ponte Internacional Uruguaiana-Paso de los Libres
Fonte: Arquivo pessoal da família Custódio Gomes
85
ANEXO C – Transmissão de jogo de futebol com Basílio Borgato (segurando o microfone) e
Jorge Japur (à direita)
Fonte: Arquivos da Rádio Quaraí AM
86
ANEXO C1 – Programa A Cidade se Diverte
Fonte: Arquivos da Rádio Quaraí AM
87
ANEXO D - Cópia do script original do 8° capítulo da radionovela
“A Loura de Vermelho”
88
89
90
91
92
93
ANEXO D1 - Cópia do script original do 11° capítulo da radionovela
“A Canção da Vingança”
94
95
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97
98
99
100
101
ANEXO D2 - Cópia do script original do 12° capítulo da radionovela
“Os Mortos Não Falam”
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