Anais do III SILID/II SIMAR

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Anais Departamento de Artes & Design Departamento de Letras Decanato do CTCH - PUC Rio Realização Apoio Edições Entrelugar ISBN 978-85-87424-16-7

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Anais

Departamento de Artes & DesignDepartamento de Letras

Decanato doCTCH - PUC Rio

Realização Apoio

Edições EntrelugarISBN 978-85-87424-16-7

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Anais do III Simpósio sobre o Livro Didático de Língua Materna e Estrangeira

e do II Simpósio sobre Materiais e Recursos Didáticos

28, 29 e 30 de julho de 2010

Organização Barbara Jane Wilcox Hemais

Jackeline Lima Farbiarz

Local

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Realização

Departamento de Artes & Design – PUC-Rio Departamento de Letras – PUC-Rio

Apoio

Decanato do CTCH / PUC-Rio DeSSIn – Grupo de estudos Design na leitura

de Sujeitos e Suportes em Interação

Rio de Janeiro Edições Entrelugar

2013

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Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio

Reitor

Pe. Josafá Carlos de Siqueira, S.J.

Vice-Reitor para Assuntos Acadêmicos

Prof. José Ricardo Bergmann

Decanato do Centro de Teologia e Ciências Humanas

Prof. Paulo Fernando Carneiro de Andrade

Diretor do Departamento de Letras

Prof. Julio Diniz

Diretor do Departamento de Artes & Design

Profa. Luiza Novaes

Coordenadoras do Simpósio

Profª. Barbara Jane Wilcox Hemais

Profª. Jackeline Lima Farbiarz

Apoio

Decanato do CTCH / PUC-Rio

DeSSIn – Grupo de estudos Design na leitura de Sujeitos e Suportes em Interação

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Comissão Científica

Adriana Mesquita Rigueira Alexandre Farbiarz Ana Paula Marques Beato-Canato Barbara Jane Wilcox Hemais Barbara Jane Necyk Fátima Cristina Dória R. dos Santos Luiz Antonio Luzio Coelho Luiza Novaes Jackeline Lima Farbiarz Lucia Pacheco de Oliveira Maria Cristina Góes Monteiro Nathalia Sá Cavalcante Ricardo Artur Pereira de Carvalho Rita Maria de Souza Couto Rogério Tílio Romulo Miyazawa Matteoni Tânia Maria de Frota Mattos Mazillo Vera Lucia Carvalho Grade Selvatici

Comissão Organizadora

Adriana Mesquita Rigueira Alexandre Farbiarz Ana Paula Marques Beato-Canato Barbara Jane Necyk Beatriz de Castro Barreto Cristina Helena Evelyn T. Teixeira Daniela Marçal Guilherme de Almeida Xavier Luciana dos Santos Claro Luciana Salles de Bragança Moraes Mabel Costa de Castro Márcia Olivé Novellino Ricardo Artur Pereira de Carvalho Romulo Miyazawa Matteoni Tatiana Tabak Vera Lucia Carvalho Grade Selvatici Violeta de Santiago Dantas Barbosa Quental

Secretaria

Carolina Pinho Digerlaine Tenório Eliakin Carlos Oliveira Marques Fábio Rodrigo Lopes de Araújo Luis Anderson da Silva Pinho Telma Cortes Ribeiro

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Sumário

 

A competência comunicativa no livro didático de português língua

estrangeira ............................................................................. 6

Ana Angélica L. Gondim e Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin

A imagem do aluno através dos textos multimodais no livro de inglês ... 18

Adriana Batista de Souza

Análise de um livro didático de gramática de língua inglesa ................ 30

Mariana Daré Vargas e Mariana Killner

A presença e a função dos gêneros textuais em livros didáticos de

português como língua estrangeira ............................................... 42

Natália Moreira Tosatti

Autoria no livro didático de língua portuguesa: o papel do editor ......... 56

Adriana L. Sousa Teixeira

Design e formação de leitores na web 2.0 ...................................... 69

Ricardo Artur P. Carvalho, Bruna Spinola Saddy e Rafael Osório Barçante Pires

Os conhecimentos linguístico-gramaticais em coleções didáticas para o

ensino fundamental II ............................................................... 85

Daniela Manini

Panorama dos ambientes virtuais de aprendizagem no brasil: uma análise

da plataforma eureka ............................................................... 96

Raiane Nogueira Gama e Alexandre Farbiarz

Pesquisando (com) (no) o livro didático de língua estrangeira ........... 111

Renato Caixeta da Silva

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Polifonia e gêneros textuais em um livro didático de língua portuguesa

......................................................................................... 135

Rogério Tilio e Terezinha Fatima Martins Franco Brito

Projeto gráfico-editorial em livros didáticos de língua portuguesa:

influências e interferências no processo de ensino-aprendizagem ...... 151

Fabiana P. Marsaro

Proposta curricular do estado de são paulo para o ensino de língua

portuguesa: primeiras impressões .............................................. 167

Fernanda Félix Litron

Redes sociais e educação ......................................................... 179

Mariana de Souza Coutinho e Alexandre Farbiarz

Variação linguística e pluralidade cultural: como, por que e para quem

elaboramos propostas didáticas ................................................. 195

Ângela Marina Bravin dos Santos

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A competência comunicativa no livro didático de Português língua estrangeira

Communicative competence in Portuguese foreign language manuals

Ana Angélica L. Gondim, Graduada, Universidade Federal do Ceará, [email protected] Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin, Doutora, Universidade Federal do Ceará. [email protected]

Resumo

A presente comunicação mostra parte de uma pesquisa em desenvolvimento. Nossos objetivos são analisar livros didáticos de português língua estrangeira (a fim de investigar o grau de competência comunicativa, englobando as quatro capacidades necessárias em língua estrangeira), através de atividades de produção oral. Palavras-chave: competência, atividades orais, material didático

Abstract

It shows part of an ongoing research. Our objectives are to examine Portuguese foreign language manual (in order to investigate the degree of communicative competence, covering all four skills needed in a foreign language) through oral production activities. Keywords: competence, oral activities, courseware

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Algumas considerações iniciais a fazer sobre LD

As representações da língua portuguesa construídas pelo professor de

português língua materna e pelo professor de português língua estrangeira,

sobre a sua prática docente em sala de aula ou sobre os materiais didáticos

por eles utilizados, são bastante relevantes para o bom desempenho

profissional. Para tratar dessa questão, fazemos, neste artigo, um recorte que

contemplará o ensino de português língua estrangeira (doravante, PLE);em

particular, a proposta das atividades orais para a ampliação da competência

comunicativa dos aprendizes de PLE, em livros didáticos (doravante, LD) de

PLE. Para dar conta desta proposta, é preciso entender o espaço que tem o

LD no contexto da aquisição de PLE.

O LD faz parte do entorno precedente ao agir do professor; constitui o

conjunto de documentos que norteia a prática docente (BRONCKART, 2008)

no Brasil e, muitas vezes, é o único material didático disponível. Enquanto

componente do entorno precedente ao agir real do professor de PLE, o LD,

justamente, poderia possibilitar um espaço de realização das tomadas de

decisões políticas sobre o ensino-aprendizagem. Se assim fosse entendido, ele

representaria seu objetivo maior que é ampliar a competência comunicativa

dos aprendizes.

No entanto, em sala de aula, o que vimos ainda é o LD se tornar guia de

professores. Como tal, define o tipo de aula e também age (positivamente ou

não) na ampliação das competências comunicativas do falante. No LD, o seu

autor se representa como professor e autor de uma proposta de trabalho e

certamente se ancora numa determinada concepção de língua e de ensino e

aprendizagem. Uma observação que fazemos, neste momento, diz respeito

aos objetivos e metodologia de trabalho. Estudos (FILHA, 2010,

EVANGELISTA, 2008, PEIXOTO, 2007) entre outros, mostram que os objetivos

e a metodologia utilizada nos LDs, em práticas de leitura e de produção de

textos, não condizem com as orientações dos demais documentos

componentes do entorno precedente ao agir real do professor, tais quais a Lei

de Diretrizes e Bases, os Parâmetros Curriculares Nacionais, o Plano Nacional

do Livro Didático e demais documentos que orientam a educação nacional,

apesar de todos terem uma orientação maior oriunda do Ministério de

Educação. Ora, se o ensino de língua estrangeira tem como principal objetivo

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desenvolver competência comunicativa, o grande questionamento que ora

fazemos é como viabilizar tal objetivo, se o ensino não saiu do contexto da

gramática descontextualizada. Se tomarmos como referência o discurso do

autor do LD, ao apresentar a obra, facilmente entenderemos o descompasso

entre o dizer e o fazer do professor (LEURQUIN, 2001). Diante disso, é

bastante relevante o seguinte questionamento: Em que concepção de

competência eles estariam ancorados?

Competência linguística de Chomsky

Nos estudos de Chomsky (1965), três conceitos para nós são relevantes:

língua, competência e desempenho. O autor entende língua como um

conjunto de estruturas regido por regras. O conhecimento dessas regras,

normas, que estão internalizadas e que nos permitem emitir, receber e julgar

enunciados de nossa língua é a competência; e desempenho é uso real da

língua em situações concretas. Ao desempenho, está relacionado o contexto

de produção, elemento negativo para o funcionamento correto da língua pois

permite uma realização imperfeita dela. Ainda para o autor, o professor

deveria ter por objetivo fazer com que o usuário de uma língua viesse a

adquirir as regras que serviriam à utilização da estrutura linguística a fim de

alcançar determinado objetivo. Dessa maneira, a língua funcionaria como uma

expressão matemática, ou seja, com a utilização de determinados elementos,

o falante alcançaria o objetivo desejado.

Por se ater ao conhecimento gramatical, estrutural, o conceito de

competência proposto por Chomsky é também chamado de competência

lingüística. A esta competência está relacionada a concepção que o autor tem

de língua. Assim sendo, entendemos que em se tratando do ensino de

português língua estrangeira, nesta perspectiva, a dinâmica do ensino está em

movimento quando o professor consegue ensinar um conjunto de normas

internalizadas. Essa visão foi muito criticada, pois não apresentava, num

construto marcadamente dicotômico entre competência e desempenho, uma

preocupação com a função social da língua. Segundo Chomsky (1965):

A teoria lingüística tem, antes de qualquer coisa, como objeto um falante-

ouvinte ideal, situado numa comunidade lingüística completamente

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homogênea, que conhece a sua língua perfeitamente, e que, ao aplicar seu

conhecimento da língua numa performance efetiva, não é afetado por

condições gramaticalmente irrelevantes tais como limitações de memória,

distrações, desvios de atenção e de interesse, e erros (casuais ou

característicos).

Os estudos de Chomsky foram muito divulgados, mas também muito

criticados. Uma das maiores críticas se deu ao fato de o autor acreditar que

havia um falante – ouvinte ideal. Essa visão ainda é bastante difundida,

mesmo que não assumida, por muitos autores de LDs de línguas, o que

acarreta um agir docente voltado para o trabalho de desenvolvimento de

regras gramaticais. A noção de competência foi ampliada nos estudos de

Hymes em função da concepção que ele tinha de língua.

Competência comunicativa de Hymes

Hymes (1978) entende que a língua deve estar inserida em uma realidade

linguística, em que falante e ouvinte mantêm relações sócio-culturais e

estados emocionais e psicológicos diversos, aproximando-se da visão de

língua defendida por Saussure, para quem:

A língua existe na coletividade sob a forma duma soma de sinais

depositados em cada cérebro, mais ou menos como um dicionário cujos

exemplares, todos idênticos, fossem repartidos entre os indivíduos. Trata-se,

pois, de algo que está em cada um deles, embora seja comum a todos e

independe da vontade dos depositários (Saussure, 1970, p. 27).

Ao se posicionar dessa maneira, o autor mostra estar mais preocupado

com a construção do significado da língua, levando em conta o contexto de

produção, os participantes e o que eles identificavam como válido. Hymes

expandiu o conceito de competência de Chomsky para incluir fatores que

considerava inerentes à língua, como os que acabamos de citar. Este autor

entende que ter a capacidade de utilizar uma língua não deve se resumir a

entender regras gramaticais e estruturação de uma língua. Ele, propõe, então,

o termo competência comunicativa. Inclui a idéia de “capacidade de usar”,

unindo a dicotomia competência/desempenho de Chomsky, pois acreditava

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que a situação de uso seria de suma importância para o desenvolvimento da

comunicação efetiva.

Também Hymes (1979) adicionou a dimensão social ao conceito de

competência. Com o acréscimo da partícula “comunicativa” evidenciou estar

preocupado com o uso da língua. Para Hymes, não adianta que o sujeito

tenha somente conhecimentos léxicos, morfológicos, semânticos ou sintáticos

(como foi proposto por Chomsky). Para ele, é preciso que o indivíduo conheça

as regras e as utilize em situações reais na comunidade na qual está

inserido. O autor utilisa o termo ‘competência comunicativa’ para se referir

não apenas a conhecimento, mas também ao uso efetivo deste. A partir de

Hymes, e visivelmente inspirados por ele, vários autores buscaram conceituar

competência comunicativa, através de uma visão mais social da língua.

Trabalhando nesta visão, para este trabalho, consideramos as pesquisas de

Canale e Swain.

Competência comunicativa no modelo de Canale e Swain

Na releitura feita por Canale e Swain (1980), o conceito de competência

comunicativa diz respeito a conhecimentos e a habilidades:

(…) El conocimiento hace referencia (…) a lo que uno sabe (consciente o

inconscientemente) sobre el lenguaje y sobre otros aspectos del uso

comunicativo del lenguaje; la habilidad hace referencia a lo bien o mal que se

utiliza este conocimiento en la comunicación real (…) (Canale, 1997, p.65-66)

Estes autores oferecem um arcabouço teórico para a descrição dos

diferentes tipos de competência. O modelo desses autores, com a revisão

procedida por Canale (1983), representou um grande progresso, dominando a

área de avaliação de ensino/aprendizagem de L2/LE durante uma década.

Canale e Swain apresentam quatro tipos de competências que devem estar

interligadas para que a competência comunicativa possa ser desenvolvida de

forma eficiente, englobando:

1. Competência gramatical: Implica o domínio do código linguístico, a

habilidade de reconhecer as características linguísticas da língua e usá-las

para formar palavras e frases;

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2. Competência sociolinguística: Alude ao conhecimento das regras

sociais que norteiam o uso da língua, compreensão do contexto social no qual

a língua é usada.

3. Competência discursiva: Que diz respeito à conexão de uma série de

orações e frases com a finalidade de formar um todo significativo. Este

conhecimento tem de ser compartilhado pelo falante/escritor e ouvinte/leitor.

4. Competência estratégica: Deve ser usada para compensar qualquer

imperfeição no conhecimento das regras.

O objetivo desses dois autores, segundo Freire (1989), era o de

transformar o conceito de Hymes, de natureza essencialmente teórica, em

unidades pedagogicamente manipuláveis, que poderiam servir de base para

uma grade curricular e prática de sala de aula. A noção de desempenho

introduzida no conceito de Hymes através da expressão “capacidade para

usar” não aparece no modelo de competência comunicativa proposto por

Canale e Swain. A “capacidade para usar” de Hymes corresponde ao que

esses autores chamam de desempenho comunicativo, manifestado na

realização e interação das competências mencionadas em seu modelo, na

produção e compreensão dos enunciados.

Ao propor uma tipologia de competência, Canale e Swain não apenas

mostra que a noção de competência é muito complexa para defini-la de

formam global, como também reconhece que a concepção de língua implica

não apenas a gramática dela mas também a situação de produção, não apena

a palavra, a frase, mas o discurso.

Como vimos, os autores (re) constroem uma visão de língua de acordo

com o olhar que lança a este objeto de estudo, na ótica teórica e

metodológica construída à luz de seus objetivos quanto ao ensino de língua.

É, portanto, fundamental que o professor, ao optar por um LD, compreenda

isso e veja se seus interesses na sala de aula são compatíveis com os

interesses do autor do DL. Ao selecionar o material didático, ele também está

selecionando uma visão de língua (cultura e falares de um povo), ensino e

aprendizagem de língua.

Adotar o conceito de competência linguística ou o conceito de

competência comunicativa, aqui expostos, tem consequências bastante sérias

para o ensino de línguas estrangeiras pois se a concepção de competência

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linguística estiver subjacente ao agir docente, o professor se preocupará

apenas em fazer com que os estudantes aprendam as formas gramaticais da

língua, por exemplo.

O LD deverá apresentar atividades que contribuam para que os

estudantes desenvolverem sua competência comunicativa (aqui adotada com

a subdivisão proposta por Canale e Swain, englobando os fins didáticos:

gramatical, discursiva, sociolingüística e estratégica). Os autores de LDs vão

se preocupar com a inclusão de atividades que contribuam com a ampliação

destas competências relacionadas as quatro habilidades dos estudantes

(produção e compreensão escrita e produção e compreensão oral).

Da teoria às práticas, como entender os dados?

A partir das concepções de competência que apresentamos, consideraremos a

concepção de competência lingüística proposta por Chomsky (1965) e

contrapô-la-emos com a visão de competência comunicativa defendida por

Hymes (1978/1079) e com as modificações do modelo de Canale e Swain

(1980). É com este olhar que iremos analisar os LDs de PLE por nós

selecionados. Com isso, pretendemos identificar que tipos de competência

estes LDs buscam desenvolver nos alunos, já que se dizem trabalhar na

perspectiva comunicativa.

O corpus é composto pelos livros Tudo Bem? (2008), Estação Brasil

(2005) e Sempre amigos (2000). A opção por eles se deu, sobretudo, porque

os autores apresentam como principal objetivo desenvolver competências

comunicativas. Como vamos trabalhar materiais que adotam o método

comunicativo, buscaremos apresentar, de forma sucinta, como é o trabalho de

ensino/aprendizagem dentro dessa concepção de ensino.

O método comunicativo tem foco no sentido, no significado e na

interação proposta aos sujeitos em LE. O LD que trabalha nessa perspectiva

de ensino organiza as experiências de aprender em termos de atividades

relevantes para os alunos para que estas possam capacitá-los a utilizar a

língua-alvo em situações reais. Além disso, este método caracteriza-se pela

ênfase dada à produção de enunciados significativos em LE, deixando o

estudo das estruturas gramaticais em segundo plano, ou seja, o professor e

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os materiais utilizados procuram incentivar o aluno a pensar e interagir na

língua-alvo, abrindo espaços para que ele aprenda e sistematize

inconscientemente aspectos funcionais da nova língua.

Os materiais didáticos de orientação comunicativa devem incentivar o

aluno a expressar aquilo que ele deseja ou aquilo de que ele precisa, através

de técnicas interativas com trabalhos em pares ou pequenos grupos. Para que

o LD seja considerado comunicativo, é necessário propiciar experiências de

aprender com conteúdos de significação e relevância para a prática e uso da

nova língua, conteúdos que o aluno reconheça como experiências válidas a

sua formação e crescimento intelectual,

Constatamos que a unidade intitulada “A família”, do O LD Tudo Bem,

apresenta doze atividades, sendo seis de produção e/ou compreensão orais.

Observamos que o foco é na competência gramatical ou linguística. O Estação

Brasil apresenta a unidade 2 “Cidadania e cotidiano”, trazendo treze

atividades, sendo quatro de produção e/ou compreensão orais. No entanto,

ficou evidente que a competência lingüística, diferentemente do método

anterior, não tem prioridade. As atividades focalizam o tema tratado nos

textos, em diálogos. E, por fim, o livro Sempre amigos, que é subdividido em

módulos, traz o módulo 2 com o título “Organizando as idéias” com onze

atividades, sendo seis de produção e/ou compreensão orais, que tratam

prioritariamente do desenvolvimento da competência linguística ou gramatical.

Considerações finais

Ao considerar a análise feita dos materiais didáticos mais utilizados em cursos

de português língua estrangeira, com base nos estudiosos antes citados,

constatamos que (1) não foi possível perceber uma abordagem que integre

todas as competências que devem constituir a competência comunicativa (2);

o que mais se aproximou desse tratamento que deve ser dado ao ensino de

competências foi o Estação Brasil; (3) as competências discursivas e

sociolingüística não estão presentes em quase nenhuma das atividades

propostas; (4) As competências propostas no modelo de Canale e Swain não

são trabalhadas de forma homogênea, havendo preferência por uma

(gramatical) em detrimento das outras, o que contribui para uma formação

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incompleta do usuário da língua; (5) As atividades que, mesmo de forma

indireta, trabalham as quatro subcompetências, pecam com relação ao

desenvolvimento da competência sociolinguística, pois o contexto social de

produção de linguagem é a sala de aula. Tal procedimento faz distanciar os

livros didáticos do objetivo maior do autor que é desenvolver competências

comunicativas.

É importante considerar que para se desenvolver competência

comunicativa, é necessário entender a própria constituição dela. Por essa

razão é tão relevante um trabalho integrado da competência gramatical às

outras competências (como a apresentado pelo Estação Brasil). Acreditamos

que a aquisição das regras gramaticais possa ser feita de forma mais natural,

partindo do uso, da função de determinada estrutura com determinado fim, e

não o contrário como nos foi observável “da prescrição ao uso”. Esse modo de

trabalhar a competência deve ser revisto, pois sabemos que nem em língua

materna essa forma de se ensinar é a que mais traz resultados positivos.

Baseadas nisso, é possível acreditar que também não será em língua

estrangeira que este será o melhor caminho para se ensinar e aprender regras

que regem a estrutura lingüística. O ensino da competência gramatical

aconteça a partir do uso comunicativo da língua, e reflexivo, buscando

entender a utilização de determinada estrutura lingüística.

Quanto ao trabalho com a competência estratégica, acreditamos que os

autores de LDs de língua estrangeira podem buscar investir no sentido de

saber (através de pesquisas relacionadas ao contexto de aprendizado no

campo da Linguística Aplicada) quais seriam as maiores dificuldades dos

alunos e estimular a utilização da competência estratégica através de

atividades orais.

Enfim, o LD não é um tema novo, apesar de apresentar tantas

inquietudes. Tratando do uso do livro didático em sala de aula, Ur (1995)

apresenta desvantagens que a utilização de um livro didático pode acarretar

ao trabalho do professor. Também questionando esse material didático, a fim

de entender o seu espaço nas discussões sobre ensino de línguas, Bronckart

(2008) põe o livro didático como componente de um entorno precedente ao

agir do professor. Ancoradas nos dois autores, buscamos ligar os pontos de

convergência para, a partir daí, desenvolvermos uma reflexão sobre o agir

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real do profissional e buscarmos identificar as falhas existentes nestes LDs (e

em outros que apresentam um trabalho similar ao destes) e propor uma

reflexão referente ao tratamento dado ao desenvolvimento das competências

no momento da produção dos LDs de língua estrangeira, nesse caso, de PLE.

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A imagem do aluno através dos textos multimodais no livro de inglês

The representation of the student in the multimodal texts in english coursebooks

Adriana Batista de Souza

Resumo

O objetivo deste trabalho é apresentar uma análise crítica das imagens de aluno projetadas em um livro de inglês nacional e outro importado através da análise da representação multimodal dos atores sociais. Para este estudo, serão considerados somente textos multimodais presentes em atividades de leitura porque elas costumam dispor de mais espaço para trabalhar questões culturais. A pesquisa será desenvolvida com base na teoria da multimodalidade de Kress e van Leeuwen (2001/2006) que, por sua vez, baseia-se na gramática sistêmico-funcional de Halliday (1985). Ancoradas nas relações de interação entre os participantes, isto é, na metafunção interpessoal de Halliday, as análises apontam, no livro nacional, para a imagem de um leitor detentor de conhecimentos prévios sobre o assunto que é tratado na atividade analisada, talvez por ser este um material nacional dirigido a alunos brasileiros; em contrapartida, as análises no livro importado apontam para um leitor distante dos participantes representados, demonstrando ser a cultura estrangeira alheia à do leitor. Palavras-chave: linguagem verbal, linguagem visual, multimodalidade.

Abstract

This paper aims at presenting a critical analysis of the image of the student in a nationally produced course book as well as in a foreign course book through the analysis of the multimodal representation of the social actors. Only multimodal texts present in reading activities are considered because they usually leave more space for cultural-related aspects. The study is based on the theory of multimodality (Kress and van Leeuwen, 2001/2006), which in turn is based on Halliday´s (1985) functional grammar. With respect to the interaction relations among the participants, that is, on Halliday´s interpersonal metafunction, the analyses in the national book point to a type of reader who has previous knowledge of the subject dealt with in the activity; on the other hand, the analyses in the foreign book point to a reader who is distant from the represented participants. Keywords: verbal language, visual language, multimodality.

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Introdução

Compreender e produzir textos multimodais na sociedade atualmente tem se

tornado cada vez mais uma necessidade para que haja o sucesso na

comunicação. Falar gesticulando e escrever desenhando, por exemplo, são

práticas costumeiras hoje em dia. Essa interação entre os diversos modos

semióticos (palavras, gestos, sons, imagens, etc.) exige que os sujeitos sejam

capazes de interpretar e produzir não só uma ou outra semiose, mas o

conjunto como uma unidade que produz significado. A linguagem visual

merece atenção especial, tendo em vista seu papel central em alguns

contextos discursivos. A cultura visual, no entanto, mesmo nesses contextos

em que ela tem predominado, não exclui a verbal, fortemente enraizada na

nossa sociedade. Ao contrário, elas interagem e demandam,

consequentemente, uma capacidade de comunicação multimodal, na qual os

sentidos são construídos a partir dessa interação.

Tendo em vista minha atuação como professora de inglês como língua

estrangeira em cursos livres de idiomas, comecei a observar a questão da

multimodalidade nos livros com os quais trabalho. É visível a crescente

invasão de imagens em meio aos textos verbais. Comecei a perceber, então,

não só a importância da comunicação multimodal na sala de aula de língua

estrangeira como também a necessidade de exploração do fenômeno nesse

contexto, de forma a capacitar professores a analisarem mais criticamente as

imagens (isoladas e/ou combinadas com as palavras) e, consequentemente, a

desenvolverem o pensar crítico dos alunos.

Visando à promoção de uma maior valorização do visual no contexto de

ensino de língua estrangeira como instrumento para a ampliação de formas de

apreensão do mundo, decidi analisar a multimodalidade em livros didáticos

para ensino de inglês como língua estrangeira adotados em cursos de

idiomas. Ao observar meu próprio material de trabalho, comecei a me

questionar sobre a questão da descrição do público-alvo no manual do

professor e sua correspondência com a imagem do aluno que é construída no

livro didático através de suas próprias atividades. A partir disso, levantei meu

primeiro questionamento, que será a base desta investigação: como o livro

constrói (a imagem do) seu leitor, o aluno, através dos seus textos

Page 21: Anais do III SILID/II SIMAR

20

multimodais? Decidi, então, analisar dois livros didáticos e realizar uma análise

contrastiva levando em conta um livro nacional e outro importado.

Metodologia de pesquisa

Esta pesquisa representa apenas uma amostra de um trabalho que está em

desenvolvimento sobre a representação dos atores sociais no livro didático de

inglês como língua estrangeira. Este piloto servirá de base para aprimorar e

refinar as categorias aplicadas durante as análises posteriores.

De forma a delimitar o corpus desta pesquisa, selecionei apenas os

textos multimodais presentes em atividades de leitura, já que elas costumam

dispor de mais espaço para abordar questões culturais, fundamental para este

estudo que se propõe a realizar uma análise contrastiva entre livro nacional e

importado. Em seguida, foi feito um recorte temático, com a seleção das

atividades com tema em comum em ambos os livros. Por fim, selecionei

aleatoriamente os dois textos (um de cada livro) para compor a amostra deste

trabalho, que se limita a apresentar uma análise crítica da representação dos

atores sociais no corpus selecionado para se chegar às imagens de aluno

projetadas. Futuramente, em outra investigação, pretendo verificar se tais

imagens de aluno projetadas de fato refletem a descrição do público-alvo no

manual do professor.

Na próxima seção, apresento brevemente o quadro teórico que embasa

esta pesquisa, seguido das análises dos dois textos selecionados para este fim

e, por fim, apresento as considerações finais a respeito dos resultados

obtidos.

Suporte teórico

As análises foram realizadas com base na teoria da multimodalidade de Kress

e van Leeuwen (1996). Os autores afirmam que “os aspectos da materialidade

e todos os modos empregados em um texto multimodal contribuem para o

significado” (Kress & van Leeuwen, 2001, p. 28). Tal teoria, por sua vez,

baseia-se na gramática sistêmico-funcional de Halliday (1985), que descreve

três metafunções essenciais da linguagem: a ideacional — que serve à

representação da realidade —, a interpessoal — que serve à interação entre

Page 22: Anais do III SILID/II SIMAR

21

os participantes —, e a textual — que serve como instrumental às outras

duas, estruturando os significados ideacionais e interpessoais de forma coesa

e coerente, dando à oração seu caráter de mensagem. Essas metafunções da

linguagem foram apropriadas por Kress e van Leeuwen para a análise das

imagens, o que resultou na sua gramática visual. Com relação à metafunção

ideacional, Kress e van Leeuwen (1996) consideram que há representações

visuais narrativas e conceituais, sendo a primeira referente a processos de

mudança e a segunda referente à representação mais ou menos estável dos

participantes. Quanto à metafunção interpessoal, que é o foco, porém não o

único, deste trabalho, os autores consideram, para a análise de imagens, os

ângulos vertical e horizontal como formas de representação de poder

estabelecido entre participante representado e participante interativo, o leitor;

os ângulos frontal e oblíquos como formas de representação da interação

entre os participantes; e, por fim, o corte da foto em close, medium ou long

shot, representando a distância social entre os participantes. No que concerne

à metafunção textual na análise de textos multimodais, Kress e van Leeuwen

apresentam as categorias relacionadas ao valor da informação dependendo da

composição do texto: esquerda/direita, correspondem, respectivamente à

informação ‘dada’ e à informação ‘nova’, e superior/inferior correspondem,

respectivamente ao ‘ideal’ e ao ‘real’. Para compor o quadro teórico utilizado

para a realização deste trabalho, vale mencionar ainda as categorias de van

Leeuwen para analisar a representação visual dos atores sociais (2008),

baseada no seu quadro sobre a representação (textual) dos atores sociais

(1997). A análise da representação visual dos atores sociais neste trabalho

será baseada nas categorias referentes a duas das metafunções de Halliday:

ideacional, segundo figura 1 abaixo, e interpessoal, segundo figura 2, em

seguida.

Page 23: Anais do III SILID/II SIMAR

22

FIGURA 1 – Representação visual de atores sociais (Visual Social Actor Network)

Perto (close shot)

Distância

Longe (long shot)

Envolvimento

Envolvimento

Representação Relação Distanciamento

Observador tem poder

Poder Igualdade de poder

Representação tem poder

Olhar direto/frontal

Interação Olhar indireto/oblíquo

FIGURA 2 – Representação e Observador (Representation and viewer Network)

Page 24: Anais do III SILID/II SIMAR

23

As análises da representação visual dos atores sociais serão baseadas

mais especificamente, com relação à metafunção ideacional, na categoria de

Inclusão — Envolvimento em ação e Genericidade/Especificidade; com relação

à metafunção interpessoal, abordarei as categorias referentes à Distância

social, Relação social e Interação social. As análises da composição das

atividades serão baseadas nas categorias de valor informacional ligadas à

metafunção textual na teoria da multimodalidade. Todas essas categorias

serão descritas com mais detalhes ao longo das análises na próxima seção.

Análises

Como já mencionado anteriormente, apenas dois textos multimodais foram

selecionados para a realização deste trabalho: um pertencente ao livro

nacional e outro ao livro importado. Eles foram selecionados aleatoriamente

após o recorte temático com a condição de estarem inseridos em uma

atividade de leitura pelo motivo também já apresentado anteriormente.

Abaixo segue o texto retirado de um livro produzido e utilizado no Brasil para

ensino de inglês como língua estrangeira.

Page 25: Anais do III SILID/II SIMAR

24

Primeiramente será analisada a organização composicional desse texto

multimodal. Segundo Kress e van Leeuwen, no plano horizontal, os elementos

à esquerda estão em posição de ‘dado’ e os elementos à direita estão em

posição de ‘novo’. Sendo assim, a imagem maior seguida da palavra BRAZIL,

posicionadas à esquerda, são a informação dada no texto. A imagem é a

representação de uma pessoa supostamente conhecida representando o

Brasil. Ao ler o título e olhar para a imagem, percebe-se que o ator

representado é um brasileiro típico. A representação desse brasileiro típico

limita-se a: homem, branco, louro, olhos azuis, o que exclui qualquer outra

representação possível de brasileiro. Já as imagens menores, seguidas do

texto verbal mais extenso, posicionadas à direita, são a informação nova: os

estereótipos do brasileiro típico, representados através do texto e das

imagens de forma também restrita, conforme análise posterior.

Ainda seguindo conceitos de Kress e van Leeuwen, mas agora no plano

vertical, temos o ‘ideal’ na parte superior e o ‘real’ na parte inferior. O ‘ideal’

(representado pelo título, que é uma pergunta, e três imagens, as possíveis

repostas) é a contextualização do assunto. O texto (que apresenta

questionamentos sobre possíveis estereótipos do brasileiro e identifica, logo

em seguida, o brasileiro que fornecerá as respostas, o dono da verdade,

possivelmente representado na imagem à esquerda) representa o ‘real’, a

aplicação daquilo que foi exposto acima.

O brasileiro típico representado na imagem é branco e tem cabelo e

olhos claros Segundo categorias de van Leeuwen para a análise da

representação visual de atores sociais, essa é uma Generalização por

Categorização Biológica, em que ocorre naturalização do estereótipo. Não há

esse tipo de representação no texto verbal, mas há Generalização por

Categorização Cultural tanto no texto como nas imagens. Visualmente, ele

está envolvido (como agente, de forma indireta) em ações que incluem

televisão, churrasco e samba/Carnaval. Isso se repete no texto, que, além

dessas, inclui outras ações: assistir e jogar futebol, tomar café, comer feijoada

e ir à praia. Nesse caso ocorre Ativação. O ator representado participa em

papéis ativos, basicamente como Ator de Processos Materiais. Os estereótipos

já convencionados do brasileiro são questionados no texto através de

Page 26: Anais do III SILID/II SIMAR

25

interrogativas que serão respondidas por um “ator brasileiro famoso” (famous

Brazilian actor), o “dono da verdade”, quem tem as respostas, o poder.

Esse Ator só aparece no final do texto nomeado semi-formalmente

(nome e sobrenome) e categorizado for Funcionalização e Valoração, o que dá

credibilidade (junto a “check this out”) ao fato de que se ele é Ator dos

processos identificados, eles representam ações típicas do brasileiro em geral.

Há Exclusão visual de outros tipos de pessoas que fazem parte desse grupo

(forma simbólica de exclusão social).

Apesar de o Ator representado parecer ter o poder por deter as

respostas aos questionamentos, uma análise mais minuciosa da relação entre

participante retratado e participante interativo indica o contrário. Segundo

categorias de Kress e van Leeuwen, em termos de Distância Social, o

participante retratado está muito próximo do observador (close shot — só de

rosto). Além disso, no que concerne à Relação Social, devido ao seu ângulo

frontal na linha horizontal, ele está totalmente envolvido com o observador e

está em igualdade de poder com ele devido ao ângulo frontal na linha vertical.

O contato visual direto entre participante representado e interativo no plano

da Interação Social, indica olhar de demanda. O ator representado demanda

interação por parte de seu observador. Todas essas categorias confirmam a

proximidade entre os participantes, o que valida o posicionamento da imagem

à esquerda, em posição de informação dada, que o observador já conhece.

Segue abaixo o texto multimodal (com o mesmo tema do anterior —

estereótipos, mas neste caso relacionados aos britânicos) retirado do livro

importado.

Page 27: Anais do III SILID/II SIMAR

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Dada a organização do texto acima, no que concerne à metafunção

textual, mais especificamente à organização composicional desse texto

multimodal, só se pode realizar uma análise no plano vertical. A parte superior

(‘ideal’) destina-se à representação de um homem negro representando o

britânico típico e pequenas imagens de atividades consideradas tipicamente

britânicas. A princípio pede-se que o aluno identifique as atividades

tipicamente britânicas conforme seu conhecimento de mundo. No entanto,

essas representações são questionadas logo em seguida e tal questionamento

é respondido por pessoas de várias nacionalidades que estão no país,

representadas textualmente na parte inferior do texto (‘real’). Esses Atores

representados textualmente são nomeados informalmente (somente o

primeiro nome é utilizado) e são categorizados por Funcionalização, ou seja,

pelas funções ou cargos que desempenham.

Ocorre naturalização do estereótipo do britânico típico: ele é negro, ou

seja, categorizado biologicamente. O texto verbal, ao contrário, o britânico

típico descrito pelas quatro pessoas representadas textualmente é

categorizado culturalmente, bem como nas pequenas imagens. Assim como

no livro nacional, o Ator representado visualmente está envolvido

indiretamente (ele é Agente, de forma indireta) em ações que incluem comer

pizza, tomar capuccino e etc; e diretamente na ação de ler jornal. Podemos

dizer que ocorre, então, Ativação. O ator representado participa em papéis

ativos, basicamente como Ator de Processos Materiais, assim como no livro

nacional. Diferentemente do livro nacional, o importado não apresenta o Ator

representado visualmente como o “dono da verdade”. Somos colocados em

posição igualitária de poder ao verificar com pessoas como nós, estrangeiros à

cultura britânica, o que pode de fato representar o estereótipo do britânico.

Confirma-se a igualdade de poder entre participante representado e interativo

ao analisar as relações interpessoais evidenciadas. Em termos de Distância

Social, o participante retratado está muito próximo do observador (close shot

— só de rosto). Além disso, no que concerne à Relação Social, devido ao seu

ângulo frontal na linha horizontal, ele está totalmente envolvido com o

observador; não se pode, porém, analisar tais relações na linha vertical, já

que o Ator está visualmente envolvido em uma ação e não interage com o

leitor, não há contato visual.

Page 28: Anais do III SILID/II SIMAR

27

Conclusão

As análises apontam, no livro nacional, para a imagem de um leitor detentor

de conhecimentos prévios sobre o assunto que é tratado na atividade

analisada, talvez por ser este um material nacional dirigido a alunos

brasileiros; em contrapartida, as análises no livro importado apontam para um

leitor distante dos participantes representados, demonstrando ser a cultura

estrangeira alheia à do leitor.

Diferentemente do livro nacional, que apresenta um questionamento

sobre o que vem a ser um brasileiro típico em posição de informação ideal e

em seguida, em posição de informação real, oferece a imagem de um homem

louro, de olhos claros e supostamemte conhecido como uma possível resposta

à pergunta anterior, o livro importado traz as possibilidades primeiro e, em

seguida, questiona se aquilo que foi representado é de fato tipicamente

britânico. O livro importado mostra-se, através dessa amostra, engajado na

questão do multiculturalismo ao trazer pessoas de diversas nacionalidades,

que interagem com os britânicos em diversas situações discursivas, para

descrever comportamentos culturais observados e, assim, confirmar ou não as

visões estereotipadas do britânico propostas anteriormente pelas pequenas

imagens.

Através da análise apresentada é possível tirar algumas conclusões

preliminares sobre a construção da imagem do leitor desses textos, o aluno.

Quanto ao livro nacional, pressupõe-se que ele conhece Kiko Mascarenhas, já

que sua representação ocorre em posição de informação dada e só há

identificação desse ator nas últimas linhas to texto. O total envolvimento e

proximidade entre os participantes contribuem para essa conclusão. Ao

contrário, a representação visual do britâncio típico não denota conhecimento

compartilhado. Vale considerar ainda a ausência de identificação desse Ator.

O aluno não se identifica como sendo tipicamente brasileiro se for biológica

e/ou culturalmente diferente daquilo que é representado no livro nacional. O

texto constrói a imagem de um leitor que conhece o assunto que está sendo

tratado, é capaz de discuti-lo, mas depende das confirmações de uma pessoa

que eles supostamente conhecem, já que é ator, famoso e, principalmente,

brasileiro, representado como um brasileiro típico. Já no livro importado,

apesar de a ausência de contato visual com o Ator representado não

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28

favorecer a conclusão de proximidade com o leitor, busca-se, em seguida,

essa proximidade ao trazer pessoas de diferentes nacionalidades, inclusive

brasileira, para confirmar as visões estereotipadas propostas anteriormente.

Esta pesquisa visa a contribuir para a formação de professores mais

críticos, que sejam capazes de compreender os textos multimodais ao seu

redor e os que lhes são impostos no livro didático, a fim de formarem alunos

de língua estrangeira mais críticos também. A linguagem é um instrumento de

cultura, é através dela que vemos o mundo. Assim, a linguagem visual vem se

agregar à verbal ampliando essas possibilidades de visão de mundo.

