Anais Ciella2 v2 Pg 612

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Anais

Transcript of Anais Ciella2 v2 Pg 612

  • Edio eletrnica

    Congresso Internacional de Estudos Lingusticos e Literrios na Amaznia (2.: 2009: Belm, PA)

    Anais [do] II Congresso Internacional de Estudos Lingusticos e Literrios na Amaznia [recurso eletrnico] / Congresso Internacional de Estudos Lingusticos e Literrios na Amaznia ; organizao, Myriam Crestian Chaves da Cunha, Jorge Domingues Lopes. Belm: Programa de Ps-Graduao em Letras da UFPA, 2010.

    3v. : il.

    Contedo: v. 1, 2 e 3 Lnguas e Literaturas Diversidade e Adversidades na Amrica Latina.

    Modo de acesso: Word Wide Web:

    Congresso realizado na Cidade Universitria Professor Jos da Silveira Netto da Universidade Federal do Par, no perodo de 6 a 8 de abril de 2009.

    ISSN (aguardando nmero)

    1. Lingstica Discursos, ensaios e conferncias. 2. Literatura Discursos, ensaios e conferncias. 3. Estudos Culturais Discursos, ensaios e conferncias. I. Cunha, Myriam Crestian Chaves da (Org.). II. Lopes, Jorge Domingues, (Org.). III. Ttulo. I. Ttulo.

    CDD-20.ed. 410

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)Biblioteca do ILC/UFPA-Belm-PA

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR

    Carlos Edilson de Almeida Maneschy Reitor

    Horcio Schneider Vice-Reitor

    Marlene Rodrigues Medeiros Freitas Pr-Reitora de Ensino de Graduao

    Emmanuel Zagury Tourinho Pr-Reitor de Pesquisa e Ps-Graduao

    Fernando Arthur de Freitas Neves

    Pr-Reitor de Extenso

    Edson Ortiz de Matos Pr-Reitor de Administrao

    Joo Cauby de Almeida Jnior Pr-Reitor de Desenvolvimento e Gesto de Pessoal

    Erick Nelo Pedreira Pr-Reitor de Planejamento

    Flvio Sidrim NassarPr-Reitor de Relaes Internacionais

    INSTITUTO DE LETRAS E COMUNICAO

    Luiz Roberto Vieira de Jesus Diretor Geral

    Rosa Maria de Sousa Brasil Diretora Adjunta

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LETRAS

    Slvio Augusto de Oliveira Holanda Coordenador

    Marlia de Nazar de Oliveira Ferreira Vice-Coordenadora

  • UFPA / Instituto de Letras e ComunicaoPrograma de Ps-Graduao em Letras

    Cidade Universitria Professor Jos da Silveira NettoRua Augusto Corra, 01, GuamCEP 66.075-900, Belm - PAFone-Fax: (91) 3201-7499E-mail: [email protected]: www.ufpa.br/mletras

    COMISSO ORGANIZADORA DO EVENTO

    Dr. Jos Guilherme dos Santos FernandesPresidente da comisso organizadora Docente do Programa de Ps-Graduao em Letras

    Dra. Myriam Crestian Cunha Coordenadora do Programa de Ps-Graduao em Letras

    Dra. Carmen Reis RodriguesDocente do Programa de Ps-Graduao em Letras

    Dra. Gessiane Lobato PicanoBolsista de Desenvolvimento Cientfico Regional (FAPESPA/CNPq),afiliada ao Programa de Ps-Graduao em Letras

    Dra. Valria AugustiBolsista de Desenvolvimento Cientfico Regional (FAPESPA/CNPq), afiliada ao Programa de Ps-Graduao em Letras

    ORGANIZAO DOS ANAIS

    Myriam Crestian CunhaJorge Domingues Lopes

    SECREtARIA dO PROGRAMA dE PS-GRAdUAO EM LEtRAS

    Eduardo Antonio Ribeiro de Brito (Secretrio) Amanda Faustino de Pinho (Bolsista)

  • O Congresso Internacional de Estudos Lingusticos e Literrios na Amaznia (CIELLA) um evento bianual que resultou do bom desenvolvimento e projeo de um tradicional encontro intitulado Jornada de Estudos Lingusticos e Literrios (JELL), promovido

    pelo Programa de Ps-Graduao em Letras da Universidade Federal do

    Par (UFPA) durante 10 anos consecutivos.

    O II CIELLA tem como tema principal Lnguas e Literaturas: diversidade

    e adversidades na Amrica latina. O objetivo do encontro integrar

    os pesquisadores da rea de estudos lingusticos, literrios e culturais

    implicados na discusso de problemas caractersticos do contexto latino-

    americano e na busca de solues diferenciadas, oportunizando o dilogo

    com os demais atores sociais envolvidos, de modo a favorecer a elaborao

    de propostas poltico-educacionais diversificadas.

    Como evento acadmico, o II CIELLA volta-se para professores universitrios,

    pesquisadores, estudantes de Graduao e Ps-Graduao de instituies

    locais, nacionais e internacionais. Assinalamos que o evento caracteriza-

    se tambm por estabelecer um dilogo com profissionais e gestores

    interessados nas repercusses econmicas, polticas e scio-culturais

    dessas pesquisas. Alm disso, abre-se, de forma pioneira, na Regio Norte,

    para estudantes de Ensino Mdio, participantes do Programa Institucional

    de Bolsas de Iniciao Cientfica Jnior da Fundao de Amparo Pesquisa

    do Estado do Par.

    Essa dinmica, congregando vrios atores sociais, pretende estabelecer

    intercmbio efetivo entre a academia e as comunidades envolvidas,

    garantindo maior circulao dos resultados de pesquisas.

    Comisso Organizadora do II CIELLA

    Apresentao

  • COMISSO CIENTFICAAbdelhak Razky, UFPAAna Carla dos Santos Bruno, INPAAndrea Ciacchi, UFPBChristophe Golder, UFPADaniel dos Santos Fernandes, IDEPA / Faculdade IpirangaGermana Maria Arajo Sales, UFPAHeraldo Maus, UFPAJoel Cardoso da Silva, UFPAJos Carlos Chaves da Cunha, UFPAJos Carlos Paes de Almeida Filho, UnBLindinalva Messias do Nascimento Chaves, UFACLus Heleno Montoril del Castilo, UFPAMaria Aparecida Lopes Rossi, UNITAUMaria do Socorro Galvo Simes, UFPAMaria Risolta da Silva Julio, UFPAMrio Csar Leite, UFMTMarcello Moreira, UESBMarlia de N. de Oliveira Ferreira, UFPAMarilcia Barros de Oliveira, UFPAMarli Tereza Furtado, UFPASidney da Silva Facundes, UFPASlvio Augusto de Oliveira Holanda, UFPASimone Cristina Mendona de Souza, UF de ViosaThomas Massao Fairchild, UFPA

    COMISSO DE APOIOCoordenao: Thayana Albuquerque.Adriana Oliveira, Adrielson Barbosa, Alex Moreira, Alice Oliveira, Aline Silva, Aline Souza, Ana Maria de Jesus, Ana Paula Silva, Anny Linhares, Brenda Lima, Bruna Pimentel, Carla Guedes, Crystian Alfaia, Daniele Chaves, Edimara Santos, Eduardo Lopes, Elma Lima, Eveline Nascimento, Fabiana Silva, Gzika Ferreira, Glaciane Serro, Jonatas Silva, Josemare da Silva, Joyce Costa, Jucineide Ribeiro, Kelly Souza, Layse Oliveira, Maria Elisabete Blanco, Maria Iracema Lima, Marla de Abreu, Martha Luz, Maxwell Maciel, Mayara Rocque, Michela Garcia, Natlia Magno, Nathalia Carvalho, Nilsineia Simes, Ordilene Souza, Patrcia Martins, Patrick Pimenta, Paulo Alberto dos Santos, Phillippe Souza, Priscila Castro, Rafaela Margalho, Raicya Coutinho,Samara Queiroz, Sara Costa, Shirlene Ribeiro, Shirley Silva, Tayana Barbosa, Thiago Nascimento, Thiago Souza, Wladimilson Mota.

    WEBMASTERSamuel Marques Campos ([email protected])

    PROJETO GRFICO, EDITORAO ELETRNICA E CAPAJorge Domingues Lopes ([email protected])

    2010 Programa de Ps-Graduao em Letras da UFPAA reproduo parcial ou total desta obra permitida, desde que a fonte seja citada.

    Todas as informaes contidas e apresentadas nos artigos deste livro so de inteira responsabilidade de seus respectivos autores, bem como as opinies neles expressas, que no refletem necessariamente as do Programa de Ps-Graduao em Letras ou da Comisso Organizadora do II CIELLA.

  • Sumrio471 Cordel e oralidade no Par no perodo da Segunda Guerra Mundial

    Geraldo Magella de MENEZES NETO

    481 Alofones nasais em lnguas tupiGessiane Lobato PICANO

    489 Oralidade e escrita na Nueva cornica y buen gobierno, de Felipe Guamn Poma de Ayala Um gnero que emerge nas dobras da conquista da AmricaGiane da Silva Mariano LESSA

    497 Lngua portuguesa como uma lngua estrangeira: Reflexes de uma experincia com um aluno indianoGilmara dos Reis RIBEIRO Maria Luiza F. da Silva PIMENTEL

    509 Ciclo da castanha e latifndios na Amaznia em Safra, de Abguar BastosGilson da Conceio Vitor FARIAS

    517 Pratiques denseignement de lcriture en premire anne du secondaire Feira de Santana, au BrsilGirlene Lima PORTELA Clmence PRFONTAINE Gilles FORTIER

    531 ndios e europeus: o choque cultural no Caramuru, obra de Santa Rita DuroGiselda da Rocha FAGUNDES

    541 Rap: O movimento de reao do negro na sociedade brasileira contemporneaGiselda da Rocha FAGUNDES

    561 O chat no ensino-aprendizagem de espanhol para universitrios: Estratgias e possibilidadesGreice da Silva CASTELA

    573 Por uma anlise performativa e social das construes de identidade e violncia no repenteGustavo Cndido PINHEIRO Claudiana Nogueira de ALENCAR

    581 Os mltiplos ecos do mito de narciso no conto Laos de famlia, de Clarice LispectorIandra Fernandes Pereira CALDAS Antonia Marly Moura da SILVA

    591 A estrutura das narrativas de enterro amaznicasIngrid Sinimb CRUZ Regina CRUZ Socorro SIMES

    603 Constituio de saberes na formao continuada de professores alfabetizadoresIsabel Cristina Frana dos Santos RODRIGUESMaricilda Nazar Raposo de BARROS

  • 611 Sob o traado do imagin(rio): Narrando a identidade amaznicaIvone dos Santos VELOSO

    617 A importncia da linguagem na edificao e manuteno da ordem institucional e os desafios para o exerccIo da atividade jurdicaIvy de Assis SILVA

    627 Escrever na era da internetIzabel Cristina Rodrigues SOARES Lilia Silvestre CHAVES

    637 Godinho tavares & Cia: Livros a vista e pelo menor preoIzenete Garcia NOBRE

    645 O exerccio com lxico em sala de aula: Uma reflexo enunciativaJacqueline JORENTE

    655 Mulheres frente do seu tempo: Conceio, Noemi e Maria MouraJairo Jos Campos da COSTA

    667 A historiografia da imagem: Pinheiro Chagas entre temposJane Adriane GANDRA

    675 A seleo de informaes e o tratamento dos temas no discurso dos alunos da 3 srie do ensino fundamental a partir de uma abordagem etnogrfica colaborativaJane Miranda ALVES

