Anais do congresso de psicologia historico cultural uem

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Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ DO PROCESSO DE HOMINIZAÇÃO À HUMANIZAÇÃO: EXPLICITANDO O CURSO DO DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES PSÍQUICAS SUPERIORES A PARTIR DOS ESTUDOS DESENVOLVIDOS NO LAPSIHC (LABORATÓRIO DE PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL) Eixo Temático: Psicologia e Educação Coordenadora: Silvana Calvo Tuleski 1 Dos propósitos iniciais Esta sessão coordenada visa apresentar trabalhos desenvolvidos pelos alunos participantes do Laboratório de Psicologia Histórico-Cultural: Ciência, Arte e Educação (LAPSIHC). O LAPSIHC foi criado em 2008 visando reunir as diversas atividades de ensino, pesquisa e extensão desenvolvidas na abordagem da Psicologia Histórico-Cultural por professores pesquisadores do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá. Um dos princípios adotados pelos integrantes do laboratório assenta-se no entendimento que a Psicologia, como parte das Ciências Humanas, ao tomar para si a investigação a respeito da constituição da subjetividade humana como objeto, esta não pode ser compreendida como apartada das relações sociais de produção e da expressão de tais relações no âmbito das ideias, ou seja, das teorias. Ao tratar, pois, dos fundamentos da ciência psicológica, menos ainda deve ficar apartada de suas raízes históricas e de sua vinculação com a organização social vigente, sendo, pois, produção e produto desta, expressão das contradições explícitas e implícitas da sociedade contemporânea. Este caminho, considerando a abordagem teórica da Psicologia Histórico-Cultural, só é possível quando se compreende as categorias do método materialista-histórico-dialético e, além disso, quando estas são utilizadas para revelar os fenômenos humanos em sua essência. A partir deste referencial, entende-se que nem a Ciência – no caso a Psicologia – e nem a Arte, podem ser apropriadas de maneira puramente abstrata, isto é, desligada da materialidade que as produz. 1 Doutora em Educação Escolar, Docente do Departamento e da Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Estadual de Maringá. E-mail: [email protected].

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DO PROCESSO DE HOMINIZAÇÃO À HUMANIZAÇÃO: EXPLICITANDO O

CURSO DO DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES PSÍQUICAS SUPERIORES A

PARTIR DOS ESTUDOS DESENVOLVIDOS NO LAPSIHC (LABORATÓRIO DE

PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL)

Eixo Temático: Psicologia e EducaçãoCoordenadora: Silvana Calvo Tuleski1

Dos propósitos iniciais

Esta sessão coordenada visa apresentar trabalhos desenvolvidos pelos alunos

participantes do Laboratório de Psicologia Histórico-Cultural: Ciência, Arte e Educação

(LAPSIHC). O LAPSIHC foi criado em 2008 visando reunir as diversas atividades de

ensino, pesquisa e extensão desenvolvidas na abordagem da Psicologia Histórico-Cultural

por professores pesquisadores do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de

Maringá. Um dos princípios adotados pelos integrantes do laboratório assenta-se no

entendimento que a Psicologia, como parte das Ciências Humanas, ao tomar para si a

investigação a respeito da constituição da subjetividade humana como objeto, esta não pode

ser compreendida como apartada das relações sociais de produção e da expressão de tais

relações no âmbito das ideias, ou seja, das teorias. Ao tratar, pois, dos fundamentos da

ciência psicológica, menos ainda deve ficar apartada de suas raízes históricas e de sua

vinculação com a organização social vigente, sendo, pois, produção e produto desta,

expressão das contradições explícitas e implícitas da sociedade contemporânea.

Este caminho, considerando a abordagem teórica da Psicologia Histórico-Cultural,

só é possível quando se compreende as categorias do método materialista-histórico-dialético

e, além disso, quando estas são utilizadas para revelar os fenômenos humanos em sua

essência. A partir deste referencial, entende-se que nem a Ciência – no caso a Psicologia – e

nem a Arte, podem ser apropriadas de maneira puramente abstrata, isto é, desligada da

materialidade que as produz.

1 Doutora em Educação Escolar, Docente do Departamento e da Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Estadual de Maringá. E-mail: [email protected].

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Nesta trajetória de cinco anos o LAPSIHC foi se ampliando. Inicialmente era

composto por três Projetos de Pesquisa e um de Ensino, coordenados por docentes do

Departamento de Psicologia, e hoje conta com cinco projetos de pesquisa, quatro de

professores do Departamento de Psicologia e um do Departamento de Teoria e Prática da

Educação, além de um Projeto de Ensino. Em 2009, vinculado ao LAPSIHC, passou a ser

organizado o Grupo de Estudos em Psicologia Histórico Cultural, que atualmente conta com

um total de aproximadamente 25 membros, integrando estudantes da graduação e pós-

graduação em Psicologia e outras áreas, sob a supervisão e acompanhamento dos professores

do Departamento de Psicologia e Educação da UEM, que o integram.

É importante destacar que todos os trabalhos agregados ao LAPSIHC possuem,

como objetivo geral, relacionar as categorias do Materialismo Histórico Dialético

evidenciando-as como base dos conceitos da Psicologia Histórico-Cultural, possibilitando a

análise das correntes teóricas dentro da Psicologia, Educação, bem com as diversas

expressões na esfera das Artes como produções humanas, historicamente datadas.

Dos objetivos aos fundamentos e seus desdobramentos

Feita a breve explanação acima, entende-se como fundamental elencar os objetivos

que norteiam os estudos nos projetos em geral e mais especificamente do Grupo de Estudos

do LAPSIHC, cujos trabalhos desenvolvidos no primeiro semestre de 2012 comporão esta

sessão coordenada.

Além do objetivo mais amplo já descrito anteriormente, destacam-se outros, tais

como: Evidenciar a arte e a ciência como conhecimentos elaborados produzidos pelo homem;

Caracterizar o atual estágio capitalismo e suas repercussões na constituição da subjetividade

dos indivíduos e nos próprios movimentos dentro da ciência e da arte; Estudar as categorias

do método materialista histórico e dialético a partir dos clássicos do marxismo como Marx,

Engels, Lênin, e; Analisar as implicações da retirada dos fundamentos marxistas da obra dos

teóricos da psicologia Histórico-cultural, na contemporaneidade.

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Busca-se evidenciar que a adoção do referencial teórico do materialismo-histórico

não só impele o pesquisador ao recuo necessário ao passado para o entendimento das

concepções teóricas que se configuram na atualidade - que, em determinados momentos

atingem uma projeção no meio acadêmico -, como também desafia a uma análise radical (que

vai às raízes) do que é colocado como novo ou como novidade pelos paradigmas pós-

modernos. Como Marx e Engels (1991) propõem, a análise deve ultrapassar a aparência dos

fatos e fenômenos e permitir que se alcance a essência dos mesmos.

Reportando-se às teses marxistas para a análise da sociedade capitalista, Duarte

(2002) explica que as relações particulares e locais entre as pessoas, comuns nas sociedades

pré-capitalistas vão sendo substituídas por relações universais, despersonalizadas, mediadas

unicamente pela mercadoria e, principalmente, pelo seu equivalente universal, o dinheiro.

