Ana Maria Nogales Vasconcelos QUALIDADE DAS ESTATÍSTICAS DE ÓBITOS NO BRASIL

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QUALIDADE DAS ESTATÍSTICAS DE ÓBITOS NO BRASIL: UMA CLASSIFICAÇÃO DAS UNIDADES DA FEDERAÇÃO Ana Maria Nogales Vasconcelos ** 1. INTRODUÇÃO A qualidade das estatísticas de óbitos no Brasil é um tema que desperta grande interesse quando trata-se de obter níveis e tendências da mortalidade. Qual fonte de dados utilizar? Qual metodologia privilegiar? Estimativas de mortalidade por métodos diretos ou indiretos? Em artigo anterior (Vasconcelos, 1998), a análise da qualidade das estatísticas de óbitos no Brasil com base na comparação dos dois sistemas de informações sobre mortalidade no País ( Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM - do Ministério da Saúde e Sistema de estatísticas vitais do IBGE) evidenciou que apesar de existir uma grande estrutura montada para a coleta, consolidação e publicação das estatísticas de mortalidade desde a década de 70, vários problemas que comprometem a qualidade dos dados ainda estão presentes. Se no nível nacional, os dados dos dois sistemas são cada vez mais similares, no nível regional, diferenças importantes podem ser observadas. Por outro lado, se nos níveis mais agregados, nacional e regional, as diferenças entre os dois sistemas são sempre favoráveis ao sistema do IBGE, quando o nível da análise é por Unidades da Federação as diferenças em favor do SIM aparecem (ver Tabela 1). As grandes diferenças em favor do SIM podem ser explicadas pelo fato de que, sendo o SIM um sistema descentralizado, os serviços de estatísticas vitais dos Estados puderam adotar procedimentos específicos para a coleta de Declarações de Óbitos fora do fluxo normal previamente estabelecido. Ou seja, além de coletar as Declarações de Óbitos nos Cartórios de Registro Civil, em alguns Estados, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste, procede-se à coleta em outros locais como maternidades e hospitais. * Professora do Departamento de Estatística da Universidade de Brasília.

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QUALIDADE DAS ESTATÍSTICAS DE ÓBITOS NO BRASIL:

UMA CLASSIFICAÇÃO DAS UNIDADES DA FEDERAÇÃO

Ana Maria Nogales Vasconcelos∗∗

1. INTRODUÇÃO

A qualidade das estatísticas de óbitos no Brasil é um tema que desperta grande

interesse quando trata-se de obter níveis e tendências da mortalidade. Qual fonte de

dados utilizar? Qual metodologia privilegiar? Estimativas de mortalidade por métodos

diretos ou indiretos?

Em artigo anterior (Vasconcelos, 1998), a análise da qualidade das estatísticas de

óbitos no Brasil com base na comparação dos dois sistemas de informações sobre

mortalidade no País ( Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM - do Ministério

da Saúde e Sistema de estatísticas vitais do IBGE) evidenciou que apesar de existir

uma grande estrutura montada para a coleta, consolidação e publicação das estatísticas

de mortalidade desde a década de 70, vários problemas que comprometem a qualidade

dos dados ainda estão presentes. Se no nível nacional, os dados dos dois sistemas são

cada vez mais similares, no nível regional, diferenças importantes podem ser

observadas. Por outro lado, se nos níveis mais agregados, nacional e regional, as

diferenças entre os dois sistemas são sempre favoráveis ao sistema do IBGE, quando o

nível da análise é por Unidades da Federação as diferenças em favor do SIM aparecem

(ver Tabela 1). As grandes diferenças em favor do SIM podem ser explicadas pelo fato

de que, sendo o SIM um sistema descentralizado, os serviços de estatísticas vitais dos

Estados puderam adotar procedimentos específicos para a coleta de Declarações de

Óbitos fora do fluxo normal previamente estabelecido. Ou seja, além de coletar as

Declarações de Óbitos nos Cartórios de Registro Civil, em alguns Estados, sobretudo

nas regiões Norte e Nordeste, procede-se à coleta em outros locais como maternidades e

hospitais.

∗ Professora do Departamento de Estatística da Universidade de Brasília.

