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FACULDADE DE LETRAS UNIVERSIDADE DO PORTO
Ana Manuela Faria da Cunha
2º Ciclo de Estudos em Ensino do Português e Línguas Clássicas no 3º Ciclo do Ensino Básico e Ensino Secundário
A atualidade e a intemporalidade da Literatura
Um estudo didático em torno dos mitos e das obras clássicas
2013
Orientador: Professor Doutor Jorge Pereira Nunes Deserto
Classificação: Ciclo de estudos:
Dissertação/relatório/Projeto/IPP:
Versão definitiva
2
Agradecimentos
Ao professor doutor Jorge Deserto, pela orientação, pelos conselhos e palavras
sábias, por toda a paciência e pela força que sempre me transmitiu. Obrigada, do fundo do
coração, por tudo aquilo que me ensinou ao longo dos cinco anos da minha vida académica.
Às professoras Teresinha Sá e Sandra Raquel, por me mostrarem a professora que
quero ser, pela confiança, paciência e por todos os ensinamentos que hei de carregar para
sempre na memória e no coração.
Aos meus alunos, por tudo aquilo que me ensinaram. Por todas as coisas que me
fizeram ver ao longo daquele que foi o melhor ano letivo de sempre. Por mais que o tempo
passe, que a vida mude, que os anos corram, nunca vou esquecer os dias passados em
Famalicão. Obrigada pela forma como me protegiam nas aulas supervisionadas, pelos
vossos olhares atentos e curiosos, pelos vossos risos, pela vossa confiança, pela vossa
bondade. Nunca a palavra “partilhar” fez tanto sentido. E eu nunca gostei de nada nem de
ninguém tão genuinamente como gosto de vocês. Por isto, por tanto, por tudo: obrigada.
À minha família, especialmente aos meus pais, ao meu irmão e à minha cunhada,
por serem indiscutivelmente o meu porto seguro.
À Inês Ribeiro e ao João Pedro, “porque metade de mim é amor e a outra metade
também”.
Ao Dinis, pela amizade incondicional e pela ajuda na elaboração do Abstract.
Aos meus amigos, por deixarem que partilhe com eles o meu amor pelo ensino e,
assim, entenderem quem sou.
Ao Carlos e aos Da Weasel, “a minha pedra filosofal”, fonte de toda a inspiração.
3
Dedicatória
Aos alunos do 9ºB, do 10º L e do 11º L da Escola Secundária Camilo Castelo Branco no
ano letivo 2011 / 2012.
Com todo o meu coração.
4
«A necessidade de transmitir conhecimento e competências, o desejo de os adquirir são
constantes da natureza humana. Mestres e discípulos, ensino e aprendizagem deverão
continuar a existir enquanto existirem sociedades. A vida tal como a conhecemos não poderia
passar sem eles. A sede de conhecimento, a necessidade profunda de compreender, estão
inscritas no melhor dos homens e das mulheres. Tal como a vocação do professor. Não há
ofício mais privilegiado.»
George Steiner
«O material que é trabalhado pelos professores não pode ser quantificado. Não há números ou casas decimais
com suficiente precisão para medi-lo. A falta de quantificação não é culpa dos assuntos inquantificáveis, é
culpa do nosso desejo de quantificar tudo. Os professores não vendem o material que trabalham, oferecem-no.
[…] O trabalho dos professores é a generosidade.
[…] Os verdadeiros professores são aqueles que sabem que aquilo que têm para ensinar é precioso. Os
professores sabem que a vida daqueles que estiverem à sua frente, a ouvir, a ver, a aprender, será melhor
depois desse esforço de transmitir algo que brilha.»
José Luís Peixoto
5
Índice
Agradecimentos…………………………………………………………………………2
Dedicatória………………………………………………………………………………3
Índice…………………………………………………………………………………….5
Resumo…………………………………………………………………………………..8
Abstract………………………………………………………………………………….9
1. Introdução……………………………………………………………...…………….10
2. A atualização e a intemporalidade da Literatura…………………………………….12
2.1. O ensino dos textos literários nas aulas de Português……………………..12
2.2. A leitura de obras clássicas durante a adolescência………………………..15
3. A universalidade e a perenidade da mitologia……………………………………….20
3.1. A importância do mito no mundo atual e a sua intemporalidade………….20
3.2. A atualidade da mitologia e da cultura greco-latina em sala de aula………28
3.3. A importância da utilização de diferentes processos didáticos que contribuam
para um ensino mais motivador e aprazível do Latim………………….………………30
4. Descrição do estudo realizado durante o estágio pedagógico e reflexão sobre a prática
letiva……………………………………………………………………………………..34
4.1. Caracterização da Escola Secundária Camilo Castelo Branco………...……34
4.2. Caracterização das turmas…………………………………………...………35
4.2.2. Caracterização da turma de Português do 11º ano…………….…..35
4.2.3. Caracterização da turma de Português do 9º ano………………….36
4.2.4. Caracterização da turma de Latim…………………………………37
4.3. A presença dos clássicos nas aulas de Português……………………………38
4.3.1. Atividades realizadas durante o estágio pedagógico de Português na
turma do 11º ano……………………………..…………………………………………...38
6
4.3.2 Atividades realizadas durante o estágio pedagógico de Português na
turma do 9º ano…………………………………………………………………………..58
4.4. A atualidade da mitologia e da cultura clássica nas aulas de Latim……...….67
4.4.1. Atividades realizadas durante o estágio pedagógico………………67
5. Conclusão………………………………………………………………………………77
Bibliografia………………….…………………………………………………………….79
Lista de anexos…………………………………………………………………………....82
Anexo I – Ficha de trabalho: «Do discurso cinematográfico à construção do texto
argumentativo»…………………………………………………………………………….84
Anexo II – Exercício de expressão escrita: «Do discurso publicitário à construção
do texto argumentativo»……………………………………………………………………85
Anexo III – Exercício de expressão escrita: «Atualizando o Sermão: Do século
XVIII ao século XXI»……………………………..……………………………………….87
Anexo IV – Texto da aula Inês Pereira, do 11º L: «Desigualdade social
brasileira»…………………………………………………………………………………..89
Anexo V – Texto do aluno João Neto, do 11ºL: «Ex-prisioneiros»……………….90
Anexo VI – Texto da aluna Ana Isabel Gonçalves, do 11º L: «Os estudantes que
perderam as suas bolsas de estudo»………………………….…………………………….91
Anexo VII – Ficha de trabalho: «Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett, cenas VII
e VIII, Ato Primeiro»………………………………………………..…………………….92
Anexo VIII – Ficha de trabalho: «Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett, cenas IX
a XII, Ato Primeiro»……………………………………………………………………….94
Anexo IX – Exercício de expressão escrita: «Do texto dramático ao texto
autobiográfico»……………………………………………….……………………96
Anexo X – Texto do aluno Noé Oliveira, do 11ºL: «Página de diário de Telmo
Pais»……………………………………………………………………………………….98
Anexo XI – Texto da aluna Ana Isabel Gonçalves, do 11ºL: «Página de diário de
Telmo Pais»……………………………………………………………………………….109
Anexo XII – Texto da aluna Patrícia Faria, do 11ºL: «Página de diário de
Madalena»……………………………………………………………………………...…100
7
Anexo XIII – Texto do aluno Simão Silva, do 11ºL: «Página de diário de
Madalena»………………………………………………………………………………..101
Anexo XIV – Texto da aluna Filipa Rodrigues, do 11ºL: «Página de diário de
Madalena»………………………………………………………………………………..102
Anexo XV – Ficha de trabalho: «O Quinto Império, Ontem como Hoje»……….103
Anexo XVI – Exercício de expressão escrita a partir do estudo do episódio do Hotel
Central, em Os Maias, de Eça de Queirós…………………………………………..……104
Anexo XVII – Texto da aluna Maria Sofia Macedo, do 11ºL: «Comentário ao
cartoon a partir do confronto de gerações presente no episódio do Hotel Central, em Os
Maias, de Eça de Queirós»……………………………………………………………….105
Anexo XVIII – Texto da aluna Patrícia Teixeira, do 11ºL: «Comentário ao cartoon
a partir do confronto de gerações presente no episódio do Hotel Central, em Os Maias, de
Eça de Queirós»………………………………………………………………………….106
Anexo XIX – Exercício de expressão escrita: «A carta de reclamação»………...107
Anexo XX – Texto da aluna Ana Sofia Azevedo, do 9ºB: «A carta de
reclamação»………………………………………………………………………………108
Anexo XXI – Texto da aluna Raquel Cunhal, do 9ºB: «A carta de
reclamação»………………………………………………………………………………109
Anexo XXII – Texto do aluno Vasco Sampaio, do 9ºB: «A carta de
reclamação»……………………………………………………………………………….110
Anexo XXIII – Texto da aluna Ana Isabel Bacelar, do 9ºB: «A carta de
reclamação»……………………………………………………………………………….111
Anexo XXIV – Exercício de expressão escrita: «Do discurso cinematográfico à
construção do texto narrativo»……………………………………………………………113
Anexo XXV – Texto da aluna Raquel Cunhal, do 9ºB: «Do discurso
cinematográfico à construção do texto narrativo»………………………………..………115
Anexo XXVI – Texto da aluna Ana Sofia Azevedo, do 9ºB: «Do discurso
cinematográfico à construção do texto narrativo»…………………………………..……117
Anexo XXVII – Texto do aluno Vasco Sampaio, do 9ºB: «Do discurso
cinematográfico à construção do texto narrativo»…………………………………..……118
8
Resumo
A leitura de obras clássicas durante o período da adolescência constitui, na maior
parte das vezes, um verdadeiro problema para os professores de Português que, perante o
desinteresse geral dos seus alunos, necessitam de intervir ativamente na construção de um
ensino mais motivante e atrativo.
A necessidade de intervenção torna-se igualmente imperativa na disciplina de
Latim, pois, para além do escasso número de alunos que optam pelo estudo das Línguas
Clássicas durante o ensino secundário, a verdade é que o estudo do Latim é frequentemente
considerado pelos jovens como enfadonho, pela obrigatoriedade do estudo da gramática
latina e da sua memorização, ou até mesmo desinteressante, por se tratar de uma língua que
já não possui falantes nativos.
Todavia, considerando que as aulas de Português e de Latim podem não só
privilegiar o estudo de textos literários, no caso do Português, ou o estudo de textos de
língua, no caso do Latim, como também permitir o acesso a textos fílmicos, pictóricos ou
musicais, procurei, ao longo das aulas que lecionei na condição de professora estagiária,
mostrar aos meus alunos a atualidade e a intemporalidade da literatura, assim como da
cultura e mitologia clássicas, através de diferentes materiais e atividades, apresentados e
descritos neste trabalho.
Desta forma, o presente estudo realizado durante a iniciação à prática pedagógica no
ano letivo 2011/2012 pretende apresentar o trabalho desenvolvido nas disciplinas de
Português e Latim, cuja principal reflexão incide na permanência dos clássicos nos nossos
dias.
Assim, partindo, essencialmente, dos trabalhos escritos dos alunos e das suas
reações face à constatação de que obras, culturas e mitos de um tempo distante
permanecem ainda no mundo que lhes é familiar, chega-se à demonstração que estas
referências contribuíram para a sua aprendizagem.
9
Abstract
The reading of the classics during adolescence constitutes, in most cases, a real
problem for Portuguese teachers who, before the indifference of their students, need to
actively intervene in making teaching more motivating and attractive.
This need for intervention becomes equally imperative in the discipline of Latin as,
in addition to the small number of students who opt for the study of classical languages
during high school, the truth is that the study of Latin is often regarded by young people as
boring, due to the compulsory study and memorisation of Latin grammar, or even
uninteresting, because it is a language that no longer has native speakers.
Nevertheless, considering that the lessons of Portuguese and Latin can focus not
only on the study of literary texts, in the case of Portuguese, and the study of language
texts, in the case of Latin, but also provide access to filmic, pictorial or musical texts, I
tried, during the course of my internship, to show my students the relevance and
timelessness of classical literature, culture and mythology through different materials and
activities as presented and described in this paper.
Accordingly, the present study, realized during the beginning of pedagogical
practice in the 2011/2012 school year, aims to present the work developed in the disciplines
of Portuguese and Latin, whose primary reflection focuses on the prevalence of classics in
our time.
This way, departing mainly from the students’ written works and their reactions to
finding that oeuvres, cultures and myths of a distant time still belong to a world that is
familiar to them, one comes to the demonstration that these references have contributed to
their learning.
10
1. Introdução
“Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer.”1
Um clássico, por sê-lo, permanece na memória daqueles que o leram. É transmitido por
diferentes gerações ao longo do tempo, lecionado nas escolas pelo seu valor inquestionável
e por possibilitar aos nossos alunos uma maior formação na área da sintaxe, um
desenvolvimento lexical notável, assim como a possibilidade de contactarem com um
universo longínquo e diferente daquele que conhecem.
Todavia, a impaciência, a distração ou, até mesmo, a inexperiência são fatores que
condicionam a leitura das obras clássicas durante a adolescência: o encontro com um
clássico é, para os nossos estudantes, quase sempre um primeiro encontro.
O mesmo acontece, e de uma forma ainda mais precisa, com os alunos que iniciam,
no 10º ano de escolaridade, o estudo do Latim. É necessário que eles compreendam a
importância do estudo das Línguas Clássicas e reconheçam que a mitologia e a cultura de
um mundo tão distante permanecem no universo atual.
No decorrer da prática de ensino supervisionada de Português, Língua Portuguesa e
Latim, com as turmas do 11º L, do 9º B e do 10ºL, foram estudados os valores e as marcas
do passado, contrastando, ou não, com a nossa realidade atual. Procurou-se,
essencialmente, transmitir aos alunos noções e perspetivas de continuidade, relacionar os
valores do passado com as noções literárias, históricas e culturais que temos do presente e,
assim, acreditar num ensino real, capaz de dar voz às experiências e aos conhecimentos dos
jovens, valorizando-os, incentivando-os a acreditar em si mesmos, mostrando-lhes que a
1 CALVINO, Italo, Por que Ler os Clássicos?, Lisboa, Editorial Teorema, 1994, p.9.
11
aprendizagem não é uma obrigação: a aprendizagem é feita a partir do amor do professor
pelo ensino e da partilha de saberes e vivências entre o docente e os seus alunos.
Este trabalho divide-se em três grandes capítulos (2, 3 e 4): «A atualização e a
intemporalidade da literatura», «A universalidade e a perenidade da mitologia» e
«Descrição do estudo realizado durante o estágio pedagógico e reflexão sobre a prática
letiva».
O capítulo «A atualização e a intemporalidade da literatura» realça, primeiramente,
a importância de promover o gosto pela leitura das obras clássicas como um dos objetivos
principais da disciplina de Português. Assim, ao acreditar-se na necessidade de recomendar
aos nossos estudantes a leitura direta dos textos originais, este capítulo pretende demonstrar
que continua a fazer sentido o estudo de Os Maias, de O Sermão de Santo António aos
Peixes ou de Frei Luís de Sousa, por exemplo, tendo o professor o dever de cativar os seus
alunos para a leitura destas obras. No fundo, pretende-se que a experiência da leitura não
seja apenas “obrigatória”, como muitos adolescentes a encaram, mas também, e sobretudo,
aprazível e enriquecedora.
Em «A universalidade e a perenidade da mitologia» pretende mostrar-se que a
herança clássica que recebemos permanece viva, sendo o professor o responsável por
assegurar a sua sobrevivência através de estratégias pedagógicas. Este capítulo defende
ainda que os alunos devem ser levados a compreender a intemporalidade e a transcendência
dos mitos, concluindo facilmente que os universos da mitologia e cultura clássicas são, no
fundo, realidades com as quais eles se encontram perfeitamente familiarizados.
Por sua vez, no quarto capítulo do presente relatório, para além de uma descrição
pormenorizada da Escola Secundária Camilo Castelo Branco, onde realizei o estágio
pedagógico, e das três turmas com as quais trabalhei ao longo do ano letivo, são
apresentadas e descritas as principais atividades aplicadas nas turmas de Português e na
turma de Latim, assim como as conclusões retiradas a partir dos trabalhos escritos de
alguns alunos.
Por fim, as conclusões gerais do estudo são apresentadas no último capítulo deste
trabalho.
12
2. A atualização e a intemporalidade da literatura
2.1. O ensino dos textos literários nas aulas de Português
Os professores de Português dos ensinos básico e secundário partilham entre si,
frequentemente, o mesmo sentimento de tristeza perante uma realidade que contrasta com a
paixão que possuem pelos livros: a maior parte dos alunos não gosta de ler.
Ora, se promover o gosto pela leitura é, efetivamente, um dos objetivos primordiais
da disciplina de Português, cabe ao professor encorajar os seus alunos a experienciarem a
literatura para que a paixão pelas palavras seja fomentada e, assim, seja possível a
aprendizagem.
Tal como defende Margarida Vieira Mendes, no seu artigo intitulado “Pedagogia da
Literatura”2, a aprendizagem só é possível a partir da experiência individual de cada aluno
que, por sua vez, deve ser capaz de se questionar sobre aquilo que leu, assim como
manifestar dúvidas e objeções, sublinhar as palavras ou citações que o inquietaram, que
suscitaram em si algum tipo de curiosidade, ler novamente, recitar, reescrever. Só assim é
permissível que o aluno se familiarize “com os vários níveis do texto, apropriando-se de
certos passos e expressões, chegando-se a ele, mexendo-lhe”3.
Ao professor compete incentivar os alunos a todo este processo de reflexão,
reconhecendo que o seu principal objetivo é tornar os seus estudantes leitores autónomos,
que venham rapidamente a considerar o livro e a leitura elementos indispensáveis das suas
vidas.
No que diz respeito ao desenvolvimento da competência de leitura “devem ter-se
2 MENDES, Margarida Vieira, «Pedagogia da Literatura», in Românica: Revista de Literatura do
Departamento de Literaturas Românticas da Faculdade de Letras de Lisboa, 1997. Texto lido numa sessão
da UNICLASSICA em 10 de Setembro de 1996.
3 CF. Idem, p. 157.
13
em conta as modalidades, os tipos e estratégias de leitura, pondo em prática as três
etapas que podem ocorrer no ato de ler”4. Assim, segundo o programa de Português do
Ensino Secundário, a pré-leitura consiste precisamente na tentativa de o professor criar
condições favoráveis à compreensão do texto literário, procurando que o aluno adquira
novos conhecimentos indispensáveis à sua interpretação. A leitura, por sua vez
“pressupõe a construção dos sentidos do texto, feita através de estratégias adequadas” e,
por fim, a pós-leitura “pressupõe atividades de reação / reflexão que visam integrar e
sistematizar os novos conhecimentos e competências”5.
Ainda de acordo com o programa da disciplina, o professor de Português “deve
constituir-se como entidade facilitadora de práticas de leitura” 6e, assim, permitir que o
ato de ler seja para os discentes uma viagem, inicialmente guiada pelo docente.
Todavia, é necessário termos em conta que a aula de Português não se trata apenas
da transmissão ou partilha de conhecimentos: é imperativo que o professor, “para
administrar sabiamente o veneno da literatura”7, seja, efetivamente, um amante da leitura.
Recorrendo às palavras de Jorge de Sena8, “não se pode conhecer, nem estudar, nem
ensinar, nem viver, aquilo que, no fundo e em verdade, se não ama”. Este amor pela
literatura é visível através da forma como o professor é capaz de pegar num livro e partilhar
a sua experiência de leitura com os seus alunos, transmitindo-lhes o poder de viajar através
da literatura e incutindo-lhes uma curiosidade natural de vivenciar o simples prazer de ler
um livro.
É claro que existe sempre a possibilidade de o aluno não gostar daquilo que leu.