Esta separação entre trabalho e capital, na qual o trabalhador passa a ser somente alguém que

possui sua força de trabalho e precisa vendê-la ao capital para sua sobrevivência vai

desapropriando, gradativamente, o trabalhador do conhecimento da relação de seu trabalho

com a produção. Assim, o trabalhador, no capitalismo, vai deixando de ser alguém que possui

um conhecimento e uma experiência de trabalho específica, singular, para se transformar em

alguém que possui uma capacidade de trabalho abstrata, geral, indiferente ao conteúdo

concreto da atividade de trabalho e, portanto, capaz de adaptar-se às mudanças constantes do

mercado de trabalho.

A alienação é, portanto, entendida como a não-efetivação, na vida dos indivíduos,

das conquistas já efetuadas historicamente pelo gênero humano (MARKUS, 1974). Por outras

palavras, podemos dizer que a alienação consiste em um distanciamento, uma ruptura e um

conflito entre a riqueza material e intelectual do ser humano e a vida de cada pessoa. O ser

humano, a humanidade vem enriquecendo-se ao longo da história, mas isso não se traduz em

enriquecimento da vida de cada ser humano. As pessoas, na sua grande maioria, vivem em

condições muito aquém daquilo já alcançado pelo gênero humano em termos do seu

enriquecimento. Como afirmou Leontiev (1978), na sociedade de classes, a grande maioria

das pessoas somente tem acesso à riqueza material e intelectual dentro de limites miseráveis,

o que limita em diversos aspectos o desenvolvimento das funções psicológicas.

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Este patrimônio material e espiritual a que este autor se refere está relacionado ao

que há de mais elaborado pela cultura humana, no caso a Ciência, a Arte e a Filosofia. Mas, o

processo de apropriação vai efetuar-se no decurso do desenvolvimento de relações reais do

sujeito com o mundo e estas relações “não dependem nem do sujeito nem da sua consciência,

mas são determinadas pelas condições históricas concretas, sociais, nas quais ele vive, e pela

maneira como a sua vida se forma nestas condições” (LEONTIEV, 1978, p. 275). Fica

evidente na citação acima de Leontiev, que juntamente com Vigotski e Luria foram

fundadores da Psicologia Histórico-Cultural, a base marxista de seus postulados, por isso a

necessidade de não desligá-los do materialismo-histórico. Tal desligamento, atualmente, tem

possibilitado sua vinculação, por diversos intérpretes contemporâneos, aos paradigmas pós-

modernos tal como apontam Tuleski (2008) e Duarte (2002), esterilizando-a de seu potencial

crítico e transformador. Assim, a recuperação de suas bases filosóficas e epistemológicas é

fundamental para que seja possível a compreensão da essência da Psicologia Histórico-

cultural.

Em busca de uma práxis articulada: o exemplo do Grupo de Estudos

A partir dos objetivos e fundamentos estabelecidos no LAPSIHC, o Grupo de

Estudos procura tomá-los como práxis articulada. O grupo funciona como um coletivo

organizado, que se reúne quinzenalmente, no qual há alunos coordenadores que organizam

junto com os demais participantes quais serão as atividades desenvolvidas durante o ano.

Ocorrem reuniões semestrais de avaliação quanto aos objetivos propostos e alcançados, sendo

que estas contam com a participação dos professores. Nestas reuniões de avaliação coletiva

procura-se elencar as dificuldades encontradas tanto em relação aos encaminhamentos dos

estudos, quanto à distribuição, execução das tarefas e funcionamento geral do GE, que

objetiva sempre fazer com que os novos participantes que a cada ano iniciam possam inserir-

se de moto efetivo no ritmo de estudos e debates teórico-práticos que vem sendo realizados no

decorrer dos anos pelos participantes do LAPSIHC.

Toma-se sempre como norte o entendimento de que não somente a Arte, mas

também a Ciência e Filosofia, quando apropriadas pelos homens, despertam neles o que há de

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mais elevado em termos de desenvolvimento: o cientista, o artista e filósofo, aguçando a

sensibilidade, a curiosidade, a racionalidade e a capacidade de ir além do óbvio. Assim, para

que não se fique inerte, conformado, anestesiado diante das mazelas provocadas pelo atual

estágio do capitalismo, vê-se como caminho o rompimento com uma política que desvaloriza

o conhecimento e o superficializa-o, partindo-se do estudo aprofundado de trabalhos de

psicólogos e educadores marxistas que compreendem a escola (e a Universidade) como uma

instituição de socialização das formas mais desenvolvidas e mais ricas de conhecimento

humano. Nesse aspecto, a Psicologia Histórico-Cultural iniciada por L. S. Vigotski auxilia na

superação ou se contrapõe a estes ideários que desconsideram a historicidade dos fenômenos

humanos. Por isso a necessidade no Grupo de Estudos de se recuperar as categorias marxistas

para o entendimento da Psicologia Histórico-cultural, vinculando-as aos conceitos de

Vigotski, Leontiev e Luria, bem como seus continuadores como Davidov, Elkonin, Shuare,

Zaporozéths, entre outros que tem como finalidade propor uma Psicologia baseada no

marxismo.

Especificamente, como exemplo da produção realizada pelos participantes do GE no

primeiro semestre de 2012, está o conjunto de trabalhos que serão apresentados nesta sessão

coordenada, os quais buscam sistematizar o desenvolvimento das Funções Psicológicas

Superiores, a partir dos fundamentos da Psicologia Histórico-Cultural e do materialismo

histórico-dialético. Compondo a sessão temos, pois, os seguintes trabalhos: A formação das

funções psicológicas superiores, Estudos acerca da Sensação a partir da Psicologia

Histórico-Cultural, Desenvolvimento da Percepção: apontamentos a partir da Psicologia

Histórico-Cultural e Desenvolvimento da atenção voluntária para a psicologia histórico-

cultural.

Espera-se, ao longo do tempo que o LAPSIHC se consolide como Núcleo de

Pesquisa e que possa obter apoio institucional de modo a ter um espaço para suas atividades,

o qual sirva de estrutura para os estudos lá desenvolvidos, contribuindo para a organização de

atividades de pesquisa, ensino e extensão não só no âmbito da graduação quanto da pós-

graduação.

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Referências

Duarte, N. Vigotski e o “aprender a aprender”: crítica às apropriações neoliberais

e pós-modernas da teoria vigotskiana. (2002). Campinas, SP: Autores Associados.

Leontiev, Alexis. O Desenvolvimento do Psiquismo. (1978). São Paulo: Editora

Moraes.

Markus, Gyorgy. A Teoria do Conhecimento no Jovem Marx. (1974). Trad. Carlos

Nelson Coutinho e Reginaldo Di Piero. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

Marx, k. & engels, F. A Ideologia Alemã. (1991). 8º Ed. São Paulo: Editora Hucitec.

Trad. José Carlos Bruni e Marco Aurélio Nogueira.

Tuleski, S. C. Vygotski: A Construção de uma Psicologia Marxista. (2008). Maringá:

Eduem.