    693 O professor de ingls diante do mundo tecnolgico: O computador como acesso a prticas contextualizadasJernimo Coura SOBRINHO Roberto-Mrcio dos SANTOS

    703 Vivncias musicais relatadas nos romances Vencidos e degenerados, de Nascimento Moraes, e O Mulato, de Aluzio Azevedo, na So Lus do final do sculo XIXJoo Costa GOUVEIA NETO Edwar de Alencar CASTELO BRANCO

    713 O Espelho: A dvida como mtodoJohann Raphael Gomes GUIMARES

    721 A inter-relao do ensino-aprendizagem de FLE e a explorao didtica da literaturaJorge Domingues LOPES

    739 A interao com o arquivo: Saramago se apropria de Ricardo ReisJorge Luiz MENDES JNIOR

    747 Representaes da doena e percepes do atendimento na interao profissional-cliente em contextos de servios de sadeJos Carlos GONALVES

    761 Relato sobre o projeto de pesquisa Representaes da doena e percepes do atendimento na interao profissional-cliente em contextos de servios de sadeJos Carlos GONALVES

    773 O gnero notcia policial em teresina: Algumas consideraes scio-discursivasJos Nilson Santos da COSTA FILHO

  • 785 Narrativas orais de castanhal: do nordeste brasileiro ao nordeste paraenseJos VICTOR NETO

    795 Desvendando HomeroJovelina Maria Ramos de SOUZA

    803 A carteira de meu tio: Fico e histria em Joaquim Manuel de MacedoJuliana Maia de QUEIROZ

    813 O leitor, a metamorfose e o silncio em Meu tio o IauaretLode Leo dos SANTOS Slvio Augusto de Oliveira HOLANDA

    821 O trabalho com o inslito no microrrelato de Augusto MonterrosoLuciana Aparecida da SILVA

    829 A antropofagia entre a oralidade e a escrita na moderna literatura brasileira, o caso de Benedicto MonteiroLuciano FUSSIEGER

    837 O naturalismo presente no romance Tentao, de Adolfo CaminhaLuena Miti Takada BARROS Mrcio de SOUSA E SILVA

    843 SOBRE O II CIELLA

  • Ir para o Sumrio

  • CORDEL E ORALIDADE NO PAR NO PERODO DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

    RESUMO: O presente trabalho analisa a importncia da literatura de cordel como fonte de informao das camadas populares acerca dos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial. Para a anlise ser considerada a relao oral/escrito, j que a leitura dos folhetos de cordel era realizada na maioria das vezes de uma forma coletiva, em um perodo onde a taxa de analfabetismo era elevada. A estrutura narrativa dos folhetos, em forma de poesia, facilitava a compreenso e memorizao acerca dos assuntos tratados, sendo o cordel um mediador entre o oral e o escrito. As fontes utilizadas so os folhetos de cordel produzidos pela editora Guajarina, editora de maior sucesso no norte do Brasil na primeira metade do sculo XX, folhetos que esto disponveis no acervo Vicente Salles do Museu da UFPA, em Belm.

    PALAVRAS-CHAVE: Literatura de cordel; Oralidade; Segunda Guerra Mundial

    RESUMEN: Este trabajo analiza la importancia de la literatura de cordel como fuente de informacin de las clases populares sobre los acontecimientos de la Segunda Guerra Mundial. Para la anlisis ser considerada la relacin oral/escrito, ya que la lectura de los folhetos de cordel era realizada en la mayora de las veces de una forma colectiva, en un perodo donde el ndice de analfabetismo era elevado. La estructura narrativa de los folhetos, en forma de poesia, facilitaba la comprensin y memorizacin de los asuntos tratados, siendo el cordel un mediador entre oral y escrito. Las fuentes utilizadas son los folhetos de cordel producidos pela editora Guajarina, editora de mayor xito en el norte de Brasil en la primera mitad del siglo XX, folhetos que estn disponibles em el acervo Vicente Salles del Museo de la UFPA, em Belm.

    PALABRAS-CLAVE: Literatura de cordel; Oralidad; Segunda Guerra Mundial

    Geraldo Magella de MENEZES NETO (Universidade Federal do Par)

  • Anais do II Congresso Internacional de Estudos Lingusticos e Literrios na Amaznia (CIELLA)

    472 Volume 2

    1. Introdu

    Este trabalho resulta de um processo de dois anos de pesquisa acerca da literatura de cordel no Par.1 Apesar da pesquisa ser voltada para a rea de Histria, o trabalho com o cordel permite a chamada interdisciplinaridade, j que a literatura popular analisada por pesquisadores de variadas reas como Letras, Antropologia, Sociologia, Comunicao.

    Os folhetos de cordel utilizados na pesquisa esto localizados no acervo Vicente Salles do Museu da UFPA, em Belm. Esses folhetos foram recolhidos pelo pesquisador Vicente Salles ao longo de suas pesquisas sobre o cordel nas dcadas de 1970 e 1980.

    O cordel um folheto com poemas rimados, que trata de temas diversos, que vo de romances, histrias de valentia, humor, orao, at aos ltimos acontecimentos. Os folhetos so impressos em tipografias, em papel de tipo frgil, que no demandava muitos custos para os poetas. As capas so caracterizadas pelas xilogravuras, desenhos feitos em madeira, que retratavam o tema abordado no cordel. O nmero de pginas varia, podendo ser de 8, 12, 16, 24 e at mesmo 48 pginas.

    O cordelista aquele que escreve cordel em versos. J o cantador e o repentista so aqueles que produzem versos de forma oral, geralmente em desafios e pelejas, quando duas pessoas se enfrentam na cantoria, partindo de um determinado tema. Eles utilizam instrumentos musicais, como o violo. Segundo Joseph Luyten, a literatura de cordel compreende a parte impressa e, como tal, representa menos que 1% da poesia realmente feita no nvel popular; o restante apenas cantado por violeiros, trovadores ou cantadores. (LUYTEN, 2005, p. 14).

    O nome cordel vem da Pennsula Ibrica. Isso porque havia o costume, na Espanha e em Portugal, de se colocarem os livretos sobre barbantes (cordis) estendidos, em feiras e lugares pblicos, de forma semelhante roupa em varal. (LUYTEN, 2005, p. 13). Existem outros nomes para o cordel, como romances, livrinhos e folhetos. A expresso literatura de cordel foi criada mais tarde pelos estudiosos desse tipo de poesia popular.

    A origem do cordel no Brasil remonta ao final do sculo XIX, no Nordeste. O primeiro poeta a imprimir folhetos de forma regular foi Leandro Gomes de Barros, considerado hoje como o pai do cordel.2 Segundo Ruth Terra, a partir de temas da tradio oral e de acontecimentos do momento ele criou a literatura popular escrita do Nordeste. (TERRA, 1983, p. 40).

    2. A literatura de cordel no Par: a editora Guajarina

    No Par, nos parece que a tradio do cordel est diretamente relacionada com a migrao nordestina ocorrida primeiramente em larga escala no final do sculo XIX e incio do XX. Nesse contexto, os migrantes nordestinos vo trazer costumes e difundi-los pela Amaznia. O gosto pelo cordel deve ter sido um desses costumes, criando, segundo Vicente Salles, um mercado consumidor de poesia em potencial. (SALLES, 1971, p. 95). Em 1914, com a criao da editora Guajarina, do pernambucano Francisco Lopes, o cordel vai se espalhar por todo o Par e a regio amaznica.

    Para Vicente Salles, a editora Guajarina foi o maior fenmeno editorial do Par e seguramente um dos maiores do Brasil, no campo da literatura de cordel. (VICENTE, 2000, p. 9). A grande quantidade de folhetos produzidos por esta editora demonstra o sucesso obtido, j que muitos folhetos tm vrias edies. Os folhetos da editora de Francisco Lopes podiam ser adquiridos em Manaus (Amazonas); Rio Branco e Xapuri (Acre); Santarm e Marab (Par); So Lus, Caxias, Amarante e Icatu (Maranho); Teresina e Parnaba (Piau); Fortaleza e Juazeiro (Cear); Natal (Rio Grande do Norte) e Campina Grande (Paraba), cidades onde se localizavam os agentes da Guajarina, responsveis pela irradiao nas proximidades, feita por vendedores ambulantes. (SALLES, 1985, p. 152).

    1 Fui bolsista de iniciao cientfica do projeto de pesquisa Literatura de cordel e experincias culturais em Belm do Par nas primeiras dcadas do sculo XX, coordenado pela Profa. Dra. Franciane Gama Lacerda, da Faculdade de Histria da UFPA, no perodo entre maro de 2007 e maro de 2009, bolsa esta financiada pelo PARD-UFPA.2 Leandro Gomes de Barros nasceu em Pombal-PB em 1865, e faleceu em Recife-PE em 1918. Iniciou a publicao de seus versos por volta de 1893. Sobre a vida e obra de Leandro Gomes de Barros, ver Viana (2009).

  • Volume 2

    Tema geral: Lnguas e Literaturas: diversidade e Adversidades na Amrica Latina

    473

    A Guajarina publicava folhetos de poetas do Nordeste, como Leandro Gomes de Barros e Joo Martins de Athayde, muitas vezes sem a autorizao dos autores, o que era uma espcie de pirataria. Uma estratgia para os poetas evitarem esse tipo de pirataria era colocar os seus retratos nos folhetos, o que fez Leandro Gomes de Barros a partir de 1917. J o editor nordestino Pedro Batista, proprietrio das obras de Leandro Gomes de Barros aps a sua morte, alertava nos folhetos aos chefes de polcia que Francisco Lopes publicava folhetos de Leandro sem a sua autorizao. (SALLES, 1985, p. 159).

    A Guajarina vai publicar tambm folhetos de poetas nordestinos radicados no Par e de poetas paraenses. Os que obtiveram maior sucesso, denominados por Vicente Salles como a primeira gerao so: Ernesto Vera, Dr. Mangerona-Assu, Apolinrio de Sousa, Arinos de Belm e Z Vicente. importante ressaltar que a maioria desses poetas utilizava pseudnimos: Ernesto Vera era pseudnimo de Ernani Vieira; Dr. Mangerona-Assu era Romeu Mariz; Arinos de Belm era Jos Esteves; e Z Vicente era Lindolfo Mesquita. Vicente Salles no aponta razes especficas para esse procedimento, entretanto admite que havia naquele tempo certa reserva ao trabalho da editora Guajarina e queles intelectuais menores ou de meia-tijela que giravam em torno das iniciativas de Francisco Lopes; parte da intelectualidade nortista no se identificava com a literatura popular nordestina e opunha-lhe uma resistncia surda ou total indiferentismo. (SALLES, 1985, pp. 165-166).

    3. O cordel como jornal popular

    Os folhetos de cordel, alm de ser um meio de lazer das camadas populares, so um meio de informao. O cordel, principalmente nas primeiras dcadas do sculo XX, se constitui como o jornal do povo, j que os jornais no eram acessveis maior parte da populao que era analfabeta, e o rdio ainda estava num processo de expanso.

