An Pt 14188 o 25876440

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 REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO FUNDADA EM 1991 ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES DO TRABALHO ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES DO TRABALHO ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES DO TRABALHO ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES DO TRABALHO ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES DO TRABALHO

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REVISTA DO MINISTRIO PBLICO DO TRABALHOFUNDADA EM 1991

ASSOCIAO NACIONAL DOS PROCURADORES DO TRABALHO

COMISSO EDITORIAL Xisto Tiago de Medeiros Neto Presidente Andrea Nice Silveira Lino Lopes Ronaldo Jos de Lira Zlia Maria Cardoso Montal

MINISTRIO PBLICO DA UNIO MINISTRIO PBLICO DO TRABALHO

REVISTA DO MINISTRIO PBLICO DO TRABALHOEDITADA PELA LTr EDITORA, EM CONVNIO COM A PROCURADORIA-GERAL DO TRABALHO E COM A ASSOCIAO NACIONAL DOS PROCURADORES DO TRABALHO

OS ARTIGOS PUBLICADOS SO DE RESPONSABILIDADE DOS SEUS AUTORES

REVISTA MPT BRASLIA, ANO XXI N. 42 SETEMBRO 2011

Redao Procuradoria-Geral do TrabalhoSBS Quadra 2, Bloco S, Salas 1103/1105 11 andar Empire Center CEP 70070-904 Braslia DF Telefone: (61) 3325-7570 FAX (61) 3224-3275 e-mail: [email protected]

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Revista do Ministrio Pblico do Trabalho / Procuradoria-Geral do Trabalho Ano 1, n. 1 (mar., 1991) Braslia: Procuradoria-Geral do Trabalho, 1991 v. Semestral.

1. Direito do trabalho. 2. Justia do Trabalho. I. Procuradoria-Geral do Trabalho (Brasil).

ISSN 1983-3229 CDD 341.6

SUMRIO

APRESENTAO .......................................................................................................... 9

EVARIST ARISTO XII PRMIO EVARISTO DE MORAES FILHO (MELHOR ARRAZOADO)

AO CIVIL PBLICA PROPOSTA PELA PROCURADORIA DO TRABALHO NO MUNICPIO DE BAURU/SP EM FACE DE TONON BIOENERGIA S/A ................ 13 Jos Fernando Ruiz Maturana AGRAVO REGIMENTAL INTERPOSTO PELA PROCURADORIA-GERAL DO TRABALHO EM FACE DE LIMINAR DEFERIDA EM RECLAMAO CORRECIONAL APRESENTADA PERANTE O TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO .............. 43 Rogrio Rodriguez Fernandes Filho AO CIVIL PBLICA AJUIZADA PELA PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DO PARAN EM FACE DE URBS URBANIZAO DE CURITIBA S/A .. 64 Andra Silveira Lino Lopes

ESTUDOS

ANLISE DA COMPETNCIA EM MATRIA DE SADE DO TRABALHADOR. O PODER DE FISCALIZAO DOS ESTADOS E MUNICPIOS, POR MEIO DOS CENTROS DE REFERNCIA EM SADE DO TRABALHADOR E OUTROS RGOS DO SISTEMA NICO DE SADE ......................................................... 99 Renata Coelho Vieira JORNADA DE TRABALHO EXAUSTIVA E A ORIENTAO N. 3 DA COORDENADORIA NACIONAL DE ERRADICAO DO TRABALHO ESCRAVO DO MINISTRIO PBLICO DO TRABALHO (CONAETE) .................................................. 135 Raymundo Lima Ribeiro Jnior

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A INTERPRETAO DO ART. 114, INCISO I, DA CONSTITUIO FEDERAL E A COMPETNCIA DA JUSTIA DO TRABALHO PARA CONTROLE DE POLTICAS PBLICAS ................................................................................................... 163 Rosngela Rodrigues Dias de Lacerda IMUNIDADE DE JURISDIO DO ESTADO ESTRANGEIRO E O PROBLEMA DA EXECUO ......................................................................................................... 191 Eneas Bazzo Torres LEI N. 12.023/2009: A TUTELA JURDICA DOS TRABALHADORES AVULSOS FORA DO PORTO ................................................................................................ 223 Alberto Emiliano de Oliveira Neto MINISTRIO PBLICO DO TRABALHO: PROMOO E DEFESA DA LIBERDADE SINDICAL ............................................................................................................. 233 Gustavo Filipe Barbosa Garcia NATUREZA JURDICA DA RESIDNCIA MDICA E A ATUAO DO MINISTRIO PBLICO DO TRABALHO ................................................................................... 243 Diego Gimenez Gomes DIGRESSES SOBRE A FIXAO DAS TEORIAS RACISTAS NO IMAGINRIO POPULAR E SUA MANUTENO HODIERNA COM RELAO MO DE OBRA DOS NORDESTINOS ............................................................................... 274 Francisco de Assis Barbosa Jnior O MERCOSUL E A CONSTRUO DO TRIBUNAL SUPRANACIONAL TRABALHISTA: EM BUSCA DA REALIZAO DO DIREITO HUMANO AO TRABALHO DIGNO .................................................................................................................. 290 Juliane Caravieri Martins Gamba

PEAS JURDICAS INQURITOS INQURITOS CIVIS, TERMOS DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENT AMENTO CONDUTA, AJUSTAMENTO DE CONDUTA, AES, RECURSOS E DECISES JUDICIAIS Ao Civil Pblica Gafisa S/A Terceirizao Ilcita Atividade-fim Construo Civil Dano Moral Coletivo .......................................................................... 321 Acrdo (TRT da 18 Regio) ................................................................................... 346 Ao Civil Pblica Empresa Brasileira ee Correios e Telgrafos (ECT) Implementao de Medidas de Segurana nas Agncias e Postos de Atendimento .. 358

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Acrdo (TRT 22 Regio) ........................................................................................ 379 Ao Civil Pblica Raia S/A Fraude no Controle da Jornada de Trabalho ...... 388 Termo de conciliao judicial (Vara do Trabalho de Mato SP) ............................. 412 Ao Civil Pblica Euro So Carlos Edies Culturais Utilizao de Cmara de Arbitragem e Mediao como rgo Homologador de Rescises ................. 419 Acrdo (TRT 15 Regio SP) ................................................................................ 434 Ao Cautelar Francisco Braz Cavalcante, FC & FA Transportes Servios e Carvo Ltda. e outros Bloqueio e Indisponibilidade de Bens para Garantia do Pagamento de Direitos Trabalhistas Responsabilidade Solidria dos Res 440 Sentena (Vara do Trabalho de Uruau GO) ........................................................ 450 Pedido de Suspenso de Liminar em Mandado de Segurana Ivan Fbio de Oliveira Zurita (Fazenda Santa Cruz) Determinao Judicial Obstativa da Realizao de Diligncia pelo Procurador do Trabalho ....................................... 454 Deciso do Presidente do TRT da 15 Regio .......................................................... 459 Recomendao (Procuradoria do Trabalho no Municpio de Araraquara) No Celebrao pelos Sindicatos de Conveno ou Acordo Coletivo de Trabalho Dispondo sobre Sistema de Controle de Jornada no Previsto em Lei .............. 465 Parecer em Recurso de Revista Imunidade de Jurisdio Organismo Internacional ................................................................................................................ 469 Trabalho Membros do Ministrio Pblico do Trabalho ........................................................... 479 Regras para envio, seleo e publicao de trabalhos jurdicos ........................... 507

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PRESENTAO APRESENTAO

A Comisso Editorial tem a satisfao de apresentar a quadragsima segunda edio da Revista do Ministrio Pblico do Trabalho, em que se demonstra o vigor da publicao, diante da riqueza de contedo dos trabalhos selecionados, a revelar a qualidade inestimvel e a abrangncia da atuao dos Procuradores do Trabalho, no mbito acadmico e profissional. A publicao tambm reflete, vista dos temas versados nas peas processuais, o compromisso dos membros do Ministrio Pblico do Trabalho com a defesa dos valores e princpios constitucionais que informam a Justia Social. Boa leitura a todos! A Comisso Editorial

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EVARIST ARISTO XII PRMIO EVARISTO DE FILHO MORAES FILHO (MELHOR ARRAZOADO)

ROPOSTA AO CIVIL PBLICA PROPOSTA PELA PROCURADORIA DO TRABALHO NO MUNICPIO DE BAURU/SP EM FACE DE TONON BIOENERGIA S/A

Jos Fernando Ruiz Maturana(*)

EXCELENTSSIMO SENHOR JUIZ DA VARA DO TRABALHO DE JA-SP O MINISTRIO PBLICO DO TRABALHO/PROCURADORIA DO TRABALHO NO MUNICPIO DE BAURU/SP, situado na Rua Jlio de Mesquita Filho, n. 10-31, C3 , Jd. Panorama, Bauru/SP, CEP 17011137, pelo Procurador do Trabalho que esta subscreve, vem, respeitosamente, presena de Vossa Excelncia, com esteio nos arts. 114 e 129, III, da Constituio Federal, no art. 83, III, da Lei Complementar n. 75/1993 e na Lei n. 7.347/1985 propor a presente AO CIVIL PBLICA, COM PEDIDO DE LIMINAR, em face de Tonon Bionergia S/A, pessoa jurdica de direito privado, inscrita no CNPJ sob n. 07.914.230/0001-05, com sede na Fazenda Santa Cndida, Rodovia Ja Araraquara, Km 129, CEP: 17.240-000, Bocaina/SP, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos.

FA I. DOS FATOSDo fator climtico e do calor na atividade de corte manual de cana fato notrio que o corte manual de cana-de-acar sintetizado como uma sequncia ritmada de movimentos corporais que implica abraar(*) Procurador do Trabalho.

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o maior nmero de colmos de cana, golpe-los com o faco em sua base at o corte, movimentar o corpo em rotao para amontoamento do produto cortado na rua central e, finalmente, desponte do palmito (ponteiro) em um repetitivo circuito que culmina com o corte mdio de mais de 8 (oito) toneladas por dia , constitui atividade fisicamente desgastante, havendo estudos cientficos que a comparam a de um maratonista. A literatura cientfica nacional, ao abordar o tema Contribuio para a Discusso sobre as Polticas no Setor Sucroalcooleiro e as Repercusses sobre a Sade dos Trabalhadores relata que: O excesso de trabalho associado s longas jornadas, sob sol inclemente e a reposio inadequada resultam em distrbios hidroeletrolticos cujos episdios de gravidade crescente se manifestam da cimbra morte por parada cardaca. Quando as cimbras so fortes e frequentes, seguidas de tontura, dor de cabea, vmito e convulses, os trabalhadores denominam esta condio/situao de Birola. O esforo para cortar mais e mais cana e aumentar os ganhos, provoca situaes limites de desgaste, sendo constantes nos servios de urgncia e emergncia: a presena de trabalhadores reclamando de cimbras e vomitando, aps trabalho sob o sol e temperatura que pode chegar a 37 C sombra. Tambm contribui para isso, a prpria roupa de trabalho, vestimenta pesada e fechada, que favorece o aumento da temperatura corporal, a perda de gua e de sais minerais, levando desidratao. Algumas usinas fornecem no campo bebidas reidratantes para a mo de obra suportar o desgaste. Porm, no final da tarde e incio da noite, principalmente nos dias mais quentes e secos, comuns durante o pico da safra de cana, frequente que os ambulatrios desses hospitais fi quem repletos de cortadores de cana tomando soro. (ALVES, 2006).(1) Igualmente conhecidos por toda a sociedade brasileira so os riscos e os cuidados que h de se ter com a prtica de atividades fsicas nos horrios e dias de sol e calor intensos, mostrando-se bastante ilustrativas as recomendaes para que as Escolas peguem leve nas aulas de educao fsica em decorrncia do calor e o atraso do horrio dos jogos do Campeonato Brasileiro em razo do horrio de vero, que apresenta calor geralmente mais intenso no horrio adiantado, amplamente noticiados no ano de 2009. (doc. n. 1) As consequncias da prtica de exerccios fsicos debaixo de muito calor e a explicao para tanta preocupao pode ser facilmente extrada(1) BOAS, Soraya Wingester Vilas; DIAS, Elisabeth Costa. Impactos da indstria canavieira no Brasil. IBASE, nov. 2008.