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Apresentação 1

A FORMAÇÃO DAS FUNÇÕES PSICOLÓGICAS SUPERIORES

Gustavo Lacatus da Costa de Oliveira *Luzia Pedro da Silva

Maria Aparecida Santiago da SilvaNaiara Valdelaine Balduino

Taiane do Nascimento AndradeLenita Gama Cambaúva

O presente trabalho resulta das atividades do Grupo de Estudos em Psicologia

Histórico Cultural da Universidade Estadual de Maringá (UEM), que tem o objetivo de

aprofundar os estudos por meio da leitura e discussão das obras clássicas dos fundadores da

Psicologia Histórico-Cultural: L. S. Vigotski (1896-1934), A. R. Luria (1902-1977) e A. N.

Leontiev (1903-1979).

O objetivo deste trabalho é apresentar, de forma geral, como se dá a formação do

psiquismo humano. Propõe-se uma discussão histórica sobre o desenvolvimento humano a

partir do exercício metodológico do Materialismo Histórico Dialético, cujos pressupostos

filosóficos e epistemológicos fundamentam a Psicologia Histórico-Cultural.

De acordo com esta proposta, o comportamento humano só pode ser compreendido a

partir da análise histórica, considerando que o homem se constrói no interior das relações

sociais de produção que estabelece em sociedade. Sendo assim, comprometido com as

transformações sociais que aconteciam na Rússia, no projeto de uma nova sociedade junto ao

de um novo homem – o comunista -, Vigotski deparou-se com a necessidade de empreender o

desenvolvimento do país de um modo geral, formando indivíduos autônomos capazes de

dominar o processo de trabalho e suas próprias condutas (Shuare, 1990; Tuleski, 2008).

A partir dos pressupostos do Materialismo Histórico Dialético, o projeto da nova

psicologia objetivava superar o determinismo biológico da sua época para construir uma

ciência psicológica compatível com as transformações históricas. O determinismo da velha

psicologia ceifava as possibilidades de transformação e revolução da condição humana e, para

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romper com esta concepção, foi necessário “criar a consciência da transformação da qual o

homem é sujeito e objeto” (Tuleski, 2008, p. 120).

Desse modo, na época revolucionária de Vigotski e de seus colaboradores,

acreditava-se que a transformação do comportamento humano, das atitudes e valores só seria

possível à medida que a prática social mudasse efetivamente de uma sociedade burguesa para

uma comunista. Assim, a vivência de relações diferentes determinaria a revolução nos modos

de agir e pensar em sociedade e as mudanças destas impulsionariam à transformação das

relações sociais.

A psicologia, com base marxista, opondo-se à psicologia fisiológica reducionista,

buscou delinear as convergências e divergências entre o homem e o animal, mostrando que o

desenvolvimento histórico se sobrepõe ao biológico. Para demonstrar tal afirmação sobre o

desenvolvimento, Vygotsky e Luria (1996), apresentam três linhas principais de

desenvolvimento: a evolutiva, marcada pela constante mudança no comportamento da

humanidade a partir da invenção e do uso de ferramentas, criando e recriando instrumentos

que servem como extensão aos seus órgãos naturais; histórico-social, iniciada pelo trabalho e

pelo desenvolvimento da fala humana e outros signos psicológicos, que resultou na

transformação do homem primitivo no homem cultural moderno; e ontogenética que é o

desenvolvimento individual de uma personalidade específica, quando o comportamento da

criança baseado na aquisição de habilidades e em modos de comportamento e pensamento

cultural desenvolve os processos de crescimento e maturação orgânica. Cada processo de

desenvolvimento prepara dialeticamente o seguinte, transformando-o em um novo tipo de

desenvolvimento.

Neste sentido, o desenvolvimento do comportamento humano em relação ao animal

ocorreu por meio de um salto qualitativo do biológico ao histórico, ou seja, o comportamento

do homem é condicionado primordialmente pelas leis do desenvolvimento histórico da

sociedade e não pelas leis da evolução. Esta concepção supera a ideia da psicologia

tradicional de que o homem é apenas produto da evolução biológica e de que a diferença do

comportamento da criança e do adulto é somente quantitativa (Vygotsky & Luria, 1996).

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Os referidos autores pontuaram certas divergências e convergências entre o homem e

o animal, também o fizeram em relação ao homem primitivo e o moderno, salientando o alto

grau de desenvolvimento dos órgãos de percepção nos primitivos, devido à necessidade

imediata de sobrevivência. Assim, contrariam a ideia de que as funções psicológicas são

dadas desde o nascimento e afirmam o inverso, que são desenvolvidas a partir da necessidade

de sobrevivência, de organização e relação com outros homens e com a natureza. Portanto, a

hominização é resultado da passagem da sociedade primitiva para a sociedade organizada

pelo trabalho social, sendo que esta passagem modificou a natureza do homem, que passou a

ter seu desenvolvimento submetido às leis sócio-históricas e não mais às leis biológicas.

Leontiev (1978) também aborda a questão do trabalho no desenvolvimento humano,

quando afirma que o trabalho não apenas modifica a estrutura geral da atividade humana,

como também não engendra unicamente ações orientadas para determinados fins, mas

transformam qualitativamente as atividades (operações) no processo de trabalho. Tal

transformação efetua-se com o desenvolvimento dos instrumentos de trabalho. Esses

instrumentos auxiliam a realização das atividades e são objetos com o qual se realiza uma

ação, operação do trabalho.

Fazer e utilizar um instrumento de trabalho exige a consciência do fim da ação e de

suas propriedades objetivas. “Assim é o instrumento que é de certa maneira portador da

primeira verdadeira abstração consciente e racional, da primeira generalização consciente e

racional” (Leontiev, 1978, p. 82). O instrumento não é somente particular e determinado por

suas características físicas, mas é também um objeto social, pois foi elaborado socialmente no

decurso do trabalho coletivo, é produto de uma experiência social do trabalho.

Leontiev (1978) descreveu o pensamento como o processo de reflexo consciente da

realidade, nas suas propriedades, ligações e relações objetivas, incluindo os objetos

inacessíveis à percepção sensível imediata. A mediação se caracteriza como a via do

pensamento, e esse é indispensável na tomada de consciência, que só se realiza no processo

do trabalho, através da utilização dos instrumentos com os quais os homens agem sobre a

natureza. A consciência, é portanto, o reflexo da realidade, a forma histórica concreta do

psiquismo humano.

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A consciência da realidade opera através da linguagem, que assim como a

consciência, é produto da coletividade humana e só aparece a partir do processo do trabalho,

da necessidade de comunicação entre os homens. A linguagem é a consciência prática e real e

não desempenha apenas o papel de comunicação entre os homens, ela é também uma forma

de consciência e pensamento humano.

Vygotski (2000) pontua a similaridade entre signo e ferramenta, uma vez que ambos

possuem a função mediadora na atividade do homem. Também diferencia os instrumentos dos

signos, na qual os primeiros dirigem-se para a atividade exterior do homem, orientada para a

modificação da natureza e, por sua vez, os signos agem sobre a conduta, na atividade interior

do homem. Para o autor há uma reciprocidade entre o domínio da natureza e da conduta,

devido à relação dialética entre a transformação da natureza pelo homem e a modificação da

sua própria natureza humana (Vygotski, 2000).

É possível observar que o comportamento humano vai sendo determinado

culturalmente e é originado primordialmente no aperfeiçoamento de signos externos, métodos

externos e modos de vida desenvolvidos em determinado contexto social, sob pressão das

necessidades técnicas e econômicas, ou seja, o aperfeiçoamento vem de fora, determinado

pela vida social do grupo ao qual o indivíduo pertence. Dialeticamente, na medida em que o

desenvolvimento humano se complexifica, por meio do desenvolvimento e uso dos

instrumentos psicológicos, as funções psicológicas também ficam mais complexas, tomando

caráter de funções psicológicas superiores, o que caracteriza a diferença qualitativa entre o

homem e o animal.