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De maneira geral, a amplitude das diferenças entre os dois sistemas e suas

variações ao longo do período 1977-1995 estão associadas à tradição estatística e à

importância que os governos estaduais dão à produção de informações sobre o

movimento da população. Desta forma, a amplitude das diferenças entre os dois

sistemas pode ser considerada como uma medida do bom funcionamento do SIM na

Unidade da Federação, já que esse sistema depende integralmente dos serviços de

estatística ali implantados. Sendo independente dos serviços de estatísticas vitais

municipais e estaduais, já que o sistema é centralizado, os dados do sistema do IBGE

são considerados como referência para o SIM. Se a coleta de dados segue o fluxo

normal estabelecido, teoricamente, para todos os óbitos registrados nos Cartórios de

Registro Civil (informação na qual se baseia o sistema do IBGE) existe uma Declaração

de Óbito correspondente (informação na qual se baseia o SIM).

Sendo a qualidade da informação do SIM bastante variável quando se considera

o nível mais desagregado, é de grande interesse buscar agrupar/classificar as Unidades

da Federação em grupos mais homogêneos segundo a qualidade das estatísticas de

óbitos. Quais Unidades da Federação apresentam dados de melhor qualidade? Para

quais Unidades da Federação, podem-se obter estimativas diretas de níveis e tendências

da mortalidade? Para quais Unidades ainda são necessárias correções por

subenumeração? O presente trabalho apresenta uma abordagem pela qual busca-se

responder a essas perguntas. Propõe-se uma análise de agrupamentos (cluster analysis)

das Unidades da Federação que poderá ser de grande ajuda aos produtores de

informações sobre movimento da população na implementação de ações que visem a

melhoria da qualidade das estatísticas de óbitos no País. Por outro lado, a análise de

agrupamentos poderá também auxiliar os usuários das informações do SIM na escolha

da melhor metodologia para obtenção de estimativas de níveis e tendências da

mortalidade.

2. METODOLOGIA

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Para a análise de agrupamentos, foram consideradas variáveis relacionadas à

qualidade da informação do SIM. Em primeiro lugar, considerou-se a diferença média

entre o SIM e o IBGE no período recente (1990-1995). Além dessa variável, foram

consideradas a taxa de cobertura do sistema (taxa de subenumeração de óbitos) e a

proporção da população da Unidade da Federação residente em municípios classificados

como "com informação regular", duas variáveis utilizadas pelo SIM como indicadores

de qualidade da informação.

No que diz respeito à taxa de cobertura (ou taxa de subenumeração de óbitos),

considerou-se a taxa estimada pelo Ministério da Saúde em 1996 (Ministério da Saúde,

1998). Esta taxa de cobertura foi obtida relacionando-se o número de óbitos informados

pelo SIM e o número de óbitos verdadeiro estimado pelo IBGE. Infelizmente, a

metodologia de obtenção do número de óbitos verdadeiro estimado para cada Unidade

da Federação não é explicitada nas notas metodológicas apresentadas pelo Ministério da

Saúde. Mas, certamente, devem ter sido utilizados alguns dos métodos de correção

amplamente conhecidos, que podem ser divididos basicamente em dois grupos: 1)

métodos baseados no conceito de população estável e 2) métodos não baseados nesse

conceito. Todos os métodos têm suas vantagens e desvantagens, mostradas em diversos

trabalhos aplicados ao caso brasileiro (por exemplo, Moreira, 1982). As taxas de

cobertura (Tabela 2) apresentadas pelo Ministério da Saúde variam de 18,7% no Piauí a

107% no Rio de Janeiro. As taxas superiores a 100% entretanto não devem ser

interpretadas como sobre-registro de óbitos, mas sim como possíveis não observações às

hipóteses subjacentes ao método de correção utilizado. Alguns dos métodos são bastante

sensíveis à quebra dos pressupostos de estabilidade, como a presença de migrações.

Outros métodos são sensíveis à qualidade da informação de base ou ao modelo de

mortalidade escolhido. Desta forma, as taxas de cobertura devem ser analisadas com

muito cuidado. Mas, de modo geral, elas discriminam as Unidades da Federação

evidenciando que os problemas de subenumeração (e sub-registro) de óbitos são muito

graves no Norte e Nordeste, e quase inexistentes no Sul e Sudeste do País.