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de artigos publicados na rede mundial de computadores, todos com embasamento cientfico e em linguagem suficientemente acessvel at para leigos, consoante se infere do texto abaixo. Atividade fsica e calor A produo de calor benfica quando voc se exercita num ambiente frio. Ela auxilia a manter a temperatura corporal normal. No entanto, mesmo quando voc se exercita num ambiente termoneutro, com uma temperatura entre 21 a 26 C, a carga de calor metablico sobrecarrega consideravelmente os mecanismos que controlam a temperatura corporal. Funo cardiovascular Quando a necessidade de regulao da temperatura corporal aumenta, o sistema cardiovascular pode tornar-se sobrecarregado durante o exerccio no calor. O sistema circulatrio transporta o calor produzido nos msculos para a superfcie do corpo, onde o calor pode ser transferido para o meio ambiente. Para que isso seja obtido durante o exerccio no calor, uma grande parte do dbito cardaco (volume de sangue bombeado pelo corao por minuto) deve ser compartilhada entre a pele e os msculos em atividade. Como o volume sanguneo limitado, o exerccio apresenta um problema complexo: o aumento do fluxo sanguneo para uma dessas reas diminui automaticamente o fluxo sanguneo para as outras. O exerccio aumenta a demanda de fluxo sanguneo e de liberao de oxignio para seus msculos. Ele tambm aumenta a produo metablica de calor. Esse excesso de calor somente pode ser dissipado se o fluxo sanguneo cutneo aumentar, transferindo o calor para a sua superfcie corporal. Ao mesmo tempo, o seu centro termorregulador orienta o sistema cardiovascular para direcionar mais fluxo sanguneo para a pele. Os vasos sanguneos superficiais dilatam para levar mais sangue aquecido para a superfcie corporal. Isso restringe a quantidade de sangue disponvel para os seus msculos ativos, limitando sua capacidade de resistncia. Por essa razo, as demandas cardiovasculares do exerccio e aquelas da termorregulao competem pelo limitado suprimento de sangue. Produo de energia Estudos demonstraram que, alm de elevar a temperatura corporal e a frequncia cardaca, o exerccio no calor tambm aumenta o consumo de 15

oxignio, fazendo com que os msculos em atividade consumam mais glicognio e produzam mais lactato em comparao com o exerccio realizado no frio. Alm disso, o aumento da produo de suor e a respirao exigem mais energia, a qual tambm requer um maior consumo de oxignio. Equilbrio hdrico corporal: transpirao Com o calor, torna-se a evaporao muito mais importante para a perda de calor pois a radiao, a conveco e a conduo so menos eficazes quando a temperatura ambiente aumenta. As glndulas sudorparas so controladas pelo estmulo do hipotlamo. A temperatura elevada do sangue faz que o hipotlamo transmita impulsos atravs das fibras nervosas simpticas para as milhes de glndulas sudorparas de toda a superfcie corporal. Durante a transpirao leve, ocorre uma reabsoro quase total do sdio e cloreto. Entretanto, quando a taxa de transpirao aumenta durante o exerccio, no h tempo suficiente para a reabsoro do sdio e cloreto. Ao realizar exerccio intenso num ambiente quente, o corpo pode perder mais de 1 litro de suor por hora por metro quadrado de superfcie corporal. Isso significa que durante um esforo intenso num dia quente e mido, um indivduo de tamanho mdio (50/75 kg) pode perder 1,5 a 3,5 litros de suor ou aproximadamente 2% a 4% do peso corporal por hora. Uma pessoa pode perder uma quantidade crtica de gua corporal em apenas algumas horas de exerccio nessas condies. Portanto, procure sempre hidratar-se adequadamente durante atividades fsicas intensas e de longa durao para evitar uma possvel desidratao. Riscos sade durante o exerccio no calor Apesar das defesas do organismo contra o superaquecimento, a produo excessiva de calor pelos msculos ativos, o ganho calrico do meio ambiente e as condies que impedem a dissipao do excesso de calor corporal podem elevar a temperatura corporal a nveis que comprometem as funes celulares normais. Sob tais condies, os ganhos calricos excessivos colocam em risco a sade da pessoa. A exposio combinao do estresse pelo calor externo e a incapacidade de dissipao do calor produzido metabolicamente podem levar a trs distrbios relacionados ao calor: 16

Cibras pelo Calor: provavelmente decorrente das perdas minerais e da desidratao que acompanham as taxas elevadas de transpirao. Exausto pelo calor: tipicamente acompanhada por sintomas como a fadiga extrema, dificuldade respiratria, tontura, vmitos, desmaios, pele fria e mida ou quente e seca, hipotenso arterial. Causada pela incapacidade do sistema cardiovascular de suprir adequadamente as necessidades do organismo. Intermao: um distrbio relacionado ao calor que pode ser letal e que exige ateno mdica imediata. Caracterizada por: 1. Um aumento da temperatura corporal interna a um valor superior a 40 C 2. Interrupo da transpirao 3. Pele quente e seca 4. Pulso e respirao rpidos 5. Usualmente, hipertenso arterial 6. Confuso 7. Inconscincia

Portanto, fica o alerta para que ao se exercitar, procure horrios onde a temperatura ambiente no esteja muito elevada, hidratar-se adequadamente, seguir um cronograma de treinamento para que na euforia no ultrapasse seus limites.(2) (doc. n. 2 grifos do MPT)Notoriamente sabido, portanto, que o servio de corte manual de cana-de-acar demanda elevado desforo fsico e conhecidas at pela comunidade em geral as consequncias do calor sobre o organismo humano, seria de se supor que os documentos tcnicos de gesto de risco da r Tonon Bionergia S/A (Usina Santa Cndida) que por imposio constitucional e legal est obrigada a assegurar aos trabalhadores um meio(2) WILMORE, J. H.; COSTILL, D. L. Fisiologia do esporte e do exerccio. Barueri: Manole, 2001.

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ambiente do trabalho sadio , contemplassem com maior rigor e profundidade tcnico-cientfica os efeitos do calor sobre o organismo dos trabalhadores, o monitoramento das temperaturas nas reas de corte e os mecanismos de preveno fadiga e exausto (tipo de vestimenta adequada, pausas de recuperao, interrupo da atividade, etc.), ainda mais porque elaborado por mdicos, engenheiros e outros profissionais da rea de sade e segurana no trabalho. Todavia, lamentavelmente, no isso o que acontece. Examinados os laudos da empresa, em particular o PPRA e a Avaliao Ergonmica da r, constata-se que a conduta empresarial tem se pautado pela contradio e proposital omisso na adoo das medidas preventivas relacionadas ao calor e a conteno da fadiga dos cortadores de cana. Em diligncia investigatria empreendida no parque empregador (doc. 3), n. 3) primeiramente, observou o MPT que o PPRA (Programa de Preveno de Riscos Ambientais Laborais) da Santa Cndida se limitou a um nico levantamento pontual de calor sem a especificao das datas, horrios e condies climticas encontradas no momento da medio , e que ainda assim se aproximou do limite de tolerncia e foi catalogado pela prpria empresa como risco merecedor de ateno [doc. n. 4 excerto extrado Tonon do CD que acompanha a presente, originalmente acostado pela r Tonon Bionergia S/A, nos autos do IC 000286.2007.15.001/0 (doc. n. 6)]. Entretanto, o documento no d continuidade ao tratamento metdico do risco calor e, principalmente, no contempla medidas de preveno da exausto fsica dos cortadores de cana. J a avaliao ergonmica da atividade de corte manual de cana-de-acar elaborada pela Tonon Bionergia S/A [doc. n. 5 excerto extrado Tonon do CD que acompanha a presente, originalmente acostado pela r Tonon Bionergia S/A, nos autos do IC 000286.2007.15.001/0 (doc. n. 6)] mais enftica no reconhecimento de que os cortadores de cana esto sujeitos a esforo fsico dinmico intenso e recomenda em relao preveno do esgotamento fsico, verbis:Realizar medies de sobrecarga trmica em atividades de corte de cana, atravs de termmetro de globo digital (IBUTG). Impedir o corte de cana, nas medies em que o IBUTG resultar valores acima de 30 graus. Dever implantar o controle de sobrecarga trmica. Entendemos que os cortadores de cana atuam parte de suas jornadas ou mesmo toda a jornada em condies trmicas adequadas, estas nos dias em que a temperatura encontra-se mais amena, e em condies consideradas desfavorveis, durante um perodo significativo da maioria das jornadas laborais, e, que o IBUTG esteja acima do limite de 30 graus.

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Porm, expressamente instados a se manifestar no curso da diligncia, os representantes do empregador reconheceram que no so realizadas medies de sobrecarga trmica em atividades de corte de cana e/ou impedida a atividade de corte nas situaes em que o IBUTG resulta em valores acima de 30 graus (doc. n. 3), ou seja, deixaram de implementar as recomendaes previstas na prpria avaliao ergonmica elaborada pela empresa!!! Para o rgo Ministerial, a omisso da r no acidental ou decorrente de um lapso perdovel, tanto que recusaram qualquer composio sobre a matria (doc. n. 7/8). A no realizao de levantamentos referentes ao calor 7/8) conduta intencional, pautada em critrio econmico que objetiva manter baixo o custo da mo de obra de corte de cana ainda que com o sacrifcio da sade e do bem-estar dos trabalhadores , uma vez que sabem as empresas do setor que a principal forma de preveno da fadiga em razo do calor o estabelecimento de ciclos menores de trabalho ou a suspenso da atividade nos perodos mais quentes, sem prejuzo da remunerao, o que pode implicar a um s tempo reduo do volume de cana cortada e aumento das despesas de produo. Constitui, pois, a omisso postura reprovvel e ilegal que precisa ser imediatamente alterada. As condies de corte, no que toca ao calor, sem a considerao da situao climtica e sem a previso de interrupo da atividade nos momentos crticos, sujeita o trabalhador a risco de comprometimento agudo de sua sada e ainda vai minando-o ao longo do tempo, levando ao seu envelhecimento e enfraquecimento precoce e comprometendo de forma irreparvel a sua sadia qualidade de vida. Para ilustrar um pouco mais a negligncia da empresa e a premente necessidade de providncias, o Parquet traz baila Laudo Tcnico de Avaliao de stress trmico em frentes de corte manual de cana-de-acar, elaborado a requerimento do MPT pelo Eng. de Seg. do Trabalho da Indstria e Comrcio Iracema Ltda. (doc. n. 9), empresa que firmou Termo de Ajuste 9) de Conduta perante o Ministrio Pblico do Trabalho, para cumprimento da obrigao de efetuar o monitoramento dirio das condies de calor e temperatura no ambiente de corte de cana, cujos dados exemplificativos bem indicam o risco a que est exposto o cortador. O parmetro utilizado foi o Limite de Tolerncia para Exposio ao Calor, previsto na Norma Regulamentadora n. 15 NR-15, nica norma ambiental laboral ptria que dispe sobre a exposio de trabalhadores ao calor. De acordo com a metologia preconizada na NR, a atividade de corte foi classificada como Pesada [Trabalho intermitente de levantar, empurrar ou arrastar pesos (ex.: remoo com p). Trabalho fatigante realizado fatigante], 19

em regime de trabalho intermitente com perodos de descanso realizados no prprio local da prestao dos servios, havendo necessidade de adoo de pausa/hora sempre que ultrapassado o ndice de 25 (IBUTG), chegando-se aos seguintes nmeros exemplificativos.