Referências

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Page 30: Anais do III SILID/II SIMAR

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Page 31: Anais do III SILID/II SIMAR

Análise de um livro didático de gramática de língua inglesa

Analysis of a book of teaching of english grammar

Mariana Daré Vargas, Mestranda UEL [email protected] Mariana Killner, Especialista UEL [email protected]

Resumo

O Interacionismo sócio-discursivo (ISD) propõe uma perspectiva interacionista social de linguagem, em que as ações de linguagem se desenvolvem em práticas sociais. O objetivo deste trabalho é analisar um livro didático de gramática de língua inglesa com base nos pressupostos teóricos do ISD e critérios para avaliação de materiais didáticos. Palavras-chave: Livro didático. Interacionismo sóciodiscursivo. Língua estrangeira. Critérios de avaliação para livro didático

Abstract

The socio-discursive interactionism offers a social interactionist perspective of language, in which the actions of language develop in social practices. The aim of this study is to analyze a textbook of English grammar based on the theoretical underpinnings of the ISD and criteria for evaluation of teaching materials. Key words: Language coursebook. Socio-discursive interactionism. Coursebook evaluation criteria.

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Introdução

O livro didático é um dos gêneros discursivos mais presentes no ensino, tanto

de língua materna (doravante LM), quanto de língua estrangeira (doravante

LE). Trata-se de um lugar onde circulam ideologias e representações sociais e

culturais da língua ensinada, interferindo, de modo significativo, no processo

de ensino e aprendizagem e na construção de identidades do aluno (TÍLIO,

2008, p. 117).

Portanto, refletir e compreender as relações por ele estabelecidas é

fundamental para que não se torne um limitador do trabalho do professor,

mas um facilitador e instrumento, tanto por parte do professor quanto do

aluno, de análises, reflexões e críticas (TÍLIO, 2008, p. 122).

Nesta exposição, analisamos um livro didático de gramática de língua

inglesa (doravante LI), com base nos pressupostos teóricos do Interacionismo

Sóciodiscursivo (doravante ISD) e em critérios para avaliação e seleção de

materiais didáticos, elaborados em uma disciplina de um programa de Pós-

graduação em Estudos da Linguagem.

Referencial teórico

Para a consecução desse trabalho, pautamo-nos em princípios e concepções

teóricos de alguns estudiosos da área de ensino-aprendizagem de LE, do ISD,

bem como de documentos oficiais do Ministério da Educação e do ensino

superior.

A idealização da planilha de análise do livro didático, inicialmente, teve

como base os princípios norteadores apresentados por Tomlinson (2003) para

fazer a análise de um material didático e os possíveis critérios de uma planilha

que devem ser seguidos. Para o estudioso, a análise difere da avaliação por

ser mais objetiva e não focar o usuário.

Em Cristovão (2009a), foram apresentadas as perspectivas dos ISD que

nos auxiliaram a elaborar os critérios de análise com relação à progressão de

conteúdos, seleção de gêneros e de textos, e syllabus. O ISD propõe que o

ensino deve se pautar no trabalho com gêneros na escola, pois possibilita ao

aluno ter condições de construir conhecimentos linguístico-discursivos para as

práticas de linguagem não só na sala de aula, mas em todas as esferas

Page 33: Anais do III SILID/II SIMAR

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sociais. Os conteúdos não devem ser trabalhos de forma linear, do mais fácil

para o mais difícil, senão que de forma espiral: do complexo para o simples,

de modo que o aluno, nesse processo, aprimore e transforme o que já

domina, agregando novos conhecimentos (CRISTOVÃO, 2009b).

As leitura do trabalho de Tílio (2008) e de Moita Lopes (2005) nos

deram bases para a elaboração dos critérios relacionados às atividades,

público-alvo, identidades e usos da língua. As atividades devem ir além do

convencional certo/errado, propondo ao aprendiz capacidade de abstração e

raciocínio. O livro didático deve cuidar para levar em consideração a cultura

de seu aprendiz sem, entretanto, abordá-la por meio de estereótipos ou

tratando-a de forma homogeneizante. Igualmente, deve haver uma

preocupação para não ser um instrumento de perpetuação de valores da

sociedade da língua ensinada. Moita Lopes (2005, p. 60) propõe que haja

práticas multiculturais nos materiais didáticos de LE, pois é

Um dos temas da vida contemporânea e que precisa ser trazido para a sala

de aula, notadamente, nas de línguas uma vez que as práticas culturais são

construídas no discurso ou nos significados por meio dos quais operamos na

vida social. (MOITA LOPES, 2005, p. 60)

Tílio (2007) abordou as categorias de tópicos identificadas em livros

didáticos de inglês como LE e os classificou em oito grupos, de acordo com

suas funções nas representações de mundo criadas pelos livros, a saber: a)

tópicos includentes e tópicos excludentes; b) tópicos tradicionais e tópicos

pós-modernos; c) tópicos globalizados e tópicos localizados; d) tópicos

descontextualizados e tópicos contextualizados; e) tópicos etnocentristas e

tópicos multiculturais; f) tópicos estereotipadores e tópicos diferenciadores; g)

tópicos conscientizadores e tópicos alienantes; h) tópicos legitimadores de

identidades e tópicos que permitem a construção de identidades de projeto.

Com base nessa classificação, elaboramos os critérios de análise concernentes

à seleção de tópicos.

Os apontamentos de Teixeira (2007) sobre a multimodalidade em um

livro didático, isto é, “textos que apresentam duas ou mais modalidades

semióticas em sua composição” (TEIXEIRA, 2007, p. 2) nos deram respaldo

para os critérios de análise das composições visuais presentes no livro.

Page 34: Anais do III SILID/II SIMAR

33

As análises de Mott-Fernandez e Cristovão (2009) sobre o Manual do

Professor de uma coleção de livros didáticos de inglês como LE norteou-nos a

respeito dos pontos a serem analisados nesse gênero textual. Desse modo,

buscamos verificar se o professor é colocado como mero reprodutor na

execução de sua tarefa de ensinar (MOTT-FERNANDEZ & CRISTOVÃO, 2009,

p. 1) ou se lhe dá espaço para conduzir o processo de ensino e aprendizagem,

contribuindo para sua formação profissional.

A leitura das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de

Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura de

graduação plena, de 2002; do Projeto Político Pedagógico de um curso de

Letras Estrangeiras Modernas – Inglês de uma universidade do norte do

Paraná, e da ficha de avaliação Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)

de 2008 para livros didáticos de língua portuguesa auxiliou-nos na elaboração

dos critérios relacionados aos objetivos do livro.

Metodologia

O interesse pela análise do livro didático em questão surgiu a partir de

discussões de textos de renomados autores ao longo do semestre na

disciplina “Materiais didáticos, gêneros textuais e ensino de língua

estrangeira”, ministrada pela Profa. Dra. Vera L. L. Cristovão e ofertada pelo

Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem (PPGEL), da

Universidade Estadual de Londrina (UEL).

A análise foi guiada por uma planilha feita pelas alunas da disciplina a

partir do estudo das teorias sobre a avaliação e adoção de Livros Didáticos, e

os critérios foram pensados a partir da leitura do texto de Ramos (2009), que

também propõe os critérios que julga importantes na adoção de livros

didáticos e os compara com as teorias regidas pelos Parâmetros Curriculares

Nacionais (PCN`s).

Os critérios foram divididos em dezessete tópicos, a saber: a)

identificação do material, ou seja, o nome, ano, edição etc.; b) público alvo;

c) concepção de linguagem e ensino/aprendizagem subjacente; d) objetivos;

e) uso enquanto produto; f) recursos disponíveis e necessários; g) syllabus; h)

progressão de conteúdos; i) seleção de gêneros e textos; j) variedade de

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atividades; k) flexibilidade; l) usos da língua; m) manual do professor; n)

imagens; o) identidade “legitimadora”; p) seleção de tópicos, e q) princípios

norteadores.

Desses, abordaremos no presente trabalho apenas nove deles, já que,

nas discussões ao longo do semestre, dividimos os critérios e, ademais, um

trabalho que aborda a análise dos critérios supracitados demandaria muito

tempo.

Todas as perguntas referentes a estes tópicos foram avaliadas de

acordo com uma escala de 1 a 5, seguindo características que o livro didático

contempla ou não.

A planilha elaborada passou pela discussão e revisão de colegas de

disciplina e contou com a experiência e respaldo da professora da disciplina,

além do estudo da literatura que nos possibilitou ter subsídios para embasar

nossa pesquisa.

Análise do livro didático

A análise proposta a seguir foi feita a partir de uma leitura crítica do livro

didático “Grammar Expert Basic”, da Series Editors: Sarah Bideleux e Gill

Mackie (Thomson Heinle).

Quanto ao primeiro item analisado, o “Público-alvo”, percebe-se que o

livro não contempla uma única faixa etária, visto que pode ser estudado por

adolescentes, jovens e adultos. Pode-se perceber também que o livro

contempla a classe social privilegiada, jovem ou adulta, visto que é uma

gramática que aborda um humor ligado ao “business english”. Questões

problematizadoras, como, o desemprego, a pobreza e outros problemas

sociais ligados à globalização, não são abordadas. Ao contrário, há, por

exemplo, fotos de pessoas aparentemente bem-sucedidas esquiando, lugares

turísticos distantes da maioria da população e jogos elitistas como o xadrez.

No que diz respeito à “Concepção de linguagem e

ensino/aprendizagem”, nota-se que os autores não explicitam qual foi a

concepção de linguagem adotada, apesar de pontuarem o livro como um

recurso que traz explanações concisas para que os alunos possam estudar

sozinhos e de parecer, à primeira vista, um livro que se preocupa em trazer

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35

situações próximas ao público-alvo com charges humorísticas e fotos

modernas. A aprendizagem “acontece” por meio de situações humorísticas,

nas quais pontos gramaticais são apresentados de forma resumida e, segundo

o próprio material, de maneira que os alunos estudem sozinhos para melhorar

o nível de seu inglês.

Quanto aos “Objetivos do material”, o livro encoraja o aprendiz a

estudar inglês, já que não apresenta dificuldades quanto à explanação de

conteúdos, pois abarca os mesmos linearmente, ou seja, do mais simples ao

mais complexo – ainda que isso não seja sinônimo de aprendizagem efetiva –

partindo de exemplos próximos à realidade dos alunos.

Ao analisar a preocupação do material quanto às capacidades pessoais

dos alunos, destacam-se somente algumas situações de trabalho em grupo e

a seção writing, em que estes descrevem suas experiências de forma muito

simplificada. Ambas encontram-se ao final de cada capítulo do livro.

Os objetivos não estão articulados interdisciplinarmente e não aparecem

no livro do aluno.

Pensando no “Livro didático enquanto produto”, seu preço varia muito

de uma livraria para outra: entre R$49,00 e R$89,00. O livro possui um

tamanho atrativo e sua capa é também atrativa e moderna, pois apresenta

uma imagem que simboliza movimento: trem ou metrô em movimento. É de

boa qualidade, tem capa dura e apelos visuais atraentes, já que traz charges,

fotografias recentes e algumas ilustrações. É consumível. Seu sumário é

funcional na localização das informações, pois “especifica” o conteúdo que

será abordado.

Quanto aos “Recursos disponíveis”, o material privilegia apenas a

habilidade visual, porque não propõe atividades nas quais se trabalhe a

sensibilidade kinestésica e tampouco a habilidade auditiva, de extrema

importância no aprendizado de língua estrangeira. Não sugere também a

habilidade oral, pois não propõe questões que exijam a pronúncia.

O material não possibilita a exposição do aluno à língua-alvo, uma vez

que não estimula seu uso. Apresenta uma seção intitulada Think about it, que

é um pequeno lembrete para mostrar algumas variações da própria língua,

mas não oferece nenhuma variedade de fontes de aprendizagem, tais como

CD`s ou DVD`s, tampouco um gabarito para os alunos checarem suas

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36

respostas (já que é a proposta dos autores promover autonomia do

aprendizado).

Quanto ao conteúdo, ou seja, o “Syllabus”, percebe-se que ele é

estrutural, pois tem a língua como um sistema de regras e estruturas.

No tópico “Progressão de conteúdos”, que faz menção à disposição

sequencial do material, constatou-se que, no livro, esta auxilia a dar

consistência e continuidade ao curso, pois sua sequência ajuda o aluno a

relacionar a maneira como aprende, percebendo uma lógica indutiva na

disposição apresentada pelo material e, assim, acostuma-se com esse ritmo.

Apesar disso, não é flexível, pois sua organização engessa professores e

alunos a trabalharem em uma única sequência. Os aspectos léxico-gramaticais

são trabalhados de forma dedutiva, pois cabe ao aluno seguir o exemplo feito

no próprio livro para dar continuidade a cada uma das atividades.

Em relação ao tópico “Seleção de gêneros e de textos”, o livro não

apresenta variedade de gêneros, pois não trabalha com textos autênticos,

mas fabricados, com fins estritamente didáticos. Em alguns capítulos, há

pequenos textos fabricados para que o aluno os complete com o objeto de

estudo de cada capítulo, por exemplo, artigos, preposições, verbos, etc.

No que diz respeito às “Atividades: variedade de tipos, habilidades,

coerência, interação”, todas as atividades estão centradas na linguagem,

porém não estão voltadas para as três capacidades de linguagem (capacidade

de ação, capacidade discursiva, capacidade linguístico-discursiva), apenas

para a capacidade linguístico-discursiva. No entanto, elas trabalham esta

capacidade de modo superficial, pois as questões linguísticas ficam

descontextualizadas da realidade do aluno, ou seja, fora de um “discurso”,

como se a gramática estivesse desvencilhada da linguagem do dia a dia. O

único momento em que as atividades se centram na função discursiva é

quando se propõe uma produção escrita ou uma interação com o colega, no

final de cada capítulo, mas, mesmo assim, são propostas situações alienadas

à realidade do aluno. Por isso, fica difícil para o estudante (re)construir sua

identidade, resgatar seu conhecimento de mundo e não há interação e

construção de conhecimento entre ele e o professor.

Analisando o livro sob a ótica da “Flexibilidade”, o material permite que

as atividades sejam adaptadas e complementadas com outros recursos, pois

Page 38: Anais do III SILID/II SIMAR

37

estas não estão inseridas em um contexto específico e não se relacionam a

um gênero textual. Com isso, o professor pode adequá-las em situações que

demandem o exercício de determinados conteúdos linguísticos. Igualmente, o

material oferece, de modo superficial, autonomia ao aluno, uma vez que os

exercícios trabalham exatamente o que está explicado. O aluno consegue

resolver os exercícios propostos sozinho. No entanto, os exercícios não

propõem que o aprendiz busque outras fontes além do que é oferecido no

material, encontrando suas próprias estratégias e aprofundando-se no

assunto.

Sobre os “Usos da língua: diversidade de origens, círculo interno, círculo

externo ou em expansão, uso da LM”, o material privilegia apenas a “norma”,

os países que “ditam” as regras do inglês no mundo, isto é, Inglaterra e

Estados Unidos. Assim, não há espaço para discutir o inglês em sua

“variedade”. Não há aplicação da língua inglesa em diversos contextos,

tampouco há personagens envolvidos nos conteúdos. Dessa forma, a língua

inglesa é abordada de forma instrumental, restrita a exercícios puramente

estruturais, não contemplando, portanto, o discurso da prática social.

Com relação às “Imagens”, todo capítulo apresenta ilustrações e fotos.

Há interação superficial entre o leitor e as ilustrações apresentadas, uma vez

que elas estão sempre relacionadas a um exercício, não permitindo, portanto,

que os sentidos sejam construídos conjuntamente entre imagem e texto (até

porque não há textos!). No plano geral, as ilustrações estão como apêndices.

Sobre as fotos, elas não afetam na construção de sentidos porque são sempre

ilustrações de um item de um exercício. Outrossim, elas são elitistas, pois

mostram executivos e lugares turísticos de difícil acesso a todas as camadas

da população, como Grécia, safáris na África etc. Pode-se concluir que os

elementos dispostos nos layouts das unidades não constroem significados e as

linguagens verbal e visual não afetam uma a outra, e, por isso não se forma

um texto integrado, multimodal.

No que diz respeito às “Identidades: estereótipos, culturas”, não há

personagens no livro, apenas pessoas em fotos. O material não permite que o

aluno se identifique com ele, e as pessoas apresentadas denotam ser

“americanas brancas de classe média”.

Page 39: Anais do III SILID/II SIMAR

38

É possível afirmar que há reprodução de estereótipos, e que o material

legitima as culturas americana e inglesa em detrimento de outras. Há uma

foto de um afrodescendente, mas sua presença não afeta na construção de

sentidos, tampouco incita à reflexão sobre a diversidade étnica.

No tocante à “Seleção de tópicos”, o livro apresenta tópicos excludentes

porque propõe ao aluno apenas questões relacionadas ao consumo, bens

materiais e viagens. Os tópicos tradicionais coexistem de forma equilibrada

com os tópicos pós-modernos, pois faz menção tanto às relações pessoais,

como às questões relacionadas ao mundo atual, por exemplo, o trabalho.

Não há tópicos que permitam a construção de identidades de projetos,

apenas tópicos legitimadores de identidades, isto é, apresentação de

identidades socialmente aceitas, aquilo que é tido e inculcado como “comum”

e que, por conseguinte não deve ser questionado. Assim sendo, o mundo

representado é irreal, desconhecido e não permite ao aluno que assuma

identidades não legitimadas.

Considerações finais

Sobre o livro analisado, conclui-se que a concepção de linguagem subjacente

à proposta é de língua como um sistema de estrutura, principalmente por se

tratar de um livro de gramática. Há momentos em que se tem a impressão de

que a proposta do livro é conceber a linguagem como ação social, já que traz

fotos de situações cotidianas, mas percebe-se que não deixa de ser uma

gramática tradicional, na qual regras são explicadas para que depois

exercícios sejam resolvidos.

Seus objetivos não contemplam os que julgamos necessários em nossa

análise, pois como a maioria das gramáticas, trabalha apenas o domínio

linguístico-discursivo. Assim, não estão de acordo com os objetivos das

Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores do curso de

licenciatura de educação plena, já que traz textos produzidos com fins

didáticos, não propondo textos autênticos e próximos à realidade dos alunos,

pelo contrário, problematiza exemplos específicos, limitando uma gama de

textos que poderia ter sido bem explorada.

Page 40: Anais do III SILID/II SIMAR

39

A progressão proposta neste livro não está de acordo com a progressão

de conteúdos propostos pelos documentos oficiais, pois supervaloriza o

conhecimento sistêmico. Os documentos oficiais sugerem outro padrão de

progressão, ou seja, uma abordagem em que o conhecimento de mundo do

aluno e a organização textual com a qual este esteja mais familiarizado no uso

de sua língua materna sejam enfatizados.

O material não apresenta diversidades cultural, étnica, regional,

linguística, cultural e de gênero, tampouco permite ao aluno e ao professor

refletirem criticamente sobre as diferenças que coexistem, harmonicamente

ou não, no mundo.

Em razão de o livro apresentar apenas o eixo Europa - Estados Unidos,

os tópicos são localizados, etnocentristas e estereotipadores, tratando de

questões alienadas à realidade das pessoas e ao âmbito da globalização.

Privilegia-se apenas a classe média sem “preocupações” com a sobrevivência,

o desemprego, a disputa profissional. Isso acarreta na presença de tópicos

alienantes, sem preocupação de que o aluno esteja preparado para encarar o

“mundo real”. Nesse livro, ele está apto para vivenciar apenas a “Disneylândia

pedagógica” (Freitas et al., 1997). Não há tópicos contextualizados, somente

os descontextualizados, tratando de forma genérica as situações expostas.

Constata-se, portanto, que o livro “Grammar Expert Basic” ainda está

ligado a uma visão tradicional da língua e de seu ensino, ficando, portanto,

aquém das demandas atuais no que concerne à elaboração de um livro

didático.

Propusemos a referida análise porque acreditamos que a escolha de um

livro didático está associada às teorias de ensino, às necessidades dos alunos,

e a uma prévia seleção, por parte do professor de LE, que julga ideal para a

aquisição desta língua. Os estudos da área de LE enfocam cada vez mais a

importância de o material e o ensino estarem voltados cada vez mais para

uma visão sociointeracionista da linguagem, segundo uma abordagem

comunicativa (PAIVA, 2009). Portanto, corrobora-se nesta análise com os

autores Paiva (2009), Cristóvão (2009) Teixeira (2007) e Tílio (2007; 2008)

quando pontuam que são muitos os critérios que devem ser levados em conta

na aquisição de um livro didático e importância desses critérios.

Page 41: Anais do III SILID/II SIMAR

40

A partir dessa análise, conclui-se que o livro didático que estiver

subjacente à concepção tradicional da língua e de seu ensino, como o

analisado, está aquém das necessidades atuais no que concerne à elaboração

de um livro didático de língua estrangeira. Pois, é somente seguindo uma

abordagem flexível, comunicativa e passível a mudanças que se pode propor

ao aluno emergir na L2, conhecer uma nova cultura, legitimar o “diferente”,

para que assim (re)construa sua identidade e perceba-se agente

transformador de sua realidade. Dessa forma, é desafio de professores,

estudiosos, autores e estudantes contribuir com a análise crítica de materiais

didáticos para que estes sejam pensados e realizados com a devida qualidade

e preocupação para que sejam oportunizadas aos alunos condições para que

percebam o mundo criticamente.

Referências

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CRISTOVÃO, V. L. L. Desvendando textos com o ISD. In: ANTONIO, J. D.; NAVARRO, P. (Org.). O texto como objeto de ensino, de descrição linguística e de análise textual e discursiva. Maringá: Eduem, 2009, p. 49-58.

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MOITA LOPES, L. P. O ensino de inglês como espaço de embates culturais e de políticas da diferença. In: GIMENEZ, T.; JORDÃO, C. M.; ANDREOTTI, V. (Org.). Perspectivas educacionais e o ensino de inglês na escola pública. Pelotas: Educat, 2005. p. 49-67.

MOTT-FERNANDEZ, C.; CRISTOVÃO, V. L. L. Manual do professor de coleções didáticas de língua inglesa: uma questão de gênero textual e profissional. In: V SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE ESTUDOS DE GÊNEROS TEXTUAIS, 2009, Caxias do Sul. Anais do V Simposio Internacional de Estudos de Gêneros Textuais. Caxias do Sul: Educs, 2009. p. 1-24.

PAIVA, V. L. M. O. História do material didático. In: DIAS, R.; CRISTOVÃO, V. L. L. (Org.). O Livro didático de Língua Estrangeira: múltiplas perspectivas. Campinas: Mercado das Letras, 2009.

Page 42: Anais do III SILID/II SIMAR

41

RAMOS, R. C. G. O Livro Didático de Língua Inglesa para o Ensino Fundamental e Médio: Reflexões e sobre teoria e Prática. In: DIAS, R.; CRISTOVÃO, V. L. L. (Org.). O Livro didático de Língua Estrangeira: múltiplas perspectivas. Campinas: Mercado das Letras, 2009.

TEIXEIRA. C. H. E. T. A Gramática Visual e o Livro Didático. In: I Simpósio sobre livro Didático de Língua Materna e Estrangeira, 2007, Rio de Janeiro. Anais do I Simpósio sobre livro Didático de Língua Materna e Estrangeira, 2007.

TÍLIO, R. Uma análise sócio-discursiva de livros didáticos de Inglês: cultura, identidade e pós-modernidade. In: I Simpósio sobre livro Didático de Língua Materna e Estrangeira, 2007, Rio de Janeiro. Anais do I Simpósio sobre livro Didático de Língua Materna e Estrangeira, 2007.

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Page 43: Anais do III SILID/II SIMAR

A presença e a função dos gêneros textuais em livros didáticos de português como língua estrangeira

The present and the use of text genres in didactic books of Portuguese for Foreigners.

Natália Moreira Tosatti, mestre em Linguística Aplicada, UFMG, [email protected]

Resumo

Nesta comunicação apresentamos resultados de uma pesquisa que investigou a presença e a funcionalidade de gêneros textuais em livros didáticos de Português para Estrangeiros. Verificamos se, nas obras analisadas, os gêneros são propostos com objetivo de criar situações de práticas de linguagem, propiciando o desenvolvimento da competência comunicativa na língua-alvo. Palavras-chave: gêneros textuais, livros didáticos, português para estrangeiros.

Abstract

This research investigated the functionality of text genres in didactic books of Portuguese for Foreigners. The aim was analyzing if they created situations of language practice that enabled the development of the communicative competence related to the use and organization of the language in socio-cultural situations closer to reality. Keywords: text genres, didactic books, Portuguese for Foreigners

Page 44: Anais do III SILID/II SIMAR

43

Gêneros textuais e materiais didáticos para o ensino

português como língua estrangeira1

Gêneros textuais são hoje tema recorrente nos estudos da linguagem. Muito

se discute sobre a importância e a utilização dos gêneros no processo de

letramento em língua portuguesa como língua materna, mas como eles estão

sendo trabalhados quando o foco é ensino de português para falantes de

outros idiomas?

Nos livros didáticos destinados ao ensino de Português do Brasil para

Estrangeiros, publicados em nosso país, encontra-se variedade de gêneros,

mas o que se nota é que boa parte deles são utilizados apenas como

atividades para leitura sem que haja uma preocupação dos autores em

explorar a funcionalidade desses textos dentro do processo ensino

aprendizagem da língua portuguesa. Sendo assim, esses materiais acabam

por, muitas vezes, reduzir as oportunidades de os alunos empreenderem

ações de linguagem na língua alvo.

Por serem um recurso recorrente no contexto de sala de aula, é

importante que os livros didáticos (LDs) ofereçam plenas condições para o

aprendizado da língua estrangeira através de atividades que viabilizem a

construção de sentido de modo que o aluno possa se familiarizar e explorar

textos que circulam em diversos cenários onde esse idioma é falado. Nossa

expectativa é que os gêneros textuais (GTs) estejam presentes nesses

materiais e sejam trabalhados como instrumento para leitura e produção,

possibilitando um aprendizado da língua e um (re)conhecimento de aspectos

sociais e culturais que a envolvem.

Partindo da noção de gênero textual como fenômeno social e histórico,

cabe aos autores e editores de livros didáticos acompanharem a evolução das

abordagens de ensino de modo a inserirem nesses livros atividades que

explorem os gêneros textuais como ferramentas para uma maior capacitação

linguística do aprendiz. Dessa maneira, o estudante poderá participar mais

rapidamente do contexto da língua alvo e, ao ter a oportunidade de utilizá-la

em situações reais, possivelmente terá mais sucesso em seu desempenho

linguístico. Júdice (2008, p. 39) considera que “a observação dos gêneros

1 Neste trabalho não fizemos distinção entre língua estrangeira e segunda língua.

Page 45: Anais do III SILID/II SIMAR

44

representados em um LD pode proporcionar uma visão das formas de ação de

uma sociedade concretizadas em linguagem”. Conforme aponta a

pesquisadora,

Na atualidade, com a disponibilidade para o uso no ensino de línguas

estrangeiras de materiais didáticos elaborados em suporte impresso, sonoro e

eletrônico, contendo uma grande variedade de textos autênticos,

multiplicaram-se os gêneros com que o estudante, no aprendizado da língua

alvo, pode estabelecer contato, o que requer do professor uma aprofundada

reflexão sobre a especificidade de cada um deles, sobre critérios que utilizará

em sua seleção e sobre as abordagens que fará de cada modalidade de texto,

objetivando oferecer ao aprendiz oportunidades de ampliar suas

possibilidades de compreender e de dizer na língua alvo. (JÚDICE, 2005, p.

31).

São muitos os estudiosos que defendem os gêneros textuais (GTs) como

instrumento para um ensino de línguas mais eficiente (BAZERMAN, 2005,

CRISTÓVÃO, 2005; DELL’ISOLA, 2007; DIONÍSIO e BEZERRA, LOUSADA,

2005; MARCUSCHI, 2005b; DOLZ e SCHNEUWLY, 2004 dentre outros).

Também os Parâmetros Curriculares Brasileiros (PCN) apontam a importância

de se trabalhar em LE com diversidade de categorias textuais. Segundo

consta no documento, uma das competências a ser desenvolvida ao se

aprender uma língua estrangeira é a visão crítica em relação à nova cultura

que se aprende por meio dessa língua e

que emitir juízo crítico sobre as manifestações culturais envolve a reflexão

sobre intencionalidades, escolhas lingüísticas, contextos de uso e gêneros

textuais, bem como sobre questões culturais que permeiam o ensino das

línguas estrangeiras modernas. Essa reflexão deve propiciar ao aluno a

análise de sua própria língua e cultura, por meio de vínculos com outras

culturas – por semelhança e contraste – que lhe permitam compreender

melhor sua realidade e as de outros, enriquecendo sua visão crítica e seu

universo cultural. (PCN, 2006, p.100).

(...)

O contato repetido do aluno com textos de variados gêneros, que abarquem

múltiplos temas e situações (de natureza semelhante ou não), estimula-o a

mobilizar suas competências de análise, comparação, associação,

identificação, reconhecimento e seleção (PCN, 2006, p.117).

Page 46: Anais do III SILID/II SIMAR

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Ainda de acordo com os PCN (2006, p. 100) de língua estrangeira, “a

ligação entre a escrita e a cultura fica mais clara ainda quando se consideram

os gêneros da escrita, que variam de uma cultura para outra e de uma língua

para outra”. Dessa forma, parece-nos mais eficiente e consistente com o

objetivo comunicativo, uma proposta de ensino de LE que considere os

gêneros como ponte que facilite o “acesso” do estudante à língua alvo.

Martin (1985, p. 250) afirma que “gênero diz respeito a como as coisas

são feitas quando a linguagem é usada para executá-las”. Por meio da

exploração dos gêneros textuais é possível realizar um trabalho eficiente,

partindo-se da discussão sobre relações sociais, identidades e formas de

conhecimento, veiculadas através de textos em variadas circunstâncias de

interação.

Diante da relevância em se explorar os GTs, lançamos o

questionamento: em que medida o trabalho com a leitura e produção escrita

nos livros didáticos de português para estrangeiros tem contribuído para que

o aluno perceba as funções dos diversos textos que circulam na sociedade?

Apresentamos neste artigo a análise da presença e do uso dos gêneros

textuais nos livros didáticos: Terra Brasil – Curso de língua e cultura, da

editora UFMG e Muito Prazer – Fale o Português do Brasil, da editora Disal,

obras publicadas no ano de 2008.

Análise das obras

Para executar a análise das obras, dividimos os gêneros em explorados e não

explorados. Denominamos gêneros explorados (doravante GE) aqueles que

estão no livro com função definida para atividades de leitura e/ ou produção

(oral ou escrita). Os gêneros não-explorados (doravante GNE) são os que,

embora integrem os livros didáticos, não são acompanhados de uma atividade

específica, servindo apenas como ilustração ou sem objetivo explícito. Os

gêneros explorados foram subdivididos em: GEL (gêneros explorados para

atividades de leitura) e GEP (gêneros explorados para produção).

Vejamos como as autoras dos livros didáticos em análise exploraram os

gêneros textuais em cada uma das obras.

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46

Terra Brasil – Curso de língua e cultura (TB)

Terra Brasil – curso de língua e cultura é um livro didático escrito pelas

autoras Regina Lúcia Péret Dell’Isola e Maria José Apparecida de Almeida. A

obra foi publicada em 2008, pela editora UFMG e destina-se a falantes de

outros idiomas que queiram aprender a variante brasileira da Língua

Portuguesa. A obra tem 316 páginas e divide-se em 12 unidades. É dirigida a

alunos de nível básico a intermedíario. Conforme exposto na apresentação do

livro, as unidades de 1 a 4 têm como público alvo os principiantes e as demais

unidades (5 a 12) destinam-se a alunos que já têm conchecimento básico da

língua e buscam aperfeiçoamento.

No QUADRO 1, abaixo, apresentamos a diversidade e ocorrência de

gêneros, ao longo de TB

QUADRO 1:

Diversidade e ocorrência de gêneros no livro didático Terra Brasil

Gênero Ocorrências Informe 13 Música 12 Adivinha 12 Foto 6 Reportagem 6 Anúncio 3 Conto 3 Folheto informativo 2 Mapa 2 Placas 2 Tirinha 2 Biografia, E-mail produção, Planta, Bilhete, Filme, Peça publicitária, Previsão do tempo, Mensagem de secretária eletrônica, Roteiro, Manifesto, Quadrinha popular, Receita, Panfleto promocional, Ficha, Regras do futebol, Crônica, Carta do leitor, Teste, Para-choque de caminhão, Poema, Quadro (pintura), Lenda.

1

Fonte: TOSATTI, 2009

Terra Brasil é uma obra que apresenta diversidade de gêneros (são 33

gêneros distintos com um total de 85 ocorrências) e que também apresenta

uma preocupação com a funcionalidade das categorias textuais.

Page 48: Anais do III SILID/II SIMAR

47

Ao longo do trabalho de levantamento dos gêneros em TB, constatamos

que em cada unidade há a presença de pelo menos um novo gênero textual

que ainda não havia sido explorado na obra. Na análise desse material,

constatamos também que há uma gradação em relação ao nível de dificuldade

das atividades, ao longo da obra. Enquanto na unidade 4, por exemplo, é

solicitado ao aluno que, a partir de determinadas condições de produção, ele

elabore o roteiro de um passeio ecológico, na unidade 10 o aluno tem como

proposta de trabalho dar continuidade ao conto “A Carteira”, de Machado de

Assis.

No GRÁFICO 1, podemos visualizar como é feita a exploração dos

gêneros em TB.

GRÁFICO 1: Exploração dos gêneros no livro Terra Brasil

Fonte: TOSATTI, 2009.

TB é uma obra que privilegia o trabalho com a leitura; 64% dos gêneros

presentes no livro são explorados dentro da categoria GEL. 20% é a

percentagem dos gêneros presentes na obra, mas que não foram explorados.

E 16% é a percentagem dos gêneros explorados para produção. Embora a

percentagem não seja alta, verificamos em nossa análise que as atividades e

tarefas que se propõem a trabalhar os GTs são consistentes e demonstram

uma preocupação das autoras com a função sociocomunicativa dos gêneros

abordados.

GNE,  20%  

GEL,  64%  

GEPO  12%  

GEPG  88%  

GEP  16%  

Livro TB - Exploração dos gêneros da obra Total de Gêneros: 85

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48

Apresentamos agora, um exemplo de gênero explorado para produção

em TB. Em um primeiro momento, é fornecido ao aluno um mapa com a

previsão do tempo no Brasil e, a partir da interpretação das informações

colhidas, o aluno parte para o desenvolvimento da atividade, conforme

ilustrado na FIG. 1.

FIGURA 1 : Terra Brasil (GEP) Fonte: DELL’ISOLA, R. L. P., ALMEIDA, M. J. A. de, 2008, p. 98.

Depois da contextualização é proposta a seguinte tarefa:

FIGURA 2 : Terra Brasil (GEP)

Fonte: DELL’ISOLA, R. L. P., ALMEIDA, M. J. A. de, 2008, p. 98.

Page 50: Anais do III SILID/II SIMAR

49

Consideramos esse um bom exemplo de funcionalidade dos gêneros em

um LD de PLE. Essa atividade, que explora primeiramente a leitura, envolve

mais de um gênero (previsão do tempo, recado de secretária eletrônica e e-

mail) e tem como propósito a produção de um e-mail. Interessante notar que

o aluno deve, para a execução da tarefa, ser capaz de interpretar o mapa com

a previsão do tempo, compreender a mensagem deixada na secretária

eletrônica e selecionar informações para responder ao amigo via mensagem

eletrônica. Acreditamos com CRISTÓVÃO (2000) que essa atividade propicia o

desenvolvimento das capacidades de ação, das capacidades discursivas e das

linguístico-discursivas do aprendiz. Dolz e Schneuwly (2004) afirmam que

Nós partimos da hipótese de que é através dos gêneros que as práticas de

linguagem materializam-se nas atividades dos aprendizes. Por seu caráter

intermediário e integrador, as representações de caráter genérico das

produções orais e escritas constituem uma referência fundamental para sua

construção. Os gêneros constituem um ponto de comparação que situa as

práticas de linguagem. Eles abrem uma porta de entrada, para estas últimas,

que evita que delas se tenha uma imagem fragmentária no momento da sua

apropriação. (DOLZ e SCHNEUWLY, 2004, p. 74, grifo dos autores).

A atividade em análise mostra, por meio dos gêneros, como um material

didático pode favorecer a intervenção do aprendiz em situações de

comunicação que lhes correspondam a situações reais de uso da língua.

Muito Prazer – Fale o Português do Brasil (MP)

Muito Prazer – Fale o Português do Brasil é um livro didático, direcionado para

estudantes dos níveis básico a intermediário, publicado em 2008, pela editora

Disal e escrito pelas autoras Gláucia R. Rocha Fernandes, Telma de Lurdes

São Bento Ferreira e Vera Lúcia Ramos. A obra tem 465 páginas e é

organizada em 20 unidades, a cada quatro unidades, existe uma revisão e

uma lição voltada para pronúncia, num total de cinco revisões e cinco lições de

pronúncia.

Apresentamos no QUADRO 2 a ocorrência e diversidade de gêneros no

livro Muito Prazer.

Page 51: Anais do III SILID/II SIMAR

50

QUADRO 2:

Diversidade e ocorrência de gêneros no livro didático Muito Prazer

Gênero Ocorrências Redação 18 Reportagem 5 Mapa 3 Nota 3 MSN 2 Cardápio 2 Texto informativo 2 Resenha de filme 2 Artigo 2 Recado, Cheque, Documentos oficiais, Guia de restaurante, Relato, Guia de parques, Planta, Classificados, Sinopse de livro, Bilhete, Recado, Roteiro de viagem, Notícia, Impostos, Entrevista

1

Fonte: TOSATTI, 2009

Constatamos que em MP, apesar de ser um livro composto por 20

unidades, a ocorrência de gêneros textuais não é grande. A obra apresenta

uma variedade de 24 gêneros, que ocorrem 54 vezes no livro.

No GRÁFICO 2 a seguir podemos visualizar como foram explorados os

gêneros presentes na obra.

GRÁFICO 2: Exploração dos gêneros no livro Muito Prazer Fonte: Resultados obtidos nesta pesquisa.

GNE  5%  

GEL  56%  

GEPO  5%  

GEPG    95%  

GEP  39%  

Livro  MP  -­‐  Exploração  de  gêneros  na  obra  Total  de  Gêneros:  54  

Page 52: Anais do III SILID/II SIMAR

51

Muito Prazer também privilegia a exploração dos gêneros para

desenvolver a habilidade de leitura; 56% das atividades que envolviam

categorias textuais destinavam-se à compreensão leitora. A percentagem de

gêneros explorados para leitura é alta, 39%. Apenas 5% por gêneros que

compõem MP não foram utilizados para nenhuma atividade na obra.

Apesar de, considerando-se a extensão da obra, não haver muitos

gêneros em MP, há quase 100% de exploração dos gêneros que a compõem.

A atividade abaixo (FIG.2) ilustra como os gêneros são explorados para

produção.

FIGURA 2: Muito Prazer (GEP)

Fonte: FERNANDES G. R. R., FERREIRA, T. L. S. B., RAMOS, V. L., 2008, p. 253.

Page 53: Anais do III SILID/II SIMAR

52

Uma temática que geralmente mobiliza a atenção e engajamento dos

alunos em uma aula de LE é a discussão sobre filmes. Não seria generalização

afirmar que, sobre esse assunto, todos os alunos teriam alguma observação a

ser compartilhada. Depois de lida a crítica dos filmes, propõe-se aos alunos a

seguinte atividade de produção escrita:

FIGURA 3: Muito Prazer (GEP)

Fonte: FERNANDES G. R. R., FERREIRA, T. L. S. B., RAMOS, V. L., 2008, p. 254.

A atividade em análise sugere que o aluno escreva a crítica do pior ou

do melhor filme que ele já assistiu. Como há o julgamento de valor,

acreditamos com Motta-Roth (2002) que o estudante deverá elaborar um

texto crítico por excelência, tendendo, ora para um lado mais avaliativo, ora

para um ângulo mais descritivo, dependendo das circunstâncias que o

envolvam, além de considerar a condição de que ele produzirá um texto a ser

publicado em algum veículo de comunicação.

Salientamos a importância de propostas como essa que, além de

explorar as questões linguísticas e um gênero de ampla circulação social,

trabalha também com o conhecimento de mundo do aluno, estimula a

capacidade de persuasão e dá ao estudante a oportunidade de expressar-se

livremente em relação àquilo que irá escrever.