Nesse caso, cabe ao professor encorajá-lo a partilhar a sua leitura e os motivos que não a
tornaram aprazível. O aluno deve ser capaz de explicar a razão pela qual não gostou e,
assim, a prática do ensino tornar-se-á numa partilha de conhecimentos e experiências entre
o professor e os seus estudantes, fazendo com que a sala de aula seja um espaço onde são
4 SEIXAS, João et al, Programa de Português 10º, 11º e 12º anos, Curso Científicos- Humanísticos e Cursos
Tecnológicos, DGIDC, 2011,disponível em http://dgidc.min-edu.pt/, acedido a 5-11-2013.
5 Cf. Idem, p.23
6 Cf. Idem, p.25
7 VILELA, Maria Graciete, «Sobre o ensinamento da literatura: os ensinamentos de Xerazade», in Estudos em
homenagem ao Professor Doutor Mário Vilela, 2, 2005, p. 635.
8 Cf. Idem, p.635
14
lidos excertos de uma obra em voz alta, manifestadas opiniões sobre os protagonistas e
heróis das histórias, enredos, questões sociais, políticas ou morais dos livros que leram.
Numa aula de Português é possível, portanto, ler um livro e conversar-se sobre ele,
tendo o professor a função de orientar a conversa através de observações, comentários e
esclarecimentos para qualquer dúvida que possa surgir.
É imperativo que os alunos compreendam verdadeiramente as mensagens que cada
texto literário procura transmitir, assim como é essencial que, ao tornarem-se leitores
ativos, os discentes reconheçam facilmente os temas dos textos estudados, analisem
excertos, caracterizem personagens, identifiquem os pontos de vista do autor.
No fundo, procuramos que os nossos estudantes sejam leitores com identidade
própria, ou seja, leitores que leiam “com a sua memória, a sua imaginação, a sua
experiência vital, as suas expectativas e os seus conhecimentos linguísticos-literários”9
Em suma, a aula de Português deve funcionar essencialmente como um espaço
de desenvolvimento ao nível da compreensão e da expressão oral e escrita dos alunos,
proporcionando-lhes um conhecimento da Língua Portuguesa. Para atingir estes
objetivos, é essencial a promoção da leitura através do contacto com textos que
favoreçam o desenvolvimento intelectual, social e afetivo dos estudantes. No fundo,
procura-se que os alunos leiam por gosto e não (apenas) por obrigação. Procura-se formar
leitores que continuem a sê-lo depois da escolaridade.
(A formação do leitor) não pode prescindir da iniciação e progressiva familiarização com
trechos clássicos da tradição escolar, acrescidos dos que a escola do final do século XX
julgue conveniente. Só dessa maneira o leitor em formação acede a uma sintaxe, um léxico,
um universo figurativo longínquo e diferente dos usos quotidianos da língua, mais pobres e
automáticos. 10
9AGUIAR e SILVA, Ví tor Manuel de, «As relações entre a teoria da literatura e a didáctica da
literatura: filtros, máscaras e torniquetes», in Diacrítica, Braga, Universidade do Minho, 1998-1999, p.29.
10 MENDES, Margarida Vieira, «Pedagogia da Literatura», in Românica: Revista de Literatura do
Departamento de Literaturas Românticas da Faculdade de Letras de Lisboa, 1997, p.61.
15
2.2. A leitura de obras clássicas durante a adolescência
É clássico aquilo que persiste como rumor mesmo onde predomina a atualidade mais
incompatível.11
É necessário estarmos cientes de que os textos literários estudados na disciplina de
Português, quer no ensino básico, quer no ensino secundário, devem sempre ser escolhidos
tendo por base o desenvolvimento cultural, linguístico e psicológico dos nossos estudantes.
Todavia, esses textos devem ser textos de inegável qualidade literária: “textos modelares
pela utilização da língua portuguesa, pela beleza das formas, pela densidade semântica, pela
originalidade, pela riqueza e pela sedução dos mundos representados”, tal como acredita
Vítor Manuel Aguiar e Silva12
.
O mesmo autor defende ainda que, ao longo dos ensinos básico e secundário, a
disciplina de Português, tendo o texto literário como área nuclear, deve exercer um papel
importantíssimo na educação das crianças e dos jovens. Neste sentido, de forma a
estabelecer um contacto mais próximo com os estudantes, o professor deve aproveitar
adequadamente as articulações possíveis entre os textos literários estudados nas aulas e os
textos fílmicos, pictóricos ou musicais, por exemplo.
Assim, perante a necessidade de motivar os discentes para um envolvimento mais
afetivo com as obras literárias propostas pelo programa da disciplina de Português,
considera-se que o professor deve não só preocupar-se em diversificar materiais e
estratégias nas várias atividades, como também facilitar aos estudantes o acesso ao
conhecimento, a nível cultural, histórico ou artístico, pois estes aspetos só poderão
11
CALVINO, Italo, Por que Ler os Clássicos?, tradução de José Colaço Barreiros, Lisboa: Editorial
Teorema, 1994, p.15.
12 AGUIAR e SILVA, Ví tor Manuel de, «As relações entre a teoria da literatura e a didáctica da
literatura: filtros, máscaras e torniquetes». In Diacrítica, Braga, Universidade do Minho, 1998-1999, p.25.
16
contribuir para um maior desenvolvimento das potencialidades criativas dos discentes, ao
mesmo tempo que lhes facilitam a construção de sentidos em torno do texto literário.
Além do mais, é imperativo estabelecer um método de ensino que permita aos
nossos estudantes decorar sem esforço, gostar daquilo que aprendem e da forma como
aprendem, relembrando que o ensino é, antes de tudo, uma relação humana e que cabe ao
professor procurar os meios mais simples para dar a conhecer livros, histórias e
personagens aos seus alunos.
Lembremo-nos, por exemplo, do Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente, cujo
estudo é solicitado pelo programa de Língua Portuguesa do 9º ano de escolaridade. Os
alunos devem ser capazes de compreender a índole revolucionária da obra para entenderem
o carácter cómico que a atravessa, assim como a linguagem utilizada, as personagens e o
que elas simbolizam, entre outros aspetos.
Assim, considera-se que uma aproximação do texto ao nosso tempo é fundamental não
só para uma melhor compreensão do espírito interventivo da obra como também para um
maior desenvolvimento do espírito crítico dos nossos estudantes. Todavia, nesse trabalho
de aproximação entre o passado e o presente, a nossa função é orientar os alunos no sentido
de não irem ao encontro de leituras fáceis que, de certa forma, legitimem preconceitos. Não
podemos simplesmente dizer que o Corregedor corresponde aos juízes do nosso tempo ou o
Fidalgo aos políticos da atualidade, até porque essas seriam afirmações erradas que
poderiam, eventualmente, conduzir os alunos a descrer nas instituições que são alicerce da
democracia. Decerto, não é esse o papel da escola.
Relembrando que este trabalho foi realizado a partir da experiência de iniciação à
prática letiva, pude constatar que uma das obras menos apreciadas pelos alunos foi o
Sermão de Santo António aos Peixes, do Padre António Vieira.
Atentando nas palavras da professora Maria Madalena Gonçalves13
:
13 GONÇALVES, Maria Madalena C.R. Morna, «Para acabar com os mitocépticos ou a pedagogia do
imaginário», in As Línguas Clássicas – II – Investigação e Ensino – Actas, Coimbra, Instituto de Estudos
Clássicos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1995, pp. 317-336.
17
Como se percebe melhor o entusiasmo da luta e das palavras do Padre António
Vieira e as barreiras com que sistematicamente se depararam, com meia hora de
visionamento de “A Missão”.14
É necessário que o professor de Português, para além de conhecer profundamente os
textos que leciona e de revelar o seu gosto por eles, conheça também o nível de leitura dos
seus alunos, encarando de uma forma neutra as respostas erradas (ou menos corretas) de um
ou outro estudante. Esses serão, aliás, os momentos mais pertinentes para a aprendizagem15
.
Cabe ao professor partilhar com os seus alunos informações sobre autores, contextos ou
situações históricas, universos de referências a que os textos aludem direta ou
indiretamente, valorizando as intervenções dos estudantes, assim como as dúvidas que
possam surgir.
Tal como defende Margarida Vieira Mendes16
:
Tornar visíveis os progressos na compreensão, vocabulário, redação, implica que o aluno
possa ler para outro ou outros, possa explicar-lhes um pedaço dum livro que um mês antes não
havia compreendido, que tenha o seu caderno de notas, de significados, de citações, que
comece a ter em casa uma pequena prateleira com livros, que se orgulhe da sua capacidade de
ler e entender textos superdifíceis. Porque a dificuldade estimula.
14
Cf. Idem, p.23. Como se verá mais adiante, ao realizar experiência semelhante numa das aulas lecionadas à
turma do 11ºL, o texto fílmico ajudou claramente os estudantes a compreenderem melhor o conteúdo da obra.
Os estudantes foram encorajados a colocarem-se no papel do autor e escrever, usando a imaginação e tendo
como suporte a mensagem interventiva transmitida pelo próprio texto.
15 Cf. Idem, p. 124. Ainda sobre este assunto, a autora defende que o professor deve assumir “o papel de
respondente / informante de forma a contribuir para o alargamento de conhecimentos específicos sobre a
língua e sobre a literatura”.
16 MENDES, Margarida Vieira, «Pedagogia da Literatura», in David Mourão Ferreira et al., Românica:
Revista de Literatura do Departamento de Literaturas Românticas da Faculdade de Letras de Lisboa, 1997,
p.164.
18
A literatura contemporânea não é a única que se encontra próxima do mundo dos
alunos. Cabe ao professor mostrar-lhes que a leitura dos clássicos pode, muitas vezes, ir ao
encontro dos seus gostos e interesses. É importante criar expectativas nos alunos, estimular
a sua criatividade e a sua imaginação. Afinal de contas, estes estudantes não são crianças,
têm a sua própria cultura, os seus próprios conhecimentos e a possibilidade de julgar,
comentar, partilhar a sua experiência enquanto leitor e ser humano.
Na verdade, o ensino exige muito mais do que a atenção e a memória dos alunos. O
ensino desperta a sabedoria, aperfeiçoa a criatividade, estimula a sensibilidade. São estas
características que estimularão os nossos estudantes a compreender Os Lusíadas ou a
poesia lírica de Camões, por exemplo.
“Um (aluno) que aprendeu a ler Camões será melhor leitor e melhor escritor do que
era antes de o ler”, defende Margarida Vieira Mendes, no seu artigo intitulado “A educação
literária no ensino básico”17
.
É nesse sentido que o nosso trabalho, enquanto (futuros) professores, passa
precisamente por ajudar os nossos alunos a gostar de Camões, de Gil Vicente ou de Eça de
Queirós. Os livros “também mudam à luz de uma perspectiva histórica diferente”18
, e os
livros clássicos chegam às nossas mãos carregando consigo marcas das leituras anteriores à
nossa, assim como as características que deixaram na cultura ou nas culturas que
atravessaram19
.
Isso vale tanto para os clássicos antigos quanto para os modernos. Se leio a Odisseia, leio o
texto de Homero, mas não posso esquecer tudo aquilo que as aventuras de Ulisses passaram a
significar durante os séculos e não posso deixar de perguntar-me se tais significados estavam
implícitos no texto ou se são incrustações, deformações ou dilatações. Lendo Kafka, não posso
deixar de comprovar ou de rechaçar a legitimidade do adjetivo kafkiano que costumamos
ouvir a cada quinze minutos, aplicado dentro e fora do contexto. Se leio Pais e filhos de
17
MENDES, Margarida Vieira, «A educação literária no ensino básico», in O Professor, nº26 (3ª série),
Lisboa, Maio/Junho, 1992, p.57.
18 Cf. CALVINO, Italo, Por que Ler os Clássicos?, tradução de José Colaço Barreiros, Lisboa: Editorial
Teorema, 1994, p.11.
19 Cf. Idem, p.11.
19
Turgueniev ou Os possuídos de Dostoievski não posso deixar de pensar em como essas
personagens continuaram a reencarnar-se até aos nossos dias. 20
Assim, ao criar-se um sistema de ensino em que o aluno, cujo espírito crítico compete à
escola desenvolver, adquire um papel interventivo, a relação afetiva com as obras clássicas
e com a obrigatoriedade da leitura integral do texto deve responder às inquietações,
interesses e expectativas dos adolescentes com quem estamos a trabalhar.
É imperativo que os alunos reconheçam que a leitura de uma obra clássica será sempre
uma leitura nova, inesperada, inédita. Para tal, o professor tem de encontrar estratégias para
estimular os seus pequenos leitores, seja um vídeo, uma imagem, uma música do mundo
atual que esteja relacionada com a obra. A ideia não é fugir do texto original, pelo
contrário. Todavia, se os alunos conseguem ficar entusiasmados com uma atividade que vai
ao encontro dos seus interesses e se, por esse motivo, se sentem mais motivados a participar
na aula, é natural que o estudo do texto proposto em seguida seja melhor aceite por todos21
.
“Para que ensinar literatura continue a ser uma tarefa humana, sobre coisas humanas,
vividas por gente humana”22
.
20
Cf, Idem, pp.11-12
21 Cf. DUARTE, Isabel Margarida, «Apresentação» in Guia do professor - Os media e a aprendizagem do
português, col. Cadernos Público na Escola, n.º 07, Mirandela, Jornal PÚBLICO, 1996, p.8.
22 REIS, Carlos, «Hipertexto, leitura e ensino da literatura: conceitos, problemas e hipóteses de trabalho», in
Didáctica da Língua e da Literatura – Actas do V Congresso Internacional de Didáctica da Língua e da
Literatura, vol.1, Coimbra, 6-8 de Outubro de 1998, 2000, p.115.
20
3. A universalidade e a perenidade da mitologia
3.1. A importância do mito no mundo atual e a sua
intemporalidade
We give the old myths our new breath. 23
Os mitos caminham lado a lado com o tempo. Atravessam o mundo e a história da
humanidade. São elementos de uma identidade cultural individual e coletiva e assumem um
papel relevante na atualidade, funcionando “dentro de determinados contextos variáveis”24
.
São uma memória viva, uma atualização permanente das histórias contadas e recontadas ao
longo dos séculos.
A sua origem nem sempre é conhecida. De boca em boca, de cultura em cultura e de
geração em geração, os textos mitológicos perdem a sua função original, são acrescentados
e transformados em versões distintas.
Ora, como entidades culturais dinâmicas, os mitos possuem características e
atividade própria. Desta forma, é perfeitamente natural que, ao longo dos séculos, os mitos
evoluam e se adeqúem às exigências do homem, seu criador e utilizador. A verdade é que o
passar do tempo determinou a multiplicação dos estudos em torno da mitologia, assim
como a evolução das teorias fundamentais acerca dela. Além do mais, as alterações
culturais, sociais, políticas e morais que se têm verificado ao longo dos anos revalidam a
importância do mito na atualidade e, sobretudo, a sua dimensão atemporal.
23
PLATT, Donald, «Kill the Minotaur», The Southern Review, Winter 2002, Vol. 38, Issue 1, 62-66; citado
por VILAS-BOAS, «O Minotauro e os labirintos contemporâneos», in Cadernos de Literatura Comparada
8/9: Literatura e Identidades, Porto, Instituto de Literatura Comparada Margarida Rosa, 2003. p. 246.
24 CF. Idem, p.246.
21
Assim, podemos começar por observar o mito como uma realidade cultural que
abrange diferentes sentidos e compreende várias funções. O conceito é extenso e, ao longo
do tempo, tem servido sobretudo de ponto de partida e, até mesmo, de resposta, para alguns
dos comportamentos do Homem. A presença do mito em diferentes contextos culturais de
várias sociedades é inquestionável. Numa sociedade como a nossa, por exemplo, que se
assume, sobretudo, como racionalista, tecnológica e positivista, a concretização do mito
passa também pela restauração dos mitos antigos, isto é, através da sua atualização e
reintegração no contexto cultural da sociedade moderna.
Por outro lado, o mito pode, efetivamente, assumir uma dimensão histórica, pois, a
partir dele, o homem encontra uma oportunidade de explorar as suas origens e as suas
tradições, a sua história e o seu passado. Ora, “ao encontrar-se com o passado […] é
também a si que o homem se encontra”25
.
Neste momento, é essencial compreendermos que a palavra mito obteve, ao longo
da história cultural de diferentes civilizações, uma proporção que ultrapassou os limites
geográficos da sua origem etimológica. Inicialmente associado apenas às histórias dos
deuses e dos heróis greco-latinos, o conceito de mito propagou-se por outras civilizações
antigas, chegando, inclusive, às modernas e contemporâneas.
Concentremo-nos essencialmente nessa relação de tempo e memória entre o mito e
o mundo atual. Ora, se é, por exemplo, nos poemas Homéricos ou nas obras de Hesíodo,
que encontramos os mitos fundadores, as primeiras histórias do homem, é na
contemporaneidade que reencontramos algumas dessas histórias mitológicas. 26
Os mitos antigos encontram-se cada vez mais presentes na nossa realidade, através
de diferentes materializações artísticas, de inúmeras referências ou, até mesmo de
recriações, fatores que nos indicam a capacidade de sobrevivência dos mitos e/ou dos temas
mitológicos. 25 JABOUILLE, Victor, Iniciação à Ciência dos Mitos, Mem Martins, Editorial Inquérito, 1994, p.17. 26
Cabe aqui referir a obra La función del mito clássico en la literatura contemporânea, de Diez Coral,
mencionada por Rui Costa (2008) no artigo «A Reactualização do Mito no Romance Contemporâneo: O
Mito do Andrógino em Lunário de Al Berto». Disponível na Web em:
http://www2.fcsh.unl.pt/docentes/cceia/Mestrado-TL/Rui-A-Costa.pdf , acedido a 06-07-2012.
22
Gilbert Highet, na sua obra The Classical Tradition, sensibiliza-nos para a
influência da tradição greco-latina ao longo da história da cultura clássica, através das
seguintes palavras:
«Our modern world is in many ways a continuation of the world of Greece and Rome. Not in
all ways – particularly not in medicine, music industry, and applied science. But in most of
our intellectual and spiritual activities we are the grandsons of the Romans, the great-
grandsons of the Greeks. Other influences joined to make us what we are; but the Greco-
Roman strain was one of the strongest and richest. Without it, our civilization would not
merely be different. It would be much thinner, more fragmentary, less thoughtful, more
materialistic – in fact, whatever wealth it might have accumulated, whatever inventions it
might have made, it would be less worthy to be called a civilization.» 27
De facto, o mito surge constantemente na vida do homem contemporâneo. Isto é,
sem negar a sua relação com o passado, o mito pode ser recriado, (re)utilizado e, sobretudo,
aceite como vivo, como parte do nosso mundo: elo de ligação entre o Homem e o produto
do seu imaginário.
Tal como já observámos, mito é um vocábulo que remete para a cultura antiga, para
o passado e para a literatura, recordando histórias dos deuses e dos heróis das antigas
civilizações greco-romanas. Todavia, a verdade é que, por outro lado, a palavra é
frequentemente utilizada em páginas de jornais e em diversas situações que nada têm que
ver com a cultura clássica. Lembremo-nos, tal como sugere Victor Jabouille28
, do mito de
Don Juan, do mito dos Beatles ou do mito de D. Sebastião. A verdade é que mito pode ser
sinónimo de exagero, utopia, sonho ou ilusão, história real ou inventada, personagem
individual ou coletiva que, por um ou outro motivo, é admirada e engrandecida. Devemos,
27
HIGHET, Gilbert, The Classical Tradition, Greek and Roman influences on Western Litterature, London,
Oxford University Press, 1967; citado por Jabouille, 1993:15-16.
28 JABOUILLE, Victor, Iniciação à Ciência dos Mitos, Mem Martins, Editorial Inquérito, 1994, p.17.
23
portanto, compreender que o conceito é vasto e faz parte do vocabulário usual do homem
do século XX.
Transmitidos sobretudo por via da oralidade, os mitos inscrevem-se “numa relação
de diálogo entre o passado e o presente”29
e são utilizados principalmente no campo literário
como “uma matéria disponível para a construção textual”30
.