    Joseph Luyten um autor que trabalha com a ideia de que o cordel, mais especificamente os folhetos noticiosos, constitui um sistema de Jornalismo Popular, resguardadas as suas caractersticas de aperidiocidade, mbito restrito e estruturao potica. (LUYTEN, 1992, p. 13). Os folhetos noticiosos so os que tratam de acontecimentos de grande repercusso, que vo desde acontecimentos locais como crimes, assassinatos, at acontecimentos nacionais e internacionais, como a ascenso de Getlio ao poder em 1930, o golpe do Estado Novo, a morte de Lampio, a Segunda Guerra Mundial.

    A principal fonte do poeta para escrever os folhetos noticiosos eram os prprios jornais. S que os poetas no utilizavam a mesma linguagem do jornal, pois as camadas populares no poderiam compreender aquele tipo de linguagem mais formal. O poeta ento transforma essa linguagem do jornal em uma linguagem popular. Ricardo Noblat nos explica esse processo:

    [...] O poeta apreende um acontecimento com sua sensibilidade, empresta-lhe a perspectiva da sua cosmoviso e o retransmite numa linguagem popular, dentro do campo de referncia dos seus leitores. Narra os principais fatos da sua cidade, regio, pas e mundo; interpreta-os; opina sobre eles; reflete e ajuda a formar a opinio pblica ao seu redor. (NOBLAT, apud LUYTEN, 1992, p. 49).

    O pblico confia no poeta, no que ele escreve, pois o poeta convive com as camadas populares, partilha da mesma realidade. mais fcil acreditar no poeta, que o povo conhecia, do que algum distante, como os jornalistas das grandes mdias.

    Mark Curran adota a ideia de Joseph Luyten, de que o poeta de cordel uma espcie de jornalista popular. Contudo, ele vai mais alm, dizendo que o cordelista tambm historiador popular. Para o autor, o cordel como crnica potica e histria popular a narrao em versos do poeta do povo no seu meio, o jornal do povo. (CURRAN, 2001, p. 20). O cordel histria popular porque relata os eventos a partir de uma perspectiva popular.

    Vicente Salles, ao analisar o sucesso da editora Guajarina na divulgao da literatura de cordel no Par, tambm demonstra a importncia dos folhetos como fonte de informao das camadas populares:

  • Anais do II Congresso Internacional de Estudos Lingusticos e Literrios na Amaznia (CIELLA)

    474 Volume 2

    Mostra significativa da importncia do cordel, para a informao popular dos grandes acontecimentos nacionais e mundiais, dada pelos folhetos que tratam dos fatos correntes e de grande repercusso, como a guerra europia de 1914-18 e o envolvimento do Brasil no conflito, torpedeamentos e naufrgio de navios, o assassnio do general Pinheiro Machado etc. A histria mundial e a do Brasil, bem como os acontecimentos locais marcantes, se tornam acessveis ao povo, graas literatura de cordel. (SALLES, 1985, p. 153).

    Walmir de Albuquerque Barbosa, um autor da rea da comunicao, faz uma anlise do cordel na Amaznia. O autor aponta que os cantadores nordestinos que faziam excurses pelas capitais (Belm e Manaus) e pelas principais cidades do interior vo exercer um papel muito importante na disseminao do cordel. A penetrao do cordel para o interior, no beirado, fica a cargo do regato e at mesmo dos agentes nos barraces dos seringais, que o acrescentaram como mais um item entre as mercadorias. (BARBOSA, 1996, p. 11). Barbosa destaca a importncia do cordel como fonte de informao nos locais mais distantes dos grandes centros:

    Os folhetos, com sua perenidade, podiam chegar aos mais longnquos rinces, substituindo o jornal, inacessveis para esse contingente, no s pela linguagem, mas pela maneira fragmentria que expunham os fatos no dia-dia. O folheto tinha a virtude de encerrar a narrativa completa sobre o fato acontecido. (BARBOSA, 1996, pp. 21-22).

    Os autores citados nos apontam a importncia dos folhetos de cordel como fonte de informao das camadas populares. Mas como se dava esse contato entre o cordel e o povo? Como o cordelista sabia que o assunto tratado no folheto iria atrair a ateno das pessoas, tendo certeza de que elas iriam comprar o folheto? Para responder essas e outras questes vamos recorrer ideia da oralidade, dentro do contexto da Segunda Guerra Mundial.

    4. A oralidade no cordel: o contexto da Segunda Guerra Mundial

    Durante a Segunda Guerra Mundial, a imprensa vai tratar diariamente dos assuntos relativos guerra. Nas grandes mdias, como o jornal e o rdio, os acontecimentos da guerra eram as primeiras notcias a serem divulgadas, sobrepondo as notcias regionais. Tal profuso de notcias fez com que, segundo Eric Hobsbawm, muitos lugares como os campos de batalha do rtico, da Normandia, de Stalingrado, ou de assentamentos africanos, na Birmnia e nas Filipinas se tornassem conhecidos dos leitores de jornais e radiovintes. Tal faceta desses meios de comunicao permite dizer ainda, de acordo com Hobsbawm, que a Segunda Guerra Mundial foi tambm uma aula de geografia do mundo. (HOBSBAWM, 1995, p. 32).

    Ainda em relao imprensa na poca da guerra, o entrevistado Elias Jos Tuting nos fala acerca do jornal Folha Vespertina:

    Quando era de tarde saa a Folha Vespertina, espalhavam por todo o Par, corriam com aquele jornal, iam l, tinha um preto l que agora eu esqueci o nome, era o preto Matinta, ele era jornaleiro, era analfabeto, mas ele lia aquele cabealho e saa gritando os acontecimentos, as coisas l. (TUTING, 2008).

    As memrias do senhor Elias nos sugerem que havia uma relao de oralidade na venda dos jornais. Quando saam as ltimas notcias, o jornaleiro fazia a leitura das manchetes. Mesmo os analfabetos, e os que no tinham condies de comprar o jornal, j que o perodo da guerra era um perodo de crise, tomavam conhecimento dos acontecimentos da guerra.

    Alm da imprensa, a temtica da Segunda Guerra Mundial vai ser alvo de outro veculo de comunicao, que no faz parte da grande mdia, mas que vai dar aos acontecimentos da guerra igual importncia: os folhetos de cordel. Para se ter uma ideia disso, Vicente Salles afirma que, em dezembro de 1942, a Editora Guajarina rene num s volume encadernado 12 folhetos sobre a Segunda Guerra Mundial.3 Esse nmero, ao que tudo indica foi muito maior. No Acervo do Museu da UFPA, por

    3 Os folhetos so os seguintes: Nascimento do Anti-Christo, de Abdon Pinheiro Cmara; A guerra da Itlia com a Abyssinia, de Z Vicente; A batalha do Sarre, de Arinos de Belm; O afundamento do vapor allemo Graff-Spee, de Z Vicente; A Allemanha

  • Volume 2

    Tema geral: Lnguas e Literaturas: diversidade e Adversidades na Amrica Latina

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    exemplo, encontramos dois folhetos humorsticos de Arinos de Belm: O Testamento de Hitler e Mussolini, o Ditador. Tambm encontramos referncias aos folhetos sobre a guerra na revista Par Ilustrado, de janeiro de 1943, a qual trazia o seguinte anncio: Leiam: A Alemanha metida num saco. Efusiante folheto de Z Vicente, venda em Belm. (PAR ILUSTRADO, 09/01/1943, p. 32). Portanto, no temos ideia da quantidade de folhetos produzidos sobre a guerra. Essa grande quantidade de folhetos de cordel sobre a Segunda Guerra Mundial demonstra o interesse da populao pelo assunto, pois o poeta s escrevia folhetos de interesse do pblico, pois s teria lucro se o que era tratado atrasse consumidores.

    A literatura de cordel tem muita importncia no estado do Par na dcada de 40, uma vez que boa parte da populao no tinha acesso escolaridade. De fato, de acordo com dados do IBGE, em 1940, 59% das mulheres e 46,55 % dos homens no Par no sabiam ler nem escrever. (O LIBERAL, 26/05/2007, p. 6). Atravs destes dados podemos perceber que grande parte da populao paraense era analfabeta. Logo, essas pessoas no tinham o hbito de ler jornais ou revistas. Mesmo para os alfabetizados era difcil comprar esses veculos de informao num perodo de crise como o da Segunda Guerra Mundial. Poucos tinham acesso aos jornais e revistas, sendo mais difcil esse acesso para as pessoas de fora da capital, Belm.

    Ana Maria de Oliveira Galvo, ao analisar a relao entre oralidade e cordel em Pernambuco, nos explica como se dava o contato das camadas populares com o cordel:

    A primeira instncia de leitura/audio de folhetos era, de modo geral, o momento em que as pessoas iam feira e ouviam o vendedor: leitura competente, declamada ou cantada em voz alta, interrompida no momento do clmax do enredo. Uma vez adquiridos ou tomados de emprstimo, os folhetos eram geralmente lidos em grupo, em reunies que congregavam grande nmero de pessoas, na casa de vizinhos e familiares. (GALVO, 2002, p. 119).

    Em Belm, a venda de folhetos ocorria em locais como o mercado do Ver-o-Peso, a Praa Pedro II, na feira de So Brs, e a feira da Marambaia. (SALLES, 1985, p. 160). No interior do Par, principalmente na zona bragantina, os folhetos eram vendidos nas estaes rodovirias e nas feiras, locais de encontro de folheteiros e consumidores. Muitas vezes o poeta cordelista seu vendedor ambulante, apregoando-o, como no Nordeste, recitando ou cantando as estrias contidas no folheto. (SALLES, 1985, p. 161).

    Um detalhe interessante no comrcio do cordel que mesmo os analfabetos adquiriam os folhetos. Para explicar o fato dos analfabetos comprarem os folhetos, Ruth Terra utiliza as ideias de Genevive Bollme sobre os livros populares na Frana dos sculos XVI ao XIX:

    Pode-se comprar os livretos sem saber ler, para faz-los serem lidos ocasionalmente, e para adquirir qualquer coisa que seria como um objeto mgico, o papel que fala. certo que o livro adquire um poder, um valor, e considerado assim, precisamente pelo seu carter reservado; porque s pode ser lido por quem o possui e detm o saber, saber encoberto, guardado em segredo. Ter um livro [...] prender nas mos um pouco deste saber. (BOLLME, apud TERRA, 1983, pp. 35-36).

    Os folhetos tinham um valor para essas pessoas. Mesmo no sabendo ler, ter um folheto era como que prender nas mos um pouco do saber. O folheto poderia ser lido por algum que soubesse a qualquer hora, por exemplo, numa reunio familiar, ou com os vizinhos. O poeta Juraci Siqueira, por exemplo, relata que na sua infncia fazia a leitura do cordel para os vizinhos no municpio de Afu, quando seu pai trazia folhetos das viagens que fazia para Belm. (SIQUEIRA, 2007). Esse relato, mesmo sendo de um perodo aps a guerra, quando a editora Guajarina no existia mais, refora a ideia de que a leitura do cordel sempre era acompanhada de um pblico. Ana Galvo aponta que o fato dos folhetos serem lidos predominantemente de maneira coletiva tornava-os mais prximos daqueles que apresentavam pouca intimidade com o mundo da escrita.(GALVO, 2002, p. 123). O cordel se tornava um meio de informao das camadas populares, daqueles que no eram

    comendo fogo, de Z Vicente; A Allemanha contra a Inglaterra, de Z Vicente; A guerra da Alemanha e da Polnia, de Arinos de Belm; A batalha da Alemanha contra a Rssia, de Z Vicente; O fim da guerra, de Z Vicente; O Japo vai se estrepar! , de Z Vicente; O Brasil rompeu com eles, de Z Vicente; As escrituras e a guerra atual, de Apolinario de Sousa. (SALLES, 1985, pp. 238-239).