Considerações finais

Neste artigo apresentamos a funcionalidade dos gêneros textuais

apresentados em atividades propostas em dois livros didáticos de PLE,

destinadas a adultos, publicados no Brasil na última década: Terra Brasil –

Page 54: Anais do III SILID/II SIMAR

53

Curso de língua e cultura, de 2008 e Muito Prazer – Fale o Português do

Brasil, 2008.

Nossa análise se orientou pela tese de que os gêneros textuais fazem

parte de atividades de comunicação, de práticas sociais, estando a utilização

deles associada aos objetivos e às ações pretendidas pelos que se encontram

em uma situação comunicativa. Os gêneros que, segundo nossa perspectiva,

podem ser caracterizados como o “texto em ação”, tal como defende

BAZERMAN (2005), trazem representações de situações vividas que podem

ser relacionadas a representações já cristalizadas por outras formações

sociais. Como trabalhamos com o foco do ensino de português como LE,

nosso propósito não foi verificar se as obras buscam ensinar os gêneros aos

alunos, mas se esses LDs promoviam, por meio de categorias textuais,

diversas situações de compreensão e produção que estivessem próximas ao

uso real da língua alvo.

Os dados foram alcançados por meio do levantamento da ocorrência de

gêneros em cada uma das obras. Os resultados obtidos atenderam à

expectativa de encontrar ampla variedade de gêneros nos livros analisados.

Porém, a funcionalidade desses textos nas obras, como foi mostrado nos

gráficos 1 e 2, nem sempre englobou a exploração dos gêneros como

motivadores de ação sociocomunicativa.

Ressaltamos, contudo, que, em nossa investigação, os GTs, embora em

diferentes proporções e formas de exploração, fazem parte da realidade dos

livros didáticos de PLE analisados. Esses resultados demonstram que houve,

por parte das elaboradoras dos livros didáticos de PLE analisados, o cuidado

em aproximar as atividades propostas das teorias e pesquisas que defendem

os gêneros como instrumentos de aprendizagem. Dessa forma, os livros

didáticos foram suporte para que por meio dos gêneros, o aprendiz pudesse

compreender o funcionamento sócio-interativo das comunidades discursivas e

as formas da língua em uso.

Explorados na sua funcionalidade, os GTs propiciam um leque de pontos

a serem analisados e discutidos pelos alunos e pelo professor. Gêneros

pressupõem interação e situações concretas de comunicação, por isso são

subsídios importantes para a elaboração e desenvolvimento de atividades

didáticas para o ensino de LE.

Page 55: Anais do III SILID/II SIMAR

54

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Page 57: Anais do III SILID/II SIMAR

Autoria no Livro didático de língua portuguesa: o papel do editor

The authorship in the Portuguese language school textbook: the role of the editor

Adriana L. Sousa Teixeira

Resumo

Este artigo discute o processo editorial de LDs, com destaque para o papel do editor na autoria do LDP. A reflexão sobre o que é produzir materiais didáticos revela que o livro didático deve servir de objeto de pesquisa em outras dimensões que não seja apenas a da análise do produto final. Palavras-chave: editor; livro didático, autoria.

Abstract

This paper aims at presenting a discussion about the editorial process of school textbooks, highlighting the role of the editor in the authorship in them. The reflection about what is to product didactic materials, reveals that the textbook must serve as a research object in other dimensions than just the analysis of the final product. Keywords: editor; textbook, authorship.

Page 58: Anais do III SILID/II SIMAR

57

Pesquisas sobre o livro didático

De acordo com Bunzen (2005), ao traçarmos o perfil metodológico e

epistemológico da maioria dos trabalhos de pesquisa sobre o livro didático,

observamos que eles normalmente apresentam um caráter essencialmente

avaliativo, pois

[...] procuram avaliar os objetos de ensino, os aspectos gráficos e

metodológicos e/ou os conteúdos ideológicos veiculados nos livros didáticos

de língua com um “olhar” de ciência moderna que busca, muitas vezes,

apenas uma vigilância epistemológica, utilizando aqui o termo proposto por

Chevallard (1991). Além disso, perceberemos também que, apesar da

diversidade de temas analisados, não houve praticamente alterações na

metodologia de pesquisa e consequentemente, nas categorias de análise. Por

esse motivo, os resultados de várias dessas pesquisas parecem contar uma

mesma e triste história: “a de um livro didático sempre precário e já com

problemas desde sua origem” (ALMEIDA, 1997/ 8, p. 10-1).

Por causa desse enfoque mais avaliativo, os livros didáticos (LDs) são

utilizados, na maioria das vezes, como objetos de investigação da adequação

da transposição1 didática de conceitos e/ou métodos de ensino-aprendizagem.

Entretanto, essas pesquisas não levam em consideração outros aspectos (tais

como processo de edição, características discursivas e pedagógicas das obras)

dessa ferramenta cultural, que acaba sendo compreendida apenas por uma de

suas diversas dimensões.

Há que se refletir sobre o que é produzir materiais didáticos e como

eles estabelecem relação com as práticas de letramento e com a cultura da

escola (CHERVEL, 1998), uma vez que eles assumem o papel de engrenagem

escolar. Portanto, devem servir de objeto de pesquisa em outras dimensões

que não seja apenas a da análise do produto final. Entretanto,

[...] são raros os estudos que procuram compreender o funcionamento desse

subsetor editorial, em torno do qual se definem políticas educacionais,

1 Há autores que criticam o termo “transposição” e preferem o uso de “recontextualização”, “redidatização”, “reformulação”, “retextualização” ou “revesamento”. Cada termo carrega seu significado e uso. Optamos, aqui, por usar o termo “transposição” seguindo a definição de Chevallard (1991) de que transposição didática trata-se do trabalho de transformação de um objeto de saber em um objeto de ensino.

Page 59: Anais do III SILID/II SIMAR

58

desenvolvem-se processos de controle curricular e se organizam práticas de

escolarização e letramento (BATISTA, ROJO & ZÚÑIGA, 2003, p. 47).

O estudo feito por Bunzen, em sua dissertação de mestrado (“Livro

didático de língua portuguesa: um gênero do discurso”), demonstrou que

[...] os autores e editores são os principais agentes/atores decisivos na

seleção dos objetos de ensino e, por isso, precisamos nos deter em pesquisas

que revelem mais detalhadamente como se dá a (re)construção de conceitos

para a apresentação dos objetos de ensino no processo de didatização. Além

disso, comungamos com a ideia de Batista, Rojo e Zuñiga (2003), sobre a

necessidade de pesquisas que aprofundem o processo de profissionalização

dos autores e editores de LDPs nos últimos anos. Eles são, ao nosso ver,

agentes de letramento de grande parte da população brasileira e estão

conquistando, com as estratégias de marketing das editoras (cursos,

palestras, etc.) e com a própria produção do Manual do Professor, um papel

de formadores de professores. [...] Essas sinalizações apontam para um

terreno inteiro a ser explorado: produção, escolha, circulação, perfil

discursivo e recepção do gênero do discurso LDP (BUNZEN, 2005, p. 133)2.

Uma vez que o trabalho do editor não consiste apenas em fazer

emendas gramaticais, mas também em transformar um texto em livro,

devemos refletir sobre sua atuação a fim de procurarmos entender o estilo

didático atribuído ao gênero LDP.

Os editores são especialistas em mercado editorial, principalmente

quando se trata de livros didáticos. São profissionais experimentados, capazes

de planejar um livro com o autor ou mesmo ajudá-lo a escrever quando a

situação o exigir. Embora não seja desprezível o desenvolvimento de uma

percepção apurada para prever o sucesso de determinadas publicações, eles

trabalham com estatísticas, com informações precisas sobre o consumo de

livros nas mais variadas áreas. “Os autores de livros didáticos e os editores

passam, portanto, a ser atores decisivos na didatização dos objetos de ensino

e, logo, na construção dos saberes a serem ensinados” (BUNZEN & ROJO,

2008, p. 80)3.

Percebemos, entretanto, como já citado anteriormente, que são poucas

as pesquisas que analisam o papel do editor na autoria do LDP, o que não

2 Negritos nossos. 3 Grifo nosso.

Page 60: Anais do III SILID/II SIMAR

59

representa falta de pesquisas sobre o LD, e sim análises mais específicas

desses agentes envolvidos na produção do livro.

Prova de que o LD tem sido objeto de estudos é o estado da arte

realizado por Allain Choppin (2002), que aponta um aumento no número de

pesquisas, nos últimos 30 anos, sobre os livros escolares e a edição didática

pelo mundo (entre elas as pesquisas brasileiras).

Ainda analisando o estado da arte dos trabalhos sobre LDs,

encontramos o artigo publicado por Rojo & Batista (2008), o qual nos mostra

que, desde a década de 1960, os livros didáticos de língua (materna e

estrangeira) têm sido objetos de investigação de várias pesquisas. Os dados

atestam que 37% dos trabalhos pertencem à edição didática, e os subtemas

menos abordados são justamente os que estudam a produção do livro, a

indústria editorial, os processos de autoria. Os autores apontam também

a falta de estudos sobre a distribuição do LD nas escolas e no mercado livreiro

e a sua circulação nacional. Rojo & Batista (2008) concluem que são

emergentes as pesquisas sobre produção, distribuição, circulação e uso do

livro didático.

Concordando com essas constatações há os resultados do projeto de

pesquisa O livro didático de língua portuguesa no ensino fundamental:

produção, perfil e circulação, realizado no triênio de 2004 a 2007, sob

coordenação da Profa. Dra. Roxane Rojo4. Nele, percebemos que, quando é

tratada a autoria no LD, as pesquisas levam em conta a renovação e a

permanência de autores e a natureza coletiva ou individual da autoria.

Entretanto, não se encontram pesquisas que apontam o trato do LD na

perspectiva do editor e sua atuação na autoria do livro.

A conclusão do artigo “Produzindo livros didáticos em tempo de

mudança”, reproduzida a seguir, corrobora com estas constatações:

São estudos de natureza qualitativa – sobre o processo de edição, sobre

as características discursivas e pedagógicas das obras – que poderão fornecer

elementos para a compreensão dos diferentes padrões apreendidos. Esses

estudos permitiriam apreender como os editores interpretam o mercado

e sua variação de acordo com a disciplina, como recrutam diferentes autores

e compõem equipes para a elaboração de livros, como utilizam os resultados

4 Ver LDP-Properfil no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq e no site http://homepage.mac.com/rrojo/LDP-Properfil/

Page 61: Anais do III SILID/II SIMAR

60

da avaliação e das escolhas docentes para reorientar suas estratégias e

práticas (BATISTA, ROJO & ZÚÑIGA,2003, 70-1).5

Em razão disso, abordar a produção editorial, especificamente o papel

do editor de LDP, faz-se necessário. O trabalho aqui se propõe, então, a

indagar essas necessidades e apontar um percurso de busca de tais dados.

Fundamentação teórica

Nos últimos anos, a noção de gênero tem auxiliado vários pesquisadores de

correntes teóricas diversas a compreender as práticas de linguagem que

circulam na nossa sociedade e que estão sempre em processo de

transformação. Procurar compreender tais práticas pressupõe também

estudar a produção, a circulação e a recepção de gêneros do discurso

específicos e legitimados de acordo com a função social que os sujeitos

ocupam nas diversas esferas de atividade humana. (BUNZEN, 2005, p. 36).6

Partimos do fundamento teórico exposto por Bunzen & Rojo (2008), que

defendem, de acordo com o método sociológico bakhtiniano, que o LDP é

[...] um enunciado num gênero discursivo, que apresenta, por

determinação histórica, forma composicional complexa e cheia de

intercalações (BAKHTIN, 1934-35/1975) e estilo didático de gênero, mas que

permite, a cada locutor/autor (BAKHTIN, 1920-24/1979) comunicar seus

temas em estilo próprio (BAKHTIN, 1952-53/1979), a partir das apreciações

de valor (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1929) que exerce sobre esses temas e

seus interlocutores (os professores, os alunos, os avaliadores do Ministério,

os editores) (p. 74).

ao invés da abordagem de que o LD é um mero suporte (objeto

material em que o texto se inscreve) de textos em gêneros variados.

A noção de suporte tem sido utilizada por alguns estudos, principalmente,

aqueles relacionados à História do livro e das práticas de leituras (CHARTIER,

1999, 2002; PAIVA et al., 2000; ROCKWELL, 2001; entre outros) e, mais

recentemente, aos estudos sobre gêneros (MAINGUENEAU, 2001;

MARCUSCHI, 2002, 2003, 2004), como uma forma de entender em que

5 Grifos nossos. 6 Grifo nosso.

Page 62: Anais do III SILID/II SIMAR

61

medida a materialidade do objeto portador do texto (rolo de papiro, pedra,

livro) altera as relações que se estabelecem entre leitores e produtores e os

gêneros em circulação na sociedade (ROJO & BUNZEN, 2005, p. 83).

Concordamos com Bunzen & Rojo (2008) que, se seguirmos essa última

perspectiva, não teremos como compreender o processo múltiplo de encaixes

e alinhamentos dos textos em gêneros diversos na composição do LDP, nem

como estabelecer uma unidade textual-discursiva. Além disso, como entender

a questão da autoria e do estilo do LDP nessa perspectiva?

Por essa razão, basear-nos-emos na abordagem de que no LD se

apresentam unidade discursiva, autoria e estilo, proporcionados via fluxos e

alinhamentos do discurso autoral.

Segundo Bakhtin (1934-1935/1975, p. 124), na sua composição, o

romance admite a introdução de diferentes gêneros do discurso:

Em princípio, qualquer gênero pode ser introduzido na estrutura do romance,

e de fato é muito difícil encontrar um gênero que não tenha sido alguma vez

incluído num romance por algum autor. Os gêneros introduzidos no romance

conservam habitualmente a sua elasticidade estrutural, a sua autonomia e a

sua originalidade linguística e estilística.

Ao dialogar com diferentes interlocutores e diferentes níveis de ensino,

os autores/editores articulam discursos didáticos também diferentes nos LDP:

Na realização do projeto discursivo particular do acontecimento do

enunciado, a apreciação valorativa do locutor/autor sobre os interlocutores

(no caso do LDP, o alunado, os docentes, os editores, os avaliadores do

Ministério) vai determinar uma maneira específica de dispor e de construir um

estilo didático, por meio de discursos injuntivos, explicativos, expositivos. Isso

fará com que o LDP, possivelmente, apresente diferenças de estilo de gênero,

por exemplo, no Ensino Fundamental ou no Ensino Médio. Também

apreciações de valor possíveis à postura de autor sobre o que

Bakhtin/Volochinov (1926) chama de o herói – a personagem no romance,

mas também os temas na vida cotidiana – terão impacto sobre o estilo de

gênero do enunciado. Assim, no LDP, verifica-se que diferentes apreciações

sobre o que ensinar em língua materna e sobre como ensinar língua materna

terão impacto nos temas (objetos de ensino, discursos de outrem)

selecionados para compor o livro, em sua forma composicional (divisão em

unidades/capítulos e seções; intercalação de gêneros; por exemplo) e em seu

Page 63: Anais do III SILID/II SIMAR

62

estilo didático (mais transmissivo, dedutivo; ou indutivo, construtivo; mais

informativo ou injuntivo) (BUNZEN & ROJO, 2008, pp.90-1).

A partir dessa abordagem, destacamos a atuação do editor no processo

de autoria e estilo do LDP. Uma vez que, como citado, a apreciação valorativa

do locutor/autor no acontecimento do enunciado leva em conta seu

interlocutor, que determina a maneira específica de dispor e construir um

estilo didático, o editor tem sido um dos agentes da produção responsáveis

por “alinhavar” esse discurso autoral, atentando para o tipo de interlocutor

que o LD terá para então concretizar o estilo didático. Entendemos, nessa

perspectiva, que, ao falarmos, produzimos formas relativamente consagradas

de interação verbal e, para isso, o realizamos por meio da escolha de um

gênero do discurso. Assim, os autores e editores de LD também fazem essas

escolhas e produzem seu enunciado num gênero do discurso, o LD, que tem

seus temas, interlocutores específicos (professores, alunos, avaliadores, etc.)

e estilo didático. Dessa forma produzem um enunciado em um gênero do

discurso com a função social de apresentar, ou reapresentar, para seus

interlocutores, formas de conhecimento autorizadas.

Sob essa perspectiva teórica, Bunzen & Rojo (2008, p. 112-3) concluem

que

[...] deslocando o foco da avaliação para o uso (e escolha) do livro, cremos

que se os interlocutores privilegiados do LDP – professores e alunos –

também tiverem em relação ao livro um olhar semelhante, poderão fazer

escolhas mais bem embasadas e se relacionarão com o discurso do autor de

maneira respondente, por meio de réplica e compreensão ativa, na medida

em que possam compreender, criticar e responder à postura e ao projeto

autoral. Talvez isso possa também contribuir para que o LDP deixe de ser

meramente consumido e passe a ser um elemento do diálogo plurivocal de

sala de aula.

Revozeando essa conclusão, deslocamos o foco da avaliação para a

produção do LDP, numa tentativa de privilegiar não apenas seus

interlocutores, mas os agentes envolvidos na produção. Os editores poderão

entender melhor o papel da autoria no gênero e buscar adequar o estilo

didático, melhorando o discurso do autor e até mesmo criando possibilidades

para que o professor e o aluno – futuros interlocutores – tenham condições de

Page 64: Anais do III SILID/II SIMAR

63

fazer as escolhas embasadas. O LD passa, então, a ser esse elemento do

diálogo plurivocal sobre o qual comentam os autores citados.

O LDP é, pois, um enunciado em um gênero do discurso, produzido por

diversos agentes (autores, editores, diagramadores, etc.), numa instância

pública (as editoras), que procuram satisfazer as necessidades de ensino-

aprendizagem formal da língua materna e, para isso, selecionam

determinados objetos de ensino (o tema) os quais recebem um acento

valorativo dependendo do ponto de vista específico adotado. Sendo assim,

deve-se levar em consideração o contexto de produção, circulação e recepção

desse gênero, pois, segundo Bunzen (2005, p.71), “podemos entender

perfeitamente que os gêneros escolares têm condições de produção, recepção

e circulação bastante específicas”.

Dessa maneira, passamos a refletir sobre o papel do editor na autoria

do LDP como gênero do discurso.

Coracini (1999, p. 28) afirma que “parece que a questão da autoria no

livro didático está ligada à ‘ilusão de autoria’, ilusão necessária mesmo que ela

seja dispersa, moldada pelo aparato editorial e determinada pelo prestígio que

determinadas editoras já gozam no mercado da produção do livro didático”.

De fato, o livro didático congrega múltiplas autorias. Por isso, faz-se

necessário trocar experiências nos âmbitos de sua elaboração e produção. Um

primeiro passo nessa direção seria apresentar o papel do editor nessa “trama”

para que possamos (re)construir a situação de produção e proporcionar uma

visão global e integrada desse gênero do discurso.

As editoras são atualmente esferas de produção onde se

produzem/negociam os saberes escolares legítimos que são apresentados aos

professores e alunos. A esfera de produção editorial tornou-se o lugar onde

ocorre o cruzamento dos saberes 7 (científicos, escolares, práticos,

especializados) e sua consequente transposição para o livro didático, que tem

sido um dos grandes responsáveis por fazer circular esses saberes na escola.

Rojo (2003) menciona estratégias editoriais (seleção textual,

aspectos gráficos-editoriais, manual do professor), pelas quais os editores

seriam os maiores responsáveis, e as didático-pedagógicas (elaboração das

7 Ver VALENTE (2003) e MARANDINO (2004).

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64

atividades, conteúdos escolhidos, progressão), pelas quais os autores seriam

os responsáveis.

Bunzen (2005), em sua dissertação, entende ser esse um processo

imbricado e de difícil delimitação das fronteiras na produção do LDP, pois seus

dados indicaram que “os autores, por exemplo, ao escolherem os textos para

compor o LDP, baseiam-se já em questões editoriais tais como a dificuldade

para conseguir a autorização para publicação dos textos ou o tamanho do

texto em relação ao número de páginas do livro”.

Entendemos ser difícil essa divisão também pelo aspecto contrário: as

editoras têm investido em profissionalizar os editores para torná-los cada vez

mais familiarizados com os saberes escolares e serem também responsáveis

pelas estratégias didático-pedagógicas.

Dessa forma, o editor tende a ocupar um papel importante na autoria

do LD, uma vez que as escolhas teórico-metodológicas, assim como

outras, tais como escolhas de textos, de fotografias, de cores, de formato,

etc. precisam de seu aval para que o LD seja publicado.

Segundo Chartier (1998), a editoria é uma profissão de natureza

intelectual e comercial que se originou, na França, nos anos de 1830 e que

tem como objetivo “buscar textos, encontrar autores, ligá-los ao editor,

controlar o processo que vai da impressão da obra até a sua distribuição”.

Ainda de acordo com Bunzen (2005, p. 98), os editores vão discutindo

com os autores e organizando o formato da coleção para atender ao mercado

editorial e à forte concorrência, além de se preocuparem com questões

técnicas, como o número de páginas, ou articularem a relação entre os

autores e os leitores críticos. Os editores e os autores, assim como outros

agentes, estão juntos num processo de produção de um objeto cultural dentro

de uma poderosa indústria editorial que vem, desde a década de 1990,

realizando mudanças efetivas em relação tanto ao projeto gráfico-editorial

quanto ao projeto pedagógico das coleções.

Assim que, baseando-se na perspectiva de que o LDP é enunciado

autoral em um gênero do discurso e que se deve levar em consideração, entre

outros, o contexto de sua produção, faz-se necessária a análise da atuação

deste importante agente da produção de um LD: o editor.

Page 66: Anais do III SILID/II SIMAR

65

Percurso a percorrer

Com base no que já foi exposto, este trabalho, que, como citado, encontra-se

em andamento, busca analisar o papel do editor na autoria/produção do LDP,

no que diz respeito à sua atuação na didatização dos objetos de ensino. Já

ressaltamos anteriormente que são vários os agentes envolvidos no processo

de produção editorial. Analisaremos especificamente a atuação dos editores

do LDP, com a intenção de fazer uma pesquisa de caráter qualitativo. Esse

objetivo central se desdobra nas seguintes perguntas:

1. Como a indústria editorial de livros didáticos tem funcionado frente às

novas organizações e de que maneira a distribuição dos papéis nas editoras e

seu poder relativo têm a ver com o que está sendo transposto nos livros

didáticos?

2. Que práticas editoriais estão envolvidas no processo de edição do LDP?

3. Em que medida os projetos editoriais e suas restrições (re)definem o estilo

didático do gênero LDP?

4. Como os editores utilizam os resultados da avaliação do governo

(Programa Nacional do Livro Didático – PNLD) e das escolhas dos docentes

para reorientar suas estratégias e práticas?

Para realizar esta pesquisa, selecionaremos 3 (três) editoras de livros

didáticos, que servirão como cenário para coleta de dados. Para isso,

recorreremos a entrevistas semiestruturadas com os editores envolvidos no

processo de autoria/produção do LDP, assim concebidas:

A entrevista semiestruturada não é inteiramente aberta e não é conduzida

por muitas questões preestabelecidas. Baseia-se apenas em uma ou poucas

questões/guias, quase sempre abertas. Nem todas as perguntas elaboradas

são utilizadas. Durante a realização da entrevista, pode-se introduzir outras

questões que surgem de acordo com o que acontece no processo em relação

às informações que se deseja obter (TANAKA, 2001).

De acordo com Ludke & André (1994, p. 34), a entrevista “permite

correções, esclarecimentos e adaptações que a tornam sobremaneira eficaz

na obtenção das informações desejadas”. Portanto, levamos em consideração

Page 67: Anais do III SILID/II SIMAR

66

que a entrevista, também conforme Mondada (1997, p. 59), é “um

acontecimento comunicativo no qual os interlocutores, incluído o pesquisador,

constroem coletivamente uma versão do mundo”. Distanciamo-nos, pois, de

uma visão que concebe a entrevista como um veículo neutro e transparente

de informações.

Posteriormente às entrevistas, cruzaremos os dados obtidos com pelo

menos 1 LDP editado por cada profissional entrevistado. Assim, cremos poder

aprofundar, articular e delimitar nossas perguntas de pesquisa.

Referências bibliográficas

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Design e formação de leitores na Web 2.0

Design and readers’ formation in Web 2.0

Ricardo Artur P. Carvalho, doutorando, PUC-Rio, [email protected] Bruna Spinola Saddy, graduanda, PUC-Rio, [email protected] Rafael Osório Barçante Pires, graduando, PUC-Rio, [email protected]

Resumo

O estudo aborda aspectos do design em relação à formação de leitores, focando no papel da mediação da leitura e especialmente na atuação do designer como agente mediador. Partindo de Martins (2006), Freire (1983) e Farbiarz (2004), o artigo problematiza o design enquanto estratégia de persuasão diante da Web 2.0. Como contribuições o artigo situa o design para além do objeto (Frascara, 2002) como estratégias voltadas para a leitura, assim como importância dos conhecimentos produzidos na área. Além disso, propõe a produção de uma série de vídeos como forma investigar estas ideias. Palavras-chave: design, leitura, web 2.0

Abstract

This study concerns the relationship between design and readers’ formation, aiming at reading mediation and the designer’s role. Starting from Martins (2006), Freire (1983) and Farbiarz (2004), this paper takes design on account as a persuasion strategy to the Web 2.0. As contribution, the text considers the design beyond the object (Frascara, 2002) as reading development strategies, and the specific knowledge produced in the area. Also, a video series is proposed as way of investigating these ideas. Keywords: design, reading, web 2.0

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70

Introdução

Como podemos compreender as contribuições que o design oferece à

formação de leitores hoje, no Brasil?

Antes de responder esta pergunta devemos questionar primeiro o que

significa ler, ou melhor, ser letrado na era digital. Devemos considerar que

atualmente a capacidade de ler textos impressos deixou de ser uma

necessidade exclusiva na formação cultural do cidadão, uma vez que se

tornam cada vez mais presentes as necessidades da alfabetização e inclusão

digital e de uma capacidade crítica de lidar com os diferentes meios que nos

circundam.

Mesmo em relação ao livro impresso, vemos no estudo de Jackeline e

Alexandre Farbiarz (2004) a necessidade de utilizar o design como uma das

estratégias de envolvimento para a leitura de maneira a dialogar com o

universo dos jovens leitores. O estudo apresenta o discurso desses leitores

que, face às novas tecnologias identificam a ausência de estímulo à leitura

devido à falta de apelo visual e sonoro, de dinamismo e praticidade, ou de

entretenimento do objeto livro. Nesse sentido, o artigo defende a

conscientização do designer enquanto agente mediador da leitura e propõe

que os projetos devam ir além das questões de funcionalidade e legibilidade

do projeto gráfico, para também contemplar questões específicas do público

ao qual se destina e desenvolver estratégias persuasivas para a leitura.

Por um lado, o artigo defende uma revisão das práticas de design no

que tange à concepção do livro impresso como objeto, a fim de melhorar a

interação com o público. Por outro lado, Farbiarz também dá a entender a

pluralidade de tecnologias e linguagens que convivem e participam do

universo destes leitores, sugerindo repensar os conceitos de leitura

empregados. Entretanto, o artigo se atém apenas às questões do livro

impresso e não oferece uma proposta em relação ao papel do designer frente

a outras formas de leitura.

A convivência de diferentes tecnologias e as necessidades impostas

pelas novas mídias nos permite repensar o conceito de leitura e retomar as

questões levantadas por Paulo Freire quando afirma que "a leitura do mundo

Page 72: Anais do III SILID/II SIMAR

71

precede a leitura da palavra". (FREIRE - 1983). No atual contexto, partimos

de Freire para entender que a formação de leitores não deve estar alheia às

mudanças promovidas pelos meios digitais, uma vez que o novo leitor se

forma cercado não apenas por textos impressos, mas por diferentes meios

comunicacionais.

Maria Helena Martins (2001) também defende outra visão sobre o

conceito de leitura, a partir de uma proposta educacional em que se articulem

diferentes linguagens. Para a autora é preciso estimular a leitura de imagens,

de filmes, do videoclipe, entre outros para estabelecer diálogos com o texto

escrito a fim de ampliar as potencialidades expressivas. Dessa maneira, ela

propõe uma abertura e flexibilização da noção de leitura, permitindo estender

aos múltiplos meios e linguagens a ideia de um processo de construção de

significados e não o seu resultado.

Vale ressaltar que Martins também não considera a leitura como

produto de uma operação unicamente racional, ressaltando que a sensação e

a emoção também permeiam o processo de significação (Martins, 2006). Os

deslocamentos em relação a uma noção tradicional de leitura levam a autora

a uma compreensão onde o objetivo da leitura não está na reconstrução de

um significado, mas no processo de constituição de significados possíveis, a

partir de diferentes meios, e por meio da sensação, razão e emoção. Logo, ela

nos leva a não mais considerar a existência da leitura, mas assumir que são

múltiplas.

Ao partirmos de Farbiarz, Freire e Martins, assumimos que a leitura na

contemporaneidade não é uma, são múltiplas e não mais se detém sobre o

um meio e uma linguagem apenas. Portanto, retomando ao estudo de

Farbiarz e à necessidade de se pensar o design voltado para a formação de

leitores, devemos questionar quais as possibilidades de atuação do designer,

na qualidade de agente mediador, para além do objeto livro?

Mudanças da Web 2.0

A “Web 2.0” é um termo utilizado pelo americano Tim O’Reilly (O'Reilly, 2005)

para denominar uma mudança de atitude na web, em que a troca de

informações na internet se dá de maneira mais participativa que

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72

anteriormente, pois foca na produção coletiva ao invés da disposição de

conteúdos. A Web 2.0 se caracteriza pelo surgimento das redes sociais (Orkut,

Facebook, MySpace), serviços de hospedagem e compartilhamento de

arquivos abundantes e acessíveis (Blogger, Youtube, Flickr) e jogos massivos

(World of Warcraft, WarHammer Online, Ragnarok Online).

O termo é considerado contraditório, justamente por não haver uma

mudança tecnológica que justificasse seu uso tal como em versões de

um software (como Firefox 3.5, Internet Explorer 8.0, etc.). Ao contrário, o

termo refere-se apenas à mudança do aproveitamento de recursos já

existentes anteriormente e ao impacto cultural causado por uma nova

maneira de se relacionar com o meio. Devido à popularidade que o termo

adquiriu ao se referir a estas mudanças, nós o empregaremos neste artigo

para facilitar a compreensão.

A flexibilidade e a participação são palavras chave para entendermos a

Web 2.0. O vídeo “The Machine is Us/ing Us” (WESCH, 2007) mostra como o

texto digital se torna flexível na medida em que forma e conteúdo não

dependem mais um do outro. Com a linguagem HTML (Hypertext Markup

Language), o conteúdo precisava ser pensado junto com sua formatação,

enquanto a linguagem como XML (Extensible Markup Language) permitem

que o conteúdo se encaixe em qualquer suporte online. Daí surge a ideia de

RSS (Really Simple Syndication), que permite que o usuário acompanhe

atualizações de quantos sites desejar em uma página central, para onde são

importadas as atualizações dos locais que ele decidiu seguir, o que é chamado

de mashup (iGoogle). O RSS permite inclusive que os conteúdos sejam vistos

fora do browser, em aplicativos para o desktop. Com a flexibilização dos

textos surge a participação massiva, que se manifesta em diversos fenômenos

diferentes, desde os já citados YouTube e Wikipedia, como em redes sociais e

jogos massivos.

A Web 2.0 possibilitou que os usuários tenham acesso fácil a

ferramentas que lhes permitam criar conteúdo e disponibilizá-lo para o

mundo. Atualmente é possível publicar quadrinhos sem que se saiba desenhar

(Pixtone), criar sites sem o domínio de HTML (Weebly) ou Flash (Wix), ou

montar enciclopédias colaborativas sem saber configurar redes (Wiki,

Wetpaint). Estas ferramentas permitem a execução de todos esses projetos a

Page 74: Anais do III SILID/II SIMAR

73

partir de interfaces amigáveis (Figura 1), que empregam operações simples

como clicar, arrastar e soltar, e possibilitam acompanhar visualmente a

criação do conteúdo, sem a necessidade de dominar a parte mais difícil e

especializada, ou seja, programação.

Figura 1 – Interface do Wix: Editor de sites em Flash.

O acesso a estas ferramentas facilitou a proliferação de conteúdos em

diferentes meios e linguagens, veiculados pela internet. A mudança de

atitude, que caracteriza a Web 2.0, contribuiu para um crescimento

significativo da oferta de informações sobre os mais variados assuntos, uma

vez que permitiu às pessoas publicarem conteúdos relacionados a seus

interesses particulares.

Porém, ao mesmo tempo em que especialistas em diferentes assuntos

sem domínio sobre as ferramentas digitais puderam publicar seus conteúdos,

a Web 2.0 também garantiu que pessoas escrevessem sobre qualquer

assunto, fossem elas especialistas ou não. Além disso, há a proliferação de

brincadeiras e informações falsas na internet como, por exemplo, o caso da

Descilopédia (http://desciclo.pedia.ws/wiki/Desciclopédia), uma paródia da

Wikipédia, onde o objetivo é fazer chacotas empregando linguagem informal,

por vezes chula e politicamente incorreta.

O vídeo “The Machine is Us/ing Us” (WESCH, 2007), questiona quem

deverá organizar todas as informações que têm sido veiculadas na web. A

resposta que ele dá é: você. Com isso, atribui a responsabilidade de seleção,

filtragem e organização dos conteúdos aos próprios usuários da internet, por

meio de ferramentas como links, marcadores sociais e redes de

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relacionamento. Entretanto, compreendemos que a capacidade de lidar com

estas informações disponíveis também está ligada à desenvoltura que o

“leitor” da web possui.

Neste sentido, situamos alguns problemas atuais em relação à formação

de leitores: como possibilitar uma leitura crítica acerca dos conteúdos

oferecidos na web? Como a web pode contribuir para a formação de leitores?

Como o design pode contribuir para a formação de leitores na web?

Educação na web

Mediante as mudanças ocorridas na web e a facilidade de publicação de

conteúdos, realizamos uma pequena exploração sobre alguns recursos

disponíveis gratuitamente na rede, em inglês e português, que possuem

finalidade educativa. O material observado foi escolhido segundo dois

critérios: primeiramente, fontes de consulta já conhecidas por nós; segundo

como resultados de buscas voltadas para explicações sobre diferentes mídias.

Os conteúdos selecionados foram organizados e categorizados segundo

sua relação com os conhecimentos (voltado para leigos ou especialistas), uso

das linguagens verbal e visual e segundo sua adequação a web (adaptado ou

feito para a web)1. Foram eles:

l How stuff works: learn how everything works! - Site que como

diversas coisas funcionam, curiosidades e outros.

http://www.howstuffworks.com/

l Video Games and... – Blog e série de vídeos voltados para

palestras sobre vídeo-game. http://videogamesand.blogspot.com/

l TED (Technology Entertainment and Design) – Site de uma

organização sem fins lucrativos, que promove conferências sobre

uma vasta gama de assuntos. http://www.ted.com/

l Common Craft – Site especializado na criação de vídeos com

explicações em linguagem simplificada (plain english).

http://commoncraft.com/

1 Com exceção do vídeo desenvolvido (publicado em 27/08), os demais conteúdos disponíveis online acessados tiveram o último acesso em 30 de abril de 2010.

Page 76: Anais do III SILID/II SIMAR

75

l Nova escola - Site de uma revista homônima, cujo público é

composto por gestores e professores da pré-escola ao ensino

fundamental. http://revistaescola.abril.com.br/

l Histórias em Quadrinhos é literatura? Reportagem do

programa Entrelinhas, da emissora de TV Cultura (SP), sobre a

relação entre quadrinhos e literatura.

http://www.youtube.com/watch?v=auCie_T6Mec

l Radar Cultura - Canal da emissora TV Cultura (SP), no Youtube,

com conteúdo adaptado para a web, organizado por programas.

http://www.youtube.com/user/radarcultura

l TV Brasil – canal da emissora TV Brasil no Youtube, que

apresenta amostras de programas e chamadas sobre a

programação. http://www.youtube.com/tvbrasil

l MultiRio – Site da Empresa Municipal de Multimeios (MultiRio)

disponibiliza conteúdos e recursos multimeios para professores e

alunos da rede pública. http://multirio.rio.rj.gov

l Fundação Cecierj – Site da Fundação Centro de Ciências e

Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro.

Gerido pelas universidades públicas do Estado do Rio de Janeiro e

voltado para a educação a distância.

http://www.cederj.edu.br/fundacaocecierj/index.php.

l TV Escola – Site do canal de televisão, pertencente ao MEC, que

produz vídeos educativos para professores e alunos com

conteúdos baseados nas grades escolares, ou seja, para cada

etapa de ensino (infantil, fundamental e médio).

http://tvescola.mec.gov.br/

Entre os portais da web que se propõem acrescentar novos

conhecimentos para leigos, as características em comum são o uso de

linguagem coloquial, sem traços de jargão de áreas específicas do

conhecimento e grande utilização de metáforas e comparações para facilitar a

compreensão do usuário. Estas escolhas de comunicação se devem ao público

alvo almejado: pessoas com escolaridade média. Exemplos desta categoria

são os sites “How Stuff Works” e “Common Craft”. Embora de maneiras

Page 77: Anais do III SILID/II SIMAR

76

diversas, ambos têm como objetivo dar novos conhecimentos aos seus

visitantes. O primeiro tem como principal mídia o texto: artigos sobre

diferentes fenômenos (científicos, naturais, sociais, culturais etc.) explicam

brevemente o que é e como acontece o objeto de estudo e usam metáforas,

em textos ou em imagens, para ilustrar tais conceitos e, finalmente, oferecem

outras mídias, como jogos, blogs, vídeos etc, para que o usuário possa

aprofundar e reforçar o que foi aprendido. Já o segundo tem como seu

alicerce vídeos curtos que explicam diversos conceitos e fenômenos por meio

de animações stop motion que também buscam a simplicidade, através de

imagens estilizadas de poucos traços e cores, em conjunto com a linguagem

coloquial e explicativa do narrador (Figura 2). De acordo com a nossa

pesquisa, constatamos que, em sua maioria, são portais com conteúdos feitos

especialmente para a web, por serem produzidos pelos próprios sites.

Figura 2 - Common Craft: Vídeo explicando o que é Mídia Social.

Há também ferramentas on-line que reiteram ou aprofundam um

aprendizado anterior. O público alvo é composto por pessoas que já detêm

conhecimento sobre a área abordada, o que fica claro devido ao uso de jargão

especializado. Um exemplo deste tipo de ferramenta é o site do TED que é um

evento físico que promove conferências sobre uma vasta gama de assuntos,

seguindo o estilo e abordagem de cada participante, que normalmente conta

com o apoio de slides ilustrados com imagens afins ao assunto, esquemas

gráficos e etc. É voltado para profissionais das áreas de cada palestra e

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77

palestrante. Seu conteúdo é transmitido legalmente e gratuitamente para a

internet pelo próprio site da organização e pelo seu canal no youtube. Embora

não sejam feitas especialmente para a web, elas são veiculadas legalmente e

gratuitamente no próprio site do evento e também no seu canal no youtube.

Figura 3 – TED: palestra sobre quadrinhos com Scott McCloud

Outros casos, como nos sites Nova Escola, Multirio, Fundação Cecierj e o

Programa Mídias na Educação que buscam disponibilizar materiais para o uso

em sala de aula. Estes são portais cujo público alvo é educadores que

buscam diferentes mídias para transmitir conhecimentos, reforçá-los ou ainda

como uma maneira de conquistar o interesse dos alunos. Nestes, pode-se

encontrar jogos didáticos, tanto virtuais como dinâmicas para serem

realizadas em sala, vídeos com diversos propósitos, demonstrar conceitos,

ilustrar ideias, tornar mais divertido, por meio de situações cômicas e com uso

de personagens, certos conteúdos considerados complexos pelos alunos.

Nestes casos também são encontrados diversos tipos de texto como, artigos,

reportagens, entrevistas e outros, apresentam também imagens, seja com

trabalhos de alunos seja com imagens sobre os conteúdos abordados,

algumas ilustrando conceitos, outras com fotos do ambiente e atividades

escolares, gráficos etc.

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Figura 4 – Nova Escola: proposta de atividade de geometria.

Embora todos procurem fornecer novas ferramentas didáticas para o

educador, seja em uma determinada matéria, como um vídeo que mostra um

jogo sobre formas geométricas, seja em temas sobre a melhora da vivência

do aluno na escola, como entrevistas com psicólogos sobre as diferentes

etapas da cognição infantil, não encontramos material que explore como

assunto as novas mídias.