Desse modo, pode-se afirmar que o processo de evolução se dá pela transmissão das

aquisições humanas, de geração em geração, ou seja, cada geração se apropria dos

conhecimentos cristalizados nos produtos materiais ou intelectuais deixados pela geração

anterior (Leontiev, 1978).

Tanto para Vygotski (2000) quanto para Leontiev (1978) a história do

comportamento humano seria a história dos signos produzidos pela humanidade. Os signos

servem como instrumentos coletivos que objetivam o domínio do comportamento do próprio

homem, assim como a técnica serve para o domínio da natureza. De acordo com Leontiev

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(1978), o “indivíduo aprende a ser um homem. O que a natureza lhe dá quando nasce não lhe

basta para viver em sociedade. É-lhe ainda preciso adquirir o que foi alcançado no decurso do

desenvolvimento histórico da sociedade humana” (p. 285).

Uma das questões presentes na sociedade soviética era a de formar as novas gerações

embasadas em um projeto socialista. Desta maneira, Vygotski vai se aprofundar nos estudos

de como desenvolver na criança recém-nascida, na qual imperam as funções elementares e

biológicas, atitudes e comportamentos necessários ao homem da nova sociedade. Para isso é

fundamental entender como a criança se apropria dos instrumentos culturais e simbólicos da

sociedade.

A principal diferença do homem primitivo e da criança é que a criança já nasce em

um ambiente cultural-industrial, portanto ocorre um processo de integração ao contexto

cultural, desenvolvendo mecanismos e funções específicas necessárias à sobrevivência no

ambiente. Ao tratar do desenvolvimento, marcado pela crescente superação por incorporação

das funções elementares, Vigotski (1996) afirma que há uma distinção no papel das funções

psicológicas superiores e elementares no desenvolvimento da personalidade do homem.

Dito de outra forma, a psicologia vigotskiana ao analisar o processo de formação das

funções psicológicas superiores, compreende que estas independem e superam as funções

biológicas, o que garante nesta perspectiva teórica, a centralidade do desenvolvimento da

linguagem e do pensamento como um processo caracteristicamente humano.

Deveras, a linguagem reestrutura o pensamento, conferindo, através do pensamento

verbal, novas formas de relação com outras funções e transformando-as. O que em um

momento foi utilizado como forma de interferência no comportamento e conduta de terceiros,

passa a ser utilizado para o controle do comportamento próprio. Assim, percebe-se a

importância atribuída por Vigotski à educação, vista como um meio de se desenvolver as

funções psicológicas superiores.

Tendo isto em vista, percebe-se que a transição das funções elementares às

superiores se dá por meio da aquisição de meios, signos e conhecimentos científicos que

possam mediar a ação humana, por exemplo, por meio da linguagem, escrita, formação da

atenção voluntária, da memória lógica, do pensamento abstrato, formação de conceitos, entre

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outros. Essa teoria era então tida pela sociedade soviética, inclusive por Vigotski, como um

meio para a superação dos problemas encontrados na época (Tuleski, 2008).

Conclui-se, portanto, que não há como negar que as origens da vida consciente e do

pensamento abstrato estão submetidas às condições de vida social e às formas históricas de

vida da espécie humana. As funções psicológicas superiores são mediadas principalmente

pela linguagem e pelo pensamento, sendo historicamente mutáveis, uma vez que possibilitam

ao homem a apropriação de conceitos e signos originários da vida social humana.

Referências

Leontiev, A . (1978). O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizontes

Ltda.

Tuleski, S. C. (2008). Vygotski: a construção de uma psicologia marxista. 2. ed.

Maringá: Eduem.

Shuare. (1990). M. La psicologia soviética tal como yo la veo. Moscou: Editorial

Progresso.

Vigotski, L. S. (1996). Sobre os sistemas psicológicos. In.: Teoria e método em

psicologia. São Paulo: Martins Fontes, 1996, pp. 103 – 135.

Vygotski, Lev Semiónovich. (2000). Método de investigación. In. Obras Escogidas

III. Madrid: Visor, p. 47 – 96.

Vygotsky, L. S. & Luria, A. R. (1996). Estudos sobre a história do comportamento:

símios, homem primitivo e criança. Porto Alegre: Artes Médicas.

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Apresentação 2

ESTUDOS ACERCA DA SENSAÇÃO A PARTIR DA PSICOLOGIA HISTÓRICO-

CULTURAL

Marta ChavesJéssica Elise Echs Lucena

Fernanda Santos de CastroMarco Antonio Lima Rizzo *

Rhayane Lourenço da Silva

A Psicologia Histórico-Cultural considera o desenvolvimento do psiquismo humano

a partir das elaborações do Materialismo Histórico desenvolvido por K. Marx (1818-1883) e

F. Engels (1820-1895). Dessa forma, compreende-se o ser humano enquanto ser histórico e,

portanto, social o que significa afirmar que as condições históricas concretas são

determinantes no curso do processo de desenvolvimento psíquico de cada indivíduo.

Nesse sentido os autores fundadores da Psicologia Histórico-Cultural, L. S. Vigotski

(1896-1934), A. R. Luria (1902-1977) e A. N. Leontiev (1903-1979), destacam a existência

de determinadas funções psicofisiológicas específicas do homem. Estas se referem à forma de

vida superior do organismo, a vida mediatizada pelo reflexo psíquico da realidade. Vygotsky

(1996) destaca que tais funções, denominadas por ele como Funções Psicológicas Superiores,

não seriam uma simples continuação do desenvolvimento das funções biológicas elementares,

mas estariam sobrepostas a elas e seriam produto do desenvolvimento histórico da

humanidade.

Ao internalizar as relações sociais a criança se desenvolve e se transforma em um

membro da sociedade na qual esta inserida, portando e reproduzindo características,

faculdades e comportamentos humanos produzidos historicamente. Os estágios sucessivos no

seu desenvolvimento seriam graus diferentes dessa transformação (Leontiev, 1978). Dessa

forma, Vygotsky (1996) afirma que no processo de desenvolvimento da criança há o

surgimento de novas formas de relações quando esta passa de uma idade a outra. Assim, o

desenvolvimento psíquico se baseia antes na evolução da conduta e dos interesses da criança,

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nas mudanças que se produzem na estrutura e orientação do comportamento por meio dos

determinantes culturais. Estas mudanças estariam, desta forma, relacionadas às condições

objetivas de vida e à modificação do lugar que a mesma ocupa no sistema das relações

sociais.