Infere-se, pois, que houve necessidade de paralisao dos servios em prol da sade dos trabalhadores em todos os dias analisados, que refletem os meses de incio (maro), meio (junho e agosto) e final (dezembro) de safra. Insta salientar que a Indstria e Comrcio Iracema Ltda. est instalada na regio de Avar/SP, especificamente na cidade de Ita/SP, que apresenta mdia das temperaturas mximas (perodo diurno) mais amenas que as verificadas na regio de Ja/SP, contgua cidade de Bocaina, sede da r Tono Bionergia S/A Agrcola, como se extrai da comparao das informaes climatolgicas das duas regies, obtidas junto ao CIIAGRO 20

Centro Integrado de Informaes Agrometeorolgicas, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de So Paulo (www.ciiagro.sp.gov.br) (doc n. 10), a saber: doc 10)

Logo, em que pese a incidncia de variantes, de se presumir que os trabalhadores da r Tonon Bionergia S/A estiveram expostos a uma condio de trabalho no mnimo igual a dos empregados da empresa paradigma. Urge, pois, a adoo de medidas efetivas para prevenir o silencioso e diuturno desgaste da sade do trabalhador rural ou a sua prpria sobrecarga aguda em razo da carga de calor sob a qual labuta. Nessa senda, diante do inadmissvel descaso perpetrado, mister se faz a propositura da presente ao civil, para a efetiva implementao das medidas de sade e segurana no mbito das relaes de trabalho e preservao da dignidade dos trabalhadores.

DIREITO II DO DIREITO a) Dos princpios e normas geraisA Constituio da Repblica enumera como princpios fundamentais do Estado Brasileiro a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa, cujo contedo, representando uma das 21

principais opes poltico-constitucionais, veda a adoo de medida que, priorizando a obteno de lucro, frustre a plena implementao do direito social do trabalho (art. 6 da Constituio Federal). No que se refere s violaes relativas segurana e medicina do trabalho, de se notar que a Declarao Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia Geral das Naes Unidas em 10 de dezembro de 1948, preconiza:Art. XXIII. 1. Todo homem tem direito ao trabalho, livre escolha de emprego, s condies justas e favorveis de trabalho e proteo contra o desemprego. (no h grifos no original)

Com efeito, estabelece o inciso XXII do art. 7 da Constituio Federal:Art. 7 So direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, alm de outros que visem melhoria de sua condio social: XXII reduo dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de sade, higiene e segurana.

E em outro dispositivo, a Lei Magna, ao dispor sobre o Meio Ambiente de cujo conceito no se pode subtrair o Meio Ambiente do Trabalho estatui:Art. 225. Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial sadia qualidade de vida, impondose ao Poder Pblico e coletividade o dever de defend-lo e preserv-lo para as presentes e futuras geraes. (negrito nosso)

Na mesma linha de raciocnio, a CLT, em seu art. 157, estatui como dever das empresas:I cumprir e fazer cumprir as normas de segurana e medicina do trabalho; II instruir os empregados, atravs de ordens de servio, quanto s precaues a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenas ocupacionais.

Semelhante disposio orienta a prestao de trabalho rural, cuja lei determina expressamente que:Nos locais de trabalho rural sero observadas as normas de segurana e higiene estabelecidas em portaria do Ministro do Trabalho e Previdncia Social. (art. 13 da Lei n. 5.889/1973)

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O que se postula na presente ao o respeito vontade do constituinte de 1988, bem como s normas infraconstitucionais de regncia, recepcionadas pelo Texto Supremo.

b) Do fator climtico e do calor na atividade de corte manual de canaA base da preveno de doenas e proteo sade dos trabalhadores est no adequado levantamento dos riscos inerentes ao meio ambiente do trabalho e atividade produtiva desenvolvida. Somente atravs da correta e confivel identificao dos agentes agressores que se torna possvel a efetivao da poltica prevencionista. Essa a essncia e fundamento da moderna higiene ocupacional, cujo objetivo est no reconhecimento, avaliao e controle dos fatores originrios do trabalho e da produo, que podem implicar doenas, prejuzos sade ou comprometimento do bem-estar de trabalhadores e pessoas da comunidade em geral. Estampando essa viso prevencionista, a Norma Regulamentadora n. 31, estabelece, dentre outras obrigaes, que cabe aos empregadores:a) garantir adequadas condies de trabalho, higiene e conforto, definidas nesta Norma Regulamentadora, para todos os trabalhadores, segundo as especificidades de cada atividade; b) realizar avaliaes dos riscos para a segurana e sade dos trabalhadores e, com base nos resultados, adotar medidas de pre-veno e proteo para garantir que todas as atividades, lugares de trabalho, mquinas, equipamentos, ferramentas e processos produtivos sejam seguros e em conformidade com as normas de segurana e sade; j) informar aos trabalhadores: 1. os riscos decorrentes do trabalho e as medidas de proteo implantadas, inclusive em relao a novas tecnologias adotadas pelo empregador; (...) 3. os resultados das avaliaes ambientais realizadas nos locais de trabalho. (31.3.3) ()

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As aes de melhoria das condies e meio ambiente de trabalho devem abranger os aspectos relacionados a:a) riscos qumicos, fsicos, mecnicos e biolgicos. (31.5.1.2 no h 31.5.1.2 grifos no original)

E conceito basilar em matria de higiene ocupacional (portanto de conhecimento obrigatrio para os profissionais de sade e segurana da r), que dentre os agentes ambientais passveis de causar dano sade dos trabalhadores est o calor, expressamente classificado como risco fsico , e que no caso dos cortadores de cana tem como principal fonte os raios solares, que se transferem por radiao, ou seja, a energia radiante passa por meio do ar sem aquec-lo apreciavelmente, aquecendo somente a superfcie atingida (...)(3). Registra a literatura especializada que nas situaes em que o calor cedido pelo organismo ao meio ambiente inferior ao recebido ou produzido pelo metabolismo total, comea a ter incio a hipertermia (aumento da temperatura interna do corpo), levando o organismo humano a desencadear a vasodilatao perifrica e a ativao das glndulas sudorparas, ambos mecanismos de defesa contra o aumento da temperatura corprea. Caso a vasodilatao perifrica e a sudorese no sejam suficientes para manter a temperatura do corpo em torno de 37 C, haver consequncias para o organismo que podem se manifestar da seguinte forma: A) Exausto do calor: com a dilatao dos vasos sanguneos em resposta ao calor, h uma insuficincia do suprimento de sangue do crtex cerebral, resultando em queda da presso arterial. B) Desidratao: A desidratao provoca, principalmente, a reduo do volume de sangue, promovendo a exausto do calor. C) Cimbra de calor: Na sudorese h perda de gua e sais minerais, principalmente o NaCI (Cloreto de Sdio). Com a reduo desta substncia no organismo podero ocorrer cimbras. D) Choque trmico: Ocorre quando a temperatura do ncleo do corpo atinge determinado nvel, colocando em risco algum tecido vital que permanece em contnuo funcionamento(4).(3) SALIBA, Tuffi Messias. Manual prtico de avaliao e controle de calor. 3. ed. So Paulo: LTr, 2010. (4) Cf. nota 3.

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Esses efeitos agudos no so os nicos a se considerar em uma escorreita avaliao de risco, pois, a longo prazo, a exposio excessiva ao calor e ao sol pode abrir caminho para o aparecimento de outros gravames, como o aumento da incidncia de doenas cardiovasculares, alteraes gastrointestinais, envelhecimento precoce, reduo do desempenho individual e da capacidade de execuo. As duas ltimas consequncias so particularmente conhecidas no setor canavieiro, uma vez que os trabalhadores vo perdendo produtividade com o passar das safras e paulatinamente substitudos por mo de obra cada vez mais jovem (preferencialmente masculina). Portanto, j no plano geral, subsiste o dever do empregador de avaliar o risco sade dos trabalhadores proveniente do calor e adotar as medidas de preveno necessrias manuteno da segurana, higidez fsica e condio adequada do processo de corte manual de cana-de-acar, sobretudo em uma contextualizao ambiental reconhecidamente marcada pelo trabalho a cu aberto, considervel desforo fsico na realizao da atividade e ausncia de qualquer proteo natural que reduza a incidncia direta dos raios solares sobre o organismo dos trabalhadores (sombra de rvores, etc.). Mas a Norma Regulamentadora n. 31 mais incisiva ainda. Para que no restem dvidas, dispe expressamente sobre os Fatores Climticos e Topogrficos (31.19), em que pontifica que o empregador rural deve:a) orientar os seus empregados quanto aos procedimentos a serem adotados na ocorrncia de condies climticas desfavorveis; b) interromper as atividades na ocorrncia de condies climticas que comprometam a segurana do trabalhador; c) organizar o trabalho de forma que as atividades que exijam maior esforo fsico, quando possvel, sejam desenvolvidas no perodo da manh ou no tarde. final da tarde. (31.19.1 no h grifos no original)

Ao determinar a interrupo da atividade na ocorrncia de condies climticas adversas, a norma impe aos empregadores o claro nus de avaliar tecnicamente quais os fatores e as condies climticas (calor, frio, etc.) que comprometem a segurana e a sade dos trabalhadores, de forma a encontrar e estabelecer os parmetros em que a atividade deve ser interrompida (excesso de calor, etc.). J ao estabelecer que as atividades que exijam esforo fsico, quando possvel, sejam desenvolvidas no perodo da manh ou final da tarde 25

medida que a toda evidncia est voltada preveno da exausto e adoecimento pelo calor , tem-se que tambm cabe ao empregador discorrer tecnicamente sobre a impossibilidade de adoo da sistemtica normativa (manh e final da tarde) e, obrigatoriamente, avaliar os riscos e apresentar as medidas de preveno indispensveis preservao da sade em virtude do trabalho nos perodos mais quentes do dia, inclusive as hipteses de suspenso da atividade pelo calor. A respeito dos limites de tolerncia de qualquer ser humano ao calor, em matria de segurana e sade no trabalho, a nica referncia normativa ptria est fixada na Norma Regulamentadora n. 15 (Atividades e Operaes Insalubres), cuja metodologia de exposio ao calor (IBUTG), limites de tolerncia e regime de trabalho se mostram aplicveis a todos os ramos de atividade em que identificado o risco fsico calor. Esta-se, pois, diante de um tpico caso de analogia legis, norma de integrao vinculada ao princpio da completabilidade da ordem jurdica e de manejo obrigatrio em relao matria em apreo (ubi eaden ratio legis ibi eaden legio dispositio). No aspecto cientfico, inclusive, anota a doutrina que: Atualmente, o IBUTG o mtodo mais simples e adequado para medir os fatores ambientais, tendo sido adotada por vrias normas internacionais, que incluem a ACGIH e OSHA (Occupational Safety and Health Admnistration). Segundo a NR-15, entende-se como limite de tolerncia: A Concentrao ou intensidade mxima ou mnima, relacionada com a natureza e o tempo de exposio ao agente, que no causar dano sade do trabalhador, durante a sua vida laboral. Para a ACGIH (American Conference of Governmental Industrial Hygienists), os limites para o calor referem-se s condies de sobrecarga trmica para as quais se acredita que a maioria dos trabalhadores adequadamente hidratados, no medicados e com boa sade, usando roupas leves de vero, podem ser repetidamente expostos sem efeitos adversos sade.(5) A meno da adoo do mtodo pelos organismos internacionais, em particular a ACGIH, refora sobremaneira o carter obrigatrio de utilizao do IBUTG, uma vez que a Norma Regulamentadora n. 9 (Preveno de Riscos Ambientais) determina taxativamente que devero ser adotadas as medidas necessrias para a eliminao, minimizao ou controle dos riscos ambientais, sempre que os resultados das avaliaes quantitativas da exposio dos trabalhadores excederem os valores dos limites previstos(5) Cf. nota 3.