De acordo com as características observadas neste levantamento,

constatamos também que podemos identificar os casos em que são

produzidos especialmente para web ou não. No caso dos materiais produzidos

para a web, observamos o uso de conteúdos interativos, como jogos

eletrônicos, por terem duração curta e formato característico (característica de

vídeos feitos especialmente para serem veiculados na internet) e por terem

hiperlinks que ligam um assunto ao outro. No caso de conteúdos que não

foram produzidos especificamente para a web, notamos que veiculam e

reproduzem conteúdos inicialmente produzidos para outras mídias (como

revistas e canais de tv) e os adaptam em termos de tamanho e formato

para adequação ao novo meio.

O quadro a seguir (Tabela 1) sintetiza a distribuição dos sites segundo a

adequação dos conteúdos à web.

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Tabela 1

Conteúdos feitos para a web Conteúdos adaptados para a web

How stuff works TED

Video Games and... Nova escola

Common Craft Histórias em Quadrinhos é literatura?

MultiRio Radar Cultura

Fundação Cecierj TV Brasil

TV Escola

Embora cerca de metade destes conteúdos não sejam desenvolvidos

especificamente para a web, mas adaptados, devemos destacar que a maioria

deles independe do contexto de sala de aula, e permitem o aprendizado

espontâneo. O acesso a estes conteúdos depende simplesmente do interesse

de quem está navegando na internet. Assim, com o aumento da oferta de

informações é de se esperar que o aprendizado já não fique restrito apenas

ao ambiente escolar. De acordo com Martín-Barbero (2008), a sociedade da

informação também é formadora do indivíduo, ou seja, uma sociedade

educacional.

Mas será apenas isso? Experimentamos durante a tarefa de selecionar

conteúdos educativos uma grande variedade de conteúdos que não atendiam

ao nosso interesse tanto por pareceram imprecisos quanto à informação e/ou

pela falta de cuidado visual na apresentação dos conteúdos.

Martín-Barbero (2008:29) também considera a importância das

mediações, afirmando que estas assumiram um papel crucial no processo

comunicacional. Nesse sentido, cabe dimensionarmos a importância do

designer dentro desse processo, considerando-o como um importante agente

na mediação das informações oferecidas.

Seguindo o raciocínio de Jackeline e Alexandre Farbiarz (2004), vemos

que parte deste papel mediador do designer está ligado à criação de

estratégias persuasivas, que dialoguem com o cotidiano dos leitores, a fim de

fomentar a leitura. Nesse sentido, estendo a noção de leitura aos múltiplos

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meios e linguagens, percebemos que sua atuação na formação de leitores não

se resume apenas ao objeto livro. Mas como poderíamos enquadrá-lo?

Design para a formação de leitores na Web 2.0

Se por um lado temos a Web 2.0 como uma forma de democratização da

produção de conteúdos e informações, por outro lado vemos a proliferação

desses conteúdos por pessoas sem especialização. A democracia das

informações faz com que convivam conteúdos verdadeiros, precisos e corretos

com conteúdos falsos, imprecisos e incorretos. Esta heterogeneidade se

reflete tanto nos conteúdos quanto na apresentação formal.

O fácil acesso ás ferramentas de produção permite a convivência não

apenas dos extremos da combinação entre forma e conteúdo, como também

das respectivas misturas: bons conteúdos com má apresentação formal e

vice-versa. Tal convivência também dificulta o processamento das

informações disponíveis, na medida em que os parâmetros de avaliação se

confundem. Será que um texto de má aparência pode ser levado a sério? Será

que um site de boa aparência é confiável?

Isso nos leva a pensar no papel do designer como um legitimador

destes conteúdos. Ao vermos conteúdos desenvolvidos para a web com boa

apresentação visual e que usufruem dos recursos interativos que o meio

possibilita, tendemos a confiar na informação que está sendo apresentada.

Claramente, bom design não basta para validar a informação, porém trata-se

de uma estratégia de persuasão.

Assim como vimos a importância do design do livro impresso como

forma de estratégias de persuasão (Farbiarz, 2004), o design para os

conteúdos da Web 2.0 não é menos importante e deve fazer uso destas

estratégias. Consideremos que conteúdos educativos na web, por mais

dinâmicos, estimulantes e interativos que sejam, concorrem com uma série de

outros conteúdos dentre os quais a sua apresentação visual é uma das formas

de distinção.

Contudo, ainda estamos tratando a questão do design num nível ainda

voltado para o objeto. Nesse sentido, discutimos o design desta ou daquela

mídia, sem pensar num sentido mais amplo outras formas como design

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poderia contribuir para a formação de leitores.

Uma primeira maneira de compreender a relação entre design e

formação de leitores seria considerar as proposições de Jorge Frascara (2002)

sobre o design e as ciências sociais. Frascara (2002: 33) aponta para uma

necessidade parar de pensar o design apenas na como “construção de

gráficos, produtos, serviços, sistemas e ambientes e pensá-los como meios

para as pessoas agirem, realizarem seus desejos e satisfazer suas

necessidades”. Nesse sentido, a proposta do autor é desmaterializar o objeto

de design, e pensá-lo como mediador de um processo de interação. Portanto,

ao vemos a partir desse pensamento que ao invés de se pensar apenas no

livro, ou numa mídia específica, o design poderia, por exemplo, se ocupar

também de estratégias que envolvam a relação do leitor com o objeto lido, ou

mesmo da relação entre leitores.

Frascara também destaca a ineficiência de uma comunicação quando

esta é unidirecional (2002:34). Ele defende que o processo comunicacional

deve ser tomado como processo de negociação e envolver tanto quem origina

a mensagem quanto quem a interpreta. A proposta do autor encontra eco

quando situamos a possibilidade de interação da Web 2.0, que garante acesso

não apenas aos meios de recepção, como também aos meios de produção,

favorecendo o diálogo.

Tal raciocínio nos permite, por exemplo, situar o design em relação à

facilitação do acesso às informações na web. A solução talvez não resida no

projeto de um ou outro conteúdo, mas no pensamento do funcionamento de

sistemas e na arquitetura das informações. O planejamento de como

apresentar as informações ao leitor e do relacionamento com outros

conteúdos podem potencializar a experiência de leitura. Vemos com Frascara

(2002: 34) que considerar as características dos meios de comunicação numa

perspectiva de diálogo pode tornar o processo comunicacional mais eficiente.

Uma segunda maneira de situar o design face à formação de leitores,

diz respeito ao designer enquanto produtor de conhecimentos específicos.

Temos no campo do design conhecimentos que têm se mostrado necessários

no cotidiano. Como exemplo, podemos notar o aumento de publicações

voltadas para o público leigo que trazem noções básicas de design gráfico,

formas de produção e dicas, como os livros D.I.Y. (Design It Yourself), D.I.Y

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82

Kids (publicado no Brasil como “Eu que fiz”) e Indie Publishing da

pesquisadora e designer norte-americana Ellen Lupton.

Além disso, vemos que pluralidade de enfoques na produção científica

da área, mesmo ao tratar de objetos de estudo compartilhados com outras

áreas, traz consigo um enfoque singular. Pesquisas sobre cinema, animação e

quadrinhos, por exemplo, terão características diferentes de acordo com o

campo que as aborda. Tal singularidade pode contribuir na formação de

leitores ao destacar as relações características do campo como aspectos da

produção, a linguagem visual, usabilidade e ergonomia, semiótica, entre

outros.

Considerações finais

Propusemos uma breve discussão acerca do papel do designer na formação

de leitores hoje no Brasil. Para isso, problematizamos o papel do design na

formação de leitores (Farbiarz 2004) e da leitura (Martins 2006), ampliando

para o processo de significação em relação ao texto e outras mídias. Diante

disso colocamos a questão da proliferação da web 2.0 e da maneira como

estes recursos podem ser utilizados para a educação.

Vimos exemplos de conteúdos feitos especificamente para a web e

outros que foram adaptados para pensarmos que papel o designer poderia

desempenhar. Mediante esta leitura, notamos que o design se destaca como

um dos diferenciais destes conteúdos, na medida em que se constitui como

estratégia de persuasão (Farbiarz, 2004). Porém, notamos que a contribuição

do design não se limita apenas pela configuração dos conteúdos, como

também pelas estratégias de emprego deles, problematizando a questão

social (leitura) e não o objeto (Frascara,. 2002) e pelos conhecimentos

específicos produzidos dentro do campo.

Um desdobramento deste raciocínio está em andamento, ao realizamos

como uma proposta para contribuição do design na formação de leitores uma

série de vídeos que parte da produção acadêmica (dissertações) dentro da

área do design, mas é voltada para o público leigo que procura se informar

sobre novas mídias.

O primeiro vídeo da série aborda a linguagem das histórias em

Page 84: Anais do III SILID/II SIMAR

83

quadrinhos (Figura 5) e parte da dissertação (Vasconcellos, 2006) e da

entrevista com o autor, para expor os principais conceitos sobre a linguagem

dos quadrinhos. O vídeo busca simplificar a linguagem por meio de exemplos,

linguagem coloquial e uso de recursos visuais explicativos, por meio da

animação bidimensional, para explicar conceitos e jargões ligados ao tema.

Figura 5 – Fotograma da animação “O que são quadrinhos?”

Desde as estratégias de publicação, o roteiro, a linguagem utilizada, a

animação entre os demais elementos do processo, foram pensadas e

discutidas por um grupo de designers considerando a possibilidade de

interação com o público e de maneira a permitir o acesso (links) a outros

meios. No presente momento o primeiro vídeo encontra-se online disponível

no endereço http://www.youtube.com/watch?v=kPBLNUS6w8U. Nossa

intenção é que a proposta se torne um meio de avaliarmos qualitativamente

os quesitos observados e propostos ao longo do artigo.

Referências

FARBIARZ, Jackeline e FARBIARZ, Alexandre (2004). O designer como mediador entre o livro e o leitor. Anais do P& D Design 2004, São Paulo, FAAP.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. In: _____________. A importância do ato de ler: em três textos que se completam. 3.ed. São

Page 85: Anais do III SILID/II SIMAR

84

Paulo: Autores Associados: Cortez, 1983. (Coleção Polêmicas do nosso tempo.) p.11-24

FRASCARA, J. [Ed.] Design and the Social Sciences: Making connections. London & New York: Taylor & Francis.2002.

MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. SP: Brasiliense 2006.

______, Palavra e Imagem: um diálogo, uma provocação. In MARTINS, Maria Helena (org) Questões de Linguagem – 6ª Ed. – São Paulo: Contexto, 2001. p. 95-105

MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicações, cultura e hegemonia. Trad. Ronald Polito e Sérgio Alcides. 5ª Ed. UFRJ: Rio de Janeiro, 2008. (1ª edição: 1997).

O’REILLY, T. What Is Web 2.0: Design Patterns and Business Models for the Next Generation of Software. Disponível em < http://oreilly.com/pub/a/web2/archive/what-is-web-20.html?page=1>. Acesso em: 28 abr. 2010.

VASCONCELLOS, Pedro Vicente Figueiredo; Mangá-Dô, os caminhos das histórias em quadrinhos japonesas. 2006. 220 f.Dissertação (Mestrado em Artes e Design)- PUC-Rio, Rio de Janeiro, 2006

WESCH, M. The Machine is Us/ing Us. 2007. Digital (4,34 min.): Youtube, , son., color. Sem narrativa. Didático. disponível em <http://youtube.com/watch?v=NLlGopyXT_g>. Acesso em: 28 abr. 2010.

Page 86: Anais do III SILID/II SIMAR

Os conhecimentos linguístico-gramaticais em coleções didáticas para o Ensino Fundamental II

Grammar and linguistic knowledge in portuguese primary school text books II (5th to 8th grades)

Daniela Manini, Mestre em Linguística Aplicada (IEL/UNICAMP), [email protected]

Resumo

o objetivo deste artigo é discorrer sobre como coleções didáticas aprovadas pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) 2008 desenvolvem o ensino de gramática. Para tanto, escolhemos três coleções com perfis distintos e, portanto, representativas de diferentes tendências para o ensino de língua materna. Palavras-chave: ensino de gramática, livro didático de português, PNLD.

Abstract

The aim of this paper is to discuss how the textbooks approved by the Textbook National Program (PNLD) 2008 develop the grammar teaching. Therefore we chose three textbooks with different profiles, and thus representatives of different trends for teaching the native language. Keywords: grammar teaching, Portuguese teaching books, PNLD (Textbook National Program)

Page 87: Anais do III SILID/II SIMAR

86

O que nos informa o Guia de livros didáticos – Língua

Portuguesa/2008

O Guia de livros didáticos – Língua Portuguesa/2008 enfatiza que o LDP não é

um conjunto de atividades didáticas, mas sim um projeto de ensino-

aprendizagem que deve estar adequado aos objetivos do ensino de Língua

Portuguesa, dados nos PCN e nas diretrizes curriculares estaduais e

municipais, e é considerando isso, bem como o projeto pedagógico da escola

e seu plano de ensino, que o professor deve fazer a escolha. Assim sendo, o

Guia esclarece os critérios de avaliação das coleções, tanto os eliminatórios:

correção de conceitos e informações, adequação metodológica e respeito aos

preceitos éticos, quanto os classificatórios, baseados nos princípios gerais

“referentes aos quatro grandes conteúdos curriculares básicos da área –

leitura, produção de textos, linguagem oral e reflexão sobre a língua e a

linguagem” (p. 11, ênfase adicionada).

Ao enfatizar que “as práticas de reflexão sobre a língua e a linguagem,

assim como a construção correlata de conhecimentos linguísticos e a

descrição gramatical, devem se exercer sobre os textos e discursos, na

medida em que se façam necessárias e significativas para a (re)construção

dos sentidos dos textos” (p. 12), o Guia esclarece ao professor que tais

práticas, por subsidiarem as atividades de uso da linguagem (leitura, escrita,

oralidade), não devem ser predominantes.

Nesse sentido, no “Roteiro para Análise e Escolha de Livros Didáticos de

Português (LDP)”, a orientação é para que o professor observe nas coleções

enviadas às escolas para análise e também nas informações dadas nas

resenhas do Guia se as atividades referentes aos conhecimentos linguísticos:

i) relacionam-se às situações de uso, subsidiando-as direta ou indiretamente;

ii) têm um peso menor, isto é, são menos exploradas que as atividades

referentes aos usos linguísticos; iii) consideram as variedades linguísticas

regionais e sociais, respeitando-as; iv) promovem a reflexão e a construção

em relação aos conceitos abordados.

Além dessas orientações, o Guia descreve o perfil das coleções a partir

do tratamento metodológico dado a cada eixo de ensino: leitura, oralidade,

Page 88: Anais do III SILID/II SIMAR

87

produção escrita e conhecimentos linguísticos, e a partir do modo como cada

coleção compõe seu projeto didático-pedagógico. Tais descrições constituem

uma novidade em relação às edições anteriores e revelam uma análise

diferenciada das 24 coleções aprovadas dentre as 33 inscritas no PNLD/2008.

Por isso, cabe explicá-las com mais detalhes.

Em relação ao tratamento metodológico, o Guia identifica quatro

tendências recorrentes:

1. Vivência (V): aposta no “aprender fazendo”, pois entende que o

aluno aprende determinado conteúdo curricular vivenciando

situações em que este esteja envolvido. Como exemplo, destaca

a tese “é lendo que se aprende a ler”. Como tal metodologia não

utiliza nem a transmissão e nem a construção dos

conhecimentos, há o alerta para que professores e alunos

saibam qual o objeto de ensino proposto em cada atividade

didática, caso contrário ela será ineficaz.

2. Transmissão (T): acredita que a aprendizagem do aluno se dá

através da assimilação de definições, normas e explicações sobre

determinado conteúdo dadas pelo professor ou pelo material

didático.

3. Uso situado (US): entende que o ensino de determinado

conteúdo deve partir de usos socialmente contextualizados, ou

seja, autênticos. Geralmente se relaciona aos gêneros, suas

formas composicionais, estilos e contextos de produção e

circulação.

4. Construção/reflexão (CR): leva o aluno à análise e reflexão

sobre determinados dados para, posteriormente, traçar

conclusões e sistematizações relativas ao objeto em estudo,

sempre orientadas pelo professor e pelo material didático.

Com base nisso, fizemos as seguintes perguntas a fim de selecionar as

coleções para compor nosso material de análise:

i. Que obras realizam um trabalho inovador com os conhecimentos

Page 89: Anais do III SILID/II SIMAR

88

linguísticos, ou seja, não pautado na metodologia transmissiva?

ii. Que obras mantêm a tradição gramatical?

iii. Em que medida princípio organizador de uma coleção pode

influenciar o tratamento metodológico dado aos conhecimentos

linguísticos?

Selecionamos três coleções que podem responder a essas questões,

bem como ser associadas aos modelos tradicional, funcional ou enunciativo,

entendidos por nós como as principais vertentes para a reflexão e a análise

linguística. São elas:

Código da

coleção

Título Autoria Editora Sigla

0108 Linguagens do século XXI (2ª edição)

Heloísa Harue Takazaki

IBEP (2006) LSXXI

065 Português, uma proposta para o letramento (1ª edição)

Magda Becker Soares

Moderna (2002) PPL

064 Projeto Araribá (2ª edição)

Autoria Institucional

Moderna (2007) PA

“O que fazem os LDP?” - Análise das coleções

Faremos a análise das atividades didáticas referentes aos conhecimentos

linguísticos, observando:

1. O modo de apresentação das atividades referentes aos

conhecimentos linguísticos no projeto pedagógico: há uma seção específica

para tais atividades? Os tópicos referentes a esse eixo são abordados em

seções variadas? Em que proporção isso ocorre?

2. Quais os objetos de ensino privilegiados? Predominam aqueles

próprios da gramática tradicional ou os propostos pela avaliação do

PNLD/2008?

Page 90: Anais do III SILID/II SIMAR

89

3. Os objetos de ensino são apresentados conforme as necessidades do

texto/gênero, como propõem os PCN e o PNLD, ou seguem a sequência

clássica dos manuais de gramática tradicional?

4. Há articulação entre as atividades sobre os conhecimentos linguísticos

e os outros eixos de ensino? Com quais? Que tipo de articulação?

5. Qual a metodologia de ensino adotada: transmissão, uso situado,

vivência ou construção/reflexão?

6. Qual o procedimento exigido pelas atividades: há

nomenclaturas/definições sobre o que está sendo abordado, isto é, há

privilégio da metalinguagem? Ou há o privilégio de aspectos metodológico-

cognitivos como: observação e reflexão, para eventuais atividades de

identificação e classificação, ou seja, das atividades epilinguísticas?

7. Qual a abordagem linguística ou teórica predominante: tradicional,

funcional ou enunciativa?

Linguagens do século XXI

A análise dos volumes permitiu-nos constatar que a coleção efetiva a proposta

de trabalho dada no MP, pois apresenta os objetos de ensino referentes aos

conhecimentos linguísticos conforme as necessidades do texto/gênero em

estudo, o que é coerente com o princípio organizador da coleção, que a cada

unidade didática privilegia o estudo das marcas linguísticas, das situações de

uso e da estrutura de um gênero textual/discursivo específico, em alguns

casos comparando-o a outro gênero. Por conta disso, os objetos de ensino

aparecem em seções específicas para os conhecimentos linguísticos e também

em seções que privilegiam a abordagem de outros eixos. Isso evidencia que

há articulação dos conhecimentos linguísticos com os demais eixos,

especialmente com as atividades de leitura, o “ponto forte” da coleção (Guia,

p. 109).

Há, nos dois volumes, várias questões de compreensão leitora que

focam: i) a intencionalidade do autor de determinado texto em função da

escolha lexical; ii) a interlocução estabelecida com os leitores; iii) as marcas

linguístico-estruturais de dado gênero; iv) os elementos coesivos; v) a

linguagem figurada; vi) a relação entre o título e o texto; vii) contradições e

Page 91: Anais do III SILID/II SIMAR

90

incoerências. Esse tipo de questão também é feito com a oralidade, com

acréscimo do enfoque em aspectos pertinentes ao eixo, como entonação,

níveis de linguagem e a relação entre fala e escrita, havendo, inclusive, duas

unidades específicas para o tema no volume da 7ª série: “Atenção! Tenho

algo a dizer” e “Conversando a gente se entende”, que desenvolve um

trabalho mais aprofundado com o eixo.

O trabalho com a leitura prepara para as atividades de produção escrita,

abordadas sob o viés procedimental proposto na década de 1980 (Bonini,

2002), que consiste em: planejar, elaborar e revisar. O diferencial é que, além

de trabalhar a escrita como um processo, a coleção situa os alunos a respeito

de “para quê” e “por quê” os textos serão produzidos, ou seja, considera os

contextos de produção e circulação dos gêneros propostos e,

consequentemente as implicações e necessidades linguístico-discursivas daí

decorrentes; além disso, há várias propostas para a produção escrita com

temas referentes ao cotidiano escolar, como a elaboração de um jornal da

escola, a troca de correspondências entre os alunos, o roteiro de um

programa de rádio, a análise e produção de entrevistas na escola, entre

outras. É por isso que a metodologia de ensino predominante no trabalho com

os conhecimentos linguísticos é a do uso situado (US).

Essa metodologia predomina nos demais eixos de ensino sendo

consequência da organização da coleção, que os aborda de forma integrada.

Por isso, no trabalho com os conhecimentos linguísticos, prevalecem os

objetos de ensino propostos pelos PCN e pela avaliação do PNLD, não

havendo a preocupação em seguir a sequência clássica dos manuais de

gramática tradicional.

Dentre tais objetos, constatamos um trabalho frequente sobre as

diferenças e semelhanças entre fala e escrita, as convenções da escrita

(pontuação, paragrafação), a forma composicional, o estilo e as esferas de

produção e circulação de gêneros/tipos textuais, os recursos coesivos, o léxico

e as redes semânticas, além da linguagem figurada, dos efeitos de sentido

relativos ao humor, à ironia e aos jogos de palavras e das propostas de

reescrita de textos.

As unidades didáticas de cada volume privilegiam temas eminentemente

linguísticos, como a caracterização de dicionários, enciclopédias, cartas,

Page 92: Anais do III SILID/II SIMAR

91

jornais, textos publicitários, entrevistas, lendas, mitos, textos argumentativos,

entre outros, daí a condução metalinguística ser preponderante. Outro dado

que confirma isso são as aberturas das unidades didáticas: todas trazem

explicações situando o leitor quanto ao tema e ao(s) gênero(s) em análise,

dizendo o que o aluno vai aprender, observar, elaborar e aplicar durante o

trabalho com a unidade.

Por conta do princípio organizador, da metodologia de ensino

predominante, da articulação entre os eixos e dos pressupostos da coleção,

que tomam a língua(gem) como um processo de interação do sujeito com o

mundo e privilegiam o estudo do gênero discursivo/textual como um dos

caminhos possíveis para essa interação, concluímos que a abordagem teórica

da coleção é a enunciativa.

Classificamos como próprias da abordagem tradicional atividades de

reescrita de frases dadas de modo descontextualizado, sem explicitação sobre

qual o objeto de conhecimento em exercício. Consideramos sob o enfoque

funcional atividades que partem de trechos de textos, propondo reflexões

sobre sua estrutura, escolha lexical e efeitos de sentido daí advindos. Sob a

abordagem enunciativa, classificamos atividades que propunham um olhar

mais abrangente, com foco no “objeto texto em sua integralidade” (cf. Rojo,

2006d), considerando, além dos aspectos formais que enquadram um texto

em determinado gênero, as situações em que este se manifesta, integrando-

o, portanto, a aspectos sócio-culturais.

Português, uma proposta para o letramento

A análise dos volumes nos indica que a coleção desenvolve o trabalho com os

conhecimentos linguísticos em articulação com os demais eixos.

A articulação com as atividades de leitura predomina, uma vez que a

maioria das atividades didáticas parte da leitura de um texto relacionado ao

tema específico da unidade. Isso indica que os objetos de ensino são dados

conforme as necessidades do texto/gênero em questão, em consonância com

as propostas dos PCN e da avaliação PNLD. Mas, diferentemente de LSXXI, a

coleção não privilegia o estudo da forma composicional, do estilo e das

esferas de produção e circulação de determinado gênero discursivo/textual;

Page 93: Anais do III SILID/II SIMAR

92

no próprio MP já sinaliza que o foco são as possibilidades de discussão

temática e as capacidades linguísticas a serem desenvolvidas a partir de

elementos do texto. Por isso, várias atividades relacionadas aos

conhecimentos linguísticos partem de um aspecto linguístico tido como

relevante em determinado texto e expandem para análise e sistematização do

que é a generalidade do objeto linguístico em foco. Por conta disso,

identificamos a abordagem teórica funcional como sendo predominante.

A metodologia de ensino predominante nas atividades didáticas é a CR.

Já a condução das atividades é predominantemente epilinguística em ambos

os volumes, havendo maior incidência da metalinguagem no volume da 7ª

série, coerentemente aos PCN

As atividades classificadas como metalinguísticas têm um cunho

reflexivo e não identificamos nenhuma em que haja excesso de

metalinguagem. No volume da 7ª série, há maior incidência de nomenclatura

de classes de palavras, recursos estilísticos e estruturais de textos, mas isso,

aliado à metodologia de ensino predominante, caracteriza-se como uma

abordagem metalinguística reflexiva com “contornos epilinguísticos” _se é que

podemos fazer essa caracterização_ pois é muito tênue a distinção entre um

tipo e outro de condução das atividades.

É válido ressaltar que, ao longo dos volumes, o leitor é o tempo todo

chamado a refletir sobre recursos linguísticos referentes à pontuação, ao

suporte onde os textos foram originalmente publicados e ao significado de

alguns termos, o que entendemos como orientações metalinguísticas, ainda

que não sejam passíveis de classificação em nossa análise de dados, pois não

compõem as atividades didáticas.

Também deve ser ressaltada a progressão na abordagem dos objetos

de ensino, tanto em um mesmo volume como nos dois volumes entre si; dado

que mostra o processo de ensino em espiral sendo efetivado, conforme os

PCN.

Para finalizar, destacamos que entre os objetos de ensino privilegiados

estão: reflexões sobre o léxico e as redes semânticas, expandido para a

inferência sobre pressupostos e implícitos; recursos estilísticos para a

composição de poemas (metáforas, comparações, aliteração, metonímia,

rima, ritmo); variação linguística; elementos coesivos; estrutura textual da

Page 94: Anais do III SILID/II SIMAR

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argumentação; elementos da narrativa; características das histórias em

quadrinhos e do texto descritivo; discursos direto e indireto; flexão verbal;

concordância verbo-nominal; diferenças entre notícia e reportagem;

pontuação; prosódia; relação entre fala escrita; ortografia, geralmente

partindo do aspecto morfossintático para considerações semânticas (por

exemplo: meio/meia, a ver/haver, senão/se não); dêiticos; gírias; conjunções

adversativas. Ou seja, tópicos que não seguem a sequência dos tradicionais

manuais de gramática e raramente se utilizam da nomenclatura própria da

GNT. Há várias orientações longo dos volumes afirmando que a coleção opta

por uma gramática de usos e, portanto, evita o estudo formal de natureza

sintática ou morfológica e privilegia o aspecto semântico. Desse modo,

concluímos que a coleção efetiva o que estabelece no MP, caracterizando-se

como uma obra que materializa a inovação em relação ao ensino dos

conhecimentos linguístico-gramaticais.

Projeto Araribá

Conforme sinaliza o Guia, e também cumprindo a proposta de ensino que

apresenta em seu MP, essa coleção aborda os conhecimentos linguísticos

privilegiando o viés tradicional, que também prevalece nas atividades de

leitura e produção escrita, pois estas privilegiam aspectos estruturais e marcas

linguísticas de alguns tipos de textos.

O viés tradicional se dá através da apresentação dos objetos de ensino

visando a recobrir todo o conteúdo dos manuais de gramática tradicional

(fonética, fonologia, ortografia, morfologia, sintaxe), feita nas seções “Estudo

da língua” e “Questões da língua”. Ambas as seções trazem o texto como

mero pretexto para definições e exercícios, de modo que não promovem a

articulação com os outros eixos de ensino. Um exemplo de como isso ocorre

está na sequência sobre “adjetivos”, dada no volume da 5ª série, que explora

todos os detalhes sobre o tema, com base nas definições e nos conceitos da

GNT.

A sequência didática tem nove páginas e é retomada na mesma unidade

didática para discorrer, por mais seis páginas, sobre as “flexões do adjetivo”,

esgotando as considerações sobre o tema através de definições da GNT e de

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94

exemplos que fogem à realidade do Português contemporâneo falado e

escrito. Este é o estilo das seções que abordam a gramática, indicando-nos

que, na coleção, predominam as atividades gramaticais e não as de uso da

língua.

A articulação com elementos do texto e do discurso ocorre apenas em

atividades de produção e compreensão escrita, que trazem como objetos de

ensino: o léxico (escolha lexical, sinonímia), a pontuação, os recursos da

linguagem poética, a linguagem das histórias em quadrinhos, alguns recursos

coesivos, os discursos direto e indireto e as estruturas dos textos narrativo,

expositivo, descritivo e argumentativo. Não foi identificado nenhum tipo de

articulação com o eixo da oralidade, que, aliás, é pouco explorado nos

volumes analisados. É válido ressaltar que a articulação, quando há, se dá

apenas entre os conhecimentos linguísticos e um dos dois eixos (leitura ou

escrita), não sendo identificada nenhuma atividade que integre os três eixos.

Entendemos isso como consequência da organização da coleção, que faz uma

nítida separação entre as frentes de ensino de Língua Portuguesa, mantendo

a tradicional divisão entre: “gramática”, “redação” e “interpretação de textos”.

A metodologia de ensino é totalmente transmissiva nas seções

específicas para gramática. Nas atividades que relacionam os conhecimentos

linguístico-gramaticais à produção escrita, predomina a metodologia

transmissiva, pois a coleção traz modelos textuais a serem imitados, mas

também se faz presente a construção/reflexão e a vivência, sendo esta

predominante em atividades de leitura.

A condução das atividades é predominantemente metalinguística, com

excesso de nomenclaturas e definições em ambos os volumes.

A metalinguagem é usada como um fim em si mesma nas atividades

específicas para gramática, mas também predomina nas atividades de leitura

e produção escrita, o que entendemos ser consequência da metodologia

transmissiva de ensino, aliada à concepção de linguagem como

código/modelo, definida no MP.

Concluímos, a partir da análise dos dois volumes, que a coleção é

coerente com a proposta teórico-metodológica apresentada no MP e tem

como consumidor pretendido o professor afeito às práticas tradicionais de

ensino ou aquele que, porventura, não se interessa pelas propostas de

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inovação sugeridas nos referenciais, vislumbradas pela política de avaliação do

PNLD e materializadas em LDP como as outras duas coleções aqui analisadas.

Considerações finais

Um dado relevante na observação das três coleções é que o trabalho com o

léxico e as redes semânticas, ou seja, a significação, tem a maior incidência

entre os objetos de ensino abordados em LSXXI e PPL, assim como ocorre em

várias atividades relacionadas à compreensão leitora apresentadas no PA.

Outro dado relevante é a coerência entre o que cada coleção traz como

proposta teórico-metodológica no MP e o que desenvolve nos LDP. Isso

confirma uma orientação clara para o professor a respeito do projeto didático

com que possa eventualmente trabalhar.

Com perfis distintos, LSXXI e PPL possibilitam aos docentes o acesso às

orientações atuais para o ensino de língua materna, e consequentemente para

a prática de análise linguística/ conhecimentos linguísticos, uma vez que

nitidamente se orientam pelos PCN e pelo modelo de LDP almejado pela

avaliação do PNLD, possibilitando um novo olhar para a gramática, com novos

objetos de ensino. Em um outro sentido, o PA mantém o ensino de gramática

tradicional; por isso, essa é uma coleção é voltada a professores que não

estejam interessados em práticas renovadas de ensino.

Bibliografia citada

BRASIL (2007). Guia de livros didáticos PNLD 2008: Língua Portuguesa/ Ministério da Educação. Brasília: MEC/SEB, 2007.

BRASIL (1998). Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental: Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEB, 1998.

EDITORA MODERNA. Projeto Araribá. São Paulo: Editora Moderna, 2007.

SOARES, M. B. Português, uma proposta para o letramento. São Paulo: Editora Moderna, 2002.

TAKAZAKI, H. H. Linguagens do século XXI. São Paulo: Editora IBEP, 2006.

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Panorama dos Ambientes Virtuais de Aprendizagem no Brasil: uma análise da plataforma Eureka1

Overview of Virtual Learning Environments in Brazil: an analysis of Eureka platform

Raiane Nogueira GAMA, graduanda em Comunicação Social. UFF, [email protected] Alexandre FARBIARZ, Doutor em Design. PUC-Rio, [email protected]

Resumo

Este trabalho dá continuidade ao levantamento e mapeamento de Ambientes Virtuais de Aprendizagem – AVAs – no Brasil. A partir da análise exploratória de cursos a distância online pretendemos discutir aspectos da interface gráfica de AVAs utilizando conceitos de Comunicação Visual e Design. Palavras-chave: Ambiente Virtual de Aprendizagem, Educação a Distância, Interface Gráfica

Abstract

This article continues the survey and mapping of Virtual Learning Environments - VLEs - in Brazil. Through the exploratory analysis of online distance courses we intend to discuss aspects of VLEs graphical interface, based on concepts of Visual Communication and Design. Keywords: Virtual Learning Environment, Distance Education, Graphical Interface

1 Este estudo foi desenvolvido no âmbito do grupo de pesquisa Discursos em Contextos Ciberculturais, coordenado pelo prof. Dr. Alexandre Farbiarz, do curso de Comunicação Social, da Universidade Federal Fluminense. 2 Cursando graduação em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, na Universidade Federal Fluminense; Bolsista de Iniciação Científica pelo CNPq no projeto de pesquisa “Comunicação Visual em Ambientes Virtuais de Aprendizagem” na Universidade Federal Fluminense. 3 Doutor em Design pela PUC-Rio, Mestre em Educação e Linguagem pela USP, Mestre em Design pela PUC-Rio. Professor Adjunto do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense — na área de ênfase em Design Editorial; Coordenador do Grupo de Pesquisa no CNPq Sujeitos, linguagens e suportes em contextos ciberculturais.

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Introdução

Os Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVAs) são plataformas utilizadas na

internet para a realização de cursos a distância online, transpondo para o

ambiente virtual o espaço de sala de aula. Desenvolvidas por empresas ou

instituições de ensino, podem ser comerciais ou open source. Permitem, entre

outras funcionalidades, a publicação e o acesso a textos, exercícios,

elementos multimídia, notícias e agenda dos cursos, além da comunicação

entre alunos e professores, de forma síncrona ou assíncrona.

Essas plataformas proporcionam uma experiência diferenciada de um

curso presencial em sala de aula. Embora nos dois ambientes os alunos

possam ter acesso aos mesmos conteúdos, o suporte eletrônico apresenta

características distintas, referentes aos recursos didáticos disponíveis e ao

gênero discursivo utilizado. Além disso, na internet, os usuários assumem um

papel ativo de navegação, escolhendo qual link clicar e em que ordem

(FARBIARZ e FARBIARZ, 2008). Chartier (1994) fala sobre a produção de

sentidos do discurso diferenciada conforme o suporte em que se concretize:

É preciso levar em conta que as formas produzem sentidos e que um texto,

estável por extenso, passa a investir-se de uma significação e de um status

inéditos, tão logo se modifiquem os dispositivos que convidam à sua

interpretação. (CHARTIER, 1994, p. 13)

Com o uso do ambiente virtual, também se estabelece uma nova

relação tempo-espaço, dando mais flexibilidade para alunos – que podem

acessar conteúdos a qualquer hora e em qualquer lugar – e professores – cuja

orientação não fica restrita a horários fixos, pré-estabelecidos. Como ressalta

Daumau:

Pode-se dizer que o aluno do ensino tradicional vai à faculdade, tem 4 horas

de aula por semana com o professor e depois só volta a vê-lo na próxima

semana. A Educação a Distância [na qual o AVA é um importante

instrumento], por sua vez, exige que o professor ministre as aulas, responda

a todos os e-mails enviados pelos participantes e tenha um contato interativo

constante. (DAUMAU, 2008 apud OLIVEIRA; MENDES, 2009)

Os AVAs ainda dão mais liberdade para que os alunos tirem dúvidas ou

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98

manifestem opiniões sobre os conteúdos do curso. A figura do professor e o

espaço de sala de aula muitas vezes intimidam os estudantes. Na discussão

online, por meio de fóruns e chats, eles ficam mais à vontade para formular

perguntas e respostas.

Existem vários ambientes virtuais de aprendizagem em uso no mundo,

criados por instituições nacionais ou desenvolvidos no exterior e traduzidos.

Oliveira e Mendes (2009) listam alguns desses sistemas: Moodle, Blackboard,

ATutor, Ilias, Claroline, Dokeos, OLAT, Sakai CLE, Learn Loop, Lon-Capa,

.LRN, Site@School, TelEduc, WordCircle, AulaNet, Eureka, Lotus LMS, WebCT.

Dando continuidade ao mapeamento do uso de AVAs no Brasil

(FARBIARZ e FARBIARZ, 2008), neste artigo nos dedicaremos a um estudo de

caso da plataforma Eureka4. A opção pela análise exploratória do ambiente se

justifica por ter sido desenvolvido por uma universidade brasileira, a PUCPR, e

pela facilidade de acesso. Para a descrição do Eureka, um login foi habilitado

pelos administradores do AVA, o que permitiu o reconhecimento de seus

principais recursos, através da navegação e da participação em uma sala de

teste. Além disso, está disponibilizado no site um tutorial, “Eureka Tour”, que

explica passo a passo como navegar pelo ambiente.

O Eureka

Apresentação

O Eureka foi desenvolvido pela PUCPR, como uma ferramenta de mediação

pedagógica e apoio à aprendizagem, ampliando a sala de aula no espaço e no

tempo: “O Eureka permite a comunicação entre os participantes, a

organização das tarefas, o depósito de trabalhos, o acesso aos conteúdos

digitais, entre outros. O ambiente é central para estudar a distância (...)5”.

Disponível em português e inglês, é executado facilmente em

navegadores como Internet Explorer (versão 5.0 ou superior) e Firefox

(versão 1.1 ou superior). O AVA é integrado ao sistema acadêmico da

Universidade – o iGER, com código de usuário e senha unificados. Também é

4 https://eureka.pucpr.br/entrada/index.php. 5 http://eureka.pucpr.br/apresentacao/conteudo/comecar/org_agenda.html

Page 100: Anais do III SILID/II SIMAR

99

possível cadastrar-se como um usuário externo, porém, nesse caso, não é

permitido o acesso a salas acadêmicas, vinculadas diretamente à matrícula na

PUCPR. E, mesmo para entrar em salas não-acadêmicas, esse tipo de usuário

precisa ser habilitado pelo moderador da sala.

Navegação

Na página inicial do Eureka, aparece em destaque para o aluno uma lista de

links das salas em que ele está inscrito (“salas ativas”), seus últimos “editais”

– avisos referentes a estas salas – e uma agenda, que traz as atividades

definidas no plano de trabalho de cada uma delas. Na parte superior, um

menu horizontal (menu principal) também dá acesso à agenda e às salas,

além do “correio geral”, “pasta pessoal” e “informações”.

Figura 1: Página inicial do Eureka

O “correio geral” pode ser associado ao e-mail externo do usuário,

permitindo que ele seja constantemente avisado sobre as novidades do

Eureka e suas tarefas, o que facilita a organização do aluno. A “pasta pessoal”

permite o armazenamento de arquivos no sistema. Na opção “informações”,

estão dispostos em um menu horizontal links para o manual do aluno, em

formato PDF; uma lista de avisos sobre cursos e eventos, classificados por

cores entre novos, antigos ou importantes; e um relatório de pesquisas feitas

Page 101: Anais do III SILID/II SIMAR

100

pelo usuário. Os avisos mais recentes também aparecem logo após o login no

Eureka, como uma tela pop-up.

Figura 2: Pop-up de avisos sobre cursos e eventos

No Eureka, o acesso a atividades pode ser feito a partir da “agenda” ou

pelo item “salas”. Na “agenda”, estão em destaque todas as atividades

previstas para o mês ou semana (o usuário pode alterar o modo de

visualização), classificadas por cores de acordo com o tipo de tarefa. Ao

passar o mouse por cima dos eventos marcados, o aluno vê o nome da

atividade, a sala, a data de início e fim. Clicando-se sobre a data, abre-se uma

janela com mais informações, oferecendo o acesso à atividade na sala em que

ela foi proposta.

