Anabela Procura e Acha Muito Mais do que Procura.docx

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Anabela procura e acha... mais do que procura. Flávia Savary Personagens Anabela Terno Zé das Couves Arvore Amendoeira Faceira Delegado Bumbanella Nestor, o ventilador Juca, o domedario Nadia, a cobra Esfinge Princesa Aurora Mestre Sala e Dependências/Mensageiro Dono da Porteira/Juiz Hermengarda Muié rendeira Boneca Homem da Capa Preta (Está anoitecendo. Na penumbra do palco, há vários brinquedos de menina, casa que imita desenho de criança com cerquinha, um carrinho de bebê de brinquedo. Anabela brinca de casinha, com sua boneca, põe sua filhinha pra dormir e sai.)

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Anabela procura e acha... mais do que procura.Flvia Savary

PersonagensAnabelaTernoZ das CouvesArvoreAmendoeira FaceiraDelegado BumbanellaNestor, o ventiladorJuca, o domedarioNadia, a cobraEsfingePrincesa AuroraMestre Sala e Dependncias/MensageiroDono da Porteira/JuizHermengardaMui rendeiraBonecaHomem da Capa Preta(Est anoitecendo. Na penumbra do palco, h vrios brinquedos de menina, casa que imita desenho de criana com cerquinha, um carrinho de beb de brinquedo. Anabela brinca de casinha, com sua boneca, pe sua filhinha pra dormir e sai.) RVORENo faz-de-contaDa casa de boneca,Uma vida se monta,Pea por pea.MENDOEIRA FACEIRACom amor e emoo,Mesmo sendo imitao:A me-menina Cuidando da casa.RVOREO fogozinho de lataCom a chama de prata.A cortina floridaDe chita de barata.MENDOEIRA FACEIRAA menina de pano,Que dorme roncando.BONECA(Solta um ronco, seguido de um assobio). HOMEM DA CAPA PRETA(Com um assobio igual responde, como se fosse um eco, da coxia).BONECA(Desperta)HOMEM DA CAPA PRETA (Entra em cena em volto numa capa escura). BONECA ! e suspira HOMEM DA CAPA PRETA(Ele responde com outro suspiro. Segue-se um dialogo muito curto, todo em suspiros. Os dois partem juntos.) RVORESuspiro tambm vento.MENDOEIRA FACEIRAVento tambm suspiroVento vai levando.E o dia vem vindo.(Amanhece. Luzes alaranjadas, amareladas e, finalmente, a neutra. Anabela entra pelo fundo do palco, segurando uma margarida)ANABELABem-me-quer, malmequer, Bem-me-quer, malmequer Bem-me-quer, malmequer ....Que lindo dia! Acorde, minha filha preguiosa. O sol j nasceu! Minha filha dormiu do lado de fora! E foi sequestrada! Socorro, sequestraram minha filhinha!(Comea a chorar. E tome choro. Nisso, entra Z das Couves. uma mistura de retirante, Jeca Tatu e caipira de festa junina: dentes pintados de preto na frente, olheiras roxas, cala pescando siri esfiapada na bainha e amarrada com uma corda na cintura, chapu e sandlias de couro nordestino e camiseta furada de malha branca onde se l, Pra vereador, voc em Raimundo bode assado pra todo mundo. Como tambm o contrarregra, traz uma enorme mala de couro de onde tira objetos de cena. Se necessrio, carregar ainda uma trouxa de lenol.)Z DAS COUVES(Entra segurando o chapu contra o peito, numa atitude humilde. Para a plateia.) - Cena? Aqui que a pea de Dona Anabela? (Olha para trs e v a menina chorando.) Ih, j comeou. Isso que d viajar de jegue. (Pondo e tirando o chapu, num cumprimento.) Dona Anabela, meu nome Z das Couves, seu criado. (Ela continua chorando, como se no o tivesse visto.) essa menina, no chore assim! Olhe, eu sou um moo vivido, batido pela seca, combatente de carcar e posso lhe ajudar. ( medida que fala e ignorado por Anabela, comea a ficar manhoso e chora tambm reclamando do que supe ser uma rejeio. Voltando para a plateia.) To vendo? S porque eu sou simplesinho, ela finge que nem em v. (Cantando.) Ningum me ama, ningum me quer, ningum me chama de Bodelro. E essa fome agora, num sabe? (Para a plateia.) Cs no tm uma pipoquinha pra me emprestar, no? s emprestada, viu? Um quadradinho de chocolate... (Anabela se levanta.) Depois eu pego. Agora, vai falar a menina. (Senta sobre a mala.)ANABELAJ sei! As rvores viram tudo. Elas podem me dizer como era o ladro e pra que lado ele foi. Depois, s procurar o delegado, que ele me ajuda a recuperar minha filha. Vou perguntar pra elas. (Dirigindo-se segunda rvore. Cumprimenta-a com uma mesura.) Bom dia, Amendoeira Faceira. Estou tentando achar alguma pista do bandido que sequestrou minha filhinha. A senhora, que no dorme no ponto, por acaso no o viu passando por aqui esta noite?

MENDOEIRA FACEIRABom dia, Anabela. Vi, vi sim. Ele passou bem pertinho de mim: era alto, forte, musculoso um homem muito vistoso.(A outra rvore ser mete na conversa.)RVORE (Com pose aristocrtica) No, no e no! No essa a descrio. Nada est certo na informao: ele era baixo, murcho, franzino um tipo muito mofino.TODOS (Inclusive Z.) Mofino???Z DAS COUVES Valei-me, meu Santo Aurlio! (Abre a mala, tira um dicionrio e consulta.) Moer... mofado... mofento... Mofino = infeliz, desgraado, mesquinho, sovina, acanhado, covarde. Credo, que figura esquisita deve ser esse sujeito! (Guarda o dicionrio na mala.)MENDOEIRA FACEIRA (Continuando como se no tivesse ouvido.) Quanto a no dormir no ponto, eis a verdade nua e crua: essa a s vive no mundo da lua. No toa que quem segura o sol, sou eu. A lua? Vai sempre pro outro lado da rua. (Gesto de desprezo em relao outra rvore.)RVORE (Falando baixinho, s pra menina.) Coitada, ela assim porque fresca: a prefeitura plantou-a na sexta-feira. Ainda nem deitou razes e j se acha a dona da praa. Vai por mim, menina. Eu prestei ateno bea. Dei direitinho a ficha do estranho eu levou sua filha. E usava uma capa preta.ANABELA O homem da capa preta! Que horror! Ai, minha filhinha, tenho que acha-la depressa. Obrigada, dona rvore, vou correndo delegacia! (Vai saindo, mas volta. Z faz que vai junto e volta tambm. Ela, baixinho.) Pode deixar que, na prxima vez, entrego o sol pra senhora.MENDOEIRA FACEIRANem precisa esquentar a cabea. A lua mais romntica, a lua dos poetas. (Suspira.)ANABELA Muito bem, isso mesmo! Cada um deve dar valor ao que tem. Adeus, dona Amendoeira. At a volta! (rvore puxa um leno do decote, enxuga uma lgrima e d adeus com o leno. Anabela ameaa sair, Z segue atrs, mas volta, ao lembrar uma coisa.)Z DAS COUVES (Cansado de levar a mala pra l e pra c.) xente, decide, essa menina, se vai ou se fica!ANABELA O retrato! Esqueci de pegar o retrato da minha filha!( um retrato grande, feito de pano: na frente da paisagem pintada, como se fosse uma foto ao ar livre, est uma boneca, igual atriz, presa por velcro.)ANABELA Ai, que boneca! Olha que coisa mais linda, mais cheia de graa... (Comea a dar vontade de chorar de novo.) Nada disso, nada de choro: minha filhinha precisa de mim! Agora eu vou mesmo. Adeus! (Z desanimado, pensa que ela vai voltar e, quando percebe que pra valer, sai correndo atrs dela.)(Caminho da delegacia. Observao: a cada entrada de Anabela em cena, algum detalhe da sua vestimenta e/ou maquiagem indica que ela, aos poucos, est crescendo e se tornando uma mulher.)Z DAS COUVES(No proscnio, tocando uma viola de verdade ou fingindo, com playback. Em alta e esganiada voz de cantor de repente.)Deus me deu autonomiaPra em verso eu contarUma historia interessantePara a gente observar:Uma filha bem sumidaQue Anabela foi achar.