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na NR-15 ou, na ausncia destes os valores limites de exposio ocupacional adotados pela American Conference of Governmental Higyenists-ACGIH, Industrial Higyenists-ACGIH ou aqueles que venham a ser estabelecidos em negociao coletiva de trabalho, desde que mais rigorosos do que os critrios tcnico-legais estabelecidos; (109.030-5/I1) (NR 9. 3. 5. 1. letra c no h grifos no original).Dispe a Norma Regulamentadora n. 15 que a exposio ao calor deve ser avaliada atravs do ndice de Bulbo mido Termmetro de Globo IBUTG (Anexo n. 3, 1), encontrado consoante as equaes que especifica, cujas medies devem ser efetuadas no local onde permanece o trabalhador, ou seja, a frente de trabalho de corte de cana, sendo que o regime de trabalho intermitente com descanso no prprio local de trabalho ser definido em funo do ndice obtido (IBUTG) e do tipo de atividade empreendida pelo trabalhador (leve, moderado e pesado). O regime de trabalho acima mencionado, luz do IBUTG, poder admitir o trabalho contnuo, demandar pausas de 15 a 45 minutos de descanso (por hora), ou determinar a proibio do trabalho, sem a adoo de medidas adequadas de controle (Quadro n. 1). A norma tambm oferece parmetros para enquadramento das atividades em leve, moderada ou pesada (Quadro n. 3), sendo que no caso do servio de corte manual de cana-de-acar, foroso o enquadramento em TRABALHO PESADO [Trabalho intermitente de levantar , empurrar ou arrastar pesos (ex.: remoo com p). Trabalho fatigante], que determina a adoo de pausas para descanso assim que ultrapassado o ndice IBUTG 25,0 e a suspenso da atividade quando o ndice ultrapassar 30,0. Sobre o trabalho pesado e a natureza fatigante da atividade de corte de corte manual de cana intencionalmente omitida pela rea de sade e segurana do trabalho da r , transcreve o autor elucidativos trechos do artigo doutrinrio e pesquisa de campo pautada em condio real de campo, trabalho, intitulado Impacto sobre as Condies de Trabalho: o desgaste fsico dos cortadores de cana-de-acar(6), verbis: Da tabela 1 pode-se dimensionar o tamanho do ciclo de trabalho no corte da cana, somando-se os tempos mdios de cada ao que compe a atividade chega-se a um ciclo mdio de 5,6 segundos. Cabe ressaltar que ciclos menores que 30 segundos representam riscos de leses osteoarticulares. (ANDERSSON, 1991)(6) LAAT, Erivelton Fontana de; VILELA, Rodolfo Andrade de Golveia; SILVA Alessandro Jos Nunes da; LUZ, Vernica Gronau. Impactos da indstria canavieira no Brasil. IBASE, nov. 2008.

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As informaes obtidas na observao sistemtica, cruzadas com os dados de produo do trabalhador observado, possibilitaram informaes relevantes sobre a carga de trabalho e possvel desgaste dos trabalhadores. Para a jornada diria de 8 horas, estimou-se que o trabalhador realizou 3.994 flexes de coluna e 3.792 golpes de podo. Os grficos 2 a 4 indicam a porcentagem de tempo, para algumas variveis medidas atravs da codificao do filme com o uso do software CAPTIV. (...) Observa-se que o trabalhador permanece a maior parte do tempo na atividade de corte com podo que representa 29% do tempo total, seguido da ao de jogar que representa a segunda ao que ocupa 28% do tempo. A ao de abraar a cana representa 16% do tempo. Na ao de jogar o trabalhador sustenta com os braos o feixe de cana cortada e lana o material na leira. Isto significa que ao final do dia o trabalhador carrega toda a quantidade de cana cortada, no caso estudado o trabalhador AES movimentou ao final do dia 11,54 toneladas de cana-de-acar. Na equipe de 10 trabalhadores que estava sendo acompanhada no dia 18/5 tivemos uma mdia diria de 14 ton. de cana cortada. Um trabalhador cortou no dia 18/5, 18,200 quilos de cana totalizando 335 metros lineares no eito que contm 5 ruas por eito. (...) 3.3. Carga cardiovascular A carga de trabalho fsica foi indicada por intermdio do levantamento da frequncia cardaca de uma amostra de 10 trabalhadores ao longo da jornada de trabalho, que atuavam na atividade do corte manual da cana-de-acar. Os trabalhadores que participaram da pesquisa tinham idade mdia de 27,7 anos, estatura mdia de 1,73 m e peso mdio de 67,1 kg. Tais dados foram levantados pela equipe no dia da avaliao. Para o levantamento da frequncia cardaca dos trabalhadores, foram utilizados dez monitores de frequncia cardaca, marca Polar Team System, que foram fixados em 10 trabalhadores no incio e retirados ao final da jornada de trabalho. 28

(...) A produtividade mdia em termos de metragem de cana foi de 115,2 metros por trabalhador, que correspondeu a media de 8,588 toneladas de cana cortada por trabalhador do grupo. Os prprios trabalhadores estabeleceram a sequncia de suas atividades de acordo com as condies do local, nmero de ruas, tipo da cana, clima, sensao de fome/sede e cansao. (...) Observa-se no quadro 2, que 8 trabalhadores ultrapassaram a carga cardiovascular estimada por Rodgers (1986), com valores que extrapolaram 33% da potncia aerbia para trabalhos com jornadas de 8 horas. Dentre os oito trabalhadores, quatro foram os que mais produziram em toneladas, sendo que o trabalhador 10 atingiu a produo de 13,960 toneladas de cana. De acordo este autor 33% o limite aceitvel do percentual da mxima capacidade aerbica utilizada para uma jornada de trabalho. Especificamente para a colheita da cana-de-acar, Lambers et al. (1994) sugeriram o valor de 30% da capacidade funcional mxima como limite para a atividade laboral de cortadores manuais de cana-de-acar sul-africanos. (...) Muller (1961) indica que a diferena entre a frequncia cardaca de repouso e a frequncia cardaca mdia de trabalho deve ser no mximo de 35 batimentos por minuto, como limite de atividade contnua para homens. Os resultados mostram que todos os dez trabalhadores do piloto extrapolaram este limite de sade em situaes de trabalho contnuo. O grupo como um todo ficou com uma mdia de carga cardiovascular de 40,70%, ultrapassando o limite desejvel para sade. Quando as avaliaes fisiolgicas indicam uma carga de trabalho superior capacidade do trabalhador em determinada condio, torna-se necessrio fazer uso de princpios ergonmicos para se obter uma adequada carga de trabalho (GRANDJEAN, 1998). Ainda, segundo este autor, existem duas maneiras eficientes para otimizar a carga de trabalho, modificando o planejamento do sistema ou mtodo de trabalho de modo a reorganiz-lo ergonomicamente ou introduzindo ferramentas ou mquinas auxiliares. 29

O estudo acima mencionado tambm aferiu a sobrecarga trmica (calor) dos cortadores de cana, encontrando ndices que demandam a adequada hidratao dos rurcolas e a adoo de pausas para descanso (IBUTG acima de 25,0) semelhana do que aconteceu com a aferio realizada na regio de Avar/SP , bem como trouxe a lume a preocupante observao de que a Norma Brasileira se mostra mais leniente com a sobrecarga trmica do que a internacionalmente preconizada, aduzindo que: (...) a Norma Americana da ACGIH (1999) define, para atividades que exigem vestimentas fechadas e equipamentos pesados de proteo, como no caso dos trabalhadores do corte de cana (luvas, mangotes, perneiras, toca rabe, bon e cala) a diminuio de 2 C no limite mximo do IBUTG, atravs do fator denominado clo. Deste modo deve-se considerar como limite de exposio sobrecarga solar o valor de IBUTG de 23,0 C. Observando-se as tabelas 2 e 3 observa-se que no dia 15 de maio o limite ultrapassado das 10h00 s 12h30 e no dia 18 das 9h00 s 15h30. Agrava, ainda, sobremaneira a conduta a considerao de que o monitoramento do calor na atividade do corte de cana consta expressamente da avaliao ergonmica da r, elaborada em ateno ao disposto nas NRs 17 e 31, sendo que a sua no implementao implica a prpria negao absoluta dos comandos normativos mencionados, cuja finalidade preventiva est sintetizada no item 17.1 da NR-17, verbis:17.1. Esta Norma Regulamentadora visa a estabelecer parmetros que permitam a adaptao das condies de trabalho s caractersticas psicofisiolgicas dos trabalhadores, de modo a proporcionar um mximo de conforto, segurana e desempenho eficiente.

Inconteste, pois, que cabe r efetuar a mensurao da sobrecarga trmica de suas frentes de trabalho e, sempre que ultrapassado o IBUTG 25,0, adotar o regime de trabalho intermitente previsto na norma ou, se caso, suspender a atividade de corte, a fim de prevenir a ultrapassagem dos limites fisiolgicos do organismo humano e o consequente comprometimento da condio de sade e higidez dos trabalhadores. De se anotar que a suspenso de atividade laboral pautada em critrio prevencionista de sade e segurana no indita na legislao ptria. Alm da limitao prevista na Norma Regulamentadora n. 15, o art. 253 da CLT dispe sobre a concesso de pausas obrigatrias para os trabalhadores em virtude do desempenho da atividade em ambiente frio, enquanto que o art. 72 da CLT (mecanografia) e a Norma Regulamentadora n. 17 (entrada 30

de dados) fixam pausas em razo da repetividade da tarefa e sobrecarga osteomuscular. O que dizer, ento, no que concerne ao servio de corte manual de cana, em que presentes a adversidade decorrente da temperatura (calor extenuante) e a repetividade da tarefa (risco de leses osteomusculares)? Em todos os casos, as normas de regncia determinam a suspenso temporria da atividade, computando-se esse intervalo como de trabalho efetivo (art. 253 da CLT) ou sem deduo da jornada normal de trabalho (NR-17), ou seja, sem qualquer prejuzo direto ou indireto de natureza salarial, sendo que a Norma Regulamentadora n. 15 tambm expressa no sentido de determinar que os perodos de descanso sero considerados tempo de servio para todos os efeitos legais. Diante disso, no caso do corte manual de cana, cujo sistema remuneratrio est lastreado no chamado pagamento por produo, em que o trabalhador recebe exclusivamente de acordo com o nmero de toneladas de cana/dia cortada, a escorreita observncia da expresso tempo de servio para todos os efeitos legais significa equiparar a remunerao do perodo de descanso ao perodo trabalhado, devendo a contraprestao salarial da pausa corresponder mdia da produo diria do rurcola. Qualquer outra interpretao, alm de atentatria aos preceitos constitucionais da Dignidade da Pessoa Humana, Valorizao do Trabalho Humano, Existncia Digna e Busca do Pleno Emprego (arts. 1, inciso III e 170, caput e inciso VIII), implicaria transferir diretamente aos empregados os riscos da atividade econmica (a cana continuaria com a empresa e os trabalhadores que arcariam com nus financeiro decorrente do dever do empregador de propiciar adequada condio de trabalho e sade), vulnerando o disposto nos arts. 2, caput, e 9, ambos da CLT, e contrariando os princpios da proteo do trabalhador, in dubio pro operario, da norma mais favorvel e da irredutibilidade do salrio. Afora as consideraes acima, ainda sobre a adequada avaliao dos riscos e as medidas de controle da sobrecarga trmica, em relao ao homem, registra a boa literatura em segurana e sade no trabalho que incumbe obrigatoriamente aos empregadores cuidar da aclimatao (adaptao fisiolgica do organismo ao ambiente), dos exames mdicos (prever o risco, detectar problemas de sade passveis de agravo em razo do calor, reduzir a periodicidade dos exames mdicos, etc.), educar e treinar os trabalhadores (realizao correta da tarefa, evitar longos perodos de exposio, etc.). Medidas que tambm no esto sendo efetivamente adimplidas pela r. 31

