Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE ARTES E COMUNICAÇÃO SOCIAL DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL PEDRO EMANUEL MAIA AMOR MERCANTIL: O RELACIONAMENTO ENTRE MARCAS E SEUS FÃS Niterói/RJ 2014

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As novas possibilidades de interação trazidas pela Web 2.0 dão ao seu usuário uma série de capacidades, reconfigurando os papéis na relação entre consumidor e marca. Nesse novo cenário, as empresas precisam buscar, dentre seus consumidores, embaixadores dispostos a divulgar seu discurso. Apontamos, então, o fã de marca como representante ideal para esta função, que se mostra cada vez mais imprescindível. A partir disto, este projeto busca delimitar o fã como fenômeno sociocultural e estudar suas principais características e a utilidade delas para as marcas, de onde levantaremos os principais benefícios, demandas e riscos envolvendo esse tipo de relacionamento. O trabalho ainda conta com a análise do case Potterish.com, produto completamente administrado por fãs que se mostrou importante ferramenta na divulgação da marca Harry Potter no Brasil.

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE ARTES E COMUNICAÇÃO SOCIAL

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

PEDRO EMANUEL MAIA

AMOR MERCANTIL: O RELACIONAMENTO ENTRE MARCAS E SEUS FÃS

Niterói/RJ

2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE ARTES E COMUNICAÇÃO SOCIAL

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

PEDRO EMANUEL MAIA

AMOR MERCANTIL: O RELACIONAMENTO ENTRE MARCAS E SEUS FÃS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso

de Comunicação Social com habilitação em Publicidade

e Propaganda, como requisito parcial para obtenção do

Grau de Bacharel, sob a orientação da Prof.ª Drª.

Danielle Ramos Brasiliense.

Niterói/RJ

2014

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MAIA, Pedro Emanuel.

AMOR MERCANTIL: O RELACIONAMENTO ENTRE

MARCAS E SEUS FÃS. Pedro Emanuel Maia. Niterói, 2014.

82 p. ilust.

Trabalho de Conclusão de Curso, Comunicação Social com habilitação

em Publicidade e Propaganda – IACS - Universidade Federal

Fluminense. Niterói /RJ, 2014.

1 Fãs. 2 Branding. 3 Relacionamento de marca.

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PEDRO EMANUEL MAIA

AMOR MERCANTIL: O RELACIONAMENTO ENTRE MARCAS E SEUS FÃS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso

de Comunicação Social com habilitação em Publicidade

e Propaganda, como requisito parcial para obtenção do

Grau de Bacharel, sob a orientação da Prof.ª Drª.

Danielle Ramos Brasiliense.

Aprovado em ____ de junho de 2014.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________

Profª Drª Danielle Ramos Brasiliense (Orientadora)

Universidade Federal Fluminense

__________________________________________________

Profª Drª Geisa Rodrigues Leite

Universidade Federal Fluminense

__________________________________________________

Profª Drª Mayka Juliana Castellano Reis

Universidade Federal do Rio de Janeiro

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DEDICATÓRIA

À minha mãe, dona Rosa, em primeiro lugar e

acima de tudo. Saboreie minhas conquistas como

se fossem mérito seu, pois são.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais e à minha família, por todo amor e por terem me mostrado desde sempre o

valor das palavras – essas que hoje são minhas amigas mais íntimas.

Aos meus amigos, sem os quais eu não seria ninguém, por serem os responsáveis pelos

melhores momentos da minha vida. Em especial, aos meus amigos da UFF, a paciência e o

amor de vocês ajudaram a dar vida a este trabalho. Dividir estes quatro anos e meio de

aprendizado e diversão tem sido uma das maiores honras que já tive.

Ao Igor, ao Thalis e ao Victor, por me fazerem sentir um exemplo de algo bom. Espero que

possam segui-lo.

À minha orientadora, Dani, que comprou minha ideia e me pôs no caminho certo para colocá-

la em prática.

Aos mestres e chefes que tive e que tenho, por me levarem “from crayons to perfume”. Vocês

ajudaram a construir o profissional que me tornei e a desenvolver o pensamento crítico que

me foi essencial na construção deste projeto.

Ao Potterish e, principalmente, aos amigos que lá fiz, por serem a inspiração deste trabalho e

por me mostrarem que não há absolutamente nada de errado em amar algo que não pode nos

ver. Como já lhes disse uma vez, “estaremos sempre juntos, meus andarilhos da magia”.

Por fim, a qualquer pessoa que consiga entender porque escolhi dividir meus agradecimentos

em sete pedaços. After all this time, always.

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RESUMO

As novas possibilidades de interação trazidas pela Web 2.0 dão ao seu usuário uma

série de capacidades, reconfigurando os papéis na relação entre consumidor e marca. Nesse

novo cenário, as empresas precisam buscar, dentre seus consumidores, embaixadores

dispostos a divulgar seu discurso. Apontamos, então, o fã de marca como representante ideal

para esta função, que se mostra cada vez mais imprescindível. A partir disto, este projeto

busca delimitar o fã como fenômeno sociocultural e estudar suas principais características e a

utilidade delas para as marcas, de onde levantaremos os principais benefícios, demandas e

riscos envolvendo esse tipo de relacionamento. O trabalho ainda conta com a análise do case

Potterish.com, produto completamente administrado por fãs que se mostrou importante

ferramenta na divulgação da marca Harry Potter no Brasil.

Palavras-chave: Fãs, branding, relacionamento de marca.

ABSTRACT

Web 2.0 brings new interaction possibilities that empower its user with a whole new

group of capacities, redesigning the roles in the relationship between consumers and brands.

In this new scenario, companies must find, within its consumers, ambassadors willing to

broadcast its speech. We indicate, then, the brand fan as the ideal agent for this indispensable

task. Later on, this project will define the fan as a social and cultural phenomenon, and also

study its main characteristics and their use for the brands, in which we will find the benefits,

demands and risks involving this kind of relation. This work also carries an analysis of the

Potterish.com case, a completely fan-administrated website that has proven itself as a very

important tool in Harry Potter brand propagation in Brazil.

Key words: Fans, branding, brand relationship.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO.....................................................................................................................9

2. O NOVO PAPEL DO CONSUMIDOR............................................................................13

2.1 A reviravolta chamada Web 2.0........................................................................13

2.2 O Y da questão..................................................................................................14

2.3 Trust me, I'm a Doctor!.....................................................................................16

2.4 Uma porção de amor e a conta..........................................................................17

3. O FÃ CONSUMIDOR........................................................................................................21

3.1 Diagnóstico: fã...................................................................................................21

3.2 Star Trek ou Google?.........................................................................................23

3.3 Sigam-me os bons..............................................................................................26

4. O RELACIONAMENTO: BENEFÍCIOS, DEMANDAS E RISCOS...........................29

4.1 A praça virtual dos três poderes: promover, responder e expandir...................29

4.2 O amo que ama: os três desejos dos fãs............................................................37

4.3 O lado B: riscos e principais problemas no relacionamento com o fã

..................consumidor........................................................................................................43

5. CASE: POTTERISH.COM................................................................................................46

5.1 A cicatriz mais famosa do mundo: a marca Harry Potter..................................47

5.2 Os fãs que são ídolos – Potterish.com...............................................................49

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................56

7. REFERÊNCIAS..................................................................................................................59

8. APÊNDICES........................................................................................................................65

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LISTA DE IMAGENS

Figura 1 - Barras de chocolate Lollo.........................................................................................24

Figura 2 - Esquema Marca/Público...........................................................................................30

Figura 3 - Esquema Fã/Público.................................................................................................30

Figura 4 - Selo CUBE...............................................................................................................34

Figura 5 - Pedidos de casamento à Taco Bell...........................................................................39

Figura 6 - Mensagem de boas vindas do Pottermore................................................................41

Figura 7 - Área dos fãs So Delicious........................................................................................42

Figura 8 - Homepage do Potterish............................................................................................50

Figura 9 - Selo FanSite Award.................................................................................................52

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1. INTRODUÇÃO

Henry Jenkins inicia seu livro Fans, Bloggers and Gamers da seguinte forma: “Olá.

Meu nome é Henry. Eu sou um fã” (Jenkins, 2006, p. 1, tradução nossa). E a partir daí, isso se

torna tudo que o leitor precisa saber para compreender minimamente – mesmo que através de

relativização – todo o conteúdo apresentado em seguida. Esta parece uma excelente forma de

iniciar um trabalho que também falará sobre fãs e, curiosamente – ou não – também foi

escrito por um deles.

A ideia que deu luz a este trabalho surgiu de uma experiência pessoal – apesar de ter

sido originada num insight tardio. Com mais de um ano de atraso, na verdade. Fui, durante

dois anos, tradutor voluntário da equipe do site Potterish.com, sobre o qual descobriremos

mais algumas páginas para frente. Durante esse tempo, tudo que me importava era a

felicidade de emprestar um pouco do meu conhecimento para ela que tanto havia me dado em

anos de relacionamento intenso. Ela, no caso, uma marca.

Foi depois de terminar meu período no Ish, quando as correias da vida profissional já

puxavam meu tempo livre por todos os lados, que percebi no que aquilo tudo consistia. Eu,

em plena – ou quase plena, como veremos adiante – consciência disponibilizava meu tempo e

meus serviços para ajudar na divulgação da marca Harry Potter no Brasil. Com um pouco

mais de pesquisa e um olhar ligeiramente mais apurado, comecei a perceber que esse padrão

se repetia não apenas na indústria do entretenimento, como cogitei a princípio, mas poderia

alcançar marcas de quaisquer setores. Feito, tinha em mãos um tema.

Não foi preciso pesquisar mais a fundo para encontrar uma questão central, depois

disso. Pelo fato de haver pouca – pouquíssima – literatura realmente focada nesse assunto

enveredei-me pelos cases e artigos técnicos na internet, e a maioria desses, quando entravam

nessa discussão, não passavam dos primeiros argumentos e das incontáveis listas de “como

tratar propriamente o seu fã consumidor”. Por alguns momentos acreditei que a ausência de

diretrizes sobre o material que queria pesquisar seria um problema para mim – na

configuração de obstáculo que essa palavra às vezes pode tomar. Não tardei a perceber,

entretanto, que a falta de pesquisas acerca do fã consumidor seriam, sim, meu problema: o

problema a ser trabalhado por minha pesquisa.

A contextualização do tema levou ao material que encontramos no capítulo 1. Uma

série de fatores históricos, sociais e tecnológicos trouxe a sociedade contemporânea à Web 2.0

e, dela, à interatividade infinita entre indivíduos. A partir daí, vamos analisar essa

interatividade e como ela interage com a questão da Geração Y, grupo demográfico de maior

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expressão nos tempos atuais. Essas questões nos trazem, então, para a primeira grande

premissa deste trabalho: os consumidores deixaram de acreditar em propaganda – ou ao

menos com a mesma intensidade de antes.

Esse cenário é que logo nos traz ao novo desafio das empresas que vai abrir portas

para a introdução do nosso objeto de estudo. Partindo da crescente descrença dos

consumidores em seus discursos – e de sua nova crença uns nos outros – as marcas precisam

conquistar pessoas que façam o que elas já não podem fazer com tanta credibilidade:

divulguem seus produtos e serviços. É aí que entra o fã. Devoto e apaixonado, o fanático teria

a capacidade de defender e promover a marca em seu coração, bem como de conversar

diretamente com ela e oferecê-la feedback genuíno.

Dito isso, partimos ao capítulo 2, cuja proposta é analisar o fenômeno fã e delimitar o

conceito a ser utilizado no decorrer do trabalho. Entendidos por muito tempo pela psicologia

como anormais, ou desprovidos de discernimento dada a sua obcessão, o fã ou fanático

demorou a ser percebido como uma realidade cultural completamente cotidiana. Um dos

primeiros pesquisadores a levantar esse outro panorama é Jenkins, cuja definição de fã será

crucial para toda a pesquisa.

Contudo, a abordagem mais corriqueira encontrada nos levantamentos de fã como

fenômeno cultural mostra um indivíduo cujos únicos objetos de fanatismo possíveis são

provenientes da indústria da cultura e do entretenimento. Para quebrar este paradigma

levantaremos semelhanças entre o fanatismo e o relacionamento entre consumidor e marca de

produtos ou serviços de quaisquer categorias de mono a provar que o fã, quando inserido na

lógica do consumo pode – e irá – se fidelizar a marcas com igual entusiasmo oferecido a uma

banda, ou a uma série, por exemplo.

Antes de prosseguirmos ao capítulo seguinte faremos mais uma delimitação que se

mostrou extremamente importante no percurso da pesquisa: o termo fã foi apropriado de

maneira quase que leviana pelo Facebook e outras redes sociais, tornando-o banal na

concepção de muitos. Proporemos então uma divisão entre os fãs dos quais estamos tratando e

o “facebook fan”, para evitar possíveis confusões de sentido.

Já no capítulo 3 poderemos conversar mais diretamente com a pergunta norte do

trabalho. Com base em casos de sucesso e literatura acerca de questões como motivação,

participação e cultura colaborativa, levantaremos os principais benefícios de se engajar o fã de

marca, suas principais demandas e os mais recorrentes riscos deste contato.

Para melhor estruturação do conteúdo, os benefícios serão divididos em três. O

primeiro, a promoção, fala sobre a capacidade inerente aos fãs de dialogar diretamente com

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outros consumidores com maior credibilidade, característica negada às marcas que, ao expor

sua mensagem a impregnam automaticamente com seus propósitos mercadológicos. Esse

primeiro item também aborda a disponibilidade dos fãs de falar sobre as marcas em seus

corações, por vontade própria, livre de custos e, principalmente, de maneira genuína.

O segundo benefício, a resposta, envolve não somente a participação como o vínculo

emocional criado entre fã e marca. Fãs estão dispostos a dar feedbacks a suas marcas e,

quando estimulados a fazê-lo, tendem a realizar essa tarefa com ainda mais boa vontade. Um

dos cases exibidos nos ajudará a comprovar que, uma vez que a marca esteja disposta a

escutar, a capacidade dos fãs de ajudá-las a melhorar, pura e simplesmente por devoção, é

fácil de ser encontrada.

Por último mencionaremos a expansão, ou a capacidade do fã de estender ao bel

prazer o universo de sua marca favorita, fazendo uso daquilo que chamamos de “conteúdo

gerado por usuários”, ou User Generated Content (UGC) em inglês. Aglomerados em

comunidade os fãs se tornam capazes de criar sobre a marca, para si e para outros

consumidores. Apesar de arriscado, pode se mostrar uma das formas mais ricas de aproveitar

a disponibilidade do fã para diversos fins, como veremos exemplificados através de três

exemplos reais.

Partindo dos benefícios, a proposta seguinte é levantar as três principais demandas do

fã consumidor que, apesar de se dedicar motivado por sua paixão, pode ser estimulado para

que faça cada vez mais e melhor. A primeira delas é a participação, que está intimamente

ligada ao conceito de pertencimento. É de agrado do fã se sentir parte de algo maior, e cabe às

marcas fazer com que ele sinta que sua contribuição compõe uma engrenagem importante na

construção do valor de marca.