Coitadinha da meninaNo meio de tanto povoAndando todo amassado, Parece sado de um ovo.O senhor seu DelegadoResolver esse caso?Vixe, melhor botar a viola no saco! Eu preciso me concentrar em ajudar a menina!(Guarda a viola na mala. Se empertigando.) Distinto pblico, dona Anabela, como j disse, se dirige para a delegacia a fim de dar queixa do sumio de sua filha. O Delegado de planto o excelentssimo, ilustrssimo, dignssimo, grandssimo senhor doutor Bumbanela. (Enquanto ele fala, na penumbra se monta o cenrio da delegacia: uma mesa sobre um tablado; a cadeira, onde o delegado est sentado; um ventilador velho que roda muito devagar feito por um ator, que troca uma ventarola de mo em mo, como se girasse. Diante da mesa, fora do tablado, um banco minsculo. Desce lentamente, no proscnio, uma grade formada por cordas amarradas com ns grosseiros. Seus quadrados so bem abertos, de modo a no impedir a viso do palco.) Bo, gente boa, cs to apresentados. Acho melhor eu dar uma voltinha. Sabe como , com esta casa de morto de fome, vo logo querer me enquadrar como mau elemento. (Tirando o chapu.) Int! (Sai.)

(O Delegado tem um bigode descomunal e um mau humor idem. Usa uma cala cinza de risca-de-giz, suspensrios e bem barrigudo. Fica girando na cadeira, como se fosse muito importante.)

ANABELABom dia. Por favor, ser que eu poderia falar com o Delegado?

DELEGADOT falando com ele. Bom dia seria se cedo fosse: j boa tarde! E eu at essa hora sem almoo. V se algum se sustenta s com meio quilo de bolinho de fub, trazendo gramas de vatap e uma jarra de suco de caj? T morte de fome, t matando cachorro a grito!

NESTORAh, isso o senhor t mesmo! (Mesmo quando no fala, Nestor, o ventilador, participa do dilogo com caretas. Ele puxa-saco do Delegado.)

DELEGADOCale a boca, Nestor! Eu lhe dou confiana? (Para a menina.) Tome assento e desembuche, minha filha!

ANABELA(Sentada no banquinho.) Seu Delgado, sobre o rapto de minha filhinha! (Estende o retrato.)

DELEGADO(Cofiando o bigode.) Hum, muito suspeita...

ANABELANo, seu Delegado, ela inocente: foi um bandido misterioso que a sequestrou!

DELGADONo existe inocente, menina todos so suspeitos! E quem afirma isso no um delegadozinho chinfrim, mas o grande Bumbanela! (Toda vez que se fala Bumbanela, ouve-se um som de pancada.)

ANABELA(Levando um susto.) Seu Bumbanela, o senhor que a descrio do raptor?

DELEGADOA menina veio aqui para achincalhar a autoridade? Olhe, que lhe mando prender por desacato! Ensinar o Pai Nosso ao vigrio, s o que me faltava! O sistema Bumbanela de investigao muito moderno, no passa por essas... mesquinharias!

ANABELADesculpe, eu s queria ajudar...

DELEGADOMuito ajuda quem no atrapalha. Prossigamos com o interrogatrio. Ventilador Nestor, se eu ficar sem flego, voc, que cheio de ar, no deixe a peteca cair.

NESTORX comigo, Dr. Bumbanela! (Dilogo muito rpido.)

DELEGADO(Para a menina.) Cad o toicinho que tava aqui?

ANABELA(Perplexa.) O gato comeu...

NESTORCad o Gato?

ANABELAFoi no mato.

DELEGADOCad o mato?

ANABELAO fogo queimou.

NESTORCad o fogo?

ANABELAA gua apagou.

DELEGADOCad a gua?

ANABELAO boi bebeu.

NESTORCad O boi?

ANABELA Foi amassar o trigo;

DELEGADOCad o trigo?

ANABELAA galinha espalhou.

NESTORCad a galinha?

ANABELA Foi botar ovo.

DELEGADOCad o ovo?

ANABELAO padre comeu.

NESTORCad o padre?

ANABELAFoi dizer a missa.

DELEGADOCad a missa?

ANABELAEst no Altar.

NESTORCad o altar?

ANABELAEst na igreja.

DELEGADOtimo. Caso encerrado. Prximo!

ANABELA(Levantando.) Como caso encerrado? O senhor no descobriu o bandido nem achou minha filhinha!?

DELEGADOVoc e seus detalhes insignificantes! As perguntas no foram todas respondidas?

ANABELAForam, mas...

DELEGADOEnto, como eu j disse, caso encerrado. Nestor, sopre esta menina pra rua!

(Anabela faz que rola com o vento, enquanto Nestor agita furiosamente as ventarolas em sua direo. Sobem as cordas. Fundo do palco fica escuro enquanto remontam o cenrio inicial. Pelo lado esquerdo entra um Homem Alto de Terno. Ele veste um terno com as circense, muito colorido. Na lapela, no lugar da flor, um enorme pirulito. Sai do bolso do palet a ponta da um leno de mgico, daqueles que parecem no ter fim. Cala um par de sapatos bicolores, altssimos. Vem olhando para cima, assobiando distrado e esbarra em Anabela, que est chorando.)

HOMEMMil perdes, senhorita! Eu vinha compondo minha sinfonia em passarinhol maior e no a vi. Esta muito ferida?

ANABELA(Com a cabea baixa, ainda no reparou nele.) Mais do que o senhor posso imaginar...

HOMEM, meu Deus! Ui, minha Nossa Senhora das Dores! (Cantando o reggae no chore mais.) Ai, no chore mais! Menina, no chore assim, seno eu choro atrs... (Abre o berreiro e comea a puxar o leno.)

ANABELA(Levanta a cabea. Fica um instante aturdida coma figura e seu comportamento, mas continua a chorar enquanto ajuda a tirar o leno.) No chore, moo! O senhor no tem motivo...

HOMEM que eu no posso ver ningum chorar, que eu choro tambm. Sabe, eu sou um homem altamente terno. (Volta a chorar. Os dois se enxugam no seu leno, que continua a sair. Entra Z das Couves. J vem chorando da coxia, em altos brados. Puxa o leno que finalmente acaba, os trs sentados no cho, Z com uma ponta do leno Anabela com outra e o Homem no meio.)

HOMEMAh, passou! Me diga, senhorita, o que se passou que est to passada?

ANABELA(entre soluos.) que... fui procurar o Delegado... para resolver... o caso do desaparecimento... da minha filhinha (Mostra o retrato. Homem tira a boneca do pano, faz bil-bil, embala e torna a colocar a colocar no velcro.)... e, alm dele no me ajudar.. ainda me expulsou da delegacia!

HOMEMQue anta! Sacripanta! Jamanda! Mas nada tema porque, se ele no ajudou, eu o farei sem problema!

ANABELAE quem o senhor?

TERNO(Levantando, enquanto puxa o leno para guardar no bolso, naturalmente sem ver Z, que tambm parou de chorar e assiste cena. Tema do Homem Alto de Terno.)

Eu sou um homemQue sonha alto.Veja meu salto!E solto a vela,Que a vida belaQuando se usa (Mostrando. Ela ruboriza.)Uma cueca amarela.

(Nesse pondo, Z chama o coro para ajudar na cantoria, dizendo: Cad o coro? Isso falta de couro! Gente mais sem decoro!, gesticulando muito. O coro entra, agrupando-se atrs dos atores em cena, as mos juntinhas na clssica pose das cantoras lricas. Faz segunda voz e modulaes enquanto Z finge reg-lo.)

Eu sou um homemDemais de terno. Brinco de eterno,Derreto o invernoCom o espalhafatoDo meu belo terno.E ajudo a quem eu quero..

Bem (essa palavra ele fala bem baixinho, as mos sobre o corao, olhando ternamente para Anabela.)

ANABELA(Levantando.) Muito prazer, sue Homem Alto de Terno.

TERNOPode me chamar s de Terno.

ANABELATerno, se quer ajudar, me diga o que fazer.