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No que se refere à proporção da população residente em municípios onde a

disponibilidade da informação do SIM é considerada regular, os responsáveis pelo

Sistema de Informações de Mortalidade vêm esta proporção como um indicador da

consolidação e a extensão do sistema na Unidade da Federação. O principal critério do

Ministério da Saúde para classificar os municípios segundo a regularidade da

informação é a taxa bruta de mortalidade. A partir de 1990, o município é classificado

como tendo informação regular se a taxa bruta de mortalidade for igual ou superior a

6‰ (Ministério da Saúde, 1995). Este, entretanto, não é um bom critério de

classificação, visto que a taxa bruta de mortalidade é fortemente influenciada pela

estrutura etária da população. Por um lado, uma taxa inferior a 6‰ não indica

necessariamente uma subenumeração de óbitos pelo SIM, por outro lado, uma taxa

bruta superior a 6‰ não é um indicador de boa qualidade de dados. De acordo com esse

critério, as informações sobre óbitos da capital do Estado de Roraima e do Distrito

Federal não seriam regulares, apesar de o SIM, nos dois casos, poder ser considerado

como consolidado (o sistema coleta e processa informações da totalidade de eventos

registrados). No entanto, ainda que o critério da taxa bruta não seja o mais indicado,

decidimos utilizá-lo, mas mudando o limite de 6‰ para 4‰ (limite utilizado antes de

1990), já que esse valor é mais adequado às estruturas etárias de muitos municípios

onde o subenumeração pode ser considerado como praticamente inexistente. As

proporções apresentadas na Tabela 2 se referem a 1996.

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Tabela 1 - Razão SIM/IBGE (%) segundo lugar de residência do falecido. Unidades da Federação. 1977-1995 (anos selecionados) Unidades da Federação 1977 1980 1985 1988 1990 1991 1994 1995 Média

1990-1995 Região Norte 75,1 86,5 93,1 94,7 88,2 89,9 88,2 89,9 89,8 Rondônia 67,1 99,0 99,4 102,4 99,3 96,7 91,8 97,7 95,5 Acre 92,3 92,7 95,2 105,8 82,0 107,0 92,9 92,9 94,5 Amazonas 66,9 84,7 91,5 91,7 85,5 83,2 89,9 92,6 88,1 Roraima 96,0 84,9 106,0 104,8 100,7 102,1 129,8 116,6 110,2 Pará 76,8 84,4 91,4 91,9 91,0 89,4 86,0 85,2 88,4 Amapá 80,9 90,6 96,6 106,1 104,5 93,2 90,7 87,7 95,7 Tocantins - - - - 49,7 84,9 79,4 90,8 82,8

Região Nordeste 55,3 82,8 92,2 95,0 91,9 93,6 91,9 94,0 93,2 Maranhão 30,3 49,5 81,8 91,3 90,0 101,7 78,9 84,9 92,5 Piauí 33,2 62,7 115,2 98,9 98,8 77,0 86,9 87,7 90,4 Ceará 30,8 63,9 79,1 80,6 86,4 85,0 98,0 94,9 91,5 Rio Grande do Norte 24,6 86,5 89,1 97,7 85,9 98,8 99,5 113,0 100,2 Paraíba 13,4 94,8 93,1 88,4 87,3 87,6 85,1 92,2 86,9 Pernambuco 92,5 93,6 99,2 112,6 100,2 99,4 95,1 95,0 96,8 Alagoas 29,0 94,7 101,0 102,6 99,3 100,1 95,9 100,4 98,6 Sergipe 39,6 103,3 100,0 95,7 97,2 110,7 104,7 115,9 109,6 Bahia 72,4 78,6 88,9 87,2 86,4 90,4 88,5 88,2 88,8

Região Sudeste 96,1 99,5 99,4 99,6 98,3 98,8 99,1 100,9 99,3 Minas Gerais 97,7 97,8 96,9 96,1 92,7 93,8 94,6 100,1 95,5 Espírito Santo - 97,2 99,7 98,3 97,0 98,8 97,9 94,4 97,0 Rio de Janeiro 100,3 99,9 100,7 102,7 100,8 101,2 101,2 101,2 101,2 São Paulo 100,1 100,4 100,0 99,9 99,6 99,9 100,1 101,7 100,2