  • Anais do II Congresso Internacional de Estudos Lingusticos e Literrios na Amaznia (CIELLA)

    476 Volume 2

    alfabetizados. As capas e as xilogravuras dos folhetos ajudavam nesse sentido, pois antecipavam aos leitores/ouvintes o tema a ser tratado no folheto de cordel.

    Tambm importante ressaltar que o pblico consumidor de cordel provavelmente se expandiu no perodo da Segunda Guerra Mundial. A partir de 1942, milhares de nordestinos vieram para a Amaznia, no processo conhecido como a Batalha da Borracha, com o objetivo de fornecer a maior quantidade de borracha possvel para os Aliados. Esses nordestinos eram provveis consumidores de folhetos de cordel, j que, alm de trazerem esse costume da terra natal, dificilmente teriam acesso a jornais e ao rdio nos seringais.

    Sabendo do interesse da populao pelo tema, como o poeta iria abordar a Segunda Guerra? Como o poeta se posicionaria diante dos acontecimentos sem ir contra o Estado Novo, regime que imperava no Brasil na poca, que impunha a censura e perseguia os opositores? Nesse sentido, dividimos a produo de folhetos sobre a Segunda Guerra Mundial em dois perodos: o primeiro o perodo compreendido entre 1939 e 1941; o segundo entre 1942 e 1945.

    O perodo entre 1939 e 1941 marcado pelas vitrias do Eixo na guerra. At o final de 1941 a Alemanha ocupava a maior parte da Europa, e estava invadindo a Unio Sovitica. O Japo ocupava vrias ilhas do Pacfico e atacou a base norte-americana de Pearl Harbor. Tropas alems e italianas ocupavam o norte da frica, alastrando a guerra para outro continente.

    O Brasil nesse contexto adota a postura de neutralidade diante da guerra. Esse perodo de neutralidade caracterizado por uma diviso dentro do governo brasileiro em tomar uma posio. O Ministrio de Getlio Vargas estava dividido: de um lado estava Oswaldo Aranha, ministro das Relaes Exteriores, que era favorvel a uma aliana com os Estados Unidos, ao lado dos Aliados; j do outro lado estavam Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra, e Ges Monteiro, chefe do Estado-Maior do Exrcito, que eram favorveis a uma aliana com o Eixo.

    Essa diviso interna sobre qual a melhor posio a ser tomada no aparecia na imprensa, j que a mesma sofria censura do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda). No interessava ao governo tornar pblicas essa diviso, e sim dizer que o pas era um s, unido e coeso. Nesse sentido, a imprensa divulgava os acontecimentos da guerra, mas no cobrava do governo uma atitude de envolvimento no conflito, ao contrrio, elogiava a posio de neutralidade, de que o Brasil deveria se manter distante da guerra. Os folhetos de cordel tambm vo adotar esse discurso. Apesar de alguns poetas demonstrarem simpatia a um dos lados em conflito, eles se limitam a relatar os acontecimentos, sem fazer cobranas ou crticas ao Estado Novo. Vicente Salles aponta que os temas da guerra nos folhetos mostram a habilidade do poeta em informar seus leitores e, de alguma forma, contribuir para a formao da opinio pblica. (SALLES, 1985, p. 239)

    Arinos de Belm, por exemplo, era defensor do Eixo. No folheto A batalha do Sarre, ele descreve assim o regime nazista:

    Mas o hitlerismo somentequer do seu povo a grandeza,liberdade, crena, as artes,barriga cheia, riqueza,trabalho honesto, alegria,inteligncia e nobreza. (BELM, s/d, p. 14)

    O poeta faz um elogio ao regime nazista. Segundo Arinos, o regime alemo seria caracterizado por se preocupar com o povo em diversas questes, como a liberdade, que estaria relacionada a no pertencer a uma sociedade comunista, portanto o nazismo seria um regime de liberdade; barriga cheia, preocupao em alimentar o povo, no deix-lo morrer por falta de alimentos; trabalho honesto e riqueza, que estariam diretamente associados alegria, o nazismo proporcionaria a riqueza do povo atravs do trabalho, o que traria alegria e no sofrimento; inteligncia e nobreza, relacionados com crena e as artes transmitindo uma ideia de que o povo alemo era superior aos outros, que tinha uma inteligncia acima dos demais e que era um povo nobre, pois tinha um sangue ariano. Nessa estrofe Arinos de Belm revela a sua defesa em relao ao nazismo alemo.

  • Volume 2

    Tema geral: Lnguas e Literaturas: diversidade e Adversidades na Amrica Latina

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    J o poeta Z Vicente era um defensor dos Aliados. No folheto A batalha da Alemanha contra a Rssia, ele tenta profetizar como vai terminar o conflito:

    Vai o nazismo acabaro comunismo tambm,pois depois da grande guerrah de ficar s o Bem,a grande Democraciaque somente nos convem. (SALLES, 1985, p. 245)

    Nessa estrofe percebemos a posio de Z Vicente: ele contra o nazismo e o comunismo. A posio de Z Vicente totalmente oposta a de Arinos de Belm, o poeta a favor da Democracia, que para ele o Bem. O poeta considera como democracia pases como Inglaterra, Frana e Estados Unidos. Alemanha e Unio Sovitica no eram democracias, mas regimes de extrema-direita e extrema-esquerda. O melhor para o mundo seria o nazismo acabar/o comunismo tambm, j que eram regimes extremados e no-democrticos. Z Vicente retrata a batalha entre Alemanha e Unio Sovitica, mas no partidrio de nenhum dos dois. Segundo a perspectiva do poeta, a destruio dos dois regimes seria a melhor soluo, pois ficaria s a democracia que somente nos convem, o que seria o melhor para a humanidade. Note-se aqui que o poeta no faz qualquer referncia ao Brasil, pois se dissesse que o Brasil no era uma democracia o folheto poderia ter sido censurado.

    Z Vicente tambm faz referncia situao do Brasil nesse perodo em que a guerra acontecia na Europa, no folheto A Allemanha comendo fogo:

    Mas aqui do nosso ladobarulheira ningum faz,quem quizer meter o peitoa gente empurra pra traz,pois no nosso continenteo programa haver paz. (VICENTE, 25-7-45, p. 16)

    Nesse primeiro instante da guerra, quando o Brasil est num estado de neutralidade, os poetas tinham certa liberdade de escolha, poderiam ser favorveis ao Eixo ou aos Aliados, desde que no fizessem crticas ao Estado Novo. Com isso, a populao que entrava em contato com os folhetos, teria duas escolhas para torcer durante a guerra, j que os poetas assumiam posies divergentes: os Aliados ou o Eixo. Essa liberdade de escolha seria limitada aos Aliados a partir de 1942.

    O perodo 19421945 marcado pelo contra-ataque dos Aliados e a conseqente derrota do Eixo. O exrcito alemo perde a Batalha de Stalingrado, seguindo-se depois a uma contra-ofensiva sovitica. Os Estados Unidos vencem as batalhas contra o Japo no Pacfico, sendo a mais importante a Batalha de Midway. Os Aliados ocupam a Itlia em 1943, e em 1944 iniciam a libertao da Frana. Em maio de 1945 os soviticos chegam a Berlim e a Alemanha se rende. Em setembro, aps ser atingido por duas bombas atmicas, o Japo assina a rendio, terminando assim a Segunda Guerra Mundial com a vitria dos Aliados.

    O ataque japons base norte-americana de Pearl Harbor em 7 de dezembro de 1941 vai levar o Brasil a um alinhamento incondicional aos Estados Unidos e aos Aliados. Em 28 de janeiro de 1942, durante a III Conferncia dos Chanceleres o Brasil rompe relaes diplomticas com os pases do Eixo (Alemanha, Itlia e Japo). A declarao de guerra, aps os afundamentos de navios mercantes, vai ocorrer em 22 de agosto do mesmo ano.

    Z Vicente publica ento o folheto O Brasil rompeu com eles, explicando todo o processo que envolveu a ruptura de relaes com o Eixo, desde o ataque japons base de Pearl Harbor at a Conferncia dos Chanceleres no Rio de Janeiro em janeiro de 1942. Outro motivo que o poeta indica para o rompimento de relaes com o Eixo diz respeito a questes que se explicavam pela ideia de um confronto entre o bem e o mal, entre a verdade e a mentira, entre a luz e a escurido. Tal oposio por esse olhar do poeta explicava o conflito quase como um jogo entre mocinhos e bandidos em que estes eram representados pelo Japo, pela Itlia e Alemanha, e aqueles pelos Aliados:

  • Anais do II Congresso Internacional de Estudos Lingusticos e Literrios na Amaznia (CIELLA)

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    Vamos agora lutarAs naes totalitarias contra a Barbaridade.querem o direito esmagar.O Brasil nessa missoJapo, Itlia, Alemanha,age agora de verdade,querem o mundo escravisar,pois vai bem alto gritarmas a nao brasileirapelo bem da humanidade.tal no pode tolerar.(VICENTE, 20-6-43, p. 1)(VICENTE, 20-6-43, p. 2)

    A partir de 1942, o Brasil se posicionava ao lado dos Aliados. No haveria escolhas, quem apoiasse o Eixo seria considerado traidor. Os folhetos publicados passam ento a ser totalmente favorveis aos Aliados. Arinos de Belm, para no correr o risco de ser considerado traidor e ser preso, no publica mais folhetos elogiosos ao nazismo, s voltando a escrever j no final da guerra, publicando dois folhetos satirizando Hitler e Mussolini, os dois lderes totalitrios: O Testamento de Hitler e Mussolini, o Ditador, reflexos da nova posio tomada pelo Estado Novo.

    5. Consideraes finais

    Aps uma anlise sobre alguns folhetos produzidos sobre a Segunda Guerra Mundial percebemos que o assunto era de interesse da populao paraense, incluindo-se a as camadas populares, o que demonstra a importncia da literatura de cordel, pois mesmo os analfabetos, atravs dos folhetos, tomavam conhecimento dos eventos da guerra. A grande quantidade de folhetos produzidos sobre a guerra demonstra que a populao tinha interesse no assunto, pois os poetas s publicavam folhetos que atrassem consumidores.

    importante ressaltar que os poetas escreviam os folhetos num contexto de limites e possibilidades: enquanto podiam manifestar suas preferncias, assim o faziam. Contudo, aps o envolvimento do Brasil na guerra, no havia mais possibilidades, tinham que produzir folhetos exaltando o Brasil e repudiando o Eixo. Apesar disso, seus versos no so menos importantes, pois como jornalistas populares cumpriam sua funo de informar os ltimos acontecimentos, transformando a linguagem mais culta do jornal para uma linguagem mais compreensvel s camadas populares, atendendo demanda da populao, cada vez mais vida por assuntos referentes s batalhas da Segunda Guerra Mundial.