MM. Juiz, o farto material probatrio apresentado pelo Ministrio Pblico do Trabalho bem indica a inobservncia de preceitos basilares em matria de dignidade humana e adequao ambiental laboral. Situao que no pode perdurar, sob pena de se manter em permanente risco a vida, a sade e a integridade fsica dos trabalhadores. A bem da verdade, a resistncia da r Tonon Bionergia S/A em materialmente adimplir o plexo de normas que ordenam a sade e a segurana no campo das relaes de trabalho decorre da preocupao de que a interveno prevencionista recomendada possa sugerir aumento de custo ou qualquer tipo de limitao ainda que em nome da sade dos empregados , ao seu absoluto poder de comando e gesto da organizao do trabalho. Da o apego a um sistema formatado ao seu exclusivo talante, que atende somente o seu interesse econmico. Por conta desse negligente comportamento, que tem deixado em segundo plano a efetivao de medidas de proteo coletiva em matria de meio ambiente do trabalho, impe-se o acolhimento de todos os pedidos, a fim de que prevalea o interesse pblico, no caso dos autos consubstanciado na defesa da sade e preveno da ocorrncia acidentes e de doenas ocupacionais.

REPARAO III DA REPARAO DA LESO a) Do perodo anterior ao ajuizamento da aoEm que pese o adimplemento judicial de aes especficas que conduzam melhoria do ambiente laboral, certo que a omisso da r se procrastinou no tempo e consolidou uma trao poluidor, impossvel de ressarcimento na forma especfica. No h como se eliminar do ambiente de trabalho e da vida dos trabalhadores a tarefa j realizada em condio ambiental inidnea. Como salienta Luiz Guilherme Marinoni(7), tratando-se de direito ambiental, o ressarcimento no pode deixar de considerar o fato de que a poluio um efeito negativo (uma externalidade negativa) que decorre de uma atividade produtiva. Por isso, o prejuzo ambiental, quando no ressarcvel na forma especfica, deve ser indenizado pelo titular da atividade geradora da poluio. Aplica-se, nesse sentido, o princpio do poluidor-pagador, que dita o dever do poluidor arcar com a totalidade dos custos da poluio, pena de a sociedade ter que pagar pelas perdas ambientais produzidas pelo setor privado.(7) Tcnica processual e tutela de direitos. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

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Ora, na espcie, o dano ambiental, ou seja, a destruio e a leso ao meio ambiente, consoante se infere da narrativa dos fatos, est perfeitamente caracterizado, inexistindo dvidas de que a conduta da empresa foi extremamente poluente, ou seja, houve a degradao da qualidade ambiental resultante da atividade que direta ou indiretamente: prejudiquem a sade, a segurana e o bem-estar da populao ou afetem as condies estticas ou sanitrias do ambiente (art. 3, inciso III, da Lei n. 6.938/1981). Essa a lio dos estudiosos, para quem: A degradao no ambiente de trabalho, resultante de atividades que prejudicam a sade, a segurana e o bem-estar dos trabalhadores, ocasiona-lhe poluio, impondo ao poluidor a obrigao de recuperar e/ou indenizar os danos causados independentemente da existncia de culpa (art. 4 c/c o art. 14 da Lei n. 6.938/1981). A poluio do meio ambiente de trabalho deve ser entendida como a degradao da salubridade do ambiente que afeta diretamente a sade dos prprios trabalhadores. Inmeras situaes alteram o estado de equilbrio do ambiente: os gases, as poeiras, as altas temperaturas, os produtos txicos, as irradiaes, os rudos, a prpria organizao do trabalho, assim como o tipo de regime de trabalho, as condies estressantes em que ele desempenhado (trabalhos noturnos, trabalhos em turnos de revezamento), enfim, tudo aquilo que prejudica a sade, o bem-estar e a segurana dos trabalhadores(8). Demonstrada a existncia do evento danoso, tambm se encontra presente o nexo causal, ou seja, o liame entre a degradao ambiental laboral e a atividade do poluidor, uma vez que todas as irregularidades e agresses constatadas decorrem inequivocamente da atividade fabril empreendida pelo empregador Tonon Bionergia S/A. A responsabilidade, em matria ambiental, objetiva, independentemente de culpa ou desejo de causar a leso ambiental, conforme o art. 14, 1, da Lei n. 6.938/1981, que consagrando a responsabilidade objetiva, dispe que (...) o poluidor obrigado, independentemente da existncia de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros afetados pela atividade. Consoante tambm elucida a doutrina: A Lei de Poltica Nacional de Meio Ambiente (Lei n. 6.938/1981) estabeleceu a responsabilidade objetiva ao poluidor que prescinde da(8) ROCHA, Julio Cesar de S da. Direito ambiental e meio ambiente do trabalho. So Paulo: LTr, 1997.

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existncia de culpa para reparar o dano ambiental. Da mesma forma, irrelevante a licitude da atividade e no h que se falar em qualquer excludente de responsabilidade. O poluidor deve assumir o risco integral da sua atividade. Ademais, a prpria Constituio Federal (art. 225, 3) no exige conduta alguma para a responsabilidade do dano ambiental. Ocorrendo o dano, necessrio que se repare a leso ao bem ambiental tutelado. Enfim, em sede de direito ambiental a responsabilidade objetiva, no se exigindo a culpa como requisito do dever de indenizar(9). De toda sorte, ainda que se prefira, contra legem, adotar pensamento conservador e seguir o caminho da responsabilidade tradicional, vislumbra-se com clareza solar a omisso e a negligncia da empresa no trato do ambiente laboral. Os fatos revelam que o descumprimento dos preceitos ambientais laborais e, consequentemente, a leso ambiental e a exposio da sade dos trabalhadores a risco desnecessrio e a acidentes so fruto da omisso da empresa, que no tem cuidado adequadamente de seu ambiente laboral ao longo do tempo, deixando de agir concretamente no meio para a conteno da degradao ambiental e adequao s normas regulamentares. Basta, para ilustrar, citar a situao dos cortadores de cana, obrigados a diariamente cortar (e amontoar!!!) debaixo de sol forte e de poeiras, amontoar!!!), toneladas de cana, sem que haja qualquer preocupao da parte da empresa com a sua possvel sobrecarga trmica e fsica ou a prvia identificao de doenas relacionadas ao calor, a ponto de fazer tbula rasa sua prpria avaliao ergonmica. Condio que afasta a empresa dos postulados da justia social e funo social da propriedade, e bastante a aproxima do conceito de condio degradante de trabalho, penalmente capitulado. guisa de arremate, cabe salientar que o no cumprimento das normas de medicina e segurana caracteriza um habitat laboral inidneo, aflorando, assim, a leso ao meio ambiente de trabalho e a necessidade de se indenizar a coletividade de trabalhadores, com o escopo de fomentar a reconstituio, ainda que de forma indireta, daqueles bens da vida tutelados pelas normas maculadas. A degradao ambiental em testilha, sem sombra de dvidas, afronta o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, caput, da CF), que se constitui em garantia eminentemente metaindividual, de interesse essencialmente difuso, porque esto em jogo a tutela da vida (sade) e da dignidade do trabalhador direitos humanos fundamentais e indivisveis , marcados pela nota da universalidade e da inalienabilidade.(9) Obra acima cit.

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A propsito disso, pontificam Fbio de Assis F. Fernandes e Raimundo Simo de Melo que: A garantia constitucional do ambiente ecologicamente equilibrado tem por finalidade tutelar a vida humana. No qualquer tipo de vida ou sobrevida, mas a vida vivida, ou, para citarmos o texto na forma vazada, sadia qualidade de vida, para cuja concretizao torna-se imprescindvel estar presente essa qualidade, tambm no local onde ocorre uma das principais manifestaes do homem com o seu meio, dando-se eficcia aos ditames constitucionais que fixam como direito fundamental a vida (arts. 1, III, e 5) e como direitos sociais fundamentais a sade e o trabalho (art. 6). No art. 196 da Constituio Federal tem-se o disciplinamento do direito social sade fixado como (...) direito de todos e dever do Estado, garantido mediante polticas sociais e econmicas que visem reduo do risco de doena e de outros agravos e ao acesso universal igualitrio s aes e servios para sua promoo, proteo e recuperao. Dois aspectos importantes podem ser extrados desse dispositivo constitucional: primeiro o carter difuso do direito sade, semelhana do direito ao meio ambiente equilibrado; segundo, o carter preventivo que deve informar a atuao estatal(10). O meio ambiente do trabalho adequado e seguro um direito fundamental do cidado trabalhador. No se trata de um mero direito trabalhista vinculado ao contrato de trabalho, pois a proteo daquele distinta da assegurada ao meio ambiente do trabalho, porquanto essa ltima busca salvaguardar a sade e a segurana do trabalhador no ambiente onde desenvolve as suas atividades. Com efeito, a proteo do meio ambiente do trabalho est vinculada diretamente sade do trabalhador como cidado, constituindo um direito de todos. O direito do trabalho, por sua vez, regula as relaes diretas entre empregado e empregador, aquele considerado estritamente. O inciso XXII do art. 7 da CF, ao conferir reduo dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de sade, higiene e segurana, apresenta carter nitidamente ambiental sanitrio, uma vez que essas normas no podem ser consideradas como normas de direito privado vinculadas estritamente ao contrato individual do trabalho. So muito mais do que isso. Assim, o direito ambiental do trabalho constitui direito humano fundamental(10) O princpio da preveno no meio ambiente do trabalho. Boletim Cientfico da Escola Superior do Ministrio Pblico da Unio, ano III, n. 13, out./nov. 2004.