Finalizada a exposição dos fundamentos teóricos e metodológicos, ressaltamos que

este resumo tem por objetivo apresentar uma sistematização a respeito do desenvolvimento

das sensações, aqui entendidas enquanto função psicológica superior do desenvolvimento

humano. Esta pesquisa, cuja temática central é o estudo das sensações, desenvolve-se a partir

da revisão bibliográfica de fontes primárias dos autores da Psicologia Histórico-Cultural

(Vigotski, Luria e Leontiev) bem como de alguns continuadores, realizada por meio de leitura

coletiva de um grupo de estudos, caracterizado como Projeto de Ensino vinculado à

Universidade Estadual de Maringá, ao Departamento de Psicologia e ao Laboratório de

Psicologia Histórico Cultural – LAPSIHC.

concepção das abordagens teórico-metodológicas hegemônicas, as sensações são

compreendidas como simples reações a estímulos da realidade. Nesse sentido, Luria (1991)

discute que a teoria receptora das sensações entende que os órgãos dos sentidos reagem

passivamente aos estímulos. Ao contrário disso, uma compreensão marxista do homem como

um ser ativo, e não simplesmente um receptáculo da realidade concreta, difere dessa

proposição. Luria (1991) compreende as sensações como possuidoras de um caráter ativo e

seletivo.

Para Luria (1991) um estudo sobre a evolução dos órgãos dos sentidos evidencia que

órgãos especiais dos sentidos se formaram durante um longo processo de desenvolvimento

histórico, e que eles se tornaram capazes de refletir formas objetivas de movimento da

matéria. Nesse processo histórico, são as qualidades específicas do mundo exterior que

desenvolvem as especificidades dos órgãos dos sentidos (Petrovski, 1980). Dessa forma, a

compreensão do caráter ativo das sensações é justificada pela constatação de que delas

participam componentes motores, como por exemplo, os receptores da pele refletem os

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estímulos mecânicos, os receptores auditivos refletem oscilações sonoras, os receptores

visuais refletem diapasões das oscilações eletromagnéticas, etc. (Luria, 1991).

Partindo de tal compreensão, para que uma determinada sensação efetive-se, é

preciso que o organismo seja submetido ao estímulo material correspondente, e que este aja

nesse sentido, uma vez que os órgãos do sentido estão intimamente ligados com os órgãos de

movimento (Petrovski, 1980). Isso significa que a sensação não é apenas uma imagem

sensitiva, mas que somente se caracteriza como uma função psicológica se existe uma reação

recíproca do organismo ao estímulo sensitivo (Petrovski, 1980).

Luria (1991) classifica sistematicamente as sensações em interoceptivas,

proprioceptivas e extraceptivas. As sensações interoceptivas se referem aos estímulos

provenientes do interior do organismo, as proprioceptivas aos estímulos que informam sobre a

posição do corpo no espaço e as extraceptivas são as sensações que garantem as informações

sobre o mundo externo, de acordo com o autor, afirma que estas constituem a base do

comportamento consciente (Luria, 1991).

As sensações interoceptivas apresentam similaridade com os estados emocionais e

são as menos conscientes e as mais difusas. Essas sensações podem aparecer nas formas de

pressentimentos, em forma de sonhos, e se referem a mudanças pouco conscientizadas (Luria,

1991), como por exemplo, em uma criança que está com cólica, mas como não tem

consciência dessas mudanças interoceptivas, chora diante do descontrole da situação.

Segundo Luria (1991), a importância de tais sensações está ligada a regulação dos processos

de metabolismo e de homeostase do organismo e desempenha papel fundamental na medicina

denominada psicossomática2

As sensações exteroceptivas são classificadas em: olfato, paladar, tato, visão e

audição. Luria (1991) discute que as sensações olfativas e gustativas são mais subjetivas,

relacionadas às emoções, e as sensações visuais e auditivas possuem caráter mais objetivo e

diferenciado, já as sensações táteis teriam caráter duplo, pois estariam relacionadas a

sensações de frio, calor, dor; como as primeiras; e também a sensações de dimensões, forma,

2 Estudo da relação dos estados psíquicos com os processos somáticos e viscerais (Luria, 1991).

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disposição; como as segundas. Porém, Luria (1991) comenta sobre outras duas categorias das

exteroceptivas: as sensações intermediárias; como por exemplo, a sensação vibrátil pelos

ossos do crânio; e os tipos não específicos de sensação; por exemplo, o sentido de distância

do cego.

Nesse sentido, entende-se o quanto as distintas sensações são fundamentais para o

complexo processo da percepção, e que as duas operam em conjunto. O processo da

percepção requer a discriminação de indícios relevantes em conjunto com a abstração de

indícios não existentes, unificação dos indícios principais e a comparação com os

conhecimentos adquiridos anteriormente sobre o objeto, se houver correspondência nessa

comparação, então ocorre a identificação (Luria, 1991). Segundo Petrovski (1980, p. 223,

tradução nossa) a percepção é definida pela “imagem de objetos ou fenômenos que se criam

na consciência do indivíduo ao atuar diretamente sobre os órgãos dos sentidos, processo

durante o qual se realiza ordenamento e associações das distintas sensações em imagens

integrais de coisas e fatos”.

Segundo Leontiev (1978) toda função se reorganizaria no interior do processo que

ela realiza, desse modo, o desenvolvimento das sensações está ligado ao processo de

desenvolvimento dos processos da percepção orientada. Por tal razão, as sensações devem ser

ativamente educadas na criança. Assim, os progressos de desenvolvimento de tais funções

seriam possíveis somente quando ocuparem um lugar determinado na atividade, ou seja,

quando elas entram numa operação em que seja requerido um nível de desenvolvimento

determinado para sua execução. Assim, atenta-se para o funcionamento em conjunto das

funções psicológicas superiores.

No ser humano, as imagens e representações concretas também possuem papel

importante na regulação e orientação da conduta, como por exemplo, a luz do semáforo que é

um sinal excitante para que o condutor de automóveis realize uma série de atos motores, no

sentido de parar o carro (Petrovski, 1980). Dessa forma, compreende-se a importância do

estudo das sensações no sentido de subsidiar a prática profissional dos educadores em geral,

para incidir ativamente no desenvolvimento do autocontrole da própria conduta dos

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indivíduos e de sua autonomia, e assim, possibilitar que individualidades em si se

transformem em individualidades para si, como apresenta Duarte (1999) em seus estudos,

baseando-se nessas categorias do marxismo.

Com isto entende-se a importância e a necessidade de um processo de educação ativo

que proporcione à criança a apropriação das elaborações humanas mais desenvolvidas e

assim, conduza seu desenvolvimento. Pressupõe-se, a partir da tese de que o homem nasce

com todas as características biológicas necessárias para, em um processo social e ativo, um

desenvolvimento sócio-histórico ilimitado (Leontiev, 1978). Portanto, com a internalização

das relações sociais, de processos humanos constituídos na vida em sociedade, que ocorrerá o

desenvolvimento das funções psicológicas superiores, em um processo sempre ativo,

tornando-se capaz de interpretar a realidade e acessar a gama de sensações humanas que se

desenvolvem a partir das condições de vida e das exigências da atividade prática.

Referências

Duarte, N. (1999). Individualidade para-si: contribuição a uma teoria histórico-

social da formação do indivíduo. Campinas: Autores Associados.

Leontiev, A. (1944/1978). O Desenvolvimento do psiquismo na criança. In Leontiev,

A. (1978). O desenvolvimento do psiquismo (pp. 305-333). Lisboa: Livros Horizonte.

Luria, A. R. Sensações. In___. Curso de Psicologia geral (pp. 1-36, volume II). Rio

de Janeiro: Civilização Brasileira.