    Outro ponto importante a questo da oralidade: a leitura do folheto era realizada na maioria das vezes de forma coletiva, o que nos sugere que muitos tinham acesso aos folhetos, mesmo num contexto em que a maioria da populao no tinha escolaridade. O folheto de cordel se constitua em um mediador entre o oral e o escrito. Assim, os assuntos referentes guerra no ficavam restritos aos meios governamentais ou aos crculos das elites, sendo objeto de interesse tambm pelas camadas populares.

    Referncias

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    HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve sculo XX: 1914-1991. So Paulo: Companhia das Letras, 1995.

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    Tema geral: Lnguas e Literaturas: diversidade e Adversidades na Amrica Latina

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  • ALOFONES NASAIS EM LNGUAS TUP

    Gessiane PICANO (Universidade Federal do Par)

    RESUMO: Na mairoria das lnguas Tup, consoantes nasais so frequentemente descritas como exibindo algumas diferenas alofnicas. Os padres mais comuns envolvem nasais plenas alternando com outras parcialmente oralizadas, ou seja, pr- ou ps-oralizadas e mdio-nasais. Este estudo apresenta uma comparao de aspectos fonticos desses alofones nasais, plenos e parcialmente oralizados, em doze lnguas Tup. A inteno verificar at que ponto esses sons so foneticamente distintos ou, contrariamente, quanto de similaridade fontica compartilhada por alofones semelhantes em lnguas diferentes.

    PALAVRAS-CHAVE: Nasais; Alofonia; Similaridade Fontica; Tup.

    ABSTRACT: Nasal consonants are often reported to exhibit allophonic differences in the majority of Tupian languages; the most common ones are plain nasals and partially oralized nasals (i.e. pre-/post-oralized nasals and medionasals). In this study, a comparison of plain and partially nasal allophones is offered for 12 Tupian languages, on the basis of their phonetic similarity. This is done with a view to determining to what extent these sounds are phonetically distinct across Tupian languages, and how much phonetic similarity is shared by corresponding allophones in different languages.

    KEY WORDS: Nasals; Allophony; Phonetic Similarity; Tup.

  • Introduo

    Ladefoged & Maddieson (1996) definem um segmento nasal como aquele que envolve dois gestos articulatrios principais: abaixamento do vu palatino e obstruo na cavidade oral. Ainda de acordo com os autores, os movimentos do vu palatino (elevao e abaixamento) so independentes dos movimentos de articuladores orais. Um par como [b] e [m] diferem entre si somente pela posio do vu:

    i. [b]: obstruo na cavidade oral, vu palatino elevado;ii. [m]: obstruo na cavidade oral, vu palatino abaixado.

    Por serem tais movimentos independentes, diferentes combinaes destes podem gerar uma variedade de segmentos nasais, resultando em duas categorias principais: nasais plenas ou parcialmente nasais. Diferenas alofnicas envolvendo a produo de consoantes nasais so bastante comuns em quase todas as lnguas das dez famlias Tup, mostradas na Figura 1.

    Figura 1: Famlias do tronco Tup (RODRIGUES, 1986)

    Os alofones descritos so geralmente classificados em duas categorias principais: nasais plenas, aquelas produzidas com o vu palatino abaixado ao longo de toda a durao da consoante, e nasais parcialmente oralizadas, nas quais o movimento do vu palatino des-sincronizado em relao obstruo na cavidade oral, resultando em um segmento complexo com um componente oral e outro nasal como, por exemplo, [bm] ou [mb]. Nasais parcialmente oralizadas, por sua vez, podem ser pr-oralizadas (ou seja, o abaixamento do vu ocorre aps a obstruo oral), ps-oralizadas (a elevao do vu palatino ocorre antes da obstruo), e mdio-nasais (a combinao das duas anteriores). As lnguas Tup variam quanto ao tipo de alofone produzido. Por exemplo, em Munduruk, famlia Munduruk, consoantes nasais exibem as variantes plenas [m, n, ] e as pr-oralizadas [bm, dn, g] (PICANO, 2005; CROFTS, 1985). Em Karo, famlia Ramarama, as nasais podem ser plenas [m, n, ], pr-oralizadas [bm, dn, g] e ps-oralizadas [mb, nd, g] (GABAS JR., 1988). J Karitiana, famlia Arikm, apresenta o padro mais complexo de alofones nasais dentro do tronco Tup, incluindo nasais plenas [m, n, , ], pr-oralizadas [bm, dn, g], ps-oralizadas [mb, nd, g], e mdio-nasais [bmb, dnd, gg] (WIESEMANN, 1978; STORTO, 1999; DEMOLIN et al., 2006). Em grupo menor de lnguas, so as oclusivas orais que podem ser parcialmente nasalizadas. Esse o caso em Awet, famlia Awet, na qual oclusivas surdas /p, t, k/ tem variantes fonticas pr-nasalizadas [mp~mb], [nt~nd], e [k~g] (EMMERICH & MONSERRAT, 1972).

    Lngua aps lngua de todas as famlias Tup, o analista enfrenta o desafio de como caracterizar fonologicamente os padres envolvendo sons nasais. A deciso tipicamente tomada independentemente, com base em argumentos distribucionais. Alguns tratam os alofones nasais como consoantes orais subjacentes que sofrem alguma regra de nasalizao, como em (1a); outros os tratam como nasais que so, tambm atravs de uma regra, oralizados, como em (1b). De uma forma ou de outra, obtm-se os mesmos tipos de realizaes fonticas.

    (1) Nvel fonolgico Nvel fonticoa. /b/ [m] / _v [m] nasalizao plena

  • [bm] / v_ v [bm] nasalizao parcial

    b. /m/ [m] / _ v [m] nasalizao plena

    [bm] / v_ v [bm] nasalizao parcial

    O principal objetivo deste estudo verificar at que ponto esses sons nasais, ou parcialmente nasais, so foneticamente distintos ou foneticamente semelhantes. Vrios aspectos fonticos das consoantes nasais so examinados em 12 lnguas Tup, distribudas nas sete famlias abaixo.1

    (2) Lnguas Tup investigadasa. famlia Awet: Awetb. famlia Arikm: Karitianac. famlia Mond: Gavio e Surud. famlia Munduruk: Munduruk e Kuruayae. famlia Ramarama: Karof. famlia Tupari: Makurap, Ayuru e Tuparig. famlia Tupi-Guaran: Tenharim e Temb

    1. Padres fonolgicos

    Os alofones nasais discutidos aqui restrigem-se s realizaes fonticas das consoantes nasais em trs pontos de articulao: bilabial, alveolar e velar, /m, n, /,2 que mais comuns dentre as lnguas Tup. A tabela abaixo resume esses segmentos e suas respectivas representaes fonticas.

    Tabela 1. Alofones nasais.

    Os alofones nasais so geralmente definidos de acordo com a qualidade oral/nasal de vogais vizinhas, com exceo de nasais plenas que podem ou no ser condicionadas por uma vogal oral, dependendo da lngua.

    1 Agradeo a colaborao de Denny Moore, Ana Carla Bruno, and Hein van der Voort por me concederem gravaes de seus arquivos pessoais de algumas dessas lnguas. 2 A distribuio fonolgica da velar nasal [] varia de lngua para lngua; por exemplo, [] pode ocorrer tanto em posio de ataque ou de declive de slaba em Awet (EMMERICH & MONSERRAT, 1972), mas restrita posio de declive em Munduruk, e no fonmica em Gavio (MOORE, 1984).

  • Alm do condicionamente fonolgico, os alofones nasais podem tambm sofrer influncia de fronteiras morfolgicas, mas com certas diferenas; por exemplo, as mdio-nasais emergem somente em fronteira de morfema em Makurap, enquanto que em Karitiana o mesmo tipo propriedade do prprio segmento. Todos esses aspectos so discutidos nas sees seguintes.

    2. Nasais plenas

    Nasais plenas so sons nasais comuns, [m, n, ]; so frequentemente encontrados antecedendo vogais nasalizadas, mas podem tambm ocorrer em contextos orais como, por exemplo, em Awet, Munduruk, Temb e Suru. As figuras abaixo ilustram uma nasal bilabial plena [m] em Tup, tanto no incio da palavra (Figura 2), quanto intervocalicamente (Figura 3).

    Figura 2: Nasal [m] na palavra Suru [mra:] cachorro do mato.

    Figure 3: Nasal plena [m] na sequncia [ama] em Aweti [amaitu] algodo.

    Karitiana difere de outras lnguas Tup por exibir nasais plenas caracterizadas por uma exploso oral precedendo vogais nasais (DEMOLIN; HAUDE; STORTO, 2006), conforme demonstrado na Figura 4. Munduruk e Temb tambm podem apresentar um padro semelhante de realizao das nasais, mas este no to forte nem to sistemtico quanto em Karitiana.

    Figura 4: Palavra Karitiana [mbm] apertar (Figura retirada de Demolin et alli, 2006).

  • 3. Nasais ps-oralizadas

    Nasais ps-oralizadas so sequncias de nasal + oclusiva, [mb, nd, g], que resultam da falta de sincronia entre os movimentos de elevao do vu palatino e soltura da articulao oral. Esse padro serve geralmente ao propsito de evitar que a nasalidade se espalhe para uma vogal oral (MADDIESON; LADEFOGED, 1996).

    Esses segmentos fonticos formam dois padres em lnguas Tup, embora somente um desses seja descrito na literatura: o de uma nasal seguida de uma oclusiva vozeada, [mb, nd, g]. O segundo padro consiste de nasais seguidas por oclusivas surdas, [mp, nt, k].

    Sequncias [mb, nd, g] so encontradas tanto no incio da palavra, quando seguidas por vogais orais, quanto intervocalicamente, se a primeira nasal e a segunda oral. Nasais ps-oralizadas so alofones regulares em Makurap (BRAGA, 1992), Karitiana (STORTO, 1999) e Ayuru. Elas emergem intervocalicamente em Tenharin, mas somente ocasionalmente em Karo, e no ocorrem em Munduruk, Kuruaya ou Tupari (ALVES, 1991).

    As figuras a seguir ilustram casos de nasais ps-oralizadas. No padro normal, o componente nasal seguido por outro oral e vozeado, como na Figura 5, que mostra a sequncia [g].

    Figura 5: Sequncia [g].

    [] [g]

    No outro padro, h tambm uma poro oral na realizao da nasal. No entanto, a elevao do vu palatino implica em suspenso de vozeamento, enquanto a articulao oral mantida. O resultado uma sequncia como [k], mostrada na Figura 6.

    Figura 6: Sequncia [k].

    [] [k]

  • 4. Nasais pr-oralizadas

    Alofones nasais pr-oralizados so parecidos com os alofones ps-oralizados, exceto que desta vez a parte oral precede o componente nasal, conforme ilutrado na figura abaixo. Esses segmentos so encontrados em Munduruk e Karo, quando precedidos por uma vogal oral, e tambm em posio intervoclica, como ocorre em Karitiana (STORTO, 1999) e Makurap (BRAGA, 1992).

    Figura 7: Nasal pr-oralizada [bm].