Apesar de a forma plástica ser um meio importantíssimo de transmissão das mais
diferentes versões de um mito (seja através da pintura, da escultura ou da cerâmica, por
exemplo), a verdade é que a literatura é, indiscutivelmente, o grande meio de divulgação
das histórias mitológicas que chegaram até nós:
«Em todas as sociedades, a palavra tem um poder enorme e orienta as acções. Primeiramente,
a palavra falada […] e, depois, a escrita. A palavra que transmite o saber directamente da boca
para a orelha […] transforma-se nas letras manuscritas ou impressas que são lidas em público
e, posteriormente, em privado. De acto colectivo, a literatura transforma-se em gesto íntimo. A
narrativa com características mitológicas é um modo de expressão popular.» 31
Desta forma, para além de ter como responsabilidade a divulgação do mito, a
literatura permite-lhe a sua permanência, o seu desenvolvimento e, sobretudo, a sua
constante atualização.
Atualmente, é-nos possível observar uma constante redescoberta e reutilização de
elementos míticos antigos através das mais diversas formas artísticas. «Ulisses», por
exemplo, é facilmente reconhecido pelos mais novos como um herói do cinema e da
animação, o que nos leva a concluir que, desta forma, o mito surge no mundo
29
VILAS-BOAS, Gonçalo, «O Minotauro e os labirintos contemporâneos», in Cadernos de Literatura
Comparada 8/9: Literatura e Identidades, Porto: Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa, 2003,
pp. 246-247.
30 CF. Idem, p.247.
31JABOUILLE, Victor, «Mito e Literatura: Algumas considerações acerca da permanência da mitologia
clássica na literatura ocidental», in Mito e Literatura, 1993, p.20.
24
contemporâneo de uma forma completamente natural. Neste sentido, é importante
refletirmos acerca dos meios de transmissão que possibilitaram ao mito viagens no tempo e
a permanência na nossa cultura.
O mito do Labirinto, por exemplo, é “um dos mitos mais tratados ao longo dos
tempos”32
. Através da poesia e dos “labirintos” que nela se cruzam, os mitos de Dédalo (o
construtor), do Minotauro (o prisioneiro) e de Ícaro (o fugitivo) continuam a chegar até às
nossas mãos e a povoar o nosso imaginário através da poesia de autores como Daniel Faria
ou Sophia de Mello Breyner Andresen.
De acordo com o mito, Dédalo aconselhou Ariadne a oferecer a Teseu um novelo de
fio que permitiria ao jovem ateniense a descoberta do caminho de regresso do labirinto.
Minos, ao tomar conhecimento do êxito de Teseu, prendeu Dédalo no labirinto, juntamente
com Ícaro, filho do arquiteto. Diz-se que, ao se encontrar preso no labirinto, Dédalo terá
construído, para si e para o seu filho, umas asas que prendeu com cera.
Segundo o mito, ambos levantaram voo. Sobre o que aconteceu depois foram
contadas, ao longo do tempo, versões diferentes da história. Na primeira – a mais conhecida
e credível – Ícaro não dera ouvidos a seu pai, que o alertara para não voar nem muito alto,
nem muito baixo. Consequentemente, tendo se aproximado do Sol em demasia, as asas
derreteram e o jovem imprudente caiu no mar. 33
A presença deste episódio é evidente não
só no poema “Labirinto III” – “Duas asas que o pai soldava para o filho / No meio do filho
estava o labirinto” – como também é parte integrante do poema “Labirinto I”, de Daniel
Faria, constituindo o tema central da primeira estrofe:
32
VILAS-BOAS, Gonçalo, «O Minotauro e os labirintos contemporâneos», in Cadernos de Literatura
Comparada 8/9: Literatura e Identidades, Porto, Instituto de Literatura Comparada Margarida Rosa, 2003. p.
245.
33 Numa outra versão, Dédalo e Ícaro fugiram de Creta cada um seu barco à vela. O filho do arquitecto, não
sabendo governar o seu barco, acabou por naufragar. Há quem conte ainda que, ao abordar a ilha de Icária,
Ícaro terá saltado desajeitadamente do barco e afogado. Estas variantes têm como objectivo “atenuar o
carácter maravilhoso da aventura, suprimindo o episódio das asas” (GRIMAL, 1999: 241).
25
Labirinto I
Não voltarei a dividir
As aves – o canto e as asas –
Para encontrar o peso exacto
Do corpo que se eleva
Não voltarei junto das ondas34
Nem do cabelo ondulado da mulher
Vou construir o labirinto para a morte
Deitar o corpo sobre o pó para morrer35
Conta-nos a história mitológica que Ariadne, para fugir à cólera de Minos, seu pai,
fugiu com Teseu para Atenas, embora não tenha chegado ao destino pretendido. Tendo
feito escala na ilha de Naxos, Teseu abandonou-a, junto ao mar, enquanto a jovem
dormia.36
O episódio é retratado por Sophia, no poema intitulado “Ariadne em Naxos”.
Tu Teseu que abandonadas amadas
Junto de um mar inteiramente azul
Invocavam deixadas
No deserto fulgor de Junho e Sul37
Quando acordou de manhã e percebeu que tinha sido abandonada, Ariadne não
ficou presa, por muito tempo, à sua dor. Dionísio, que chegara entretanto e ficara desde
34
Minos, oferecendo um sacrifício a Posídon, pediu ao deus que fizesse sair um touro do mar, prometendo,
em troca, sacrificar-lhe o animal. V. “Minos”, in GRIMAL, Pierre; Dicionário da Mitologia Grega e
Romana; 3.ª Edição; Algés; Difel; Maio de 1999, p.311.
35 FARIA, Daniel, Poesia, Edição e Prefácio de Vera Vouga, Vila Nova de Famalicão, Quasi Edições, 2003,
p.66.
36 Alguns autores afirmam que Teseu amava outra mulher, outros acreditam que o abandono terá sido uma
ordem dos deuses, no sentido em que os destinos não concediam a Teseu que desposasse Ariadne.
37 ANDRESEN, S.M.B., Dual, Lisboa, Editorial Caminho, 2004, p.63.
26
logo encantado com a beleza da jovem, desposou-a e levou-a para o Olimpo. 38
A segunda
parte do poema de Sophia acima referido, retrata precisamente esta sequência de
acontecimentos na história mitológica:
[…]
Junto de um mar azul de rochas negras
Porém Dionysos sacudiu
Seus cabelos azuis sobre os rochedos
Dionysos pantera surgiu
No que diz respeito ainda à poesia portuguesa, Ricardo Reis, por exemplo, nas
Odes, recorre ao mito “para fundamentar um retrato e, ao mesmo tempo, concluir um
elemento imaginário novo”, tal como defende Victor Jabouille39
. No fundo, a originalidade
da poesia do heterónimo de Fernando Pessoa não se resume apenas ao uso frequente de
personagens mitológicas, mas também à preocupação de encontrar um equilíbrio filosófico
entre o estoicismo e o epicurismo.40
Concluímos, portanto, que a literatura serve essencialmente como elemento criativo
e divulgador do mito. A materialização literária do elemento mítico depende, todavia, de
um processo que passa essencialmente pela reintegração do mito, pelo aproveitamento
temático ou, simplesmente, pela sua referência.
No fundo, a universalidade e a intemporalidade são os dois recursos que melhor
possibilitam a reintegração do mito clássico na literatura e cultura contemporâneas. Ao
integrar uma linguagem que é universal, o mito pode, efetivamente, ser atualizado
38
V. “Ariadne”, in GRIMAL, Pierre, Dicionário da Mitologia Grega e Romana, 3.ª Edição, Algés, Difel;
Maio de 1999, p.40.
39 JABOUILLE, Victor, «Mito e Literatura: Algumas considerações acerca da permanência da mitologia
clássica na literatura ocidental», in Mito e Literatura, 1993, p.35.
40 A matéria acerca da herança clássica portuguesa foi largamente tratada por Maria Helena da Rocha Pereira
na obra Portugal e a Herança Clássica e Outros Textos, Porto, Asa Editores, 2003.
27
constantemente sem perder a sua originalidade e reforçando, imperativamente, a sua
intemporalidade.
«The central answer is that the myths are permanent. They deal with the greatest of all
problems, the problems which do not change, because men and women do not change. They
deal with love; with war; with sin; with tyranny; with courage; with fate; and all in some way
or other deal with the relation of man to those divine powers which are sometimes felt to be
irrational, sometimes to be cruel, and sometimes, alas, to be just.»41
41
HIGHET, G., The Classical Tradition, Greek and Roman influences on Western Litterature, London,
Oxford University Press, 1967; citado por JABOUILLE, Victor, “Mito e Literatura: Algumas considerações
acerca da permanência da mitologia clássica na literatura ocidental”, in Mito e Literatura, 1993, p.44.
28
3.2. A atualidade da mitologia e da cultura Greco-Latina em sala
de aula
Tal como observamos no capítulo anterior, a mitologia Greco-Romana, apesar de
pertencer a um tempo distante do nosso, foi e continua a ser motivo de inspiração artística
para poetas, pintores, escultores ou arquitetos, permanecendo inegavelmente no mundo
atual.
Em primeiro lugar, devemos ter em consideração que embora o estudo das Línguas
Clássicas não ocupe um lugar de destaque nos curricula dos Ensinos Básico e Secundário
do nosso país, o conhecimento da cultura Greco-Romana coloca os alunos em contacto com
valores intemporais, ao mesmo tempo que os faz conviver com modos e experiências de
vida radicalmente alheias à sua realidade habitual. Além do mais, tal como salienta a
professora Maria Manuel Pimentel D’Abreu:
Estudar a Cultura Greco-Romana com todos os seus pontos de contacto ou de diferenciação
em relação à nossa própria cultura leva os alunos a despertar mais cedo para a natureza, para a
sua própria sociedade e aumenta-lhes a capacidade de apreciação em relação ao que os
rodeia.42
Desta forma, o conhecimento mais aprofundado da língua, da cultura e das
civilizações clássicas conduzirá os estudantes a adquirirem para a sua formação diferentes
conhecimentos que contribuirão, certamente, para um maior e melhor conhecimento da
civilização hodierna.
A cultura Greco-Latina e as suas implicações no mundo atual podem ser abordadas
em contexto de sala de aula através de diferentes áreas e matérias impostas pelo programa
da disciplina de Latim.
42
D’ABREU, Maria Manuel Pimentel, «Os Clássicos na sala de aula», in As Línguas Clássicas –
Investigação e Ensino – Actas, Coimbra, Instituto de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra, 1993, p.231.
29
Ao serem estudados temas como o Império Romano, a República, a organização
familiar e a situação da mulher na família Romana, os alunos devem ser capazes de refletir
criticamente sobre estes assuntos, comparando-os, sempre que possível, com os problemas
do mundo atual consoante os seus conhecimentos e vivências.
Efetivamente, os estudantes podem inclusive ser encorajados a tecer diferentes
opiniões sobre os temas tratados, no que diz respeito à sua adaptação ao mundo
contemporâneo, pois, para além de desenvolverem as suas capacidades de argumentação e
comunicação, terão a oportunidade de observar as diferenças (ou semelhanças) entre o
mundo clássico e as práticas do nosso tempo.
No que diz respeito à área espiritual, por exemplo, os alunos obtêm, através da
disciplina de Latim, algumas noções sobre o sentido da dimensão religiosa do mundo
clássico e a sua influência nas sociedades Grega e Romana.
Ao estudar-se a história do Império Romano, o despertar do Cristianismo, as suas
superstições, crenças e conflitos entre diferentes religiões, é possível, mais uma vez,
estabelecer comparações com as ideias atuais da sociedade, para que os alunos sejam
capazes de refletir sobre a importância da religião no que diz respeito ao pensamento e
comportamento humanos ao longo dos séculos.
Reiterando que ideias relacionadas com o estudo da civilização Greco-Latina devem
ser desenvolvidas numa aula de Língua, alguns dos conceitos estudados podem,
efetivamente, “ser explorados através da comparação do seu uso corrente e actual com a
ideia tão diferente que deles tinham os Gregos ou Romanos”43
.
Em suma, os estudantes de Latim, no decorrer da prática letiva e com a ajuda de
materiais didáticos adequados, devem ser capazes de identificar exemplos da influência da
Cultura Greco-Latina na Civilização Ocidental, assim como compreender as diferenças
entre ambas.
Quanto ao papel do professor, se for capaz de transmitir aos seus estudantes não só
o gosto pela disciplina de Latim como também a consciência de que as línguas e os
pensamentos clássicos influenciaram a nossa cultura e formas de pensar, certamente será
mais aprazível para os alunos adquirirem novos conhecimentos através do estudo dos
Clássicos.
43
Cf. Idem, p.237.
30
3.3. A importância da utilização de diferentes processos
didáticos que contribuam para um ensino mais motivador e
aprazível do Latim
Depois de compreendermos que a herança clássica continua viva enquanto realidade
cultural do nosso quotidiano, resta-nos, enquanto (futuros) professores de Latim, assegurar
a sua sobrevivência através de estratégias pedagógicas que contribuam para o
desenvolvimento e enriquecimento cultural dos nossos alunos.
Nas últimas décadas, apesar de serem poucos os alunos do 10º ano de escolaridade
que têm optado pela disciplina de Latim, a verdade é que aqueles que a escolhem revelam
uma grande curiosidade quer pela Língua Latina, quer pelos valores da antiguidade
clássica. Deve, por isso, o professor de Latim estimular os seus estudantes para o
aprofundamento destes conhecimentos.
Após os primeiros contactos com a disciplina, os alunos começam a aperceber-se da
sua importância e utilidade nas mais diversas áreas do saber, seja através da História, das
Línguas, do Direito ou da Filosofia, “o que por si é já um indicador da mutação que se
assiste na concepção do latim, e deverá ser esta realidade envolvente o ponto de partida de
todo o acto pedagógico”, tal como defende o professor Raúl Gomes44
.
O autor alerta-nos ainda para a impossibilidade de, nos dias que correm, estudar
com a profundidade necessárias as obras de Shakespeare, Camões, Eça ou Miguel Torga
sem recorrer aos conhecimentos que possuímos acerca da mitologia clássica45
.
No entanto, a descoberta de tais conhecimentos não se restringe apenas à
transmissão e partilha de saberes entre professores e alunos. Trata-se de um processo mais
amplo onde a sociedade, a escola e o meio envolvente contribuem para a conquista destes
saberes.
44
GOMES, Raúl, «Aprender ensinando», in As Línguas Clássicas – II – Investigação e Ensino – Actas,
Coimbra, Instituto de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1995, p. 290.
45 Cf. Idem, p.290.
31
Concluímos, portanto, que o estudo do Latim implica, sobretudo, uma dimensão
humana, social e cooperativa e cabe essencialmente ao professor “a partir dos princípios
veiculados por cada mito, por cada fábula ou lenda, permitir ao aluno a descoberta […] do
que pode ser útil no momento presente.46
”
Em contexto de sala de aula, procurei sempre que os meus alunos reconhecessem a
importância dos temas tratados e compreendessem não só a sua relação com aspetos da
sociedade atual, como também a sua presença no mundo que lhes é familiar através de
diferentes manifestações artísticas.
É natural que os estudantes que iniciam o estudo do Latim no 10º ano de
escolaridade considerem, de uma forma geral, a aula de Latim longa e monótona tendo em
conta a obrigatoriedade do ensino da gramática e a necessidade frequente de memorização.
Neste sentido, considero que é dever de qualquer professor tornar a aula de Latim
interessante e dinâmica, explorando os temas retratados nos textos em Língua Latina e
explicando aos alunos o seu conteúdo e significado no Mundo Clássico, assim como a sua
ligação com o nosso.
Para tal, é imperativo variar as estratégias de ensino e aplicar, ao longo da prática
letiva, diferentes processos didáticos que contribuam para um ensino mais motivador e
aprazível, capaz de incentivar e entusiasmar os nossos estudantes.
O professor António Manuel Ribeiro Rebelo defende precisamente que:
Uma maneira de tornar o ensino mais atraente é através da criação de suportes lógico didáticos
que vão ao encontro dos desejos e hábitos dos jovens, sem questionarmos o valor ético ou
educativo desses mesmos costumes.47
Tendo por base esta linha de pensamento, recorri, no decorrer da prática letiva, à
utilização dos meios audiovisuais que, por si só, são materiais pertencentes à realidade dos
46
Idem, p.290.
47 REBELO, António Manuel Ribeiro, «Suportes lógicos na didáctica das línguas clássicas», in As Línguas
Clássicas – Investigação e Ensino – Actas, Coimbra, Instituto de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra, 1993, p. 268.
32
alunos. O objetivo foi precisamente mostrar-lhes alguns exemplos da permanência da
cultura Greco-Latina no mundo atual, através da música, cinema, pintura, vídeo e
fotografia, tal como é descrito no quarto capítulo deste relatório.
Apesar de os meios audiovisuais serem utilizados, sobretudo, no que concerne à
didática das línguas modernas, a antipatia que o Latim suscita em alguns alunos pode
incentivar o professor a apostar neste género de materiais, “susceptíveis de transformarem
este processo de ensino/aprendizagem em algo de menos antipático do que habitualmente
ocorre”48
.
A verdade é que tornou-se imperativo motivar os nossos alunos para o estudo do
Latim, “fazê-los pulsar por aquilo em que acreditamos, pois só nessa aproximação de
interesses conseguiremos que a aprendizagem se concretize”49
.
E há muitas formas de o fazer: seja através dos jogos, que consegui implementar
numa das aulas lecionadas, dos documentários sobre temas civilizacionais, das imagens,
dos vídeos, das músicas. O mais importante é que estes elementos contribuam não só para o
conhecimento cultural dos alunos, como também suscitem a sua autonomia e espírito
crítico, ultrapassando a ideia de que o audiovisual, em sala de aula, é utilizado apenas como
componente lúdico.
Estes materiais permitem aos professores ampliar estratégias de ensino,
incentivando a participação dos alunos e a partilha de experiências e saberes.
Ao entrarem em contacto com a Cultura Clássica através de materiais que suscitam
o seu interesse e curiosidade, os estudantes compreenderão, certamente, que os aspetos
culturais estudados são “veiculadores não só de interesse para todos nós, mas também
48
ANDRÉ, Carlos Ascenso, «Meios audiovisuais no ensino da sintaxe latina: as orações infinitivas», in As
Línguas Clássicas II – Investigação e Ensino – Actas, Coimbra, Instituto de Estudos Clássicos da Faculdade
de Letras da Universidade de Coimbra, 1995, pp. 115-116.
49 AZEVEDO, Maria Alexandra Afonso de, «Etruscos: a prática do audiovisual na aula de Latim…», in As
Línguas Clássicas – II – Investigação e Ensino – Actas, Coimbra, Instituto de Estudos Clássicos da Faculdade
de Letras da Universidade de Coimbra, 1995, p. 212.
33
portadores de informações valiosas sobre uma cultura que, sendo tão antiga, se reflete tão
profundamente na nossa”50
50
SILVA, Cristina Maria Vilares da Rocha, «O mito como pretexto », in As Línguas Clássicas – II –
Investigação e Ensino – Actas, Coimbra, Instituto de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra, 1995, p. 264.
34
4. Descrição do estudo realizado durante o estágio pedagógico e
reflexão sobre a prática letiva
O presente capítulo pretende descrever e analisar as atividades desenvolvidas no
decorrer do estágio pedagógico, realizado na Escola Secundária Camilo Castelo Branco, em
Vila Nova de Famalicão, ao longo do ano letivo 2011/2012, sob a orientação da
professora Sandra Raquel Silva e da professora Teresinha de Sá.
Seguir-se-á uma breve caracterização da escola, tendo por base o objetivo de uma
melhor compreensão do contexto educacional e social onde se realizou este teste.
Posteriormente, será feita uma descrição das três turmas com as quais tive o
privilégio de trabalhar, assim como a reflexão acerca do trabalho que desenvolvi com estes
alunos no decorrer da prática letiva.
4.1. Caracterização da Escola Secundária Camilo Castelo
Branco
A Escola Secundária Camilo Castelo Branco escolheu como patrono o romancista
português que lhe dá nome, por esta ser uma personalidade indelevelmente ligada, quer
pela sua vida, quer pela sua obra, ao concelho de Vila Nova da Famalicão.