Região Sul 92,8 98,3 99,2 99,7 98,7 99,2 99,2 98,6 99,1 Paraná 87,6 97,4 97,9 98,9 98,6 98,9 98,5 98,3 98,5 Santa Catarina 91,2 96,1 99,6 100,8 99,9 99,2 99,7 100,2 99,8 Rio Grande do Sul 99,1 100,0 100,2 100,0 98,3 99,5 99,5 98,1 99,3

Região Centro Oeste 52,2 82,4 97,4 97,9 84,9 91,3 95,9 101,8 94,2 Mato Grosso do Sul - 90,0 96,4 98,6 97,9 97,1 100,5 103,3 99,0 Mato Grosso 73,6 66,7 91,8 93,3 81,9 92,0 90,8 101,6 91,9 Goiás 26,8 79,1 100,6 102,3 78,2 91,1 100,9 107,5 96,5 Distrito Federal 95,3 96,9 93,9 87,8 90,3 85,3 84,6 87,6 86,0

Brasil 80,2 92,1 96,6 97,7 95,1 96,2 96,1 97,8 96,8 Fonte: IBGE, Estatísticas do Registro Civil, 1977-1995 e Ministério da Saúde, Estatísticas de Mortalidade, 1977-1995. Nota: O número de óbitos de residentes segundo o IBGE corresponde aos óbitos ocorridos e registrados no ano de referência mais os óbitos registrados no ano seguinte.

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Tabela 2 – Variáveis utilizadas na análise de classificação Unidade da Federação

Sigla

Diferença média entre

os dois sistemas

(1990-1995)

Taxa de cobertura

(%)

Proporção da população com

informação regular

(%)

Classificação segundo a qualidade

dos dados de óbitos

Rondônia RO 4,5 69,0 32,2 3 Acre AC 5,5 80,5 65,9 2 Amazonas AM 11,9 61,4 52,2 3 Roraima RR -10,2 74,2 66,4 2 Pará PA 11,6 53,5 38,5 3 Amapá AP 4,3 86,9 76,9 2 Tocantins TO 17,2 59,1 30,6 3 Maranhão MA 7,5 29,4 14,5 4 Piauí PI 9,6 18,7 12,5 4 Ceará CE 8,5 54,7 62,1 3 Rio Grande do Norte RN -0,2 60,5 77,8 2 Paraíba PB 13,1 55,8 83,5 2 Pernambuco PE 3,2 72,7 91,5 2 Alagoas AL 1,4 59,6 78,0 2 Sergipe SE -9,6 79,1 69,6 2 Bahia BA 11,2 62,5 62,6 3 Minas Gerais MG 4,5 93,0 88,9 2 Espírito Santo ES 3,0 99,0 98,8 1 Rio de Janeiro RJ -1,2 107,2 100,0 1 São Paulo SP -0,2 106,5 99,9 1 Paraná PR 0,7 99,8 97,4 1 Santa Catarina SC 1,5 102,7 95,3 1 Rio Grande do Sul RS 0,2 107,6 99,4 1 Mato Grosso do Sul MS 1,0 102,2 93,7 1 Mato Grosso MT 8,1 71,3 48,5 3 Goiás GO 3,5 85,8 84,7 2 Distrito Federal DF 14,0 94,5 100,0 1 Fonte : Ministério da Saúde, IDB-98 : Brasil, 1999. Nota: Diferença entre os dois sistemas = (óbitos IBGE – óbitos SIM)/óbitos IBGE

Para a classificação das Unidades da Federação, utilizamos a metodologia de

classificação hierárquica e o critério de agrupamento "Average Linkage – Entre

Grupos". Foi utilizado o aplicativo SPSS®.