Logo em seguida temos a exclusividade, que provavelmente é a mais aplicada –

mesmo que sem embasamento teórico – pelas marcas que já podemos encontrar num estágio

mais avançado de relacionamento com seus fãs. Oferecer a eles algo a mais do que o público

médio terá acesso faz com que se sintam especiais, o que remete diretamente ao paradigma do

Fã Número 1, estudado no capítulo.

Por último teremos o reconhecimento, que certamente é o desejo mais simples e mais

importante dos fãs. Quando chegarmos neste ponto já estará claro que o fã muito pode fazer

pela marca. Parece uma resposta óbvia esperar que as empresas agradeçam, das mais diversas

formas que puderem encontrar, de modo a criar uma espécie de retroalimentação onde o

agradecimento da marca leva o fã a entregar mais, ao que ela deverá agradecer

posteriormente.

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Ao vislumbrarmos os potenciais problemas do relacionamento com o consumidor,

tópico que encerra o capítulo, analisaremos a linha ligeiramente apocalíptica que rechaça

qualquer tipo de conteúdo gerado por consumidor. Discutiremos também o risco recorrente de

que o empoderamento dos fãs por parte das empresas ultrapasse certo limite indefinido,

fazendo com que um terceiro – mesmo que seja um terceiro próximo – tenha nas mãos

autoridade demais para falar em nome da marca.

Tendo em vista todo o conteúdo levantado, dedicaremos o quarto e último capítulo a

análise do case Potterish.com, material criado por fãs que tem mostrado resposta positiva a

um bem sucedido relacionamento entre marca e fã consumidor. O principal objetivo dessa

análise é utilizar as características e experiências do Potterish e sua equipe – representadas

aqui por três fãs entrevistados – para corroborar as questões defendidas ao longo de todo o

trabalho.

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2. O NOVO PAPEL DO CONSUMIDOR

2.1 A reviravolta chamada Web 2.0

Dizem por aí que a união faz a força. A premissa de que diferentes esforços

combinados podem levar a um objetivo maior e ao fortalecimento dos menores vem sendo

metaforizada das mais diversas maneiras e ensinada a crianças do mundo todo desde,

provavelmente, sempre.

No mundo da fantasia, das histórias infantis e das lendas carregadas de moral, é

comum encontrarmos a figura de um grande e poderoso indivíduo que, por ser maior e mais

forte que cada um dos outros seres, individualmente, subjuga-os e exerce seu controle sobre

eles, como um grupo. Por outro lado, também é comum que essas mesmas histórias

caminhem para determinado fim: as pequenas criaturas percebem que – apesar de isolados

serem mais fracos – unindo suas diferentes características e experiências podem se igualar ao

poder do opressor, quebrando a ordem de grandeza que os mantinha vulneráveis.

Podemos perceber um paralelo claro quando aplicamos essa trama à história da

publicidade. Como se sabe, a Revolução Industrial do século XVIII foi a grande responsável

pelo aumento na diversidade de produtos oferecidos no mercado e, consequentemente, pelo

desenvolvimento do marketing e da gestão de marcas. Deste ponto da história em diante, até o

início do século XXI, o diálogo estabelecido entre marca e consumidor era claramente

unilateral, ou one-to-many1. Nessa comparação, então, as marcas funcionariam como o

indivíduo opressor, sua autoridade aqui realçada pela necessidade de consumo. O consumidor,

por sua vez, portador e refém dessa necessidade, representaria a pequena criatura subjugada.

A reviravolta nesta trama é tão clara quanto a definição dos papéis. No início da

primeira década deste século ouvimos falar, pela primeira vez, sobre a Web 2.0. Criado e

patenteado em 2004 pelo empresário Tim O’Reilly, o termo não se refere a uma evolução nas

ferramentas de acesso à internet, mas à sua modalidade de uso:

As tecnologias da segunda geração da internet já existiam desde a década de

90. Mas foi a partir da expansão da banda larga e da criação de programas para facilitar a produção do conteúdo da rede que surgiram os sites marcados

por colaboração, formação de comunidades e compartilhamento de

informações. (SEGALLA, RIBEIRO e BARIFOUSE, 2007)

1 De acordo com Hoffman e Novak (1995), o processo de comunicação one-to-many é dado da seguinte forma: a

empresa produz conteúdo e o transmite, através do meio, para seus consumidores. Além disso, afirmam que "o

modelo não apresenta interação entre consumidores e empresas". Componentes como ruídos na comunicação

também não são levados em conta.

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Para Tapscott e Williams (2007), a colaboração teria o poder de mudar a forma como a

sociedade manipula o conhecimento, e essa é, em sua concepção, a chave desta inversão de

poderes: o ponto em que os indivíduos, antes passivos, se tornam agentes da informação.

A Web 2.0 dá voz a cada um de seus usuários, e acima de tudo, quebra uma série de

barreiras que antes os mantinham separados. Juntos, os consumidores da “nova internet”

tomam as rédeas da situação e se colocam em pé de igualdade com a indústria e a mídia, par

que, até então, era o único detentor da capacidade real de expressão. Segalla, Ribeiro e

Barifouse pontuam, em seu artigo, que – antes desse novo cenário – “tudo que se sabia sobre

uma marca emanava da empresa que a detinha” (2007). Agora, dotados de redes sociais,

plataformas wiki, grupos de discussão e uma série de outras ferramentas, os indivíduos online

trazem a tona o modelo many-to-many2, transformando-se em uma espécie de sociedade civil

organizada. Com todas essas novas armas, tornam-se uma voz que, hoje, é mais ativa e

influente nos meios do que as empresas provavelmente imaginavam que poderia ser.

2.2 O Y da questão

O aprimoramento das ferramentas acima discutidas permite o desdobramento de todo

um novo cenário, mas não é o único ponto nesta teia de causas e efeitos. Além da nova

interatividade e da mudança na relação hierárquica de consumo acima mencionadas, há outro

fator social que contribui para a composição da realidade discutida nesse trabalho: o “boom”

da Geração Y.

De acordo com relatório publicado pelo Social Chorus (2013), os Millennials – como

também são chamados esses indivíduos tão amplamente estudados por pesquisadores de

mercado, comunicação e consumo – encontram-se hoje na faixa etária de 14 a 34 anos3 e,

portanto, carregam uma característica primordial: foram criados durante a expansão da Web

2.0.

Seus números são expressivos: em 2012, de acordo com levantamento feito pela ONU,

a geração já representava mais de 30% da população mundial. Em adição, o relatório

2 Hoffman e Novak (1995) também definem o modelo many-to-many. Nesta nova configuração, o consumidor também é capaz de produzir conteúdo e de, principalmente, disseminá-lo através de um meio - o que até então só

era feito pelas empresas. Além disso, a configuração many-to-many traz a possibilidade de interação entre

empresa e consumidor, o que não era possível no modelo em vigor anteriormente. Caem os papéis de

"remetente" e "destinatário", já que todos os envolvidos nessa troca agora desempenham ambas as funções. 3 Não existe um consenso sobre o início e fim exatos de cada geração. O relatório da Social Chorus determina

que a Geração Y seja formada por indivíduos nascidos entre 1980 e 2000, definição que adotaremos nesta

pesquisa. Algumas outras definições, entretanto, foram encontradas durante a pesquisa: Tapscott e Williams

(2007), por exemplo, discutem a "Geração Net", com características bastante semelhantes às levantadas pelo

relatório, mas que teriam seus nascimentos compreendidos entre 1997 e 2006.

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supracitado ainda afirma que dentro de cinco anos a Geração Y terá mais poder de compra do

que qualquer outra faixa etária.

O que temos em mãos é, então, um grupo vasto e extremamente influente para a

movimentação do mercado, que desenvolveu seus hábitos de consumo numa sociedade em

que a sua voz, como indivíduo, é tão alta que passa a ser ouvida pelas grandes corporações. E

esses fatores combinados nos levam a uma conjuntura extremamente curiosa: o consumidor

acredita cada vez menos em propaganda.

A afirmação, proferida inúmeras vezes por diversos estudiosos e personalidades do

mercado nos últimos anos, pode soar, à primeira vista, um tanto apocalíptica. É preciso dizer,

inclusive, que não se trata de uma mudança brusca e integral. Estamos falando sobre um setor

do mercado, como já mencionado, vasto e influente, que passa atualmente por esse processo

de descrença nas mensagens da publicidade, e acaba reverberando essa tendência, de maneira

geral, para toda a sociedade. Não faltam, portanto, argumentos que reiterem essa linha de

pensamento. Em seu artigo, Ana Margarida Barreto (2011) levanta, a partir de suas leituras de

Denegri-Knott (2004, 2006), Harrison (2006), Muniz e O’Guinn (2001), quatro novos

“poderes” oferecidos ao consumidor pela Web 2.0. Essas habilidades é que teriam, sim, o

poder de conduzir o cenário de consumo atual a um enfraquecimento na credibilidade da

propaganda. São elas:

(1) Controle sobre a relação com as organizações. Em contextos online, os

consumidores podem estabelecer relações com os produtores sem esforço, sempre que quiserem (Denegri-Knott 2004, 2006). (2) Informação como

poder. Os consumidores aprendem mais sobre as práticas de negócio, sobre

a concorrência e os seus preços e com essas informações ficam com mais

poder de negociação (Harrison et al., 2006). (3) Agregação. As comunidades online podem ser organizadas em qualquer lugar e a qualquer

momento, permitindo aos consumidores reunirem-se e trocarem experiências

sem tomarem muito tempo (Muniz e O'Guinn, 2001, Denegri-Knott, 2006). (4) Participação. Ao recolherem informação e trocarem experiências [...]

nas comunidades online, os consumidores são capazes de reduzir os riscos e

de ganhar mais controle sobre as atividades de consumo (Denegri-Knott, 2004; Harrison et al, 2006; Pires et al., 2006). (BARRETO, 2011, p. 4)

As novas e poderosas possibilidades de interação oferecidas tirariam, então, da

publicidade, o papel de incentivar e justificar o consumo. O novo consumidor – que em

homenagem à ferramenta que o desenvolveu é por vezes chamado de consumidor 2.0 – não

precisa e nem quer mais crer em slogans, o que colocaria em cheque, inclusive, uma das

maiores premissas da propaganda.

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Descrita por Jean Baudrillard em seu livro Sociedade de Consumo (1970), a lógica do

Papai Noel sugere que o consumidor, mesmo ciente do objetivo persuasivo da propaganda,

escolhe, conscientemente, acreditar nela. Para o sociólogo, durante a segunda infância, já não

creríamos mais na existência do bom velhinho. Ainda assim, optaríamos por embarcar na

fantasia proposta por nossos pais, por ser esta a grande motivadora da entrega dos presentes

de fim de ano. Ainda partindo dos levantamentos de Baudrillard, a premissa também valeria

para a publicidade: o consumidor tem plena ciência da função mercadológica do slogan, mas

dele se utiliza, como justificativa para seu próprio desejo de consumir.

As novas relações de consumo quebrariam, então, com esse paradigma. Os fatores

discutidos nos encaminham para um panorama em que slogans não são mais a justificativa de

compra: esse papel, agora, seria desempenhado por um novo agente de enorme importância,

que discutiremos à frente. É provável que a segunda infância de Baudrillard tenha passado, e

finalmente estejamos deixando de acreditar em Papai Noel4.

2.3 Trust me, I’m a Doctor!

Atingimos um ponto importante desta discussão. Todos os fatores até agora levantados

nos trazem ao seguinte panorama: conectados entre si, os consumidores tendem a acreditar

mais uns nos outros do que nos discursos proferidos pelas empresas. E mais importante: suas

decisões de compra, que outrora eram pautadas por uma combinação do seu desejo, das

informações recebidas através da propaganda e por um ou outro influenciador de compra a

sua volta, agora são profundamente impactadas pelas comunidades online. E não apenas

aquelas frequentadas por amigos e conhecidos.

[...] as pessoas recorrem cada vez mais às comunidades online e aos blogs

para basear suas decisões de compra. Segundo o levantamento da

consultoria, 50% dos usuários de sites colaborativos seguem dicas de compras recebidas pela internet. No Brasil, as pessoas revelam-se ainda mais

influenciáveis, com um total de 56% dos entrevistados admitindo seguir

sugestões de conhecidos da rede. Outro dado revelador aponta o grau de confiança absoluto que os internaturas depositam na rede: 40% dos

entrevistados estão dispostos a aceitar recomendações feitas por

desconhecidos.” (SEGALLA, RIBEIRO e BARIFOUSE, 2007)

Com o tempo, as práticas e as ferramentas de colaboração na internet evoluíram e

continuam a crescer, originando páginas com recordes de acessos que reinventam a

4 É importante relativizarmos esse suposto fim da lógica do Papai Noel, dado que o acesso às ferramentas de comunicação que permitem esse empoderamento por nós discutido, apesar de cada vez mais difundidas, ainda são exclusivas de uma parcela da população mundial.

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experiência de compra e colocam as empresas completamente nas mãos de seus

consumidores.

Em meio a inúmeros casos de sucesso como a página de avaliação de hotéis Trip

Advisor, ou a rede social Foursquare, um ótimo exemplo a ser citado é o site Reclame Aqui.

Na página, cujo slogan “Consumidores exponham suas reclamações” traz um imperativo

importante em época de constante desrespeito aos direitos do consumidor, o usuário pode

publicar sua opinião a respeito de um produto, serviço, ou atendimento de, basicamente,

qualquer empresa. Todas essas reclamações são agrupadas dentro do perfil daquela marca, e

expostas sem qualquer tipo de filtro, a não ser o que retira conteúdo ofensivo e palavras de

baixo calão. As notas dadas pelos consumidores àquela empresa formam, também, um

ranking que enumera os melhores e os piores atendimentos, premiando com um selo chamado

de RA1000 aquelas que se sobressaírem.

O direito de resposta é a grande arma das empresas nesse caso, onde sua reputação

está tão exposta e inteiramente na mão de terceiros. Em pesquisa publicada em 2010, Sandes e

Urdan (2010) reiteram a afirmação de que comentários de consumidores na internet tem

impacto na decisão de compras de outros usuários. Por outro lado, constatam que o

gerenciamento desses comentários tem o poder de minimizar ou até mesmo neutralizar a força

negativa desse conteúdo.

Percebe-se, então, que a colaboração entre os usuários das comunidades online

possibilitou o surgimento de um cenário onde a opinião de um consumidor tem papel crucial

na decisão de compra do outro, positiva ou negativamente. Apesar disso, este não é um

cenário apocalíptico para as empresas. A realidade de consumo 2.0 não é pior ou mais

ameaçadora que anterior: apenas é nova e, portanto, demanda novas formas de gestão de

relacionamento com as quais as companhias ainda estão aprendendo a lidar.

2.4 Uma porção de amor e a conta

Notamos até aqui um grande diferencial do cenário atual que configura o que,

provavelmente, pode ser considerado um dos maiores desafios das marcas neste século: não

se trata mais de falar bem sobre si mesmo. O crucial agora é aprender a conduzir outras

pessoas a fazê-lo.

O assunto é abordado no filme Amor Por Contrato, de Derrick Borte. Na trama, os

Joneses, família modelo americana, acaba de se mudar para um bairro de classe média alta no

subúrbio do país. Donos dos melhores aparelhos telefônicos, das mais novas roupas de grife e

de diversos modelos de carros do ano, tornam-se referência entre a vizinhança, que passa a

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enxergá-los como trendsetters e a comprar – ou sonhar em fazê-lo – quaisquer produtos que

usem em seu dia a dia.