Desde o início do século que esta escola tem apostado num Projeto Educativo que
valoriza não só o sucesso escolar dos alunos, como procura também realçar a importância
do relacionamento pessoal e dos valores. Desta forma, a valorização das relações
interpessoais, a promoção do sucesso escolar e a transmissão de valores constituem as
metas principais que a escola considera uma mais-valia tanto para os alunos como para os
professores e funcionários da ESCCB. Estas particularidades são constantemente reforçadas
e divulgadas à comunidade educativa.
Nos dias de hoje, a Escola Secundária Camilo Castelo Branco é uma escola
moderna, equipada e preparada para dar resposta às necessidades dos alunos. Possui uma
oferta formativa muito diversificada que inclui cursos Científico-Humanísticos, para o
prosseguimento de estudos, e diferentes cursos profissionalizantes, que preparam
35
preferencialmente os alunos para o ingresso no mundo do trabalho. De referir ainda é o
facto de a escola abranger áreas de formação que vão desde a jardinagem, aos serviços
jurídicos, passando pela informática, artes e design, controlo da qualidade alimentar, bar e
mesa e prótese dentária.
A escola é frequentada por cerca de mil alunos, alguns provenientes do centro da
cidade, outros de pequenas freguesias do concelho de Famalicão. Por sua vez, o corpo
docente é formado por aproximadamente 200 professores.
No que diz respeito ao espaço circundante à ESCCB, é-nos possível verificar a
existência de ruas arborizadas e bastante movimentadas, além de um extenso espaço verde
que dá acesso a alguns estabelecimentos comerciais (nomeadamente cafés, esplanadas e
salões de jogos), onde os alunos passam grande parte do seu tempo livre.
4.2. Caracterização das turmas
A prática letiva decorreu numa turma de Português do curso Científico-Humanístico
de Línguas e Humanidades (11º L), numa turma de Língua Portuguesa do 3º Ciclo do
Ensino Básico (9º B) e numa turma de Latim do 10º ano de escolaridade do curso
Científico-Humanístico de Línguas e Humanidades (10ºL).
4.2.2. Caracterização da turma de Português do 11º ano
A turma do 11º ano era composta por vinte e oito alunos com idades compreendidas
entre os 15 e os 18 anos. No decorrer do ano letivo, uma aluna anulou a sua inscrição,
motivo pelo qual a turma ficou reduzida a vinte e sete elementos.
O 11º L, apesar de ser constituído por jovens extremamente humanos, sociáveis e
educados, revelou, desde o início do ano, uma certa falta de interesse pelos conteúdos
lecionados nas aulas de Português.
Embora alguns elementos da turma se destacassem pela positiva, sobretudo no que
diz respeito à participação nas aulas e à originalidade com que elaboravam quer os
36
trabalhos de expressão escrita, quer as apresentações orais, os resultados obtidos pela maior
parte dos alunos à disciplina de Português não eram muito satisfatórios.
Foi precisamente este aspeto, aliado ao desinteresse que os discentes possuíam,
principalmente no que diz respeito à leitura integral das obras literárias que o programa da
disciplina impunha como obrigatórias, que motivou o trabalho que procurei desenvolver
com os alunos. Efetivamente, foi um privilégio ter tido a oportunidade de dar aulas a esta
turma, que em tanto contribuiu para o meu crescimento enquanto ser humano e, sobretudo,
enquanto (futura) professora.
A turma revelou-se bastante participativa e solidária em todas as atividades que
sugeri, sendo aqui importante realçar a empatia e a cumplicidade que desenvolvi com os
estudantes do 11º L ao longo do ano letivo.
4.2.3. Caracterização da turma de Português do 9º ano
Por sua vez, a turma do 9º ano era constituída por vinte e oito alunos com idades
compreendidas entre os 13 e os 16 anos. Era uma turma bastante heterogénea. Se, por um
lado, alguns elementos evidenciavam sérias dificuldades na disciplina de Língua
Portuguesa, havia estudantes que, por outro, possuíam uma grande capacidade de trabalho.
Este aspeto revelava-se, sobretudo, na originalidade demonstrada durante a realização de
algumas atividades e, consequentemente, nos bons resultados que estes alunos eram
capazes de obter.
No final do ano, houve apenas um aluno a ficar retido no 9º ano de escolaridade.
Entre aqueles que transitaram para o Ensino Secundário, houve alguns que conseguiram
atingir os níveis quatro e cinco à disciplina de Língua Portuguesa.
A turma do 9ºB manifestou, durante todo o ano letivo, uma presença jovial, alegre e
divertida, que contribuía para o bom funcionamento das aulas. Apesar de, na maior parte
das vezes, os alunos serem bastante faladores e agitados, a verdade é que todos eles
demonstraram, ao longo de um ano de trabalho e convívio diário, qualidades louváveis tais
como a honestidade, a modéstia, a entreajuda e o companheirismo.
Gostaria ainda de mencionar que, durante a prática letiva, me foquei essencialmente
em ajudar os alunos e prepará-los o melhor possível para o exame nacional, motivo pelo
37
qual abdiquei de realizar algumas atividades relacionadas com o tema deste relatório,
optando por trabalhar com eles alguns aspetos gramaticais nos quais se centravam as suas
dúvidas e preocupações.
4.2.4. Caracterização da turma de Latim
No que concerne à disciplina de Latim, a minha intervenção restringiu-se a uma
turma do 10º ano de escolaridade do curso Científico-Humanístico de Línguas e
Humanidades.
No início do ano letivo, o 10º L era constituído por vinte alunos com idades
compreendidas entre os 15 e os 16 anos. Todavia, ainda no primeiro período, a turma ficou
reduzida a dezoito elementos. Tendo em conta os cursos superiores a que pretendiam
candidatar-se no final do 12º ano, duas alunas foram aconselhadas a anular Latim e a optar
por Geografia. No final da prática letiva, todos os alunos obtiveram classificação positiva à
disciplina de Latim, sendo aqui importante realçar que houve dois estudantes aprovados
com 20 valores e que a nota mais baixa na turma foi de 12 valores.
O 10º L era uma turma disciplinada, consciente dos seus deveres, cumpridora das
suas tarefas e com uma capacidade de trabalho extraordinária. Foi muito gratificante, no
ano de estágio, ter tido a oportunidade de trabalhar com jovens tão aplicados, estudiosos e
que, mais do que isso, revelavam um interesse notório pela disciplina de Latim.
Todos os alunos evidenciavam uma postura muito correta na sala de aula,
mostrando-se atentos e receptivos às explicações das professoras. As suas participações
eram quase sempre pertinentes e os comentários que faziam às matérias lecionadas
deixavam transparecer a inteligência e a perspicácia que tão bem caracterizam estes alunos.
38
4.3. A presença dos clássicos nas aulas de Português
4.3.1. Atividades realizadas durante o estágio pedagógico de
Português na turma do 11º ano
No que diz respeito aos conteúdos da área textual, faziam parte da planificação
anual da disciplina de Português do 11º ano os textos de carácter expositivo-argumentativo.
Antes de iniciar as aulas sujeitas a avaliação, lecionei, ao 11º ano, uma aula de 90
minutos, na qual me propus trabalhar com os alunos a estrutura e a elaboração do texto
argumentativo. O principal objetivo desta aula era que os discentes compreendessem que a
argumentação, sendo uma atividade intelectual baseada no exercício da razão, é também
uma atividade verbal que consiste essencialmente na defesa de um enunciado e que
necessita obrigatoriamente de palavras para se transmitir e fazer valer a sua força junto
daqueles que visa convencer.
Tendo em consideração que a turma do 11º ano revelava, desde o início do ano, um
desinteresse geral pela disciplina de Português (aspeto que, a meu ver, foi sendo colmatado
no decorrer da prática letiva), procurei, não só nesta primeira aula, como também ao longo
de todo o ano letivo, utilizar materiais que pudessem, de alguma forma, motivar os alunos e
ir ao encontro dos seus interesses.
Neste sentido, o primeiro momento da aula consistiu no visionamento de três
excertos do filme Marie Antoinette (2006) de Sofia Coppola.51
A partir do momento em que os alunos reconheceram a problemática que estava em
causa nos três excertos visionados e, consequentemente, os argumentos que sustentavam
essa problemática, facilmente compreenderam que, através do poder de argumentação, uma
das personagens pretendia alcançar um determinado fim.
Além do mais, foi evidente o interesse que a turma revelou pelo filme (alguns
estudantes já o tinham visto na íntegra), pois, ao contrário da maior parte dos filmes
51
Disponível na Web em: http://www.youtube.com/watch?v=BfphxO62gUY&feature=plcp, acedido a 08-
08-2013.
39
históricos, que segundo os alunos “são geralmente aborrecidos”, esta representação
cinematográfica revela-nos uma descrição mais humana de Marie Antoinette, apresentando-
a como uma adolescente que vive sozinha numa corte obstinada no ócio e na artificialidade.
Embora o enredo do filme se passe no século XVIII, a escolha deste material
justifica-se sobretudo se reconhecermos que alguns dos assuntos abordados e retratados por
Sofia Coppola, tais como a difícil entrada na vida adulta, a solidão e as ambiguidades no
processo de crescimento são facilmente compreendidos pelos alunos, no sentido em que
estes temas se relacionam diretamente com os seus interesses, necessidades e inquietudes.
Inicialmente em grupos de pares e, depois, oralmente, os alunos debateram algumas
questões sugeridas na ficha de trabalho52
distribuída após a sequência visionada.
Desta forma, os discentes foram perfeitamente capazes de se exprimir, sintetizando
a opinião manifestada e defendida pela personagem Maria Teresa (mãe de Marie
Antoinette) ao longo do seu discurso e identificando as estratégias de que a personagem se
serve para convencer o interlocutor a agir consoante a sua vontade.
Refletindo sobre o efeito que as palavras de Maria Teresa têm sobre Marie
Antoinette, os alunos compreenderam a importância de desenvolver estratégias lógico-
discursivas durante a atividade argumentativa, reconhecendo facilmente a presença deste
tipo de situações no quotidiano, nomeadamente em discursos políticos ou académicos,
autoapresentações em entrevistas de emprego ou em tantas outras ocorrências do dia-a-dia.
Na mesma aula, foi sugerida à turma uma atividade de oficina de escrita53
após o
visionamento do vídeo Uma cidade chamada Porto54
. O objetivo era que os discentes
escrevessem um slogan para o texto fílmico a que tinham assistido e que, relembrando não
só as características do texto argumentativo como também a estrutura da mensagem
publicitária (tendo já sido abordado pela professora titular da disciplina, o texto publicitário
constava na planificação anual da disciplina de Português do 11º ano), fossem capazes de
elaborar um pequeno texto no qual apresentassem um conjunto de argumentos capazes de
convencer os interlocutores a visitarem a cidade do Porto. A verdade é que, apesar de a
maioria dos alunos ser residente em Vila Nova de Famalicão, os locais apresentados ao
52
Anexo I. 53
Anexo II. 54
Disponível na Web em: http://www.youtube.com/watch?v=j7woNbgA7YA, acedido a 08-08-2013.
40
longo do vídeo foram automaticamente reconhecidos pela maior parte da turma, que, após a
elaboração da sugestão de trabalho, procedeu à leitura dos textos elaborados.
Foi evidente, nos trabalhos realizados pelos alunos, a presença de um tipo de
linguagem de dimensão persuasiva, característica comum aos textos quer de domínio
publicitário, quer de domínio argumentativo. Tendo em conta os textos que produziram, os
discentes foram perfeitamente capazes de compreender que a linguagem argumentativa no
discurso publicitário é extremamente importante, porque procura precisamente despertar
sentidos, criando estímulos dirigidos às emoções do público-alvo.
A meu ver, esta atividade foi bastante produtiva, pois complementou o estudo da
mensagem publicitária articulando-o com o estudo do texto argumentativo. O objetivo
primordial desta atividade era precisamente que os discentes compreendessem a ligação
que existia entre as imagens que visionaram e os textos que posteriormente produziram,
reconhecendo sobretudo que o texto da mensagem publicitária se relaciona,
automaticamente, com o texto fílmico ou icónico que, por sua vez, complementam ou
provocam a leitura do texto escrito.
A primeira aula sujeita a avaliação, na turma do 11º ano, inseriu-se na terceira
unidade didática do manual, dedicada essencialmente ao estudo da obra Sermão de Santo
António aos Peixes, do Padre António Vieira.
Tendo em conta que a maior parte dos discentes não tinha demonstrado, até ao
momento, qualquer tipo de entusiasmo ou interesse pela leitura da obra, procurei recorrer a
materiais que, de certa forma, aproximassem o Sermão de Santo António da realidade dos
alunos.
Assim, o primeiro momento da aula consistiu no visionamento do trailer do filme A
Missão (1986), de Roland Joffé 55
, que despertou desde logo a atenção e a curiosidade da
turma. Tendo como ponto de partida uma das imagens do excerto visionado, na qual um
grupo de índios atira para o rio o corpo de um padre amarrado numa cruz, foi discutido
oralmente o assunto principal do filme: a tentativa dos missionários portugueses de
converterem os índios ao cristianismo. Apesar de a intenção dos missionários jesuítas da
Igreja Católica ser a de defender os indígenas da colonização, a verdade é que, devido ao
55
Disponível na Web: http://www.youtube.com/watch?v=cqcLJopZJ2A, acedido a 08-08-2013.
41
processo de evangelização, o povo indígena viu-se forçado a abandonar muitas das suas
crenças e tradições. Com o objetivo de suscitar a curiosidade dos alunos pelo filme, tendo
em conta, obviamente, as suas semelhanças com o contexto histórico retratado no Sermão
de Santo António, foram discutidos alguns dos aspetos mais importantes que o realizador de
A Missão procurou abordar, nomeadamente a discriminação de que os índios eram alvo por
parte dos colonizadores, a escravidão que lhes foi imposta e o importantíssimo papel dos
Jesuítas na proteção dos índios e das suas terras.
Tendo em consideração que a personagem principal do filme é um missionário
jesuíta que entra em contacto com uma tribo de índios Guarani, os alunos relacionaram de
imediato o excerto visionado com alguns dos aspetos já estudados relativamente à vida e à
obra do Padre António Vieira, reconhecendo-o como um homem de grande energia e
coragem, que, sempre convicto das suas razões, lutou até ao final da sua vida para
concretizar os projetos que idealizara.
Após esta breve reflexão, os alunos visionaram um excerto do filme Palavra e
Utopia (2002), de Manoel de Oliveira56
, no qual a personagem que interpreta o papel do
Padre António Vieira jura dedicar a sua vida “ao serviço dos Índios e dos Negros”.
Numa tentativa de sistematizar conhecimentos já adquiridos pelos alunos, julgo que
a escolha deste filme resultou positivamente, pois esta representação cinematográfica é uma
demonstração evidente da vocação missionária do Padre António Vieira, que começou a
sua doutrinação junto dos indígenas. O excerto visionado permitiu ainda que os alunos
compreendessem que, para levar avante as suas ideias, António Vieira aprendeu o tupi-
guarani, essencial para a comunicação com o povo indígena.
Durante a análise do segundo capítulo da obra (objetivo primordial desta aula), os
alunos mostraram-se recetivos às explicações que foram dadas e participaram ativamente
na aula, compreendendo que o Padre António Vieira pregava sobretudo a igualdade de
todos os homens, lutando para que os colonos respeitassem o povo indígena e,
principalmente, que o texto é, na sua totalidade, uma alegoria amplamente demonstrativa
do poder imaginativo e satírico do pregador.
56
Disponível na Web: http://www.youtube.com/watch?v=bGBJT5a_6QI&feature=plcp, acedido a 08-08-
2013.
42
Em suma, considero que a escolha dos materiais apresentados resultou de um modo
positivo, pois, para além de ter sido uma forma de envolver os alunos mais afetivamente na
matéria que estavam a aprender, contribuiu para um conhecimento mais aprofundado do
contexto histórico em que o Sermão de Santo António foi escrito. A meu ver, este aspeto é
fundamental para uma melhor compreensão do texto por parte dos alunos, pois António
Vieira constrói este sermão atacando e condenando a ação do branco ambicioso e cruel,
completamente contrária à sua política missionária.
No decorrer da mesma aula, depois de ter sido analisado o segundo capítulo da obra,
foi proposto aos alunos um exercício de expressão escrita, após a audição da música
«Negócios Estrangeiros», pertencente ao reportório da banda portuguesa Da Weasel e cuja
letra foi escrita por José Luís Peixoto.57
Os estudantes revelaram desde logo bastante
entusiasmo, pois, na sua maioria, já conheciam a música e tanto a banda como o escritor
faziam parte das preferências musicais e literárias da maior parte da turma.
Ao ser discutido o teor da mensagem presente na canção, os alunos facilmente
compreenderam que a letra é uma crítica evidente à indiferença de uma classe superior
(neste caso, o sujeito poético dirige-se diretamente a um “presidente”) perante uma
minoria: os emigrantes que vivem na zona do Intendente, em Lisboa (cf. “Seja por dez
minutos, um imigrante ilegal / Como se chegasse do Brasil ou do Paquistão, vá ao
Intendente e invente uma solução […] A sua presença pode ajudar a salvar vidas vindas da
Ucrânia, da Roménia, Cabo Verde, Moçambique e Angola / Porque o mundo, senhor
presidente, não é mais do que uma bola, talvez colorida, talvez entre as mãos de uma
criança”).
Foi muito gratificante ouvir os comentários de alguns alunos que participaram
ativamente nesse momento da aula, associando de imediato a mensagem principal da
canção ao conteúdo que perpassa a obra de António Vieira: também no sermão, o pregador
critica a superioridade e a exploração de uma maioria (os colonos) perante uma minoria (o
povo indígena).
Assim, tendo em consideração que os discentes, como alunos do 11º ano de
escolaridade, devem ser preparados para o exame de Português do 12º ano (que exige que
57
Disponível na Web: http://www.youtube.com/watch?v=JWklYgIyH8Y, acedido a 08-08-2013.
43
os estudantes conheçam a realidade social do mundo onde vivem de forma a construírem
um texto argumentativo no Grupo III), foi-lhes sugerido que realizassem, como trabalho de
casa, um exercício de expressão escrita.58
No exercício proposto, foram apresentados aos alunos exemplos de diferentes
minorias do mundo atual: as mulheres muçulmanas e a posição de inferioridade que
ocupam no meio cultural e social onde vivem; os ciganos, como etnia vítima de agressões
raciais, assim como de uma discriminação sistemática no acesso à educação, à saúde, ao
emprego e à habitação em muitos estados-membros da União Europeia; os homossexuais,
como alvo de preconceito social e discriminação; os idosos que, negligenciados familiar ou
institucionalmente, são cada vez mais abandonados em hospitais; os estudantes que
perderam as suas bolsas de estudo e que, por isso, foram obrigados a abandonar o ensino
superior; os emigrantes que, ao sentirem dificuldades no processo de aprendizagem da
língua do país de acolhimento, se encontram numa situação vulnerável.
Para realizarem o exercício de expressão escrita, os alunos tiveram de escolher uma
dessas minorias da realidade atual e, imaginando-se a si mesmos como “um novo António
Vieira”, deveriam redigir um texto de domínio argumentativo, no qual apresentassem os
argumentos que os motivavam a defender a minoria escolhida.
Apesar de o racismo, a homossexualidade, o abandono de idosos e a situação
vulnerável das mulheres muçulmanas terem sido, na sua maioria, os temas que os alunos
procuraram abordar nos textos produzidos, alguns discentes, demonstrando claramente
autonomia e criatividade, escolheram minorias da sociedade que não lhes tinham sido
sugeridas no exercício de escrita proposto.
Atentando em alguns trabalhos mais reveladores, começo por salientar o texto da
aluna Inês Pereira, que optou por falar diretamente da desigualdade social que ainda se vive
no Brasil:
As populações urbanas brasileiras enfrentam também graves problemas com as suas
habitações, muitas delas crescendo nas favelas e assistindo-se, além disso, a um enorme
contraste social, quando vemos grandes prédios luxuosos perto de favelas com pouquíssimas
58
Anexo III.