    [b] [m]

    5. Mdio-nasais

    Alofones mdio-nasais consiste em uma sequncia oral + nasal + oral como, por exemplo, [bmb]. Esses sons so encontrados em algumas lnguas J (ex., Kaingang (WIESEMANN, 1978)) e em uma nica lngua Tup: Karitiana (STORTO, 1999; DEMOLIN et alli, 2006). A Figura 8 mostra um exemplo de mdio-nasal tpica em Karitiana.

    Figure 8: Karitiana mdio-nasal [ndn] em [kidnda] coisa (DEMOLIN et alli, 2006)

    Makurap tambm manifesta segmentos mdio-nasais, foneticamente semelhantes aos reportados para Karitiana, como demonstrado na Figura 9. A diferena entre as duas lnguas que as mdio-nasais de Karitiana so propriedade do prprio segmento, enquanto que em Makurap esses sons resultam de um processo morfo-fonolgico: uma oclusiva surda ao final do morfema vozeada quando seguida por uma soante (BRAGA, 1992). Assim, a sequncia [dnd] em [ndidnda] cacau resultado do composto {nit + na}, mas, do ponto de vista fontico, a sequncia idntica aos alofones de Karitiana.

  • Figura 9: Makurap [nddnda] cacau.

    [d] [n] [d]

    6. Concluso

    Em geral, as lnguas Tup exibem mais alofones nasais do que tem sido descritos para lnguas individuais. Os padres observados neste estudo so os seguintes:

    i. Nasais plenas podem ou no apresentar exploso oral.ii. Nasais pr-oralizadas so mais estveis, sendo sempre realizados como sequncias oclusi-va oral + nasal (ex., [bm]).iii. Alofones ps-oralizados, por outro lado, variam mais, especialmente em termos do com-ponente oral que pode ser vozeado (ex., [mb]) ou desvozeado (ex., [mp]).iv. Mdio-nasais so regularmente encontrados em Karitiana, mas so tambm observados em Makurap, como resultado de um processo morfo-fonolgico.v. Em todos os casos, oralizao parcial parece servir para preservar o contraste entre vogais orais e nasais.

    Referncias

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  • ORALIDADE E ESCRITA NA NUEVA CORNICA Y BUEN GOBIERNO, DE FELIPE GUAMN POMA

    DE AYALA UM GNERO QUE EMERGE NAS DOBRAS DA CONQUISTA DA AMRICA

    RESUMO: Este estudo pretende mostrar algumas caractersticas do desenvolvimento e da criao da Nueva Cornica y Buen Gobierno de Felipe Guamn Poma de Ayala uma crnica alternativa s crnicas de autores europeus, escrita por um ndio ladino, que ao longo de sua vida, foi intrprete, escrivo, informante etc., viajando por todo o vice-reinado do Peru e compilando as narrativas orais de diversos povos, cumprindo tambm o papel de etngrafo. Ao escrever do lugar de indgena, oferecendo-nos uma descrio densa das prticas culturais pr-colombianas e mudando a perspectiva dos objetivos unicamente pessoais para a perspectiva das necessidades coletivas, Guamn Poma interferiu no contedo do gnero crnica, alterando-o e nele instaurando outra contingncia ideolgica. O autor andino se apropriou de vrios tipos de discurso que circulavam na colnia, no sculo XVI e inseriu desenhos, feitos por ele, mesclando as iconografias crist e andina, com o objetivo de reivindicar justia e a implementao do que poderia vir a ser um bom governo. Alm disso, inseriu em sua obra glossas de mais de dez lnguas nativas, chamando a ateno para a diversidade cultural do mundo andino. Ao faz-lo, Guamn Poma inaugurou um gnero, um lugar e identidades hbridos que, acima de tudo, representa um ato de resistncia e subverso ordem colonial que se estabelecia como hegemnica.

    PALAVRAS-CHAVE: crnica; resistncia; oralidade; escrita

    Giane da Silva Mariano LESSA (UNIRIO/UFRRJ)

  • Anais do II Congresso Internacional de Estudos Lingusticos e Literrios na Amaznia (CIELLA)

    490 Volume 2

    1. Introduo

    Estima-se que a Nueva cornica y Buen Gobierno terminou de ser escrita em 1615 (Adorno, 1991), configurando-se como um dos mais raros e provavelmente o mais importante documento escrito por indgenas que produziram sua verso da conquista, entre os quais se destacam Titu Cusi Yupanqui e o mestio Inca Garcilazo de La Vega. Essa crnica, alternativa s dos cronistas espanhis, cujos lugares de enunciao e perspectiva tnica lhe eram opostos, tem 1200 pginas, das quais 398 so desenhos feitos pelo prprio autor (ALFARO, s/d.).

    Guamn Poma terminou de escrever sua obra por volta dos 80 anos de idade e partiu a p de Huamanga, serra peruana, em direo a Lima para entregar seu manuscrito s autoridades competentes e pedir licena para sua publicao (QUISPE-AGNOLI, 2006).

    Felipe Guamn Poma de Ayala, por um lado foi privilegiado por ter pertencido a uma elite local, por outro, por sua capacidade de falar vrios idiomas nativos, aprendeu o castelhano e ocupou o posto de intrprete da Conquista.

    Foi essa habilidade um dos fatores que viabilizou, ao final de sua vida, a escrita de sua prpria crnica, com objetivos entre os quais se destacam:

    1) preservar a memria indgena e registrar sua verso dos acontecimentos:[...] la dicha historia es muy verdadera como conviene al sujeto y personas de quienes trata y que adems del servicio de vuestra magestad, que resultar {de} imprimirse la dicha historia comenzndose a celebrar y hacer inmortal la memoria y nombre de los grandes seores antepasados, nuestros abuelos como lo merecieron sus hazaas () (POMA DE AYALA, 2005, p. 13);

    2) instaurar um debate sobre a natureza humana dos ndios e sua cristandade, legitimando-as:Y otros dijeron que los indios eran salvajes animales, si as fuera no tuvieran la ley ni oracin ni hbito de Adn y fueran como caballos y bestias, y no conoceran al Creador, ni tuvieran sementeras y casas y armas, fortalezas, y leyes y ordenanzas y conocimiento de Dios, y tan santa entrada. (IBIDEM, p. 50);

    3) denunciar, por meio da escrita e de desenhos, as prticas que se diziam crists e no o eram:() los espaoles, teniendo {estos} letra y voz de profetas y de patriarcas, apstoles, evangelistas y santos, ensendoles as mismo la Santa Madre Iglesia de Roma, yerran y mienten con la codicia de la plata, no siguen por la ley de Dios ni del Evangelio ni de la predicacin. Y de los dichos espaoles se ensean los dichos indios de este reino malas costumbres () (IBIDEM, p. 52).

    4) dar a conhecer as prticas culturais e saberes desconhecidos pelos espanhis:[...] contaban los domingos diez das, y un ao, y los meses de la luna treinta das, y miraban el andar del sol, y el ruedo del sol y luna, sembrar la sementera coger el fruto y romper la tierra, y podar, y regar, y de otros beneficios que se hacen entendan los filsofos y astrlogos indios; y de ello hasta hoy los entienden los viejos y los mozos () lo supieron por quipos, cordeles y seas, habilidad de indio (IBIDEM, p. 58).

    5) propor o que poderia vir a ser um bom governo: y as esta crnica es para todo el mundo y cristiandad hasta los infieles se debe varlo para la dicha buena justicia y polica y ley del mundo (POMA DE AYALA, 2005, p. 941).

    No se sabe como, a Nueva Cornica y Buen Gobierno chegou Espanha e de l foi levada para a Biblioteca Real da Dinamarca. Em 1908 o pesquisador dinamarqus Richard Pietschrman a descobriu e a deu a conhecer ao mundo. Em 1936 foi publicado um facsmile da obra em Paris. A crnica s comeou a ser estudada, portanto, na segunda metade do sculo XX e somente nas duas ltimas dcadas ingressa na academia (Adorno 2002).

    2. O gnero crnica

    Na idade Mdia, convencionou-se chamar crnicas a um conjunto de textos histricos, que relatavam os grandes feitos dos monarcas. A origem das crnicas e da histria medieval se encontra nos pleitos judiciais relativos propriedade da terra, em que se viram envolvidos os mosteiros medievais.

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    Tema geral: Lnguas e Literaturas: diversidade e Adversidades na Amrica Latina

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    No sculo XVI, essa denominao adquiriu outro significado, caracterizando uma iniciativa particular, com fins polticos pessoais, que tinha como objetivo levar a informao mais completa possvel sobre o que ocorria nas ndias. As crnicas constituam relatos epistolares, estruturados por um conjunto de operaes retricas, em que os acontecimentos eram recriados numa estrutura narrativa; conformando, portanto, exemplos de testemunhos, que serviam de provas das faanhas dos seus protagonistas, dirigidas ao rei (Gonzles Boixo, 1999).

    Os cronistas no tinham propriamente a inteno de fazer histria ou produzir criao literria, embora esses textos possam ser estudados dos pontos de vistas literrio e/ou histrico. Ao reivindicar autoridade de seus testemunhos e fornecer informao sobre as colnias, eles procuravam persuadir e influenciar seus destinatrios para a obteno de prestgio, terras, bens e posies polticas. De acordo com Binotti (1992) as crnicas so textos muito marcados ideologicamente, no sentido de que seu discurso sempre tem uma finalidade pragmtica de persuaso ou de justificativa. Seus autores usavam estratgias retricas para engrandecer seus mritos pessoais com a finalidade de obter recompensas. As crnicas se configuravam, portanto, como um processo de contnua re-escritura, marcada por uma manipulao ideolgica constante (BINOTTI, 1992).

    O gnero crnica chegou Amrica, com os colonizadores, junto com todo o arcabouo simblico e ideolgico que destacava a escrita como um valor de inquestionvel superioridade cultural fronteira que separava povos civilizados de incivilizados, cristos de hereges, e estabelecia uma hierarquia cultural e social que, em ltima instncia justificava e legitimava a dominao.

    Unindo indissoluvelmente a palavra sagrada escrita, o cenrio letrado na poca da conquista se apresentava por um lado como um conjunto de narrativas e, por outro, como um conjunto de documentos produzidos por letrados e juristas, de modo que as crnicas muitas vezes se constituam como cartas legais, reunindo textos jurdicos de vrias naturezas (QUISPE-AGNOLI, 2006, p. 213).

    Guamn Poma conheceu as obras dos cronistas espanhis, utilizando-as, inclusive, como fontes escritas, reproduzindo fragmentos da verso de alguns cronistas como Augustn de Zrate, baseando-se nos textos de Frei Bartolom de Las Casas, criticando autores como Domingo de Santo Toms etc., (PEASE apud POMA DE AYALA, 2005). Desse modo, o autor andino apresenta um discurso crtico, unindo vrios discursos de ordem legal e crist.

    Guamn Poma se apropriou do gnero, mas o alterou, na medida que compilou e introduziu as narrativas orais dos povos indgenas:

    por relaciones y testigos de vista que se tom de las cuatro partes de estos reinos, () a unas historias sin escritura no ms de por los quipos y memorias y relaciones de los indios antiguos de muy viejos y viejas, sabios, testigos de vista para que den fe de ello (Poma de Ayala, 2005, p. 13).

    epara sacar en limpio estas dichas historias hube tanto trabajo por ser sin escrito ni letra alguna sino noms de quipos y relaciones de muchos lenguajes, ajuntando con la canche, cana, charca, chinchaysuyo, andesuyo, collasuyo, condesuyo, todos los vocablos de indios, que pas tanto trabajo por ser servicio de Dios nuestro seor y de su sacra catlica magestad rey don Felipe el tercero (Ibidem, p. 17).