Há um detalhe importante: tudo não passa de uma grande mentira. Na verdade, a

família em questão é formada por atores, contratados por uma empresa de publicidade, cujo

objetivo principal é lançar no mercado novos produtos e marcas de seus clientes.

Atentemos a uma passagem do filme. Na cena em questão, a personagem de Demi

Moore, falsa matriarca e responsável pelos resultados nas vendas desta família perante a

empresa contratante, tenta incentivar o personagem de David Duchovny a explorar melhor seu

papel como trendsetter:

Você continua vendendo para as pessoas individualmente, quando o que

deveria criar é um efeito em massa onde os outros vendam por você. Sempre tem alguém por quem as pessoas procuram para receber um conselho, ou

para saber de alguma novidade, e eles se tornam a conexão que chega ao

consumidor, em seu nome. (AMOR Por Contrato, 2010)

Apesar de inseridas num contexto fantasioso, as questões levantadas pelo filme são

extremamente pertinentes. Para o consumidor moderno, a legitimidade do discurso de um de

seus iguais tende a ser maior que a do discurso proferido por marcas ou empresas, e estas

últimas já demonstram levar essa nova premissa em consideração. Pesquisa realizada em 2008

com blogueiros de todo o mundo, divulgada no site norte-americano Technorati, levantou que

cerca de 35% desse público já foi procurado por companhias para se tornarem “advogados”

de seus produtos (SANDES e URDAN, 2010).

O que se percebe através disso é a valorização, por parte das empresas, do fenômeno

chamado de “boca a boca” ou, como é conhecido em inglês, WOM – word-of-mouth. Essas

“conversações face a face entre consumidores sobre a experiência com um produto ou

serviço” (SEN e LERMAN, 2007), que aparecem na produção ficcional de Borte sob um

ligeiro toque de exagero, já são fatia importante nos investimentos reais de marcas por todo o

mundo. Da mesma forma que, no filme, empresas buscavam implantar indivíduos capazes de

defender e propagar seus produtos perante o público alvo, na vida real seu desafio é encontrar

consumidores dispostos a disseminar sua mensagem nesse imenso diálogo que é o WOM.

E esse consumidor que difunde a mensagem de uma marca perante seus semelhantes

já tem nome próprio: é chamado de brand advocate5, algo como o “defensor da marca”. A

primeira solução visível para esta questão segue a lógica do mercado: comprar esses porta-

5 Brand advocate é um termo completamente envolvido com as questões de consumo na época da internet. São

aqueles indivíduos que estão dispostos a defender e a divulgar uma marca através de boca-a-boca positivo.

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vozes, incentivando-os com dinheiro ou produtos para que digam exatamente o que

desejarmos. Parece bastante simples, mas pode ser considerado tão igualmente ineficaz.

Fundador da famosa agência de brand advocacy, Zuberance, o empresário Rob Fuggetta

atesta que essa tática é um erro, e afirma que não se deve pagar ou oferecer incentivos aos

advocates. Para ele, a razão número um pela qual esses indivíduos recomendam marcas e

produtos é porque querem ajudar uns aos outros, e não porque estão obtendo ganhos.

(FUGGETTA, 2012)

Mais números reiteram o discurso: de acordo com dados levantados pela própria

Zuberance, apenas 18% dos consumidores tendem a acreditar nos influenciadores – como são

chamados os blogueiros ou celebridades da web pagos para propagar marcas – enquanto 92%

tendem a levar em consideração o discurso de brand advocates.

Eis, então, o cenário a que toda essa situação nos trouxe: as marcas tem a nova

necessidade de se fazerem presentes no boca-a-boca, inserirem-se na realidade online

colaborativa onde grande parte de seus consumidores estão. Precisam fazer isso, também, de

uma maneira quase subcutânea, sutil, evitando as características da propaganda tradicional,

que, em teoria, influenciariam negativamente na legitimidade desse discurso – para ser real

ele precisa ser de consumidor para consumidor. E mais importante: devem buscar – e

fomentar – amor genuíno, já que consumidores que são pagos para serem embaixadores de

marcas tendem a ser desacreditados.

Essa questão se relaciona diretamente com um conceito altamente difundido entre

pesquisadores do campo nos últimos anos. As LoveMarks, algo como Marcas do Amor, de

Kevin Roberts (2004) se pautam no conceito defendido pelo autor de que as decisões dos

seres humanos são motivadas pela emoção, e os indivíduos que são orientados puramente pela

razão são poucos perto da maioria.

As Lovemarks deste novo século serão as marcas e negócios que criarem

conexões emocionais genuínas com as comunidades e redes em que estão

inseridas. E isso significa estar perto, e íntimo [...]. (ROBERTS, 2004, p. 60,

tradução nossa)

Os conceitos com os quais lidaremos neste trabalho só são possíveis de serem cunhados

quando partimos, então, da premissa das lovemarks. A possibilidade de uma marca preencher

um espaço emocional de um indivíduo, essa espécie de mercantilização do sentimento, é que

tornam possíveis os levantamentos que faremos adiante.

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Chegamos, então, à principal hipótese deste trabalho. Existe um grupo de indivíduos

que carrega todas as características do brand advocate ideal. O fã, ou fanático, como veremos

no próximo capítulo, é conhecido exatamente por seu amor verdadeiro e incondicional; por

sua capacidade não apenas de defender e propagar o objeto de seu fanatismo, mas também de

compreender e perdoar seus erros e, inclusive, oferecer retorno estruturado e sincero. O que

nos cabe analisar é que existem maneiras através das quais as empresas podem incentivar seus

fãs e fomentar esse amor de forma a obter retorno real ao seu brand equity, gerando

benefícios mercadológicos a partir de sentimentos verdadeiros.

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3. O FÃ CONSUMIDOR

3.1 Diagnóstico: fã.

A pluralidade nos campos que estudam o fenômeno fã torna necessária uma

delimitação específica do conceito ao qual nos referimos neste trabalho.

Etimologicamente, a palavra fã tem origem no latim, em fanaticus, que se refere a

alguém extremamente devoto a um templo. Quanto à sua definição, é importante notar que o

fanatismo, durante muito tempo, foi classificado como patologia e estudado, principalmente,

através do viés psicológico. Podemos perceber essa ótica em Fandom as Pathology: The

Consequences of Characterization, de Joli Jonson, escrito em 1992. Jonson explicita essa

classificação e afirma que a academia tendia a enxergar o fã como “o outro”. Em sua visão, o

fã seria um objeto de estudo completamente dissociado de pesquisadores e cientistas, além de

ser muitas vezes caracterizado como violento e obsessivo, incapaz de enxergar os limites do

aceitável na relação com seu objeto de fanatismo (JONSON, 1992, p. 9 a 13).

Podemos enxergar, entretanto, uma mudança nesse modo de pensamento quando,

ainda no mesmo artigo, Jonson argumenta a favor da necessidade de observar o fã como um

fenômeno sociocultural cotidiano, do qual todos, estudiosos ou não, podemos fazer parte. Em

acréscimo, no mesmo ano também temos Jenkins em defesa dos fãs como fenômeno cultural,

rechaçando a representação utilizada até então, de indivíduos antissociais e obsessivos,

demonstrando o interesse em pesquisá-los por sua complexidade e diversidade como uma

comunidade “subcultural” (JENKINS, 1992). Ele levanta, então, cinco características

primordiais desse fenômeno:

a) O fandom possui modos de recepção particulares, que envolvem a

seleção intencional de um texto que irá ser consumido repetidas vezes de modo fiel e a intenção não só de absorver esse texto, mas de utilizá-lo em

diferentes formas culturais e em diversas atividades. A recepção dos fãs [...]

se complementa na troca de informação com outros fãs e na criação de novos sentidos. Eles utilizam as técnicas de leitura para criar novos produtos

culturais [...]. A recepção dos fãs não se dá individualmente e toma forma

por meio da contribuição de outros fãs. Para eles, a leitura é o início, e não o

fim, do processo de consumo. b) O fandom envolve uma série de práticas críticas e interpretativas

particulares que caracterizam comunidades organizadas. A troca de

informações e ideias com outros fãs proporcionam um espaço em que novas leituras e avaliações são divididas. [...]

c) O fandom constitui a base do consumo ativo. Os fãs são

espectadores que participam ativamente da produção de seus objetos de fascínio, mandando cartas às produtoras de televisão e organizando

movimentos para evitar o cancelamento de um seriado, por exemplo, ainda

que o mercado permaneça, em alguns casos, alheio aos desejos dos fãs.

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d) O fandom possui diferentes formas de produção cultural, práticas e

tradições estéticas. Os fãs se manifestam artisticamente para falar pelos

interesses da comunidade de que fazem parte. Suas produções se apropriam de elementos da cultura comercial para criar uma nova forma de cultura

popular e utilizam meios de produção, distribuição, exibição e consumo

criados por eles.

e) O fandom adquire características de uma sociedade complexa e organizada. Os fãs dividem referências, interesses e um senso comum de

identidade que faz com que eles tenham a sensação de fazerem parte de um

grande grupo que não precisa estar geograficamente reunido. (JENKINS, 1992, p. 284)

Podemos reparar que Jenkins caracteriza o fã com base em aspectos como o modo de

consumir o objeto de fanatismo – bem como a forma de interpretá-lo; sua capacidade de

produzir mais conteúdo a partir desse objeto, a maneira com que se apropriam dele e as

peculiaridades desse conteúdo produzido; além de suas características de organização em

comunidade com base em interesses e conexões de identidade.

Esse é, então, o conceito base de fã aqui levado em conta, sua composição como

indivíduos inseridos na sociedade contemporânea, cuja paixão por alguma pessoa, objeto,

fenômeno, obra de arte ou entidade é significativa o suficiente para influenciar na formação

de sua subjetividade e nas suas relações com o universo ao seu redor.

É válido ressaltar o trecho em que Jenkins menciona “características de uma sociedade

complexa e organizada”, que nos será crucial mais à frente. Fãs conectados à web 2.0 tendem

a agrupar-se em comunidades. Sobre essas, já é sabido não estarem restritas a delimitações

geográficas: podem ser formadas mesmo através da rede de computadores. O vínculo e a

sensação de pertencimento é que são características fundamentais para a sua formação

(PALÁCIOS, 2001). Dentro dessas comunidades, os fãs acabam por estabelecer uma espécie

de inteligência coletiva, a partir da qual nasce a produção dos materiais de fãs – mais

conhecidos em forma de fanfics, fanarts, fanvids6 ou outras ramificações de seus produtos

favoritos.

Notemos, então, que o que une esses indivíduos e sustenta essa comunidade é

claramente o afeto de cada um de seus componentes a algum objeto comum, e o que os

empodera e os torna capazes de disseminar sua “subcultura”, é o fato de que as barreiras

organizacionais são cada vez menores, tornando possível que qualquer pessoa possa encontrar

indivíduos com interesses semelhantes e juntar-se a eles. Essa inteligência coletiva está

6 Fanfics, fanarts e fanvids são, respectivamente, textos (em sua maioria, narrativas), desenhos ou fotografias

alteradas ou não através de computação gráfica, e vídeos produzidos por fãs. Essas produções geralmente

buscam estender o universo do objeto de fanatismo e, portanto, podem inclusive gerar controvérsias quanto à

questão de direitos autorais.

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acumulada, e carece de oportunidades que a transforme em algo real (SHIRKY, 2011).

Empresas e suas marcas podem ser as grandes detentoras dessas oportunidades, e é na ligação

entre esses dois polos que se pauta o tema aqui explorado.

Há, entretanto, outra questão a ser percebida quanto ao fã que definimos como

personagem central desta pesquisa: a barreira imposta ao fandom, no que diz respeito ao seu

objeto de fanatismo, que excluiria a possibilidade de indivíduos serem fanáticos por marcas

que não inseridas no contexto da indústria cultural, delimitação que buscaremos derrubar

adiante.

3.2 Star Trek ou Google?

Por se tratar de um fenômeno intensamente conectado à indústria do entretenimento e,

sob outra perspectiva, a clubes esportivos, acaba se tornando um lugar comum associar

diretamente fandoms e fãs a produtos desta categoria, como livros, filmes, séries de TV,

quadrinhos e times. Entretanto, as motivações que levam um indivíduo a se tornar um fanático

e as motivações de consumo que orientam a escolha de uma ou de outra marca são

semelhantes em tantos aspectos que o fanatismo e o consumo de itens de outras indústrias,

como bens e serviços, também merecem ser imediatamente associados.

Os autores do blog Online Fandom foram questionados sobre o assunto: a indagação

de um leitor sobre como poderiam tratar o fanatismo como um processo cultural usual, e não

apenas restrito a “pessoas exageradas escrevendo fanfics” os levou à seguinte resposta:

Fandom é uma prática comum do dia a dia. Ele acontece em qualquer situação em que as pessoas fizerem uso da cultura popular para sua própria

organização social, em qualquer momento em que se apropriarem dessa

cultura para torná-la um pedaço de sua própria identidade. Então, sim, vai muito mais além de ficção científica, muito além de fanfics, e muito mais

além dos assuntos que são cobertos quando se fala sobre fandom.Eu gostaria

de ver o termo sendo utilizado por todos nós que o praticamos, porque assim

perceberíamos que a maioria de nós está engajada em algum tipo de fandom, de uma maneira ou de outra. Pararíamos de estigmatizar [o fanatismo] [...] e

poderíamos, inclusive, reconhecer que se trata de um mix de apreciação,

consumo e criatividade [...] com um tremendo poder de servir de exemplo a muitas práticas fora dos fandoms.” (TOCCI, 2006, tradução nossa)

Essa apropriação de um universo para a construção da identidade de um indivíduo é

exatamente o que aproxima o supracitado escritor de fanfics – aqui simbolizando o que

comumente entendemos como fã, o ávido leitor ou espectador desesperado por um autógrafo

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de seu ídolo – ao consumidor de “produtos do dia a dia”, disposto a enfrentar, por exemplo,

filas quilométricas pelo lançamento de um novo smartphone da Apple.

Esse paralelo fica ainda mais claro quando analisamos as motivações desse segundo

consumidor, que também perpassam pelo campo de construção de identidade:

O consumo permite aos indivíduos colocar em evidência sua identidade, expressá-la; além de ajudá-los a construí-la. Quando vai às compras, o

indivíduo pode basear-se em sua imagem real ou ideal dentro de um

processo de congruência de imagem que diz que o indivíduo tem tendência a escolher os produtos cuja imagem de aproxima da imagem que ele tem dele

mesmo. O consumidor se vê através de suas escolhas de consumo.

(HEILBRUNN, 2005 apud HOFMEISTER, 2007, p. 19)

Leão e Mello (2009) levantam em sua pesquisa uma série de atividades afetivas entre

marca e consumidor que compararemos aqui com atividades comumente atribuídas a essa

ideia obsoleta de que só há fãs para a indústria cultural. Dessa forma, elucidar-se-ão as

semelhanças que reiteram a experiência de consumo através do indivíduo fanático.