TERNOO que se faz em qualquer filme de detetive: temos de voltar ao local do crime.

ANABELAEnto, vamos! (Segura-o pela mo para sair de cena.)

TERNO(Olhando embevecido para a mo dela.) Claro! Sada pela esquerda!

(O cenrio o mesmo do incio da pea, s que iluminado. O casal saiu e voltou pela esquerda. Homem procura pistas e Anabela observa. No proscnio, Z fala platia.)

Z DAS COUVESHum, a tem! Esse olho melado no de hoje que eu conheo. Eu bem que mereo um agrado. Serve qualquer docinho caramelado, um tantinho de bom bocado...

TERNONenhuma pista. Com qual das rvores a senhorita...

ANABELAPode me chamar de Anabela.

TERNOQue nome lindo! Anabela: Ana, a bela: bela Ana, quem te conhece, te ama... (escorrega a ltima palavra para dentro da garganta, tentando escond-la.)

ANABELAQue disse?

TERNO...te chama. , te chama pra conversar com a rvore. (Para a 1 rvore.) Com licena, minha senhora, poderia descrever novamente o abominvel homem da capa preta?

RVORETu tens, por acaso, um mandado? S presto depoimento perante o senhor Delegado. Dura lex, sed lex, no cabelo s gumex, carne se assa no pirex.

Z DAS COUVESAve Maria, uma rvore que fala gringus!

(Homem e Anabela se olham, do de ombros e se dirigem a 2 rvore.)

RVOREDesculpas primaveris pela grossura da outra. Coisas de madeira de lei. Isso passa quando ela virar cadeira. No como esta que vos fala, que farfalha suas folhas no balano do vento. Dano conforme o momento. A vida j to dura tem que ter jogo de cintura! (E d uma rebolada a la Carmem Miranda. Caem folhas de sua copa. Uma, em especial, chama a ateno do grupo.)

Z DAS COUVESUma folha cor de burro quando foge apaixonado!

TERNOVeja, bela Ana, isto no uma folha- uma folha!

TODOSComo que ?

TERNODigo, folha de papel, no de rvore. E tem uma mensagem escrita. (Todos se juntam em volta da pista para tentar ler, inclusive rvores. Z fica pulando atrs, para ler tambm.)

TODOSO que , o que , entra na gua e no se molha?

(enquanto o grupo tenta decifrar a charada, Z estimula a platia a responder, caso j no o tenha feito. Se demorar deve apelar para mmica ou jogo de forca.)TODOS(Depois da platia.) a sombra!ANABELAUma pista! Mas o que significa?HOMEMElementar, minha cara e linda e formosa Anabela. Quem sonha com sombra?ANABELAQuem est com calor.HOMEME quem sempre esta com calor?Z DAS COUVESQuem vive no serto de Bodoc, Cabrob e Oroc! Vixe, nem me lembre de seca, que eu dou um chilique!TODOS(menos Z.)... No deserto!HOMEMIsso a! E esse deserto est no Egito. Pode crer pra l que levaram sua filhinha.

Z DAS COUVESOu o Homem um crnio ou muito bom de chute. Deixe ver no roteiro. (Abre a mala e procura numa baguna de papis) Egito, t certo. (levantando a folha.) vale o escrito! (guarda de volta na mala.)ANABELA terno, deve ser mesmo. J vi muito filme de mistrio passado no Egito. No podemos perder tempo. Mas como chegaremos l? to longe...AMENDOEIRA FACEIRAPosso fazer um comentrio? Tenho um grande amigo, Juca, o dromedrio, que est justo de partida pra aqueles lados. Vai visitar uns parentes e no gosta nenhum pouco de viajar solitrio. Ei - lo que chega, que beleza!(entra Juca, uma figura hippie: usa enormes culos escuros redondos com um narigo falso, a ttulo de focinho. Luvas de pano, dividindo a mo em s dois dedos. Peruca de cabelinhos espetados presa por uma faixa de leno indiano. Macaco marrom, desbotado e uma enorme mochila, fazendo a corcova. Passa o tempo todo mascando chiclete, como se ruminasse.)

JUCA(fazendo sinal de paz e amor.) Hello, crazy people! Tudo jia, mina? (d dois beijinhos na Amendoeira.) e a rapeize, vamos Nelson?ANABELA verdade que a gente pode ir com o senhor, seu Juca?JUCAO senhor t no cu, eu sou s Juca. Claro, gata. Voc, seu namorado (ela ruboriza de novo) e at aquele Man, que t ali no canto com uma mala.TODOS(olhando na direo do Z, sem v- lo.) Que Man?Z DAS COUVESMan a...ANABELAOlha a boca, Z!JUCAAh, que dromedrio v longe. E a, lets go? agora ou never.HOMEMVamos, mas era bom levar um cantil, se vamos pro deserto.JUCAQue cantil, brother? J vi que no manjas nada de assuntos camelsticos. Pra que voc acha que serve esse barato aqui atrs? (sacode a mochila.)HOMEM(Tentando impressionar.) um reservatrio natural de gua, que os camelos (duas covas) ou os dromedrios (uma corcova.) tm pra agentar viver no deserto sem morrer de sede. Mas individual, no d pra dividir com ningum.JUCAAcontece que a minha eu adaptei pra vida em comunidade, sacou? Tem at canudinho. (puxa uma mangueirinha e oferece um gole a cada um.)ANABELATem gosto de groselha!RVOREChampanhe!HOMEMGuaran!MENDOERIAHortel!Z DAS COUVESCachaa. E da boa!JUCAE a, prontos?HOMEM/ANABELAProntssimos!

(os trs saem acenando para as rvores. Amendoeira se despede como na primeira vez. Z faz que vai e d uma r, bem marota. Um pano desce, cobrindo a cena. Duas cobras de corda, enroladas em posio de dar o bote, presas ao pano: uma em cima, esquerda; outra embaixo, direita. As cabeas so puxadas ao mesmo tempo (o rabo fica preso ao tecido, de maneira que elas ficam esticadas sobre ele.), como se atacassem de direes opostas quando Ndia vai falar. O cenrio anterior desmontado. O novo consiste em sombras projetadas por trs -- a parte do Egito toda representada assim. Vem- se duas grandes pirmides, que serviro tambm para ocultar os manipuladores. Personagens, inclusive os principais, sero marionetes: um dromedrio andando de quatro com o homem e Anabela sobre a corcova. Vo subindo lentamente a pirmide de esquerda. Z se coloca num canto do proscnio.)

Z DAS COUVES(com sua viola e playback, se necessrio. Canta o repente da mesma forma que o anterior.)

Povo meu, no leve a malEu fugir do areal.Da seca j vi bastante.Tiro o livro da estante,Conto Tim-Tim por Tim-Tim.Mas do Egito me poupeTenham pena de mim!

L vai tudo atrs da pista,Deserto a perder de vista.Gente tanta da quentura!Derrete at rapadura. (pausa.)C pra ns, ocs no acham Esse tal de dromedrioUm tremendo dum otrio?

JUCA(estancando o passo.) repete, seu cabra safado!Z DAS COUVES(tirando o chapu, desculpando se.) foi notvel que eu falei seu doutor Juca. Notvel! (Juca volta a andar.) Que ouvido da molstia tem esse cidado!Mas, como eu ia dizendo,Nesse ambiente fervendoProcura a menina sua filha.Aquilo parece uma ilha No se v ningum na estrada,Nem uma alma penada! (olhando para o fundo.)i, que surge uma serpente!

NDIALicencinha, meu nome Nadia, a espi que veio do calor.JUCANadia, h quanto tempo, gente boa! Tava mesmo precisando falar com vocs. Seguinte: surrupiaram a filha da Anabela...ANABELA(se inclinando.) Muito prazer.JUCA... Trouxeram a mina pra c e ns estamos procurando algum pra decifrar essa charada, sacou?NDIA Charada?Decifrar ou devorar? Minhas informaes so todas quentssimas. Mas em matria de charada, no tem ningum melhor que a Esfinge.JucaIh, sujou! P, Ndia, agora CE pegou pesado: a Esfinge muito heavy metal!Ndia(Sibilante.) Carssimo, isso foi no passado. De tanto devorar quem no conseguia decifrar suas charadas, ela engordou tanto, mas tanto, que teve de ir prum SPA. Agora, vive fazendo dietas, Cooper- uma coisa, essa Esfinge, como dia a Danuza!JucaBom, eu vou na sua onda. Mas, se der zebra...Ndia(Melflua) Carssimo, pode ir seguro: palavra de serpenteZ das couvesA que mora o perigo!