    Outros exemplos de fontes orais se encontram na transcrio de lnguas indgenas: Escog la lengua e fracis castellana, aymara, colla, puquina, conde, yunga, quchua, inga, uanca, chinchaysuyo, yauyo, andesuyo, condesuyo, collasuyo, caari, cayampi, quito (POMA DE AYALA, 2005, p. 17), exemplificadas nos glossrios que o autor insere ao longo de sua escritura: Diciembre. Cpac Inti Raymi. Que en este mes hacan la gran fiesta y pascua solemne del sol, que como dicho es, que todo el cielo de los planetas y estrellas, y cuanto hay es rey el sol; y as Cpac quiere decir rey, Inti: sol, raymi: gran pascua [...](IBIDEM, p. 192).

    Ao mudar a perspectiva dos objetivos unicamente pessoais para a perspectiva das necessidades coletivas, Guamn Poma interferiu no contedo do gnero crnica, alterando-o e nele instaurando outra contingncia ideolgica. A mudana fundamental que diferencia, porm, a Nueva cornica y Buen Gobierno das demais crnicas da poca, inclusive das crnicas de outros indgenas, a insero do

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    registro iconogrfico nos desenhos, consolidando o esforo de interculturalidade e dando a conhecer um simbolismo abstrato, incompreensvel para o pblico europeu. Nesses desenhos ele mistura cdigos artsticos europeus e iconografia crist com iconografia quchua (ADORNO, 1987).

    Os desenhos, alm de denunciar injustias, descrever e narrar a histria dos povos pr-colombianos e colonial, apresentam os sistemas de notao andinas: os quipus e os tocapus. Os primeiros eram cordes que combinavam tamanho, espessura, distncia, quantidade de ns, distncia e espessura dos ns, cores, comprimento para produzir significados. Eles se distinguiam em quipus contveis e estatsticos e quipus narrativos. Havia ledores de quipus que interpretavam essas combinaes, eram homens velhos os quipucamayoc. Os segundos eram as formas geomtricas compostas em molduras quadradas ou retangulares dos tecidos e vestidos que expressavam conceitos diferentes, como: estratgias de guerra, lugares mticos, diferenciavam classes sociais e as categorias a que pertenciam e sua significao podia mudar com o contexto (QUISPE-AGNOLI, 2006).

    O autor indgena narrou as histrias dos povos andinos, que conformavam o repertrio de narrativas annimas, saberes, tradies, formas de ser e estar no mundo, incorporando a eles cosmoviso e categorias culturais ocidentais, incorrendo, consequentemente, num processo de transculturao. Esse ato se configura como um de seus legados: o processo de elaborao da crnica em si um patrimnio intangvel que carrega outros tipos de patrimnios, frutos da mescla, do dilogo entre culturas que um ndio se disps a estabelecer, transfigurando-se no patrimnio fsico: o livro.

    As mudanas que ocorreram no registro de lngua e culturas grafas para o texto alfabtico acabaram por resultar em transformao e hibridismo. A Nueva Cornica y Buen Gobierno emerge desse cruzamento de saberes, da integrao da nova lngua, inscrevendo-os no gnero crnica, que, como ressaltado anteriormente, cumpria funes comunicativas, sociais e polticas especficas. Ao escrever sua crnica de outro lugar de enunciao, Guamn Poma alterou aquelas funes comunicativas, subvertendo a ordem discursiva que imperava naquele contexto. Nessa pugna dialgica, vale lembrar que

    em toda sociedade a produo do discurso ao mesmo tempo controlada, selecionada e redistribuda por certo nmero de procedimentos que tm por funo conjurar seus poderes e perigos, dominar seu conhecimento aleatrio, esquivar sua pesada e temvel materialidade (Foucault, 2000, ps. 8 e 9).

    Nesse sentido, Guamn Poma subverte o poder retirando do hegemnico os elementos que contriburam decisivamente para que ele pudesse construir as bases de um ato contra-hegemnico. O gnero que Guamn Poma inaugura emerge dos e nos conflitos de foras emanadas das culturas em confronto, dos equvocos inerentes traduo dessas culturas e lnguas to distantes e, sobretudo, da tenso gerada entre a oralidade e a escrita e todo seu arcabouo simblico e ideolgico. Como memria, a crnica emerge tambm como resistncia s prticas coloniais que naturalizavam seus valores e categorias culturais como sinnimos de civilizao, em detrimento dos valores dos povos subalternizados, caracterizando-os como inferiores, destitudos de tudo o que lhes poderia conferir civilidade.

    3. Oralidade X escrita

    Ao mesmo tempo em que adquiria valor cultural e histrico, a escrita se associava ao sagrado, assumindo o papel de portadora da voz divina e se estabelecia como verdade, que em ltima instncia, servia ideologicamente consolidao do poder poltico colonial na Amrica. A superioridade que a escrita adquiria sobre a oralidade foi um dos fatores usados para justificar a dominao (LA ROSA, 1995/1996). Essa premissa se alinhava s demais diferenas culturais e aos sucessivos equvocos de interpretao que ocorriam entre as culturas espanholas e as administradas pelo Imprio Inca, conduzindo muitas vezes indivduos tortura e morte.

    Possivelmente, a cena em que o rei Atahualpa foi morto porque no pde ouvir o que dizia o livro sagrado cristo, atirando-o ao cho, a que melhor ilustra o fosso entre as culturas espanhola e a incaica: o encontro de cristos-espanhis com o penltimo descendente da monarqua inca, o

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    Tema geral: Lnguas e Literaturas: diversidade e Adversidades na Amrica Latina

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    rei Atahualpa, adquiriu dimenses legendrias de coragem, astcia e terror no mundo ocidental, e significou uma ruptura abrupta, violenta e irreversvel [...] (SUBIRATS, 1994, p. 202).

    O rei Atahualpa foi condenado morte aps ter atirado o livro sagrado cristo ao cho, porque este no lhe dizia nada. Essa histria ilustra tambm a diferena extrema entre as formas de registro que se confrontavam: oralidade e escrita, que, segundo Pacheco (1992) constituindo uma pugna secular na Amrica Latina.

    A escrita suplantava violentamente a oralidade e as formas de notao andinas, como sinnimo da palavra divina e poder. E era por meio desse novo tipo de notao que os ndios perdiam suas terras, eram condenados morte e tinham suas culturas aniquiladas.

    Guamn Poma compreendeu e se apropriou da ideia medieval de livro: uma arca de depsito na qual se depositam aquelas coisas que pertencem informao e claridade de entendimento, para significar informao essencial ou coisas ou figuras (VENEGAS, 1540/1983 apud Quispe-Agnoli, 2006, p. 162. Compreendeu tambm que esse objeto era sagrado e poderoso, pois a escritura sagrada era fruto das prticas ideolgicas crists da Conquista. Compreendeu por fim que, para os espanhis, a escritura era o nico meio que podia fazer durar no tempo e no espao e que

    ao estar fixada num recipiente ou portador de signos tangveis, serve para preservar a memria do esquecimento, d permanncia ao conhecimiento e cumpre assim a funo histrica de relacionar passado, presente e futuro. Alm disso, d coerncia e ordena a informao (QUISPE-AGNOLI, 2006, p. 157).

    Guamn Poma vai fixar, portanto, as memrias dos povos andinos e suas reivindicaes entrelaando oralidade e escrita. importante ressaltar, entretanto, que a oralidade no se insere no discurso de Guamn Poma, meramente como reflexo das culturas andinas, como os desenhos, invocaes, oraes em lngua indgena, cantos que remetem a rituais etc. O autor mistura essas oralidades com outros gneros orais coloniais, tais como: eclesisticos: missas, sermes, oraes; seculares: dilogos entre diferentes personagens espanhis e ndios; interrogatrios com o objetivo de produzir testemunhos (QUISPE-AGNOLI, 2006, p. 222).

    A introduo, tanto de prticas culturais e narrativas orais, quanto de glossas em outras lnguas insere a multiplicidade de vozes, traduzindo e dando a conhecer aos espanhis e ao mundo ocidental uma nova viso e organizao de mundo, diferentes categorias culturais, saberes e conhecimentos. Esses fatores operam como recursos argumentativos em favor dos ndios, como construtos identitrios e como construo e registro de memria.

    Ao inserir vrios aspectos da oralidade em sua crnica, Guamn Poma fora a escrita, abrindo lugar para as narrativas e sistemas de notaes andinos, causando estranheza e, ao mesmo tempo, compelindo o leitor a buscar compreenso para aquilo que sua viso ocidental no tem alcance.

    Lembrando que as maneiras de resistir vo variar conforme os modos pelos quais o poder impe cdigos de assujeitamento (GONDAR, 2003, p. 35), Guamn Poma se apropriou da tecnologia da escrita, utilizando o mesmo instrumento e tecnologia que serviram para justificar e instituir a nova ordem para denunciar o abuso de poder.

    Ao apoderar-se dos meios de registro e dos saberes necessrios para escrever um livro, Guamn Poma se desloca de seu lugar subalterno para um outro lugar: o lugar da ao, da interveno, da mudana, devolvendo ao contexto da poca o gnero crnica transformado e alterado com as inscries do Novo Mundo.

    A crnica de Guamn Poma se apresenta, portanto, como resistncia, alterando concepes de mundo, misturando saberes, dobrando-se e emergindo no inesperado, ali onde no se havia previsto, incorporando saberes exticos aos seus, devolvendo-os removidos, recriados, produzindo um novo conhecimento sobre si mesmo e sobre os colonizadores. Guamn Poma emerge como subjetividade nos interstcios do poder e sua crnica insurge ali onde se d a dobra, a fissura do poder (DELEUZE, 1996).

    A fora criadora de Guamn Poma surge na necessidade de produzir novos significados sobre o passado e sobre o presente, projetando-se para o futuro, isto , no seu esforo para que

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    houvesse vida futura. O autor indgena penetrou e deixou-se penetrar pela nova ordem, na cultura que se impunha, construindo memrias hbridas, dobrando as foras da conquista e da inquisio.

    4. Algumas consideraes

    No contexto em que vivemos atualmente, a produo de conhecimento intercultural insurge em meio s foras opressivas do Imprio (HARDT, M. & NEGRI, 2002) e as demandas coercivas do Globaritarismo (SANTOS, 2000) e os conflitos por elas gerados, por isso que

    em tempos de crise identitria e da quebra, agora definitiva, da onipotncia do conhecimento acadmico para a soluo de problemas sociais bsicos, preciso buscar [na memria de Guamn Poma, por exemplo] novas snteses entre saberes. No se trata mais de estudar a natureza do homem primitivo ou os produtos da ignorncia popular, mas de reconhecer o saber quase clandestinamente oculto nas entrelinhas de nossas narrativas populares, numa postura de abertura para aprender com o outro1.