A primeira dessas atividades, e provavelmente, a mais simples de correlacionar com a

realidade do fanatismo, é a “defesa da marca”. Leão e Mello (2009) a definem como

“situações em que uma dada marca é desabonada por um interagente e o outro incorre em sua

defesa” (2009, p. 103). Não é incomum encontrarmos consumidores prontos para proteger

suas marcas favoritas de críticas, muitas vezes, inclusive, independentemente do produto em

questão e suas qualidades e defeitos práticos. Rivalidades entre fãs de marcas concorrentes já

se tornaram exemplos clássicos dessa atividade - como, por exemplo, as dualidades entre

Apple e Samsung ou Google e Microsoft – antagonismos tão expressivos e apaixonados como

as famosas concorrências entre fãs de divas da indústria fonográfica pop diariamente

associadas à imagem do fanatismo.

Já para ilustrar a atividade “envolvimento com a marca”, a

situação exposta pelos autores é de um consumidor que, ao ouvir

sobre determinada marca, lembra-se de uma fase de sua vida – no

caso exibido, a infância. Essa relação também é facilmente

identificada no comportamento do fã, que cria não só memórias

afetivas com seu objeto de desejo, como também o enxerga como

relevante para sua vida em algum aspecto. Reconhecemos essa atividade no recente case das

barras de chocolate Lollo (Figura 1), da Nestlé, trazidas de volta ao mercado - depois de mais

de vinte anos fora das prateleiras - como resultado de uma pesquisa de opinião que ressaltou

Figura 1 Figura 1 – Barras de chocolate Lollo

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que vários consumidores possuíam esse tipo envolvimento afetivo com o produto, lembrança

nostálgica da década de 80.

O produto, clássico na época de seu auge, foi tirado de linha e substituído por uma

outra ligeiramente diferente, de uma marca mais em consonância com as diretrizes globais na

Nestlé, o que foi revertido nos últimos anos devido à pressão de seus fãs saudosos.

“Frustração” e “redefinição de interesse” em relação a uma marca são duas atividades

negativas explicitadas pelos autores que nos serão extremamente importantes no terceiro

capítulo, onde serão levantados os riscos e pontos contraproducentes de se trabalhar o

relacionamento com o fã consumidor. A relação entre consumidor e marca gera expectativas

(OLIVER, 1998), efeito ainda mais acentuado na relação entre fã e objeto de desejo. Quanto

mais altas forem essas expectativas, maior é o desencadeamento negativo de sua quebra: a

frustração. Caso aconteçam de maneira muito intensa ou repetida, essas frustrações podem

levar à redefinição de interesse, diminuindo o grau de intensidade (THORNE e BURNER,

2006) do envolvimento do indivíduo. É preciso ressaltar, entretanto, que provavelmente serão

necessárias mais atividades de frustração para levar um fã a uma possível redefinição de

interesse, do que no caso de um consumidor comum.

Por fim, “intimidade” com a marca e “sentimento” pela marca são as atividades que

mais aproximam a relação de consumo da relação de fanatismo. A primeira se dá, de acordo

com os autores, quando o consumidor se sente reconhecido pela marca, próximo dela.

Relaciono aqui essa atividade levantada por Leão e Mello com uma questão apresentada por

Maria Claudia Coelho (1999) como sendo crucial na relação fã-objeto: “a esperança do fã de

ser correspondido nos sentimentos que nutre pelo ídolo, de quebrar aquela assimetria básica

do relacionamento e de estabelecer uma relação de reciprocidade” (COELHO, 1999, p. 53).

Tais relações de consumo funcionam para comprovar que o fã consumidor, ou fã de

marca, é sim um fenômeno legítimo. Algo como um intercessor entre o consumidor 2.0 sobre

o qual discutimos no capítulo anterior, e o fã de Jenkins, inserido na cultura da convergência,

envolvido com práticas hipertextuais e de participação. Ao fazermos uma comparação mais

estratificada, podemos dizer, então, que o consumidor comum está para o fã de marca à

mesma medida que o simples espectador que foi ao cinema assistir Star Trek está para aquele

que vimos ser enxergado como o “estereótipo do fã”, o trekkie7 apaixonado que foi ao mesmo

cinema, mas usando apliques nas orelhas8.

7 Trekkie é a autodenominação dos fãs de Star Trek. 8 Na série Star Trek, os indivíduos da raça Vulcan são muito parecidos fisicamente com humanos, exceto pelo

fato de terem orelhas pontiagudas, característica comumente vista em fantasias de fãs da produção.

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3.3 Sigam-me os bons.

O trecho abaixo, retirado do artigo técnico em que Bexy Cameron (2006) elucida os

principais pontos de sua pesquisa, trazem mais uma questão a ser avaliada sobre a

consistência e relevância do fã de marca: sua autenticidade em tempos de Facebook, onde a

palavra “fã” é usada para designar qualquer pessoa que curta uma página na rede social.

Enquanto fãs tem cada vez mais importância para a estratégia das

marcas, o termo ‘fã’ tem sido, de alguma forma, diluído. Motivo expressivo

para tal é a ascensão tanto das páginas de redes sociais quanto das empresas de marketing que prometem ‘criar’ ou ‘manufaturar’ fãs para estratégias de

marketing.

No facebook, as marcas dão grande importância aos ‘likes’, o que talvez mostre um falso sentido de que um ‘like’ equivale a um fã. Ademais,

algumas empresas estão seguindo a tendência de pagar pessoas para curtir as

páginas de sua marca, o que entra em contradição com os ingredientes base

do fã.(CAMERON, 2006, tradução nossa)

A não tão recente ascensão das redes sociais acabou por ocasionar uma corrida

desenfreada entre as marcas em busca de “likes” no Facebook, seguidores no Twitter e

Instagram, ou números expressivos em qualquer rede social de relevância. A partir dessa

tendência, tornou-se usual vermos uma série de promoções e chamarizes especificamente

voltados a atrair seguidores em quantidade – o que certamente não significa o mesmo efeito

quando falamos de qualidade.

Não há porque afirmar que o chamado facebook fan é inválido ou desnecessário; as

estratégias realizadas pelas empresas em busca dessa presença em suas redes sociais são

absolutamente legítimas, e podem oferecer resultados. Pesquisa realizada pela Nielsen UK

(2013) mostra que mais da metade dos usuários do Twitter que seguem perfis de empresas ou

marcas o fazem porque gostam da mesma, porque querem ser informados de ofertas e

promoções, e para manterem-se atualizados com as novidades oferecidas. São, portanto,

espectadores e, como tal, merecem o investimento.

Por outro lado, a mesma pesquisa também mostrou que uma parcela menor, de 30 e

27%, segue marcas no Twitter com o intuito de ter acesso a conteúdo exclusivo e para

oferecer feedback, respectivamente. É possível afirmar que é numa parcela ainda menor,

dentro desta, onde encontraremos os verdadeiros fãs do qual estamos tratando neste trabalho.

Há quem diga, inclusive, que a quantidade de pessoas engajando-se realmente com uma

marca via internet não chegam a 2% do seu número de likes (EHRENBERG-BASS

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INSTITUTE apud CREAMER, 2012). Portanto, para efeitos de nomenclatura, a partir deste

momento diferenciaremos esses dois grupos. Quando tratarmos de fãs de marca, brand

advocates que interagem, produzem, oferecem, demandam e comunicam-se entre si,

seguiremos utilizando a expressão “fã”. Para os outros, espectadores que restringem sua

interação com as marcas online a curtidas e comentários, utilizaremos apenas “seguidores”.

No início de A Cultura da Participação, Clay Shirky (2011) tenta mostrar a diferença

entre o consumidor participante, e o consumidor comum. Em seu exemplo, cita Dave Hickey,

que dividiu, em um ensaio publicado em 1997, os espectadores de seu pai – músico – entre

espectadores participantes e os looky-loos. Vamos utilizar a metáfora de Hickey para

cristalizar um pouco mais a linha que aqui separa seguidores de fãs.

Ser um looky-loo é comparecer a um evento, em especial a um evento

ao vivo, e agir como se estivesse assistindo a ele negligentemente na televisão. ‘Eles pagam seu dólar na entrada, mas não contribuem de maneira

alguma para a ocasião – não demonstram qualquer aprovação ou rejeição

com a qual pudéssemos melhorar, piorar ou simplesmente considerar o trabalho feito.’

Participantes são diferentes. Participar é agir como se sua presença

importasse, como se, quando você vê ou ouve algo sua resposta fizesse parte do evento. [...] Participantes dão retorno, looky-loos não. A participação

pode acontecer depois do evento – para comunidades inteiras, filmes, livros

e programas de televisão criam mais do que uma oportunidade de consumo;

criam uma oportunidade para responder e discutir, argumentar e criar. (HICKEY apud SHIRKY. 2011, p 25)

Fazendo uso dessa dicotomia, podemos afirmar que os seguidores estão para os looky-

loos à mesma proporção que os fãs estão para os participantes. Fãs funcionam como

embaixadores da marca, representando-a perante outros consumidores, tomando suas dores e

orgulhando-se de seus louros; interagem com aquela marca e sentem-se donos e responsáveis

por ela. Essas peculiaridades é que vão diferenciar o fã dos “outros” consumidores e dos

seguidores, e é com base nelas que a relação marca-fã deverá ser pautada.

Sua expressão cultural é infinita. Fãs manifestam seu amor através dos já mencionados

fanfics, fanarts e fanvids, fantasiam-se de seus personagens favoritos na prática conhecida

como cosplay, formam filas quilométricas à porta de lojas e em todos os outros lugares em

que houver alguma dica da presença de seu ídolo. Contudo, as características que nos serão

mais úteis a partir de agora são sua capacidade de formar comunidades, de se definirem como

defensores e porta-vozes de seus objetos de fanatismo e, principalmente, sua devoção.

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Através dessas características poderemos criar um panorama que nos permita definir

as principais qualidades e demandas do fã consumidor, para que possam ser levantadas as

melhores e mais eficazes formas de relacionamento entre marcas e seus fãs consumidores.

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4. O RELACIONAMENTO: BENEFÍCIOS, DEMANDAS E RISCOS

Compreendemos o brand fan como alguém que não apenas admira uma marca, mas

envolve-se emocionalmente com ela e mostra-se disposto a oferecer mais do que

consumidores comuns. Envolvidos uns com os outros, inseridos na conversa infinita da Web

2.0 e, portanto, dotados de determinadas ferramentas e capacidades, esses consumidores

apaixonados “podem mudar seu negócio”, como Tapscott e Williams (2007) categoricamente

afirmam logo no subtítulo de Wikinomics.

Neste capítulo vamos analisar a relação de mão dupla entre marca e fã, bem como o

que esse relacionamento pode oferecer e maneiras já comprovadas – através da prática – de

estimulá-lo. Observaremos, também, a lealdade ofertada pelos fãs e a possibilidade – ou

impossibilidade – de gerá-la “artificialmente”.

Como toda decisão tomada na construção do brand equity envolve não apenas

oportunidades, mas uma série de riscos, analisaremos, por fim, as ameaças já percebidas pelos

profissionais de comunicação no investimento empregado nesse tipo de relação e algumas

maneiras de contorná-las. Durante o capítulo também serão apresentados casos de

envolvimento entre marcas e fãs que exemplifiquem as características levantadas.

4.1 - A praça virtual dos três poderes: promover, responder e expandir.

O relacionamento com o fã consumidor ainda não é foco de investimento em muitas

empresas pelo mundo, e apesar de sua crescente – e já podemos chamar de frequente –

interação com o que chamamos no segundo capítulo de seguidores, a maioria das marcas

engaja seus consumidores de maneira linear. Entretanto, já é possível perceber o esforço de

algumas dessas empresas em encontrar, compreender e engajar seus fãs de maneira mais

específica e pontual, dando a eles o destaque necessário em busca de algum retorno.

Analisando essas experiências, é possível encontrar benefícios comuns oferecidos por

esta parcela da comunidade de consumidores, que se mostram claros reflexos do

comportamento usual do fã levantado anteriormente. Fãs podem ser brand advocates – e a

importância desse papel na construção do brand equity já é evidente para os profissionais da

área. Podem, também, oferecer a mais válida consultoria, já que possuem olhar apaixonado

mas crítico, e enxergam a marca do ponto de vista do consumidor. Por fim, são especialistas,

capazes de saber tanto sobre uma marca quanto ela própria, ou, inclusive, mais do que ela, à

medida que podem criar – e criam – seu próprio conteúdo.

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Em suma, delimitaremos aqui os três maiores poderes do consumidor fã, que,

consequentemente, mostram-se as três maiores oportunidades para as marcas que os engajam:

fãs promovem, respondem e expandem as marcas em seus corações.

Como vimos previamente, consumidores inseridos no cenário da web 2.0 tendem a

confiar mais e a absorver melhor o discurso proferido por outros consumidores, em

detrimento do discurso das empresas – que será enxergado como propaganda e, portanto,

perderá credibilidade. Fãs, por sua vez, são consumidores – e portanto carregam a

credibilidade do discurso destes – mas estão emocionalmente envolvidos com a marca e, por

isso, podem disseminar sua mensagem dentre os semelhantes, representando o papel

metafórico de “agentes infiltrados”. É o que constitui o primeiro poder do consumidor fã, a

capacidade de promover. Podemos entender como a situação acontece nas Figuras 2 e 3,

abaixo.

Na Figura 2, a marca dissemina seu discurso (A) através de um meio, mas a

incredibilidade (B) atribuída a esse discurso – conforme discutido no primeiro capítulo – o

impede de atingir efetivamente o consumidor (C). Já na Figura 3, o fã (F) também tem a

capacidade de disseminar o discurso da mesma marca, exceto que sem a interferência da

incredibilidade supracitada, por ser um indivíduo comum como os outros do grupo.

Há outra questão crucial neste primeiro poder: fãs disseminam marcas em contextos

relevantes por serem um denominador comum entre elas e outros consumidores. Como afirma

Esquema Marca/Público Esquema Fãs/Público

Figura 1 Figura 2

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31

Mark Collier (2014) em artigo para o site Vocus, “seus fãs não apenas compreendem sua

marca, como também compreendem os amigos e família deles. Seus fãs entendem os

benefícios dos produtos de sua marca, e como esses atributos podem beneficiar sua rede de

contatos” (COLLIER, 2014, tradução nossa).

Vejamos um exemplo: uma nova academia no Rio de Janeiro tem como target

principal, jovens de 15 a 24 anos e oferece, dentre outros benefícios, a presença de um famoso

DJ elaborando a trilha sonora das atividades físicas. João, indivíduo fictício, não pertence a

este grupo: é um executivo de 50 anos de idade, o que faz com que ignore qualquer discurso

proferido pela academia que eventualmente o atinja. Por outro lado, temos Maria, que é fã

desta academia e conhece João. Ao falar com João sobre a empresa, Maria não o informará a

respeito do DJ, mas sobre o fato de que a academia permanece aberta todas as noites até às

duas horas da manhã, benefício extremamente relevante para João – que muitas vezes trabalha

até tarde e precisa de horários mais flexíveis para fazer exercícios.

É após elucidar exemplo semelhante que Collier afirma que os fãs usam a própria voz

para falar com outros consumidores e, por conta disso, serão melhores compreendidos e

soarão mais confiáveis (COLLIER, 2014). Dessa forma podemos perceber que, ao

defenderem e propagarem a marca em seus corações, os fãs tem condições não apenas de

serem mais “atraentes” ou “relevantes”, como de fazê-lo de maneira específica, discursando

vocabulário de marca, mas em língua de consumidor.