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inerente s normas sanitrias e de sade do trabalhador (CF, art. 196), que, por isso, merece a proteo dos Poderes Pblicos e da sociedade organizada, conforme estabelece o art. 225 da Constituio Federal(11). Posta assim a questo, de se dizer, em resumo, ex vi do art. 8 da CLT, que a Lei n. 6.938/1981, Lei de Poltica Nacional do Meio Ambiente, tem aqui sua inteira aplicao, mxime ao estatuir a imposio ao poluidor e ao predador, da obrigao, de recuperar e/ou indenizar os danos causados e em consagrar a responsabilidade objetiva do responsvel (arts. 4, inciso VII e 14, 1). Defendendo a aplicao das normas precitadas, destaca-se o magistrio dos j mencionados Jlio Csar de S da Rocha e Celso Antonio Fiorillo, verbis: O meio ambiente de trabalho deve ter um tratamento consoante ao sistema jurdico imposto ao meio ambiente pela Carta Constitucional (CF/1988, art. 225). Os princpios do direito ambiental constitucional tm que ser aplicados inteiramente ambincia do trabalho, inclusive para que se d maior unidade e harmonia estrutura do sistema, facilitando o conhecimento e interpretao do meio ambiente. (...) A regra e a interpretao mais lgica que deve-se ter em relao ao meio ambiente de trabalho que seus dispositivos tutelam o meio ambiente e possuem eficcia plena e imediata. (...) Em relao a degradao no ambiente de trabalho deve prevalecer o princpio do poluidor/ pagador e da responsabilidade objetiva quando se tratar de poluio na ambincia de trabalho.(12) Ora, se a lei federal define que sempre que houver uma leso ou ameaa sade ela est embutida no conceito da Lei n. 6.938/1981, verificada a hiptese de quem o agente poluidor, ele ser responsvel, civilmente, por aquela situao ocasionada. Esta a viso constitucional e, gostando ou no, achando interessante ou no, todos temos que nos curvar. O que vai haver de resultado interessante nessa matria? Quando debatemos o tema a respeito das diferentes possibilidades de dano ao meio ambiente do trabalho; quando falamos de microclima do trabalho, problema de luz, problema de rudo, temperatura, umidade; quando falamos dos chamados contaminadores fsicos, qumicos, biolgicos; quando falamos da sobrecarga fsica ou mesmo da sobrecarga psquica, aquela que afeta a estrutura fundamental de todos ns, estamos discutindo hiptese de dano. Hipteses de dano que acarretam um mal sade, no desejado pela Constituio.(11) Dignidade humana e meio ambiente do trabalho. Boletim Cientfico da Escola Superior do Ministrio Pblico da Unio, ano 4, n. 14, jan./mar. 2005. (12) Meio ambiente do trabalho. Revista Trabalho & Doutrina, v. 11, p. 104/111.

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Diante desta situao, o que nos resta concluir? Resta concluir que sempre que conseguirmos demonstrar a hiptese de dano em matria de meio ambiente de trabalho, aplica-se a lei especfica acerca da tutela de Direito Ambiental. E a lei especfica no encontra amparo material na Consolidao das Leis do Trabalho, no Cdigo Civil ou em qualquer outra legislao. A tutela especfica do direito vida encontra amparo to somente numa lei criada para a proteo da sade que a Lei n. 6.938/1981"(13). Pacificado, igualmente, na jurisprudncia dos Tribunais do Trabalho o dever de reparao coletiva do dano, conforme se infere da seguinte ementa:DANO MORAL. COLETIVO. INJUSTA AGRESSO AO PATRIMNIO VALORATIVO DE DETERMINADA COLETIVIDADE. DESRESPEITO S NORMAS DE PROTEO SADE, SEGURANA E AO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO. OCORRNCIA. RECONHECIMENTO. A responsabilidade civil avana conforme progride a sociedade, adequando-se s novas necessidades e realidades sociais. A proteo aos direitos humanos transmuda a concepo de obrigao e responsabilidade, passando do campo meramente individual para o coletivo ou social, conferindo ao homem, antes indivduo, proteo jurdica enquanto membro de uma coletividade por ele integrada. No campo da coletividade, considerando-se os interesses transindividuais em jogo, para a ocorrncia do dano moral coletivo no h sequer necessidade de vinculao ao foro ntimo ou subjetivo dos seus membros, bastando a verificao de agresso injusta ao patrimnio valorativo de uma determinada coletividade, sendo irrelevante a verificao de prejuzo material concreto. O desrespeito s normas de proteo sade, segurana e meio ambiente laboral encontra ressonncia nas prescries dos arts. 200, VIII e 225 (como garantia do meio ambiente de trabalho sadio) e art. 7, XXXIII, da Carta Republicana (quanto ao dever patronal de reduo dos riscos inerentes ao trabalho), ensejando, nesses casos, hiptese configuradora do dano moral coletivo, com o correlato dever de indenizao. (TRT 15 R., RO 626-2000043-15-85-3, Ac. 67700/08, Quarta Cmara, Rel. Des. Lus Carlos Cndido Martins Sotero da Silva, DOESP 17.10.2008, p. 35.)

Essa responsabilidade, consideradas as suas devidas propores, deve ser devolvida ao agente causador, entendendo o Ministrio Pblico do Trabalho que bastante razovel a fixao de indenizao no importe de R$ 2.000.000,00 (dois milhes de reais), referente ao perodo anterior ao ajuizamento da ao. Trata-se de indenizao simblica, considerando que no se mostra possvel a plena reparao especfica da degradao ambiental j praticada, bem como que a mesma decorreu exclusivamente da inrcia da r, que deixou de adotar as medidas de saneamento adequadas, permitindo o comprometimento ambiental ao longo dos anos.(13) A ao civil pblica e o meio ambiente de trabalho. In: Revista do Ministrio Pblico do Trabalho da 2 Regio, v. 2, p. 66/67.

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Em sintonia com o disposto no art. 13 da Lei n. 7.345/1987, referida indenizao deve ser revertida a Fundo que possibilite a adequada reconstituio dos bens lesados, a ser oportunamente definido.

b) Da continuidade do dano aps o ajuizamento da aoNo obstante, mesmo aps o ajuizamento da ao, certo que so muitas as vicissitudes processuais que em grande quantidade de vezes geram um perodo lacunoso, em que a leso se prorroga no tempo sem ser alvo de concreto e imediato mandamento jurisdicional que a impea (liminar/antecipao de tutela) ou esteja sob o plio da indenizao compensatria inicial, constituindo uma situao bastante cmoda para os rus e infratores. Exemplo concreto desse vazio pode ser encontrado na presente ACP, porque, em que pese a eventual procedncia da ao, acaso indeferido o antecipatria, pedido liminar ou negada eventual tutela antecipatria a demora na tramitao do feito poder conceder sobrevida no realizao do monitoramento do calor na atividade de corte de cana e degradao da sade dos trabalhadores pela ausncia das pausas por longo perodo de tempo. Interstcio que no pode ser desconsiderado para fins de liquidao do dano. Trata-se, pois, de dano que, por previsivelmente se procrastinar no tempo, exige reparao peridica e em toda sua inteireza, a ser reconhecido e deferido na r. Sentena. O pleito tem amparo no disposto nos arts. 292 do CPC, que versa sobre a cumulao de pedidos, e 84, 1 e 2, do CDC, que dispe sobre a converso da obrigao em perdas e danos se impossvel a tutela especfica ou a obteno de resultado prtico correspondente, uma vez que ser impossvel reverter os efeitos da no realizao da avaliao na poca prpria e da preterio temporal das medidas preventivas adequadas. Em sendo o direito tutela jurisdicional uma garantia fundamental, necessrio que o processo esteja apto a fazer frente aos direitos e s relaes atualmente vivenciadas pela sociedade, propiciando a instrumentalidade e a efetividade necessria, sempre demandando interpretao que v ao encontro da garantia fundamental tutela. A respeito dessa inafastvel viso moderna do processo, ao discorrer sobre o enquadramento do direito efetividade da tutela jurisdicional na classificao funcional dos direitos fundamentais, destaca Luiz Guilherme Marinoni, Tcnica Processual e Tutela de Direitos, que: (...) 38

Se o dever do legislador de editar o procedimento idneo pode ser reputado descumprido diante de determinado caso concreto, o juiz, diante disso, obviamente no perde o seu dever de prestar a tutela jurisdicional efetiva. Por tal razo, o juiz tem o dever de interpretar a legislao luz do direito fundamental tutela jurisdicional, estando obrigado a extrair da regra processual, sempre com a finalidade de efetivamente tutelar os direitos, a sua mxima potencialidade, desde e isso nem precisaria ser dito que no seja violado o direito de defesa. (no h grifos no original) A propsito, ao julgar ao de responsabilidade civil decorrente de acidente, decidiu o C. STJ que:RESPONSABILIDADE CIVIL. Queimaduras. Indenizao. Lucros cessantes. Dano moral. Juros compostos. Honorrios advocatcios. Tratamento. Novas cirurgias. (...) (...) (...) A condenao deve incluir todas as intervenes que se fizerem necessrias durante a tramitao do demorado processo e das que devem ser feitas no tratamento das sequelas deixadas pelo acidente, ainda que no possam ser desde logo definidas em nmero e em valor, o que ficar para a liquidao de sentena. Conforme a percia, a natureza das leses exige constantes e peridicas intervenes, at sua definitiva consolidao. (REsp 297007/RJ, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4 T., DJ 18.3.2002, p. 256.)

Objetivando, pois, evitar a multiplicao de aes ou que parte da reparao devida fique frustrada em razo do longo interstcio de tempo que geralmente decorre at a concreta satisfao do direito, faz-se necessrio comando condenatrio que determine a efetiva reparao do dano a contar da data do ajuizamento da ao, entendendo o autor que se afigura razovel a condenao da r no pagamento de indenizao no importe de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) para cada perodo de 30 (trinta) dias em que no elaborado o monitoramento do calor e concedidas pausas assim que ultrapassado o IBUTG 25,0 na forma postulada na presente ACP. Valores esses que tambm devero ser revertidos em prol de fundos destinados reconstituio dos bens lesados, na forma acima mencionada. 39

IV DO PEDIDO DE LIMINARA fumaa do bom direito consiste no descumprimento dos preceitos de medicina e segurana do trabalho, os quais integram o arcabouo de normas mnimas de proteo ao trabalhador, in casu, fartamente demonstrado nos autos. O perigo da demora reside na possibilidade de ocorrncia de acidentes ou doenas, possivelmente fatais (ningum tem dvidas a respeito dos perigos provenientes do excesso de calor e exausto fsica dos trabalhadores), e na constante situao de risco a sade dos trabalhadores em virtude da despreocupao da r quanto adoo de poltica de segurana efetivamente preventiva. Conforme j explicitado, o labor em condies precrias e desconfortveis como verificado na documentao juntada possibilita a exposio dos obreiros aos riscos de acidentes, resultando no atendimento pelo Sistema nico de Sade, no afastamento perante os rgos Previdencirios, perda da capacidade laborativa, aumento de portadores de doenas ocupacionais e de sequelas decorrentes dos infortnios do labor. Em sntese, trata-se de leso continuada sade dos trabalhadores, a qual no pode passar ao largo da autoridade judiciria do trabalho. E, ademais, urge considerar que o MPT, basicamente, apenas postula a concesso de liminar para que a r d efetivo adimplemento sua prpria avaliao ergonmica, elaborada desde 2009, mas no implantada at a presente data. De nada vale a norma determinar a realizao de avaliaes, pautadas em critrios tcnicos, se empregador simplesmente desconsidera o seu contedo e suas recomendaes. Apenas esta omisso, na viso do MPT, j justifica a concesso da liminar. Quanto mais tempo persistir a inrcia e omisso da requerida em adotar as providncias necessrias, maiores sero as consequncias. E para que servir o provimento jurisdicional quando os trabalhadores j tiverem sido vtimas de acidentes do trabalho ou acometidos de doenas decorrentes da m condio ambiental laboral? No essa a finalidade da Justia. Impe-se estancar, de imediato, a conduta causadora de leses. Neste contexto, conclui-se que a concesso de liminar se faz mister para assegurar o completo respeito sade dos trabalhadores e a prpria efetividade do processo. Presentes, pois, o periculum in mora e o fumus boni juris, pressupostos indispensveis concesso da medida liminar. 40

Posto isso, requer o Ministrio Pblico do Trabalho, com fundamento no art. 12 da Lei n. 7.347/1985, liminarmente ou aps justificao prvia, a concesso de medida liminar para determinar que a r Tonon Bionergia S/A:1) Elabore a avaliao de risco da atividade de corte manual de cana-de-acar considerando o risco fsico calor e, de acordo com o resultado encontrado, preveja tecnicamente a adoo de medidas voltadas aclimatao, orientao, treinamento e preveno da sobrecarga trmica dos trabalhadores; 2) Monitore, durante toda a jornada de corte manual de cana-de-acar, a exposio ocupacional dos trabalhadores ao risco fsico calor, utilizando como padro os limites de exposio, em regime de trabalho intermitente com perodos de descanso no prprio local de prestao de servios, natureza pesada da atividade (trabalho fatigante), e adotando obrigatoriamente perodos de descanso e/ou a suspenso do servio sempre que ultrapassado o IBUTG 25,0, conforme critrios estabelecidos na NR15 (Norma Regulamentadora n. 15); 3) Considere os perodos de descanso e ou de suspenso do servio para preveno da exposio ocupacional ao calor e sobrecarga trmica, como tempo de servio para todos os efeitos legais, remunerando os trabalhadores que se ativam no corte manual de cana-de-acar com base na mdia da sua produo diria.