Figura 3: Agenda de atividades do Eureka

Page 102: Anais do III SILID/II SIMAR

101

O usuário também pode acessar uma sala através da opção “salas”, no

menu principal. A partir daí, ele tem a alternativa de selecionar a sala

pretendida na “lista de salas ativas”, que aparece em destaque na tela, ou nos

campos logo abaixo do menu (“nome e navegação de salas”), através de

barras de rolagem. Na mesma tela, há um segundo menu horizontal

(“categorias das salas”), que permite ao usuário ver salas encerradas,

canceladas ou inscrever-se em novos grupos:

A metáfora adotada no Eureka é a de salas virtuais, que são espaços que

incluem grupos de participantes compartilhando recursos e funcionalidades.

Existem vários tipos de salas, cada qual com suas características próprias e

destinadas a determinado grupo de alunos6.

Figura 4: Página de acesso às salas do Eureka

Figura 5: Página de inscrição em novos grupos de discussão

6 http://eureka.pucpr.br/apresentacao/conteudo/comecar/org_salas2.html

Page 103: Anais do III SILID/II SIMAR

102

Para se inscrever em um novo grupo de discussão, o usuário deve ir

selecionando sub-áreas (menu vertical do lado esquerdo da página) da área

escolhida, até chegar a lista de salas correspondente (que vão aparecendo ao

lado do menu). Então, basta clicar no botão “inscrever” ao lado da sala que o

interessa. Após essa solicitação, o usuário deve aguardar que o administrador

da sala habilite seu acesso. Além das salas da PUCPR, o Eureka disponibiliza

grupos de discussão de outras instituições, que possuem convênio de

pesquisa com a Universidade.

Recursos disponíveis

As salas virtuais do Eureka apresentam diversas funcionalidades. Ao

selecionar o grupo de discussão pretendido, um novo menu horizontal (“menu

das salas”) aparece logo abaixo dos campos de nome e navegação, dando

acesso aos seguintes recursos:

• Arquivos: é a pasta da sala, em que os usuários podem

compartilhar conteúdos. Na pasta “Arquivos”, o acesso dos

alunos fica restrito à visualização e ao download do material

disponibilizado pelo moderador da sala. Já no “Espaço aberto”

são permitidas a eles a criação de novas pastas e a inserção de

arquivos.

Figura 6: Opção “Arquivos”

• Comunicação: dá acesso a um sub-menu, com cinco opções:

- edital: traz avisos referentes ao grupo de discussão

acessado e ao plano de estudo do aluno (atividades

programadas), escritos pelo moderador da sala;

Page 104: Anais do III SILID/II SIMAR

103

- fórum: permite a leitura, resposta e criação de

tópicos pelos usuários;

Figura 7: Página do “Fórum”, dentro da opção “Comunicação”

- chat: dá acesso a chats previamente agendados pelo

moderador da sala. Ao entrar no chat, abre-se uma

nova janela, no padrão da maioria das salas de bate-

papo: há uma lista de participantes (em forma de

link, dando acesso ao perfil de cada um), a sequência

da conversa e uma caixa de texto (que permite ao

usuário escolher com quem fala e se em reservado

ou não);

Figura 8: Janela de chat do Eureka, dentro da opção “Comunicação”

Page 105: Anais do III SILID/II SIMAR

104

- correio: é o correio geral, que também pode ser

acessado pelo menu principal;

- contatos: traz uma lista com os nomes do moderador

e dos participantes da sala acessada. Quando

selecionados, levam ao perfil de cada um, que

aparece ao lado da lista. Ao criar seu perfil, o usuário

pode inserir uma imagem de identificação.

Figura 9: Lista de contatos em uma das salas do Eureka, dentro da opção

“Comunicação”

• Estudos: também dá acesso a um sub-menu, com quatro opções: - plano de trabalho: apresenta uma lista com todas as

tarefas previstas para a sala em questão, que podem

ser diretamente acessadas e realizadas pelos alunos,

de acordo com o planejamento do curso. Aqui, os

professores podem inserir módulos, propor atividades

(exercícios, avaliações, leituras, chats, fóruns,

encontros presenciais, trabalhos, seminários, etc.) e

disponibilizar material de apoio (links, arquivos,

referências bibliográficas e vídeos). Ao lado de cada

tarefa, um símbolo indica se ela já foi cumprida ou

não. Na medida em que as executa, o aluno tem a

opção de mudar o status para uma “atividade

Page 106: Anais do III SILID/II SIMAR

105

finalizada”, alterando essa indicação, conforme

mostram as figuras 10 e 11:

Figura 10: Atividade não finalizada, com “!” destacada em vermelho

Figura 11: Atividade finalizada, com “√” destacado em verde

- webgrafia: permite aos usuários a indicação de sites,

que ficam listados na página em forma de links,

visíveis para todos os participantes da sala;

Figura 12: Página “Webgrafia”, dentro da opção “Estudos”

- material didático on-line: abriga conteúdos multimídia

desenvolvidos pelo NTE – Novas Tecnologias

Page 107: Anais do III SILID/II SIMAR

106

Educacionais, da PUCPR, em colaboração com

professores da Universidade. Ao acessar essa opção,

o aluno visualiza uma lista de materiais (“temas de

estudos”), para diferentes áreas de conhecimento.

Caso haja interesse por um dos temas, ele deve

solicitar ao professor que libere o acesso ao material

na sala em questão.

Figura 13: Lista de temas de estudos disponibilizados no Eureka

É interessante destacar que cada tema de estudo disponível na

plataforma apresenta um layout diferenciado, de acordo com a área de

conhecimento e a proposta da atividade, como podemos ver nas duas figuras

a seguir:

Figura 14: Páginas de acesso aos módulos do tema de estudo “Design”

Page 108: Anais do III SILID/II SIMAR

107

Figura 15: Páginas de acesso aos módulos to tema de estudo “Inglês”

- agenda de provas: traz uma planilha com

informações sobre eventuais avaliações, como data

de início e fim, notas, correções e estatísticas.

• Painel de Bordo: com um sub-menu, apresenta estatísticas,

relatórios e dados sobre a sala acessada.

• Sair da Sala: redireciona o usuário à página inicial da opção

“salas”.

Para os moderadores das salas, no menu principal aparece a opção

“recursos”, que permite a esses usuários a inserção de avaliações, vídeos e a

edição e criação de novos temas de estudo.

Análise da plataforma

O Eureka se configura como um ambiente bastante funcional, oferecendo

recursos básicos de uma plataforma de ensino a distância, como repositório

de arquivos, correio eletrônico, quadro de avisos, chats e fóruns de discussão.

Em relação à interatividade, o AVA permite uma significativa troca de

informações entre os usuários, principalmente através das funcionalidades da

opção “Comunicação”.

Na plataforma, a maior parte da navegação se dá na mesma janela,

com algumas telas flutuantes (pop-ups). O trajeto feito pelo usuário é

destacado na cor vermelha, o que evita que ele se perca durante o acesso ao

sistema. As estruturas das telas são muito semelhantes, tanto no que se

Page 109: Anais do III SILID/II SIMAR

108

refere às cores quanto à disposição dos elementos nas páginas, e há um uso

reduzido de ícones.

Embora o Eureka se apresente como uma plataforma que abriga salas

diferenciadas, de acordo com o perfil de seus participantes, conforme o texto

de apresentação disponível no site, a análise nos mostrou que na verdade o

AVA é pouco configurável. Os moderadores não têm, por exemplo, a

possibilidade de alterar o layout das salas. O ambiente só oferece espaço para

personalização na opção “material didático on-line”, que permite aos

professores, além do uso dos “temas de estudos” já disponíveis no sistema, a

edição e criação de novos conteúdos e objetos de aprendizagem.

Outra característica identificada ao longo da navegação se refere à

linguagem adotada no ambiente. No Eureka, predomina o conteúdo verbal,

com a reprodução no suporte eletrônico de uma estrutura discursiva

característica de materiais didáticos impressos, adotados no ensino presencial.

Dessa forma, desconsidera-se o fato de que, como ressalta Chartier (1994),

suportes diferentes possuem linguagens próprias e produzem sentidos

distintos para o mesmo conteúdo.

A partir dessas observações, procuramos classificar o AVA segundo

princípios educacionais apontados por Valente (2002), referentes ao uso da

Internet para EaD. O autor distingue três propostas de ensino-aprendizagem

mediadas pelo suporte eletrônico, de acordo com o grau de interação entre

alunos e professores:

• Broadcast: os conteúdos são disponibilizados em pacotes para os

alunos, que realizam as atividades e as enviam aos professores.

Nesse caso, a comunicação é unidirecional, sem nenhum tipo de

interação, o que não dá uma perspectiva real se a informação foi

assimilada e convertida em conhecimento para o aluno;

• Virtualização da Sala de Aula: prevê uma interação, porém

reproduz o modelo do ensino presencial. Apesar de fazer uso de

recursos tecnológicos, nesse tipo de ambiente o professor é tido

como o centro da informação. Não há muito espaço para a

comunicação entre os alunos, que são avaliados de acordo com

o somatório das atividades propostas. Desconsideram-se outros

aspectos da sua participação;

Page 110: Anais do III SILID/II SIMAR

109

• Estar Junto Virtual: envolve múltiplas interações entre os

participantes do curso, permitindo uma construção e

reconstrução coletiva do conhecimento. Os alunos são

estimulados trocar informações entre si e buscar outras fontes

além do espaço do curso. O professor assume um papel de

mediador, acompanhando e orientando os alunos no

desenvolvimento de suas habilidades e competências. Nesse

modelo, todos os elementos que compõem o curso são

importantes, desde a organização e os recursos oferecidos pelo

AVA até os materiais didáticos utilizados. O aluno é avaliado não

só pelo conhecimento apresentado, como por sua participação e

envolvimento com o grupo.

Com base nos conceitos de cada abordagem, identificamos o Eureka

com o modelo de “Virtualização da Sala de Aula”. Apesar de apresentar

recursos interativos e permitir o compartilhamento de arquivos e links entre os

participantes das salas, o AVA tem pouca flexibilidade, sem muitas opções de

configuração e personalização, o que limita o uso de elementos gráficos e a

adequação da plataforma a diferentes propostas didáticas. Além disso, com

uma estrutura linear de linguagem, em que predomina o verbal, o ambiente

se assemelha às salas de aulas tradicionais, refletindo o modelo do ensino

presencial.

Considerações

Na elaboração de um curso a distância online, percebemos que o foco

principal normalmente fica atrelado à produção de conteúdos verbais, a

despeito de aspectos referentes à interface gráfica e ao potencial de

navegação do ambiente. Porém, acreditamos que, no discurso mediado pelo

suporte eletrônico, esses aspectos potencializam a recepção e o

desenvolvimento das habilidades e competências dos alunos, contribuindo

para o processo de ensino-aprendizagem. Como destacam Farbiarz e Farbiarz:

O aluno-usuário não somente acompanha o projeto didático de um curso EaD

online pelo verbal como pode ser levado a uma imersão virtual através dos

elementos gráficos que compõem o sistema de navegação e ambientação do

Page 111: Anais do III SILID/II SIMAR

110

curso (...). (FARBIARZ e FARBIARZ, 2008, p. 13)

Diante desse contexto, é de extrema importância o uso de Ambientes

Virtuais de Aprendizagem que atendam às necessidades dos cursos online,

explorando toda a potencialidade da Internet, com o uso de hipertextos e

recursos multimídia; oferecendo ferramentas que possibilitem uma interação

efetiva entre os usuários; e permitindo uma adaptação do AVA de acordo com

as diferentes propostas didáticas desses cursos, integrando o sentido do

texto. Assim, os alunos poderão ser estimulados a buscar os conteúdos e

realizar as atividades disponibilizadas nessas plataformas não só pelo seu

caráter acadêmico, mas também por proporcionar um espaço de lazer.

Agradecimentos

Agradecemos à Universidade Federal Fluminense – UFF, através da Pró-

Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação, assim como ao CNPq pelo

apoio à pesquisa PIBIC realizada. Agradecemos à PUCPR e à Cesar Ferenc

pela permissão de acesso e pesquisa na plataforma de ensino Eureka.

Referências

CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. São Paulo: Editora Universidade de Brasília, 1994.

FARBIARZ, Alexandre; FARBIARZ Jackeline. A educação a distância online: a dicotomia no ciberespaço. In: II Simpósio ABCiber – Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo: PUC-SP, 2008.

OLIVEIRA, Gustavo Magno de; MENDES, Thiago Manoel de Oliveira. Sistema Interativo da Aprendizagem em Sala de Aula Utilizando a Plataforma Moodle – um caso de uso. Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Ciência da Computação. Universidade Federal Fluminense, UFF. Rio de Janeiro, 2009.

VALENTE, J. A. A espiral da aprendizagem e as tecnologias da informação e comunicação: repensando conceitos. In: JOLY, Maria Cristina (Ed.) Tecnologia no ensino: implicações para a aprendizagem. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002, p. 15-37.

Page 112: Anais do III SILID/II SIMAR

Pesquisando (com) (no) o livro didático de língua estrangeira

Researching (with) (in) the foreign language course book

Renato Caixeta da Silva, CEFET-MG / PUC-Rio, [email protected]

Resumo

Este artigo relata uma oficina ministrada no III SILID / II Simar, em que os participantes foram instigados e motivados a pensar e debater sobre pesquisa e aspectos a ela relacionados, bem como sobre pesquisa envolvendo livros didáticos de língua estrangeira. As atividades e discussões abarcaram definições de pesquisa, temas de investigação, métodos, justificativas, questões de paradigma de pesquisa, credibilidade, validade e consistência. Neste trabalho, apresento, além do embasamento teórico da oficina, as atividades, as respostas dos participantes às atividades, reflexões acerca dessas respostas, e um panorama de pesquisas sobre esse material de línguas estrangeiras. Palavras-chave: pesquisa, livro didático, ensino de línguas estrangeiras

Abstract

This article is a report of a workshop at III SILID / II Simar, in which the participants were asked and motivated to think and debate about research and the related aspects, as well as about research related to foreign language teaching course books. The activities and discussions involved research definitions, themes for investigations, methods, reasons, research paradigms, credibility, validity and consistency. In this work, I present the participants’ answers to the activities, a reflection upon these answers, and an overview of researches involving this teaching material in Brazil, beyond the theoretical basis of the workshop. Keywords: research, course book, foreign language teaching

Page 113: Anais do III SILID/II SIMAR

112

A proposta de oficina

A oficina Pesquisando (com) (no) o livro didático de língua estrangeira foi

proposta com o objetivo de instigar os participantes a pensar e debater sobre

a definição de pesquisa e sobre pesquisas relacionadas com livros didáticos de

língua estrangeira. Para tanto, foram feitas atividades individuais e em grupos

e discussões plenárias envolvendo temas de pesquisas, metodologia,

justificativas, e público-alvo das pesquisas, ou seja, o que pesquisar com

relação a livros didáticos de língua estrangeira, como, por que e para quem

(Lankshear & Knobel, 2008). As atividades e as discussões foram norteadas e

permeadas pelas noções de paradigmas de pesquisa em Ciências Sociais

(Guba & Lincoln, 1994), abordagem de investigação qualitativa, e definições

de consistência, validade e credibilidade (Allwright & Bailey, 1991; Edge &

Richards, 1998; Silverman, 2006). Também pretendeu-se mostrar aos

participantes que pesquisas relacionadas ao livro didático podem ser sobre o

livro didático em si, ou sobre algo ali veiculado (no livro didático), ou ainda

ser sobre algo que acontece em sala com o material. Nessa oportunidade, foi

também apresentado um panorama de pesquisas recentes sobre livros

didáticos de línguas estrangeiras no Brasil (Silva, 2010a), e uma bibliografia

sobre o assunto.

As atividades da oficina envolveram os participantes tanto em

momentos de reflexão em dupla ou individual como em momentos de

discussão e apresentações. Primeiramente, os seis participantes responderam,

em dupla, a três perguntas:

• O que é pesquisa?

• Como se faz pesquisa?

• Para quem se faz pesquisa?

Em segundo lugar, foi feita uma apresentação das respostas a essas

perguntas e uma reflexão e confrontação com o que propõem Lankshear &

Knobel (2008), Leite Garcia & et allii (2003), Guba & Lincoln (1994), Allwright

& Bailey (1991), Silvermann (2009), dentre outros. Os pontos mais

importantes das respostas dos participantes foram anotados para a

composição deste artigo.

Em seguida, foi proposto que cada participante pensasse em um tema

Page 114: Anais do III SILID/II SIMAR

113

de pesquisa, e a partir desse tema indicasse uma pergunta de pesquisa, uma

ou mais formas de pesquisar, os meios para coletar e analisar dados. Também

deveria ser apresentado pelo participante um enquadramento dessa proposta

quanto ao tipo de pesquisa, uma justificativa envolvendo por que investigar

tal tema, e ainda, para quem se pesquisaria.

Durante as apresentações das respostas a tais perguntas pelos

participantes, houve anotação para gerar dados para este artigo. Também foi

feita uma classificação das pesquisas propostas quanto ao fato de serem

pesquisas sobre o livro didático, pesquisas no livro didático e pesquisas com o

livro didático.

Por fim, seguiu-se uma apresentação de dados sobre temas de

pesquisas mais recentes envolvendo livros didáticos de língua estrangeira com

base em Silva (2010a). Esses dados referem-se a pesquisas de mestrado e

doutorado feitas em algumas universidades brasileiras, a artigos publicados

em periódicos importantes, e ainda trabalhos inscritos nas duas primeiras

edições do SILID na Puc-Rio (I SILID, 2007 e II SILID / I SIMAR, 2008)

Alguns pontos justificam a proposta desta oficina e sua configuração.

Em primeiro lugar, há necessidade de pesquisas relacionadas a livros didáticos

de línguas estrangeiras em que novos temas sejam abordados, sem

desconsiderar os vários trabalhos já produzidos no Brasil. No entanto, para

empreendimento de pesquisas sobre esse material, é pertinente refletir sobre

o processo de pesquisa em si, e conhecer os temas e a quantidade de

trabalhos recentes. Em segundo lugar, a prática de pesquisa deve considerar,

além da comunidade científica, o público-alvo a que a pesquisa se destina em

última instância, ou a quem se pretende que ela chegue. Isso reforça a

necessidade de fazer as pesquisas sobre livros didáticos transporem os limites

da academia e gerarem retorno para agentes produtores (autores, editores,

designers, etc.) e usuários (professores e alunos). Em terceiro lugar, é

importante dizer que a oficina criou (e este era um de seus objetivos) um

momento de interação entre pessoas que já pesquisam o livro didático de

língua estrangeira, ou que pretendem desenvolver pesquisas a este respeito,

dentre essas pessoas, o próprio proponente.

Por fim, mas não menos importante, ressalta-se que a oficina sobre

pesquisa e livros didáticos de línguas estrangeiras se justifica pelo que é em si

Page 115: Anais do III SILID/II SIMAR

114

este material de ensino. O livro didático de modo geral, e em específico o de

língua estrangeira, é elemento norteador da atividade docente, que assume o

papel de autoridade do saber (Souza, 1996). Um livro didático (do inglês

“course book”) é definido por Tomlinson (1998) como o livro texto provedor

dos materiais mais importantes ou centrais de um curso de língua. Seu

objetivo, nesse sentido, é prover o máximo possível de trabalho em

gramática, vocabulário, prática de habilidades, de pronúncia, funções da

língua. Daí, depreende-se a importância que vem sendo conferida ao livro

didático no ensino de línguas estrangeiras, e muitas vezes torna-se o único

referencial sobre a língua alvo e da cultura desta língua para professores e

estudantes (Coracini, 1999). Ele é também veiculador de representações da

língua, da cultura, do país e dos seus usuários (Bolognini, 1991; Grigoleto,

2003), tido como estruturador e organizador do que “se ensina” e “aprende”

em sala de aula (Hemais, 2009), visto pelos seus usuários e defensores como

mapa, guia, fonte de recursos, suporte, apoio da atividade docente e do

aprendizado (Silva, 1998; Silva, 2010b; MacGrath, 2006).

Nas próximas seções exponho as idéias apresentadas aos participantes

sobre os tópicos acima mencionados e apresento, em conjunto, respostas e

propostas dos participantes.

Sobre pesquisa

Com relação às três perguntas iniciais apresentadas aos participantes, foi

possível anotar o que se segue a partir das respostas dadas:

• O que é pesquisa?

Investigar a partir de uma inquietação ou de uma situação problema; a

pesquisa pode surgir a partir de algo que já se tem, da vontade de se

conhecer mais sobre algo, mesmo sem uma questão definida; a pesquisa

surge também a partir do histórico do pesquisador, de uma necessidade.

• Como se faz pesquisa?

Com o outro, antes de ser projeto é co-construção de conhecimento,

consideração do sujeito pesquisado; depende do objeto de pesquisa, podendo

Page 116: Anais do III SILID/II SIMAR

115

ser em campo, sistematizando; tem a ver com a representação de

pesquisadores.

• Para quem se faz pesquisa?

Para o pesquisador em si, inquieto; para pessoas envolvidas no

processo, para quem encomenda, podendo ser empresas, o governo, outras

instituições; para exigências de instituições, os pares, professores, sistemas

de ensino, ...

Percebo que as respostas dos participantes foram ao encontro da

definição de pesquisa adotada na oficina com base em Lankshear & Knobel

(2008). Segundo esses autores, pesquisa é uma prática discursiva, é passível

de reconhecimento porque existe uma comunidade científica ou instituições

que podem reconhecer o caráter científico de uma determinada investigação.

Entendo prática discursiva como “linguagem em ação” (Spink & Medrado,

2004: 45), que são as maneiras de as pessoas produzirem significado e se

posicionarem nas relações sociais.

Sendo assim, existem exigências básicas de uma investigação dessa

natureza. Uma pesquisa deve ser sistemática e não casual ou arbitrária.

Também é necessário ter uma questão ou tema, claramente estruturados

palpáveis, e construir um projeto mostrando um planejamento adequado.

Neste projeto é essencial informar a questão de pesquisa e como lidar com

ela, e também apresentar uma abordagem adequada para coleta de dados e

componentes adequados de análise e interpretação de dados selecionados

com critérios. Por fim, espera-se que a pesquisa seja relatada de modo a

elucidar as características acima e o que se concluiu do estudo, inclusive

implicações (Lankshear & Knobel, 2008).

As palavras utilizadas pelos participantes em suas respostas, anotadas e

apresentadas acima revelam de alguma forma o que foi exposto nos

parágrafos anteriores. Se pesquisas surgem de inquietações, de situações

problemas, do desejo de conhecer algo, pode-se dizer que elas surgem da

maneira como significados são produzidos, ou melhor, da atribuição de

significados das pessoas a um objeto sobre o qual se deseja ou é necessário

conhecer. Esse desejo ou essa necessidade está relacionado(a) ao histórico de

Page 117: Anais do III SILID/II SIMAR

116

quem pretende pesquisar, e daí surgem os temas e as questões de pesquisa.

Enquanto prática discursiva, a pesquisa envolve uma relação entre o

pesquisador e a sociedade, o que significa dizer comunidade científica,

instituições que encomendam e financiam pesquisas, outros professores e

pesquisadores (dentre eles os pares). Com a comunidade científica, e em

alguns casos, com os pares, são co-construídas formas de se pesquisar

determinado assunto, considerando também objetos e sujeitos pesquisados.

Para essas pessoas também deve ser relatada a pesquisa, sendo que alguns

membros dessas comunidades atribuirão o caráter de “pesquisa” – sistemática

- à investigação realizada.

Também é para os pares, para os acadêmicos, que as pesquisas são

pensadas, assim como para os órgãos fomentadores – empresas, centros de

pesquisas, fundações. As respostas à terceira pergunta “para quem

pesquisar?” vai ao encontro das palavras de Soares (2003:75), de que os

pesquisadores escrevem

para responder às expectativas com relação a seu desempenho como

estudioso e como pesquisador, ou, menos pragmaticamente, se escreve para

dar a público conhecimento que produziu, seu Leitor-Modelo (para usar o

termo de Umberto Eco) são os seus pares, os que pertencem a seu mundo

acadêmico e profissional, os que estão produzindo conhecimento em sua

área.

A pesquisa na área de ensino e aprendizagem de línguas ainda se pauta

muito pela dualidade entre quantitativo e qualitativo, embora se pense

atualmente que a consideração de investigações sistemáticas deva ir além

dessa dicotomia (Spink & Menegon, 2004; Guba & Lincoln, 1994). No entanto,

é difícil não considerar essa dicotomia mesmo considerando outras formas de

conceber os paradigmas de pesquisa. Não obstante os pontos positivos e

negativos tanto de pesquisas qualitativas quanto quantitativas, é importante

para o pesquisador ter em mente as características mais pertinentes a cada

um desses dois tipos. Por isso, foi apresentado, na oficina aqui relatada, uma

síntese de tais características. O quadro a seguir foi construído para mostrar

essas características, com base em Silvermann (2009), Lankshear & Knobel

(2008), Allwright & Bailey (1991):

Page 118: Anais do III SILID/II SIMAR

117

Pesquisa quantitativa e Pesquisa qualitativa

Mensuração Análise e Interpretação

Dados numéricos Dados discursivos, observados

Freqüência, quantidade,

Porcentagens

Ocorrências espontâneas

Intervenção, Controle e

previsão

Entendimento e reconstrução

Experimentação, contagem Observação, entrevistas, questionários,

documentos,

Comparação Relativização

Testes e pontuações Textos

Variáveis Eventos

Aleatoriedade Contextualização

Padronização Entendimento local, relativização

Objetividade Subjetividade

Quadro 1: Pesquisa quantitativa X Pesquisa qualitativa

Embora pareçam aspectos estanques, pertencentes de um tipo apenas

de pesquisa, não o são. Uma característica aqui elencada como pertencente a

um tipo de pesquisa pode também fazer parte de uma pesquisa de outro tipo.

Uma pesquisa descritiva sobre como algo é proposto para exploração em

livros didáticos, como textos literários (em Silva, 1998, por exemplo), pode

levar em conta a quantidade e a freqüência do que se pesquisa – portanto

dados numéricos, porcentagens – e ainda a classificação em categorias e

interpretação dos textos e atividades contidos nos livros didáticos. Uma

observação de como professores utilizam determinados gêneros discursivos

em sala de aula apresentados pelo livro didático em uso pode levar em conta

padronização de formas de observação (ficha ou modelo do que observar),

contagem de vezes em que o professor utiliza determinados gêneros,

entendimento e reconstrução por parte do observador pesquisador de como o

uso acontece em sala, e ainda a produção de seu entendimento local,

referente àquela sala de aula e àquele professor em específico. Assim, a

dualidade qualitativo - quantitativo deve ser entendida como um continuum

Page 119: Anais do III SILID/II SIMAR

118

sendo que as pesquisas de modo geral podem ter características que as fazem

mais ou menos quantitativas ou qualitativas (Allwright & Bailey, 1991).

Guba & Lincoln (1994) também vão além dessa dicotomia, e consideram

quatro paradigmas de pesquisas na área de Ciências Sociais. Essa proposta

leva em conta não apenas como acontecem as pesquisas, mas também o que

se entende por realidade (ontologia), como o pesquisador se relaciona com a

realidade (epistemologia), e também como podem ser encontrados o que se

acredita existir (metodologia). A proposta desses autores foi sintetizada aos

participantes da oficina Pesquisando (com) (no) o livro didático de línguas

estrangeiras na forma do quadro seguinte:

Positivismo Pós-positivismo

Teoria crítica e outros

Construtivismo

Ontologia A realidade é possível de ser apreendida, regida por leis imutáveis.

A realidade existe mas apenas parcialmente e imperfeitamente apreendida.

Realismo histórico – realidade moldada pelo social, o cultural, o econômico, etc.

Relativismo, realidade local e especificamente construída.

Epistemologia Objetividade; dados são achados verdadeiros, investigador e objeto pesquisado são entes independentes.

Objetividade; dados são provavelmente verdadeiros, mas possíveis de falsidade.

Subjetividade; dados são dependentes de valores.

Subjetividade; dados são criados pelo pesquisador no processo de pesquisa.

Metodologia Experimentos, manipulação, controle e verificação, quantificação.

Experimentos modificados podendo incluir métodos qualitativos; falsificação de hipóteses.

Dialogismo entre investigador e sujeito pesquisado.

Construções individuais elicitadas na interação entre investigador e público pesquisado.

Quadro 2: Paradigmas de pesquisa segundo Guba & Lincoln (1994)

Page 120: Anais do III SILID/II SIMAR

119

Pesquisa e livro didático de línguas estrangeiras

A segunda parte da oficina em questão foi desenvolvida mais especificamente

em torno de propostas de pesquisas relacionadas a livros didáticos de língua

estrangeira, trazidas pelos participantes. Individualmente, cada participante

elaborou um esboço de um projeto de pesquisa refletindo e respondendo aos

itens:

l Tema de pesquisa relacionado com o livro didático de LE.

l Qual é a pergunta de pesquisa?

l Como pesquisar?

l Como coletar e analisar dados?

l Por que pesquisar isso?

l Que tipo de pesquisa seria?

l Para quem pesquisar?

Seguem as anotações feitas sobre as propostas apresentadas na oficina.

Partici-pante

1 2 3 4 5 6

Tema O manual do profes-sor de livro didático de inglês

Pronome contras-tivo em espanhol

Expectati-vas de alunos com relação a livro didático.

Gramáti-ca de inglês em livros didáticos

Transpo-sição didática de conteúdo teórico-metodo-lógico de inglês para ensino médio.

Rela-ção profes-sor – livro didáti-co em sala de aula: as deci-sões do eu.

Page 121: Anais do III SILID/II SIMAR

120

Pergunta de pesquisa

Como cons-truir diretriz-zes para manu-ais de profes-sores? Analisar o gênero e confi-gurações

O pronome contras-tivo é ensinado no Brasil via livro didático de espa-nhol? Como?

O que os alunos esperam aprender? O que aprendem é o esperado?

Como profes-sores gostam de traba-lhar a gramá-tica?

Em que medida essa transpo-sição ocorre em livros didáticos para ensino médio?

Como eu uso o livro didáti-co?

Como pesqui-sar

Análise de mate-rial didático (o manual do profes-sor) e entre-vista com autor

Livros de Ensino Médio, Análise de livros nacionais verifi-cando a existên-cia desse assunto.

Entrevis-tas com alunos de Ensino Funda-mental 2 (EF2).

Análise em livros didáticos de como a gramáti-ca é trabalha-da e quais profes-sores utilizam dessa forma.

Avaliação a partir de um livro didático.

Grava-ções de aulas, e deba-tes com os alunos.

Page 122: Anais do III SILID/II SIMAR

121

Coleta de dados e análise

5 cole-ções estran-geiras, 5 cole-ções nacio-nais, entre-vistas

Análise de materiais didáticos mais vendidos

Entrevis-tas e questioná-rios com alunos de EF2 que não sejam filhos de estran-geiros, tenham um mesmo nível, e sem contato anterior com a língua.

Entrevis-tas com profes-sores, e análise de materiais

Identifi-car conceitos teórico-metodo-lógicos no manual do profes-sor, levantar quanti-dade de gêneros e ativida-des, e verificar desen-volvimento da língua-gem.

Filma-gens, e grava-ções de aulas, e deba-tes com os alunos para saber suas opini-ões sobre as deci-sões toma-das em sala.

Tipo de pesquisa

Quanti-tativa e qualita-tiva

Quantita-tiva e qualitati-va

Quantita-tiva e qualitativa

Quantita-tiva e qualitati-va

Quantita-tiva e qualitati-va

Quali-tativa explo-ratória

Para quem pesqui-sar

Elabo-radores, profes-sores, editores, pesqui-sadores

Autores, profes-sores e alunos.

Para os produtores de livros didáticos (autores e editores)

Para mim mesma, para respon-sáveis pela produção de livros, institui-ções.

Para mim mesma que pesqui-so nessa área.

Eu mesma...

Page 123: Anais do III SILID/II SIMAR

122

Por que pesqui-sar

Ajudar na elabo-ração do manual do profes-sor, contri-buir na forma-ção docente

Há ruídos de comuni-cação entre usuários brasilei-ros e nativos de espanhol quanto ao uso destes prono-mes.

Para que haja melhor produção para o aluno, porque o foco geralmen-te é o professor e não o aluno.

Para gerar dados para produzir materiais que atendam ao professor

O livro usado é o primeiro a partir deste constru-to de transpo-sição.

Auto-entendimento a respei-to de quais deci-sões são toma-das.

Quadro 3: Anotações sobre as propostas apresentadas pelos participantes.

As propostas dos participantes da oficina parecem coerentes, isto é,

cada uma apresenta um tema desenvolvido numa questão de pesquisa

tangível, e se desdobra em formas aplicáveis pesquisar que se pretende. Isso

revela que os participantes aplicaram adequadamente as idéias apresentadas

e discutidas na primeira parte, até mesmo porque já tem contato ou já fazem

ou tem feito pesquisa. Suas propostas parecem consistentes (Allwright &

Bailey, 1991), portanto, dentro do limite que se apresentam. Resta saber se

essa coerência se revelará também na relação com as teorias de

embasamento dessas propostas, aqui não explicitadas.

É interessante notar que todos ainda pensam em suas pesquisas em

termos da dualidade quantitativa X qualitativa, buscando uma aproximação

entre os dois pólos desse continuum. Nenhum dos participantes se propôs de

maneira explícita a pesquisar numa perspectiva construtivista ou seguindo

uma teoria crítica, segundo apresentado por Guba & Lincoln (1994). Mas,

percebo que, implicitamente, as propostas aqui em questão apresentam

características desses paradigmas. O participante 6, por exemplo, propõe uma

investigação em busca de autoentendimento, uma compreensão de sua

realidade local, e acredita haver co-construção de conhecimentos quando se

propõe a debater com os alunos os dados produzidos, aproximando-se do

paradigma construtivista. O participante 4 mostra uma preocupação em

Page 124: Anais do III SILID/II SIMAR

123

pesquisar para seu contexto de trabalho (uma instituição produtora de livros

didáticos), da mesma forma que o participante 3 pensa em contribuir com a

melhoria da produção de livros (também seu contexto de atuação)

procurando saber o que querem os alunos, mudando o foco geralmente

direcionado para o professor, aproximando-se do paradigma crítico, com algo

também relacionado ao construtivista.

Durante as apresentações das respostas pelos participantes, foram-lhes

apresentadas as três possibilidades de pesquisas relacionadas com livros

didáticos, as quais constituem o título deste artigo e também da oficina.

Apresento a seguir o que entendo por pesquisar com o livro didático,

pesquisar no livro didático e pesquisar o livro didático.

Pesquisar com o livro didático implica em investigação, por exemplo, de

atitudes ou atuação de professores e ou alunos frente a algo trazido pelo livro

didático. Podem ser foco as atividades orais, a produção escrita, tratamentos

a determinados gêneros, aspectos culturais, ou outros mais que são tratados

em sala de aula a partir do que é proposto no livro didático. O pesquisador,

aqui, pode lançar mão de recursos de audio e video para coleta de dados,

entrevistas, observação, questionários, e não se pode perder de vista que a

investigação alia o que acontece em sala com o que é trazido pelo livro

didático. É o caso das propostas dos participantes 3 e 6.

Pesquisar no livro didático refere-se a entender como determinado

assunto, habilidade, tópico gramatical, gênero discursivo, aspecto cultural, ou

outro item é tratado em um ou mais livros didáticos. Isso significa entender,

com base em pressupostos teóricos, o que é proposto para uso em sala de

aula via livro didático, independente do uso que dele é feito. O pesquisador

pode utilizar pesquisa descritiva, características quantitativas e qualitativas, ou

apenas de um tipo, recorrer ao livro do aluno apenas, ao livro do professor e

do aluno, aos recursos de áudio e de vídeo contidos numa coleção,

dependendo do assunto da investigação. Esta tem sido a forma de pesquisa

mais realizada com esse material didático conforme detectado em Silva

(2010a), e refletido também nas respostas dos participantes 2, 4, e 5.

Pesquisar o livro didático pode envolver a investigação do processo de

criação de um livro, e dos agentes mediadores responsáveis pela sua

concepção, editoração, e ainda a comercialização. Também se pesquisa o livro

Page 125: Anais do III SILID/II SIMAR

124

didático quando acontece a avaliação e seleção de um determinado título para

uso em sala de aula, ou ainda quando títulos são pilotados para verificação de

pertinência a contexto, consistência de atividades propostas (esta, uma

investigação que pode ocorrer durante a produção do material). Outra

possibilidade é quando se pesquisam o papel de livros didáticos na sociedade,

as representações construídas, sua importância social e econômica, enfim,

quando se pensa o livro não apenas em termos pedagógicos apenas. Nestes

casos, podem ser usadas fichas de avaliação estruturadas, entrevistas,

questionários, observação, e podem ser analisados também textos trazidos

nos manuais dos professores, e discursos de autores, editores, designers,

professores e alunos. Os participantes 1 e 4 propõem pesquisas desse tipo.

Pesquisas recentes sobre livro didático de língua estrangeira

no Brasil

A terceira parte da oficina constituiu-se de uma exposição de dados relativos a

estudos realizados no Brasil a respeito de livros didáticos de línguas

estrangeiras. Os dados, também constantes de Silva (2010a), referem-se ao

período de 1998 a 2008. As informações e reflexões apresentadas referem-se

a trabalhos de dissertações e teses desenvolvidas em algumas universidades

brasileiras, artigos publicados em revistas importantes na área de Lingüística

Aplicada, e os trabalhos inscritos para apresentação e constantes dos

programas das duas versões anteriores do Simpósio sobre livros didáticos de

língua materna e língua estrangeira e o Simpósio sobre materiais e recursos

didáticos (I SILID e II SILID e I SIMAR). Ressalto que após a publicação de

um livro específico sobre livros didáticos de línguas estrangeiras por Coracini

(1999), apenas em 2009 surge uma nova publicação em forma de livro (Dias

& Cristóvão, 2009). Isso não quer dizer que trabalhos não tenham sido

realizados, mas sim que são pouco divulgados, que circulam de maneira ainda

tímida pela sociedade em geral, inclusive no meio acadêmico.

Seguem os quadros apresentados com algumas reflexões.

Page 126: Anais do III SILID/II SIMAR

125

Universidade

Trabalhos Época

Mestrado Doutorado

UFRJ 4 2004-2008

PUC-Rio 5 1 2006-2008

UFF 6 2004-2007

PUC-SP 3 2003

UFSM 5 1998-2008

UFRGS 2 1 2004-2007

UNICAMP 4 2 1999-2008

USP 6 2001-2007

UFMG 10 1998-2008

UECE 4 2005-2008

TOTAL: 10 programas 49 4

Quadro 4: Levantamento quantitativo da produção de dissertações de mestrado e teses de doutorado envolvendo livros didáticos de línguas estrangeiras em

programas de pós-graduação no Brasil

As informações do Quadro 4 mostram um aumento significativo desse

tipo de produção acadêmica sobre o livro didático de línguas estrangeiras em

período mais recente – 2003 a 2008 – e em nível de mestrado. Em nível de

doutorado a produção ainda é tímida. Percebe-se aí a escassez de trabalhos

de pesquisa sobre esse material didático a que se refere Coracini (1999) em

comparação com sua importância no fazer de sala de aula em diversos

contextos educacionais.

Através dos títulos e resumos disponíveis no site da CAPES e nos sites

das universidades, foi possível mapear os tópicos enfocados nesses trabalhos,

apresentados no Quadro 5.

Tópicos Número de dissertações e teses

Habilidades

Leitura 10 Produção Escrita 4 Total 16 Compreensão Oral 2

Page 127: Anais do III SILID/II SIMAR

126

Conteúdo Lingüístico

Atos de Fala 2 Verbos 3 Adjetivos 1 Total 9 Colocações 1 Variação Lingüística

1

Vocabulário 1

Representações

Por parte de professores

2

Da escola em livros

1

De povos, identidades e culturas

4 Total 8

De gêneros (masculino e feminino)

1

Gêneros Discursivos 4 Multimodalidade (imagens) 2 Aspectos de autoria 1 Aspectos de produção do livro didático 1 Aspectos do uso Por alunos 2 Total 3

Por professores 1 Análise do discurso do LD como um todo (incluindo discurso ideológico)

4

Tratamento de aspectos culturais 3 Avaliação de atividades 1 Literatura e ensino de língua 1

Quadro 5 Tópicos de pesquisas desenvolvidas para dissertações de mestrado e teses de doutorado envolvendo livros didáticos de línguas estrangeiras em

programas de pós-graduação no Brasil.