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3. RESULTADOS

A análise dos coeficientes e do dendograma (Gráfico 1) obtidos a partir da

análise de classificação hierárquica, nos indica a escolha do agrupamento das Unidades

da Federação em quatro grupos distintos:

Grupo 1 – Boa qualidade de dados : compreende as UF’s onde o sistema do

Ministério da Saúde pode ser considerado como consolidado, as taxas de cobertura de

óbitos são superiores a 95% e as diferenças entre os dois sistemas (SIM/IBGE) são

pequenas (à exceção do Distrito Federal);

Grupo 2 – Qualidade de dados regular a deficiente : compreende as UF’s onde

o sistema do Ministério da Saúde está em processo de consolidação – mais de 65% da

população reside em municípios com informação regular -, as taxas de cobertura variam

entre 55% e 93% e as diferenças entre os dois sistemas são variáveis (na maioria das

UF’s a diferença é pequena, à exceção dos Estados da Paraíba, Sergipe e Roraima);

Grupo 3 – Qualidade de dados deficiente : compreende as UF’s onde o sistema

do Ministério da Saúde ainda não está consolidado – menos de 65% da população reside

em municípios com informação regular -, as taxas de cobertura variam entre 53% a 71%

e as diferenças entre os dois sistemas são elevadas;

Grupo 4 – Qualidade de dados muito deficiente : compreende as UF’s onde o

sistema do Ministério da Saúde tem ainda muito dificuldade em sua implantação e

consolidação, as taxas de cobertura são muito pequenas e as diferenças entre os dois

sistemas elevadas.

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Gráfico 1 – Dendograma da classificação hierárquica "Average Linkage – Between Groups" (aplicativo SPSS®) Unidade da 0 5 10 15 20 25 Federação Num +---------+---------+---------+---------+---------+ RJ 19 -+ SP 20 -+ RS 23 -+-+ SC 22 -+ I MS 24 -+ +-------------+ ES 18 -+ I I PR 21 -+ I I DF 27 ---+ +-------------------------------+ RN 11 -+-+ I I AL 14 -+ +-----+ I I PB 12 ---+ I I I RR 4 -+-+ +-------+ I SE 15 -+ +---+ I I AC 2 ---+ I I I AP 6 -+ +-+ I GO 26 -+-+ I I MG 17 -+ +---+ I PE 13 ---+ I MA 8 -+-----------------------------+ I PI 9 -+ I I CE 10 -+-+ +-----------------+ BA 16 -+ +---+ I AM 3 -+-+ I I MT 25 -+ +-----------------------+ PA 5 -+-+ I TO 7 -+ +---+ RO 1 ---+

Os Estados da região Sul e Sudeste (à exceção de Minas Gerais), assim como o

Estado de Mato Grosso do Sul e o Distrito Federal na região Centro-Oeste formam parte

do primeiro grupo. A boa qualidade dos dados que caracteriza este grupo pode ser

associada à relativa facilidade de implantação do sistema do Ministério da Saúde

quando da introdução da “Declaração de óbito” como formulário padrão para a

atestação da causa da morte. A existência anterior de sistemas de estatísticas vitais,

envolvendo a coleta de dados nos Cartórios de Registro Civil é um dos fatores que

explica a rápida implantação e consolidação do SIM nessas Unidades da Federação. À

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exceção do Distrito Federal, que constitui um caso particular,1 as diferenças entre os

dois sistemas são muito pequenas, indicando que os Cartórios observam as normas para

o registro de óbitos, exigindo a apresentação da Declaração de óbito, e enviando as

informações dos registros ao sistema do IBGE e ao SIM. É importante lembrar que para

os dois sistemas, o Cartório de Registro Civil tem um papel fundamental no fluxo de

informações. Como na lei que regulamenta o registro civil de pessoas naturais no Brasil

(lei 6015 de 1973), menciona-se apenas a obrigatoriedade do envio de informações dos

eventos registrados pelos Cartórios ao sistema do IBGE, para a implantação e

consolidação do SIM, coube aos serviços de estatísticas vitais das Unidades da

Federação estabelecer uma relação estreita com os Cartórios para garantir o envio

periódico das Declarações de óbitos. Por outro lado, nessas Unidades da Federação, o

sub-registro de óbitos bastante reduzido está associado às condições sócio-econômicas

mais favoráveis, às elevadas taxas de urbanização e às taxas de mortalidade infantil

mais reduzidas. Em 1996, as Unidades da Federação que compõem o Grupo 1

representavam 49% da população brasileira e respondiam por 68% do Produto Interno

Bruto (Ministério da Saúde, 1999).