44
condições. […] Com esta profunda desigualdade social existente no povo brasileiro, a
criminalidade e os problemas de segurança pública têm vindo cada vez mais a aumentar. 59
A aluna foi perfeitamente capaz de defender a sua opinião, sustentando-a com um
conjunto de argumentos plausíveis, que demonstravam, precisamente, o nível alarmante de
desigualdade social em que se encontra atualmente o povo brasileiro.
O aluno João Neto, por sua vez, embora não tenha respeitado na íntegra a estrutura
do texto argumentativo, produziu um trabalho extremamente criativo, no qual apresentou os
ex-prisioneiros como vítimas de discriminação social. Tal como o Padre António Vieira,
que compara os homens aos peixes, o aluno compara um ex-prisioneiro a uma borboleta, no
sentido em que “o casulo é a sua prisão, mas, apesar disso, tenta sempre singrar num
mundo novo.”60
A aluna Ana Isabel Gonçalves, no seu texto sobre “os estudantes que perderam as
suas bolsas de estudo”, concluiu:
Se ainda no século XXI existem problemas e injustiças sociais causadas pelo Homem, após
personalidades como o Padre António Vieira tentarem melhorá-lo, é porque esta é a sua
verdadeira natureza e, como tal, irá sempre corromper tudo à sua volta.61
Julgo que o objetivo principal desta atividade foi cumprido e foi com grande
satisfação que li e corrigi, com a ajuda da minha orientadora de estágio e professora titular
da disciplina, os textos produzidos pelos alunos do 11ºL.
Em suma, os discentes foram capazes de estabelecer uma ligação entre os
conhecimentos adquiridos ao longo da aula, através dos materiais selecionados, e os textos
que posteriormente produziram, compreendendo que, quatro séculos após a ação
doutrinária e denunciadora de injustiças do Padre António Vieira, que se viu obrigado a
condenar o comportamento dos colonos portugueses no Brasil, situações semelhantes ainda
permanecem no mundo atual.
59
Anexo IV. 60
Anexo V. 61
Anexo VI.
45
As aulas número dois e três, lecionadas na turma do 11º ano, inseriram-se na quarta
unidade didática do Manual: “(M)eu drama”. Tal como é sugerido pela expressão que a
intitula, esta unidade didática realça a importância do estudo do texto dramático,
nomeadamente da obra Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett.
Na primeira aula, os discentes visualizaram um excerto do filme Quem és tu?
(2001), de João Botelho62
, correspondente à cena VII do Ato Primeiro.
Durante a visualização do excerto do filme anteriormente mencionado, a turma
permaneceu em silêncio. Depois, alguns estudantes participaram ativamente na aula,
comentando os aspetos mais importantes da cena VII. Assim, apesar de já ter sido sugerida
aos alunos uma leitura global da obra, os alunos afirmaram ter compreendido melhor o
texto escrito após a visualização do texto fílmico.
O terceiro momento da aula consistiu na leitura da cena VII por parte de alguns
alunos e foi possível observar um envolvimento muito mais emotivo dos estudantes com a
obra, no sentido em que respeitaram de uma forma mais fiel as interjeições e os sinais de
pontuação presentes ao longo do texto.
Assim, podemos concluir que o texto fílmico ajudou os discentes a compreenderem
a verdadeira utilização, no texto escrito, das inúmeras interrogações retóricas, do uso das
reticências, das interjeições e da frase exclamativa.
No quarto momento da aula, optei por utilizar um registo áudio da cena VIII, sendo
que, por sua vez, os alunos acompanharam a audição através do texto do manual. Deste
modo, os discentes tiveram a oportunidade de fazer a correspondência entre o oral e o
escrito, contactando com um exemplo de leitura expressiva. Essa audição foi apoiada
através de comentários que atentaram em alguns pormenores, para tornar mais consistente o
trabalho de compreensão dos estudantes.
De forma a sistematizar os conhecimentos adquiridos pelos alunos nas cenas VII e
VIII do Ato Primeiro da obra, optei pela distribuição de um questionário pedagógico
escrito63
, a ser realizado pelos discentes em grupos de pares, cujas respostas foram, num
momento posterior da aula, discutidas oralmente.
62
Disponível na Web: https://www.youtube.com/watch?v=w24POvfUMO0, acedido a 08-08-2013.
63 Anexo VII.
46
Tendo em conta que o programa da disciplina “contempla não só a leitura de textos
escritos, mas também de imagens”64
, considerei pertinente incluir na ficha de trabalho um
exercício de leitura de imagem a partir do quadro O Agoiro, de Mark Rothko, com o
objetivo de os alunos o relacionarem com as cenas que tinham acabado de analisar.
Alguns discentes começaram por reparar no título do quadro, pois, dado o momento
do estudo da obra em que se encontravam, já estavam familiarizados com a expressão,
reconhecendo-a como “um presságio”, “um indício de que algo está prestes a acontecer” e
associando-a, sobretudo, à personagem de D. Madalena.
Inicialmente, os alunos mostraram-se um pouco reticentes em expressarem as suas
opiniões relativamente ao exercício de leitura de imagem proposto. Todavia, incentivados
por comentários mais perspicazes por parte de alguns colegas, os discentes, de uma forma
geral, acabaram por participar ativamente nesta atividade e foram capazes de relacionar o
quadro com as cenas estudadas na aula.
Assim, de acordo com aquilo que era pretendido, os estudantes associaram a figura
que surge no lado direito do quadro de Mark Rothko a “um fantasma”, cujo rosto
demonstrava “um ar ameaçador”. Na sequência desta ordem de ideias, alguns elementos da
turma referiram que aquela figura poderia ser comparada a D. João de Portugal, tendo em
conta que também ele “assombrava” D. Madalena, permanentemente transtornada e
aterrorizada com a hipótese de um regresso do seu ex-marido.
Constatando que a figura que surge no lado esquerdo do quadro está inclinada para
trás, alguns alunos interpretaram essa posição de inferioridade perante “o fantasma presente
no lado direito” como medo daquilo que aquela imagem poderia transmitir. Foi desta forma
que os elementos mais participativos da turma associaram o retrato do lado esquerdo a D.
Madalena, no sentido em que o terror, os agoiros e, de certa forma, o recuo ao passado são
aspetos que estão sempre presentes na mente da personagem nas cenas de Frei Luís de
Sousa estudadas até ao momento.
64
SEIXAS, João et al, Programa de Português 10º, 11º e 12º anos, Curso Científicos- Humanísticos e Cursos
Tecnológicos, DGIDC, 2011, p.24. Disponível em http://dgidc.min-edu.pt/, acedido a 5-09-2013.
47
De seguida, os alunos visualizaram os excertos do filme Frei Luís de Sousa, de
António Lopes Ribeiro65
, correspondentes às cenas IX, X, XI e XII do Ato Primeiro da
obra.
Após a visualização dos excertos mencionados, distribui pelos alunos uma ficha de
trabalho,66
cujo objetivo consistia não só na comparação das duas representações
cinematográficas visionadas, como também, e sobretudo, na sua articulação com o texto
que tinha sido, entretanto, lido em voz alta e interpretado pela turma.
Os discentes começaram por observar as capas de ambos os filmes e procuraram
descrevê-las de uma forma objetiva. Facilmente concluíram que a capa da primeira versão
cinematográfica da obra contém uma imagem representativa de Maria e Manuel de Sousa
Coutinho e destaca, sobretudo, o nome da obra, o realizador e o produtor. Por sua vez, na
capa alusiva à adaptação de João Botelho sobressai o título do filme e as personagens
Romeiro e Maria.
Alguns alunos atentaram ainda no modo como as personagens são apresentadas
segundo perspetivas diferentes nas capas dos dois realizadores. Se na versão de António
Lopes Ribeiro, Maria surge ao lado de Manuel de Sousa Coutinho, abraçando-o e sorrindo
ao seu lado, por sua vez, na adaptação de João Botelho, o rosto da personagem revela um ar
sério e perturbado, relembrando-nos, por um lado, a sua condição frágil e vulnerável e
remetendo, por outro, para a figura do Romeiro presente também na imagem.
Refletindo sobre os excertos visionados de cada uma das adaptações
cinematográficas de Frei Luís de Sousa e articulando-os com a leitura das cenas em análise,
os discentes participaram ativamente na aula e compreenderam a importância das cenas IX
a XII no desenvolvimento da ação da peça.
Além do mais, a visualização dos excertos selecionados e a comparação entre as
duas representações cinematográficas permitiu que os alunos tomassem conhecimento de
duas leituras distintas de Frei Luís de Sousa, compreendendo, sobretudo, que no filme de
João Botelho é evidente a evolução de padrões estéticos e a atualização da própria obra, não
sendo, todavia, desvalorizado o texto original.
65
Disponível na Web: https://www.youtube.com/watch?v=shhdZUVsfK8, acedido a 09-08-2013. 66
Anexo VIII.
48
Como trabalho a ser realizado em casa, foi sugerido aos alunos um exercício de
expressão escrita67
que surgiu, precisamente, como uma tentativa de estimular a
criatividade dos discentes, suscitando, ao mesmo tempo, uma situação de maior conforto no
que diz respeito à interpretação e à compreensão da obra literária.
Assim, após uma breve referência às características dos textos autobiográficos
(conteúdo lecionado na disciplina de Português no 10º ano de escolaridade), a atividade
proposta consistia na elaboração de uma página de diário de uma de três personagens da
obra: Maria, Telmo Pais e D. Madalena.
Curiosamente, tendo em consideração que Maria, na cena VII do Ato Primeiro,
menciona que “também tem papéis”68
, deixando em aberto a possibilidade de dedicar
algum do seu tempo à escrita, nenhum aluno optou por redigir uma página de diário desta
personagem. Na verdade, ainda que alguns elementos da turma tivessem optado pela
criação de uma página de diário de Telmo Pais, a maior parte dos discentes preferiu
transpor para o papel os sentimentos e as emoções de D. Madalena.
Gostaria de começar por realçar o texto do aluno Noé Oliveira, que redigiu aquela
que poderia ser uma página de diário de Telmo Pais.69
O aluno demonstrou claramente que
compreendeu a posição do fiel escudeiro da família, ao referir-se a D. João de Portugal
como “querido e honrado” ou “el grandioso”. De notar ainda que D. Sebastião é
mencionado no texto do aluno como “el rey D. Sebastião”.
A aluna Ana Isabel Gonçalves, que também optou por redigir uma possível página
de diário de Telmo Pais, recorreu frequentemente ao uso de interjeições ao longo de todo o
seu texto, no qual se evidencia a presença de uma linguagem emotiva, típica da
personagem:
Oh, meu Deus! O que farei com esta incerteza que é como um veneno que me corrói as veias e
põe o meu coração a sangrar? Ai, o meu D. João que era como um sol na minha vida, se voltar
tornar-se-á uma nuvem que assombrará a nova vida de D. Madalena e desonrará, de igual
modo, Maria. O que será desta pobre criança? 70
67
Anexo IX. 68
GARRETT, Almeida (1984), Frei Luís de Sousa, Lisboa, Ulisseia, [1843], p.65. 69
Anexo X. 70
Anexo XI.
49
O dramatismo, a pontuação emotiva e o uso frequente de interjeições surgiram
igualmente, e sobretudo, nas páginas de diário de D. Madalena. Através dos seus diferentes
tipos de escrita, os alunos demonstraram ser capazes de incorporar verdadeiramente a
personagem, deixando transparecer para o papel todos os medos, anseios e angústias de D.
Madalena e revelando, claramente, uma perfeita compreensão do papel da personagem ao
longo da obra:
Mal sabe Manuel de Sousa, quanto medo eu guardo dentro de mim. Encontro-me agora na
casa do meu falecido marido. Oh Deus me perdoe, mas só espero que esteja certa ao chamar-
lhe falecido. O que seria de minha filha e de meu amado Manuel se ele aparecesse? 71
O tempo passa por mim com tal velocidade que sou incapaz de o rever ou de o agarrar.
Lembro-me de tudo como se apenas tivessem passado dois dias. Tudo o que senti, lembro-me
de quando o vi pelas primeiras vezes. O meu batimento cardíaco aumentava
significativamente, aquela sensação desconhecida percorria todo o meu corpo, o sangue era
quente e fervilhava-me quando passava pelas veias. […] Oh, falham-me as forças só de
imaginar que o pior pode acontecer. Vivo com todo este tormento todos os dias, talvez seja o
meu castigo por todo o meu pecado. 72
Hoje o meu medo aumentou, aumentou o terror e aumentaram as desconfianças. Vivo com
isto todos os dias, mas hoje estes sentimentos estão bem patentes em mim. Todos estes
pesadelos, presságios e agouros atormentam-me cada vez mais, deixei de saber em que pensar
ou se devo mesmo pensar. Por vezes, o pensamento pode ser tão cruel e traiçoeiro. […] Agora
vivo todos os dias atormentada com o possível regresso de D. João de Portugal, meu primeiro
esposo e senhor. E se um dia ele volta? Nesse dia, a minha vida acabará, serei a única
responsável pelo fim deste casamento e pela ilegitimidade de Maria. 73
Julgo que o exercício proposto funcionou de uma forma muito positiva, no sentido
em que a criação de uma página de diário levou os alunos a procurarem desvendar o mundo
de uma das personagens da obra através dos seus próprios imaginários, o que lhes
possibilitou um contacto mais emotivo com o texto.
71
Texto da aluna Patrícia Faria, anexo XII. 72
Texto do aluno Simão Silva, anexo XIII. 73
Texto da aluna Filipa Rodrigues, anexo XIV.
50
No fundo, o tempo da obra acabou por se misturar com o tempo de hoje. Afinal, os
discentes não estranharam os medos ou os anseios das personagens e, de certa forma,
sentiram estas emoções um pouco como suas, o que acabou por se refletir, quer ao nível do
conteúdo, quer ao nível da forma, nos textos que produziram, ao recorrerem
frequentemente ao uso de interjeições, à pontuação emotiva, a vocábulos que nos remetem
diretamente para o tempo histórico em que a obra se insere (“el rey D. Sebastião) e,
sobretudo, a uma linguagem dramática típica do Romantismo.
Tendo em conta a importância do mito sebastianista na vida de algumas das
personagens de Frei Luís de Sousa, considerei pertinente inserir na segunda aula desta
subunidade didática a visualização do trailer do filme O Quinto Império, Hoje e Agora
(2004), de Manoel de Oliveira74
e, mais uma vez, realizar um exercício de interpretação a
partir de um excerto fílmico. 75
Tal como já tinham demonstrado em exercícios semelhantes realizados em
momentos anteriores, os alunos revelaram-se atentos e curiosos durante a visualização do
trailer do filme, tecendo, posteriormente, alguns comentários, resultantes não só das
informações adquiridas através do texto fílmico, mas também dos conhecimentos que
possuíam acerca do Sebastianismo.
Assim, os discentes começaram por reconhecer D. Sebastião como um jovem
inexperiente que, julgando-se predestinado por Deus, partiu para o Norte de África
sonhando com feitos gloriosos que resultavam, precisamente, não só da necessidade de
readquirir a glória passada do país, como também da missão peregrina de redenção dos
infiéis.
Foi curioso ouvir algumas reações dos alunos a estes dados históricos, pois,
relembrando o que tinham aprendido acerca da colonização portuguesa no Brasil através do
Sermão de Santo António aos Peixes, reconheceram a presença de Deus e da transmissão da
fé ao longo da História de Portugal.
Todavia, o principal objetivo desta atividade era que os discentes compreendessem
a presença do mito sebastianista em Frei Luís de Sousa e qual a intenção de Almeida
74
Disponível na Web: https://www.youtube.com/watch?v=SEvSMlHQeTU, acedido a 09-08-2013.
75 Anexo XV.
51
Garrett ao inseri-lo na obra. Neste sentido, comecei por perguntar aos alunos o que é que
eles achavam que o escritor pretendia transmitir através da figura do Romeiro e do seu
papel determinante para o desfecho da obra. De uma forma geral, a turma concluiu que o
mito sebástico assumia uma conotação negativa por se corporizar, precisamente, na
personagem do Romeiro. Se, depois da batalha de Álcacer Quibir, o povo português
aguardava que D. Sebastião retornasse à pátria, o regresso do Romeiro assume-o de
imediato como o “anti-herói”, o elemento destrutivo que, só pela sua presença, aniquila a
harmonia em que viviam D. Madalena e Manuel de Sousa Coutinho, conduzindo, inclusive,
Maria à sua morte.
Desta forma, os alunos associaram a figura de D. João de Portugal a D. Sebastião,
pois, se pensarmos que o núcleo constituído pela família pode simbolizar, efetivamente,
toda uma nação, à vida sobrepõe-se a morte “de vergonha” de Maria, à salvação do reino
contrapõe-se a morte física de uma inocente.
Assim, a resposta do Romeiro à pergunta “Quem és tu?”76
pode ser interpretada de
diferentes maneiras: “ninguém” é agora D. João de Portugal, que perdera tudo aquilo que
construíra antes de partir; “ninguém” é Maria, que se tornara numa filha ilegítima e morrera
“de vergonha”; “ninguém” pode ser inclusivamente Portugal, enquanto país subjugado ao
domínio Filipino.
Alguns alunos mais perspicazes concluíram que, através da presença do mito
sebástico na obra, Almeida Garrett pretendia sobretudo uma mudança ao nível das
mentalidades das pessoas da época, saudosistas, apáticas, conservadoras e presas numa
sociedade que se perdera no tempo, assim como um abandono de uma crença inútil num
mito que estava a contribuir para a estagnação do país.
Em suma, julgo que a visualização do trailer do filme de Manoel de Oliveira e
posterior discussão permitiu aos alunos uma visão mais ampla e completa da obra, pois
compreenderam a verdadeira intenção de Almeida Garrett ao tratar o mito sebástico em
Frei Luís de Sousa.
Além do mais, julgo que é importantíssimo que estudantes de Português e Literatura
Portuguesa sejam capazes de reconhecer que a herança do passado se mantém viva e se
continua a inspirar imensos artistas de diversas áreas: seja no cinema, através do exemplo
76
GARRETT, Almeida (1984), Frei Luís de Sousa, Lisboa, Ulisseia, [1843], p.101.
52
constatado nesta aula, seja, inclusive, através da literatura contemporânea (no caso
específico do Sebastianismo, lembremo-nos, por exemplo, de O Conquistador, de Almeida
Faria).
No que diz respeito aos conteúdos da área textual, constavam na planificação anual
da disciplina de Português do 11º ano os textos narrativos e descritivos, sendo solicitada,
aos alunos, a leitura integral de um romance de Eça de Queirós.
Assim sendo, as duas últimas aulas realizadas na turma do 11º L foram dedicadas ao
estudo de Os Maias, de Eça de Queirós, nomeadamente do episódio do Hotel Central.
Ao longo do estudo da obra, a turma evidenciava, de uma forma geral, dificuldades
ao nível da leitura e da compreensão do texto, pois a maior parte dos discentes não tinha
lido o romance na sua totalidade.
Além disso, era notório ainda que o título e o subtítulo da obra suscitavam alguma
incompreensão entre os alunos, já que alguns deles associavam o subtítulo da obra,
Episódios da Vida Romântica, ao romance de Carlos e Maria Eduarda e não aos múltiplos
episódios que constituíam a crónica de costumes de uma cidade e de um país tipicamente
românticos. Assim, optei por dar início à primeira aula através de uma síntese de alguns
conteúdos já abordados anteriormente pela professora titular da disciplina relativamente ao
romance em estudo.
Com efeito, a turma compreendeu que, em alternância com a narração dos amores
de Carlos e Maria Eduarda, se desenrolam múltiplos episódios que constituem a crónica de
costumes da vida lisboeta. Neste sentido, alertei os alunos para a necessidade de
relacionarmos o subtítulo da obra – Episódios da vida romântica – com os múltiplos casos,
cenas e atitudes que o romance nos oferece.