Z das couves- (Retomando a cantoria)Tenho pra mim que essa cobraVeio jogando venenoNuma mal contada historia. pecheira, jagunada, emboscada arretadaQue espera esses meninos...Ou ser que tudo nada? (Para a cantoria e se volta para o fundo.)TernoMas e a esfinge, onde podemos encontrar a Esfinge?NdiaA Esfinge Achara vocs...TchauzinhoTerno O que que ela quis dizer com a Esfinge achar vocs?(Enquanto eles confabulam, ator caracterizado de Esfinge entra, de galinhas, oculto pela outra face da pirmide. Usa uma peruca egpcia, o bigodo do delegado, uma pana que arrasta no cho, um rabo de leo e fala com sua voz normal, apesar de fazer papel feminino. Faz mmica de quem fareja algo gostoso de comer, esfregando as mos.)Z DAS COUVES(Agitado.) Ai, meu padrinho Ccero Romo Batista! (Muito nervoso, vendo tudo.) Valei-me, Frei Damio!Esse troo esquisito deve ser a tal Esfinge. E o bicho t com fome! V se fiar em palavra de cobra, pra ver onde vai parar! Eu bem desconfiava que aquela jararaca era corta-jaca da Esfinge.TERNOQue qu corta-jaca, heim Z?Z das couves- (Tirando e pondo o chapu) Puxa-saco, seu doutor (Para a platia) Se fosse de gingues, entendia tudo. Mas sertans, tem de traduzir. Eu gento? (Cada vez mais nervoso) Ai, meu Deus! O que eu fao agora? Preciso achar uma arma. (Abre a mala, procurando algo para defender o grupo. Joga um monte de tralha para fora.) X ver: um pu para pegar peixe. (Se dirigindo coxia) Serve? (Coro- No serve!) Um dente de coelho doente. Serve? (Coro- No serve!) Um pente faltando dente. Serve? (Coro bem alto-NO SERVE!) Ento, no tem nada que preste. Vai no muleque e na cachola. Quem no tem ao, caa com a goela. (Coma as mos em concha, tenta avisar sobre a esfinge. Ao memso tempo em que ele grita, o gripo d de cara com ela.) SEU JUCA A ES...Esfinge( Debruando-se no topo da pirmide, olha para o grupo lambendo os beios. O rabo fica balanando, manipulando por fios invisveis.) Oi.Z das couves- ...finge, ...finge, ...finge que no tem medo!(Todos tremem diante do bricho, que ameaa avanar. Na hora H, entra correndo um dos egpcios com uma carta gritando: Correio! (Sai em seguida. Ela a abre, l e retrocede, aborrecida)EsfingeQue saco! Justo hoje que tinha (apontando para cada boneco) entrada, prato principal e sobre a mesa, vou receber uma visita dos Vigilantes do Peso! Vamos com isso: o que vocs querem com a Esfinge?Anabela- Eu procuro minha filhinha. A senhora tem uma pista?

Esfinge- Pista no dou, s charada. Mas vou logo avisando - com ou sem Vigilantes do Peso, se no acertarem a resposta, vai tudo pro freezer. Pra comer escondido depois. Decifrai-me ou devoro-vos: o que , o que , sendo grande ou pequenininho, sempre do tamanho do pezinho?(Mesmo procedimento da charada anterior)Homem- Elementar caro tribufu: o sapatinho!(Esfinge d um erro medonho e sai rolando de raiva, para fora da cena)Anabela(Dando beijos no homem. Trecho do tema do Homem de Terno, sem letra.) Meu heri, decifrou a charada, venceu a Esfinge e...Juca(Suspirando de alivio)... Salvou nossa pele!AnabelaDeixe ver se eu acerto a segunda parte: Quem sonha com o sapatinho?Todos princesa!JUCABom, gente boa, nessa viagem eu no vou embarcar, tenho que ir. Time is Money,t na minha hora!ANABELA E TERNOAdeus, Juca, obrigado por tudo....Vou sentir saudades do Juca, mas nossa busca continua. A prxima Pista princesa. Existem tantas... Qual delas ser?TERNO( Tirando uma sandlia de plstico transparente do bolso.) Quem sabe, a dona deste sapatinho de cristal?Anabela(Dengosa) Oh, Terno, como agradecer tanta ternura?TERNO(Se achegando) Que tal um beijinho?Z das couvesOlha o assanhamento! (Para a coxia) Entra depressa, Argemiro, SR. MESTRE SALA QUARTO E DEPENDENCIAS, seno isso acaba em casamento!Mensageiro(Entra desenrolando um imenso pergaminho onde l:.) Ouam todos, todos ouam: a Princesa Anastcia Aurora Branca Coroada Cinderela Diva Dallas manda avisar aos seus sditos que - quele que achar o par do sapatinho que falta em sua coleo, ela dar uma moeda fora de circulao!Z das couves princesa mo-de-vaca! (Gesto de mo fechada)TERNOLeve-nos ao castelo, MESTRE SALA. Acho que tenho a soluo. Z das couves(Com chapu na mo) D licena, seu doutor? Mas posso ficar eximido, dispensado e livrado de ir pro castelo? Sou um tipo muito acanhado, no combino com esses ambientes empolados...Anabela Seu Z das Couves, no pense que no o tenho observado:na delegacia, nem entrou, do Egito escapou. Agora, sinto muito, mas pro castelo vai sim senhor!Z das couves- (De joelhos) Por caridade, seu doutor, Como essa fome que eu to, sou bem capaz de cair duro. Me poupe do vexame!Terno Seu Z das Couves seja profissional!Z das couves(Levantando) Ih, seu doutor! Foi justinho o que eu no pus na mala: deixei o profissional em casa.