Para delimitarmos a segunda qualidade oferecida por brand fans, vamos visitar

novamente a definição de Jenkins (1992) a respeito do fã como fenômeno cultural, como

analisado no capítulo 2. Uma das características levantadas pelo autor é a de que o fã tende a

participar “da produção de seus objetos de fascínio” (1992, p. 284). Jenkins também afirma

que o mercado ainda tende a permanecer “alheio aos desejos dos fãs” (1992, p. 284), o que

claramente constitui uma brecha que podemos enxergar como oportunidade. Trataremos agora

sobre essa capacidade dos fãs de devolver, ou de responder, uma valiosa forma de feedback

esperando para ser explorada e aproveitada por marcas e empresas.

Dotados da capacidade de interagir com as marcas e explicitar – para elas e para outros

indivíduos – suas opiniões, os consumidores já se mostram bastante inclinados a dizer o que

pensam, principalmente se estivermos falando de opiniões negativas. Entretanto, enquanto

consumidores comuns na posição de seguidores tendem a buscar as marcas nas redes sociais

apenas para avaliar experiências e produtos, usuários mais engajados e, certamente, os fãs,

vão entregar esse retorno de forma muito mais complexa e elaborada. Sua intenção ultrapassa

a de simplesmente expressar se um serviço foi ruim, ou se a experiência de compra não

Page 33: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

32

atendeu expectativas: fãs dão feedback porque amam e, se amam, desejam que o objeto de seu

amor evolua e desenvolva-se para melhor.

Podemos entender esta capacidade como um caminho reverso à levantada

anteriormente. A mesma posição privilegiada que torna os fãs capazes de promover – o fato

de serem entendedores da marca inseridos no universo do consumidor – também os faz

capazes de responder. Um fã pode saber o que o target de uma marca deseja, e mais

importante do que isso: está disposto a conversar com ela. Já é possível enxergar, inclusive,

esforços por parte das empresas não apenas em participar dessa conversa, como também de

orientá-la e extrair dela valiosas informações de negócio. A marca americana de cafeterias

Starbucks é um exemplo disso, como veremos.

Com mais de 36 milhões de seguidores apenas no Facebook, a Starbucks é

frequentemente citada como um case bem sucedido de relacionamento com o público nas

mídias sociais e, desde 2008, alimenta uma iniciativa extremamente exitosa na captação e no

manejo do discurso de seus brand fans. A página My Starbucks Idea é uma plataforma onde o

usuário pode expressar suas ideias e sugestões de melhoria para a marca, em campos que vão

desde “novas bebidas”, passando por “experiência de consumo”, e até “merchandising e

ponto de venda”. Interagindo e avaliando as ideias uns dos outros, esses usuários geram um

ranking dos melhores feedbacks, que são avaliados por uma equipe denominada “Idea

Partners”, responsável por escolher as melhores ideias que podem ou não ser utilizadas pela

empresa.

Uma característica importante do programa é que os Termos e Condições de uso

definem claramente que toda e qualquer ideia ali publicada pertence à Starbucks, que se

exime da obrigação de creditá-la ao criador, ou de recompensá-lo de qualquer maneira. Isso

mais uma vez nos leva a crer que a principal motivação dos participantes desta plataforma

seria simplesmente o desejo de fazer parte do desenvolvimento de sua marca “do coração”.

Esse sentimento de participação que o fã gosta de ter com sua lovemark será mais

profundamente discutido à frente no capítulo.

A terceira das grandes capacidades dos fãs é provavelmente a mais rica, e também

mais complexa. Motivados por seu amor e munidos de seu conhecimento vasto sobre seus

objetos de fanatismo, o brand fan toma a marca para si e, agindo como proprietário, passa a

expandir o universo dela. A partir desse momento, o fã deixa de ser apenas um consumidor

apaixonado para tornar-se um elemento importantíssimo e, ao mesmo tempo, delicado: o

consumidor produtor – ou, como definido por Tapscott e Williams (2007) – o prosumer.

Page 34: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

33

Antes de entendermos como o fã caminha entre os espectros de consumo e produção

de materiais, é importante compreendermos como funciona a “sociedade complexa e

organizada” dos fãs (JENKINS, 1992) mencionada no capítulo anterior.

Em Cultura da Convergência, Jenkins (2009) organiza os pensamentos de Pierre Levy

para definir a chamada “inteligência coletiva”, afirmando que “aquilo que não podíamos fazer

sozinhos, podemos agora conseguir coletivamente” (LEVY, 1997 apud JENKINS, 2009, p.

57, tradução nossa). Em acréscimo:

Novas formas de comunidade estão emergindo; entretanto, essas

novas comunidades são definidas por suas afiliações voluntárias, temporárias

e táticas, reafirmadas através empreendimentos intelectuais e investimentos emocionais comuns. [...] Essas comunidades [...] permancem juntas através

da produção mútua e permutação recíproca de conhecimento. Ele ainda

afirma que esses grupos 'tornam disponível ao intelecto coletivo todo o

conhecimento pertinente disponível em dado momento'. Mais importante: elas servem como campo para 'discussão, negociação e desenvolvimento

coletivo' [...]. (Levy, 1997 apud JENKINS, 2009, p. 57)

O que nos chama atenção nessa nova configuração de comunidade é a maneira como o

fã se comporta diante dela, e a forma com que ele a utiliza para interagir com seu objeto de

fanatismo. Agrupados em fandoms, versões dessas comunidades agrupadas pelo sentimento

comum a algo, os fãs tem a oportunidade de dialogar com um grupo formado exclusivamente

por pessoas que vivenciam do mesmo amor e, consequentemente, partilham do objetivo de

adorar, discutir e explorar o alvo dessa paixão. É quando pensamos, então, nesse indivíduo

como consumidor, que chegamos novamente ao conceito de prosumer.

Tapscott e Williams (2007) dedicam um capítulo de Wikinomics para a discussão do

prosumer e como a interação com ele pode ser positiva – ou negativa – para uma empresa. Ao

mencionar esses que seriam consumidores “co-inovadores”, os autores afirmam que “os

usuários não precisam inovar isolados ou esperar a próxima reunião mensal dos aficionados

[...] para compartilhar seus artigos customizados” (TAPSCOTT e WILLIAMS, 2007, p. 163).

Esses “usuários-líderes”, definição usada por eles para descrever um indivíduo que muito se

aproxima da nossa delimitação de fã de marca, formariam uma “rede de negócios voluntária”,

que poderia oferecer vantagens competitivas para as empresas que soubessem como extrair o

substrato de sua inteligência coletiva.

Chegamos então ao seguinte panorama: os fãs estão unidos em comunidade,

partilhando informações com seus semelhantes e munidos de meios reais de produção de

conteúdo. Além disso, amam tanto seus objetos de fanatismo que não se contentam com o

Page 35: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

34

conteúdo oficial: vão esmiuçá-lo e destrinchá-lo de todas as maneiras possíveis, bem como

irão expandi-lo, produzindo seu próprio conteúdo que será disseminado, principalmente,

dentro da comunidade em si. No mercado do entretenimento essa ramificação é clara, como

citado anteriormente: fanfics, fanvids e fanarts circulam nessas subculturas e chegam ser tão

relevantes para seus indivíduos quanto o material original. É no reflexo desse cenário na

indústria de bens e serviços que encontramos os prosumers, e veremos agora uma série de

exemplos de expansão de conteúdo pelos amantes das lovemarks e como algumas empresas já

estão se aproveitando disso para ganho próprio.

Algumas das ações mais interessantes envolvendo conteúdo gerado por usuários –

User Generated Content (UGC) – surpreendem pela confiança que algumas marcas depositam

em seus fãs. Um desses casos aconteceu em 2012, na Coréia do Sul, e a marca por trás dele

ainda colhe os benefícios de ter investido nessa tática.

Especializada na produção de artistas de K-Pop, ou música pop coreana – a Cube

Entertainment é a responsável por algumas bandas de sucesso mundial, como a 4Minute e a

BEAST. Por ser uma gravadora de pequeno porte, entretanto, a Cube enfrentou o desafio de se

comunicar com fãs de outros continentes e, para conseguir fazer isso de maneira regional a

uma escala global, resolveu delegar essa função. Não para

empresas de comunicação instauradas em outros países,

entretanto. Os responsáveis por levar adiante a mensagem da

Cube – em outras línguas e para outras culturas – foram seus fãs.

Depois de um período de inscrições apenas para fansites

administrados com trabalho voluntário, que durou

aproximadamente vinte dias, os representantes da gravadora

avaliaram as mais de 150 inscrições de 30 países diferentes e

escolheram os 46 melhores, com base em critérios como número

de acessos, qualidade do conteúdo e táticas de operação. As 46 páginas escolhidas foram

condecoradas com um selo (Figura 4) de “fansite oficial” e, desde então, recebem

informações exclusivas sobre as bandas, tornando-se porta-vozes da marca em seus países de

origem.

O ponto de vista do fã em caso relativamente semelhante a este será levantado no

capítulo 4, mas é importante compreendermos o cerne do benefício adquirido pela Cube com

a execução deste plano. Ao empoderar estes fãs, a gravadora não apenas incentiva a

disseminação de seu material – gratuitamente – como também engaja esses clientes,

Figura 3 – Selo CUBE

Page 36: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

35

mantendo-os mais próximos a si do que nunca. Engajamento do consumidor e pulverização de

um discurso de alcance internacional com baixo – ou quase nenhum custo – são apenas duas,

das muitas possibilidades vislumbradas com a prática e o aperfeiçoamento desse contato

direto com o brand fan.

Assim como a Cube, a Hewlett Packard (HP) faz uso de conteúdo de fãs, mas não para

a divulgação da marca. A empresa californiana usa seus brand fans para suprir uma demanda

bastante importante: o suporte técnico ao consumidor. Através do Fórum HP, plataforma

centrada na interação de consumidores, qualquer usuário cadastrado pode publicar uma

dúvida ou expor algum problema técnico em seu produto. Feito isso, a pergunta é

disponibilizada para todos os outros usuários e pode ser respondida por qualquer um deles.

Até então, trata-se de um simples fórum colaborativo de troca de experiências, não

fosse a intervenção da marca sobre as respostas oferecidas. Aqueles usuários que se

destacarem, responderem a mais perguntas e mostrarem-se mais ativos na manutenção do

fórum, são classificados em categorias até que sejam considerados “HP Experts”. Os mais

dedicados são condecorados e recompensados com produtos grátis e informações exclusivas,

e até convites para eventos de tecnologia (KELLY, 2013).

A iniciativa, que na versão em português já funciona desde 2007, reitera a ligação

entre os conceitos de participação e generosidade com a realidade do brand fan. Alguns

desses experts chegam a passar mais de trinta horas semanais respondendo perguntas, e o que

motiva esses aficionados pela HP a realizarem uma carga laboral inteiramente de graça é não

apenas a paixão que nutrem pela empresa da qual são mais que clientes, como também o

vínculo de pertencimento a essa comunidade. Shirky (2010) afirma que “motivações

intrínsecas são aquelas nas quais a própria atividade é a recompensa” (SHIRKY, 2010, p. 68),

o que ele difere de “motivações extrínsecas”, onde há algum pagamento. Fica claro que, para

essas pessoas, o benefício de fazer parte deste grupo e vivenciar esta troca é, exatamente,

fazê-lo.

O último exemplo que analisaremos a respeito da expansão de marca por parte dos fãs

envolve os apaixonados por Nutella, creme de avelã e chocolate da marca italiana Ferrero.

Em 2007, a americana Sara Rosso, em parceria com uma amiga, mobilizou fãs do produto

através de redes sociais e uma página na internet e criou o que chamaria de “Dia Mundial da

Nutella”. Sua proposta era “celebrar [Nutella] e introduzi-la a várias pessoas que a

experimentariam pela primeira vez”9. Em sua página, publicou mais de 700 receitas de

9 Tradução nossa transcrita de vídeo disponível em:

<https://www.facebook.com/photo.php?v=10151882216126962>. Acesso em: 25 de maio de 2014.

Page 37: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

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alimentos feitos com o produto, que incluíam materiais próprios, receitas encontradas na

internet e envios de seguidores e outros fãs.

Entretanto, em abril de 2013, a popularidade do evento chegou ao conhecimento dos

advogados da Ferrero, que condenaram a prática e emitiram uma ordem de “cease and

desist”10

, exigindo que Sara encerrasse a iniciativa e parasse de publicar qualquer conteúdo

relacionado à Nutella, incluindo sua logomarca. No momento da publicação da carta, a página

do evento no Facebook já acumulava mais de 40 mil seguidores, acompanhados de mais 7

mil, no Twitter. O alcance do buzz gerado pelo evento já havia atingido redes de televisão

americanas e uma série de páginas na internet, nos Estados Unidos e em outros países.

A decisão de acabar com o evento, entretanto, não foi comentada pelos representantes

da Ferrero e gerou uma enorme onda de comentários negativos até que, pouco mais de um

mês após a ordem, a empresa voltou atrás, entrando em contato com Sara e pedindo desculpas

pelo ocorrido. Agora em pronunciamento oficial através de um jornal italiano, Ferrero

admitiu que ter impedido o Dia Mundial da Nutella havia sido um erro, motivado por um

protocolo do jurídico da empresa, que seria obrigado a emitir um cease and desist sempre que

alguma de suas marcas fosse utilizada sem autorização. Por fim, ainda afirmou ser uma

empresa de sorte por ter “uma fã tão dedicada quanto Sara Rosso”(TEPPER, 2013)11

.

Atualmente, a iniciativa recebe o apoio oficial da Ferrero, e não há nenhuma menção

ao ocorrido na página do Dia Mundial da Nutella: todas as publicações feitas pela autora à

época do cease and desist foram permanentemente deletadas após o acordo. Hoje, Nutella se

beneficia da popularidade do World Nutella Day, e ainda usa as páginas oficiais do evento

para divulgar o Nutella Stories, plataforma oficial da marca onde fãs do mundo inteiro podem

enviar vídeos contando sobre momentos memoráveis de sua vida que envolvam o produto.

Podemos notar que a empresa italiana não apenas percebeu o impacto negativo de ir de

encontro à vontade de seus fãs, como também agora busca expandir seu vínculo com eles,

num claro incentivo – através do resgate de memórias dos consumidores – ao “envolvimento

com a marca”, uma das atividades emocionais entre marca e consumidor mencionadas no

capítulo 2.

Esse conjunto de exemplos nos mostra claramente como algumas marcas já estão

mapeando as possibilidades acerca do brand fan e, principalmente, utilizando-se delas para

10 Cease and desist é uma medida da legislação americana que consiste em uma ordem – quando emitida por um

juiz – ou um aviso – quando redigida por um advogado em nome de uma pessoa física ou jurídica – demandando

que alguma atividade exercida por terceiros seja imediatamente descontinuada, sob a possibilidade de aplicação

dos rigores da lei. Funciona como uma espécie de aviso prévio, antes que seja instaurado um processo. 11 O pronunciamento da empresa na íntegra não foi encontrado. O artigo técnico referenciado contém a tradução

em inglês do material.