    E por essa razo que a crnica de Guamn Poma repercute e incide no presente, como exerccio de deslocamento de nossos lugares, de transgresso e rupturas de fronteiras e de hibridismo e como exerccio da diferena e respeito diferena. Mas no s, fundamental ressaltar o enfrentamento entre saberes ocidentais e indgenas no debate instaurado por Guamn Poma e que nessa instncia dialgica, novos saberes so produzidos sobre as culturas envolvidas. Nesse sentido, resistir produzir conhecimento sobre o outro e sobre si mesmo, descolonizando o olhar sobre a realidade que se quer descrever e compreender.

    Podemos pensar a escrita da crnica como um gesto que nos permite escolher a mudana e a re-criao de ns mesmos como instrumento de ao, como instrumento de projeto de futuro. Essa obra, adormecida durante 3 sculos parece ter acordado para fazer-nos despertar e nos incita a resistir de forma criativa, a perguntar sobre outras temporalidades e saberes possveis e a experimentar outras formas de ser e estar no mundo.

    Referncias

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    1 Nestor Ganduglia in http://es.geocities.com/uruguayoculto/magico/montevideo1.htm, vivitado em 25/03/2009

  • Volume 2

    Tema geral: Lnguas e Literaturas: diversidade e Adversidades na Amrica Latina

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    QUISPE-AGNOLLI, Roco. La fe andina en la escritura: resistencia e identidad en la obra de Guamn Poma de Ayala. Lima: Fondo Editorial UNMSM, 2006.

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  • LNGUA PORTUGUESA COMO UMA LNGUA ESTRANGEIRA: REFLEXES DE

    UMA EXPERINCIA COM UM ALUNO INDIANO

    Gilmara dos Reis RIBEIRO1 Maria Luiza F. da Silva PIMENTEL2

    (Universidade Federal do Par/Campus de Santarm)

    1 Acadmica do 8 semestre do curso de Letras, da Universidade Federal do Par. Professora experimental de Lngua Portuguesa para estrangeiro. E-mail: [email protected] Professora de Lngua Portuguesa, Lingustica e Especialista em Lngua Inglesa da Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Par. Orientadora do presente Artigo. E-mail: [email protected].

    RESUMO: O presente artigo aborda a experincia da aplicao do ensino de lngua portuguesa, para um aluno indiano, fazendo uma reflexo sobre as possveis abordagens adotadas para essa aplicao, em um curto perodo de dois meses de aula. A importncia desse artigo d-se por tecer possveis vieses entre a teoria aprendida no Curso de Licenciatura Plena em Letras e a prtica do ensino de Portugus, como lngua estrangeira.

    PALAVRAS-CHAVE: Portugus; Estrangeiro; Ensino; Aprendizagem; Reflexo.

    ABSTRACT: This paper shows as experience of the application of the Portuguese language teaching as a foreign language for an Indian student. This experience was done in two months. So this article is important because it can show an experience which the teacher did not have any practice with the Portuguese language teaching as a foreign language but she could transfer her linguistic knowledge acquired in the academy to her practice with the Indian student.

    KEY WORDS: Portuguese; Foreigner; Learning-teaching; Reflection.

  • Anais do II Congresso Internacional de Estudos Lingusticos e Literrios na Amaznia (CIELLA)

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    1. Introduo

    A iniciativa de dar aula de portugus para estrangeiro surgiu pela necessidade de auxiliar um missionrio indiano a se familiarizar com a lngua dos falantes com os quais passaria a conviver, neste caso, os brasileiros.

    A proposta ento foi oferecer aulas de portugus de segunda-feira a sbado, com durao de duas horas de aula por dia, num curto perodo de dois meses de aulas, a fim de ensinar o idioma ao aprendiz de forma objetiva para que apresentasse resultados imediatos, haja vista, este ter de viajar sozinho para Braslia para fazer um curso intensivo de Lngua Portuguesa, o que urgia o reconhecimento bsico da lngua, ento o alvo almejado pelo aluno que determinou as bases do curso (KUNZENDORFF, 1997, p.32).

    O objetivo de propor essas aulas com a ajuda de um falante de Lngua Portuguesa sem o intermdio de uma lngua comum ao conhecimento do aluno e do professor foi justamente o de estabelecer o contato direta e integralmente com o idioma a se estudar, a fim de que o aluno fosse mais motivado a querer aprender o portugus e compreend-lo de imediato.

    A princpio a ideia de dar aula de portugus para estrangeiro pareceu-me assustadora, pois pensei na dificuldade que seria trabalhar as aulas sem saber se o aluno estaria entendendo, e em como falar de modo que o ajudasse a conhecer a Lngua Portuguesa. As expectativas dele tambm no ficaram atrs, uma vez que depositava em mim uma esperana de ajud-lo a se comunicar, e por este vis, ajud-lo a se relacionar com seus companheiros de casa. A expectativa de suprir essa necessidade bsica do indivduo foi o que mais me assustou.

    A primeira dificuldade encontrada foi em eu no saber falar o ingls, lngua de domnio do aluno, e, depois disso, a dificuldade com a falta da prtica pedaggica, por no saber por onde comear. Posteriormente, o dilema: Como ensinar Lngua Portuguesa sem tornar o ensino gramaticalista, tendo em vista o que discutimos na academia sobre a inviabilidade desse mtodo?

    2. Aplicao do ensino de Lngua Portuguesa para o estrangeiro indiano: relato

    As aulas de portugus para o indiano tiveram a durao de dois meses (oito semanas), somando o equivalente a noventa e seis horas (96 h/a). Os assuntos foram abordados conforme a necessidade comunicativa do aprendiz, a saber: a apresentao do aluno, as letras do alfabeto e seus respectivos fonemas, as classes de palavras (verbo, preposio, pronomes pessoais, etc.) e textos de grau de dificuldade simples.

    Na primeira semana trabalhamos a construo de dilogos, os quais continham perguntas sobre o aluno para que medida que fossem lidas e respondidas por ele, pudessem ser preenchidos os textos, como por exemplo, o Dilogo de Apresentao, partindo do princpio de que o aluno um falante, e como tal conhece as estruturas bsicas de uma lngua. O resultado disso dependeu um pouco da boa percepo do aluno que observando gestos ou palavras-transparentes pde compreender o contexto e corresponder ao que foi proposto, neste caso, a apresentao.

    Aps explicar a estrutura do dilogo de apresentao e pratic-lo, passamos verificao do reconhecimento do alfabeto por parte do aluno, que demonstrou estranheza quanto s letras d, j, z e x (grifo nosso) e a relao destas com seus respectivos fonemas. O que precisou que trabalhssemos a escuta e a repetio dos referidos fonemas, e exigiu dele certa ateno e empenho para exercitar o fonemas durante e depois das aulas. Por outro lado, percebi que apesar de possuir dificuldades para pronunciar esses fonemas, o aprendiz de Lngua Portuguesa conseguia ler, mesmo que no soubesse o significado do que lia.

    Tendo em vista que o aluno estrangeiro foi um professor de lngua inglesa no seu pas de origem, o que facilitou o aprendizado e o tornou aluno-exemplo, at diria autodidata, por ter conhecimentos bsicos do funcionamento de uma lngua, foi preciso apenas trabalhar a variedade dos fonemas das letras dentro do texto. Para isso, tive como base a obra de Guilhermina Corra (1998,

  • Volume 2

    Tema geral: Lnguas e Literaturas: diversidade e Adversidades na Amrica Latina

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    p. 12), que orienta a trabalhar o ensino de lngua partindo do mais complexo para o mais simples e depois percorrer o caminho inverso, ou seja, partir do texto s letras, depois ao contrrio, explorando a as ocorrncias fonmicas. Apesar da obra de Corra (1998) ser voltada para a alfabetizao de lngua materna, essa dinmica do ensino de lngua foi vlido para tornar as aulas menos exaustivas e frustrantes.

    Alm disso, estudamos textos do tipo dilogo e narraes, esmiuando-os a fim de demonstrar a finalidade comunicativa.

    Nesse momento, pareceu crucial abordar classes gramaticais, em especial os verbos, imprescindveis para a construo textual e os pronomes pessoais presentes no texto citado.

    O estudo dos textos abordados seguiu conforme necessidade de comunicao do aluno, e sua urgncia em reconhecer, como por exemplo, os verbos ser e estar, falar, rezar, morar, etc., bem como as outras classes de palavras. Trabalhamos dos textos s pequenas sentenas e das sentenas aos textos de dilogos e narrativas, sem cairmos na superficialidade da lngua. Devido ao curto tempo de estudo, nas aulas abordamos como atividades de fixao apenas sentenas e textos simples e a produo de textos, como narrao de fatos vivenciados, descrio de ambiente do pas de origem do aluno, etc., e no pudemos adentrar na explorao de textos complexos, como orienta Corra (1998, p. 12).

    De acordo com Soares (1991, apud CUNHA, 2002, p.108-9), necessrio para a produo textual, abordar situaes usuais, escrever aquilo que usado na coloquialidade e realizar uma abordagem gramatical vinculada ao uso da lngua. Dessa forma, o aluno estrangeiro precisa ser motivado a ter clareza acerca do seu objetivo comunicativo, sua inteno ao escrever e depois falar, ou vice-versa, tendo sempre em vista o seu interlocutor para qual a enunciao dirigida.

    A primeira semana de aulas foi um pouco difcil para o aluno indiano porque ele conhecia da Lngua Portuguesa poucas palavras e suas classes, o que resultou, por exemplo, na dificuldade em se expressar por desconhecer verbos e seus tempos, mas medida que avanvamos no estudo a comunicao se tornava melhor, pois com o passar das aulas o aluno ampliava seu repertrio lexical de Lngua Portuguesa.

    No nos detemos s questes da lngua que no eram necessrias, como o uso dos sinais de pontuao, os quais so de seu conhecimento, haja vista que tnhamos apenas dois meses de aula.

    O mtodo trabalhado tambm teve como base o livro didtico Falar... Ler...Escrever portugus: um curso para estrangeiros de Emma E. O. F Lima e Samira A. Iunes, publicado em 1999 pela editora EPU, que consiste na explorao do texto oral e escrito.

    A partir dessa obra que tem a inteno de proporcionar a um pblico estrangeiro um mtodo ativo, situacional para a aprendizagem da lngua portuguesa, visando compreenso e expresso oral e escrita em nvel de linguagem coloquial correta (LIMA; IUNES; 1999, p.9), trabalhamos as aulas apenas as adaptando realidade do aluno e evitamos trabalhar atividades de mero preenchimento de lacunas, atentando, por este vis, para a necessidade de ele exercitar o que aprendia para que se defrontasse com suas dificuldades, para ento as trabalharmos, afinal preciso conhecer o problema e buscar solucion-lo. Apesar de nas aulas serem produzidas apenas sentenas e textos de grau de dificuldade simples, estes, no entanto, foram produzidos pelo aluno evidenciando a sua realidade e necessidade comunicativa.

    Ainda em relao s classes gramaticais, estas foram conduzidas levando em considerao a funo de sentido (semntica) que desempenham em cada texto, uma vez que os contextos influenciam no sentido delas, da no d para se trabalhar regras fechadas de conceituao, salvo raras excees. Dessa forma, seguimos o mtodo de abordagem das classes gramaticais inseridas no corpo dos textos, utilizando em vez da memorizao de regras e sua aplicao, a explor