A maioria das dissertações e teses desse período pesquisado ainda

versa sobre o ensino das habilidades (sobretudo leitura e escrita),

demonstrando uma preocupação com o tratamento dado em livros didáticos à

modalidade escrita da língua estrangeira. É marcante a quantidade de

pesquisas no livro didático, ou seja, a maioria delas refere-se ao que é

veiculado no livro didático, e consequentemente trazido para a sala de aula,

como se vê pela quantidade de trabalhos sobre representações, aspectos

culturais, habilidades, atividades, e conteúdo linguístico. Pesquisas dessa

natureza podem ajudar na conscientização do que é proposto para as aulas, e

Page 128: Anais do III SILID/II SIMAR

127

podem auxiliar os profissionais a assumirem uma postura crítica frente à

necessidade de adaptação e complementação do que é posto no livro

didático. Ainda era pequena, nesse período, a prática de pesquisas sobre

questões relacionadas aos agentes mediadores da produção do livro (autores,

designers e editores, por exemplo), seleção e avaliação de livros, e os

aspectos ligados ao uso desse material pelo professor e pelo aluno dentro e

fora de sala de aula.

A partir dos resumos e títulos disponíveis na Internet, foram delineados

os tópicos dos artigos de periódicos importantes na área de Lingüística

Aplicada. As informações encontram-se no quadro abaixo.

Periódico Quantidade de artigos / Ano de

publicação

Tópicos

The ESPecialist (PUC-SP)

1 / 2002 Inglês para fins empresariais: visão panorâmica de materiais disponíveis

DELTA (PUC-SP) 0 Trabalhos em Lingüística Aplicada (UNICAMP)

5 / números 35 a 47

Visão de alunos, imagens, gêneros, avaliação, eurocentrismo

Revista Brasileira de Lingüística Aplicada (UFMG / ALAB)

2 / 2006 e 2007 Futuridade, avaliação

Linguagem e Ensino (UCPEL)

2 / 2004 e 2005 Gênero, implementação de habilidades orais

Quadro 6: Quantidade e tópicos de artigos sobre livros didáticos em periódicos nacionais de Lingüística Aplicada.

As informações sobre os artigos acadêmicos também corroboram a

escassez a que se refere Coracini (1999), e mostram que nem mesmo para os

pares, em periódicos importantes na área, pesquisas sobre livros didáticos de

língua estrangeira têm sido publicadas. Nos anos de 1998 a 2008, embora

tenham sido produzidas mais dissertações e teses nas universidades

brasileiras sobre livros didáticos de línguas estrangeiras, ainda é pequena a

publicação de artigos, os quais servem para divulgar tais pesquisas. Tal

divulgação acontece através de publicação de resumos e títulos nas páginas

das universidades e da CAPES na Internet não se tendo tanto acesso a dados,

Page 129: Anais do III SILID/II SIMAR

128

procedimentos de análise, e conclusões. Mais uma vez fica a pergunta para

reflexão: para quem pesquisar?

Os quadros a seguir foram construídos a partir dos programas das duas

primeiras edições do Simpósio sobre livros didáticos de língua materna e

língua estrangeira (I SILID em 2007, e II SILID / I Simar, 2008). Em cada

programa foram detectados 30 trabalhos concernentes ao livro didático de

língua estrangeira.

Grupo Temático Título do trabalho

1-Agentes mediadores do livro didático: pluralidade autoral - 2

O papel do autor no livro didático de Língua Inglesa como língua estrangeira: um estudo da identidade autoral Recepção e produção de materiais didáticos de Língua Espanhola.

2- Livro didático como suporte de leitura para gêneros discursivos específicos - 6

A gramática visual e o livro didático O livro didático como suporte para o trabalho com diferentes gêneros discursivos A importância da multimodalidade no livro didático de Língua Inglesa para a geração digital Fotografias em livro didático de Inglês: funções e significados Os gêneros didatizados no ensino de inglês O que quer dizer esse desenho? As imagens em livros didáticos de língua estrangeira

3- Propostas, abordagens metodológicas e sistemas de avaliação no livro didático - 7

Dialogues in New Interchange 2 Conteúdo lingüístico para o ensino de Inglês: o desafio de adequá-los às necessidades do aluno brasileiro Uma proposta de avaliação para livros didáticos ilustrada pelo tratamento de vocabulário em Língua Inglesa O desenvolvimento de material didático com base no ISD: propostas, dificuldades e contribuições Gêneros textuais em materiais didáticos de inglês Construindo critérios de relevância para escolha de novos livros didáticos: a (in)experiência dos monitores do projeto CLAC

Page 130: Anais do III SILID/II SIMAR

129

Aplicando a gramática do material didático: a (in)experiência dos monitores do projeto CLAC

4- O ensino das habilidades de escrita e leitura no livro didático -3

Seguindo os rastros da leitura no livro didático O uso do texto literário em livros didáticos de inglês O livro didático de língua estrangeira: atividades de compreensão e habilidades no processamento de textos na leitura.

5- Pluralidade cultural, representação social e identidade no livro didático - 12

A mediação do livro didático na constituição de uma nova identidade durante aprendizagem de PLE A representação das diferenças em livro didático de Português para estrangeiros Representação de gênero em livros didáticos de língua estrangeira Pedagogia pós métodos e pedagogia crítica no ensino de línguas estrangeiras Análise crítica do manual didático “Civilisation Progressive du Français” Questões de identidade e pluralidade cultural no livro didático de Espanhol produzido no Brasil A identidade da mulher nos livros didáticos de Italiano língua estrangeira As imagens, os textos e os sentidos nos livros didáticos de Língua Francesa na Argélia dos anos 50 e 60 Aspectos sociais e culturais no material didático para o ensino de inglês como língua estrangeira O livro didático de inglês em uma abordagem sócio-discursiva: culturas, identidades e pós-modernidade O material didático na era pós-comunicativa A cultura no livro didático: a prática dos monitores do projeto CLAC

Quadro 7 Trabalhos sobre livros didáticos de línguas estrangeiras na área de Lingüística Aplicada apresentados no I SILID na PUC-Rio em 2007

Grupo Temático Título do trabalho

1-Agentes mediadores do livro didático: pluralidade autoral - 6

“Get real!” O conceito de autenticidade no livro didático de língua estrangeira Reflexões a respeito do LD no Brasil

Page 131: Anais do III SILID/II SIMAR

130

A Pluralidade Autoral sob o prisma da Teoria da Atividade Gênero e cronicidade: anseios e tropeços de uma autora de livro didático de espanhol com LE. Autoria e recepção no livro didático de língua inglesa A imagem no livro didático e a relação autor-editor-pesquisador iconográfico

2- Gêneros discursivos em livros, materiais e recursos didáticos - 9

Tecnologia Digital no Papel: o e-mail na perspectiva dos gêneros do discurso dentro do Livro Didático de Língua Estrangeira. A multimodalidade da propaganda presente no livro didático de Inglês como Língua Estrangeira A imagem no ensino/aprendizado de phrasal verbs: uma análise de atividades em livros didáticos. O ensino de gêneros discursivos no livro didático de Inglês: uma avaliação teórico-prática. Academic Writing: estudo de livros didáticos para o ensino e aprendizagem de escrita acadêmica em Inglês sob a perspectiva de gêneros do discurso. O tratamento da expressão oral em livros didáticos: uma seqüenciação para o estudo dos gêneros orais. A multimodalidade no livro didático de Língua Inglesa Material didático de inglês para EFI e os gêneros do discurso Texto e imagem no livro didático de língua inglesa

3- Propostas, abordagens metodológicas e sistemas de avaliação no livro didático - 5

Gêneros textuais em apostilas no ensino de leitura em Inglês. Leitura em questão: um estudo sobre as atividades propostas em um livro didático de Inglês como LE. Os gêneros discursivos escritos em materiais didáticos de Português Língua Estrangeira para negócios O livro didático de língua estrangeira e língua materna: análise crítica A análise do livro didático de língua inglesa e a frmação do professor de línguas estrangeiras

4- O ensino das habilidades de escrita e leitura no livro didático - 3

Ilustrações do livro didático em atividades de escrita em Inglês – Língua Estrangeira. Formando leitores: reflexões sobre a abordagem de leitura presente no livro didático de E/LE. Professor: um agente mediador da leitura

Page 132: Anais do III SILID/II SIMAR

131

5- Pluralidade cultural, representação social e identidade no livro didático - 7

Perspectivas interculturais nos livros didáticos de português para estrangeiros O homoerotismo em questão: movendo-se para além das fronteiras temáticas do livro didático. Notas sobre algumas relações de poder travadas no interior do Livro Didático O livro didático de inglês na era pós-método: por uma abordagem educacional e conscientizadora O livro didático como ferramenta motivacional na construção e defesa de pontos de vista Pode um livro produzido internacionalmente adequar-se às diferentes realidades do mundo pós-moderno? Livro didático e ESP: muito além dos conteúdos

Quadro 8 Trabalhos sobre livros didáticos de língua estrangeira na área de Lingüística Aplicada apresentados no II SILID / I SIMAR na PUC-Rio em 2008

Sobre essas edições do SILID e SIMAR, destacam-se os seguintes

pontos:

l Um caráter inter/ multidisciplinar - artes e design, linguística

aplicada, educação, cultura, multimodalidade, dentre outros;

l Diálogos entre teorias que têm considerado novos modos de

produzir conhecimento em ciências humanas e sociais -

pluralidade autoral, representações e identidades, e questões

relacionadas aos diversos gêneros discursivos;

l Aumento no número de trabalhos sobre o processo de produção

e também preocupação com aspectos de editoração;

l Conteúdo de livros didáticos ainda tem sido analisado sob

diferentes óticas;

l Uma crescente preocupação com as imagens e outras

modalidades de uso da linguagem;

Considerações Finais

Em primeiro lugar, considero ter sido proveitosa a oficina ministrada no III

SILID / II SIMAR. Os participantes mostraram ter depreendido as noções

iniciais apresentadas, o que é revelado nas propostas rápidas de pesquisa

construídas naquele momento. Também participaram ativamente das

Page 133: Anais do III SILID/II SIMAR

132

discussões, opinaram sobre as propostas dos colegas, sobre o que era

exposto, havendo, portanto interação entre pessoas diferentes que

desenvolvem ou pretendem desenvolver pesquisas relacionadas a livros

didáticos de língua estrangeira.

Em segundo lugar, apresento parte do que os participantes expuseram

como aquilo que concluíram. Conforme disseram ao final, foi bom ter tido a

oportunidade para pensar nas propostas que se faziam latentes em suas

mentes, discutir e saber mais sobre as pesquisas na área, saber que outras

pessoas podem estar pesquisando coisas parecidas. Enfatizo uma questão

tratada na oficina e que, segundo uma das participantes, foi o que mais a

marcou: para quem pesquisar? Esta participante em questão relatou já estar

pensando sobre isso há algum tempo, preocupando-se com o fato de as

pesquisas acontecerem sem realmente atingirem as pessoas que deveriam.

Entendo, com isso, que é preciso que as pesquisas realmente cumpram não

apenas as justificativas teórico-metodológicas, mas de fato cumpram as

justificativas práticas e aplicadas normalmente pensadas no planejamento de

um estudo investigativo. Para nós que fazemos pesquisas relacionadas a livros

didáticos, um material de extrema importância no processo ensino e

aprendizagem de línguas, como exposto neste artigo, continua o desafio de

fazer com que as pesquisas ultrapassem o meio acadêmico e cheguem de fato

aos diversos contextos de ensino a que se referem, sendo apresentadas a e

discutidas com professores e alunos, os destinatários destes materiais

pedagógicos. Também é preciso que as pesquisas se aproximem mais dos

agentes responsáveis pela produção do material – autores, editores e

designers.

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Page 136: Anais do III SILID/II SIMAR

Polifonia e Gêneros Textuais em um livro didático de Língua Portuguesa

Polyphony and genres in a Brazilian Portuguese coursebook

Rogério Tilio, Doutor em Letras, UFRJ, [email protected] Terezinha Fatima Martins Franco Brito, Mestranda em Letras e Ciências Humanas, Unigranrio; IIC SEE/CES, D. Caxias, RJ, [email protected]

Resumo

Com base na análise crítica do discurso, este trabalho objetiva analisar textos e gêneros textuais presentes em um livro didático da série Português: Linguagens (Ensino Fundamental II), com o intuito de observar se há polifonia que garanta uma perspectiva sociointeracionista de discursividade crítica, estabelecendo um diálogo entre esta análise e as atuais políticas públicas, tais como o Programa Nacional do Livro Didático e os Parâmetros Curriculares Nacionais. Palavras-chave: livro-didático; gêneros textuais; polifonia

Abstract

Based on critical discourse analysis, this paper analyzes texts and genres in a coursebook from the series Português: Linguagens (Ensino Fundamental II), aiming at observing the presence of polyphony to support a sociointeractionist perspective of critical discursivity and an eventual dialogue between this analysis and the current Brazilian public policies, such as Programa Nacional do Livro Didático and Parâmetros Curriculares Nacionais. Keywords: coursebook, genres, polyphony

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136

Introdução

O presente trabalho propõe-se a analisar os gêneros textuais presentes em

um livro didático destinado ao Ensino Fundamental II de Língua Portuguesa, e

a articulação, de cada um dos textos, enquanto documentos e representantes

de seu gênero, com as exigências dos contextos culturais e das interações

discursivas da realidade que vivenciamos na contemporaneidade. Pretende-se,

a partir do estudo voltado à apresentação e análise desses gêneros e textos,

verificar se há polifonia que garanta uma perspectiva sociointeracionista de

discursividade crítica. A partir da fundamentação de teóricos na área de

análise do discurso (tais como: Bakhtin (1929, 1979); Bronckart (1999);

Fairclough (1992); Foucault (1969, 1971, 1979); Fiorin (2007); Freitag (1989);

Marcuschi (2008); entre outros), pretendemos investigar a importância e

relevância social dos gêneros e textos para a realidade do aluno e para seu

processo educacional de aprendizagem e formação cidadã. Será também

estabelecido um diálogo entre esta análise e as atuais políticas públicas, tais

como o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e os Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCN).

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, em que serão analisadas as

abordagens interacionais envolvidas no processo de leitura e interpretação de

textos e gêneros contidos em um livro didático da série Português:

Linguagens (Ensino Fundamental II), de William Roberto Cereja e Thereza

Cochar Magalhães, e os discursos neles, e a partir deles, envolvidos. É

relevante observar se os gêneros e textos selecionados – e os trabalhos

desenvolvidos com os mesmos – persistem em certos estereótipos ou buscam

problematizar criticamente diversas vozes, e como as identidades se

constroem através de discursos proclamados e possibilidades críticas. Além

disso, é fundamental examinar se os textos e atividades promovidas com base

nestes contribuem para a formação identitária do indivíduo como agente de

transformações sociais, para uma vivência cidadã.

Para desenvolvermos este trabalho pretende-se investigar a importância

e relevância social dos gêneros e textos para a realidade do aluno e para seu

processo educacional de aprendizagem e formação cidadã. Torna-se

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137

importante observar se há polifonia nos textos selecionados pela obra didática

e se estes são explorados pelo viés dos gêneros discursivos nos quais se

inscrevem, e ainda se há diálogo com as propostas das políticas públicas,

precisamente os PCN e o PNLD. Utilizaremos os textos contidos na obra

didática citada, que aparecem no volume do nono ano.

Percebemos uma necessidade urgente, sobretudo para as práticas

interdisciplinares, de que se identifiquem a importância do discurso nas

abordagens textuais e, nesse discurso, os olhares da Linguística Aplicada (LA)

e da Análise Crítica do Discurso (ACD) nas práticas sociodiscursivas. Neste

sentido, elaboramos as seguintes questões de pesquisa:

l Quais gêneros estão presentes no LD?

l Há predominância de alguns gêneros? Quais?

l Os gêneros são efetivamente trabalhados?

l Pode-se dizer que o LD faz um trabalho de ensino de LP a partir

de textos e da análise de gêneros? Como?

l O trabalho do LD dialoga com as atuais políticas públicas, tais

como o PNLD os PCN? De que forma?

l Há polifonia nos textos presentes na obra, colaborando para uma

perspectiva sociointeracionista de discursividade crítica?

Antes de partirmos para responder estas perguntas, porém, discutimos

brevemente a questão dos gêneros textuais e sua inserção social, entendendo

que estes podem contribuir para concretizar objetivos de vivência cidadã na

contemporaneidade.

Gêneros textuais, contemporaneidade e livro didático

Embora tenha sido explorado desde a antiguidade, com Aristóteles e por

tantos outros autores e grupos de estudos como o círculo Bakhtiniano, o

conceito de gênero certamente assumiu um papel relevante na Linguística

Aplicada (LA) ao final dos anos 90 e início dos 2000, quando surgem novos

olhares sobre os gêneros discursivos, com freqüente referência aos escritos

Bakhtinianos e à análise crítica do discurso, de Norman Fairclough. A Escola

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138

Sistêmico-Funcional de Sydney, representada por Halliday e Hasan também

compartilha com esses estudos de grande contribuição para os aportes

teóricos, para os quais destacamos os contextos sociais. Por situarmos a ação

de linguagem analisada por meio de textos, também consideramos importante

acrescentar a este arcabouço o Interacionismo Sociodiscursivo , da chamada

escola suíça, representada por autores como Jean-Paul Bronckart, Bernard

Schneuwly e Joaquim Dolz.

O modelo sociointeracionista se torna muito produtivo na

contemporaneidade porque para essa teoria os fatores de textualidade estão

intimamente relacionados à discursividade. Em termos gerais, essa

perspectiva, entende o processo de produção textual como uma atividade

humana interacional (discursiva) e intencional (Bakhtin, 1929). Um dos

teóricos igualmente preocupado com as formas de interação é Van Dijk, que,

em sua proposta por um modelo estratégico de compreensão textual, orienta-

nos que:

A análise estratégica depende não somente das características textuais, como

também das características do usuário da língua, tais como seus objetivos ou

conhecimento de mundo. Isso pode significar que o leitor de um texto

tentará reconstruir não somente o significado intencionado do texto - como

sinalizado de diversas formas pelo autor, no texto e contexto - como também

um significado que diga mais respeito aos seus interesses e objetivos (van

Dijk, 2000, p. 23).

Pretende-se que esse arcabouço teórico possa dialogar com as

propostas das políticas públicas, como os Parâmetros Curriculares Nacionais

(PCN), o PNLD e os textos trabalhados sob a ótica dos autores da obra em

análise. Para desenvolvermos a discussão de gênero, mapeados no volume de

nono ano da obra Português: Linguagens e que apresentaremos mais adiante,

pensamos inicialmente na nova Lei de Diretrizes e Bases para a Educação

Nacional (LDB) que foi promulgada, em 1996, e que apresenta diversos

desafios que não podem ser negligenciados.

Por isso não nos restringimos apenas a observar as orientações dos 3º e

4º ciclos, que abrangem do sexto ao nono ano do Ensino Fundamental, mas

também o olhar do documento do Ensino Médio, porque este também faz

Page 140: Anais do III SILID/II SIMAR

139

parte da educação básica, contemplada na Lei. Destacamos que nosso

enfoque conta com a importância da inter e transdisciplinaridade, visto que os

PCN apresentam uma abordagem que notadamente apresenta uma

perspectiva social da linguagem muito importante de ser observada,

considerando-se que

além da memorização mecânica de regras gramaticais ou das características

de determinado movimento literário, o aluno deve ter meios para ampliar e

articular conhecimentos e competências que possam ser mobilizadas nas

inúmeras situações de uso da língua com que se depara, na família, entre

amigos, na escola, no mundo do trabalho. (BRASIL, 2002, p.55)

Podemos verificar, então, que os PCN revelam o quanto é necessária a

formação cidadã que, além do conhecimento conteudista, também se

possibilite aplicar à vida conhecimentos sobre questões sociais e problemas

cotidianos do educando, especialmente quanto a sua identidade, como

também podemos observar no documento quanto ao que diz que:

Nas Ciências Humanas, a problemática da identidade, por exemplo, é objeto

de estudo da Psicologia, da Sociologia, da Filosofia e da História. A identidade

estará presente na afirmação e na auto-estima do jovem estudante, no

estudo antropológico das organizações familiares, das culturas alimentares,

musicais ou religiosas, nas questões de identidade nacional diante da

globalização cultural. Seu tratamento articulado, resultante de um

entendimento entre professores de uma mesma escola, poderia promover um

recíproco reforço no trabalho dessas e de outras disciplinas da área. A

identidade cultural em associação com o conceito de estética pode articular

ainda as disciplinas da área de Linguagens e Códigos. Por sua vizinhança e

caráter complementar, artes ou jogos, literatura ou teatro, dança ou esporte,

figura ou cena, música ou gesto podem ser apreendidos como integrantes de

um todo expressivo, não como mero mosaico de formas de representação.

(BRASIL, 2002, p.21-22)

O exposto assinala apenas exemplos encontrados no documento citado,

mas já destaca o quanto se torna essencial a articulação entre as diferentes

disciplinas da matriz curricular. Isto significa que é fundamental a interação e

contextualização do conhecimento para que os objetivos de educação sejam

mais plenamente alcançados.

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140

A Lei 9394 de 1996 é um marco para a educação em nosso país porque

a partir dela o Ensino Fundamental passa a ser obrigatório e gratuito, com

progressiva extensão dessa obrigatoriedade e gratuidade até o Ensino Médio.

Com base na lei surgiram políticas públicas, tais como os PCN e o Programa

Nacional do Livro Didático (PNLD), “uma iniciativa do Ministério de Educação e

Cultura (MEC), (...) [cujos] objetivos básicos são a aquisição e a distribuição,

universal e gratuita, de livros didáticos para os alunos das escolas públicas do

ensino fundamental brasileiro” (BATISTA, p.25).

Por causa desses documentos, o livro didático passou a ser observado

com mais rigor quanto a aspectos sociais estritamente importantes para a tão

falada “formação cidadã”, que parecia uma proposta inalcançável, típica de

falares de reuniões e que ilustravam planejamentos, mas não saiam do papel.

Haja vista o fraco desempenho de muitas escolas recentemente divulgado

pela mídia, os efeitos de uma nova proposta oferecida pelos PCN e pelo PNLD

ainda não foram efetivamente evidenciados.

Contextos culturais e interações discursivas na

contemporaneidade

Se pretendermos verificar se essas exigências dos contextos culturais e das

interações discursivas da realidade que vivenciamos na contemporaneidade

são atendidas, é importante destacar que contemporaneidade é essa, uma

vez que vivemos num contexto “marcado pela afirmação da diversidade e

flexibilidade das formas de organização escolar, originadas pela necessidade

de atender aos diferentes interesses e expectativas gerados por fatores de

ordem cultural, social e regional” (BATISTA, 2003, p.49). Retomamos a

inquietação quanto a reconhecer nessas falas a consonância com o que é

proposto na obra em análise, com seus textos e a polifonia dos mesmos, pois

de acordo com o que Rojo (2003, p.98) destaca, embora

os procedimentos de avaliação do PNLD tenham contribuído para a melhoria

de qualidade em alguns aspectos do material didático distribuído em nossas

escolas, o LD ainda está a exigir um enorme montante de esforços, para o

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141

incremento de sua condução didático-metodológica nos campos

específicos do ensino de língua materna.

É importante ressaltar que, no presente estudo, consideramos o LD

enquanto documento (TADEU DA SILVA, 2000), com textos pertencentes a

determinados gêneros e inerentemente dialógicos (talvez polifônicos), numa

perspectiva sócio-histório-político-cultural, do ponto de vista da Análise Crítica

do Discurso (ACD) e que se organiza considerando-se exigências de

documentos oficiais baseados nas necessidades estabelecidas pelas Políticas

Públicas, mais especificamente o PNLD.

Nesse sentido, a figura 2.1, a seguir, procura apresentar o LD, uma obra

também considerada um gênero discursivo, visto sob a ótica da Linguística

Aplicada e em diálogo com a ACD, atendendo a interesses variados, tais como

os de seus autores, editores, mercado consumidor, instituições de ensino,

comunidades etc.

Figura 2.1: O livro didático nas práticas sociais

Queremos frisar também, na figura 2.1, que entendemos “o texto como

um evento comunicativo, com a análise da intencionalidade e,

particularmente, da situacionalidade. Vai-se do cotexto ao contexto”

(MARCUSCHI, 2008, p. 83). Um evento discursivo é considerado, portanto,

nessa perspectiva, um texto, um exemplo de prática social e um exemplo de

A

D

C

A

C

D Polifonia

GÊNERO

S

Ativid

ades

Polít

Públ

PCN

PNLD

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142

prática discursiva – cf. concepção tridimensional do discurso (FAIRCLOUGH,

1992), segundo a qual não se pode “analisar um texto sem considerar as

práticas discursivas e sociais que envolvem tal texto” (TILIO, 2006, p.). Ainda

seguindo essa visão de Marcuschi, podemos perceber o texto como algo

observável e que apresenta nele e em seu entorno todos os elementos que

dão acesso a diferentes aspectos que possam ser analisados e que, numa

visão interdisciplinar, possa avançar para a articulação entre as disciplinas.

Sob o olhar da Linguística Aplicada pretendemos observar nos gêneros

textuais selecionados na obra didática em análise essa interdisciplinaridade

que problematiza, investiga, promove articulações com o mundo e a

linguagem em uso. Podemos visualizar, portanto, na figura 2.1, algumas

representações do que abordamos e que apresenta esse olhar da LA em

diálogo com a ACD de forma que se envolvem no estudo do texto, sua

intencionalidade (cotexto) e situacionalidade (contexto), onde suas vozes

(polifonia) abordam para as possibilidades de gênero e que também negociam

com as atividades elaboradas pelos autores do livro didático em estudo nesse

trabalho, que por sua vez precisam evidenciar e responder às propostas das

políticas públicas e promovam práticas cidadãs num espaço social

transdisciplinar, revelando a análise intertextual como uma forma em que se

articulam as análises textuais e socioculturais em interação. São essas práticas

de grande importância dentro de uma obra didática.

Textos e gêneros no LD analisado

Ao lemos os estudos Bakhtinianos sobre gêneros discursivos, podemos

notar que estes estudos serviram como base teórica dos PCN, conforme

podemos verificar em Costa Val (2003, p. 128-129), quando esta aponta que:

segundo Bakhtin, quando escolhemos um determinado tipo de frase, não o

escolhemos somente em função do que queremos expressar com a ajuda

dessa frase; selecionamos esse tipo de frase em função do todo do texto

completo que se apresenta à nossa imaginação verbal e determina nossa

opção. A ideia que temos da forma de nosso texto, isto é, do gênero preciso

a que ele deverá se adequar, dirige-nos em nosso processo discursivo. O

gênero escolhido dita-nos o seu tipo, com suas articulações composicionais e

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143

seus recursos linguísticos, num contexto histórico social. Essa compreensão

está na base da proposta dos PCN e orientou o estabelecimento de critérios

de avaliação de livros didáticos no PNLD.

Costa Val (2003, p. 142) critica a presença, em alguns livros didáticos

analisados, de atividades com comandos vagos, tais como aquelas que não

indicam nem mesmo o gênero textual a ser produzido. Segundo ela, há

coleções que nem apresentam modelo que represente o gênero textual com o

qual se pretende desenvolver uma atividade.

Ao propormos uma análise de elementos textuais com os elementos do

contexto de acordo com a Análise Crítica do Discurso, estabelecemos

possibilidades problematizadoras, que vão confrontar situações de práticas

sociais. Um documento, no caso a obra didática, que não considera esses

aspectos, não está de acordo com propostas importantes para a formação

cidadã tão proclamada. Não queremos discursos “ocos”, simplesmente

ilustrativos, feitos apenas para causar boa impressão. Queremos observar

como se apresentam essas propostas de variedade de gêneros nos textos

trabalhados, em sua prática mesmo, se atendem a essas perspectivas sociais.

No quadro 3.1 elaboramos um mapeamento dos gêneros textuais

encontrados na obra, seguindo a divisão em seções do LD. O objetivo foi não

apenas reconhecer a presença dos gêneros textuais, mais também seus

objetivos ao serem incluídos na obra, o que pode ser sinalizado pela seção do

LD em que se encontra. Foram considerados apenas os textos que deveriam

ser efetivamente utilizados pelos alunos, tanto para leitura quanto para

execução de atividades. Dessa forma, algumas gravuras, por exemplo,

meramente ilustrativas de exercícios, mas sem aparente função em relação ao

seu gênero, não foram mapeadas.

Page 145: Anais do III SILID/II SIMAR

144

Figura 3.1: Quadro representativo de gêneros mapeados do vol. de 9º ano do Ens. Fundamental II da obra Português: Linguagens.

A partir dos PCN de Língua Portuguesa podemos entender que os textos

representam um objeto de importante qualidade nesse documento oficial.

Eles, os textos, procedem de alguém e se dirigem a alguém.

Um texto produzido é sempre produzido a partir de determinado lugar,

marcado por suas condições de produção. Não há como separar o sujeito, a

história e o mundo das práticas de linguagem. Compreender um texto é

buscar as marcas do enunciador projetadas nesse texto, é reconhecer a

maneira singular de como se constrói uma representação a respeito do

mundo e da história, é relacionar o texto a outros textos que traduzem

outras vozes, outros lugares. (BRASIL, 1998, p.40-41)

Com base no mapeamento ilustrado no quadro 3.1, obtemos o seguinte

Page 146: Anais do III SILID/II SIMAR

145

gráfico para a ocorrência de gêneros discursivos no volume do nono ano da

obra em questão (figura 3.1):

Figura 3.1: Quadro mostragem dos gêneros identificados, sem considerar as abordagens em exercícios meramente ilustrativos, no vol. de 9º ano do Ens.

Fundamental II da obra Português: Linguagens.

Nossa análise partiu da percepção da importância do estudo de textos

como pertencentes a esses gêneros textuais e sua relevância para a vida

social. É preciso entender se essa variedade de gêneros visualizada no gráfico

é efetivamente trabalhada, ou seja, se a função social desses textos para a

prática discursiva está sendo acessada.

Em nosso trabalho com gêneros na obra Português: Linguagens de

Cereja & Magalhães, no volume destinado ao nono ano, pudemos chegar às

seguintes observações:

l na maior parte, o gênero é simplesmente nomeado:

o Ex. 1: após a leitura de uma reportagem, os autores

enunciam: "Como a notícia, a reportagem também é um

gênero“ (p. 17)

o Ex. 2: “Leia esta tira” (p. 23);

Page 147: Anais do III SILID/II SIMAR

146

o Ex. 3: “Leia estes versos da canção ‘Tarde em Itapuã’, de

Vinícius e Toquinho (p. 27);

o Ex. 4: “Leia este poema de Elias José: Saudades” (p. 28)

l em algumas destas vezes, são explicitadas também algumas

características deste gênero (de forma assistemática)

o Ex: “Os textos jornalísticos apresentam, de modo geral,

uma linguagem impessoal” (p. 18)

l em poucas vezes, o gênero é trabalhado de forma indutiva. Neste

caso, o texto não é identificado como pertencente a determinado

gênero, ou seja, o gênero não é apresentado explicitamente; os

autores conduzem os alunos, através das atividades propostas, à

identificação das “marcas” do gênero e, no final, o gênero pode

ser nomeado ou não, como pode ser verificado na figura 3.2.

Figura 3.2: Atividade indutiva para o reconhecimento do gênero textual (p. 12-13)

Page 148: Anais do III SILID/II SIMAR

147

Vale ressaltar, entretanto, que tal abordagem indutiva trata-se de uma

exceção na obra.

Portanto, a obra, embora rica em apresentar gêneros textuais, falha ao

não trabalhá-los como processos sociais. Mesmo quando as características de

um determinado gênero são exploradas, isto é feito de maneira assistemática,

impressionista, e focando apenas na sua estrutura. O texto é tratado apenas

como um produto com características fixas determinantes de seu gênero, e

não é entendido como resultante de escolhas situadas socialmente e feitas

com intenções específicas.

No entanto, a presença de grande diversidade de gêneros acaba por

tornar a obra bastante dialógica – e polifônica, uma vez que este dialogismo

parece ser adequadamente explorado pelos autores. Tal polifonia é

trabalhada, sobretudo, pelo viés temático. Em outras palavras, a abundância

de gêneros permite ao autor apresentar uma gama de temas que são

efetivamente explorados em seu dialogismo com outros discursos.

Como exemplo trazemos um capítulo intitulado “Os Brasis”, que abre

com um cartum seguido de atividades de interpretação que pretendem

visibilizar vozes atemporais sobre questões de injustiças sociais, tal qual nos

mostra a figura 3.3.

Figura 3.3: “Os Brasis” – exemplo de exploração de polifonia na obra (p. 220)

Page 149: Anais do III SILID/II SIMAR

148

Com este texto e estas atividades (que continuam em número maior na

página seguinte), os autores parecem pretender instigar os alunos a tecer

relações dialógicas entre o texto e seus outros conhecimentos (textuais,

discursivos, de mundo etc.) e convidá-los a trazer esses outros conhecimentos

para a sala de aula e para o debate. Ressaltamos, no entanto, que tal

abordagem da polifonia poderia ser otimizada caso os autores explorassem

também as características dos gêneros em diálogo.

Considerações finais

O presente trabalho buscou analisar como um livro didático para o ensino de

LP no 9º ano do Ensino Fundamental efetivamente explora gêneros textuais e

polifonia, em consonância com as atuais políticas públicas, em especial o

Programa Nacional do Livro Didático e os Parâmetros Curriculares Nacionais, e

conforme discurso de seus autores e editores. Essa perspectiva torna-se

importante para que o discurso tenha um sentido amplo, transdisciplinar, e

possa, assim, evidenciar a relação existente entre textos, gêneros e contextos

sociais.

Concluímos que apesar da presença de diversidade de gêneros, suas

características e funções ainda são pouco exploradas. Falta maior integração

entre leitura, análise e produção. Além disso, a distribuição dessa grande

quantidade de gêneros ao longo da obra aponta para uma espécie de

“cânone”, que setoriza os gêneros de acordo com as atividades propostas

pelos autores. Dessa forma, o texto principal de uma unidade é, em 90% dos

casos, um texto “tradicional”, linear, organizado em frases e parágrafos, a

saber, conto ou crônica; o gênero tirinha, por sua vez, está distribuído em três

seções, todas voltadas à “diversão” do aluno.

A obra atende às exigências do PNLD, na medida em que traz a

diversidade de gêneros, mas falha em ressaltar a função social destes, como

esperam os PCN, e, desta forma, apresenta o risco de associar o conceito de

gênero ao de estruturas fixas e rígidas.

O estudo da obra também mostrou que a diversidade de textos e

gêneros pode trazer uma multiplicidade de vozes de situações heterogêneas e

problematizadoras do meio social em que vivemos, pois a polifonia é bastante

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149

explorada ao longo do LD. Tal exploração, contudo, é conduzida pelo eixo

temático, e não pelo gênero, o que poderia enriquecer ainda mais a discussão

da polifonia. Acreditamos que seja fundamental atrelar análises linguísticas à

práticas sociais, pois entendemos estas como integradas e articuladas com a

formação para a cidadania.

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Page 152: Anais do III SILID/II SIMAR

Projeto gráfico-editorial em livros didáticos de língua portuguesa: influências e interferências no processo de ensino-aprendizagem

Graphic design and publishing in Portuguese school books: influences and interferences in teaching-learning process

Fabiana P. Marsaro, Graduanda, IEL/UNICAMP, [email protected]

Resumo

Trazemos resultados da análise comparativa de duas obras didáticas recomendadas pelo PNLD/2008 com pareceres distintos acerca do projeto gráfico-editorial. Através da coleta e quantificação de dados, procuramos verificar de que maneira a ação editorial pode influir na proposta de ensino-aprendizagem dos autores e na formação crítica e multiletrada dos alunos. Palavras-chave: livro didático, projeto gráfico-editorial, letramentos

Abstract

This article brings results of comparative analysis of two Portuguese school books collections, recommended by PNLD/2008, with different opinions about graphic design. By collecting and quantifying data, we see how the editorial action may influence the authors’ teaching-learning proposal and the critical apprentice of students in multiple literacies. Keywords: school books, graphic design, literacy

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152

Introdução

Nas últimas décadas o livro didático (doravante, LD) estabeleceu seu lugar

como material de ensino-aprendizagem majoritário nas escolas brasileiras,

principalmente públicas. Atualmente, o LD está inserido em uma esfera

mercadológica e seu status de produto comercial traz fortes impactos à sua

constituição. As mudanças ocorridas na configuração dos LDs ao longo dos

anos foram particularmente bem recebidas pelo mercado editorial brasileiro,

que viu na sua comercialização um campo de atuação bastante seguro e

rentável. Segundo Batista (2003), em 1997, os LD corresponderam a 58% do

total de exemplares vendidos pelas editoras no Brasil, dado que prova a

importância deste tipo de produto para o setor. A produção do LD é um

processo complexo, que mobiliza diversos agentes com interesses específicos,

entre os quais autor e editor podem ser considerados os mais relevantes.

Para produzir um LD, o autor assume uma postura ideológica e define

uma proposta pedagógica para a obra. A partir dos Parâmetros Curriculares

Nacionais e de outros referenciais, ele seleciona objetos de ensino, define a

maneira como vai ensiná-los e determina a coletânea que vai ser utilizada

para cumprir esses objetivos. Isto faz com que consideremos o LD um gênero

secundário do discurso, conceito definido por Bakhtin (2003[1952-53/1979]),

caracterizado pela interlocução de gêneros e pelo acabamento estético

realizado pelo autor. Quanto ao editor, entendemos que sua atuação se

relacione principalmente à esfera mercadológica, defendendo os interesses

das editoras que tem o LD como um de seus produtos e, portanto, uma fonte

de lucro. Dada a comercialização dos LDs ser vinculada à avaliação do PNLD,

torna-se importante adequá-los aos critérios do Programa, assim como

respeitar limites de orçamento e outros fatores de ordem técnica. Por essas

razões, o editor pode intervir na seleção dos textos, escolha de imagens,

disposição dos elementos na página, agindo como co-autor da obra.

Nesse artigo, elegemos como objeto de investigação o projeto gráfico-

editorial de LDs de Língua Portuguesa, por nós definido, a partir dos trabalhos

de Chartier (1999[1945], 2001[1985]) e Pivetti (2005), como o planejamento

e realização da forma, conteúdo e composição visual de um material, ou seja,

Page 154: Anais do III SILID/II SIMAR

153

da sua configuração gráfica. Entendemos que estudar o projeto gráfico-

editorial de um LD compete à Linguística Aplicada se considerarmos que “o

conhecimentos de outros meios semióticos está ficando cada vez mais

necessário no uso da linguagem, tendo em vista os avanços tecnológicos: as

cores, as imagens, [...] o design etc., [...] disponíveis na tela do computador e

em muitos materiais impressos [que ampliam] a noção de letramento para o

campo [...] das outras semioses que não somente a escrita” (ROJO et AL, s/d:

2). Através da análise documental comparativa de dois LDs de Língua

Portuguesa, procuramos determinar quais elementos do projeto gráfico-

editorial poderiam trazer impactos negativos e positivos ao projeto pedagógico

do autor, buscando compreender quais motivações justificavam sua presença.

Materiais e metodologia

As obras que constituem o corpus deste artigo foram escolhidas a fim de

permitir uma análise comparativa de seus projetos gráfico-editoriais. A partir

da leitura do Guia do Livro Didático do PNLD/2008, optamos pelos volumes de

6º e 7º anos do Ensino Fundamental II das coleções Leitura do Mundo, de

Lúcia Teixeira e Norma Discini, publicada pela Editora do Brasil, e Trabalhando

com a Linguagem, de Givan Ferreira, Isabel Cristina Cordeiro, Maria Aparecida

Almeida Kaster e Mary Marques, uma publicação da Quinteto Editorial/FTD.

Atentamos à apreciação distinta dos avaliadores quanto aos aspectos gráfico-

editoriais das obras. Nas respectivas resenhas, a coleção Leitura do Mundo

tem seu projeto gráfico-editorial classificado como inadequado, enquanto que

o da coleção Trabalhando com a Linguagem é elogiado e considerado de boa

qualidade.