Requer, tambm, seja fixada multa diria de R$ 10.000,00 (dez mil reais), reversvel a Fundo que possibilite a adequada reparao dos bens lesados, na hiptese de descumprimento de cada uma das obrigaes de fazer acima referidas. Requer-se, ainda, a expedio de ofcio GRT de Bauru, a fim de que tome cincia dos termos da liminar e verifique constantemente o seu efetivo cumprimento.

V DO PEDIDOPelo exposto, requer o Parquet o acolhimento de todos os pedidos, tornando definitiva a liminar que vier a ser concedida, sendo a r TONON BIONERGIA S/A condenada nas obrigaes de fazer formuladas no item IV desta ao, bem como condenada ainda: ao a) no pagamento da quantia de R$ 2.000.000,00 (dois milhes de reais), a ttulo de reparao pelos danos causados aos direitos difusos e 41

coletivos dos trabalhadores no perodo anterior ao ajuizamento da ACP, corrigida monetariamente at o efetivo recolhimento em favor de Fundo que possibilite a adequada reparao dos bens lesados; b) No pagamento de indenizao, a contar da data do ajuizamento da ao, no importe de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) para cada perodo de 30 (trinta) dias em que no efetuado o monitoramento do calor na atividade de corte manual de cana e no concedidas pausas para descanso e recuperao na forma preconizada na presente ACP, corrigida monetariamente at o efetivo recolhimento em favor de Fundo que possibilite a efetiva reparao dos bens lesados. Finalmente, requer-se a citao da r para contestar a ao, querendo, sob pena de incidir nos efeitos prprios da decretao de revelia. Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito permitidos, sem exceo. D-se presente ao o valor de R$ 2.000.000,00 (dois milhes de reais). Termos em que, P. Deferimento. Bauru/SP, 23 de setembro de 2010.

Jos Fernando Ruiz Maturana Procurador do Trabalho

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GRAVO EGIMENTAL NTERPOSTO AGRAVO REGIMENTAL INTERPOSTO PELA PROCURADORIA GERAL DO TRABALHO EM FACE DE LIMINAR DEFERIDA EM PRESENTADA RECLAMAO CORRECIONAL APRESENTADA PERANTE O TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO

Rogrio Rodriguez Fernandez Filho(*)

TST-CorPar-58343-18.2010.5.00.0000 PROCESSO N. TST-CorPar-58343-18.2010.5.00.0000

DA TEMPESTIVIDADEO presente recurso tempestivo, eis que intimado este rgo ministerial em 1.10.2010 (sexta-feira), comeou a fluir o prazo recursal, em dobro (art. 188, do CPC) na segunda-feira seguinte (4.10.2010), com trmino no dia 19.10.2010. Breve histrico O Ministrio Pblico do Trabalho ajuizou, em conjunto com a Associao dos Trabalhadores Expostos a Substncias Qumicas ATESQ, a Associao de Combate aos Pops ACPO, e o Instituto (Baro de Mau) de Defesa de Vtimas e Consumidores contra Entes Poluidores e Maus Fornecedores, a Ao Civil Pblica n. 002200-28.2007.5.15.0126 em face das empresas Shell Brasil Ltda., ora Requerente, e Basf S/A., visando, dentre outras medidas, a condenao solidria das rs ao pagamento de indenizao por danos morais coletivos em razo da grave contaminao ambiental derivada da produo de praguicidas na fbrica instalada em(*) Subprocurador-Geral do Trabalho.

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Recanto dos Pssaros, Paulnia/SP, com reflexos nos moradores da regio e, tambm, nos trabalhadores e seus familiares, bem como nos prestadores de servios. Por sua vez, a ATESQ, j citada, e o Sindicato dos Trabalhadores nas Indstrias dos Ramos Qumicos, Farmacuticos, Plsticos, Abrasivos e Similares de Campinas e Regio apresentaram, tambm, a Ao Civil Publica n. 0068400-59.2008.5.15.0126, em face das mesmas empresas, requerendo, em suma, a justa reparao a cada um dos trabalhadores prejudicados pela conduta das rs. O MM. Juzo da 2 Vara do Trabalho de Paulnia/SP, prolatando sentena una nos processos, decidiu nos termos seguintes, verbis:1) apreciando o PROCESSO 0022200-28.2007.5.15.0126, em que so autores o MINISTRIO PBLICO DO TRABALHO PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 15 REGIO, ACPO ASSOCIAO DE COMBATE AOS POPS, INSTITUTO BARO DE MAU DE DEFESA DE VTIMAS E CONSUMIDORES CONTRA ENTES POLUIDORES E MAUS FORNECEDORES e ATESQ ASSOCIAO DOS TRABALHADORES EXPOSTOS A SUBSTNCIAS QUMICAS e rs SHELL BRASIL LTDA. e BASF S/A.: (...) b) julgar a ao parcialmente procedente, para condenar as demandadas, solidariamente: b.1. ao pagamento da indenizao por dano moral coletivo reversvel ao Fundo de Amparo do Trabalhador, no valor de R$ 622.200.000,00, com juros e correo monetria computados a partir da propositura desta ao (valor que importa, na data de prolao desta sentena, em R$ 761.339.139,37); b.2. a custear previamente as despesas com assistncia mdica, por meio de entidades hospitalares, clnicas especializadas e consultrios mdicos, psicolgicos, nutricionais, fisioteraputicos e teraputicos da cidade de So Paulo e da Regio Metropolitana de Campinas, para atendimento mdico, nutricional, psicolgico, fisioteraputico e teraputico, alm de internaes, aos ex-trabalhadores, empregados da Shell Brasil S/A, da Basf S/A ou das empresas por elas contratadas, prestadores de servios autnomos e dos filhos desses obreiros nascidos no curso ou aps tais contrataes, consoante suas necessidades, devendo os beneficirios se habilitar no prazo de 90 (noventa) dias, contados de 30.8.2010, sob pena de precluso, na pgina da rede mundial de computadores do Ministrio Pblico do Trabalho, deciso a ser cumprida de imediato, independentemente do trnsito em julgado; b.3. a constituir, s suas expensas, comit gestor do pagamento indicado no item b.2, que esteja em funcionamento e conferindo o direito at 30.9.2010, sob pena de paga-mento, cada qual das rs, de multa diria ora fixada em R$ 100.000,00, deciso a ser cumprida de imediato, independentemente do trnsito em julgado; b.4. a conferirem ampla divulgao notcia, entre 19h00 e 21h00 horas, nas TVs de maior audincia, a saber, Globo e Record, em duas oportunidades, observado o interregno de dois dias, com a finalidade de que sejam os beneficirios concitados a se habilitar, devendo a primeira divulgao ocorrer,

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no mais tardar, 5 dias aps o proferimento desta sentena, sob pena de multa diria ora fixada em R$ 100.000,00 para cada uma das rs, deciso a ser cumprida de imediato, independentemente do trnsito em julgado; b.5. a pagarem R$ 64.500,00 a cada trabalhador e a cada dependente nascido no curso da prestao dos servios ou em perodo posterior, indenizao substitutiva da obrigao de fazer, e que se refere ao perodo compreendido entre a data da propositura da presente ao at 30.9.2010. Este valor ser acrescido de juros e correo monetria a partir do proferimento desta sentena e de mais R$ 1.500,00 por ms, caso no promovido o reembolso mensal das despesas nos meses vindouros e, finalmente, b.6. determinar que a Basf divulgue, nos dois domingos posteriores ao proferimento desta sentena, o comunicado inserido na ltima audincia realizada, devidamente adaptado sua situao e aos termos da presente sentena, nos mesmos peridicos l indicados, concitando os trabalhadores a se habilitarem ao recebimento dos direitos ora deferidos, sob pena de pagamento de multa diria ora fixada em R$ 100.000,00 por dia de atraso, deciso a ser cumprida de imediato, independentemente do trnsito em julgado. 2) Apreciando os pedidos realizados nos autos do Processo 0068400-59.2008.5.15.0126, em que so autores a ATESQ Associao dos Trabalhadores Expostos Substncias Qumicas e o Sindicato dos Trabalhadores nas Indstrias dos Ramos Qumicos, Farmacuticos, Plsticos, Abrasivos e Similares de Campinas e Regio e rs as empresas Shell Brasil Ltda. e Basf S/A., julgo-os procedentes, em parte, e defiro a cada um dos trabalhadores (ou a seus sucessores) que, como empregados, prestadores de servios ou autnomos se ativaram para as demandadas, reparao do dano moral ora arbitrada em R$ 20.000,00 por ano trabalhado, ou frao superior a seis meses, valor que ser corrigido e acrescido de juros de mora a partir da data do proferimento desta sentena. As verbas deferidas tm, nas duas aes, natureza indenizatria e sobre elas no incidem contribuies fiscais ou previdencirias. (sem negrito no original)

Inconformada, a Shell Brasil Ltda., ora requerente, interps recurso ordinrio contra a r. deciso de 1 Grau e, ato contnuo, ajuizou ao cautelar, n. 0013200-86-2010.5.15.0000, com pedido de liminar, inaudita altera parte, para atribuir efeito suspensivo ao referido apelo, at seu julgamento pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15 Regio, sustentando, em sntese, que o alto valor exequendo causaria gravssimo abalo sade financeira da empresa. A medida liminar restou indeferida, havendo a ora requerente formulado pedido de reconsiderao ou seu recebimento como agravo regimental, para julgamento pelo rgo colegiado competente , pedido ainda no apreciado pelo ilustre Relator de origem. Da a presente reclamao correicional, com pedido liminar, postulando seja conferida tutela jurdica de resultado prtico equivalente ao da liminar 45

requerida na ao cautelar, de modo a atribuir efeito suspensivo ao recurso ordinrio interposto contra a sentena proferida nos processos ns. 002220028-2007-5.15.0126 e 0068400-59.2008.5.15.0126, at o julgamento final do recurso ordinrio. A liminar foi deferida pelo Exmo. Ministro Corregedor-Geral, consignando o r. despacho, ora impugnado, verbatim:A Reclamao Correicional, na forma do que dispe o art. 13 do Regimento Interno da Corregedoria-Geral da Justia do Trabalho, cabvel para corrigir erros, abusos e atos contrrios boa ordem processual e que importem em atentado a frmulas legais de processo, quando para o caso no haja recurso ou outro meio processual especfico. O 1 do referido preceito regimental, por sua vez, dispe que, em situao extrema ou excepcional, poder o Corregedor-Geral adotar as medidas necessrias a impedir leso de difcil reparao, para assegurar, dessa forma, eventual resultado til do processo, at que ocorra o exame da matria pelo rgo jurisdicional competente. No caso dos autos, configura-se o justificado receio de leso de difcil reparao, porque a discusso no processo, entre tantas outras controvrsias, envolve dano moral coletivo, cujo cabimento controvertido nos Tribunais, havendo necessidade, portanto, de que esse aspecto relevante da causa seja apreciado, antes que a sentena produza efeitos, trazendo danos irreversveis parte, na hiptese de um eventual resultado favorvel, quando do julgamento do processo. Assim, considerando que no dia 30.9.2010 expirar o prazo cominado na sentena para cumprimento da obrigao de constituio do Comit, bem como as alegaes da Requerente de que no pedido de reconsiderao/agravo regimental exps o risco de consumao de dano econmico, de propores nefastas, que pode levar ao comprometimento de suas atividades no Pas, e no intuito de impedir leso de difcil reparao e assegurar o resultado til do processo, julgo conveniente, ad cautelam, conceder a liminar requerida na petio inicial para sustar o cumprimento da antecipao de tutela concedida na Sentena at o julgamento da Medida Cautelar n. 0013200-86-2010.5.15.0000 pela 2 Seo de Dissdios Individuais do Tribunal Regional do Trabalho da 15 Regio.