Tabela 3 – Caracterização dos grupos das Unidades da Federação segundo as variáveis consideradas na classificação

Variáveis Grupos 1 2 3 4

Número de UF's 8 10 7 2 Diferença entre os sistemas �� Média 2,4 1,5 10,4 8,5 �� Amplitude de variação -1,2 – 14,0 -10,2 –13,1 4,5 – 17,2 7,5 – 9,6 % População c/ inf. Regular (%Pop)

�� Média 98,1 78,3 46,7 13,5 �� Amplitude de variação 93,7 – 100,0 65,8 – 91,5 30,6 – 62,6 12,5 – 14,5 Taxa de cobertura �� Média 102,4 74,8 61,6 24,1 �� Amplitude de variação 94,5 – 107,6 55,8 – 93,0 53,5 – 71,3 18,7 – 29,4

1 As grandes diferenças entre SIM e IBGE para o Distrito Federal são explicadas pelas transcrições incorretas da informação sobre município de residência do falecido do livro de registros para o mapa de óbitos do IBGE. A informação do SIM reproduz aquela inscrita nos livros de registros arquivados nos Cartórios.

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Gráfico 2 - Caracterização dos grupos das Unidades da Federação segundo as variáveis consideradas na classificação a. Diferença média (em %) entre os dois sistemas (1990-1995)

Grupo

4321

SIM

/IBG

E

20

10

0

-10

-20

TO

SERR

PBDF

b. Proporção da população residente em municípios com informação regular

Grupo

4321

%P

op

120

100

80

60

40

20

0

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c. Taxa de cobertura do SIM (%)

Grupo

4321

Cob

ertu

ra120

100

80

60

40

20

0

Gráfico 3 - Agrupamento das Unidades da Federação segundo as variáveis de classificação.

Grupo

4

3

2

1

TO

DF

AMMT

PA

MG

BA AC

SC

AP

RSES

RO

MSSPRJPR

%Pop

GOPB

20 120

CE

20

40

PE

MAPI

100

60

AL80

10

RN

100

SE

80

RR

120

CoberturaSIM/IBGE600 40-10 20

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No segundo grupo, a qualidade dos dados é mais variável. Por um lado,

encontram-se os Estados de Minas Gerais, Goiás e Pernambuco, cujas fortes tradições

estatísticas, contribuíram para a “interiorização” do SIM nesses Estados. As proporções

de população residente em municípios com informação regular são superiores a 84%.

No entanto, ainda existem muitos obstáculos e dificuldades para que o SIM alcance a

universalidade, tais como: a dificuldade de controlar o envio das informações pelos

Cartórios aliada à grande extensão territorial e ao grande número de Cartórios, e a

existência de regiões de extrema pobreza no interior desses Estados. No caso de

Pernambuco, da mesma forma que para os outros Estados da região Nordeste neste

grupo (Rio Grande do Norte, Paraíba e Sergipe) – que se diferenciam dos outros

Estados da região pela rápida implantação do SIM (ver Tabela 1) -, o principal

problema ainda é o sub-registro de óbitos. Neste sentido, vale ressaltar o esforço do

serviço de estatísticas de mortalidade do Estado de Sergipe que, objetivando alcançar a

universalidade do SIM, apresenta para vários anos grandes diferenças em favor desse

sistema, evidenciando assim o uso freqüente dos recursos alternativos para coletar

Declarações de óbitos. Nos anos mais recentes, o Estado do Rio Grande do Norte

também vem apresentando diferenças favoráveis ao SIM. Por outro lado, o Estado da

Paraíba apresenta grandes diferenças em favor do IBGE, indicando que além do sub-

registro, o serviço de estatísticas de mortalidade do estado ainda tem dificuldades de

coletar as Declarações de óbitos junto aos Cartórios. Finalmente, os três Estados da

região Norte neste grupo (Acre, Amapá e Roraima) são os Estados menos populosos da

região e aqueles que apresentam as mais elevadas taxas de cobertura. O SIM funciona

relativamente bem nesses Estados, apesar das regiões de difícil acesso. Para concluir, o

segundo grupo pode, de fato, ser subdivido em dois subgrupos segundo a qualidade dos

dados do SIM. De um lado, os Estados onde a informação pode ser considerada como

de qualidade regular (Minas Gerais, Goiás, Pernambuco, Sergipe, Acre, Amapá et

Roraima) e, de outro, os Estados onde a informação é deficiente sobretudo devido às

baixas taxas de cobertura (Rio Grande do Norte, Alagoas et Paraíba).