Para realizar a análise, partimos das Bases de Textos das Coletâneas

organizadas pelo Projeto Integrado de Pesquisa Livro Didático de Língua

Portuguesa – Produção, Perfil e Circulação (LDP-Properfil, Grupo de Pesquisa

cadastrado no Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq) cuja pesquisadora

responsável é a Profª. Drª Roxane Helena Rodrigues Rojo. A Base contém

informações sobre os textos das coletâneas de obras avaliadas nos PNLD de

2002, 2005 e 2008. Foram levantados os títulos dos textos, autoria ou veículo,

suporte, gênero e esfera de circulação. Apropriamo-nos dessa planilha e

Page 155: Anais do III SILID/II SIMAR

154

acrescentamos novos campos, criados para gerar dados que fossem

pertinentes à nossa análise.

Procurando identificar ocorrências em que interesses comerciais

interferissem em elementos pertinentes ao projeto pedagógico,

acrescentamos à planilha original os campos: APARECE COMO NO SUPORTE

ORIGINAL, EXTENSÃO (INTEGRAL OU EXCERTO), MODALIDADE (UNIMODAL OU

MULTIMODAL, ILUSTRAÇÃO e DIREITOS AUTORAIS. A partir dessa planilha de textos,

baseada no levantamento do LDP – Properfil, desenvolvemos uma outra, que

pudesse dar conta dos elementos visuais dos LDs. Nosso maior interesse era

determinar a pertinência do uso das imagens nas obras, considerando que, na

maioria das vezes, a pesquisa iconográfica é responsabilidade apenas da

editora, o que não consideramos ideal. O PNLD refere-se aos elementos

visuais do LD genericamente, com o termo “ilustração”. A nosso ver, os

critérios para análise da ilustração de um LD são definidos de maneira vaga

pelo documento. O Guia do Livro Didático do PNLD/2008 traz que as

ilustrações

devem estar bem distribuídas nas páginas e colaborar para a consecução dos

objetivos das atividades a que se relacionam, além de evitar os estereótipos,

os preconceitos, a propaganda e a doutrinação ideológica e reproduzir

adequadamente a diversidade étnica da população brasileira, a pluralidade

social e cultural do país. (BRASIL, 2007B: 17)

Na versão do Guia de 2011, o texto limita-se a dizer que as ilustrações

devem “ser adequadas às finalidades para as quais foram elaboradas; quando

o objetivo for informar, ser claras, precisas e de fácil compreensão” (BRASIL,

2010: 16). Nas duas versões do documento, não é levado em conta que as

imagens também contribuem para o letramento do alunado, devendo

apresentar variedade e complexidade.

Pensando em levantar dados que pudessem trazer exemplos

relacionados a essas questões, criamos uma planilha para as imagens com os

seguintes campos: DESCRIÇÃO, OBSERVAÇÃO (onde descrevemos sua função no

material: INICIA UNIDADE, ACOMPANHA TEXTO, ILUSTRA EXERCÍCIO, INTEGRA

EXERCÍCIO, DICA), AUTORIA OU VEÍCULO, EDITORIAL, ORIGINAL DE MATERIAL, BANCO DE

DADOS, DIREITOS AUTORAIS, NACIONAL OU INTERNACIONAL, REPRODUÇÃO DO SUPORTE,

Page 156: Anais do III SILID/II SIMAR

155

MODALIDADE (UNIMODAL OU MULTIMODAL), GÊNERO e ESFERA DE CIRCULAÇÃO.

Resultados e discussão

Através da geração de dados e análise crítica do corpus, pudemos traçar um

perfil dos projetos gráfico-editoriais das coleções Leitura do Mundo e

Trabalhando com a Linguagem, que passaremos a chamar de LDM e TCL,

respectivamente.

Os dois volumes de cada uma das coleções apresentam regularidades

entre si quanto à quantidade de imagens e textos da coletânea. A média que

se estabelece em LDM é de, aproximadamente, 1 texto a cada 4 páginas e 1

imagem a cada 2 páginas. Já em TCL, temos 1 texto a cada duas páginas e

cerca de 1 imagem por página. Esta configuração traz impactos diretos à

legibilidade das obras. Enquanto em LDM predomina a mancha de texto, em

TCL são as figuras, grandes e em maior quantidade, que têm mais destaque.

Há bastante contraste também no uso de cores e da tipografia. Não há

dúvidas de que a legibilidade da obra seja um elemento importante na sua

composição, principalmente quando se trata de um material utilizado para fins

didáticos. No entanto, é interessante perceber que este parece ser o único

critério considerado pelo Guia do PNLD/2008 para avaliar os projetos gráfico-

editoriais das obras que constituem nosso corpus. Na resenha de LDM, o

grande problema apontado pelos avaliadores são as características

tipográficas da coleção:

O projeto editorial tem a inadequação de apresentar páginas carregadas com

textos e atividades, com letras muito miúdas. O sumário é relativamente

funcional, facilitando a localização de unidades e seções. Os textos vêm

arrolados por número e não pelo título (ex.: Texto 1, Texto 2), o que

impossibilita sua identificação. (BRASIL, 2007B: 60)

Já na resenha TCL, os avaliadores elogiam a boa legibilidade conferida à

coleção pelo projeto gráfico-editorial: “A obra conta com um projeto gráfico-

editorial de boa qualidade, que facilita a localização das diversas seções e

unidades através do livro e proporciona conforto visual durante a leitura de

textos e atividades” (BRASIL, 2007B: 102). Nas duas resenhas, o parâmetro

Page 157: Anais do III SILID/II SIMAR

156

de avaliação é a legibilidade das coleções, e o que prevalece na apreciação

dos avaliadores são características técnicas e objetivas. A questão das

ilustrações, que já apareceu de forma bastante vaga nos critérios do

Programa, como citamos no item 2 deste relatório, é completamente

suprimida no texto dos avaliadores.

A seguir, listamos os dados obtidos em nossa análise. Por questões de

espaço, reproduziremos aqui apenas os resultados relativos aos volumes do

6º ano de TCL e LDM. Em LDM, temos:

Textos em “Leitura do Mundo” – 6º ano

Sim Não

Possuem direitos autorais? 41 2

São acompanhados por ilustração? 24 19

Quanto à modalidade, são multimodais? 5 38

Quanto à extensão, são integrais? 26 17

Aparecem no suporte original? 0 43

Tabela 1

Imagens em “Leitura do Mundo” – 6º ano

Sim Não

Quanto à modalidade, são multimodais? 1 85

São reprodução do suporte? 0 86

Quanto à origem, são nacionais? 80 6

Possuem direitos autorais? 19 67

São de banco de imagens? 8 78

São originais de material? 0 86

Quanto à autoria, são editoriais? 64 22

Tabela 2

Imagens em “Leitura do Mundo” – 6º ano

Esfera de circulação % Função no material % Gênero %

Artes visuais 3 Acompanha texto 40 Fotografia 22

Burocrática 0 Dica 0 Ilustração 76

Cotidiana 20 Ilustra exercício 49 Pintura 1

Divulgação científica 0 Inicia unidade 10 Reprodução 1

Page 158: Anais do III SILID/II SIMAR

157

Escolar 76 Integra exercício 1

Jornalística 1

Tabela 3

Em LDM, a maior parte dos textos (41) possui direitos autorais. Este

dado é positivo, na medida em que mostra a prioridade dada a textos

autênticos, que, antes de serem didatizados, circularam em contextos não-

escolares. Ainda quanto aos textos em LDM, 55% são acompanhados por

imagens. Verificamos, porém, que grande parte delas é redundante e tem

função meramente decorativa, como exemplificaremos mais adiante. Os dados

mais significativos na análise da coleção e também os únicos com resultados

expressivamente diferentes em TCL, foram a presença ínfima de textos

multimodais (5) e a ausência total de textos reproduzidos com a mesma

configuração do suporte original do qual foram extraídos.

Para melhor avaliar a importância das relações entre imagem e texto

verbal numa obra didática, consideramos interessante voltar-nos mais uma

vez para o trabalho de Gribl (2009) que, buscando compreender como se dá

esta parte dos processos de significação na leitura, apóia-se nas reflexões

semiológicas de Roland Barthes acerca dos conceitos de ancoragem e de

relais:

Na ancoragem, o texto faz referência aos significados da imagem,

direcionando o olhar do leitor para alguns aspectos em detrimento de outros.

[...] Na relação de relais, o texto e a imagem se encontram em relação

complementar. As palavras, assim como as imagens, são fragmentos de um

sintagma mais geral e a unidade da mensagem se realiza em um nível mais

avançado (Barthes, 1990 [1964], p. 34). [...] Nesse sentido, pode-se dizer

que as relações possíveis de ancoragem entre texto e imagem estejam no

eixo da informatividade [...]e da redundância (GRIBL, 2009: 25)

Analisando LDM, pudemos observar de que forma estas duas relações

intertextuais acontecem. Quando existem imagens acompanhando os textos,

na maioria dos casos, como os dados mostraram, predomina a relação de

ancoragem no eixo da redundância. Geralmente imagens editoriais, elas se

limitam a ilustrar palavras e idéias do texto de forma pouco criativa, sem

oferecer nenhum desafio à interpretação, tanto que poderiam ser facilmente

Page 159: Anais do III SILID/II SIMAR

158

suprimidas ou eliminadas sem trazer prejuízos ao material. A baixa

complexidade das ilustrações em LDM torna-se mais grave quando nos

deparamos com os poucos exemplos de imagens que integram texto verbal,

classificadas em nossa análise como textos multimodais. A tabela 1 nos

mostra que pouco mais de 10% dos textos em LDM são multimodais. Este

dado deixa claro que a configuração do material praticamente impossibilita

situações em que a significação na relação de relais possa acontecer, ou seja,

em que imagem e texto se complementem a fim de estabelecer uma unidade

de sentido. Gribl aponta que a “relação de relais é facilmente encontrada em

charges, histórias em quadrinhos, infográficos, mapas cartográficos, anúncios

publicitários e notícias jornalísticas acompanhadas de imagens” (GRIBL, 2009:

26). Porém, percebemos que o projeto gráfico-editorial de LDM contribui para

que, mesmo nestes gêneros, esta significação seja prejudicada.

Figura 4 - Anúncio em LDM, vol. 2, pág. 190

Page 160: Anais do III SILID/II SIMAR

159

Figura 5 - Anúncio original, disponível no Acervo Digital da revista Veja

Acima, na figura 1, temos o exemplo de um anúncio, reproduzido da

página 190 do volume 2 de LDM, totalmente redesenhado para adequar-se ao

layout do LD. Na figura 2, temos o anúncio reproduzido tal qual em seu

veículo de circulação. Originalmente veiculado em página dupla, ele foi

reconfigurado para ocupar cerca de um sexto deste espaço, menos da metade

da página do livro. Acreditamos que isso tenha levado à substituição dos tipos

originais pelo tipo padrão usado em todo o LD, em corpo menor, mas que

garante a legibilidade do texto. Ainda que esta seja uma alteração justificável,

houve comprometimento da constituição do texto no gênero e, cremos, de

sua apropriação pelos alunos. No anúncio do LD não foi respeitada a

disposição original do texto e a diferenciação entre os tipos que constituem o

texto de apoio e as legendas explicativas do produto. O logo do Serviço de

Atendimento ao Cliente ganhou mais destaque que a marca e o nome do

produto, enquanto que a referência à agência de publicidade responsável pela

criação, originalmente localizada no canto superior esquerdo, simplesmente

foi suprimida. Estas ações, ao apagarem elementos importantes do contexto

de produção e circulação do anúncio, acabaram por transformá-lo em mais

um texto acompanhando de ilustração, impossibilitando que os alunos

apropriem-no como um texto autêntico, com suas estratégias de leitura e

Page 161: Anais do III SILID/II SIMAR

160

interpretação específicas preservadas. Os exercícios relativos ao anúncio

sequer consideram as especificidades do gênero publicitário e o utilizam como

dado para atividades de análise textual somente.

Nas tabelas 2 e 3, temos uma panorama da utilização das imagens em

LDM, brevemente explorado nos exemplos já citados. Os dados que

levantamos apresentaram um grande contraste com a apreciação do

PNLD/2008, logo abaixo:

A coletânea traz tipos e gêneros variados da cultura da escrita (nas esferas

jornalística, científica, publicitária e literária) e das linguagens visuais. Oferece

produções artísticas diferenciadas (literatura, pintura, escultura, desenho,

fotografia) e produtos de comunicação de massa, como jornal, revista,

quadrinhos e infografia (BRASIL, 2007b: 58).

Ao contrário de uma coletânea variada e diferenciada, os dados nos

mostram que 75% das imagens de LDM são editoriais, ou seja, produzidas

especificamente para o LD, com circulação restrita à esfera escolar. Esta

característica justifica a ausência de imagens originais de materiais.

Concluindo esta primeira parte da análise, concordamos com o parecer

negativo dos avaliadores do PNLD/2008 sobre o projeto gráfico-editorial de

LDM, mas não pelos mesmos motivos. A nosso ver, mais grave que a

tipografia e disposição do texto no material, justificativa dos avaliadores para

sua apreciação, é o predomínio de textos e imagens com contextos de

produção e circulação apagados, pouca diversidade nas referências e muitas

ilustrações redundantes, sem uma real função no material que não seja a de

decorar as páginas. A configuração de LDM, mais do que desestimular a

leitura e ser pouco atrativa, não contribui para os múltiplos letramentos

exigidos em nossa sociedade, que pede novas formas de ler, interpretar e

relacionar textos, imagens e informações de forma dinâmica e ativa, nas mais

diferentes mídias (ROJO et al., s/d).

A partir da observação de TLC, obtivemos as seguintes tabelas:

Textos em “Trab. com a Linguagem” – 6º ano

Sim Não

Possuem direitos autorais? 92 29

Page 162: Anais do III SILID/II SIMAR

161

São acompanhados por ilustração? 38 83

Quanto à modalidade, são multimodais? 47 74

Quanto à extensão, são integrais? 81 40

Aparecem no suporte original? 42 79

Tabela 4

Imagens em “Trab. com a Linguagem” – 6º ano

Sim Não

Quanto à modalidade, são multimodais? 48 107

São reprodução do suporte? 24 131

Quanto à origem, são nacionais? 133 15

Possuem direitos autorais? 50 105

São de banco de imagens? 15 140

São originais de material? 21 134

Quanto à autoria, são editoriais? 104 51

Tabela 5

Imagens em “Leitura do Mundo” – 6º ano

Esfera de circulação % Função no material % Gênero %

Artes visuais 3 Acompanha texto 57 Fotografia 17

Burocrática 0 Dica 9 Ilustração 68

Cotidiana 23 Ilustra exercício 11 Pintura 2

Divulgação científica 4 Inicia unidade 6 Reprodução 13

Escolar 67 Integra exercício 17

Jornalística 3

Tabela 6

Foi interessante observar que, com exceção de alguns itens, os dados

de LDM e TCL são bastante parecidos. Em TCL, porém, o número de textos e

imagens chega a ser, no mínimo, duas vezes maior que em LDM, ainda que

ambas as coleções tenham aproximadamente 200 páginas em cada volume. O

fato da mancha de texto não ser predominante no material torna TCL legível e

atrativa, com um arranjo visual mais bem-sucedido que o verificado em LDM.

Na resenha do PNLD, os avaliadores elogiam a coletânea de textos de

TCL por suas temáticas relevantes e diversidade de gêneros:

Page 163: Anais do III SILID/II SIMAR

162

Os textos que compõem a coletânea estimulam discussões temáticas e

linguísticas posteriormente efetivadas nos livros. Abordam temas importantes

para a formação da cidadania e da cultura do aluno – sexualidade, meio

ambiente, saúde, trabalho – e exploram gêneros textuais de relevância social

– notícias, crônicas, debates, conto, entrevista, reportagem, gráficos,

anúncios publicitários, conto, poesia, pintura, romance. (BRASIL, 2007b: 100)

Diferentemente de LDM, em que o cuidado na escolha da coletânea não

foi mantido na sua transposição para o material, em TCL o arranjo visual

contribui para seu aproveitamento. Tomando o gênero anúncio publicitário,

para contraste com o exemplo fornecido na análise de LDM, podemos

observar a figura 3, reprodução da página 49 do volume 1 de TLC. Notamos

que os anúncios escolhidos pelos autores para integrar a coletânea foram

reproduzidos de maneira fac-similada ao suporte original, em uma

configuração da página permite o contato do aluno com um texto autêntico.

Figura 6

Apesar dos gráficos revelarem um padrão bastante semelhante ao já

observado em LDM, notamos uma maior qualidade na coletânea de TCL e no

seu aproveitamento pelo projeto gráfico-editorial, deixando indícios, muitas

Page 164: Anais do III SILID/II SIMAR

163

vezes, de que foi realizado um trabalho conjunto entre autor e editor.

Uma ocorrência interessante, que apareceu mais de uma vez, foi a de

textos autorais “ilustrados” por outros textos, multimodais, como no exemplo

da figura 4, reproduzido da página 17 de TCL. Sob o título Importância da

Leitura, há um texto autoral de motivação seguido por um exercício que deve

ser resolvido em casa. TCL se afasta do óbvio ao usar como ilustração a

inserção de um texto autêntico, produzido por uma aluna do 7º ano,

relatando sua experiência de leitura da obra Éramos Seis, acompanhada de

uma ilustração da história. Notemos que esta imagem não tem implicações

diretas para a atividade e poderia ser retirada, mas não sem prejuízo do

projeto pedagógico.

Figura 7

Mais uma vez, notamos que a resenha do PNLD/2008 se ateve a

características de menor relevância ao avaliar o projeto gráfico-editorial de

TCL, afirmando que “a obra conta com um projeto gráfico-editorial de boa

qualidade, [por]que facilita a localização das diversas seções e unidades

através do livro e proporciona conforto visual durante a leitura de textos e

atividades” (BRASIL, 2007b: 102). Para nós, o projeto gráfico-editorial de TCL

se mostra superior ao de LDM não apenas porque possui melhor legibilidade,

mas porque, em vários momentos, contribui efetivamente para o processo de

ensino-aprendizagem.

Page 165: Anais do III SILID/II SIMAR

164

Conclusão

Nossa principal hipótese na pesquisa na qual se baseia este artigo, era de que

ações na edição e diagramação do livro, sob responsabilidade do editor,

poderiam interferir na proposta pedagógica do autor, ora comprimindo-a

numa configuração visual não condizente com os objetivos de ensino-

aprendizagem, ora contribuindo para o aproveitamento do material por alunos

e professores.

Em nossa análise, pudemos verificar ocorrências dos dois tipos. A

coleção Leitura do Mundo, que teve seu projeto gráfico-editorial considerado

inadequado pelo PNLD, realmente apresentou características que não

consideramos positivas para o aproveitamento da obra. A coletânea da

coleção mostrou-se pouco diversificada, fato agravado pela forma como foi

inserida na obra. As ilustrações, pouco complexas, ficaram aquém do

esperado, não contribuindo para o letramento do alunado em outras

semioses. Já a coleção Trabalhando com a Linguagem, além de contar com

uma apresentação visual mais atrativa, possui um projeto gráfico-editorial

mais consciente que, em vários exemplos observados, foi significativo para o

aproveitamento das atividades propostas. O material destacou-se por

favorecer a coletânea optando sempre que possível pela reprodução fac-

similada de textos e imagens. Esta configuração mostra que houve

colaboração do autor no seu processo de diagramação.

Ainda que, como previsto inicialmente, Trabalhando com a Linguagem

tenha mostrado um projeto gráfico-editorial mais adequado que o de Leitura

do Mundo, as duas coleções apresentaram características já conhecidas entre

os LD, abusando das ilustrações editoriais, utilizando imagens para decorar ou

preencher espaços em branco e apresentando os textos de forma pouco

criativa. Os bons exemplos encontrados em Trabalhando com a Linguagem,

infelizmente, ainda podem ser considerados exceção entre os LDs.

Consideramos que o projeto gráfico-editorial ainda não é devidamente

explorado por autores e editores e que o PNLD, que desde seu surgimento

teve o objetivo de regular e forçar melhorias na produção dos LDs, ainda

apresenta critérios insuficientes para sua definição nas obras. Houve avanços

entre as edições de 2008, que simplesmente considerava a legibilidade do

Page 166: Anais do III SILID/II SIMAR

165

material: “Quanto aos aspectos gráfico-editoriais, um livro dedicado ao

ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa precisa ser legível e bem

ilustrado” (BRASIL, 2007b: 17), e a de 2011, que passa a considerar a relação

dos aspectos gráficos com o projeto pedagógico: “A proposta didático-

pedagógica de uma coleção deve traduzir-se em um projeto gráfico-editorial

compatível com suas opções teórico-metodológicas, considerando-se, dentre

outros aspectos, a faixa etária e o nível de escolaridade a que se destina”

(BRASIL, 2010: 15). Porém, ainda faltam exemplos, prescrições claras e, mais

importante, a devida atenção dos avaliadores para com estes aspectos.

Referências

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WILIAMS, R. The Non-Designer’s Design Book. California: Peachpit Press, 2004.

Page 168: Anais do III SILID/II SIMAR

Proposta Curricular do Estado de São Paulo para o Ensino de Língua Portuguesa: Primeiras Impressões

São Paulo State Curriculum Proposal for Portuguese Language Teaching: First Impressions

Fernanda Félix Litron, Doutoranda em Linguística Aplicada. Unicamp, [email protected]

Resumo

Análise do currículo da rede estadual de São Paulo, implantado em 2008, e dos apostilados que transpõem seus princípios em orientações metodológicas, para o professor, e em atividades e tarefas, para o aluno. Apresentação de tais documentos a partir de uma primeira apreciação de seu conteúdo e organização. Palavras-chave: Currículo. Didatização de Conteúdos de Língua Portuguesa.

Abstract

Analysis of São Paulo State curriculum, established in 2008, and of the books that transpose its principles in methodological guidelines, for teachers, and in activities and tasks, for students. Presentation of these documents from a first impression of its content and organization. Keywords: Curriculum. Didatictization of Portuguese Language Contents.

Page 169: Anais do III SILID/II SIMAR

168

No ano de 2008, a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo propôs

uma vultosa reforma pedagógica a ser implantada de forma imediata em

todas as escolas da rede pública. Tal reforma apresentava um novo currículo

para as disciplinas do Ensino Fundamental e Médio, criação alicerçada no

levantamento e revisão bibliográfica de toda documentação oficial produzida

na história recente da Secretaria, em consulta e análise de publicações e

projetos existentes na rede, assim como em pesquisa às escolas e professores

sobre práticas e experiências bem sucedidas no cenário educacional paulista.

A partir desse embasamento, originou-se a Proposta Curricular do

Estado de São Paulo, documento que busca “apoiar o trabalho realizado nas

escolas estaduais e contribuir para a melhoria da qualidade das aprendizagens

de seus alunos” (SÃO PAULO, 2008b, p.8). Para que isso ocorra, a proposta

curricular é apoiada por outros materiais pedagógicos que a subsidiam, tais

como: o conjunto de apostilas curriculares de todas as disciplinas, direcionado

às escolas; documentos de apoio aos diretores e coordenadores para que

estes se tornem “líderes” na implantação do currículo; cadernos bimestrais de

orientação para o professor, bem como vídeos e cursos de apoio sobre a

fundamentação teórica de sua disciplina; e, finalmente, cadernos bimestrais

para o aluno executar tarefas segundo o caderno do professor.

Dessa maneira, a proposta curricular foi apresentada ao corpo docente

estadual, indicando a ele, a partir daí, os conteúdos a serem trabalhados em

cada disciplina. O texto de apresentação do currículo é assinado pela então

Secretária Maria Helena Guimarães de Castro, que justifica a necessidade de

um currículo oficial ao afirmar que

a criação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que deu autonomia às escolas

para que definissem seus próprios projetos pedagógicos, foi um passo

importante. Ao longo do tempo, porém, essa tática descentralizada mostrou-

se ineficiente. Por esse motivo, propomos agora uma ação integrada e

articulada, cujo objetivo é organizar melhor o sistema educacional de São

Paulo. (SÃO PAULO, 2008b, p.5)

Por conta desta ineficiência, a Secretária da Educação do Estado de São

Paulo salienta que sua proposta vai além de uma simples orientação, pois esta

é composta por um grande material de apoio que apresenta uma ação com

Page 170: Anais do III SILID/II SIMAR

169

foco definido.

O discurso de Castro quanto à “ineficiência de uma tática

descentralizada” e o “estabelecimento de um foco definido” refere-se à

situação em que as escolas se encontravam no momento em que ela assume

a pasta da Educação em 2007.

Segundo Martins (1996), as últimas discussões sobre currículo datavam

de 1986, quando a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas

constituiu equipes de especialistas, técnicos pedagógicos e professores das

disciplinas para um estudo e organização do currículo oficial do Estado que se

concretizou e foi implantado em 1992.

Após a sanção da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação e o

lançamento dos Parâmetros Curriculares Nacionais em 1996, o Estado de São

Paulo procurou se adequar a tais propostas federais a partir da formação

continuada de seus docentes, publicações de apoio à prática dos PCNs e

projetos para desenvolvimento da aprendizagem de seus alunos de acordo

com os novos parâmetros.

No que concerne a esta última ação, a teoria da aprendizagem a partir

da metodologia de projetos esteve em bastante evidência na gestão anterior à

da Secretária Maria Helena de Castro. A escola se organizava em torno de um

número grande de projetos desenvolvidos pelos órgãos centrais, que

formavam professores através de videoconferências e cursos periódicos

ministrados por renomados especialistas das principais universidades do país.

Ao final dessa gestão, as escolas se encontravam em meio a um número

exacerbado de projetos que, apesar de sua qualidade, acabavam tomando a

maioria da carga horária das disciplinas, cujo conteúdo mínimo estava

relegado a um segundo plano.

Diante desse histórico, pareciam ser necessários o estudo e a criação de

um currículo que redirecionasse o ensino e a aprendizagem das escolas

públicas e redefinisse as bases e princípios pedagógicos fundamentais.

Sendo assim, o documento curricular estadual de 2008 apresentaria,

portanto, tais bases teóricas, das quais destacamos duas, a saber: a noção de

competências como referência para a aprendizagem e a centralidade da

linguagem no currículo.

Inicialmente, o currículo estadual se propõe a relacionar as atividades

Page 171: Anais do III SILID/II SIMAR

170

disciplinares às expectativas de aprendizagem dos alunos, dando maior

atenção à promoção e ao desenvolvimento de suas competências e

habilidades.

Este seria o fundamento central da nova proposta que se autodenomina

um “currículo referido a competências”. De acordo com esse princípio, as

competências se caracterizariam como “modos de ser, raciocinar e interagir

que podem ser depreendidos das ações e das tomadas de decisão em

contextos de problemas, tarefas ou atividades” (SÃO PAULO, 2008b, p. 14). É

através delas que o aluno se relacionará com o mundo de maneira crítica,

compreendendo-o, expressando suas ideias e compartilhando suas formas de

ser, “na complexidade em que hoje isso é requerido” uma vez que o currículo

também se compromete com os desafios contemporâneos.

O foco no desenvolvimento de competências se justifica uma vez que a

Secretaria, por meio da iniciativa da reforma curricular, se empenha em

realizar uma mudança de concepção de seus educadores quanto à noção do

que é ensinar. Para isso, o documento faz breve histórico de um tempo em

que o plano de trabalho escolar indicava o que seria ensinado ao aluno e

listava uma quantidade de conteúdos disciplinares a serem cumpridos.

No entanto, com a revisão da Lei de Diretrizes e Bases em 1996, esse

modelo desloca o foco do ensino para a aprendizagem, o que garantiria, mais

do que a liberdade do professor de se ensinar um conteúdo, o direito do aluno

de aprender o que lhe for ensinado.

Tal filosofia apresenta a noção de “competência” como uma

possibilidade de maior democratização da escola, já que a tornaria igualmente

acessível a todos, ao dar ênfase nas habilidades que seriam indispensáveis

que todos tenham desenvolvido ao final de um processo.

Para que essa transição do ensino para aprendizagem se concretizasse e

institucionalizasse no Estado de São Paulo, a proposta curricular torna-se

também portadora desse conceito, ressaltando que

“cabe às instâncias condutoras da política educacional nos estados e nos

municípios elaborar, a partir das Diretrizes e dos Parâmetros Nacionais,

Propostas Curriculares próprias e específicas, prover os recursos humanos,

técnicos e didáticos para que as escolas, em seu projeto pedagógico,

estabeleçam os planos de trabalho que, por sua vez, farão das propostas

Page 172: Anais do III SILID/II SIMAR

171

currículos em ação – como no presente esforço desta Secretaria.” (SÃO

PAULO, 2008b, p. 15)

Por fim, além de centrar-se no desenvolvimento de competências, a

proposta curricular preocupa-se ainda com o desenvolvimento de duas delas

especificamente, quais sejam, as competências de leitura e escrita.

Tal prioridade existe uma vez que o documento apresenta a linguagem

enquanto um sistema simbólico a partir do qual o homem representa o que

está ao seu redor e em seu interior; é com a linguagem que ele se comunica e

expressa sua articulação com o mundo. Assim, a concepção do currículo oficial

paulista é de que

“o ser humano é um ser de linguagem e, portanto, em virtude da

centralidade da linguagem no desenvolvimento da criança e do adolescente

que esta Proposta Curricular prioriza a competência leitora e escritora.” (SÃO

PAULO, 2008b, p. 18)

Segundo as orientações curriculares específicas para a disciplina de

Língua Portuguesa, podemos compreender ainda melhor que a principal razão

de qualquer ato de linguagem é a produção de sentido, e por isso a

linguagem é a capacidade humana de articular significados.

Todas essas assertivas a respeito da linguagem estão em consonância

com as proposições tecidas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua

Portuguesa. Estes apresentam a importância do domínio da língua, tanto oral

quanto escrita, como base para a participação social efetiva, pois “é por meio

dela que o homem se comunica, tem acesso à informação, expressa e

defende pontos de vista, partilha ou constrói visões de mundo e produz

conhecimento” (BRASIL, 1997, p. 15).

Tanto os PCNs quanto a proposta curricular paulista evidenciam a

concepção de linguagem que adotam para embasar o ensino de língua

materna. Esta nos remete à noção de linguagem como forma de ação ou

interação que, para Koch (1992, p.9), “possibilita aos membros de uma

sociedade a prática dos mais diversos tipos de atos”.

Essa noção procura romper com a ideia de que a linguagem é expressão

do pensamento ou instrumento de comunicação. Rompe, também, com a

Page 173: Anais do III SILID/II SIMAR

172

ideia de que a linguagem representa a realidade. Linguagem, de acordo com

essa visão teórica, é compreendida como processo de significação do mundo,

das coisas e das pessoas.

Segundo Geraldi (1985, p.43),

“mais do que possibilitar uma transmissão de informações de um emissor a

um receptor, a linguagem é vista como um lugar de interação humana:

através dela o sujeito que fala pratica ações que não conseguiria praticar a

não ser falando; com ela o falante age sobre o ouvinte, constituindo

compromissos e vínculos que não preexistiam antes da fala.”

De acordo com tal concepção, quando alguém utiliza a linguagem, está

realizando ações de natureza bastante variadas, como mandar, ameaçar ou

defender. Assim, quando uma pessoa se expressa verbalmente não se está

representando uma realidade, mas as intenções de quem produziu o

enunciado, visando determinados efeitos sobre o seu interlocutor.

A partir desse ponto de vista, portanto, o interlocutor é sujeito ativo no

processo de construção de sentidos do texto, porque tem de reconhecer as

prováveis intenções de quem produziu determinado enunciado. Isto diferencia

fundamentalmente essa concepção das anteriores.

Como se vê, a proposta curricular entende que se deve ensinar língua

materna para desenvolver no aluno sua competência comunicativa, “já que tal

desenvolvimento implica a aquisição de novas habilidades e uso da língua”

(TRAVAGLIA, 2002, p. 40).

Esse arranjo da proposta curricular não é novo ou recente. De fato,

remete a uma transformação de ideias sobre a linguagem que vem

acontecendo desde a década de 1980. A partir daí, muitos estudos se

voltaram não mais para a maneira como se ensina, mas para como se

aprende. Segundo teorias da psicogênese da língua escrita, as crianças têm

conhecimento prévio, e a alfabetização não é um processo baseado em

perceber e memorizar, mas na exposição a uma grande variedade de textos.

Foram esses estudos que se consolidaram e deram origem a práticas de

ensino que têm como ponto de partida e de chegada o uso da linguagem.

Page 174: Anais do III SILID/II SIMAR

173

O Currículo de Língua Portuguesa e os Cadernos Bimestrais do

Professor

Desta forma, o ensino da língua está organizado a partir de duas vias

inseparáveis, quais sejam: a) como objeto, matéria a ser analisada

minuciosamente; e, b) como meio para o conhecimento, que proporciona ao

sujeito a construção e compreensão de conhecimento de mundo.

Contudo, no currículo oficial (SÃO PAULO, 2008a), a linguagem é menos

objeto e mais meio para o conhecimento. E quando é objeto de

conhecimento, este deve se dar a partir de sua dimensão comunicativa, em

um processo centrado na prática da expressão e da argumentação.

Se por um lado, o sujeito fala, escuta, lê e escreve, compondo-se como

um sujeito constituído pelo uso, de outro, aprende a pensar sobre sua ação,

elaborando um conhecimento sobre a língua e suas estruturas de

funcionamento.

Por essa razão, os objetivos da proposta curricular para a área de

Linguagens e Códigos são o domínio da linguagem a partir de seus princípios

geradores – ler, escrever, falar e ouvir; o processo de criação, recepção e

crítica de textos com foco na interação autor-texto-leitor; e, a

intertextualidade como forma de relação entre objetos culturais.

A fim de transpor essas noções linguísticas para um material didático, a

Secretaria contratou uma equipe de especialistas com o intuito de instruir o

que deveria ser ensinado em cada série, a cada bimestre do ano. As

orientações chegaram, primeiro, mediante o Caderno do Professor e

videoconferências; segundo, em videoaulas componentes de um curso de

formação a distância; e, finalmente, no formato do Caderno do Aluno.

O Caderno do Professor é um material diferenciado dos demais livros

didáticos e dos tradicionais cursos apostilados. É organizado por situações de

aprendizagens que preveem o conteúdo a ser trabalhado, as competências e

habilidades mobilizadas para a aprendizagem de tal conteúdo, as estratégias,

recursos e avaliações sugeridas ao professor, além do tempo previsto para

gerir o tema. As situações de aprendizagem são intencionalmente

sequenciadas, e não se organizam por assunto, mas pretendem mobilizar e

desenvolver habilidades nos alunos que dependem da sequência proposta e

Page 175: Anais do III SILID/II SIMAR

174

da forma como as atividades se desenrolam.

Em Língua Portuguesa, o conteúdo das séries do Ensino Fundamental se

organiza em torno das noções de gênero do discurso. Portanto, além de se

estudar o texto em suas propriedades formais e estilísticas, é preciso entendê-

lo também como um exemplar de gênero. Segundo Bakhtin (2006), todo

enunciado fatalmente fará parte de um gênero, uma vez que suas formas

linguísticas entram em uma determinada composição e são articuladas a

elementos não verbais da situação.

Os gêneros são “tipos relativamente estáveis de enunciados”

provenientes de necessidades produzidas em diferentes esferas da

comunicação humana. Assim, ao nos comunicarmos, utilizamos de gêneros

orais e escritos, que possuem características próprias.

Rojo (2002) explica que os gêneros fazem a mediação entre a prática

social e as atividades de linguagem dos indivíduos. De acordo com ela, os

falantes reconhecem todo evento comunicativo enquanto modelo de um

gênero. Este apresenta-se, dessa forma, como um modelo comum para os

membros de uma comunidade, intermediando as práticas sociais e as

atividades de linguagem.

Os Cadernos trazem os gêneros agrupados segundo sua tipologia que é,

grosso modo, a organização interna básica dos diferentes textos. Dolz e

Schneuwly (2000) sugerem um agrupamento de gêneros regido pelas

capacidades da linguagem envolvidas em sua produção. Estas são distribuídas

em cinco campos: o narrar, o relatar, o expor, o argumentar e o instruir.

É desta maneira que os gêneros se estruturam na proposta curricular. A

cada ano, uma tipologia se destaca e as situações de aprendizagem

apresentam diversos gêneros que têm uma organização interna de

determinado tipo. De forma bastante simplificada, expomos aqui o quadro

curricular do Ensino Fundamental:

6º ano 7º ano 8º ano 9º ano

Tipologia: Narrar

Tipologia: Relatar

Tipologia: Prescrever

Tipologia: Expor e Argumentar

Page 176: Anais do III SILID/II SIMAR

175

Fábula Crônica Narrativa Conto Letra de Música Narrativa Trecho de Romances

Relato Autobiográfico Relato de Experiência Notícia Relatório Resumo Carta

Bilhete Receita Folheto Anúncio Publicitário Cartaz Publicitário

Verbete Artigo Científico Crônica Artigo de Opinião Resenha Debate Regrado Relatório de Experimento

Tabela 1 – Organização Geral de Tipologias e Gêneros no Ensino Fundamental

Obviamente, muitos outros gêneros permeiam a lista base de textos

acima. O que se pretende aqui é apenas a demonstração de uma divisão

estrutural fundamentada na noção de tipologia e gênero e que ainda

permitisse, por sua variedade, o letramento dos alunos. Estes são letrados na

medida em que reconhecem uma variedade cada vez maior de textos em sua

situação social de produção e recepção.

Trata-se do princípio do letramento que, segundo Soares (2001), refere-

se ao estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas

também cultiva e exerce práticas sociais que usam a escrita.

O conceito de letramento considera os níveis de intimidade do indivíduo

com usos e funções da escrita e da leitura. Quando alguém sabe ler, mas só

compreende textos elementares, tal pessoa é alfabetizada, mas tem um baixo

grau de letramento. Esse grau aumenta à medida que se aprende a lidar com

variados materiais de leitura e de escrita, dos simples aos complexos. Quanto

mais textos alguém é capaz de ler e entender, mais letrado se torna.

Nessa perspectiva, por meio do letramento, o aluno reconhece o gênero

fora da sala de aula e isto significa ampliar a noção de ensino de gênero para

além de suas características. No contexto do letramento, os estudos

pressupõem inevitavelmente um outro paradigma metodológico, que

demonstram que os gêneros são usados para alguma coisa, não são apenas

uma lista de características. Essa é a grande mudança de paradigma que

subverte a visão estática do ensino de Língua Portuguesa.

Por essa razão, o gênero não é o centro das aulas de língua materna,

mas um instrumento pelo qual se aprende e se faz outras coisas.

Page 177: Anais do III SILID/II SIMAR

176

Considerações finais

Todas essas ressalvas consistem, para nós, no cerne do questionamento de

nossa pesquisa: até que ponto todo esse arcabouço teórico foi incorporado

pelo professor da rede pública? Como ele lida com a noção de gênero e em

que grau ele compreende seus pressupostos? De que modo ele aplica as

situações de aprendizagens pressupondo um processo de desenvolvimento da

competência leitora e escritora? A concepção de linguagem do professor é

interacionista como a da Proposta Curricular? De que maneira um professor

com diferente concepção de linguagem aborda um material como a Proposta?

Nosso trabalho está iniciando essa investigação, mas podemos afirmar

que, de acordo com nossas participações de fóruns, seminários e capacitações

cujo tema foi a nova implantação do currículo do Estado, e junto a

professores que o utilizam, parte deles aplicam diariamente os cadernos de

forma mecânica, sem entender o processo de construção do conhecimento e

dos conteúdos em sua disciplina.

Essa é uma das hipóteses que temos e que se sustenta no discurso

presente em relatórios, pesquisas e cursos de formação. Dele, destacam-se

reclamações concernentes à falta de gramática nos cadernos, à repetição de

tipologias e gêneros, e à necessidade de complementar o Caderno do

Professor com listas de exercícios de fixação, por exemplo.

São reclamações que revelam, de fato, o descompasso entre o discurso

da Proposta e sua real aplicação em sala de aula. Contudo, sabemos também

que os professores da rede não foram surpreendidos por teorias totalmente

novas das quais nunca haviam ouvido falar. Antes mesmo da implantação do

currículo em 2008, inúmeros projetos da Secretaria enfocaram o ensino na

perspectiva de gêneros por um período de tempo considerável.

Ainda assim, o que observamos é uma constante prática docente que

procura rotular o gênero, deixando de ensinar gramática para ensinar o texto,

mas tratando-o da mesma forma estruturalista como se tratava os conteúdos

gramaticais.

De acordo com essas questões, estabeleceremos nossos objetivos e

metodologia de investigação, ressaltando a análise de conceitos que saíram

da universidade, instituição, segundo Dionísio, Machado e Bezerra (2005), em

Page 178: Anais do III SILID/II SIMAR

177

que a polêmica e a ausência de consenso fazem parte de todo e qualquer

programa de pesquisa, mas que passam a circular na escola e que, a partir de

então, precisam de definição, ordem e classificação.