AnabelaPois ento, improvise! Ns iremos ao castelo. Z das couves(Pondo o chapu. Baixinho) Corao de pedra... Bo, se no tem outro jeito... Eu vou, eu vou, pro castelo agora eu vou. (E sai, danando xaxado.)(Enquanto personagens vestidos de branco entram e saem com elementos que compe a sala do castelo, simulando uma faxina, Z conversa com Mensageiro. As paredes do castelo, so feitas de material que imita areia. Todos os objetos parecem de brinquedo. Os serviais continuam de branco: as mulheres de toca e avental, os homens de bon e macaco. A Princesa est sentada em um trono cor-de-rosa, cheio de laarotes, falando no celular e lendo Caras, Quando os outros personagens chegam, encontram os serviais sentados no cho, em volta do trono. Cantam escravos de J e passam, de mo em mo, sapatos de cores e modelos diferentes, que so experimentados no p da Princesa.)CoroEscravos de J jogavam sapato.Tira a bota,Deixe o salto alto ficar.Lacaios com as aias Fazem zigue, zigue, z.Lacaios com as aias Fazem zigue, zigue, z.(Param um instante, esperando a reao da Princesa. Ela olha o p, sem parar de falar ao celular) GENOVEVAExperimente essa agora Princesa Anastcia.PRINCESANo combina com meu vestido.GENOVEVAE que tal esse branquinho com laarote?PRINCESAT fora de moda.GENOVEVAEnto tente esse a ultima moda em Paris.PRINCESAA Imelda tem igual. (Os atores de branco olham para o teto, suspiram e continuam a musica.)GENOVEVA (olhando pra dentro do castelo)Ah, o Argemiro chegou vamos ver se ele trs boas noticias para dar Princesa.Z das couvesQuem diria, hein, primo Argemiro trabalhando num castelo! ? Como esse mundo pequeno... Hum, ser voc d expediente na cozinha? Eu bem podia filar uma boiazinha, uma goiabadazinha, um licorzinho de jurubeba...AnabelaSr.Argemiro, por que a gente mesmo no d a noticia para a Princesa? Estou to agoniada para achar minha filha...(O mestre-sala-quarto-e-dependncias gordo e bigodudo. Veste-se no estilo da corte de Lus XV: sapatos com fiveles; meias e calas justas e brancas; uma camiseta com os dizeres: P de arroz at morrer!; um casaco branco de cetim aberto at os joelhos, cheio de babados e botes; uma peruca de cachos brancos. Traz um rolo de corda na mo.)MESTRE-SALA (Argemiro) (Entrando e falando.) Questo de protocolo, minha senhora. (Olhando para Anabela de cima a baixo.) s filha da marquesa?ANABELA No. MESTRE-SALA Da duquesa?ANABELA No.MESTRE-SALADa baronesa?ANABELA No.MESTRE-SALA Da viscondessa?ANABELA No.MESTRE-SALA Da socialite? ANABELA No.MESTRE-SALA Da atriz de novela?ANABELA No.MESTRE-SALA Ih, ento gentinha. (Entrega a corda a atores de branco, que formam um cordo de isolamento em volta de Homem e Anabela.) Distncia de pelo menos 50 centmetros.GENOVEVA Sua nobreza, por gentileza, tenha a fineza de ouvir essa mensagem, que uma beleza: este jovem mancebo (aponta para Homem, que faz uma mesura exagera, querendo parecer nobre.) diz ter achado o par do sapato perdido da nossa doce Princesa.MESTRE-SALA Sem perda de tempo, devemos comunicar imediatamente sua Majestade to esplndida novidade. (Batendo palmas.) Genoveva, passe a notcia de que foi achado o sapato perdido da Princesa e que o rapaz espera a recompensa.(De Genoveva em diante, a mensagem dada sempre com a mesma performance: dois atores se levantam, cumprimentam-se, o primeiro fala a mensagem e torna a sentar a brincadeira do telefone sem fio. A mensagem vai ficando cada vez mais truncada at chegar Princesa, totalmente diferente)GENOVEVA Passe a notcia de que foi rechaado o gato perdido da Princesa e que o s suspira de leveza.DAMA 1Passe a mestia, que beleza! O rapaz assobia com a surpresaDAMA 2Faa a polcia achar o elo perdido da nobreza e o capataz suporta o peso da mesa.DAMA 3Diz a Letcia que o Machado ficou sentido com a Princesa, que leva-e-traz das fofocas da condessaPRINCESA (Levantando do trono, furiosa. Vem andando com um p calado e outro no.) O qu? Aquela mocria teve a audcia de me mandar um recado desaforado desses, na lata? Perua emergente, ela vai se ver comigo!MESTRE-SALA Calma, Princesa, olha o protocolo! Na verdade, seu sapatinho...PRINCESA , no me fale em sapato que eu desmaio...MESTRE-SALA Calma, Princesa, olha o protocolo!Z DAS COUVES Mostra logo o sapato pra essa dona, seu Homem. J buliu com minha pacincia tanto fricote! Se esperar acabar a sesso de desmaios, nunca que a gente sai desse castelo. E minha barriga t nas costas!HOMEM (Para Anabela.) Me veio uma inspirao para revolver logo essa questo (Tira o sapatinho do bolso e balana, na direo da Princesa.)PRINCESA Meu sapatinho! (Faz que vai desmaiar, o povo acode, mas ela desiste.) Meu sapatinho! Meu heri! (Se dependura no pescoo do Homem.) Meu reino por meu sapatinho! Tragam a recompensa.MESTRE-SALA Calma, Princesa, olha o protocolo!ANABELA (Com ares de cimes, afasta a Princesa) Com licena, sua Alteza, mas ns no viemos aqui atrs da recompensa. Viemos devolver o lhe pertence: a Anastcia, o que de Anastcia. Alm disso, estamos com muita pressa. A senhora no viu, por acaso, essa linda menina passar por aqui? (Mostra o retrato da filha.)MESTRE-SALA Princesa, olha o protocolo! No se fala com gentinha antes de marcar agenda imperial, mandar vir segurana total, mandar parar os trens da Central, mandar importar gua mineral, etecetera e tal...PRINCESA O senhor quer saber o que eu penso do seu protocolo? Guardas! (Bate palmas e manda colocar o cordo de isolamento em volta do Mestre-sala.) Levem este cidado para ter uma aulinha de povo: vo feira, ao jogo de final de campeonato no Maracan e, finalmente, gafieira mais arretada que vocs acharem os bons se misturam! (Saem levando o Mestre-sala.)Z DAS COUVES Essa princesa de lua: tem hora que perua, tem hora que gente fina. O que ser que predomina?PRINCESA Quanto a essa linda boneca, sim, eu a vi. (Sonhadora, mas afetada.) Ela veio e se foi como um arco-ris: colorida e rapidamente. Era tanta fita e bandeirola, estrelas, lonas e bolas. Trouxe a mudana num sopro de vida. Voltei aos tempos da escola quando meu pai, o rei, me apanhava pra irmos juntos ao circo. E o circo era um sonho: toda fantasia ali cabia. (Em tom de discurso.) Ento, lembrei que sou princesa. Sou eu quem manda na festa. Que vida passada a limpo, no presta. E que a hora de dar a volta por cima; esta! (Aplausos.) Ah, j ia me esquecendo. A boneca pediu pra entregar uma mensagem, caso algum a procurasse. (Bate palmas e uma atriz traz uma folha igual da primeira pista, que passa Anabela.)TERNO Muito agradecido, Vossa Alteza, por sua valiosa colaborao. A senhora no quer nos acompanhar nessa aventura? Sabe como , pra sair da rotina... (Anabela pe as mos na cintura e fica olhando para Homem com cara de briga. Ele fica sem jeito.)PRINCESA No, obrigada. Agora que eu acabei de vez com o protocolo, vou realizar um sonho antigo.TODOS E qual ?PRINCESA Me aguarde. (Bate palmas e chama toda a corte para acompanh-la a sair de cena.)ANABELA Muito bonito, hein, Terno? Todo derretido pro lado dessa lambisgia granfina. Se ela sua princesa encantada, me avise que eu continuo minha busca sozinha!TERNO (Srio, segurando as mos de Anabela e mirando seus olhos.) Cimes, bela Ana? Voc fica ainda mais bela assim. Pois saiba que, no trono do meu corao, j reina absoluta no uma princesa, mas uma rainha. O resto (olha em volta.) castelo de areia.Z DAS COUVES (Para Voz.) Que triste sina essa de me fazer segurador de vela? Toda hora esses meninos cismam de namorar, e aqui ambiente de menor! Eu no me responsabilizo!ANABELA (Saindo do estado de embevecimento.) A pista! Quase ia esquecendo. Vamos ver o que est escrito.TERNO / ANABELA O que , o que , que cai em p e corre deitado?