Page 38: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

37

benefício próprio. Entretanto, apesar, como dito anteriormente, da motivação desses

consumidores presumir um trabalho voluntário sem precedentes, existem formas mais

apropriadas de se tratar esse público seleto; formas mais apropriadas que, inclusive,

permitirão o incentivo e a expansão desse amor. Depois de analisarmos o que o

relacionamento com os fãs pode oferecer a uma marca, veremos agora o outro lado do

diálogo: o que os fãs esperam do objeto de seu amor e o que já está sendo feito pra reconhecer

toda essa dedicação.

4.2 – O amo que ama: os três desejos dos fãs.

Os casos levantados até o momento evidenciam que as características do brand fan são

responsáveis por fazer deste um tipo especial de consumidor, com certas potencialidades

benéficas às empresas que, se utilizadas da maneira correta, podem, dentre outras coisas,

ajudar a expandir o valor agregado de marca.

Entretanto, apesar de as motivações de um fã, como exposto anteriormente, serem

intrínsecas, esse consumidor precisa ser mantido, estimulado e engajado, bem como qualquer

outro. É evidente que, dadas as suas peculiaridades, esse estímulo deve responder a demandas

específicas, sobre as quais discutiremos a seguir. Em função da criação de um paralelo entre

os poderes do fã e as questões que vamos tratar neste subcapítulo, também as dividiremos em

três. Com base nos estudos sobre a relação entre fanático e objeto de fanatismo, serão

levantados os seguintes pontos nos quais as marcas podem estimular seus fãs objetivando

maior retorno: participação, exclusividade e reconhecimento.

Apesar de a conectividade ter elevado o consumidor e tornado possível o diálogo entre

ele e as empresas, o fanatismo ainda carrega consigo uma questão de unilateralidade. Maria

Claudia Coelho (1999) fala do ídolo, o objeto de fanatismo, como “um indivíduo que ocupa a

atenção de muitos, um indivíduo reconhecido por muitos, os quais contudo desconhece quase

que por completo, tendo deles uma percepção apenas quantitativa” (COELHO, 1999, p. 52).

Sabemos que esse ídolo a que se refere é uma pessoa, provavelmente um artista, mas a

devoção que perpassa esse tipo de fanatismo se repete no caso do brand fan, tornando

semelhantes as sensações experimentadas e, consequentemente, os desejos dos fãs.

É importante definirmos, então, que o fã não deseja ser pago. Ao menos não com

dinheiro ou brindes. Esse tipo de pagamento poderia, inclusive, reduzir o valor sentimental

desse tipo de “prestação voluntária de serviços” oferecida pelos fãs. Trazemos novamente o

discurso de Shirky (2010) sobre motivações, em que afirma que “uma motivação extrínseca,

Page 39: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

38

como ser pago, pode esvaziar uma intrínseca, como usufruir de algo pela coisa em si”

(SHIRKY, 2010, p. 68). A recompensa à devoção dos fãs e a entrega que a acompanha deverá

se dar no rompimento da unilateralidade supracitada, como afirma Coelho:

[...] a esperança de receber algo mais do que uma simples resposta a uma

carta específica: a esperança do fã de ser correspondido nos sentimentos que

nutre pelo ídolo, de quebrar aquela assimetria básica do relacionamento de estabelecer uma relação de reciprocidade. (COELHO, 1999, p. 53)

Ao excluirmos a possibilidade de pagamento, portanto, afirmamos por consequência a

inviabilidade do processo de “compra” de fãs. Esse é um sentimento que, no geral, não poderá

ser mercantilizado, e deverá partir de uma paixão genuína do indivíduo. Pode, entretanto, ser

incentivado e multiplicado, como afirma Bexy Cameron em publicação para o site

WeAreAmplify. Para ela, “apesar da fabricação de fãs parecer uma contradição à essência do

fanatismo – o cenário nos permite encontrar fãs e utilizá-los em estratégias de marketing

dando a eles informação extra, valor, incentivos e desafios”. (CAMERON, 2012)

A primeira questão a ser discutida quanto aos desejos e vontades do fã é a da

participação. Fãs estão dispostos a fazer parte do processo de produção e criação da sua

marca do coração, portanto é de extrema importância que se sintam parte desse processo; de

outro modo correm o risco de acreditar que sua dedicação é em vão, o que pode enfraquecer o

relacionamento. Em seu artigo – cujos conselhos, apesar de serem voltados para gestão de

carreira musical, podem ser aplicados em todas as instâncias de brand fan – Jon Ostrow

(2012) levanta maneiras de tratar um fã corretamente, e menciona exatamente este ponto:

Se você fala para os seus fãs e foca no 'eu, eu, eu', eles não vão ter

muito material para se sentirem conectados a você. Na percepção deles, eles não existem em seu mundo, logo, se ficarem ou forem embora não farão

diferença para você. Entretanto, se você falar com os seus fãs e os fizer sentir

parte verdadeiramente importante da máquina bem lubrificada que é a sua

carreira, você pode dar a eles uma sensação de motivação e uma razão para permanecer ao seu lado. Ao trazê-los para a sua (sua, aqui, num sentido

coletivo de você + sua base de fãs) jornada regularmente, seus fãs vão ter

algo especial com o que fidelizar e vão apoiar você de todas as formas que puderem. (OSTROW, 2012, tradução nossa)

A segunda demanda dos fãs é provavelmente a que mais está refletida tanto na

literatura do fanatismo sob o viés da psicologia quanto nos estudos de comunicação e

marketing que abordam o brand fan. Fãs buscam exclusividade, e essa será provavelmente a

forma mais eficaz de engajá-los e motivá-los a fazer algo por uma marca.

Page 40: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

39

Uma face dessa ideia é discutida por Maria Claudia Coelho (1999) quando fala do

conceito de singularização. A autora levanta a questão de que o fã – sendo um em meio a

vários semelhantes – buscaria demonstrar algum tipo de característica especial que o

diferenciasse dos outros, o que o possibilitaria preencher o papel de “fã número um”.

Entretanto, tal tentativa configuraria um paradoxo, à medida que, se todos os indivíduos

estiverem um patamar acima por proclamarem-se “fãs número um”, todos eles voltam à sua

semelhança, e não há singularidade alguma. (COELHO, 1999, p. 56).

Ainda assim, podemos levantar algumas marcas que resolveram utilizar essa

necessidade de sobressair inerente aos fãs para demonstrar seu zelo por eles. Nunca sem

antes, é claro, analisar a situação e escolher os fãs corretos objetivando algum retorno. A Taco

Bell, rede de fast food norte-americana especializada em comida mexicana, foi uma delas. A

empresa realizou uma ação relativamente simples que gerou uma enorme onda de mídia

espontânea positiva a seu respeito, motivados por inúmeros fãs que, através das redes sociais,

propunham a Taco Bell em namoro ou casamento (Figura 5).

Pedidos de casamento à Taco Bell

Figura 4

A situação pode parecer estranha, mas é verdadeiramente comum e, ao que parece, a

marca costuma responder a todas as mensagens deste tipo com uma frase padrão, “We

thought you’d never ask”, ou “Achamos que não fosse perguntar”. Em maio de 2013,

entretanto, Taco Bell resolveu dar o próximo passo e, de certa forma, efetivar algumas dessas

propostas. Depois de escolher oito fãs com base em critérios de interação com a marca e de

relevância do indivíduo como formador de opinião online, a empresa customizou oito alianças

de ouro com seu nome e presenteou os fãs selecionados. Inúmeros portais de comunicação

noticiaram o fato, que foi considerado inovador e curioso por especialistas. Além disso, só as

publicações principais dos fãs presenteados a respeito do feito geraram dezenas de milhares

de likes em redes como o Twitter e o Instagram.

Page 41: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

40

Coelho (1999) ainda discute o conceito de exclusividade quando fala das fotos

autografadas. Essas seriam, afirma, um material mais valioso por serem feitas em tiragem

menor (a autora levanta aqui a dicotomia no tema quando aponta os artistas que

encomendariam grandes tiragens de fotos autografadas previamente justamente com o

objetivo de atender a essa demanda dos fãs) e por terem sua autenticidade atestada através da

assinatura do artista – o que também seria contestável pela mesma dicotomia que perpassa o

argumento anterior (COELHO, 1999, p. 57).

Essa, aparentemente, é uma questão mais delicada ao passo que há uma contradição na

exclusividade de algo ofertado a muitos, o que impediria marcas com grandes legiões de fãs a

engajarem propriamente com esse público. Entretanto, o exemplo a seguir mostra que é

possível criar uma – possivelmente falsa – sensação de exclusividade, mesmo que estejamos

falando de números muito altos. A estratégia de lançamento do PotterMore, plataforma de

leitura e interação online para fãs de Harry Potter lançada pela autora da série, J.K. Rowling

em parceria com a Sony, foi uma prova real de que uma marca pode engajar fandoms de

proporções altas através da demanda da exclusividade.

Depois de um período de teasers12

gerando buzz13

sobre a plataforma, a seguinte ação

promocional foi divulgada; sete desafios seriam escondidos em sites oficiais da série, um em

cada dia da semana. O prêmio para os primeiros fãs que encontrassem e decifrassem esses

desafios: uma vaga na versão beta do site, antes do lançamento oficial para o mundo todo. Um

milhão de vagas foram disponibilizadas e distribuídas entre essas charadas.

Tratavam-se de questões ligeiramente complicadas, mas que, em teoria, poderiam ser

respondidas por qualquer fã da marca Harry Potter com acesso aos livros da saga ou a algum

mecanismo de busca na internet. Entretanto, as quests, como eram chamadas, eram divulgadas

de surpresa, em horários aleatórios. Em uma delas, ao acessar a página do Pottermore às 6

horas da manhã – horário de Brasília – o usuário era recebido com a seguinte pergunta: “Qual

é o número do capítulo no qual a Profª. McGonagall cancela a partida de Quadribol entre

Grifinória e Lufa-lufa? Multiplique este número por 42”14

. Após inserido o resultado

numérico, o fã era direcionado para alguma das páginas oficiais da marca (neste caso, a

página oficial do filme Harry Potter e as Relíquias da Morte), onde deveria encontrar uma

12 Fase inicial de uma campanha de comunicação que revela pouco a respeito do conteúdo a ser tratado,

principalmente com o objetivo de levantar a curiosidade do público alvo. 13 Efeito de reverberação de um conteúdo através dos consumidores. Pode ser comparado ao efeito viral, a

principal diferença entre os dois é que o buzz é um efeito de marketing planejado, o viral acontece ao acaso. 14 O conteúdo ficou disponível na página do Pottermore apenas enquanto a charada estava disponível. Tradução

retirada de <http://conteudo.potterish.com/pottermore-the-magical-quill/>

Page 42: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

41

“pena mágica”. Só aí, então, era condecorado com uma mensagem de congratulações (Figura

6) e receberia o direito de se cadastrar exclusivamente na plataforma.

Mensagem de boas vindas do Pottermore

Figura 5

Todos os detalhes dessa ação aparentam terem sido planejados com o objetivo de

transparecer essa percepção de exclusividade, que motivou fãs de países ao redor do mundo a

buscarem por uma dessas vagas. O paradoxo proposto por Coelho ainda pode ser percebido,

apesar disso. Afinal, não podemos afirmar que algo que tenha sido conquistado por um

milhão de pessoas seja, em qualquer instância, exclusivo. O que nos ajuda a evidenciar, então,

que a demanda dos fãs por esse material restrito trata muito mais da experiência e da sensação

de exclusividade do que da exclusividade em si.

O último dos três pontos que constituem as maiores demandas do fã consumidor pode

ser considerado simples, mas é extremamente crucial. Brand fans entregam resultados por

amor, e tenderão a seguir entregando se sentirem que em retorno a seu trabalho há

reconhecimento. Parece lógico se pensarmos que o mínimo que se espera de alguém para

quem se fez um favor é um “muito obrigado” em retorno. Fãs adoram agradecimentos,

especialmente quando acompanhados de repercussão – os tão desejáveis “quinze minutos de

fama” – e existem diversas formas de entregar isso a eles.

Janelle Vreeland, Desenvolvedora de Conteúdo para Mídias Sociais da HY Connect

levanta que uma das formas mais eficazes seria o agradecimento simples e direto, através das

próprias redes sociais. Essa resposta pessoal permitiria que os fãs soubessem que a marca não

só percebeu seus esforços, como também os aprecia. A especialista afirma que "um 'muito

obrigado' percorre um longo caminho, porque apenas o tempo que é empregado para realizá-

lo já mostra que sua marca se importa" (VREELAND, 2013, tradução nossa).

Page 43: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

42

Um exemplo que mostra com clareza o quão simples e verdadeiramente positivo esse

agradecimento pode ser é o da So Delicious, marca de produtos livres de laticínios15

. A

empresa dedica uma fração de sua página oficial – que já mostra o interesse no conteúdo dos

consumidores por conter uma área de troca de receitas com os produtos vendidos –

exclusivamente para valorizar e admirar seus fãs (Figura 7).

Área dos fãs So Delicious

Figura 6

Outra maneira levantada por Vreeland de realizar esse reconhecimento reitera

claramente uma das potencialidades do fã consumidor discutida anteriormente: sua

capacidade de gerar conteúdo. Quando afirma que toda marca tem “especialistas na sua

indústria dentro da sua lista de fãs” (VREELAND, 2013, tradução nossa) e diz que as

empresas deveriam analisar esse conteúdo para, então, repassá-lo aos seus consumidores –

dando os devidos créditos – fica claro que todas as potencialidades e demandas aqui

levantadas não são espectros independentes, mas partes altamente interligadas e igualmente

importantes na gestão do relacionamento com o brand fan.

Os exemplos levantados representam algumas formas mais comumente encontradas

dentre os cases relevantes na área, mas o essencial, neste caso, é percebermos que a

criatividade do gestor de branding deve ser um fio condutor nesse cenário. Fica claro que é

preciso cruzar tanto as potencialidades quanto as demandas do fandom da marca com a

aplicação de soluções que sejam, ao mesmo tempo, interessantes para o desenvolvimento do

brand equity e financeiramente produtivas para a empresa para que o relacionamento com o fã

consumidor seja um investimento eficaz.

15 Não confundir com produtos livres de lactose. Produtos sem lactose podem conter outros componentes do

leite, produtos livres de laticínios não contém qualquer substância de origem láctea.

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43

4.3 O lado B: riscos e principais problemas no relacionamento com o fã consumidor

Qualquer vertente inovadora de pensamento, em provavelmente qualquer área do

conhecimento, será confrontada por argumentos contrários que a julgarão errônea ou

desnecessária. Com as táticas de engajamento de brand fans – e questões adjacentes, como

conteúdo produzido por consumidor – não seria diferente.

Um dos principais porta-vozes dessa contra-argumentação em nosso caso é Andrew

Keen (2009). Seu livro O Culto do Amador ficou conhecido por levantar um ponto de vista

radicalmente contrário à cultura da participação, gerando para seu autor a alcunha de

“anticristo da internet”. O cerne de sua argumentação consiste na desvalorização da voz e do

empoderamento dos usuários da web 2.0, partindo da premissa – já comprovadamente vazia –

de que apenas especialistas devem ser ouvidos sobre suas áreas de expertise. Todos os outros

usuários, quando juntos discutindo assuntos nos quais não são oficialmente credenciados,

apenas seriam capazes de produzir conteúdo “medíocre”, afirma.