Finalmente, ainda para Dionísio, Machado e Bezerra (2005, p.12),

se considerarmos todo processo de didatização como uma forma de

construção de conhecimento na prática social segundo os parâmetros da

instituição, o trabalho do analista será o de descrever a heterogeneidade

constitutiva dos textos pertencentes a um gênero e o do professor o de

realizar as transformações necessárias para retextualização do gênero na aula

– o processo conhecido como transposição didática – que, bem realizado,

permita desenvolver no aluno a capacidade (...) de usar o gênero de forma

competente e critica, ao fornecer-lhe uma matriz externa, porém sem

aprisioná-lo num clichê pré-determinado.

Por essa razão Brait (2000) nos alerta a não rotular os gêneros, uma vez

que estes apresentam uma dinamicidade de conceituação que não se presta a

aplicações mecânicas. Segundo ela, Bakhtin não acreditava em modelos

acabados como objetos fixos, mas entendia que seus princípios contribuíam

para uma “atitude dialógica diante da linguagem” que não encerra o trabalho

em modelos preestabelecidos, contrários a um estudo histórico do texto.

Referências

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

BEZERRA, M. A.; DIONÍSIO, A. P.; MACHADO A. R. (Orgs.). Gêneros Textuais e Ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.

BRAIT, B. “PCNs, gêneros e ensino de língua: faces discursivas da textualidade”. In: ROJO, Roxane H. R. (Org.). A prática de linguagem em sala de aula: praticando os PCNs. Campinas: Mercado de Letras, 2000. p. 15-25.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1997.

DOLZ, J; SCHNEUWLY, B. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado de Letras, 2000.

Page 179: Anais do III SILID/II SIMAR

178

GERALDI, J. W. (Org.). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 1985.

KOCH, I. G. V. A inter-ação pela linguagem. São Paulo: Contexto, 1992.

MARTINS, M. do C. A construção da proposta curricular de história da CENP no período de 1986 a 1992: confrontos e conflitos. Tese de Mestrado. Campinas, SP: [s.n.], 1996.

ROJO, R. H. R. (Org.). A prática de linguagem em sala de aula: praticando os PCNs. Campinas: Mercado de Letras, 2000.

________. A concepção de leitor e produtor de textos nos PCN: ler é melhor que estudar. In: M. T. A. Freitas; S. R. Costa (Orgs.). Leitura e escrita na formação de professores. São Paulo: Musa/UFJF/INEP-COMPED, 2002, p. 31-52.

SÃO PAULO. Cadernos do professor: língua portuguesa, ensino fundamental: 5ª – 8ª série, 1º - 4º bimestre. São Paulo: SEE, 2008a.

_______. Proposta curricular do estado de São Paulo: língua portuguesa. São Paulo: SEE, 2008b.

SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2001.

TRAVAGLIA, L. C. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. São Paulo: Cortez, 2002.

Page 180: Anais do III SILID/II SIMAR

Redes Sociais e Educação

Social Media and Education

Mariana de Souza COUTINHO, Graduanda em Comunicação Social. UFF, [email protected] Alexandre FARBIARZ, Doutor em Design. PUC-Rio, [email protected]

Resumo

As redes sociais virtuais tornaram-se um fenômeno mundial, possibilitando um canal de comunicação dinâmico e abrangente entre usuários e criando mecanismos de integração e socialização no ambiente virtual. Todavia, rapidamente propiciaram significativas mudanças nos hábitos de comunicação online, especialmente no Brasil, inaugurando novos usos para suas estruturas e recursos multimidiáticos. Nossos estudos buscam levantar indícios da utilização de redes sociais com propósitos pedagógicos. O objetivo é compreender o potencial dessas redes em processos de ensino-aprendizagem, aliando os recursos de interação ali disponíveis a um status lúdico do ambiente, mais próximo do repertório do jovem discente. Palavras-chave: Redes Sociais, Educação, Web 2.0

Abstract

Social Networking sites became a world phenomenon. They built a wide and dynamic way of communication between the users and create integration mechanisms in the virtual environment. However, it quickly spread changes in the online communication, especially in Brazil. Our principal objective in this work is to understand the potential of these sites in pedagogical proposals, putting together the interactivity and the novelty status of this environment. Keywords: Social Media, Education, Web 2.0

1 Cursando graduação em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, na Universidade Federal Fluminense; Monitora do Laboratório de Design Editorial na Universidade Federal Fluminense. 2 Doutor em Design pela PUC-Rio, Mestre em Educação e Linguagem pela USP, Mestre em Design pela PUC-Rio. Professor Adjunto do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense — na área de ênfase em Design Editorial; Coordenador do Grupo de Pesquisa no CNPq Sujeitos, linguagens e suportes em contextos ciberculturais.

Page 181: Anais do III SILID/II SIMAR

180

Introdução

Em meados dos anos 2000 as redes sociais virtuais ganharam popularidade na

internet e se tornaram um verdadeiro fenômeno entre os internautas de todo

o mundo, possibilitando um canal de comunicação dinâmico e abrangente

entre usuários e criando mecanismos de integração e socialização no

ambiente virtual.

Para Tomaél, Alcará e Dichiara (2005, p. 8, apud SOUZA e BORGES,

2009, p. 2) as redes sociais “constituem uma das estratégias subjacentes

utilizadas pela sociedade para o compartilhamento da informação e do

conhecimento, mediante as relações entre atores que as integram”. Esse

pensamento é compartilhado por Levy (1999, apud, SOUZA e BORGES, 2009)

quando explica que as redes sociais constituem-se por uma série de

participantes autônomos que unem ideias e recursos em torno de valores e

interesses em comum, sem depender de proximidades geográficas ou filiações

institucionais.

A chamada Web 2.0 inaugurou novas possibilidades de interação. Antes,

a grande maioria dos softwares para criação de conteúdo para a web era

paga e de difícil manejo. Com isso, as possibilidades de interação eram

limitadas. Atualmente, as ferramentas são mais simples e há diversas delas

gratuitas permitindo a quase qualquer pessoa poder gerar e receber conteúdo

no ciberespaço (COUTINHO & BOTTENTUIT, 2007).

(...) com a introdução da Web 2.0 as pessoas passaram a produzir os seus

próprios documentos e a publicá-los automaticamente na rede, sem a

necessidade de grandes conhecimentos de programação e de ambientes

sofisticados de informática. (COUTINHO & BOTTENTUIT, 2007, p. 1)

Nesse contexto, as redes sociais emergem como os componentes mais

relevantes da Web 2.0, já que, por meio da utilização do ciberespaço de

forma colaborativa, as informações podem ser compartilhadas. Neste

contexto, a autoridade é, de certa forma, descentralizada, “com liberdade

para utilizar e reeditar” (COUTINHO & BOTTENTUIT, 2007, p. 2). O número

de redes e as possibilidades de interação crescem a cada dia. Cresce também

Page 182: Anais do III SILID/II SIMAR

181

a importância dessas redes e o tempo despendido nelas pelos usuários.

Uma pesquisa da Nielsen Consultoria3 indica que 17% do tempo gasto

na internet nos Estados Unidos em agosto de 2009 era dedicado a redes

sociais e blogs. A pesquisa também indica um aumento de 6% nesse tempo

em relação ao ano anterior.

Rapidamente, as redes sociais propiciaram significativas mudanças nos

hábitos de comunicação online, especialmente no Brasil, inaugurando novos

usos para suas estruturas e recursos multimidiáticos. Nossos estudos buscam

levantar indícios da utilização de redes sociais com propósitos pedagógicos. O

objetivo é compreender o potencial dessas redes em processos de ensino-

aprendizagem, aliando os recursos de interação ali disponíveis a um status

lúdico do ambiente, mais próximo do repertório do jovem discente.

Na primeira parte do estudo, examinamos os recursos disponibilizados

nesses ambientes e procuramos entender como se processam as interações

entre os usuários. Em seguida, apresentamos uma comparação das redes

examinadas, destacando o uso dos recursos disponíveis que possam ser

utilizados em um processo de ensino-aprendizagem.

As redes sociais analisadas são o Facebook, o maior site dessa categoria

no mundo; e o Orkut, rede mais popular entre os brasileiros.

O Construtivismo e o uso de redes sociais no processo de

ensino-aprendizagem

As discussões que perpassam o construtivismo vão além do âmbito desse

artigo. No entanto, é importante ressaltar alguns conceitos dessa linha de

pensamento para enfatizar nosso investimento nas redes sociais como aliadas

no processo de ensino-aprendizagem.

Paulo Freire (1970) critica a transmissão de conteúdos didáticos de

forma descontextualizada, desconsiderando a realidade do aluno e não

propondo reflexões. No contexto descrito por Freire, o educador apenas narra

o conhecimento que é recebido passivamente pelos educandos, no que o

autor chama de Educação Bancária:

3 Online Display Ad Spending on Top Social Networking Sites More than Doubles in August 2009. Acesso em 17 de julho de 2010.

Page 183: Anais do III SILID/II SIMAR

182

Em lugar de comunicar-se, o educador faz “comunicados” e depósitos que os

educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e

repetem. Eis aí a concepção “bancária” da educação (...) Na visão “bancária”

da educação, o “saber” é uma doação dos que se julgam sábios aos que

julgam nada saber. (FREIRE, 1970, p.33)

Nessa perspectiva, Freire (1970) propõe a Educação Libertadora, em

que o processo de ensino-aprendizagem não é imposto, mas ocorre em uma

troca de experiências entre educador e educando, por meio do diálogo e da

reflexão:

Ambos [educador e educando], assim, se tornam sujeitos do processo em

que crescem juntos e em que os “argumentos de autoridade” já, não valem.

Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo

com as liberdades e não contra elas. (FREIRE, 1970, p. 39)

Diferente da Educação Bancária, a pedagogia Construtivista defendida

por Freire prevê que o aluno construa seu próprio conhecimento e possa ter

espaço para refletir e questionar. A Educação Libertadora também considera o

aluno individualmente com seu repertório e particularidades. Assim, esse

processo não se dá de um (professor) para muitos (alunos), mas respeita o

processo de aprendizagem individual.

Em vista disso, as redes sociais apresentam-se como um meio

interessante para esse processo já que, por meio delas, os alunos podem

compartilhar rapidamente conteúdos multimídia entre si e com o professor. O

ciberespaço possibilita que todos a ele integrados possam produzir e consumir

conteúdo. A web é um espaço interativo e colaborativo em que o aluno pode,

por exemplo, postar um vídeo relacionado à aula anterior no grupo de

discussões da turma no Facebook ou tirar dúvidas e levantar discussões pela

comunidade da disciplina no Orkut. O professor, dentro do contexto das redes

sociais, pode ficar mais próximo da realidade dos alunos que já são nativos da

era digital e já usam as redes em seu cotidiano.

Dada a importância da inserção de educadores e educandos no

ciberespaço e nas ferramentas da Web 2.0, vamos explorar a seguir o

funcionamento de duas dessas redes e quais de suas ferramentas e

particularidades podem nos ser úteis ao propósito pedagógico.

Page 184: Anais do III SILID/II SIMAR

183

Explorando os recursos do Facebook

O Facebook4 é a maior rede social do mundo com mais de 400 milhões de

usuários ativos em julho de 2010 5 . Segundo pesquisas do Google 6 , o

Facebook lidera a lista dos sites mais acessados em toda a web. A rede foi

criada pelo norte-americano Mark Zuckerger em 2004 e era fechada nessa

época. Desde setembro de 2006, no entanto, qualquer internauta com mais

de 13 anos de idade pode criar um perfil no Facebook.

O site apresenta opções para mais de 70 idiomas, já que 70% dos

usuários moram fora dos Estados Unidos. São mais de 180 países interligados

pelos recursos da rede, e

A participação de brasileiros na plataforma vem crescendo nos últimos

anos. De acordo com relatórios do Google, o Facebook recebeu mais de 5,1

milhões de visitantes únicos brasileiros em abril de 2010, apenas um quarto

dos que acessaram o Orkut no país.

Para começar a usar o Facebook basta cadastrar um e-mail e preencher

o perfil, adicionando informações pessoais, fotos, vídeos, links e selecionando

amigos. Os usuários podem se associar a grupos, utilizar diversos aplicativos e

usar a opção “Curtir” para compartilhar conteúdos produzidos por outros

usuários com os amigos ligados à sua rede.

Página Inicial e Perfil

Na figura 1 vemos a “Página Inicial” de um usuário do Facebook. A página é

divida em três colunas: a central, onde são apresentadas as atualizações de

amigos e há a opção de compartilhamento de conteúdo multimídia; a da

esquerda com as informações do perfil do usuário e o menu de ações com

opções como “Mensagens”, “Eventos”, “Fotos”, “Aplicativos”, “Grupos” e

outros, sempre precedidos de um ícone relacionado; e a da direita onde o

Facebook sugere usuários a serem adicionados como amigos, aplicativos, e

apresenta propaganda de patrocinadores. Na parte de baixo da página um

4 Acesso em www.facebook.com. 5 http://www.facebook.com/press/info.php?statistics. Acesso em 17 de julho de 2010. 6 Os relatórios do Google levam em consideração apenas os visitantes únicos que usaram o serviço de busca para chegar ao seu destino.

Page 185: Anais do III SILID/II SIMAR

184

pequeno box é usado para bate-papo ao vivo com os amigos conectados na

rede.

Figura 1: Página principal de usuário do Facebook7

(acesso em junho de 2010)

O perfil público dos usuários (fig. 2), que pode ser acessado também

por quem não tem conta no Facebook, mais uma vez é divido em três

colunas: a da esquerda com foto, informações e amigos do usuário; a da

direita com sugestões de aplicativos e a coluna central onde se abrem as

páginas do menu superior – “Mural”, “Informações”, “Fotos”, “Links” e

“Vídeos”.

Figura 2: Perfil de usuário no Facebook (acesso em junho de 2010)

7 Imagens e nomes aparecem borrados nas imagens desse trabalho para preservar a privacidade dos usuários.

Page 186: Anais do III SILID/II SIMAR

185

No “Mural” ficam as atualizações do usuário, ou seja, suas ações no site

de relacionamento (amigos adicionados, participação em grupos, aplicativos,

etc) e tudo o que foi compartilhado por ele (texto, foto, vídeo, link). Na

dinâmica do Facebook os internautas compartilham multimídia em seus

murais – um usuário pode escrever no mural do outro ou enviar um link, por

exemplo.

Na parte de “Informações” entram os dados do perfil de usuário, como

data de nascimento, interesses e informações de contato. Na opção “Fotos”

aparecem todas as imagens compartilhadas pelo usuário em seus álbuns.

Assim como nas opções “Links” e “Vídeos”, aparece todo o material

compartilhado pelo internauta nessas categorias.

Compartilhamento

Nas páginas iniciais do Facebook, o usuário pode compartilhar informações

através do microblogging8 que pergunta “No que você está pensando agora?”,

e permite o anexo de fotos, vídeos, eventos e links. Na opção para anexo de

imagem, o usuário pode escolher entre as subopções: “enviar foto de sua

unidade”, “tirar uma foto com uma webcam” e “criar um álbum com muitas

fotos”. Uma imagem compartilhada aparece na opção “Fotos” dentro do

álbum “Fotos do Mural”.

Para compartilhar um vídeo o internauta deve optar por “gravar um

vídeo com uma webcam” ou “enviar um vídeo de sua unidade”. No

compartilhamento de um evento é necessário apenas que se preencha

“Título”, “Local” e “Horário”. Já para mandar um link para todos os usuários

ligados à sua rede, o internauta deve copiar o endereço do site e enviar. O

link aparecerá com o título do site, url, imagem e uma parte de texto.

Cada ação efetuada no Facebook apresenta as opções “Comentar”,

“Curtir” e “Compartilhar”.

8 Microblogging é uma forma de publicação que permite atualizações breves de texto, alguns com limite de caracteres por mensagem, sendo a mais famosa ferramenta atualmente desta categoria o Twitter.

Page 187: Anais do III SILID/II SIMAR

186

Grupos

Os grupos de discussão no Facebook são os recursos de maior interesse neste

estudo. Tomaremos como exemplo o grupo “Niterói” (fig .3) com mais de

1.100 membros.

Figura 3: Mural do grupo “Niterói” no Facebook

(acesso em maio de 2010)

Todos os grupos no Facebook têm um nome especificado pelo

administrador, uma imagem que representa o grupo e uma descrição. O

administrador pode convidar outros internautas, amigos ou não, com perfil no

Facebook ou não, para integrar seu grupo. Os que não tiverem perfil deverão

criá-lo para integrar-se ao grupo. O mural é um espaço livre em que os

membros do grupo podem compartilhar conteúdo, seja por meio de texto,

imagem, vídeo ou link. A visualização do mural apresenta o conteúdo

compartilhado pelo usuário além de sua imagem pessoal e nome. O

administrador de um grupo no Facebook pode convidar outros usuários para

fazer parte do grupo. O convite é feito por e-mail, de modo que internautas

que ainda não participam do Facebook podem ser convidados a fazer uma

conta no site e entrar no grupo.

Na parte de “Informações” são exibidos: nome, categoria, descrição,

tipo de privacidade e informações de contato do grupo. A opção “Fotos”

permite o compartilhamento de imagens pelos membros do grupo e a seção

Page 188: Anais do III SILID/II SIMAR

187

“Discussões” abriga todos os tópicos do fórum, bastando clicar no título para

visualizar as mensagens. Dentro do fórum o usuário pode responder a um

tópico postado e participar da discussão. Os comentários são exibidos mais

uma vez com a imagem e nome do usuário.

Os grupos de discussão no Facebook têm um sistema de moderação, de

forma que o administrador pode apagar postagens ou tópicos inteiros que

considerar ofensivos, assim como acontece no Orkut. O administrador do

grupo tem também o poder de incluir ou banir um participante.

Não é à toa que o Facebook é a maior rede social do mundo, além de

todos os recursos citados, o site conta com variados aplicativos,

especialmente jogos, sendo muitas as opções de interatividade.

Sobre a interface gráfica, o Facebook apresenta fundo branco em todas

as suas páginas e detalhes em azul. Os textos vêm em preto com fonte

cursiva. A identidade visual se mantém na barra superior em azul com o nome

do site, ícones que ficam coloridos quando há novas solicitações de amizade,

mensagem ou notificações. Além disso, há um campo de busca nessa barra

superior, e um menu com “Página Inicial”, “Perfil” e “Conta”.

A navegação pelo Facebook é simples. A rede é de fácil manejo e as

ferramentas são bastante intuitivas. Uma ressalva em relação à organização

do conteúdo é a dificuldade de busca dentro de um grupo de discussões. A

busca do Facebook se refere a todo o material da rede e não especificamente

ao conteúdo inserido em um grupo ou perfil específico.

Orkut: a rede social mais usada no Brasil

O Orkut não só é a rede social mais visitada do Brasil como é dominada pelos

brasileiros, com mais de 50% do público do site segundo dados do próprio

Orkut.

A rede foi criada em 2004 pelo engenheiro turco Orkut Büyükkökten.

Logo em 2005 o Orkut ganhou sua versão em português. Em setembro do

mesmo ano, o site de relacionamento passou a fazer parte do sistema Google

Account, ou seja, para entrar na rede o usuário precisava ter uma conta do

Google.

Recentemente, o site apresentou uma nova versão, mais semelhante ao

Page 189: Anais do III SILID/II SIMAR

188

Facebook, com mais recursos de interatividade e personalização. Vamos

examinar essa nova plataforma a seguir.

Página Inicial e Perfil

A página pessoal do usuário do Orkut permite personalização, ou seja, o

usuário pode trocar as cores de fundo e o tema da página de acordo com

alguns modelos pré-definidos. A página inicial (fig. 4) apresenta duas colunas.

Na coluna da esquerda está a foto do usuário junto às suas informações

pessoais, dispostas em um box geralmente de cor mais escura. Neste mesmo

box uma ferramenta de microblogging sugere: “Conte algo para seus

amigos!”, e apresenta a opção de postar um texto com no máximo 140

caracteres.

Figura 4: Página inicial de usuário do Orkut (acesso em junho de 2010)

Ainda do lado esquerdo, abaixo desse box, o usuário pode acessar um

menu com as opções “perfil”, “recados”, “fotos”, “vídeos” e outros aplicativos.

Abaixo, ficam as sugestões de amigos e os próximos aniversariantes da sua

rede de relacionamentos. Em seguida, estão dispostas as atualizações dos

usuários ligados à rede do internauta. Na coluna da esquerda são

relacionados os amigos e comunidades do usuário, organizados com imagem

e nome, ou título, no caso das comunidades.

No perfil do usuário, a parte inferior da coluna esquerda é destinada

somente às suas atualizações e aos depoimentos recebidos de outros

Page 190: Anais do III SILID/II SIMAR

189

usuários.

Comunidades

Uma das ferramentas disponíveis no Orkut são as comunidades. Todos que

possuem um perfil na rede podem criar ou participar de um número ilimitado

de comunidades. Nesses espaços os usuários se reúnem em torno de

determinado assunto de interesse comum e podem abrir tópicos de discussão

ou responder a tópicos já existente nos fóruns.

Tomando como exemplo a comunidade “Niteroi/Niterói” (fig.5),

podemos observar como é composta uma página inicial das comunidades do

Orkut. Uma foto que representa a comunidade fica no canto superior

esquerdo da página. Ao lado está o nome da comunidade, seguido da

descrição, categoria, moderadores e demais informações.

No lado direito da página, encontramos um box com os nomes e

imagens dos membros da comunidade. Abaixo, outro box com as imagens e

títulos de outras comunidades relacionadas escolhidas pelo dono do grupo em

questão.

Na parte inferior da página ficam os links para os fóruns, tópicos de

discussão, seguidos dos aplicativos da comunidade, como enquetes e eventos.

Figura 5: Comunidade “Niteroi/Niterói” no Orkut (acesso em junho de 2010)

Dentro de cada tópico de discussão, as postagens dos usuários são

Page 191: Anais do III SILID/II SIMAR

190

dispostas verticalmente na página. A data da postagem aparece no lado

direito do bloco.

Figura 6: Tópico da comunidade Niterói/Niteroi no Orkut

(acesso em julho de 2010)

As comunidades do Orkut têm um sistema de moderação, de forma que

o proprietário e os moderadores podem apagar postagens ou tópicos inteiros

que considerarem ofensivos. O proprietário da comunidade tem também o

poder de incluir ou banir um participante do grupo.

Dentro dos fóruns, os usuários só têm a opção de compartilhar textos,

sem poder agregar fotos ou vídeos em suas mensagens, por exemplo. Para

tanto, eles têm de se valer de recursos externos ao Orkut.

Sobre a interface gráfica, o Orkut costuma ter fundo claro colorido e

apresenta o conteúdo em boxes em branco. As opções do menu vêm sempre

acompanhadas de ícones relacionados. As interfaces das comunidades

aparecem sempre em tons de azul. A barra superior está presente em todas

as páginas com a logomarca do Orkut, menu com opções de “Início”, “Perfil” e

“Comunidades” e campo de busca. Assim como no Facebook, a navegação no

Orkut é simples, com muitos links.

Comparação de recursos das redes sociais nos fóruns de

discussão

Page 192: Anais do III SILID/II SIMAR

191

A partir da observação dessas duas redes, podemos estabelecer algumas

diferenças entre elas no que se refere aos fóruns de discussão: grupos no

Facebook e comunidades no Orkut. Tais fóruns seriam as ferramentas mais

interessantes para nosso objetivo de trabalhar com redes sociais na educação,

já que os discentes e o docente poderiam ter seus próprios perfis na rede e

ter um ponto de encontro para a discussão e o compartilhamento de conteúdo

no ambiente desses fóruns.

FACEBOOK (grupos de discussão)

ORKUT (comunidades)

Compartilhamento de texto

Pode ser feito no mural ou dentro dos tópicos de discussão. O campo de resposta aparece ao final das postagens na mesma página.

Apenas dentro dos tópicos listados no fórum. Abre-se uma nova janela para a resposta.

Compartilhamento de fotos

Apenas no mural da comunidade. Dentro dos tópicos de discussão não há essa possibilidade.

Não é possível.

Compartilhamento de vídeos

Apenas no mural da comunidade. Dentro dos tópicos de discussão não há essa possibilidade.

Não é possível.

Compartilhamento de áudio

Não é possível. Não é possível.

Compartilhamento de link

Sim, diretamente pelo mural. Mas não pode ser anexado às respostas em tópicos do fórum.

Não diretamente. O link pode ser copiado na resposta. Mas não há opções de anexo.

Bate-papo Sim. Sim, pelo Google Talk.

Tabela 1: Comparação dos recursos interativos das redes sociais nos fóruns de discussão

Como podemos observar na tabela 1, o Facebook apresenta maiores

possibilidade de compartilhamento multimídia por apresentar um “mural” nas

páginas dos grupos de discussão. Fotos, links e vídeos podem ser

compartilhados no mural, mas não dentro dos tópicos específicos.

Page 193: Anais do III SILID/II SIMAR

192

Já no Orkut não há possibilidades de se anexar conteúdo multimídia às

respostas do fórum.

Quanto à navegação, o Facebook apresenta maior dinamismo com o uso

do mural nos grupos de discussão. O Orkut, por outro lado, apresenta busca

por tópicos dentro do fórum, o que facilita a seleção de informação.

A duas redes são de simples manejo. A interface gráfica do Facebook,

no entanto, é menos poluída que a do Orkut com mais brancos e o uso de fios

para dividir as colunas.

Exemplo de investida bem sucedida no uso da Web 2.0 em

educação

Na continuação do presente trabalho pretendemos aplicar o uso de rede social

no processo de ensino-aprendizagem de uma turma do curso de graduação

em Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense. Para melhor

planejamento e entendimento do processo nos remetemos a um exemplo

bem-sucedido na Universidade do Minho, em Braga, Portugal, descrita em

artigo de Clara Coutinho & João Bottentuit Junior (2007).

A pesquisa aplicou o uso de blogs, wiki9 e da rede Del.ici.ous10 em uma

turma da disciplina Prática Pedagógica I do 2º ano do curso de Licenciatura

em Ensino da Biologia e Geologia da referida universidade. Os alunos dessa

turma não se configuravam apenas como discentes, mas como futuros

professores que ao entrar no âmbito da Web 2.0 não iriam apenas

compartilhar conteúdo para a disciplina proposta, como aprenderiam a lidar

com essas ferramentas com seus futuros alunos em sala de aula.

No âmbito das atividades da disciplina os 15 alunos se dividiram em 5

grupos e montaram blogs, wikis e Del.ici.ous sempre com a orientação e

acompanhamento da professora. Ao final do processo foram distribuídos

questionários anônimos para a discussão dos resultados: muitos alunos nunca

tinham ouvido falar nos termos “Web 2.0” e “wiki” antes da atividade, e

depois dela todos afirmaram considerar essas ferramentas extremamente

9 Um wiki é um site na web que permite o trabalho coletivo de um grupo de autores, onde todos podem editar o conteúdo. O maior exemplo de wiki atualmente é a Wikipedia. 10 O Del.ici.ous é uma rede de bookmarking em que se pode compartilhar links.

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193

importantes no processo de ensino-aprendizagem e afirmaram que

pretendiam usá-las com seus futuros alunos.

Considerações finais

Está clara, portanto, a importância da inserção de educadores e educandos

nas redes sociais virtuais. As duas redes analisadas neste trabalho são

populares entre os alunos e fazem parte de seu repertório.

Percebemos na análise das redes, diferenças quanto a navegação e o

compartilhamento de conteúdo, além da interface gráfica. O Facebook

apresenta mais opções de compartilhamento. No entanto, nada impede que

se compartilhe vídeos e fotos por meio de links e de sites como o Scribd11

dentro dos tópicos do Orkut.

Uma ressalva já explicitada quanto ao Facebook é a dificuldade de se

categorizar e buscar conteúdo dentro de um grupo de discussão. Uma opção

pode ser a utilização de outros recursos, como blogs ou wikis, em conjunção

com as redes sociais.

Por ora, acreditamos que o Facebook é a rede mais indicada para uma

investida de redes sociais na educação, devido a suas possibilidades de

compartilhamento e ao dinamismo da própria rede.

Agradecimento

Agradecemos à Universidade Federal Fluminense (UFF), através da Pró-

Reitoria de Assuntos Acadêmicos pelo apoio à pesquisa realizada.

Referências

COUTINHO, Clara P; BOTTENTUIT JUNIOR, João B. Blog e Wiki: Os Futuros Professores e as Ferramentas da Web 2.0. Anais do IX Simpósio Internacional de Informática Educativa, Porto, Portugal, 2007, p.199-204.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo. Paz e Terra, 1970.

11 O Scribd é um site para compartilhamento de conteúdo que pode ser acessado em www.scribd.com.

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194

SOUZA, Samuel Mercês; BORGES, Luzineide Miranda. As redes sociais virtuais, os nativos e imigrantes digitais. Anais do III Encontro Nacional Sobre Hipertexto. Belo Horizonte, 2009, p.2-9.

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Variação linguística e pluralidade cultural: como, por que e para quem elaboramos propostas didáticas

Linguistic variation and cultural plurality: how, why and for whom we elaborate didactic proposals

Ângela Marina Bravin dos Santos, Doutora em Língua Portuguesa. UFRRJ,[email protected]

Resumo

Esta oficina teve por objetivo discutir impropriedades conceituais presentes nos livros didáticos de português no tocante à relação entre variação linguística e pluralidade cultural, o que ocorreu no primeiro momento do trabalho; na segunda etapa, foram desenvolvidas propostas didáticas em que se relacionaram fenômenos variáveis à modalidade escrita do português. Palavras-chave: Variação linguística; Livro didático; Língua Portuguesa

Abstract

This workshop aimed to discuss conceptual inadequacies present in Portuguese textbooks concerning the relationship between linguistic variation and cultural plurality, what was done in the first stage of the work; in the second stage, we developed didactic proposals in which variable phenomena were related to the written form of Portuguese. Keywords: Linguistic variation; Textbook; Portuguese language

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196

Introdução

Este trabalho teve por objetivo discutir propostas didáticas que contemplam a

variação linguística como parte integrante da competência linguística do

indivíduo. O que se pretendeu mostrar é a possibilidade de o professor poder

explorar os fenômenos variáveis do português brasileiro de forma a levar os

alunos a se sentirem competentes no uso da sua língua materna, seja na

modalidade escrita, seja na falada.

Variação linguística e PCN de Língua Portuguesa

No que se refere ao ensino de Língua Portuguesa, os Parâmetros Curriculares

Nacionais (PCNs), com base em pressupostos da Sociolinguística, propõem a

participação crítica do aluno diante das variedades linguísticas inerentes a

qualquer idioma. Para dar conta desse aspecto, alguns livros didáticos

adotados por escolas urbanas, especialmente da cidade do Rio de Janeiro,

desenvolveram atividades relacionadas, quase sempre, às variantes

estigmatizadas sem, contudo, levar em conta a competição entre as formas

lingüísticas, bem como os contextos estruturais e sociais em que elas se

realizam. Além disso, não se considera a variação parte da competência

linguística de qualquer falante. A abordagem restringe-se à necessidade de

levar o aluno a conhecer e respeitar os diferentes registros sociais e regionais.

A impressão que se tem é a de que só ocorre variação lingüística na fala de

pessoas de regiões interioranas ou de indivíduos com baixo grau de

letramento. Como ilustração, vejamos um tipo de atividade (AMARAL et alli,

2003, p.334) que confirma essa afirmação:

VÍCIO NA FALA

PARA DIZEREM MILHO DIZEM MIO

PARA MELHOR DIZEM MIÓ

PARA PIOR PIÓ

PARA TELHA DIZEM TEIA

PARA TELHADO DIZEM TEIADO

E VÃO FAZENDO TELHADOS.

OSWALD DE ANDRADE

Page 198: Anais do III SILID/II SIMAR

197

Questão proposta:

O autor está censurando, isto é, criticando as pessoas a quem ele se refere ou

revela respeito a elas? Justifique.

Veja que o poema serve de apoio para reflexões acerca do preconceito

linguístico em relação a variantes estigmatizadas que, nesse texto, estão

representadas pela despalatalização da lateral, como se vê em mio, teia,

teiado – e pelo apagamento da vibrante em mio e pió. A resposta esperada

seria a de que o poeta revela respeito por pessoas que realizam tais variantes:

“Ao afirmar “vão fazendo telhados”, ele revela respeito por esses falantes,

valorizando-os pela importância de sua função social” (AMARAL, 2003:334).

Não há preocupação em mostrar para o aluno que, no poema de Oswald,

deveria estar registrado também o alteamento da vogal média posterior /o/

nas palavras mio e teiado, uma vez que o indivíduo que despalataliza a lateral,

provavelmente, também eleva as vogais médias. Nesse último caso, tem-se

uma variação lingüística comum a falantes não só de diferentes regiões, mas

de níveis de escolaridade diversos.

Como não se considera a elevação das vogais um fenômeno

estigmatizado, a variação das médias não é discutida em sala de aula. Não se

apresentam também outras estruturas menos estigmatizadas e, por isso,

frequentes na fala do aluno, como a supressão do [r] em infinitivos verbais (

desenvolver>desenvolvê, nas formas do futuro do subjuntivo estiver > estivê)

e nos adjetivos , substantivos e advérbios polissilábicos ( melhor> melhó;

regular>regulá, amor>amo), reforçando-se a idéia de que alunos de escolas

urbanas estão livres de variação lingüística, o que, decididamente, constitui-se

num equívoco com conseqüências graves para o ensino da língua portuguesa.

Na visão estruturalista, considera-se a língua um objeto homogêneo.

Isso significa que, nesse modelo, a variação linguística fica à margem do

sistema linguístico, domínio, por excelência, da invariância, com o qual o

paradigma variacionista rompe ao pressupor uma concepção de língua em

que a heterogeneidade é característica inerente ao sistema e, por

consequência, parte integrante da competência lingüística do falante. È

justamente nesse pressuposto que os Parâmetros Curriculares Nacionais se

pautaram para a elaboração das diretrizes do ensino de Língua Portuguesa:

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198

...o estudo da variação cumpre papel fundamental na formação da

consciência linguística e no desenvolvimento da competência discursiva do

aluno, devendo estar sistematicamente presente nas atividades de Língua

Portuguesa. (PCN, 1998:81-82)

Considerar, portanto, a variação como aspecto fundamental no

desenvolvimento da competência discursiva do aluno é reconhecer o fato de

que sua fala e escrita são construídas discursivamente por formas linguísticas

que competem entre si. Trata-se do que a Sociolingüística chama de variantes

linguísticas, ou seja: as “diversas maneiras de se dizer a mesma coisa em um

mesmo contexto, e com o mesmo valor de verdade” (TARALLO,1985:8).

À medida que o indivíduo alcança um grau de letramento mais

avançado, aumenta seu conhecimento linguístico, levando-o a optar por uma

ou outra variante a depender da sua necessidade discursiva. Logo, não

constitui nenhuma impropriedade teórica pressupor que o sujeito mais letrado

possui mais variação linguística, o que deveria nos levar a desfazer o equívoco

de considerar os eventos orais e escritos produzidos na escola, principalmente

nas urbanas, isentos de variação.

Mas constitui um equívoco classificar dicotomicamente oralidade e

escrita, admitindo-se a demarcação de limites entre uma e outra modalidade

como se construções do oral não estivessem presentes nos textos escritos.

Para explicar essa interpenetração da fala na escrita, ou vice-versa, Bortoni-

Ricardo (2006) propõe uma linha imaginária a que chama de contínuo

oralidade – letramento, ao longo do qual dispõe eventos de letramento e

eventos de oralidade. A diferença é a de que, nos primeiros, há o apoio do

texto escrito, como em uma aula, por exemplo, onde também podem ocorrer

minieventos de oralidade em que não se tem um roteiro escrito previamente.

Propostas didáticas

Discutidos tais pressupostos, foram apresentados aos participantes da oficina

textos da modalidade escrita que servissem de base para propostas didáticas.

A ideia era a de que eles desenvolvessem itens de múltipla escolha acerca dos

fenômenos variáveis do português que ocorrem dentro do contínuo proposto

por Bortoni-Ricardo (2006), mas, na verdade, a pedido dos participantes,

Page 200: Anais do III SILID/II SIMAR

199

procedeu-se a um debate sobre as questões de variação nas escolas urbanas

do Brasil no tocante à postura do professor de português em sala de aula.

Discutiu-se, principalmente, uma possível abordagem didática do fenômeno

da concordância nominal.

As formas da concordância nominal são apresentadas pela tradição

gramatical como se sua realização fosse invariável, ou seja: como se a

combinação entre os elementos em acordo ocorresse sempre diante da

presença fonética da flexão e em todos os contextos. Ora, a concordância

nominal, no PB, constitui um fenômeno variável em que competem realização

e não-realização da regra. A escola, na avaliação dos textos dos alunos,

valoriza apenas a primeira variante, estigmatizando a segunda, especialmente

nos contextos em que o determinante figura bem próximo ao elemento

determinado. Assim, dificilmente, encontraremos na escrita dos alunos uma

estrutura como em (1):

(1) Aqueles menino bonito

Por outro lado, o monitoramento escolar não atua tão ferozmente quando se

trata de contextos menos marcados, conforme se vê em (2) e (3):

(2) Foi descartada as possibilidades de entendimento entre o Governo e os

professores, ficando os alunos a se sentirem perdidos.

(3) Foram retirado das letras musicais sete palavras, aleatoriamente.

Ocorrendo um adjetivo em construções predicativas/passivas, numa

posição anteposta ao sujeito, a ausência da flexão não é tão estigmatizada

quanto em (1). Entretanto, tais estruturas competem com formas como as

que aparecem em (4) :

(4) Foram percebidas as piadas que o Prefeito fez.

Diante disso, como o professor de português deve proceder? Esse

questionamento direcionou o debate final, sistematizado pela proposta de

Page 201: Anais do III SILID/II SIMAR

200

Brandão (2007:80-81), que se mostra consoante os Parâmetros Nacionais de

Língua Portuguesa. Segundo a autora, devemos:

(a) chamar a atenção do aluno para o fato de haver, em português, pelo

menos dois padrões básicos e opostos de aplicação da categoria de número

plural no âmbito do SN:

I) um, redundante, em que se usa a marca em todos os constituintes

flexionáveis do SN;

II) outro, simplificado, em que se utiliza a marca no primeiro constituinte, ou

nos constituintes pré-nucleares…

(b) enfatizar que todos esses padrões são funcionais, isto é, atingem os

mesmos objetivos comunicativos e, por isso, são igualmente válidos;

(....)

(e) levar o aluno a selecionar SNs de textos orais/escritos tipologicamente

diversos, mas, a princípio, próximos de sua realidade social, de modo que ele

identifique os mecanismos predominantes nas diferentes variedades e

modalidades da língua e, assim, introjete a noção de norma e, sobretudo, a

de pluralidade de normas; (...)

Considerações finais

Parece que a oficina apresentada suscitou questões veladas no ensino de

lingua portuguesa no Brasil, uma vez que o comportamento dos participantes

foi de surpresa diante dos problemas apontados nos livros didáticos. A

conclusão a que se chegou é a de que se torna necessária uma revisão, nas

escolas brasileiras, das abordagens didáticas sobre variação linguística. Ficou

clara a importância de as propostas pedagógicas considerarem o fato de que

a variação linguística ocorre em quaisquer registros linguísticos, estando os

fenômenos distribuídos num contínuo oralidade-letramento e que resultam

numa diferença de grau muito mais do que de natureza entre a fala de

pessoas do interior ou de indivíduos menos escolarizadas e a fala dos

moradores das grandes cidades com maior grau de escolaridade.

Page 202: Anais do III SILID/II SIMAR

201

Referências

AMARAL, Emília e outros. Novas palavras. São Paulo:FTD.2003, p.334.

BORTONI-RICARDO, S. M. Educação em língua materna: a sociolingüística na sala de aula. São Paulo: Parábola, 2004.

BRANDÃO,S.F.Concordância nominal In: Ensino de gramática:descrição e uso. São Paulo:Contexto, 2007 p. 56-83.

BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÂO FUNDAMENTAL/MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Parâmetros Curriculares Nacionais – Língua Portuguesa – 5a a 8a série do Ensino Fundamental. Brasília/DF:SEF/MEC.1998.

TARALLO, Fernando. A pesquisa sociolinguística. São Paulo, Ática. 1985.

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Projeto gráfico

Ricardo Artur Pereira de Carvalho

Arte

Barbara Jane Necyk

Diagramação

Maíra Lacerda

Site

http://www.letras.puc-rio.br/2silid/

Romulo Miyazawa Matteoni

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