Petrovski, A. (1980). Psicologia General: Manual didáctico para los Institutos de

pedagogia. Moscú: Editorial Progesso.

Vygotsky, L. S. (1996). Obras Escogidas: psicologia infantil. Tomo IV. Madrid:

Visor.

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DESENVOLVIMENTO DA PERCEPÇÃO: APONTAMENTOS A PARTIR DA

PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL

Adriana de Fatima FrancoCássius Marcelus Tales Marcusso Bernardes de Brito

Paulo Sérgio Pereira Ricci*Thaís Costa Gonzalez de BritoBeatriz Moreira Bezerra Vieira

Rafael Iglesias Menezes da SilvaDiego Augusto dos Santos

Leonardo Amorim Egea Garcia

Este texto, de natureza bibliográfica, tem como objetivo analisar o conceito de

percepção apresentado pela Psicologia Histórico-Cultural e refletir sobre a sua importância

para o processo de aprendizagem. Consideramos que a percepção, assim como as demais

funções psíquicas superiores, possui participação fundamental no processo de aprendizagem.

Buscaremos questionar o entendimento que predomina em nossa sociedade quanto ao seu

processo de desenvolvimento.

Para tanto iniciaremos com uma metáfora a partir da obra apresentada por José

Saramago (1995). Em seu Ensaio sobre a Cegueira, o autor nos chama a atenção para a

complexa forma como, por meio da percepção, nós, seres humanos, nos orientamos em um

mundo produzido por nós mesmos. Com a epígrafe “se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”,

Saramago sintetiza o que, por meio de um magistral manejo metafórico, percorrerá todo o seu

livro: as profundas alterações que ocorrem na organização da vida de uma grande cidade a

partir de uma epidemia de cegueira. A visão humana (ou a sua falta) serve de exemplo para

Saramago problematizar questões que são caras à ciência psicológica, dentre as quais

destacamos a percepção humana como resultado de uma complexa relação entre os sujeitos e

o contexto social onde vivem.

O estudo da percepção humana está tradicionalmente baseado na investigação de

como o corpo humano capta os estímulos do meio externo, os conduz por vias fisiológicas,

neurosensitivas até o córtex cerebral, onde estes estímulos serão codificados, associados e

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combinados em imagens integrais (Luria, 1991). O que, contudo, não é tão comum nas

investigações sobre a percepção é a consideração daquilo que ela, na medida em que é

humana, tem de específico. Como diz Leontiev (2004, p. 279), “o homem é um ser de

natureza social, [e] tudo o que tem de humano nele provem da sua vida em sociedade, no seio

da cultura criada pela humanidade”. Isto quer dizer que as leis que regulam a atividade

perceptiva humana não se limitam a leis biológicas, mas às leis de desenvolvimento sócio-

histórico, uma vez que a própria realidade a ser percebida é produzida pela atividade conjunta

de toda humanidade em seu processo de desenvolvimento ao longo da história.

Entendemos que a Psicologia Histórico-Cultural, enquanto concepção psicológica de

análise do homem em sua concretude, ou seja, em sua relação com a realidade histórica, nos

fornece instrumentos teóricos para empreender um processo de investigação a respeito da

percepção humana para além de seus aspectos biológicos, superando uma compreensão

naturalizada de desenvolvimento humano. Tal concepção se apoia na tese de que, como todas

as funções psicológicas superiores, a percepção humana é resultado de um processo de

desenvolvimento das relações que cada indivíduo estabelece com o contexto social no qual

está inserido desde o nascimento.

A percepção humana é explicada por Luria (1991), como uma função de caráter

complexo, ou seja, é uma função psicológica superior, que permite ao homem captar e

compreender a realidade. Nesse sentido, não pode ser considerada apenas como a soma de

sensações isoladas, ou simples resultado de associações. A percepção pressupõe um

reconhecimento dos objetos percebidos, sua comparação a conhecimentos anteriores, e por

fim a identificação, isto é a conceituação, nominação e categorização desses mesmos objetos.

É evidente que, neste processo, o desenvolvimento da percepção está intimamente relacionado

com a linguagem, que, por sua vez, ao permitir a análise e a consequente categorização do que

é percebido, estabelece as relações com outras funções psicológicas, como a atenção, o

pensamento a memória, entre outras.

Nessa direção, pontuamos que para a Psicologia Histórico-Cultural, as funções

psicológicas devem ser compreendidas em relação umas com as outras e, principalmente, em

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íntima relação ao desenvolvimento da linguagem como materialidade viva que articula as

relações sociais. Esse aspecto permite o reconhecimento de que, tendo como base as funções

psicológicas elementares, as funções psicológicas superiores são coordenadas pela

consciência (Vigotski, 2002).

Na medida em que integra o conjunto das funções psicológicas superiores, a

percepção de cada indivíduo se desenvolve a partir da maneira pela qual ele se apropria do

conteúdo cultural existente no contexto social em que está inserido, sendo que essa

apropriação pressupõe a participação de outro humano nesse processo de desenvolvimento

(Leontiev, 2004).

Dessa maneira, a percepção deixa de ser entendida como um processo passivo de

reflexo de estímulos isolados da realidade e passa a ser entendida como um aspecto particular

de um processo mais geral de apropriação dos conteúdos culturais que dão ao homem, sua

especificidade humana. Segue dizendo Leontiev:

as aquisições do desenvolvimento histórico das aptidões humanas não são

simplesmente dadas aos homens nos fenômenos objetivos da cultura material e

espiritual que os encarnam, mas são aí apenas postas. Para se apropriar destes

resultados, para fazer deles as suas aptidões, ‘os órgãos da sua individualidade’, a

criança, o ser humano, deve entrar em relação com os fenômenos do mundo

circundante através de outros homens, isto é, num processo de comunicação com

eles. Assim, a criança aprende a atividade adequada. Pela sua função este processo

é, portanto, um processo de educação (2004, p. 290).

Podemos considerar por consequência desse pressuposto, que a percepção humana

vai se tornando uma função complexa e consciente pela apropriação cultural. Na concepção

de Vigotski (2002), a percepção humana se distancia da percepção primitiva, pois esta é

dissociada da palavra. Com o desenvolvimento conceitual e a tomada de consciência das

significações humanas, os processos psíquicos dos indivíduos se elevam a um nível superior.

Nesse nível a percepção dos objetos passa a ser orientada e expressa por meio do significado

das palavras, caracterizando uma atividade psíquica de ordem superior. Desta forma, a

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discussão acerca do desenvolvimento da percepção está indubitavelmente ligada ao tema do

desenvolvimento da consciência.

A mediação do adulto é condição para o desenvolvimento da percepção enquanto

função psicológica superior. Ressaltamos a importância da linguagem neste processo. Essa

concepção tem sua defesa no que expõe Martins (2011, p. 109):

Da mesma forma que a constância, a unidade entre percepção e significado também

carece de expressão na percepção da criança pequena. O vínculo entre percepção e

significado é uma peculiaridade própria à percepção do adulto. Assim, a conquista de

significação, ou seja, a busca desse vínculo é um traço característico da percepção

infantil. Na percepção desenvolvida nada é ‘primeiro’ captado sensorialmente para

‘depois’ ser nominado e interpretado. Isso ocorre ao mesmo tempo e em unidade,

tornando impossível a separação entre a percepção do objeto como tal e o significado que

o objeto possui, isto é, entre percepção imediata e a percepção categorial, de forma que a

posse da significação do objeto se torna variável altamente interveniente na qualidade da

percepção.