Este foi o ponto de partida para o episódio a ser estudado no decorrer da aula: O
Jantar no Hotel Central, um dos episódios mais importantes da crónica de costumes e que,
por nele se retratar a sociedade lisboeta da segunda metade do século XIX, se relaciona
automaticamente com o subtítulo da obra.
53
O terceiro momento da aula consistiu na visualização do excerto da série televisiva
Os Maias, que retrata o momento em que Carlos vê Maria Eduarda pela primeira vez77
.
Tendo em consideração que a maior parte da turma não tinha lido a obra, julgo que, através
da visualização do texto fílmico, os alunos ficaram mais motivados para a leitura do texto
escrito, no quarto momento da aula, percebendo, desde logo, a importância deste episódio
para a intriga principal do romance: o amor incestuoso de Carlos e Maria Eduarda.
Antes de procederem à leitura em voz alta dos excertos selecionados para análise de
texto, os alunos compreenderam ainda que o jantar no Hotel Central foi organizado por
Ega, que pretendia, simultaneamente, homenagear Cohen, marido de sua amante, e
proporcionar a Carlos um contacto mais profundo com a elite lisboeta.
Após ter sido distribuída pelos alunos uma ficha de trabalho constituída por alguns
excertos do capítulo VI (o primeiro grupo de excertos centrava-se em Carlos e nas relações
que ele estabelece com novas personagens da intriga; o segundo grupo, por sua vez,
destacava a discussão literária que acontece durante o jantar) e por um questionário
pedagógico de compreensão do texto, alguns alunos procederam à leitura dos excertos que
constituíam o grupo I e relacionaram de imediato o texto em análise com o excerto da série
Os Maias, visionado no segundo momento da aula.
Antes de se dar continuidade à análise de texto, os discentes visualizaram um
pequeno excerto do documentário Grandes Livros da RTP2.78
Este pequeno vídeo teve como finalidade motivar os alunos para a leitura dos
excertos que se seguiam e, sobretudo, realçar um aspeto fundamental para a compreensão
do episódio do Jantar no Hotel Central: é que nesta passagem da obra desfilam perante
Carlos as principais figuras e problemas da vida política, social e cultural da alta sociedade
lisboeta do século XIX, algo que é particularmente retratado no excerto do documentário
mencionado anteriormente.
Assim, os alunos compreenderam desde logo que, neste episódio, todos estes
problemas são objeto de discussão que acaba em desacato, o que vem denunciar a
fragilidade moral de uma sociedade que pretendia apresentar-se como civilizada.
77
Disponível na Web: https://www.youtube.com/watch?v=kLYNnDjpjVo, acedido a 09-08-2013. 78
Disponível na Web: https://www.youtube.com/watch?v=02DEvIE8A6c, acedido a 09-08-2013.
54
Julgo que, como estudantes de Língua e Literatura Portuguesas, é necessário que os
alunos possuam noções concretas acerca de estéticas e correntes literárias, de forma a serem
capazes de relacionar, comparar e confrontar textos lidos, construir sentidos e formular
hipóteses, mobilizando, simultaneamente, referências históricas e culturais entretanto
adquiridas. Deve ser permitido ao aluno “constituir uma cultura literária pelo convívio com
obras mais complexas e, eventualmente, mais distantes do seu universo referencial”
(Seixas, et. al. 2002: 25), sendo que a leitura de um texto literário exige informações
contextuais e culturais que resultarão, consequentemente, numa melhor compreensão do
texto.
Neste sentido, foram esclarecidas algumas dúvidas dos discentes, sobretudo
relativamente às diferenças entre o realismo e o romantismo, notando-se que os alunos de
Literatura Portuguesa possuíam, naturalmente, noções mais concretas do que os alunos que
frequentavam a disciplina de Geografia (as duas disciplinas surgem entre si como opção
para os estudantes que iniciam, no 10º ano de escolaridade, o curso Científico-Humanístico
de Línguas e Humanidades).
No final da primeira aula desta subunidade didática, foi proposta aos alunos uma
atividade de expressão escrita a ser realizada em casa.
Após a análise pormenorizada do segundo grupo de excertos do capítulo VI, que
atentava na discussão literária ocorrida durante o jantar no Hotel Central, os alunos
compreenderam que neste episódio existe, efetivamente, um confronto evidente de ideias
entre duas gerações: Alencar, por um lado, representa os ideais românticos de uma geração
mais antiga e Ega, por outro, assume os valores realistas/naturalistas da nova geração.
O exercício de pós-leitura sugeria aos discentes que, após uma breve reflexão sobre
o assunto, elaborassem um comentário ao cartoon de Luís Afonso presente na ficha de
trabalho. 79
Será aqui importante referir que os trabalhos de Luís Afonso surgem
frequentemente nos manuais de Português e principiam, geralmente, atividades de
expressão escrita. A escolha do cartoon justifica-se essencialmente por considerar que,
79
Anexo XVI.
55
mais do que um componente lúdico, este trabalho de Luís Afonso adquire uma função
verdadeiramente educativa, na medida em que aborda um tema que permanece atual e cuja
importância não pode deixar de ser transmitida aos mais jovens: o 25 de Abril de 1974.
Através deste exercício, pretendia-se essencialmente que os alunos fossem capazes
de compreender a atualização do confronto de gerações presente no episódio do jantar no
Hotel Central, ao mesmo tempo que refletiam sobre a intencionalidade crítica do cartoon.
Este aspeto, de uma forma geral, foi conseguido pela turma. Atentemos, por isso, em dois
dos trabalhos mais reveladores:
Desde sempre que as gerações que coexistem entre si assumem posições diferentes acerca dos
mais variados assuntos. Tal facto foi possível constatar no episódio do Hotel Central […] em
que duas gerações distintas […] defendem ideais diferentes, o que leva, por vezes, a
discussões acesas e gritarias dogmáticas.
Por referir o facto do dogmatismo, penso que isso está presente neste cartoon de Luís Afonso.
Aqui, vê-se uma criança afirmar que, apesar de não saber com exatidão o que foi o 25 de
Abril, ouviu dizer que foi uma Revolução que derrubou o regime “do maior português de
todos os tempos”. Refiro-me a dogmatismo, pois esta criança não sabe do que se trata mas,
por influência de gerações anteriores e mais conservadoras […] acredita naquilo que lhe foi
dito. 80
Tendo em conta o cartoon dado pela professora, podemos ver que, tal como n’Os Maias, na
nossa atualidade ainda encontramos situações de confronto entre as diferentes gerações.
Apesar de os anos passarem e de não se ver ou viver certas situações, as histórias antigas vão
sendo sempre transmitidas de geração em geração. 81
Assim, embora estas discussões literárias não façam parte do universo atual dos
alunos, a verdade é que eles compreenderam que as discussões entre os mais novos e os
mais velhos (quer sejam discussões que abordem temas literários, políticos ou culturais) são
uma realidade que continua presente nos nossos dias, na medida em que os valores e os
pensamentos das gerações mais antigas colidem constantemente com os das gerações
atuais.
80
Texto da aluna Maria Sofia Macedo, anexo XVII. 81
Texto da aluna Patrícia Teixeira, anexo XVIII.
56
A segunda e última aula lecionada ao 11º ano teve como objetivo principal o estudo
de três personagens da obra: Ega, Maria Eduarda e Afonso.
Tendo como ponto de partida os conhecimentos que os alunos adquiriram na aula
anterior relativamente ao episódio do jantar do Hotel Central, a primeira personagem a ser
estudada foi João da Ega.
A turma começou por visualizar dois excertos da série televisiva Os Maias,
correspondentes ao capítulo XI da obra82
. Neste momento do romance, Ega aparece
mascarado de Mefistófeles e, após ter sido expulso do baile de máscaras por Cohen, que
descobrira a sua ligação com a sua esposa, Raquel, procura algum conforto com o seu
amigo, Carlos. Além disso, revelando uma atitude tipicamente romântica, assume a sua
vontade de desafiar Cohen para um duelo.
Durante a análise de texto (foi distribuída pela turma uma ficha informativa,
constituída por alguns dos excertos mais relevantes para a caracterização das três
personagens, cuja proposta de trabalho consistia na análise literária dos excertos
transcritos), os alunos foram capazes de relacionar os excertos visionados com as
características mais evidentes da personagem, que já conheciam a partir do estudo do
episódio do Hotel Central. Se por um lado Ega defende o naturalismo, é mais do que
evidente que, por outro, continua a evidenciar os ideais românticos que tanto criticava.
A segunda personagem a ser estudada foi Maria Eduarda, cuja caracterização física
os alunos já conheciam através do estudo do episódio do Hotel Central. A turma recordou
de imediato o texto fílmico visualizado na aula anterior, reconhecendo sobretudo a beleza e
a divinização associadas à personagem.
Em suma, a escolha dos textos fílmicos nestas duas aulas teve como principal
objetivo aumentar a motivação dos alunos e, sobretudo, despertar o seu interesse para a
leitura integral da obra. Julgo que o objetivo foi cumprido, pois a turma associou facilmente
os excertos da série televisiva, que já conheciam, aos textos selecionados para a análise
literária, reconhecendo e interligando as características das personagens, assim como alguns
dos aspetos mais importantes da intriga principal do romance que surgem em simultâneo
82
Disponível na Web: https://www.youtube.com/watch?v=6_vzRgyARN4, acedido a 09-08-2013.
57
com uma sucessão de acontecimentos sociais que nos permitem caricaturar a sociedade
portuguesa da segunda metade do século XIX.
58
4.3.2 Atividades realizadas durante o estágio pedagógico de
Português na turma do 9º ano
Considerando que a leitura do Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente, constava
no plano de organização do ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa para o 3º ciclo do
Ensino Básico, comecei por lecionar, à turma do 9ºB, uma aula de 45 minutos, que
funcionou simultaneamente como a aula zero, na qual me propus trabalhar com os alunos a
cena do Sapateiro.
Tendo em conta o trabalho de análise de texto proporcionado pela minha colega de
estágio nos primeiros 45 minutos da aula, os alunos começaram por ouvir o registo áudio
da cena que estava a ser estudada. Desta forma, esperava-se essencialmente que os
discentes revelassem uma melhor compreensão do texto escrito e, consequentemente,
respondessem com mais facilidade e autonomia ao questionário proposto no segundo
momento da aula.
As atividades propostas no documento fotocopiado fornecido aos alunos pretendiam
essencialmente incentivá-los à participação na aula e conduzi-los à descoberta dos aspetos
mais importantes nesta cena.
Para além do questionário distribuído aos estudantes, foi apresentado um Powerpoint
com as perguntas a serem debatidas e, posteriormente, com as respetivas respostas. Desta
forma, pretendia-se sobretudo prender a atenção dos discentes, incentivando a leitura, a
partilha de ideias e uma participação autónoma e criativa nas tarefas propostas.
Optei ainda, nesta primeira aula, por sugerir aos alunos a realização de uma ficha de
trabalho composta por uma atividade recreativa, que pretendia suscitar o interesse dos
estudantes pela cena estudada e, simultaneamente, sistematizar os conhecimentos já
adquiridos.
Sendo este o meu primeiro contacto com a turma, estes exercícios centraram-se
essencialmente no objetivo de motivar os alunos e fomentar a sua participação na aula,
aspetos que, a meu ver, foram cumpridos.
59
Tendo já sido iniciado o estudo do Auto da Barca do Inferno, percebi, ao longo das
aulas da professora titular da disciplina, às quais assistia três vezes por semana, que os
alunos, de uma forma geral, reconheciam a peça como uma obra alegórica, no sentido em
que tem como tema principal a “viagem” das almas após a morte e o seu julgamento, numa
clara distinção entre o “bem” e o “mal”, estabelecida pelo autor. A alegoria da obra reside
precisamente na representação figurativa de determinadas ideias, conceitos ou princípios
(quer de carácter moral, quer de carácter filosófico).
Através destas noções de contextualização da obra, os alunos compreendiam que o Auto
da Barca do Inferno é, efetivamente, uma peça na qual, através de personagens
representativas da nobreza, do clero, do povo e da alta burguesia, o autor critica os
costumes e a crise de valores da sociedade do século XVI.
Tendo como ponto de partida a interpretação da cena do Sapateiro, constatando que se
trata de uma personagem representativa de um grupo sociocultural associado ao roubo e à
exploração do povo, considerei que era importantíssimo aludir ao carácter revolucionário e
interventivo da peça que os alunos já reconheciam, inclusivamente, das cenas já estudadas.
Neste sentido, tendo em conta que existia um espaço de quatro dias até à aula seguinte,
foi sugerido aos alunos um exercício de expressão escrita83
, que pretendia essencialmente
que eles desenvolvessem não só uma escrita autónoma, crítica e criativa, aliada a um
correto domínio da língua, como também, e sobretudo, que assumissem no texto produzido
o seu espírito crítico e interventivo, tal e qual o autor do Auto da Barca do Inferno.
Será aqui importante referir que, no que diz respeito ao domínio da “Escrita para
Apropriação de Técnicas e Modelos”, constava no programa de Língua Portuguesa do 3º
ciclo do ensino básico o reconhecimento de determinadas regras necessárias à construção
de textos como, por exemplo, a carta de reclamação.
Assim, a partir de um documento transcrito que correspondia a um excerto do
Decreto-Lei que criava e regulamentava o Instituto do Consumidor, os alunos tiveram de,
em primeiro lugar, imaginar que um cliente do Sapateiro redigia uma carta de reclamação
ao Instituto do Consumidor, na qual relatava os enganos de que fora vítima e, em seguida,
redigir essa carta.
83
Anexo XIX.
60
Atentando em trabalhos mais reveladores, gostaria de salientar os textos de alguns
alunos que redigiram as suas cartas de reclamação ao Instituto do Consumidor, relatando a
exploração de que se sentiram alvo por parte do Sapateiro, alguns deles identificando-o
como “João Antão”, outros como “Sapateiro” e outros, ainda, reconhecendo-o como
funcionário de uma sapataria:
Ex. mos Senhores,
Venho por este meio comunicar-lhes a exploração a que fui sujeita por parte do Sapateiro João
Antão, que consistia no arranjo das solas de um par de botas pelo qual me cobrou 60 euros. 84
Ex. mos Senhores,
Eu, Raquel Cunhal […], venho por este meio reclamar os serviços de um senhor, “O
Sapateiro”, por roubo e exploração.
Este “Senhor” explora o cliente, na medida em que não é honesto. […] Solicito que estas
atitudes sejam cumpridas, para que a justiça seja premiada. 85
Ex. mos Senhores,
[…] Esta reclamação provém do facto da exagerada quantia que me foi pedida por um mero
trabalho de colagem de umas solas de um sapato.
Para solucionar este problema peço que o sapateiro me devolva a quantia em excesso que
paguei pelo trabalho. 86
Ex. mos Senhores,
Venho por este meio comunicar o meu desagrado pela falta de profissionalismo do técnico de
sapatos da loja “Sapatos e C&A.”
Era previsto ter consertado as solas das minhas botas da “Timberland”, mas reparei que, ao
colocar as solas novas e retirar as velhas, não teve o devido cuidado e rompeu a sola. 87
Houve ainda alguns alunos que, apesar da imaginação demonstrada, não respeitaram
o que era pedido no exercício, redigindo, assim, uma carta de reclamação direcionada ao
Sapateiro e não ao Instituto do Consumidor, tal como era pedido no exercício: “Ex. mo
84
Texto da Aluna Ana Sofia Azevedo, Anexo XX. 85
Texto da aluna Raquel Cunhal, Anexo XXI. 86
Texto do aluno Vasco Simões, Anexo XXII. 87
Texto da aluna Ana Isabel Bacelar, Anexo XXIII.
61
senhor João Antão, venho por este meio mostrar o meu desagrado pelos preços do calçado
impostos por si.”; “Ex. mo Senhor Sapateiro, venho por este meio informá-lo do meu
desagrado perante os seus serviços.”
De qualquer das maneiras, considero que este exercício serviu essencialmente para
os alunos aproximarem o texto vicentino do nosso tempo, criando, assim, um contacto mais
afetivo com a obra ao mesmo tempo que reconheciam, através dos próprios textos
produzidos, a importância da cena do Sapateiro, inserida no contexto histórico-social da
obra, como mais um exemplo de crítica aos costumes da época.
Assim, os resultados deste exercício demonstraram sobretudo que os alunos não
tiveram dificuldade em transformar “João Antão” num sapateiro do século XXI,
reconhecendo que o carácter interventivo da obra ainda faz sentido no mundo atual.
A primeira aula sujeita a avaliação, na turma do 9º ano, deu continuidade ao estudo
do Auto da Barca do Inferno e centrou-se na leitura e interpretação da cena O Judeu.
A aula iniciou-se com a audição de um registo da cena do Judeu do Auto da Barca
do Inferno. Julgo que ouvir uma leitura dramatizada do texto vicentino é o mais apropriado
à sua condição de texto teatral, isto é, texto para ser ouvido e visto em palco.
Além do mais, temos de ter em consideração que, ao estudarem uma peça de Gil
Vicente, os estudantes do 9º ano estão, pela primeira vez, no seu percurso de aprendizagem,
a contactar diretamente com uma obra do século XVI, cuja linguagem é muito diferente da
do Português atual. Neste sentido, é natural que os alunos apresentem algumas dificuldades
de compreensão vocabular em textos de Língua Portuguesa desta época, facto que exige
uma leitura acompanhada pelo professor, para explicação do significado e da evolução
fonética ou modificação ortográfica de certos vocábulos do português.
Ora, tendo em conta que alguns aspetos textuais poderiam ser mais dificilmente
apercebidos pelos alunos numa primeira leitura do texto, julgo que a audição da cena
permitiu aos discentes aperceberem-se da ironia do jogo de palavras e sentidos em que se
estrutura o Auto da Barca do Inferno. Este aspeto possibilitou ainda que a dimensão cómica
e paródica do texto fosse realçada, fazendo com que, através do riso, os alunos
despertassem a curiosidade em relação ao modo como esta obra foi construída.
62
Após a realização de um questionário pedagógico escrito para análise de texto, o quarto
momento da aula consistiu no visionamento de dois excertos do filme O Rapaz do Pijama
Às Riscas (2008) de Mark Herman88
. Depois de ter sido debatido com os alunos se achavam
justo o tratamento que é dado ao Judeu no Auto da Barca do Inferno, esta atividade teve
como principal objetivo sensibilizá-los para o tema do Holocausto Nazi. Neste sentido,
foram apresentados em PowerPoint alguns títulos de livros e filmes cujos temas se centram
no Holocausto e na perseguição ao povo judeu.
Esta atividade de atualização, para além de visar uma educação para os valores, teve
como principal objetivo sensibilizar os alunos para o tema do Holocausto Nazi, para que
eles compreendessem que a perseguição ao povo judeu não aconteceu apenas no século
XVI e se arrastou, inclusive, ao longo da História.
A quarta e última atividade desta aula funcionou como sistematização dos
conhecimentos adquiridos após o estudo da cena do Judeu e, sobretudo, como uma forma
de articulação da cena analisada com a globalidade da obra. Para tal, a professora estagiária
distribuiu pelos alunos uma ficha de trabalho, na qual se propunham dois exercícios: o
primeiro consistia na identificação de personagens através de algumas afirmações. O
segundo, por sua vez, era uma atividade mais recreativa, nomeadamente um jogo de
palavras cruzadas.
A preocupação de realizar uma atividade mais lúdica prende-se essencialmente ao facto
de considerar que, através de um exercício mais recreativo, os alunos poderão desenvolver
um gosto mais aprofundado pela matéria que está a ser estudada, ao mesmo tempo que
solidificam conhecimentos. No entanto, este exercício não se afastou da atividade essencial
de sistematizar os conhecimentos e de articular a leitura da cena do Judeu com a leitura
anterior das outras cenas desta obra teatral.
As duas aulas lecionadas no segundo período à turma do 9º ano deram continuidade ao
estudo do conto A Galinha, de Vergílio Ferreira, e centraram-se na aprendizagem das
categorias da narrativa, nomeadamente da ação, do tempo e do espaço.