A inspiração por trás deste livro [vem de] T. H. Huxley, o biólogo

evolucionista do século XIX e autor do 'teorema do macaco infinito'.

Segundo a teoria de Huxley, se fornecermos um número infinito de máquinas de escrever, alguns macacos em algum lugar vão acabar criando

uma obra-prima – uma peça de Shakespeare, um diálogo de Platão ou um

tratado econômico de Adam Smith. […] em nosso mundo Web 2.0 as máquinas de escrever [...] são computadores pessoais conectados em rede, e

os macacos não são exatamente macacos, mas usuários da internet. (KEEN,

2009, p. 8)

Seu ponto de vista apocalíptico – que inclusive cai no lugar comum quando afirma que

“a mídia tradicional está ameaçada de extinção” (KEEN, 2009, p. 14) teria se desenvolvido

após sua participação num congresso colaborativo de discussões sobre a internet, onde Keen

teria chegado à conclusão de que muitas pessoas falando ao mesmo tempo sobre tudo

constituiriam uma espécie de “anarquia” desordenada (KEEN, 2009, p. 19).

Não é difícil perceber que a opinião tacanha de Keen ignora abertamente os benefícios

da participação e generosidade dos indivíduos conectados. Sua visão se baseia em valores

arcaicos e aparentemente fecha os olhos para tudo que o empoderamento dos usuários – e, no

nosso caso, dos consumidores – trouxe de positivo para a sociedade contemporânea. É

exatamente por isso que seu discurso, apesar de tão amplamente difundido – muito

Page 45: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

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provavelmente por sua capacidade de ser controverso – também é igualmente contrariado, e

por vezes, inclusive, ignorado.

Esse não é, entretanto, o único olhar que vai de encontro às nossas questões. Existem,

sim, evidências de que o relacionamento com o fã consumidor pode ser arriscado, e levantá-

las para dirimi-las é, provavelmente, o melhor caminho de evitar as desagradáveis

possibilidades de erro.

Os próprios Tapscott e Williams (2007) são responsáveis por levantar a dicotomia que

representa o principal problema potencial da situação: o “controle versus interferência dos

clientes” (TAPSCOTT e WILLIAMS, 2007, p. 166). Esse cliente devoto – que para os

autores é o prosumer, mas cuja delimitação nos serve para aplicação com fãs – quando

empoderado além do limite, poderia deixar de ser um aliado para se tornar um concorrente.

Fazendo uso de um exemplo já aplicado neste trabalho, uma situação hipotética que pode

ilustrar essa possibilidade: se os fãs das bandas produzidas pela Cube Entertainment

deixassem de acessar os conteúdos de fontes oficiais e passassem a interagir apenas com os

fansites chancelados pela empresa, uma ação a princípio benéfica poderia se tornar nociva.

Mike Raboine (2012) também levanta pontos de atenção em seu artigo curiosamente

chamado de The Pitfalls of Relying on Brand Fandom16

, publicado em duas partes pelo site

Branding Beat. O autor afirma que ao enaltecer uma parcela de seus consumidores deve-se ter

extrema cautela para que esse tratamento exclusivo não desencoraje outros consumidores

menos apaixonados (RABOINE, 2012). Estes outros não podem, em hipótese alguma, serem

deixados de lado – principalmente pelo fato de comporem uma maioria numérica que

provavelmente será responsável pelos números, e pelo lucro, de uma empresa.

Outra questão discutida por Raboine é a de que o fato de o fandom ser apaixonado por

uma marca não quer dizer que este será complacente com ela. Pelo contrário, fãs sentem-se no

direito de reclamar quando se sentem lesados, principalmente por oferecerem mais e por

serem, com cada vez mais frequência, estimulados a falar o que pensam. O risco de

desapontar o consumidor também aumentaria, já que uma parcela do público estará altamente

magnetizada e completamente abarrotada de expectativas, logo, mais suscetível à frustração

(RABOINE, 2012).

A questão é: todos essas possibilidades são reais, e precisam ser medidas com cautela

durante o planejamento do relacionamento com o consumidor. É impossível traçar uma linha

que defina até onde empoderar o brand fan, principalmente porque, da mesma forma que cada

16 As armadilhas de contar com o fã de marca, tradução nossa.

Page 46: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

45

empresa tem suas peculiaridades e cada mercado tem suas verdades, cada fandom age de

forma diferente e deve ser estudado, tratado e engajado de maneira excepcionalmente

particular.

Mobilizar e interagir com fãs exige, sem dúvida, um trabalho meticuloso e detalhado,

mas que, como pudemos perceber com todos os atributos exibidos até aqui, também pode ser

extremamente recompensador por oferecer uma série de benefícios exclusivos e altamente

valiosos.

Page 47: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

46

5. CASE: POTTERISH.COM

Pense num produto mundialmente famoso. Um bem de consumo durável difundido em

tão larga escala que é possível encontrar um exemplar disponível para cada 15 habitantes no

planeta17

. Trata-se de um feito indubitavelmente importante, principalmente quando estamos

falando de uma obra literária. Aliás, da terceira obra literária mais vendida dos últimos

cinquenta anos, atrás apenas d’A Bíblia Sagrada e das Citações do Presidente Mao Tse-Tung.

Os números da saga Harry Potter impressionam, evidentemente. O primeiro livro,

Harry Potter e a Pedra Filosofal está, sozinho, entre os dez livros mais vendidos da história

da humanidade. Já os oito filmes produzidos pela Warner com base na história de J.K.

Rowling atingiram a marca dos 7,7 bilhões de dólares arrecadados ao redor do mundo. Mas o

que realmente salta aos olhos de especialistas em marketing de todo o mundo são os

desdobramentos de seu universo para as mais diversas plataformas de entretenimento.

Neste capítulo Harry Potter será compreendido como a marca que se tornou. A

máquina de dinheiro conhecida no mundo inteiro configura um dos maiores e melhores

exemplos de relacionamento e manutenção do fã consumidor, mesmo três anos depois do

lançamento do último filme e sete do último livro. Nosso foco se voltará, entretanto, para um

produto planejado, executado e mantido por fãs brasileiros que chamou a atenção da própria

J.K. Rowling em 2006, e condensa uma série de aspectos levantados neste trabalho sobre as

características do fã consumidor e sua relação com a marca em seu coração: o Potterish.com.

Considerado o maior portal sobre Harry Potter da América Latina, o Ish, como é

conhecido por seus próprios fãs – conta com um conteúdo gigantesco sobre a saga e é

inteiramente administrado e desenvolvido com a força do trabalho voluntário de mais de 60

pessoas. Conhecido por sua qualidade editorial, a página já foi mencionada em veículos de

mídia tradicional como o New York Times, e recebeu elogios da autora dos livros por seu

estilo, expertise e responsabilidade.

Enquanto correlacionarmos a realidade do Potterish com os termos e casos analisados

neste trabalho, contaremos com o rico ponto de vista de três fãs de Harry Potter que dedicam

inúmeras horas de suas semanas à manutenção do Portal, em diversas áreas de atuação. Os

jovens, que concordaram em conceder entrevistas durante a produção desse artigo, ilustram

bem nosso objeto de estudo e ajudam a compreender a experiência de gerar conteúdo para

uma marca tendo apenas o fanatismo como motivação. As entrevistas foram realizadas

individualmente, sem que os participantes soubessem previamente a respeito do assunto

17 Partindo das estimativas de 450 milhões de livros para 7 bilhões de habitantes.

Page 48: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

47

abordado, e os mesmos não tiveram nenhum contato com o conteúdo deste trabalho, de modo

a preservar a autenticidade e o caráter genuíno de seus discursos.

Propomos aqui, então, uma análise do case de sucesso que o Potterish se tornou

apenas com o esforço de fãs, além da importância desse esforço para a manutenção da marca

Harry Potter num mercado tão expressivo quanto o Brasil. Durante o processo, ainda

poderemos correlacionar todos os conceitos propostos e estratégias defendidas que se

aplicarem ao caso, de forma a ratificar sua funcionalidade e eficiência.

5.1 A cicatriz mais famosa do mundo: a marca Harry Potter

O universo criado por J.K. Rowling há tempos já ultrapassou o patamar de obra

literária e adquiriu a forma de marca global multiplataforma. Seu valor está estimado em mais

de 15 bilhões de dólares (AQUINO, 2011), o que a nivela com outras marcas como Hewlett-

Packard e HSBC18

. Além dos sete livros da série original, foram produzidos mais três livros

com material de suporte e oito produções cinematográficas de proporções gigantescas.

O término da produção de Harry Potter e a Relíquia da Morte Parte 2, último filme da

franquia que hoje tem o título de quarta maior bilheteria do mundo, não significou o fim da

expansão criativa da marca. Já foram lançados um parque de diversões temático reproduzindo

inúmeros ambientes da história de Harry em Orlando, na Flórida, uma plataforma de leitura

com uma série de conteúdos literários novos sobre a trama, além de diversas reedições de

todos os DVDs, Blu-Ray Discs e livros, tanto individualmente quanto em boxes de valores

exorbitantes para acalentar o coração dos fãs. Além dessas ramificações mais conhecidas,

também foram produzidos trilhas sonoras e jogos de videogame – um equivalente a cada filme

lançado, inúmeras réplicas de itens da história – desde varinhas a medalhões, passando,

inclusive, pelo par de óculos que se tornou símbolo da série; e um sem número de outros

objetos “trouxas”19

como travesseiros ou camisetas, todos estampados com o rosto de Harry.

E aparentemente os planos das empresas detentoras dos direitos sobre Harry Potter

não terminaram. Até o final da composição deste artigo, já haviam sido anunciados três novos

filmes spin-offs20

roteirizados pela própria J.K. Rowling, uma expansão no parque de Orlando

18 Dados obtidos em www.forbes.com. 19 Na série Harry Potter, trouxa é a designação para seres humanos não mágicos e todos os artefatos produzidos

por eles, sem o uso de magia. 20 Spin-off é uma narrativa que se apropria do universo de outra, sem necessariamente se apropriar de seus

personagens ou sua trama. Animais Fantásticos e Onde Habitam, spin-off de Harry Potter a ser lançado em 2015,

por exemplo, acontece no mundo criado por J.K. Rowling onde existem bruxos e criaturas fantásticas, mas se

passa na cidade de Nova York, na década de 70, e seus personagens não tem qualquer relação com a trama de

Harry.

Page 49: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

48

e um possível novo parque na costa oeste dos Estados Unidos. Ainda podemos testemunhar os

novos lançamentos de Rowling, que continua sua carreira literária com novos produtos

completamente dissociados de seu principal personagem, mas que certamente aproveitando da

rentabilidade conferida a tudo que circunda a grande indústria que se tornou esse universo

mágico.

Entretanto, mais interessante que o tamanho quase infinito de possibilidades que

Harry Potter pode gerar como marca, é a grande legião de fãs que a segue e todo o frenesi

instaurado ao seu redor. Os potterheads, como se autodenominam, tem sido objeto de estudo

de inúmeros pesquisadores nas diversas áreas que circundam o fanatismo, todas elas sempre

enaltecendo a extrema lealdade e dedicação como suas principais características. Inúmeros

artigos e livros publicados, inclusive, mencionam a estratégia de relacionamento das empresas

detentoras de Harry Potter com seus fãs como sendo um case de absoluto sucesso a ser

seguido por quaisquer outras marcas que desejem instaurar uma experiência de consumo

válida para seus fãs e fazer bom uso dela. Em seu livro, Harry Potter: The Story of a Global

Business Phenomenon, Susan Gunelius (2008) afirma:

As pessoas estão sempre procurando por algo em que acreditar e com

que possam se conectar, e Harry Potter preencheu um vazio, tendo os fãs

percebido ou não que esse vazio existia. Eles se sentem conecatos a Harry Potter e seu relacionamento com o produto e a marca criou um profundo

senso de lealdade muito rapidamente. As pessoas se envolveram com a

estória em Harry Potter e desenvolveram sentimentos pelo produto. [...] Os fãs de Harry Potter encaixam no modelo perfeito de consumidores

envolvidos e leais. Esse é o ideal que toda marca deseja. Um alto nível de

envolvimento com o consumidor pode criar um marketing boca-a-boca

massivo e pode ajudar a elevar uma marca a um status de devoção. (GUNELIUS, 2008, p. 27-28, tradução nossa)

Não foi sempre assim, contudo. Em 2001, ano importante na história da marca por

comportar o primeiro lançamento cinematográfico – boa parte do sucesso de Harry Potter

pode ser atribuído a seus filmes, que chamaram muita atenção ao material literário que já

havia sido publicado – a Warner Bros acusou a fã Claire Field, de apenas 15 anos, de infringir

os direitos de propriedade intelectual da companhia (BOWMAN, 2001). A situação de Claire

se assemelha em vários aspectos ao case Nutella, estudado no capítulo 3: a menina foi a

responsável por criar o site Harry Potter Guide, uma espécie de enciclopédia sobre Harry

Potter onde outros fãs pudessem buscar informações.

Na época, um representante de Claire Field afirmou que o discurso da Warner ao se

retratarem quanto ao caso e voltarem atrás com as acusações teria sido de que naquele

Page 50: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

49

momento a empresa estaria disposta a confiar na boa fé de Claire Field e em sua certeza de

que os planos da menina não incluíam nada além do uso não comercial das informações

divulgadas (PRETTYS SOLICITORS, 2011 apud BOWMAN, 2011). Esse caso foi,

inclusive, um de muitos, numa espécie de guerra não declarada entre a Warner e todos

aqueles que tentassem manter páginas não oficiais sobre Harry Potter.

No entanto, a empresa aparentemente conseguiu corrigir seu suposto erro de

julgamento a tempo. Sua relação com esses fãs mais dedicados é, hoje, digna de

reconhecimento. A própria J.K. Rowling criou em seu site oficial uma área dedicada à

premiação dos melhores fansites sobre seu menino prodígio, o Fansite Award – do qual

voltaremos a falar quando entrarmos no case Potterish. Aparentemente, a condecoração é

administrada pela própria autora, que escolheu pessoalmente os sites e publicou em sua

página sua opinião sobre cada um deles.

Essa mudança de plano tático pode ser relacionada com os estudos de Jenkins, que

afirma que “talvez os líderes da indústria estivessem reconhecendo a importância do papel

que os consumidores podem assumir não apenas aceitando a convergência, mas na verdade

conduzindo o processo” (JENKINS, 2009, p. 35). Como vimos até aqui, se uma marca souber

se relacionar com os fãs que conquistou, souber entendê-los e se propuser a ouvir e atender

suas demandas, poderá colher frutos de proporções inimagináveis. Veremos agora, então,

como isso se aplica ao case Potterish, através de uma análise de sua formação, de sua relação

com as marcas detentoras de Harry Potter, contando com o enriquecedor ponto de vista dos

quatro entrevistados membros da equipe do site.