Se, por um lado, o aparato anatômico-fisiológico é a base biológica sem a qual a

percepção humana é impossível, por outro lado, é preciso ter em conta que, justamente pela

íntima relação que estabelece com a linguagem como forma material de relacionamento dos

seres humanos entre si, a percepção é qualitativamente transformada por ganhar

determinações de origem social que estão ausentes no nível animal (Luria, 1991). A vida

social é mediada por significados e o desenvolvimento da percepção acontece por meio da

apropriação destes significados por cada indivíduo.

A problemática da significação e do significado ganha importância central na

investigação da percepção humana como uma totalidade. Isso porque, como diz Vigotski, a

comunicação humana, “estabelecida com base em compreensão racional e na intenção de

transmitir ideias e vivências, exige necessariamente um sistema de meios cujo protótipo foi, é

e continuará sendo a linguagem humana, que surgiu da necessidade de comunicação no

processo de trabalho” (Vigotski, 2002, p. 11).

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A linguagem, neste contexto, não se restringe apenas ao seu aspecto externo, isto é,

de transmitir ideias e vivências, mas refere-se também ao seu caráter interno como conteúdo

da percepção e do pensamento de cada indivíduo em suas situações de vida. Além da função

comunicativa, a linguagem tem também a característica de constituir o conteúdo da

elaboração mental e, por isso, retroage sobre a percepção qualificando-a e dando impulso ao

seu processo de desenvolvimento.

Do exposto podemos considerar a existência de uma relação dialética entre

percepção e linguagem. Pontuamos que linguagem é aqui considerada como sendo um

construto humano de conceituação do mundo. A linguagem permite ao homem alcançar graus

de abstração, ao ponto de significar o mundo. O significado das palavras é, portanto uma

abstração da realidade concreta que permite ao homem entrar em contato, conceituar,

entender e interpretar a realidade na qual vive.

Nesse entendimento, o homem por meio da percepção não acessa de modo direto

um mundo de coisas e elementos isolados. Mas percebe um mundo carregado de significado,

ou seja, um mundo de significações e abstrações humanas (Vigotski, 2002). Destacamos que

para o autor, o significado das palavras só se realiza, com o desenvolvimento dos conceitos

científicos. No modelo de sociedade atual, esses só são possíveis de serem desenvolvidos por

meio da Educação Escolar.

Consideramos que o desenvolvimento dessas funções ocorre sob a forma de unidade,

sendo necessário, portanto para a compreensão da função da percepção o entendimento do

desenvolvimento da linguagem. Nesse sentido, defendemos a importância de apropriações

culturais para o desenvolvimento do homem, em nível geral, e de sua percepção em nível

particular.

Os estudos realizados pelos teóricos da Psicologia Histórico-Cultural compreendem

que a percepção, como função psicológica superior, é específica do homem e, desenvolvida

socialmente, contrapondo-se a qualquer forma de naturalização do psiquismo humano.

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Nesta direção, a Educação Formal possui papel fundamental, pois, como já

evidenciado irá possibilitar o desenvolvimento dos conceitos científicos nas crianças. Tal

desenvolvimento acarretará em mudanças qualitativas no funcionamento mental,

possibilitando que funções psicológicas, como a percepção, superem seu nível elementar

transformando-se em funções psicológicas superiores.

Referências

Leontiev, A. N (2004). O Homem e a Cultura. In: Leontiev, A. N. O

Desenvolvimento do Psiquismo. São Paulo: Centauro.

Luria, A. R. (1991). Percepção. In: Luria, A. R. Curso de Psicologia Geral. V. II. Rio

de Janeiro: Editora Civilização Brasileira.

Martins, L. M. (2011). O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar:

contribuições à luz da psicologia histórico cultural e da pedagogia histórico-crítica. Tese de livre-

docência. Bauru: UNESP.

Saramago, J. (1995). Ensaio Sobre a Cegueira. São Paulo: Companhia das Letras.

Vigotski, L. S. (2002). A Construção do Pensamento e da Linguagem. São Paulo:

Martins Fontes.

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Apresentação 3

DESENVOLVIMENTO DA ATENÇÃO VOLUNTÁRIA PARA A PSICOLOGIA

HISTÓRICO-CULTURAL

Henrique Feltrin dos Santos *

Maiara Pereira Assumpção

Melline Ortega Fagion

Rhuana Amos dos Santos Marques

Silvana Calvo Tuleski

Hilusca Alves Leite

Ao tomarmos como referencial a Psicologia Histórico-Cultural - cujos elaboradores

foram Vigotski, Luria e Leontiev - compreende-se que as transformações ocorridas no

comportamento e subjetividade de cada indivíduo em particular decorrem não somente de sua

história de vida, mas da imbricação desta com as relações que o sujeito estabelece com a

sociedade, a cultura e a história humana em geral. Neste sentido então, é de fundamental

importância esclarecer que as Funções Psicológicas Superiores surgem e se constituem como

processos de desenvolvimento a partir das relações sociais de produção em geral e suas

implicações na esfera das interações sociais mais próximas a cada indivíduo. Segundo Leite e

Tuleski (2011), nos estudos realizados por Vigotski, as funções psicológicas superiores

resultam do desenvolvimento das funções psicológicas elementares, sendo estas últimas inatas

ao ser humano. Porém, as primeiras que se devolvem para além dos processos biológicos, são

constituídas por meio das vivências do indivíduo no interior de uma dada sociedade em um

dado momento histórico, pela mediação de outras pessoas.

O desenvolvimento do psiquismo humano se dá através das funções psicológicas

superiores, sendo construídas por mediações de signos e o uso de instrumentos, tais funções

desenvolvem-se através de apropriações que o individuo faz em seu contexto social e sua

relação com o meio. Contudo, as funções psicológicas superiores se desenvolvem em

conjunto e interligadas como um todo, na qual uma depende na outra, sendo todas são

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mediadas pela linguagem e se dividem em: sensação, percepção, atenção, memoria e

pensamento. Neste trabalho daremos ênfase na atenção.

A atenção como caráter seletivo dos processos psíquicos humanos, contribui para a

organização do pensamento, é também a atenção que garante a seleção dos estímulos mais

importantes para executar determinadas atividades. Na ausência desse organizador psíquico

não teríamos comportamentos dirigidos que se voltariam para a solução de problemas do

homem (LURIA, 1991).

Para Luria (1979) pode-se distinguir o processo de atenção através do volume,

estabilidade e oscilações. O primeiro pode ser entendido pela quantidade de sinais recebidos,

os quais conseguem permanecer dentro do plano dominante, plano este, que determina a

direção da atenção. Em relação à estabilidade, pode-se definir como sendo o tempo de

permanência dos estímulos com caráter dominante. Por último, a oscilação determina a

mudança ocorrida entre caráter dominante e a perda dele.