88
Disponível na Web em: http://www.youtube.com/watch?v=vewmkA75VLI, acedido a 09-08-2013.
63
De uma forma geral, a turma foi capaz de reconhecer o conto que estava a ser estudado
como uma narrativa, cuja história se passa numa aldeia, na qual uma discussão entre duas
senhoras por causa de uma galinha tomará proporções completamente inesperadas, a ponto
de provocar a discórdia em toda a aldeia. A galinha de barro não é mais do que uma
alegoria dos defeitos humanos, como a inveja ou a avareza, e o próprio título do conto, por
sua vez, anuncia antecipadamente o carácter cómico que perpassará por toda a história.
De uma forma geral, no decorrer das atividades propostas, os discentes foram capazes
de reter informações e de se exprimirem por iniciativa própria, ao mesmo tempo que
fundamentaram opiniões, formularam hipóteses e apresentaram propostas no que concerne
à interpretação de texto.
A linguagem do conto é bastante simples, motivo pelo qual os alunos não apresentaram
grandes dificuldades no que diz respeito à compreensão de vocabulário, reconhecendo que
os factos estão carregados de ironia pois, segundo as suas próprias intervenções, “a história
é narrada de uma forma engraçada”.
Numa tentativa de sensibilizar e motivar os alunos para o estudo do tempo e do espaço,
procurando simultaneamente estabelecer uma ligação entre o cinema e a literatura, o quarto
momento da aula consistiu no visionamento dos trailers dos filmes The Reader (2009), de
Stephen Daldry89
, e 500 Days of Summer (2010), de Marc Webb90
, nos quais são evidentes
os fenómenos de recuo e avanço na ação.
O objetivo era que os alunos compreendem que, no fundo, o cinema é uma grande
narrativa e que os fenómenos de flashback e de flashforward correspondem às analepses e
prolepses da literatura. A professora estagiária deu como exemplo Os Lusíadas, obra que os
alunos estudariam no 3º período e o livro Cemitério de Pianos (exemplo claro da presença
de analepses e prolepses ao longo da história), de José Luís Peixoto (um dos nomes da
literatura da atualidade facilmente reconhecido pelos alunos).
Julgo que é importantíssimo que os estudantes sejam capazes de praticar diferentes
modalidades de leitura, exprimindo, simultaneamente, reações aos textos lidos. Os
89
Disponível na Web em: http://youtu.be/pIRTW_ZZgKM, acedido a 09-08-2013. 90
Disponível na Web em: http://youtu.be/PsD0NpFSADM, acedido a 09-08-2013.
64
discentes devem ter a possibilidade de ler livros que correspondam aos seus interesses
etários, devem fazer a leitura de obras integrais por escolha própria e, consequentemente,
trocar impressões sobre leituras feitas. A verdade é que, no final desta aula, dois elementos
da turma se dirigiram diretamente a mim e demonstraram claro interesse pela leitura de
duas obras referidas nesta aula (Fazes-me Falta, de Inês Pedrosa, e Cemitério de Pianos, de
José Luís Peixoto).
A referência às obras mencionadas permitiu sobretudo que os alunos compreendessem
que numa narrativa existe, efetivamente, um tempo histórico, psicológico e cronológico.
Foi explicado ainda que há um tempo da história e um tempo da narrativa, podendo não
existir correspondência entre eles. Neste sentido, a não correspondência pode verificar-se
ao nível da ordem (analepse ou prolepse) ou ao nível da duração (elipse, sumário ou
extensão).
O sexto momento da aula consistiu no visionamento de um excerto do filme Cidade de
Deus (2002)91
, de Fernando Meireles e Cátia Lund.
Após o visionamento do pequeno excerto (no qual a ação se desenvolve em torno de um
conflito gerado pela fuga de uma galinha), foi sugerido aos alunos um exercício de
expressão escrita92
.
O objetivo inicial era que os alunos compreendessem que, tal como no conto de
Vergílio Ferreira, também no excerto visionado a ação se desenvolve em torno de um
conflito gerado por causa de uma galinha. Assim, tendo em conta que, ao contrário do
conto (que é, efetivamente, uma narrativa fechada), o excerto visionado apresenta um final
em aberto, foi solicitada aos discentes a redação de um texto narrativo no qual relatassem o
que, segundo a sua imaginação, teria acontecido à galinha do filme de Fernando Meirelles.
Atentando em alguns trabalhos mais reveladores, destacam-se os textos dos alunos
Raquel Cunhal, Ana Sofia Azevedo e João Vasco Simões:
A galinha, encurralada e com medo, cacarejava. O rapaz, com a máquina fotográfica ao
pescoço, mal se mexeu, para não a assustar ainda mais. Já o gangue, que se encontrava
também imóvel, mas apontando armas à galinha, tinha intenção de a matar.
91
Disponível na Web em: http://youtu.be/hGQWqt8K8S8, acedido a 09-08-2013. 92
Anexo XXIV.
65
[…] Percorreram a favela toda atrás dela, tal como o infiltrado, que corria atrás deles. A
galinha parecia conhecer a favela tão bem quanto o traficante.
Chegaram a um beco sem saída e, como já adivinhava o que ia acontecer, o rapaz da máquina
fechou os olhos e ouviu uma arma a disparar. Abriu os olhos. A galinha já estava morta. Sem
hesitação, o traficante pegou numa faca que tinha no seu bolso e abriu o estômago da galinha,
retirando um “saquinho” com pó branco que lá se encontrava, virando as costas, assim, como
o resto do gangue. 93
[…] No momento em que levantou a cabeça e olhou para toda aquela gente, Serafim viu o
líder virar-se para trás e dizer para o matarem, a ele e à galinha. Aproveitou o facto de o
homem estar distraído, agarrou a galinha e desatou a correr.
No caminho para casa, largou a galinha num campo para que ela pudesse ser livre, e sentiu-se
realizado por ter salvo a vida àquele animal indefeso. 94
[…] Com esta situação em torno daquela rua da favela, os locais começaram logo a esconder-
se para dentro das suas casas, pois já tinham entendido que iria haver tiroteio. No entanto, no
meio daquele campo de batalha, encontravam-se os dois adolescentes e o motivo desta
confusão, ou seja, a galinha.
[…] O gangue do Zé, ao ver que os polícias estavam a disparar contra eles, decide responder
com balas, mas as suas armas eram mais fracas do que as dos polícias, pelo que houve muitas
mais mortes do lado destes criminosos, acabando assim os restantes por fugirem. No final, o
motivo desta confusão escapou ileso e livre de qualquer perigo. 95
De uma forma geral, os alunos revelaram-se bastante imaginativos e foram capazes não
só de atribuir diferentes finais à história como também de relatar as inúmeras peripécias
pelas quais a galinha passou até ao desenlace do texto. O objetivo principal desta atividade
era que os alunos compreendessem as características de um texto narrativo e fossem
capazes de as reconhecer nos próprios exercícios de expressão escrita.
Além do mais, já tinha tido a oportunidade de constatar que a presença do audiovisual
em sala de aula exercia uma função verdadeiramente motivadora nos alunos e, sendo o
cinema uma das artes mais apreciadas pelos estudantes, julgo que o professor deve, sempre
93
Anexo XXV. 94
Anexo XXVI. 95
Anexo XXVII.
66
que possível, aproveitar as articulações dos textos literários com, por exemplo, os textos
fílmicos.
67
4.4. A atualidade da mitologia e da cultura clássica nas aulas de
Latim
4.4.1. Atividades realizadas durante o estágio pedagógico
No que concerne à disciplina de Latim, os exercícios de tradução, assim como a
análise morfossintática que os acompanhava, foram imperativos em todas as aulas
lecionadas quer por mim, quer pela minha colega de estágio. É essencial, na disciplina de
Latim A, que os alunos conheçam a estrutura da língua latina e que, na compreensão de um
texto em latim, sejam capazes de aplicar os conhecimentos linguísticos que adquirem ao
longo do tempo letivo. Assim, o método de análise de texto através de um questionário
escrito foi usado em todas as aulas sujeitas a avaliação, reconhecendo que
A morfologia e a sintaxe são estudadas a par e gradualmente, levando o aluno, através da
observação e da análise, a adquirir novos conhecimentos, pela relacionação com
conhecimentos anteriores, de modo que, por este método, ele vá construindo e consolidando o
seu saber, desenvolvendo competências que lhe permitam agir autonomamente em novas
situações.96
Este aspeto condicionou, de certa forma, o trabalho que pretendi desenvolver com
os alunos, pois, para além do número reduzido de aulas que um professor estagiário
leciona, o tempo que em cada aula podia ser dedicado à exploração e ao estudo dos temas
culturais e mitológicos não era muito. Todavia, concentrei-me, ao longo das aulas
lecionadas, em valorizar a articulação do presente com o passado proposta pelo programa
da disciplina, não esquecendo, contudo, a importância de sistematizar os conhecimentos
que os estudantes iam adquirindo nos domínios da sintaxe e da morfologia.
96
MARTINS, Isaltina et al., Programa de Latim A, 10º ou 11º anos, Curso Científico Humanístico de
Línguas e Literaturas, DGIDC, 2001, p.24. Disponível em: http://dgidc.min-edu.pt/, acedido a 05-09-2013.
68
Desta forma, foquei-me essencialmente em quatro dos objetivos propostos pelo
programa da disciplina, pretendendo que os discentes fossem capazes de:
Adquirir conhecimentos específicos de cultura e civilização romanas.
Identificar a permanência de elementos culturais romanos na moderna civilização ocidental.
Relacionar aspectos relevantes da cultura portuguesa com a cultura clássica.
Avaliar criticamente os valores transmitidos e a sua actualidade. 97
Foi nesta ordem de ideias que surgiu a iniciativa de elaborar um blog98
dedicado ao
trabalho que desenvolvi com a turma de Latim ao longo de todo o ano letivo.
O blog funcionava, sobretudo, como um espaço de partilha onde eram colocados
não só os materiais utilizados nas aulas como também os trabalhos e pesquisas dos
discentes para a disciplina. Era essencialmente um auxiliar de estudo, de motivação para os
alunos e servia como ilustração, síntese ou alargamento dos conhecimentos culturais que os
estudantes adquiriam nas aulas de Latim, como será possível observarmos ao longo desta
reflexão.
A primeira aula sujeita a avaliação inseriu-se na primeira Unidade Didática do
Manual: De Graecorum romanorumque mythis et fabulis. Tal como é sugerido pela
expressão que a intitula, esta Unidade Didática realça a importância do estudo dos mitos e
das lendas greco-latinos como instrumentos enriquecedores no que diz respeito ao
conhecimento da cultura clássica.
Segundo o programa da disciplina,
os mitos e lendas greco-latinos permitem construir pequenas histórias, de fácil compreensão e
de inegável interesse cultural. Estimulam a imaginação e a criatividade do jovem,
proporcionando uma relação do presente com o passado. Daí a sua inserção na fase inicial
da disciplina de Latim. (Martins et al., 2011: 23).
97
Cf. Idem, p.5.
98 Disponível na Web: http://de-profundis-amamus.blogspot.pt/, acedido a 04-07-2013.
69
Tendo como ponto de partida a síntese de conhecimentos realizada no primeiro
momento da aula acerca da Guerra de Tróia, os alunos reproduziram oralmente a história de
Helena, relembrando o episódio do julgamento que originou a Guerra de Tróia e
reconhecendo que foi pela esposa de Menelau que os Gregos combateram. De seguida, os
discentes compreenderam a presença da história de Helena de Tróia na cultura do mundo
atual através de três exemplos no âmbito do cinema, da música e da literatura.
Neste sentido, a turma começou por assistir a um excerto do filme Helen of Troy
(2003) de John Kent Harrison99, e, posteriormente, ouvir um trecho da canção A Bela
Helena, do músico português B Fachada100
. Escolhi estes materiais por se aproximarem da
realidade cultural dos alunos ao mesmo tempo que representam formas atuais de reinventar
a cultura clássica.
De seguida, foi projetado em PowerPoint o poema Histórias do país de Helena101
,
do poeta Daniel Faria. Este autor, cuja produção literária se caracteriza “por uma contenção
resultante da combinatória perfeita de uma sensibilidade apurada e de um trabalho
rigoroso”102
é, efetivamente, um dos poetas contemporâneos que faz alusão não só ao mito
de Helena como também, por exemplo, ao mito do Labirinto, já estudado pelos alunos.
Julgo que a referência a Daniel Faria nesta aula motivou os discentes a pesquisarem mais
sobre este autor, que se inspirou diretamente na mitologia clássica para escrever alguns dos
seus mais belos poemas. De referir ainda é o facto de alguns dos poemas de Daniel terem
estado, nessa semana, expostos no bar da escola a propósito da atividade, organizada pelos
professores de Português, “Um Poema ao Café”.
Considero que o recurso a técnicas novas e materiais variados promove
essencialmente a interdisciplinaridade dos conhecimentos e alcança uma função
99
Disponível na Web: http://de-profundis-amamus.blogspot.pt/2012/01/o-cinema-e-mitologia-helena-de-
troia.html, acedido a 04-07-2013.
100Disponível na Web: http://de-profundis-amamus.blogspot.pt/2012/01/bela-helena.html, acedido a 04-07-
2013. 101
Disponível na Web: http://de-profundis-amamus.blogspot.pt/2012/01/historias-do-pais-de-helena.html,
acedido a 04-07-2013. 102
SILVA, Celina, «Dizer (n)a plenitude; (in)escrevendo-(se) (n)a chama. (Tópicos em releitura a partir de
um corpus breve da obra de Daniel Faria)», in E agora sei que oiço as coisas devagar : evocação e escuta de
Daniel Faria, org. Francisco Topa e Marco de Oliveira Marques, Porto, Sombra pela Cintura, 2010, p.60.
70
verdadeiramente motivadora no processo da aprendizagem. Na verdade, os alunos
revelaram-se atentos e curiosos no decorrer dos 90 minutos de aula, comentando os
assuntos tratados e relacionando-os com os conteúdos culturais lecionados na disciplina de
Latim.
Apesar de não integrar o Manual adotado pela escola, o mito de Orfeu é sugerido
nos Conteúdos Programáticos do programa da disciplina.103
Tendo em consideração que a Unidade Didática que aborda os mitos e lendas greco-
latinas estava quase concluída, eu e a professora titular da disciplina de Latim decidimos
que o mito de Orfeu não poderia deixar de ser estudado e partilhado com os alunos, quer
pela sua beleza, ao realçar o poder e o fascínio da música, quer por se tratar de mais um
mito reinventado e retomado não só por poetas contemporâneos como também pelas mais
diversas formas artísticas.
O visionamento de um pequeno excerto da série britânica juvenil Skins,104
que
aborda, precisamente, o mito de Orfeu, pareceu-me pertinente pois “todo o processo de
ensino/aprendizagem deve centrar-se no aluno”105
e a verdade é que foi notável o
entusiasmo dos discentes quando perceberam que uma das suas séries de eleição abordava
o mito que acabavam de estudar.
O mito de Orfeu é, efetivamente, um dos mais significativos entre todos os
elementos clássicos usados, por exemplo, na poesia de Miguel Torga. Considerei oportuno,
por isso, dar a conhecer aos alunos dois poemas do autor (Orfeu Rebelde e Descida aos
Infernos) que retratam claramente este mito.
Foi ainda distribuída pela turma uma ficha informativa, que se justifica pela
ausência de uma referência ao mito no Manual.
Como alunos de Latim e de Literatura Portuguesa, julgo que é fulcral que os
discentes reconheçam a presença da mitologia clássica na poesia contemporânea,
103
Cf. MARTINS, Isaltina et al., Programa de Latim A, 10º ou 11º anos, Curso Científico Humanístico de
Línguas e Literaturas, DGIDC, 2001, p.15. Disponível em: http://dgidc.min-edu.pt/, acedido a 05-09-2013.
104 Disponível na Web: http://de-profundis-amamus.blogspot.pt/2012/02/mitologia-na-atualidade-o-mito-de-
orfeu.html, acedido a 04-07-2013.
105 Cf. Idem, p.7.
71
articulando as duas disciplinas e compreendendo, sobretudo, a importância do Latim no que
diz respeito a um conhecimento mais aprofundando da língua, cultura e literatura
portuguesas.
Ainda no decorrer da mesma aula e, a propósito do texto latino Venusta Sempronia,
que estava a ser estudado, os alunos visionaram dois excertos do filme The Fall of the
Roman Empire (A Queda do Império Romano) onde Lucilla, uma personagem feminina, se
dirige, por duas vezes, à deusa Vesta, deusa do lar. 106
Os estudantes aprenderam que, em Roma, as discípulas da deusa Vesta tinham
de manter a castidade e zelar para que o fogo que protegia as famílias da cidade nunca se
apagasse. Ninguém imaginava como é que a labareda, que homenageava a divindade
encarregada de proteger a união das famílias da Roma antiga, era mantida acesa. O
mistério da chama só era conhecido por poucas pessoas, nomeadamente as Vestais:
meninas que, após fazerem voto de castidade, deviam servir a deusa durante trinta anos.
Ocupados com as tarefas do quotidiano, os romanos viviam protegidos por uma
chama, "por uma luz que nunca se apagava." Foi nesta ordem de ideias que uma aluna
associou a lenda à música There is a light that never goes out da banda britânica de rock
alternativo The Smiths, sugerindo que a música fosse publicada no blog dedicado à
disciplina de Latim.107
Acolhi a sugestão, pois considerei bastante relevante que a aluna
tivesse sido capaz de fazer a junção do mundo clássico para o mundo que lhe é familiar.
As aulas número dois e três inseriram-se na segunda unidade didática do manual:
De fabulosa Romae origine. Tal como o título indica, esta Unidade Didática realça a
importância do estudo da origem lendária de Roma como instrumento enriquecedor e
essencial no que diz respeito ao conhecimento da cultura clássica.
Segundo o programa da disciplina, no 10º ano de escolaridade “parte-se de lendas e
mitos hoje conhecidos para as origens de Roma” para, de seguida, tratar-se da “história dos
106
Disponível na Web: http://de-profundis-amamus.blogspot.pt/2012/02/fall-of-roman-empire-anthony-mann-
1964.html, acedido a 04-07-2013. 107
Disponível na Web: http://de-profundis-amamus.blogspot.pt/2012/01/deusa-vesta.html, acedido a 04-07-
2013.
72
primeiros tempos da cidade”108
. Assim e, tendo como ponto de partida os textos do Manual
que trabalhei com os alunos nestas regências, optei por duas aulas dedicadas
essencialmente ao conhecimento das lendas e das histórias que retratam a origem da cidade
de Roma.
A primeira aula iniciou-se com um pequeno excerto de um documentário infantil
sobre a fundação da cidade109
. Esta atividade tinha como principal objetivo sintetizar os
conhecimentos adquiridos pelos alunos acerca da origem lendária de Roma ao longo das
últimas aulas e julgo que foi bastante apreciada pela turma, que permaneceu atenta durante
a visualização do documentário.
O recurso a materiais audiovisuais foi constante durante as aulas lecionadas na
disciplina de Latim e a verdade é que a reação dos alunos foi sempre positiva, pois não só
permaneciam em silêncio durante a audição ou a visualização de um material, como
também revelavam curiosidade pelo mesmo, sendo o processo de aprendizagem encarado
com mais motivação.
O programa da disciplina defende precisamente que:
o recurso a técnicas e materiais novos e variados, nomeadamente novas tecnologias,
páginas da Internet, vídeos, diapositivos (…) contribuirá para o desenvolvimento das
capacidades de autonomia e de criatividade do aluno, promoverá a interdisciplinaridade dos
saberes, reunirá sinergias essenciais e motivadoras da aprendizagem.110
Tendo em conta que o texto a ser trabalhado alude diretamente ao Rapto das
Sabinas, o segundo momento da aula consistiu na apresentação de um PowerPoint acerca
deste episódio. Relembrando a importância de solidificar os conhecimentos mitológicos e
culturais adquiridos pelos alunos ao longo das aulas de Latim, foi importante que os
discentes compreendessem que, no contexto do mito de Rómulo e Remo, o Rapto das
Sabinas corresponde ao último momento da fundação de Roma. No entanto, em termos
108
Cf. Idem, p.6. 109
Disponível na Web: http://de-profundis-amamus.blogspot.pt/search/label/R%C3%B3mulo%20e%20Remo,
acedido a 04-07-2013. 110
Cf. Idem, p.4.