(Mesmo procedimento da charada anterior.)TERNO a chuva! Olha, Anabela, t chovendo colorido...(Enquanto ele fala, cai uma chuva de confete e serpentina. a Princesa que volta com sua corte, que virou um bloco de carnaval. Fundo musical: Alala. Ela cala a sandlia transparente e vem vestida de porta-bandeira, segurando um estandarte com os dizeres: Grmio Recreativo e Escola de Samba Unidos do Faz-de-Conta sada o povo e pede passagem. Os outros personagens conservam a roupa branca, mas sem aventais, toucas e bons. Usam mscara e vrios adereos coloridos, para dar o tom carnavalesco.) TERNO / ANABELA (Olham incrdulos.) Princesa!PRINCESA (Toda solta.) Pois , minha gente. Eu j estava at a tampa com aquele protocolo todo (Mostrando o bloco.) chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor. Eu quero botar meu bloco na rua! O baile de hoje noite de carnaval e todo o reino est convidado. Vocs no querem cair na folia?TERNO Muito nos honra seu convite, nobre dama. Porm, o dever nos chama.PRINCESA Que pena... Voc, com seu terno coloridssimo, era bem capaz de ganhar o primeiro lugar de originalidade no concurso de fantasias. (Anabela abafa o riso.) Anyway, fica pra prxima. Vamos, meu povo, no me deixe s! (Saem cantando Alala , mas que calor .)ANABELA Que bom que a princesa encontrou o sapatinho e a felicidade! Terno, por falar nisso, quando encontrarei minha filhinha? Minha felicidade s ser completada ao seu lado...TERNO (Todo animado.) Ao meu lado?ANABELA (Envergonhada.) Seu, dela. Digo, dela. Digo, seu. Ai, assim voc me confunde.TERNO Eu no vim pra confundir, eu vim pra explicar. Por exemplo, chuva o sonho de quem? Z DAS COUVES (Emocionado.) Do sertanejo, que antes de tudo, um forte! (Enxuga as lgrimas.)TERNO (Segurando o rosto de Anabela.) De flor...Z DAS COUVES Num t dizendo? J to de novo no chamego! Desafasta, esse menino! Deus me ajude, que venha a prxima cena pra acabar com o grude! (Entra o Mestre-sala, acompanhado dos guardas, fantasiados como os demais. Sua camiseta traz, agora, o smbolo do Vasco. Tem tanta ginga quanto um turista americano.)TERNO / ANABELA (Mesma reao da entrada da Princesa.) Mestre-sala-quarto-e-dependncias!MESTRE-SALA (Choroso.) Ex-quarto-e-dependncias. Fui rebaixado s a Mestre-sala virei kitnet!TERNO Liga no, seu Mestre-sala. Seu novo ttulo muito melhor que o primeiro mais potico ser mestre-sala de escola de samba que de corte palaciana.MESTRE-SALAEu no sei se vou me acostumar, mas ordens so ordens. Se a monarquia virou enredo de carnaval, eu tenho de danar conforme a msica. Adeus, plebeus!ANABELAA pista, Terno. Pergunta sobre a pista!HOMEMSeu Mestre-sala, onde se acham as flores mais belas deste reino?MESTRE-SALA(Saindo escoltado) Nos jardins do palcio, of course! (De fora, quase no dando pra se ouvir.) Mas cuidado com o Dono da Porteira!HOMEMAo jardim!ANABELAs flores! ... Pra que lado ficam?(Enquanto eles procuram, Z abre a mala, afobado, e tira uma placa, cavalete, tinta e pincel. De costas para o publico, pinta mal e porcamente a palavra JARDIM e uma seta indicando o lado direito. Sai correndo at o fundo do palco e segura a placa, que recebe um foco de luz.)TERNOOlha, Anabela, pra l. Vamos Z. (Saindo)Z DAS COUVESSabe o que , seu doutor, flor me d uma alergia... S de falar na planta, eu dano a es...(fingindo.)TERNOOlhe seu Z das Couves, se no for pro jardim agora mesmo...Z DAS COUVESPIRRAR...i, que cura repentina! J to bonzinho de tudo e de sada! (Sai arrastando a mala, resmungando baixinho.)(O cenrio do jardim feito de cordas penduras do teto at o cho, com folhas, galhos e pssaros presos a elas. Passa a idia de uma coisa bonita e triste, ao mesmo tempo. Luz esverdeada banha a cena. Um tapete verde felpudo faz a grama. A flor, usa malha verde. Em torno do rosto, a coroa de ptalas, est amarrado corda. Entram Homem, Anabela e Z, que fica no canto esquerdo desfolhando um mal-me-quer embirrado.)ANABELAQue jardim bonito!HOMEMTo silencioso... Perfeito para uma serenata. Bela Ana, tem uma coisa que eu tenho de lhe dizer, seno meu corao explode.Z DAS COUVESIh, comeou...TERNODesculpas Z, que eu sou um homem demais de terno e...Casar com Bela o que mais quero, se ela disser no,me desespero! (Finge que vai se enforcar numa corda.)ANABELACalma, Terno! Eu tambm gosto muito de voc, mas, antes de tomar qualquer deciso, tenho que achar minha filhinha.HOMEMEnto, ...posso ter esperanas?ANABELA(Tmida.) Muitas...HOMEM(Animado.) Ento, ...posso chama-la de minha namorada?ANABELAPode.HOMEM(Cada vez mais animado.) Ento, ...posso consider-la minha noiva?ANABELA(Cada vez mais tmida.) Hum, hum. HOMEM(Super - hiper animado) Ento, ...Amor perfeito...DE NOVO!?(Homem e Anabela se assustam, pois julgavam estar sozinhos.)HOMEMQuem est a?(Luzes vo ficando mais claras e flores vo se levantando medida que falam.)FLOREu a flor, lgico. No esto vendo?HOMEMVendo, estou.Mas nunca vi flor falar. E a senhora, como se chama?FLORAmor perfeito.TERNOUma curiosidade, por que voc falou de novo?! justo quando eu ia pedir Anabela em casamento?FLORAi, ai, porque esta a noite do amor perfeito. Passou por aqui um casal, h bem pouco tempo...E o rapaz fez as mesmas perguntas pra moa que o acompanhava. Ai, ai...HOMEME como eles eram?FLOREle usava uma capa preta.ANABELA(Mostrando o retrato, aflita.) E a moa era igual a esta?FLORPrecisamente.(Anabela tem um desmaio. Homem acode, e flor tenta acudir, mas esta presa pela corda.) HOMEMPor que voc esta presa?FLORPor causa do homem da capa preta. Ele roubou todas as minhas irms, para fazer um buqu pra moa. Ento, o Dono da Porteira me prendeu. Segurana mxima! Um amor perfeito.HOMEMQue ladro perfeito, isso sim! Rouba a menina, rouba as flores e, agora, parece que roubou tambm o corao da pobre filha de Anabela. Desgraa completa! Mas isso no fica assim. Vou at o fim desse mistrio ou no me chamo Terno!FLORGostei. assim que se leva a vida: com firmeza e f na luta. Com carter e reta conduta. Se quer um conselho, meu amigo, no desista ao vencedor, toda fruta!Z DAS COUVESOba, fruta! Cad? Cad? (Olha para os lados, esfregando a barriga.)HOMEMDiga-me, ento, onde eu acho a prxima pista?FLOR(Virada para a direita, aponta, tremendo.) O Dono da Porteira!(Luzes se apagam onde estava o jardim e se acendem, num foco a direita, sobre o Dono da Porteira. Ela feita por casal de atores, vestidos de esqueleto, com cordas fazendo o desenho dos trastes de uma porteira tradicional, ligando seus corpos. O Dono panudo, bigodudo e parece um coronel do serto. Traz um trabuco enorme na mo e masca um pendo de grama. Tem sotaque nordestino. O cenrio do jardim desmontado enquanto Homem e Anabela dirigem-se lentamente at a porteira.)Z DAS COUVESEu conheo esse tipo no sei da onde...HOMEMTarde.DONO(Desconfiado e com ares de poucos amigos.) Hum.HOMEM(Para Anabela.) Deixa que eu me entendo com esse sujeito, ele parece perigoso. (Para o Dono.) Seu Dono da porteira, eu sou Terno e est a senhorita Anabela, minha noiva. Ns fomos informados que o senhor, sendo o dono do pedao, talvez pudesse nos dar uma pista...DONOO Coronel Virgulino Ferradura da Selva nunca d nada a ningum: ou vende ou toma. (ENFATIZA)