DIREITO DO DIREITOIntroduo O parquet trabalhista esteve tentado, com o objetivo de resguardar o prestgio da Justia do Trabalho, junto a qual exerce funo essencial (Ttulo IV, Captulo IV), requerer que fossem riscadas as inmeras expresses aviltantes utilizadas no pedido de reclamao correicional e incompatveis com a linguagem de estilo forense. 46

Advertido, porm, que indigitadas expresses, se somadas s muitas repeties, que so naturalmente desprezadas no ato de conhecimento, uma vez riscadas, desidratariam significativamente o arrazoado, resolveu no objet-las, indicando to somente o tpico em que se encontra. Do cabimento do agravo regimental Estabelece o art. 21, da Corregedoria Geral do Tribunal Superior do Trabalho, que das decises proferidas pelo Corregedor-Geral caber agravo Regimental para o Tribunal Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, ou para o rgo que o substituir, conforme o caso. E assim dispe porque, para a conduo tulmuturia do processo, no existe nenhuma figura tpica de recurso. Para sua correo oferecido o remdio da Reclamao Correicional, corretivo do tumulto mediante atuao administrativa do juiz investido no cargo ou na funo de Corregedor, geral ou regional, conforme o caso. No raro, porm, que a Correo de atos tumulturios alcance decises interlocutrias que a Corregedoria modificar ou desfar. Quando isso ocorrer, o ato simplesmente administrativo do Juiz Corregedor se distende de modo a produzir resultado recursal. (PINTO, Jos Augusto Rodrigues. Manual dos recursos nos dissdios do trabalho. So Paulo: LTr, 2006. p. 78/79.) Acrescentando o renomado jurista que, considerada sua natureza, mesclada com traos prprios dos recursos, nada mais certo do que tal remdio, capaz de atingir, obliquamente, resultado privativo do recurso, ganhe uma classe especfica, no processo do trabalho, sob denominao de recurso trabalhista imprprio (ibidem, p. 79). Do no cabimento da reclamao correicional Atento ao magistrio citado e pertencendo a correio parcial classe dos recursos imprprios, o nico ponto que viabilizaria sua admissibilidade seria se viesse a ser reconhecida a alegao da requerente de limbo judicante (12), ou denegao de justia (idem), ainda assim com o inconveniente de que o Judicirio viesse a admitir que a Shell do Brasil, por inferncia prpria e vazia (82) de legitimidade e legalidade, em completo despropsito, e por conseguinte, manifesta insubsistncia (22), tenha atribuio para avaliar e decidir se justificvel ou injustificvel (8) o conflito negativo de competncia (idem). Como contraposio afirmao da requerente que passadas quase trs semanas desde a formulao do pedido de reconsiderao, o eminente 47

relator da ao cautelar no apreciou a petio, e nem recebeu como agravo regimental para lev-la em mesa de julgamento do rgo Colegiado. No fez absolutamente nada, basta singelo olhar para a cronologia destacada nas informaes prestadas pelo requerido, Desembargador Federal Dagoberto Nishina de Azevedo, com a impressionante marca de quatro decises e dois despachos ordinatrios, por cinco distintos Desembargadores em seis (6) dias (distribudo o pedido de correio parcial no dia 26 de agosto prximo passado, entre os dias 27 e 1 de setembro, ltima deciso de indeferimento das medidas liminares requeridas). Como se pode averiguar, o tempo pesa contra ela a requerente , quando afirma que tudo isso agravado pela inrcia, e mesmo pela denegao de justia, por parte do e. Tribunal Regional do Trabalho. No , porm, s o tempo que pesa contra a requerente, tambm lhe desfavorvel a prpria materialidade, j que fisicamente impossvel considerar-se demora do magistrado reclamado em relao apreciao do pedido de reconsiderao (98) quando em apreciao, a partir do informado, que, ad litteris:No dia 21.9.2010, recebi petio da Requerente, encaminhada pela funcionria do rgo Especial, Angela Maria Pinheiro da Silveira, com informao de que os autos estavam na Procuradoria Regional do Trabalho (fl. 1.651); por este motivo (ausncia dos autos), e por ser um caso complexo, despachei no sentido que os autos retornassem, aps a manifestao do Procurador Regional, como decidido pelo Desembargador Lourival a fl. 1.633 (rosto e verso), tambm considerando que sua Excelncia havia determinado que eu apreciasse, unicamente, o pedido liminar.

No seria suprfluo acrescentar (1) que o parecer do Ministrio Pblico foi exarado rigorosamente dentro dos oito (8) dias que lhe so reservados pelo art. 5, da Lei n. 5.584/1970; (2) que o interregno de tramitao do processo foi protrado por dez (10) dias em razo de erro da Requerente, consoante expresso nas informaes prestadas; e (3) de modo igual, extrai-se das informaes que o advogado da empresa, entre os dias 3 e 10 de setembro, fez carga dos autos, portanto, por oito (8) dias, devolvendo-os sem petio; (4) mesmo sem os autos o Insigne Relator Dagoberto Nishina exarou despacho no dia 28.9. De modo que, patentemente inexistindo omisso judicante, com traos de lenincia, ou, em outras palavras, sendo inconcebvel (60) imputar omisso judicante produzida pelo eminente desembargador relator da ao cautelar (idem), nica hiptese que poderia caracterizar situao extrema ou excepcional, no cabvel a reclamao correicional na presente hiptese 48

consoante os limites traados no art. 13, 1, do Regimento Interno da Corregedoria-Geral da Justia do Trabalho. Do pressuposto geral de admissibilidade da reclamao correicional A leitura atenta do requerimento convence, inelutavelmente que, aos requerente, olhos da requerente a medida cautelar, criada originalmente para atender situaes urgentes e para resguardar provimento postulado em outro processo, presta-se no como instrumento para garantir o exame da sua pretenso cautelar, mas a sua certa, plena e imediata satisfao, eis que, segundo sua sibilina (9) expresso, a providncia era impositiva (25), ou o indeferimento da liminar um despropsito (47). Um cenrio de irracionalidade e destempero (13), apresenta-se de forma extraordinria, extrema e excepcional (14) quando a requerente admite esquecida da distino doutrinria entre ato comissivo e ato omissivo(1) que no h, portanto, propriamente, um ato impugnado (15), hiptese que, se fosse verdadeira a imputao do carter emulativo, rixoso e vingativo (iii) feita atuao, at o momento, do Judicirio Trabalhista, levaria a extino da providncia ora requerida por falta de interesse processual (inciso IV, art. 267, CPC). Outra conduta revela o desalinho e subverso da ordem jurdica e processual (11) por parte da requerente, que sua pretenso de, uma vez instaurado o conflito de competncia (art. 115, CPC) quanto apreciao da medida cautelar, que, registre-se, nunca poderia ser suscitado pelo parquet trabalhista, que apenas poderia arguir incompetncia, suprimir deste sua obrigatria oitiva (art. 116, pargrafo nico, CPC). Confira-se a pretenso: Isso porque, na ltima sexta-feira, dia 24.9.2010, a requerente tomou cincia de despacho prolatado pelo Desembargador Relator da ao cautelar, proferido na vspera, informando que aguardar o retorno dos autos, com remessa para o Ministrio Pblico do Trabalho, para promoo. Mas a hiptese no permite, nem comporta, d. m. v., qualquer espera. Est-se diante, pois, de algo jamais visto (6), que se concretiza de forma dplice e manifesta (11), primeiro na pretenso da requerente primeiro, de que, eliminando-se a oitiva do Ministrio Pblico prevista no Cdigo de Processo Civil, se pratique ato atentatrio boa ordem processual, justamente um dos pressupostos da correio parcial ou reclamao(1) MEIRELES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. So Paulo: Malheiros, 2007. p. 114.

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(GOUVA, Ligia Maria Teixeira. A experincia corregedora e a problemtica da delimitao da correio parcial. Revista LTr, ano 64, p. 1/22, jan. 2000), segundo, segundo que tal supresso, capaz de tumultuar a marcha normal do processo, venha a ser perfilhada por ningum menos do que o rgo mximo que tem o dever de afast-la: a prpria Corregedoria-Geral da Justia do Trabalho rabalho. Com o mesmo aberrante fundamento (105), fazendo tabula rasa da lei processual indicada, reafirma que o Relator da Medida Cautelar determinou simplesmente, como se a hiptese no fosse de urgncia, o retorno dos autos concluso, aps o parecer do Ministrio Pblico no conflito negativo de competncia(39). Do requisito de plausibilidade do direito invocado A deciso monocrtica enfatizou que, entre tantas outras controvrsias, envolve dano moral coletivo, cujo cabimento controvertido nos Tribunais, havendo necessidade, portanto, de que esse aspecto relevante da causa seja apreciado, antes que a sentena produza efeitos (...). Diferentemente do culto Corregedor-Geral da Justia do Trabalho prolator da concesso da liminar, que cautelosamente reconhece que o cabimento do dano moral coletivo controvertido nos Tribunais, a requerente chega a uma exegese desabrida (90) quando afirma peremptoriamente que o dano moral coletivo figura anmala e aberrante, fruto de construes de laboratrios artificiais, que agridem o senso jurdico mdio (64). Abandonando a serenidade e o caminho da boa tcnica (58), a requerente chega a ponto de arrastar na sua desbaratada hermenutica (108) o jurista Yussef Said Cahali, que nem em devaneio (iii) imagina que sua lio doutrinria foi manipulada de forma absurda (10), para que se permitisse acreditar ser ele um opositor, quanto ao dano moral coletivo, do seu prprio pensamento (65), que assim, na realidade, se expressa, verbo pro verbo:8.8 A coletividade como sujeito passivo do dano moral. Esvaindo-se paulatinamente o dano moral, na sua verso mais atualizada, de seus contingentes exclusivamente subjetivos de dor, sofrimento, angstia, para projetar objetivamente os seus efeitos de modo a compreender tambm as leses honorabilid