73
históricos, a lenda é, efetivamente, muito pouco verosímil. Foi referido que o episódio se
insere:
no tema mitológico do rapto da donzela, presente em mitos clássicos como o de
Europa, raptada por Zeus em forma de touro, o de Perséfone, levada por Hades para o mundo
inferior, e o de Helena de Tróia, cujas aventuras começaram precisamente com o «rapto» com
que sobre ela avançou Páris, na casa de seu marido Menelau (Rodrigues, 2005: 136).
Ainda na primeira aula desta subunidade didática e, tendo em conta que tinha sido
recentemente realizada uma visita de estudo a Conímbriga, foi sugerido aos alunos que,
como trabalho de casa, redigissem um pequeno texto onde relatassem a experiência e / ou
partilhassem algumas fotografias que tivessem tirado do local.
O objetivo desta atividade foi essencialmente divulgar os trabalhos dos alunos no
blog dedicado à disciplina111
, promovendo, assim, a autonomia e a criatividade dos
estudantes, que, de uma forma geral, reconheceram a importância desta visita de estudo no
contexto da disciplina de Latim.
Em suma, os discentes foram capazes de estabelecer um elo de ligação entre o
passado e o presente através da observação e da própria atividade indutiva, reconhecendo a
presença da cultura e da civilização romanas na realidade circundante.
É importante referir ainda que, antes de este trabalho ter sido sugerido, a aluna
Diana Rocha, após ter tirado algumas fotografias à estátua de Minerva na Universidade de
Coimbra, teve a iniciativa de participar no blog, ao realizar um pequeno trabalho sobre a
deusa. 112
No 3º período, as aulas número quatro, cinco e seis inseriram-se na terceira unidade
didática do manual: A Palatini Roma usque ad summum Italiae imperium, que realça a
importância do estudo da influência Etrusca no desenvolvimento de Roma, abordando a
situação privilegiada da cidade, que explica o seu rápido desenvolvimento, e a queda de
111
Disponível na Web: http://de-profundis-amamus.blogspot.pt/2012/05/visita-de-estudo-conimbriga.html,
acedido a 04-07-2013. 112
Disponível na Web: http://de-profundis-amamus.blogspot.pt/2012/05/deusa-minerva.html, acedido a 04-
07-2013.
74
Tarquínio, o Soberbo, como factor que, embora remoto, é considerado como o início do
domínio da Itália pelos Romanos.
Tendo em conta que os alunos já conheciam a origem lendária de Roma e
relembrando que o programa da disciplina defende que as lendas e os mitos da origem de
Roma devem impulsionar o estudo da história dos tempos iniciais da cidade, optei por duas
aulas dedicadas essencialmente à influência Etrusca no desenvolvimento da cidade, ao
domínio dos povos conquistados pelos Romanos e, consequentemente, à unificação de
todos os povos de Itália sob a égide de Roma.
A primeira aula iniciou-se com um pequeno excerto de um documentário infantil
sobre o Império Romano113
, e teve como principal objetivo sintetizar alguns conhecimentos
acerca da expansão do território romano após a queda de Tarquínio.
Este documentário já tinha sido abordado numa das duas aulas lecionadas no
segundo período, sendo que a boa reação dos alunos justificou a utilização de mais um
pequeno excerto na tentativa de completar informações já adquiridas e motivar os discentes
para o estudo das mesmas.
As três últimas aulas realizadas na turma de Latim inseriram-se na quinta unidade
didática do manual: De quotidianis romanorum occupationibus. Esta unidade didática foi
fundamental no estudo da civilização e cultura romanas no sentido em que proporcionou
aos alunos um contacto muito próximo com a organização familiar dos antigos Romanos,
assim como com as atividades que marcavam o seu dia-a-dia.
Tendo em conta que o texto latino a ser analisado na primeira aula abordava
precisamente os preparativos para a “cena”, realçando não só a sua importância como
refeição, como também de evento social, os alunos visualizaram um pequeno excerto do
filme Julius Caesar (1970), de Stuart Burge114
, que retrata um antigo banquete romano.
A visualização do texto fílmico resultou positivamente e auxiliou os alunos a
compreenderem a importância desta refeição que era, ao mesmo tempo, um tempo de
113
Disponível na Web: http://de-profundis-amamus.blogspot.pt/2013/06/a-republica.html, acedido a 04-07-
2013.
114 Disponível na Web: http://de-profundis-amamus.blogspot.pt/2013/06/o-antigo-banquete-romano.html,
acedido a 04-07-2013.
75
repouso e de distração onde os mais ricos aproveitavam para exibir a sua fortuna e o
requinte da sua família.
Nas aulas lecionadas nos dias 31 de Maio e 1 de Junho, trabalhei com os alunos a
constituição da casa romana: a sua estrutura e evolução ao longo do tempo. Para que os
discentes compreendessem como era constituída realmente a antiga casa romana, optei por
lhes mostrar um pequeno vídeo onde a habitação era reconstituída em 3D115
.
Esta atividade foi particularmente apreciada pelos alunos, que participaram
ativamente neste momento da aula.
Ainda na aula 1ecionada no dia 1 de Junho de 2012 e, a propósito do Dia do
Patrono (atividade realizada na escola Camilo Castelo Branco no dia 6 de Junho116
), foi
sugerido aos alunos que optassem por um dos temas culturais, mitológicos ou
civilizacionais trabalhados ao longo do ano e que escrevessem um pequeno texto sobre o
tema escolhido.
Para além dos trabalhos terem sido divulgados na sala destinada à disciplina
neste dia, os discentes tiveram a oportunidade de partilhar com outras turmas os
temas que escolheram trabalhar, nomeadamente: A deusa Vénus117
; Eneias: Herói da
Eneida118
; O rapto das Sabinas119
; O mito de Prosérpina120
; O Mito de Pandora121
; Marte, deus
da Guerra122
; O deus Júpiter123
; O Casamento para os Romanos124
; Dédalo e Ícaro125
; O
115
Disponível na Web: http://de-profundis-amamus.blogspot.pt/2013/06/a-antiga-casa-romana.html, acedido a
06-07-2013. 116
Disponível na Web: http://de-profundis-amamus.blogspot.pt/search/label/Dia%20do%20Patrono ,acedido a
06-07-2013. 117
Disponível na Web: http://de-profundis-amamus.blogspot.pt/2012/07/deusa-venus-por-ines-sousa.html,
acedido a 06-07-2013. 118
Disponível na Web: http://de-profundis-amamus.blogspot.pt/2012/07/eneias-heroi-da-eneida-por-ana-
soares.html, acedido a 06-07-2013. 119
Disponível na Web: http://de-profundis-amamus.blogspot.pt/2012/07/o-rapto-das-sabinas-por-diana-
rocha.html, acedido a 06-07-2013. 120
Disponível na Web: http://de-profundis-amamus.blogspot.pt/2012/07/o-mito-de-proserpina-por-sofia-
miguel.html, acedido a 06-07-2013. 121
Disponível na Web: http://de-profundis-amamus.blogspot.pt/2012/07/o-mito-de-pandora-por-ana-
vieira.html, acedido a 06-07-2013. 122
Disponível na Web: http://de-profundis-amamus.blogspot.pt/2012/07/marte-deus-da-guerra-por-joana-
costa.html, acedido a 06-07-2013. 123
Disponível na Web: http://de-profundis-amamus.blogspot.pt/2012/07/o-deus-jupiter-por-tatiana-
carvalho.html, acedido a 06-07-2013.
76
conceito de Herói126
; As Ninfas127.
No último trabalho mencionado, foi curioso constatar que o aluno João Pedro
Gomes relacionou facilmente estas divindades das lendas romanas com a obra Os
Lusíadas, que estudara no ano anterior: “Temos um bom exemplo de isto mesmo na
literatura portuguesa. O grande escritor português inspirou-se certamente nos mitos
romanos ao escrever sobre as ninfas”.
Efetivamente, os discentes participaram ativamente nesta atividade e foi visível o
entusiasmo com que abordaram alguns colegas do 9º ano, partilhando alguns dos conteúdos
mitológicos e culturais que tinham aprendido ao longo do tempo letivo e incentivando-os a
escolher a disciplina de Latim no 10º ano de escolaridade.
Em suma, este exercício foi bastante apreciado pelos alunos que, após um ano de trabalho,
tiveram não só a oportunidade de consolidar os conhecimentos adquiridos ao longo da disciplina
de Latim como também puderam recapitular e refletir sobre os conteúdos lecionados ao longo do
ano letivo.
124
Disponível na Web: http://de-profundis-amamus.blogspot.pt/2012/07/o-casamento-para-os-romanos-por-
joana.html, acedido a 06-07-2013. 125
Disponível na Web: http://de-profundis-amamus.blogspot.pt/2012/07/dedalo-e-icaro-por-alexandra-
oliveira.html 126
Disponível na Web: http://de-profundis-amamus.blogspot.pt/2012/07/o-conceito-de-heroi-por-mariana-
xavier.html, acedido a 06-07-2013.
127 Disponível na Web: http://de-profundis-amamus.blogspot.pt/2012/06/as-ninfas-por-joao-pedro-
gomes.html, acedido a 06-07-2013.
77
5. Conclusão
A reflexão sobre a prática letiva decorrida ao longo do estágio pedagógico
pretendeu, sobretudo, demonstrar que a aproximação dos clássicos ao mundo atual resultou
de uma forma bastante positiva, no sentido em que os alunos, através das atividades
propostas, foram capazes de se envolver de uma forma mais afetiva com os conteúdos das
matérias impostas pelos programas das respetivas disciplinas.
No que concerne à disciplina de Português, concluímos que esta é a disciplina que
tem, obrigatoriamente, de desempenhar um papel central na educação dos jovens, sendo
pertinente, sempre que possível, enquadrar o texto literário com textos de carácter fílmico,
por exemplo, ou, até mesmo, com outras leituras, tal como aconteceu em algumas das aulas
lecionadas.
O aluno deve ser levado a construir hipóteses e sentidos à volta do texto literário,
reconhecendo a importância e a pertinência de se estudarem as obras clássicas.
Relativamente à disciplina de Latim, o mecanismo criado pretendeu contribuir para
a formação das personalidades dos nossos alunos, reconhecendo que pertencem a uma
sociedade onde qualidades do povo romano, como a dedicação e o empenho, são cada vez
mais importantes. Os alunos compreenderam ainda a constante modernidade da mitologia
clássica, através de manifestações artísticas que tão bem conhecem, nomeadamente a
música, o cinema ou a pintura.
Este trabalho procurou também defender que as matérias impostas pelos programas
das disciplinas não são a única coisa que interessa numa aula de Português ou numa aula de
Latim. É claro que o professor tem de cumprir o programa, fazer testes, aplicar exercícios,
mas, no fundo, nada disso importa se os alunos terminarem o ano e esquecerem o que se
limitaram, apenas, a “decorar”. É imperativo estimular a curiosidade dos nossos estudantes,
mostrar que nos preocupamos com eles, com aquilo que leem, com aquilo de que gostam,
sobretudo com aquilo que são. O professor tem de ter a sensibilidade para perceber o que
está e o que não está ao alcance dos alunos. Porque eles são sempre capazes, mesmo
quando julgam que não são. São capazes de compreender o humor de Gil Vicente, são
78
capazes de entender as palavras interventivas de António Vieira, são capazes de recontar os
mitos e as lendas clássicas que ouviram na aula de Latim. Só precisam de confiar em nós,
(futuros) professores.
A nossa tarefa passa precisamente por fazer com que os alunos gostem de estar na
sala de aula, queiram estar na sala de aula e, mais do que isso, sintam essa capacidade de
compreender a obra que todos dizem ser difícil, a cultura de uma civilização tão antiga, o
interior de uma personagem criada há tantos anos atrás.
É necessário que os nossos estudantes compreendam que a sala de aula é um lugar
onde não vão apenas ouvir o professor. A sala de aula é um lugar onde eles podem
aprender, melhorar e desenvolver capacidades essenciais ao ensino e à vida. Os alunos
precisam de sentir que as suas objeções são permitidas, porque o medo de errar continua a
assustá-los. Não podemos deixar que isso aconteça. Os seus erros têm de ser levados a
sério, assim como as suas objeções ou, até mesmo, diferentes opiniões relativamente à
interpretação de um texto literário. Se um aluno não concorda com o nosso ponto de vista,
numa aula de literatura só poderá ser positivo ouvir o que ele tem, então, para dizer. As
participações dos alunos devem sempre ser realçadas e valorizadas, e foi precisamente o
que procurei fazer na condição de professora estagiária.
Ao longo do ano letivo, os meus alunos foram incentivados a interagir com o
mundo real de uma forma ativa e o mais criativa possível, para, depois, terem acesso a
outros mundos, compreenderem outros universos que não o deles.
É imperativo ouvir os nossos alunos.
É imperativo falar-lhes ao coração.
79
Bibliografia
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didáctica da literatura: filtros, máscaras e torniquetes», in Diacrítica, Braga, Universidade
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Xerazade», in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Mário Vilela, 2, 2005, pp. 633-
641.
82
Anexos
Lista de anexos:
Anexo I – Ficha de trabalho: «Do discurso cinematográfico à construção do texto
argumentativo»
Anexo II – Exercício de expressão escrita: «Do discurso publicitário à construção do texto
argumentativo»
Anexo III – Exercício de expressão escrita: «Atualizando o Sermão: Do século XVIII ao
século XXI»
Anexo IV – Texto da aula Inês Pereira, do 11º L: «Desigualdade social brasileira»
Anexo V – Texto do aluno João Neto, do 11ºL: «Ex-prisioneiros»
Anexo VI – Texto da aluna Ana Isabel Gonçalves, do 11º L: «Os estudantes que perderam
as suas bolsas de estudo»
Anexo VII – Ficha de trabalho: «Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett, cenas VII e VIII,
Ato Primeiro»
Anexo VIII – Ficha de trabalho: «Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett, cenas IX a XII,
Ato Primeiro»
Anexo IX – Exercício de expressão escrita: «Do texto dramático ao texto autobiográfico»
Anexo X – Texto do aluno Noé Oliveira, do 11ºL: «Página de diário de Telmo Pais»
Anexo XI – Texto da aluna Ana Isabel Gonçalves, do 11ºL: «Página de diário de Telmo
Pais»
Anexo XII – Texto da aluna Patrícia Faria, do 11ºL: «Página de diário de Madalena»
Anexo XIII – Texto do aluno Simão Silva, do 11ºL: «Página de diário de Madalena»
Anexo XIV – Texto da aluna Filipa Rodrigues, do 11ºL: «Página de diário de Madalena»
Anexo XV – Ficha de trabalho: «O Quinto Império, Ontem como Hoje»
83
Anexo XVI – Exercício de expressão escrita a partir do estudo do episódio do Hotel
Central, em Os Maias, de Eça de Queirós
Anexo XVII – Texto da aluna Maria Sofia Macedo, do 11ºL: «Comentário ao cartoon a
partir do confronto de gerações presente no episódio do Hotel Central, em Os Maias, de
Eça de Queirós»
Anexo XVIII – Texto da aluna Patrícia Teixeira, do 11ºL: «Comentário ao cartoon a partir
do confronto de gerações presente no episódio do Hotel Central, em Os Maias, de Eça de
Queirós»
Anexo XIX – Exercício de expressão escrita: «A carta de reclamação»
Anexo XX – Texto da aluna Ana Sofia Azevedo, do 9ºB: «A carta de reclamação»
Anexo XXI – Texto da aluna Raquel Cunhal, do 9ºB: «A carta de reclamação»
Anexo XXII – Texto do aluno Vasco Sampaio, do 9ºB: «A carta de reclamação»
Anexo XXIII – Texto da aluna Ana Isabel Bacelar, do 9ºB: «A carta de reclamação»
Anexo XXIV – Exercício de expressão escrita: «Do discurso cinematográfico à construção
do texto narrativo»
Anexo XXV – Texto da aluna Raquel Cunhal, do 9ºB: «Do discurso cinematográfico à
construção do texto narrativo»
Anexo XXVI – Texto da aluna Ana Sofia Azevedo, do 9ºB: «Do discurso cinematográfico
à construção do texto narrativo»
Anexo XXVII – Texto do aluno Vasco Sampaio, do 9ºB: «Do discurso cinematográfico à
construção do texto narrativo»
84
Anexo I – Ficha de trabalho: «Do discurso cinematográfico à construção do texto
argumentativo»
85
Anexo II – Exercício de expressão escrita: «Do discurso publicitário à construção do texto
argumentativo»
86
87
Anexo III – Exercício de expressão escrita: «Atualizando o Sermão: Do século XVIII ao
século XXI»
88
89
Anexo IV – Texto da aula Inês Pereira, do 11º L: «Desigualdade social brasileira»
90
Anexo V – Texto do aluno João Neto, do 11ºL: «Ex-prisioneiros»
91
Anexo VI – Texto da aluna Ana Isabel Gonçalves, do 11º L: «Os estudantes que perderam
as suas bolsas de estudo»
92
Anexo VII – Ficha de trabalho: «Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett, cenas VII e VIII,
Ato Primeiro»
93
94
Anexo VIII – Ficha de trabalho: «Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett, cenas IX a XII,
Ato Primeiro»
95
96
Anexo IX – Exercício de expressão escrita: «Do texto dramático ao texto autobiográfico»
97
98
Anexo X – Texto do aluno Noé Oliveira, do 11ºL: «Página de diário de Telmo Pais»
99
Anexo XI – Texto da aluna Ana Isabel Gonçalves, do 11ºL: «Página de diário de Telmo
Pais»
100
Anexo XII – Texto da aluna Patrícia Faria, do 11ºL: «Página de diário de Madalena»
101
Anexo XIII – Texto do aluno Simão Silva, do 11ºL: «Página de diário de Madalena»
102
Anexo XIV – Texto da aluna Filipa Rodrigues, do 11ºL: «Página de diário de Madalena»
103
Anexo XV – Ficha de trabalho: «O Quinto Império, Ontem como Hoje»
104
Anexo XVI – Exercício de expressão escrita a partir do estudo do episódio do Hotel
Central, em Os Maias, de Eça de Queirós
105
Anexo XVII – Texto da aluna Maria Sofia Macedo, do 11ºL: «Comentário ao cartoon a
partir do confronto de gerações presente no episódio do Hotel Central, em Os Maias, de
Eça de Queirós»
106
Anexo XVIII – Texto da aluna Patrícia Teixeira, do 11ºL: «Comentário ao cartoon a partir
do confronto de gerações presente no episódio do Hotel Central, em Os Maias, de Eça de
Queirós»
107
Anexo XIX – Exercício de expressão escrita: «A carta de reclamação»
108
Anexo XX – Texto da aluna Ana Sofia Azevedo, do 9ºB: «A carta de reclamação»
109
Anexo XXI – Texto da aluna Raquel Cunhal, do 9ºB: «A carta de reclamação»
110
Anexo XXII – Texto do aluno Vasco Sampaio, do 9ºB: «A carta de reclamação»
111
Anexo XXIII – Texto da aluna Ana Isabel Bacelar, do 9ºB: «A carta de reclamação»
112
113
Anexo XXIV – Exercício de expressão escrita: «Do discurso cinematográfico à construção
do texto narrativo»
114
115
Anexo XXV – Texto da aluna Raquel Cunhal, do 9ºB: «Do discurso cinematográfico à
construção do texto narrativo»
116
117
Anexo XXVI – Texto da aluna Ana Sofia Azevedo, do 9ºB: «Do discurso cinematográfico
à construção do texto narrativo»
118
Anexo XXVII – Texto do aluno Vasco Sampaio, do 9ºB: «Do discurso cinematográfico à
construção do texto narrativo»