Z DAS COUVES (COM MEDO) Valei-me, meu anjo da guarda! o Coronel Virgulino, terror de Serra Talhada! (Jogando, e depois apanhando, o chapu do cho.) T lascado, daqui pra frente num passa boi,nem boiada!

TERNO Ento, foi um prazer ter conhecido sua pessoa, mas vamos seguindo caminho.Tchauzinho...

DONO(Apontando o trabuco.Esqueletos tremem) E por onde vocs pensam que vo passar?

TERNO Pela sua porteira, claro! (receoso)

DONOPela minha porteira, se eu quiser. Esses dois a (Aponta para os esqueletos) esto esperando at hoje. Mas, se pagar uma prenda, eu posso pensar no seu caso.

TERNO A gente ta desprevenido, seu Coronel.(Virando os bolsos do avesso.) Viu s? Mais liso que gelo.

DONODinheiro coisa de que no preciso. (D um olhar de banda para Anabela.) Carecia de uma noiva, bonita que nem a menina.

TERNO (Se Colocando na frente de Anabela, valente.) Acontece que esta noiva j tem dono.

DONOO nico Dono que eu vejo aqui o da Porteira. Mas, como hoje estou de bom humor, vou lhe propor um desafio: se acertar, passa voc, a menina e ainda lhe digo o que quer saber. Porm, se errar, a noiva minha. E tu, vais cuidar do meu curral o resto da vida.(Estende a mo) Aceita?

ANABELA(desespero) Terno, no aceite! Vamos pensar em outra soluo! E se voc errar? Eu morro se tiver de casar com essa .... coisa !

Z DAS COUVES(AFLITO) Num Aceite, esse menino, num aceite! muito risco pra pouco proveito!

TERNO (Cheio de si) Bela Ana, eu desatei todos os ns at aqui, certo? No vai ser agora que eu vou me enrolar. E estamos to perto de achar sua filha, sinto no ar o fim do mistrio.

Z DAS COUVES Eu sinto no ar cheiro de carnia, isso sim. Mas que homi teimoso,s!

TERNO (Apertando a mo do outro) Mande seu desafio, Coronel!

DONOO que , o que , dois irmos irmanados, um se come cru e o outro assado?

(Se a platia acertar, a resposta no chega ao Homem, Z a guarda para si. Desce do teto uma corda na qual vai se enrolando, cada vez mais, o Homem.).

Z DAS COUVES(Vendo a aflio do casal.) Isso no pode acabar que nem aqui fosse um cangao! O Homem teimoso e meloso, mas tambm corajoso e pacato. Merece ser livrado do Coronel mal encarado. Chega de ser assombrado, basta de ser pisado, cansei de ser invisvel! Daqui pra frente, eu sou personagem sensvel, que toca e quer ser tocado. E o Dono da Porteira, vou chamar prum desafio. Quero ver se esse cabra vai dar conta do recado! (Z abre a mala e tire a viola. Em seguida, chuta-a para a coxia e pula para o centro do palco, comeando o desafio).

i, seu Dono, oc assimEspanta a populao.Lhe digo que o costumeDe quem quer ser valento apanhar de cair duroCom suas armas no cho

(Durante todo o desafio, Homem e Anabela acompanham com o olhar quem estiver cantando. Aos poucos, vo sentindo firmeza em Z e acompanham tambm com palmas. Os dois personagens do desafio cantam e danam um xaxado enfezado).

DONODigo que isso impossvel,Sou homem preparado,Apanhar dum amareloMagro, sambudo, atrasado.Eu, um Coronel cientfico,Forte, sabido e letrado?!

Z DAS COUVESVirgulino, no se exalte,Modere mais sua fala.Lembre-se do ditado antigo,Bote bem na sua escalaQue a cobra engole um boi,Mas com um mosquito se entala.

DONONo sou co pra engolir-teE tu tambm no me engolesQue agnte agora o mote.Mas, se no achar controle,Ache lama bem fofinha,Aprume a venta e atole.

Z DAS COUVESVamos mudando de tema,Cantando com educao.Eu quero ver mesmo se sDigno deste sertoQuantas pistas tu conhecesE se s dono da situao.

DONODono do pedao, eu souE muitas pistas conheo.Porm, no vou estrag-lasCom sujeito do teu preo.Nem siga com teu cantar,Que eu no ligo ou obedeo.

Z DAS COUVES (Parando bruscamente o desafio). - E se disser que conheo a resposta do teu desafio pro moo? (Aponta para o Homem.)

DONO(Estufando o peito. Os dois, cara a cara). - Ta coisa que duvido: no h de ser um amarelo subnutrido com um pinhozinho fajuto, que vai ter no seu bestunto mais matria que um catedrtico. Porm, sou homem honrado, o que falei, ta falado. Se acertar, passa todo mundo. Mas, se errar, vai cavando sua cova, seu cantador vagabundo!

Z DAS COUVES(Voltando a cantar)

Me coisa sagrada!Veja a pobre, agoniada,Em busca da filha amada. (Anabela mostra o retrato)

Se tu sabes o paradeiroDa boneca raptada,No seja ardido ou matreiro,Diga logo, sem rodeio,Como encontrar a cambada.Quanto tua tola charada,Chega de n e de corda

(A corda que prende o Homem vai subindo enquanto ele vai se desenrolando.)

Numa enrolao medonha,A resposta, seu calhorda, o caju e a castanha!Os dois irmos irmanados,Um cru e o outro assado,Que s come, se for pago.

(Enquanto Homem e Anabela aplaudem Z, a porteira vai se abrindo.)

DONONo se fie nesse cantarQue a guerra ainda no ganha.H nuito cho pra se andarE, um dia , o Dono lhe apanhaPor hora, cumpro a promessa:Passam todos, e bem depressa,Que essa menina da fotoEst curtindo uma festaDe noivado, no terreno a do lado...Boooa bea !

(Dono da Porteira vai sumindo dentro do escuro).

(Homem e Anabela agradecem efusivamente ao Z)

ANABELAComo o senhor valente! O que podemos fazer pra lhe agradecer?

Z DAS COUVESA gente tem mais que limpar o mundo de macacos desse tipo. Ara, num foi nada ! Agora, se a madame souber cozinhar, podia me arrumar um pratinho (Gesto de um prato entupido.) de comida caseira , que Z das Couves no ia achar ruim ,no.

TERNO Seu Z, o senhor merece muito mais. Mas, se no chegarmos a tempo na festa, esta consumada a desgraa da filha de minha noiva !Precisamos correr. Depoisa gente leva o senhor a um restaurante de comida a quilo. Tamos combinados?

Z DAS COUVES Nossa, melhor que isso, s dois isso !(Falando e andando vrios tipos de comida)

(Saem, sumindo na escurido. Ouve-se ao longe o tema do Homem em ritmo de forr, que vai num crescendo.Nesse meio tempo, montada a ltima cena: casamento da roa no circo. Ao fundo, um mapa do Brasilfeito de tiras de papel crepom, batidas por um ventilador que no aparece. Encimando todo o palco, bandeirolas de festa de So joo, verdes e amarelas. Fitas coloridas saem de um ponto central, no alto, se espalham pela cena, formando uma tenda. O resto do cenrio se compe de bolas de varios tamanhos, argolas e , cercando tudo, um picadeiro azul com estrelas brancas. Entram Z, Homem e Anabela)

Z DAS COUVESVixe, Homem! O Circo t Armado.

(Ensaio de quadrilha)

ANABELAMinha Filha!

TERNO O homem da capa preta!

BONECAMinha me!

(O ensaio interrompido enquanto as duas se abraam. Z, comovido, enxuga as lgrimas).

TERNOE agora ns, seu bandido atrevido! Pensou que ia escapar dessa, n mesmo? Sua festa de casamento vai ser no xilindr!HOMEM DA CAPA PRETA Meu senhor, eu amo de verdade a boneca de minha vida. Por favor, calma!

HOMEM DA CAPA PRETA (Tentando alcanar o outro.). O fim de bandidos da sua laia ver o sol nascer quadrado pro resto da vida!

BONECA(Se colocando na frente do noivo.) Basta de confuso! Deixem-me explicar o que aconteceu. (Segurando as mos de Anabela.) Querida mame, eu sei que pra senhora continuo sendo sua filhinha, sua boneca. Mas a verdade que eu cresci e virei uma mocinha acontece todos os dias e nas melhores famlias. E, como toda mocinha, j andava suspirando pelos cantos, sonhando com um namorado. Foi quando passou pela nossa cidade o Gran Circo de Pero si, Pero no. Assim que nossos olhares se encontraram, foi amor primeira vista. Pero si, porm, estava com a agenda lotada de compromissos e tinha de seguir viagem. Ah, mame, eu amo tanto a senhora, no queria que sofresse por minha causa... Mas o corao falou mais alto, e eu segui com o circo. Hoje seria realizada a festa de casamento e, durante nossa lua-de-mel, voltaramos pra contar a todos a nossa felicidade. (Abraa ternamente Pero si, que retribui.)ANABELAMas, minha filha, voc podia ao menos ter deixado um bilhetinho!HOMEM DA CAPA PRETASim , Dona Anabela, deixamos as pistas pelo caminho. Prometo fazer de tua filha a mais feliz das mulheres da face da terra. Palavra do Homem da Capa Preta.HOMEMSinto muito, mas isso impossvel.TODOSPor qu?TERNO(Abraando Anabela.) Porque a mulher mais feliz da face da terra ser minha Anabela. Palavra do Homem AltamenteTerno!BONECA(Rindo) At tu, mame?HOMEM DA CAPA PRETAAi, que beleza, uma festa coletiva: casa a me e casa a filha. E viva nossa famlia!