Existem duas categorias que determinam os fatores e o sentido da atenção, quais

sejam: estrutura dos estímulos externos e atividade do próprio sujeito, com bem menciona

Luria (1979). A primeira delas está vinculada a percepção do indivíduo e informações

exteriores atuantes sobre ele, ao objeto percebido e a estabilidade do processo de atentar-se,

processo no qual é organizado pela intensidade do estímulo e a novidade deste,

respectivamente. Este fator pode ser explicado pela maneira que o estímulo é apresentado de

modo a atrair mais a atenção do sujeito, na qual quando a intensidade desses estímulos é

diferente a atenção terá caráter dominante, quando a intensidade desses estímulos apresenta-se

como semelhante, a atenção mostra-se com um caráter instável, surgindo às oscilações. A

novidade dos estímulos é a diferença existente entre eles. A atenção se dirige não a

quantidade de estímulos apresentados, mas sim a sua diferença, pois se em algum evento a

recepção de estímulos é alta e conhecida pelo individuo, o mesmo irá dar atenção a um

estímulo que se difere dos que já são conhecidos pelo sujeito, de maneira imediata, ou seja, a

atenção se volta para o “novo” independentemente da sua intensidade.

A segunda categoria está relacionada com a atividade do indivíduo, e volta-se para as

necessidades, interesses e objetivos do sujeito, todos construídos de acordo com suas

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apropriações culturais cada vez mais elaboradas, e não mais como meros instintos de

sobrevivência, como nos animais. Uma atividade é sempre orientada por uma necessidade ou

um motivo- este que pode ser inconsciente- e busca atingir um objetivo, a isso chamamos de

organização estrutural da atividade humana. A execução de uma determinada atividade atrai

para si a atenção, quando esta atividade assume um grau de automatização para ser realizada,

deixa de assumir um caráter consciente, organizado e passa a ocorrer de maneira que não atrai

o sentido da atenção, ou seja, embora o sujeito tenha consciência da atividade que realiza não

mais precisa “prender-se” em todos os momentos da atividade, pois já apropriou-se os

suficiente dos mecanismos que garantem a execução da mesma. Um exemplo disso seria o ato

de dirigir um automóvel. No início, quando ainda em processo de aprendizagem, são muitos

os detalhes aos quais o novo motorista deve atentar, é necessário, por exemplo, estar atento as

trocas de marchas que devem acontecer quando o veículo atinge determinadas velocidades e

exigem coordenação entre os movimentos dos pés e da mão que executa a troca. Vejamos,

pois que para cumprir apenas uma etapa do ato de conduzir um veículo são muitos os

momentos em que a atenção está presente e quando este processo é internalizado pelo sujeito,

dirigir torna-se algo automático e não só não é mais necessário pensar em cada ação realizada

como também é possível mudar o foco de atenção para outros eventos. Compreender a

organização da atividade e o grau e automatização dela são importantes para compreender os

fatores que dirigem a atenção (Luria, 1991).

Ao discutir o ato voluntário da atenção, em especial na criança, Leite (2010, p. 95),

respaldada nos estudos de Luria (1979), coloca que sua origem encontra-se na comunicação

com o adulto e na relação interpessoal existente, pois

No inicio, a criança deve se subordinar à instrução verbal do adulto para, nas etapas seguintes, estar em condições de transformar esta atividade “interpsicológica” em um processo “intrapsíquico” de autorregulação. A essência do ato voluntário livre consiste em que sua causa encontra-se nas formas sociais de comportamento. Em outras palavras, o desenvolvimento da ação voluntária da criança começa com um ato prático que a criança realiza por indicação do adulto.

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Nesta direção, a essência dos atos voluntários encontra-se nas formas de

comportamento construídas socialmente e uma ação voluntária tem início com um ato prático

realizado pela criança sob orientação de um adulto. Posteriormente, num segundo momento, a

criança começa a utilizar sua própria linguagem, seja esta oral, corporal e outras, para realizar

uma ação, linguagem essa (externa), que se interioriza, transforma-se em linguagem interna

que passará a regular a conduta da criança, uma ação voluntária e consciente, mediada pela

linguagem social.

Para os autores da Teoria Histórico-Cultural a linguagem é o principal fator para o

desenvolvimento dos processos psíquicos do ser humano. Luria (1991, p.72) em seus estudos

sobre o processo de evolução intelectual do ser humano ressalta que “a linguagem muda

essencialmente os processos de atenção do homem” e considera essa função psicológica

superior como importante fator de construção de todo o conjunto da vida consciente do ser

humano.

Luria (1991) afirma que quando a criança desenvolve a linguagem, suas estruturas

intelectuais são “reequipadas” possibilitando que o discurso internalizado passe a compor as

estruturas cognitivas o que permite a antecipação da ação por meio do, com isto a atenção

converte-se em esquemas intelectuais dirigíveis.

A linguagem adquire uma função vital à criança e chegará um momento em que não

mais estará desassociada da atividade a ser realizada. E neste sentido, destaca-se a

importância da linguagem para o processo de desenvolvimento da atenção voluntária das

crianças, desde que a mediação seja de qualidade, e coloca que é nesse momento, que

Com 4 e 5 anos já se desenvolveu na criança uma capacidade de atenção relativamente intensa e constante. Ela pode manter-se atenta à fala dos adultos, por exemplo, quando isso lhe interessar. Entretanto, mesmo nessas condições, sua atenção é desviada com facilidade mediante a percepção de outros objetos ou pessoas” (Eidt & Ferracioli, 2007, p.111).

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Luria (1979) explica que neste período a criança já é capaz de reproduzir em sua

mente a imagem de uma ação ou de um objeto, daí a relativa facilidade em cumprir com uma

ação designada. No entanto é no período de escolarização que a atenção voluntária irá

desenvolver-se de forma qualitativamente superior, isto porque para Vigotski (1988) a

aquisição dos conhecimentos científicos transmitidos de forma sistematizada requer a

utilização das funções superiores de forma cada vez mais voluntária e consciente. No caso da

atenção, podemos citar a título de ilustração que as atividades em sala de aula requisitam

constantemente que o aluno seja capaz não apenas de manter-se atento, mas também de

realizar mudanças de foco constantes sem perder de vista o objetivo da atividade proposta,

caso contrário não se saíra bem. Citamos, por exemplo, que nas séries inicias transpor para o

caderno aquilo que a professora escreve no quadro não é tarefa simples, uma vez, que é

necessário estar atento ao quadro e ao caderno simultaneamente, atentar-se ainda para a grafia

correta das palavras, a pontuação, a posição correta da mão, do lápis, etc.

Segundo Eidt e Ferracioli (2007), nos pressupostos de Luria ressaltam que a atenção

voluntária somente se completa na fase da adolescência ou na fase adulta, desde que tenha

ocorrido um desenvolvimento qualitativo dessa função, que seria o terceiro momento – o

intrapsicológico, no qual com essa evolução o homem consegue ter um autocontrole, duração

e intensidade da sua atenção consciente.

Sendo assim, podemos concluir que é a partir da instrução verbal que a criança

orientará sua atenção, entretanto, nos anos iniciais de vida esta ainda coincide com a

percepção imediata da criança e, paulatinamente, na medida em que se complexificam as

apropriações culturais a atenção torna-se igualmente mais complexa, isto é, um processo

voluntário em que o indivíduo consegue controlar para qual(is) foco(s) deve dirigir-se,

independente dos estímulos que estejam ocorrendo concomitantemente.

Referências

Eidt, M. N.; Ferraciolli, U. M. (2007). O ensino escolar e o desenvolvimento da

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