O terceiro grupo é composto por Mato Grosso na região Centro-Oeste, Bahia e

Ceará na região Nordeste e pelos Estados do Pará, Amazonas, Rondônia e Tocantins na

região Norte. Neste grupo, a qualidade dos dados deficiente é explicada sobretudo pelas

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condições desfavoráveis à implantação do sistema de coleta das Declarações de óbitos

(grande extensão territorial, regiões de difícil acesso, existência de diversos cemitérios

clandestinos, falta de assistência médica, proporção elevada de população rural, elevada

taxa de sub-registro de óbitos). Mas, por outro lado, verifica-se que os serviços de

estatísticas de mortalidade desses Estados conseguiram introduzir a nova sistemática de

atestação da causa da morte, ao menos nas capitais dos Estados e nas principais zonas

urbanas. A generalização da prática de certificação da causa da morte e a observação

das normas de registro e do fluxo de informações estabelecido são objetivos difíceis a

serem atingidos. Associada às características geográficas e às condições sócio-

econômicas dos Estados que compõem este grupo, observa-se uma grande dificuldade

no controle dos procedimentos de registro e de sepultamento por parte dos órgãos

responsáveis pela produção das estatísticas de mortalidade.

Finalmente, no quarto grupo encontram-se os Estados do Maranhão e do Piauí

na região Nordeste. Estes são os Estados mais pobres do País, com mais de 60% da

população vivendo abaixo da linha de pobreza (com renda familiar per capita inferior a

½ Salário Mínimo) (Ministério da Saúde, 1999), com uma grande parcela da população

residente na zona rural e onde o sub-registro de óbitos é extremamente elevado. As

taxas de cobertura do SIM são bastante reduzidas (29% no Maranhão e 19% no Piauí) e

mais de 80% da população reside em municípios classificados como “com informação

não regular”. Os dados do SIM para estes Estados são portanto classificados como de

qualidade muito deficiente. Desta forma, a sua utilização não é recomendada.

Possivelmente, os dados para as capitais apresentem uma melhor qualidade.

4. CONCLUSÕES

A qualidade das informações sobre óbitos no País é muito variável e estreitamente

relacionada com as condições sócio-econômicas predominantes nas Unidades da

Federação. É importante observar que para metade da população brasileira, os dados do

SIM são de boa qualidade, podendo serem utilizados para a estimação de níveis e

tendências da mortalidade. Para os Estados onde a qualidade da informação foi

Page 14: Ana Maria Nogales Vasconcelos QUALIDADE DAS ESTATÍSTICAS DE ÓBITOS NO BRASIL

considerada regular, os dados devem ser utilizados considerando-se alguma técnica de

correção dos níveis de cobertura. Para os demais Estados, onde a qualidade da informação

é deficiente ou muito deficiente, os dados do SIM devem ser utilizados com bastante

cautela. Nesses Estados, serão necessários grandes esforços por parte dos governos

estaduais, apoiados pelo governo federal, para que a sistema de informações de

mortalidade do Ministério da Saúde possa ser generalizado.

Para finalizar, vale observar que neste trabalho não foi considerada a qualidade da

informação sobre causa de morte. Considerando-se este aspecto na qualidade dos dados do

SIM, outros agrupamentos das Unidades da Federação serão evidenciados.

5. BIBLIOGRAFIA

Fundação IBGE, 1977-1995, Estatísticas do Registro Civil, Rio de Janeiro.

Ministério da Saúde, 1979-1997, Estatísticas de Mortalidade. Brasil, CD-ROM, Brasília.

Ministério da Saúde, 1995, Estatísticas de Mortalidade. Brasil, Brasília.

Ministério da Saúde, 1998, Indicadores e dados básicos para a saúde - 1997, Brasília.

Ministério da Saúde, 1999, Indicadores e dados básicos para a saúde - 1998, Brasília.

Moreira, M., 1982, "Sub-registro de óbitos no Brasil", Anais do III Encontro da

Associação Brasileira de Estudos Populacionais, ABEP, Vitória.

Vasconcelos, A.M., 1998, “A qualidade das estatísticas de óbitos no Brasil”, Revista

Brasileira de Estudos de População, ABEP, 15(1), jan-jul.