TERNOVoc foi virando mulher, eu fui virando menino nos encontramos no meio do caminho. Ouve a declarao, que brota do fundo do meu corao: Podemos casar?ANABELAPodemos, Terno, podemos! Achei minha filha to feliz ela est! Eu tambm... Agora, s falta nosso amor sacramentar.Z DAS COUVESMas que beleza de vidaQuando acaba tudo em festa!E onde tem festa, tem comida.Viva a barriga, viva a lombrigaE viva essa gente modesta!(De repente, surge, diante dele, a Mui Rendeira, uma espcie de verso feminina do personagem do Z, s que sem olheiras e com a dentadura completa. Ela se achega, toda dengosa, com segundas intenes.)MUI RENDEIRAAi, que cabra miudinho!O que tu precisa, eu tenho:Muito dengo e carinho,Um prato bem cheinho Fartura de tudo que presta.(No meio da cena romntica, quebrando o clima, entra o Juiz. Fundo musical: Senhor Juiz, pare agora!, num arranjo sertanejo-pop. Ele barrigudo, bigodudo, usa uma toga e um capelo, feitos de cordas. Cala botas de caubi vermelhas, com esporas. Traz sobre um suporte com rodinhas um enorme livro, onde, na lombada, est escrito, Legislao Carrasca.)JUIZBoa noite. Creio que cheguei em boa hora nunca vi tanto assanhamento junto! Vo ser todos enquadrados na lei!HOMEMQual o nosso crime, senhor Juiz? Estamos s realizando uma festa de casamento. Que mal h nisso?

JUIZCasamento? Dentro de um circo? Isto muito irregular. Vejamos o que diz a lei. (Com grande esforo, consegue manusear o pesado livro.) Ufa... Ah, aqui est Artigo primeiro, pargrafo quinto, alnea vinte e sete, asterisco cinqenta e cinco: casamentos em circo s sero permitidos mediante a presena de um juiz.TODOSMas o senhor um juiz!JUIZ(Olhando pra si mesmo.) Ora, ora, no que vocs tm razo? Ainda assim, acho que aqui est muito enfeitado para um momento to solene.ANABELASenhor Juiz, um circo deve ser muito enfeitado. Quanto ao casamento, ele solene, sim. Mas, antes de tudo, uma festa. As duas coisas podem conviver muito bem.JUIZSolenidade e festa juntos? Vejamos o que diz a lei. (Mesma cena de antes.) Arf, arf... Pronto coisas solenes so coisas solenes e coisas de festa so coisas de festa. Elas no se misturam, a no ser em casos de casamentos em circos.TODOS o caso!TERNOOlhe, senhor Juiz, at aqui temos respeitado sua autoridade. Mas se o senhor no quiser fazer cumprir a lei, iremos ao juiz superior de todos os juzes para que ele nos case.JUIZ(Abrandando.) Que isso, meu jovem, no precisa ser radical! Voc h de concordar comigo que esquisito tanta vontade coletiva de casar hoje em dia isso raro! Mas, estou vendo que aqui tudo gente boa. De maneira que vamos dar incio cerimnia.(Os casais se posicionam. No penltimo lugar, Z e Mui. Fechando a fila, uma atriz sozinha. A cena se desenvolve como um casamento na roa, com todas aquelas ordens do sanfoneiro dadas pelo Juiz. Cada casal assina um papel, que guardado dentro do livro, e sai. Chegam diante do Juiz, Z e Mui.)

JUIZ(Mudando de tom, com a voz do Dono da Porteira.) No se fie nesse cantar, que a guerra ainda no ganha. H muito cho para se andar, e um dia, o Dono lhe apanha. Ta lembrando de minha promessa, homi?

Z DAS COUVES(Protegendo a noiva.) E eu sou raa de esquecer? S quando a fome ta muito braba, n? Agora, lhe digo uma coisa: mesmo fraquinho, pra me apanhar, voc e mais quantos?JUIZ no lao da lei que o enforco. Se bem o conheo, oc num homi de casrio. Entrou na fila s de embalo. Quero ver mesmo se cabra macho, de encarar um compromisso, que s desfaz o cemitrio!Z DAS COUVESJuiz de araque, no me conhece nem bem, nem mal, que eu no ando com chacal. De todas as frutas do pomar, provei, no posso negar. Comi da azeda e da madura. Mas da boa, da doura, santa anja criatura, eis a primeira que vi. (Abraa Mui.). E dessa, vou cuidar com desvelo e rapadura, (Tirando o chapu para o cu.) at meu Jesus me chamar! Repare nesse verso, que o mais puro amar: (Dirigindo-se noiva.)Oi, Mui RendeiraOi, Mui renda,Tu enche minha panelaQue eu te ensino meu cantar.MUI RENDEIRA(Para Z.) Meu tacho de munguz! (Para o Juiz, de mos na cintura.) E voc, seu parente de Judas, quero ver quem lhe ajuda nessa hora crucial. Pensa que poder, pecheira e coisa e tal vo livr-lo do momento fatal? Sua vez tambm chegada, pois, nesta pea, no sai moa desacompanhada. E Hermengarda espera pra dar a famosa penada. (Eles assinam o papel do casrio e saem, dando um tchauzinho malicioso. Sobram no palco Hermengarda e o Juiz. Ela Gordinha, usa uma peruca de tranas e um vestido, ambos vermelhos. Est encabulada, mas no do tipo que se intimida.)HERMENGARDA(Sotaque mais carregado de todos.) Sua bota combina com o meu cabelo. Que lindo! Acho que fomos feito um pro outro. C num acha, meu fumo de rolo?JUIZ(Apavorado) Minha senhora, vamos com calma! Deve haver um mal entendido. O seu consorte tem que estar em algum lugar. (Desesperado, se dirige platia .) H algum noivo a dando sopa? Solteiro? Encalhado? Qualquer estado civil serve!HERMENGARDA(gadunhando ele por trs, pelo pescoo, e trazendo-o de volta.) No, meu xiquixique, oc mesmo, nun sabe? Eu sempre gostei de homi enrolado. E quando mais me enrolar nesse teu cordel, mais eu gosto, minha manteiga de garrafa!JUIZMinha senhora, mais respeito! Eu sou um homem da lei!HERMENGARDAAh, pois, ento veja o que diz a lei!JUIZ(Abre o livro. Quase morto.) Ai, ai, ai... T aqui em caso de haver moa solteira, que se chame Hermengarda, na pea de Anabela, casa-se com ela o senhor Juiz.HEMENGARDA o caso! (Apontando para o livro.) Vale o escrito. Cumpra-se a lei.JUIZ(Olhando a folha de rosto do livro.) Logo vi! Esta Legislao Carrasca uma edio desatualizada. Por isso, ela ta to boazinha... pros outros... HERMENGARDA(Mo na cintura.) Minha tapioquinha, deixe de ser n cego! Se prepare pro casrio... (Mostra o brao.)JUIZ(Tirando a toga. Por baixo, ele veste uma roupa de cantor sertanejo, toda vermelha. Tira Tambm o bigode e as esporas. O barrete vira do avesso, transformando numa peruca de cor igual dela.) Quer saber, Cansei de ser duro. Essa vida de vilo no ta com nada. Tambm quero ser artista, formar dupla caipira e ganhar dinheiro de monto. (Abraando a noiva.) Que qu c acha, Herme?HERMENGARDAAi, minha rede de varanda! Esse o meu sonho de criana... Viajar com meu parceiro pelo mundo inteiro... (Assinam os papis e jogam para o ar. Entram todos os atores, os pares, e vo se dando as mos, formando uma roda.)Z DAS COUVESCrescer no di,Quando a criana vai junto Seno, vira adulto sem assunto.Crescer s diSe a menina fica do lado de fora.Crescer corriSe o menino no pode jogar bola.Salve o adulto, mas viva a crianaE vamos todos encher a pana!(Atores vo abrindo o circulo, E TERMINA A QUADRILHA)