5.2 Os fãs que são ídolos – Potterish.com

A disponibilidade e a boa vontade de um indivíduo estão presentes em discussões

como a que circunda o voluntariado21

, por exemplo, há bastante tempo. Se tornam, porém,

ainda mais poderosas quando combinadas com talento e motivação. De acordo com Shirky

(2010), quando o tempo livre e os talentos de um indivíduo estão interligados, sua livre

21 A discussão a respeito do voluntariado em sua forma mais conhecida foi propositalmente afastada deste

trabalho para que não houvesse o embaraço desse conceito com nosso estudo a respeito do conteúdo gerado

voluntariamente por fãs, afinal, as motivações por trás dessas duas atividades são completamente dissociadas.

Entretanto, é interessante levantar, apenas por um momento, que essas duas realidades podem tangenciar uma à

outra em uma questão: o comprometimento dos envolvidos. Segundo Garay (2001), em Programa de

voluntariado empresarial, comprometimento é uma soma de envolvimento, apego e identificação – três

sentimentos intrinsecamente ligados à situação do fã consumidor.

Page 51: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

50

escolha a respeito de suas atividades pode ser de grande importância para terceiros. No caso

que estamos prestes a analisar, os indivíduos são potterheads brasileiros e o terceiro, a marca

Harry Potter e suas empresas detentoras.

Homepage do Potterish

Figura 7

Aberto ao público em novembro de 2002, logo após o lançamento do segundo filme da

saga que até o momento tinha apenas quatro de seus sete livros publicados, o Potterish

(Figura 8) é um exemplo da organização em comunidade por parte dos fãs e de seu total

engajamento e comprometimento com a marca em seus corações. Com mais de 60 membros,

a equipe é dividida em áreas de atuação que são internamente hierarquizadas e vão desde

redação e edição até tradução e transcrição. A estrutura é bem definida e todos os papéis são

importantes para a manutenção do site, que possui processo seletivo para a escolha de novos

participantes e um interessante sistema de movimentação vertical de serviços.

Marina Anderi, de 18 anos, começou como tradutora e agora é chefe da equipe de

tradução. Suas responsabilidades hoje incluem “selecionar novos tradutores, chamar atenção

dos que estão ausentes na equipe, supervisionar quem traduz cada texto - para não haver

confusão - e traduzir, ocasionalmente” (ANDERI, 2014)22

. A estudante – bem como seus

colegas entrevistados para esta pesquisa – categoricamente afirma que a responsabilidade em

reportar notícias sobre o universo de Harry Potter e suas marcas adjacentes é a grande missão

do grupo, e sua maior qualidade. Como levantado anteriormente, sua ética ao reportar já foi,

inclusive, mencionada em veículos de grande porte, como o New York Times.

22 Entrevista concedida ao autor deste trabalho. A versão na íntegra está presente nos apêndices.

Page 52: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

51

Comprovada, então, a excelência desse material integralmente conduzido por fãs,

nosso próximo passo é identificar, dentro das características propostas a esse tipo de

indivíduo, as principais motivações que as levam a fazer o que fazem. Afinal, estamos falando

de 60 pessoas, muitas das quais já profissionais de mercado em áreas relacionadas ou não à

mídia e entretenimento23

que disponibilizam seu tempo e serviço a uma marca bilionária sem

terem sido contratadas para isso.

Tapscott e Williams (2007) levantaram situações em que os usuários precisavam

preencher lacunas deixadas pelas empresas em seus produtos, como no caso de fazendeiros

americanos que arrancavam os bancos traseiros de seus carros para obterem mais espaço,

décadas antes dos fabricantes de carros entenderem essa necessidade e “criarem” as picapes.

Algo semelhante foi levantado por Lorena de Assis ao descrever um dos motivos que teriam

levado os fãs a se mobilizarem pela criação do Potterish. Ela afirma que o público aficionado

por Harry Potter teria a necessidade de saber todos os detalhes e curiosidades possíveis

envolvendo a saga e, para ela, “como não havia ninguém fazendo isso sendo pago pela

Warner, os fãs tiveram que ir lá fazer” (ASSIS, 2014)24

.

Já Marina Anderi levanta outra questão:

Eu entrei no Potterish porque queria fazer parte desse site que gosto tanto, que tem o reconhecimento da J.K. [Rowling], e também porque muitos

de meus amigos também faziam parte dele. O fato de não receber nada pelo

meu trabalho... Não parece ruim. Sinto que sou mais feliz assim do que recebendo dinheiro.

25

Podemos perceber aqui um paralelo direto entre a opinião da estudante e o pensamento

de Shirky levantado no terceiro capítulo sobre a possibilidade de pagamento a uma atividade

que partiu motivações intrínsecas: ao afirmar que se sente mais feliz por fazer parte de algo

que gosta, estar em sintonia com a comunidade de fãs e receber reconhecimento por isso, do

que seria se fosse paga, Marina inconscientemente reitera que motivações extrínsecas e

intrínsecas não devem ser misturadas (SHIRKY, 2010).

23 Alguns dos fãs membros da equipe do Potterish são publicitários, cineastas ou estudantes dessas áreas que

estariam mais intimamente ligadas ao trabalho que executam e à indústria da qual Harry Potter faz parte, mas é

curioso perceber que muitos atuam em áreas extremamente distintas. Lorena de Assis, entrevistada pelo autor,

por exemplo, é estudante de medicina. 24 Entrevista concedida ao autor deste trabalho. A versão na íntegra está presente nos apêndices. 25 Entrevista concedida por ANDERI, Marina. 2014. Entrevistador: Pedro Emanuel Maia. Rio de Janeiro, 2014.

A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice A desta Monografia.

Page 53: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

52

Figura 9 – Selo FanSite Award

Todavia, conforme estudamos até aqui, uma série de estímulos pode ser útil para

incentivar esse fã e permitir que continue fazendo um bom trabalho. Para os membros do

Potterish, a representação máxima desses estímulos se deu através do Fansite Award, prêmio

que receberam em 2006 da própria autora da série, Joanne Rowling, cujo selo está

orgulhosamente exibido em sua página inicial (Figura 9). Essa condecoração já citada acima

foi mencionada no discurso de todos os entrevistados:

[...] esse prêmio nos coloca oficialmente como participantes do mundo Harry

Potter. Aquele desejo que falei no início, de entrar para a história. É como se

a JK [Rowling] tivesse escrito um simples parágrafo sobre nós em um dos

livros da série. Essa foi a emoção quando o recebemos. 26

E em:

Eu, pelo menos, tenho esse pensamento pessimista de que nunca vou poder conhecer o meu ídolo e ele vai morrer sem nem saber que eu nasci, mas

sabendo que ela conhece o Ish é como se ela me conhecesse um pouco

também. 27

Esse posicionamento dos entrevistados é interessante à medida que claramente

exemplifica o pensamento de Coelho (1999) levantado no capítulo anterior. Fãs enxergam

uma assimetria entre eles e seus ídolos – como Lorena e sua prévia certeza de que J.K.

Rowling morreria sem saber que ela existe – e quando essa assimetria é quebrada, mesmo que

de forma sutil, o impacto no sentimento do fã apaixonado é incomensurável. Outro ponto

discutido neste trabalho, quando levantamos os três principais pontos positivos de se trabalhar

com o fã consumidor, é a sua capacidade de promover, de divulgar e difundir o discurso e o

26 Entrevista concedida por ALVARES, Mayke. 2014. Entrevistador: Pedro Emanuel Maia. Rio de Janeiro,

2014. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice B desta Monografia. 27 Entrevista concedida por ASSIS, Lorena. 2014. Entrevistador: Pedro Emanuel Maia. Rio de Janeiro, 2014. A

entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice C desta Monografia.

Page 54: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

53

material de uma marca com mais facilidade entre outros consumidores, por serem, como foi

dito, porta-vozes deste conteúdo capazes de dialogar em pé de igualdade com seus

semelhantes. Mais uma vez, podemos perceber a aplicabilidade disso através da fala de nossos

entrevistados:

É um fã falando pra outro, não é o cara que vai ficar rico com aquilo dizendo “venha consumir, meu produto é legal”, é alguém que não está

ganhando nada com aquilo te dizendo que é legal. Dá uma autenticidade

maior, eu acho. 28

E em:

Todos esses esforços, mais o trabalho de geração de conteúdo e reportes de notícias fazem com que os fãs nos vejam como amigos, iguais,

como pessoas que os entendem e possam ter uma conversa. Em quem você

confiaria mais nesse caso? Uma marca que possui uma relação de amizade

com você, que sempre responde suas dúvidas e ainda tem a frequente possibilidade de encontra-los ao vivo, ou uma marca distante, soberana que

não possui uma ferramenta de relacionamento em forma de mão-dupla? 29

O posicionamento de Mayke é especialmente interessante. Podemos notar que ele se

refere ao fansite como uma marca, ao mencionar que possuem uma relação de amizade com

outros fãs e, posteriormente, o compara com a marca em si, que seria “distante” e “soberana”.

Não está errado, já que o Potterish por si só tem milhares de seguidores e fãs próprios e

compôs durante os anos uma imagem sólida que pode, sim, ser comparada a uma marca.

Discutiremos mais adiante, entretanto, os riscos dessa dissociação.

Também podemos justificar essa capacidade de diálogo com outros fãs pelo seguinte

fato: fãs sabem mais sobre a marca do que qualquer outro consumidor e, pode-se dizer sob

certa perspectiva – até mais do que a marca em si. Fábio Coelho (2012), presidente da Google

no Brasil, afirmou em comissão realizada em 2012 que “as marcas pertencem cada vez mais a

quem as usam” (COELHO, 2012 apud ROCHA, 2012), e é possível perceber que os membros

do Potterish concordam com essa premissa. Ao discursar sobre a importância do site para a

divulgação da marca Harry Potter no Brasil, Mayke afirma que são experts no assunto. Para

ele, “a Warner poderia contratar qualquer agência de comunicação e com certeza ela não teria

o mesmo nível de intimidade que temos com o produto. [...] Eles possuem um ponto de

28 Entrevista concedida por ASSIS, Lorena. 2014. Entrevistador: Pedro Emanuel Maia. Rio de Janeiro, 2014. A

entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice C desta Monografia. 29 Entrevista concedida por ALVARES, Mayke. 2014. Entrevistador: Pedro Emanuel Maia. Rio de Janeiro,

2014. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice B desta Monografia.

Page 55: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

54

contato específico com o target sem gastar nada com isso. Poucas marcas são capazes de criar

esse tipo de conexão com o público” (ALVARES, 2014).

No entanto, todo esse empoderamento oferece seus riscos. Quando produtos

gerenciados por fãs, como o Potterish, adquirem uma voz muito expressiva, é preciso tratar a

situação com extrema cautela, já que o discurso desses fãs pode adquirir – por sua

proximidade com a marca – um caráter “quase-oficial”.

Todos os entrevistados concordaram com esse risco, mas podemos perceber que eles

mesmos ainda enxergam que a marca detém uma espécie de poder supremo, uma

superioridade capaz de revogar qualquer credibilidade antes conferida.

No final das contas isso [o mau uso da credibilidade conferida pelas

marcas] costuma dar bem mais prejuízo que lucro. Se o fansite for desrespeitoso de uma forma, a marca pode cortar relações e não permitir

nenhuma regalia, o que fará com que site possa até voltar atrás em seu

pronunciamento. Mesmo com o poder dos fãs, a marca sempre terá soberania.

30

Isso não torna a situação digna de menos cautela, entretanto. Esse tipo de

posicionamento que teoricamente cria uma margem de segurança para a marca se aplica ao

Potterish e a outros grupos de fãs igualmente responsáveis, mas não podemos afirmar que

esse receio perante à soberania da marca seria suficiente para conter indivíduos frustrados ou

mal intencionados.

Esse sentimento pode ser evitado, contudo. Frustração, como definem Leão e Mello

(2009) é fruto de alta expectativa seguida de pouca entrega. Essa combinação deve, portanto,

ser evitada não apenas no relacionamento com os fãs, mas com todos os consumidores, já que,

ainda sob a perspectiva dos autores, geram um sentimento que pode levar, a longo prazo, à

redefinição de interesse.

Não precisamos de dinheiro, porém exigimos respeito. Não acho que

deveria ser uma cobrança pública [se a marca prometesse algo e não cumprisse], [...] mas pelo menos pediríamos satisfação, por que é um

desgaste, não é? Você fica ansioso e tudo o mais. 31

A relação do Potterish com a Warner BR e a Rocco, responsáveis pela marca no

Brasil, é extremamente proveitosa para ambos os lados, e certamente serve de modelo para

30 Entrevista concedida por ANDERI, Marina. 2014. Entrevistador: Pedro Emanuel Maia. Rio de Janeiro, 2014.

A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice A desta Monografia. 31 Entrevista concedida por ANDERI, Marina. 2014. Entrevistador: Pedro Emanuel Maia. Rio de Janeiro, 2014.

A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice A desta Monografia.

Page 56: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

55

outras empresas. Apesar de não ter sido sempre assim - o próprio Potterish sofreu com a

guerra da Warner a fansites, mencionada anteriormente – hoje em dia as empresas divulgam

informações privilegiadas e oferecem uma série de regalias à equipe.

O Potterish foi, em 2011, responsável por distribuir 200 ingressos exclusivos para a

première de Harry Potter e as Relíquias da Morte Parte 2, no Rio de Janeiro. Por um lado,

todos os membros do site tiveram a oportunidade de andar sob o mesmo tapete vermelho que

os convidados “oficiais” do evento. Em contrapartida, o fansite precisou assegurar que todos

os 200 fãs que usassem estes convites estariam caracterizados como personagens da saga, de

acordo com orientações da Warner, para efeitos de divulgação e mídia espontânea sobre o

evento.

A via de mão dupla entre marca e fã e o benefício mútuo proveniente desta relação

podem ser claramente vislumbrados no case Potterish. O sentimento presente é de parceria, e

de uma parceria verdadeiramente útil para as duas partes, como pudemos atestar.

No início do projeto não tínhamos muita relação com essas marcas. Demorou um tempo para que elas pudessem confiar na gente e no nosso

trabalho. Acredito que até mesmo entender esse ‘estranho’ movimento de fãs

trabalhando em prol de uma marca, sem cobrar nada por isso. No início eles

não viram o potencial que isso tinha, mas com o tempo foram percebendo. Hoje, posso dizer que são marcas parceiras.

32

32 Entrevista concedida por ALVARES, Mayke. 2014. Entrevistador: Pedro Emanuel Maia. Rio de Janeiro,

2014. A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice B desta Monografia.

Page 57: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

56

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A conectividade e a interatividade possibilitadas pela disseminação da Web 2.0

rearranjam as configurações de consumo a partir do início do século XXI. Nesse novo

panorama as relações entre marca e consumidor mudam a partir do momento em que usuários

conectados em rede tem a chance de combinar suas vozes e quebrar a assimetria que antes os

subjugavam aos detentores dos meios de comunicação. Agora, esses consumidores não

cumprem apenas a função de espectadores do conteúdo produzido, como também tem a

chance de produzi-lo e compartilhá-lo.

Vemos, então, que uma das principais novidades trazidas por este novo modelo de

interação diz respeito à credibilidade dos discursos. O novo consumidor atribui o caráter

mercantil à voz das marcas, e passa a acreditar mais em seus semelhantes, com quem pode se

comunicar via web. Por isso, as marcas se encontram num novo cenário em que precisam

cada vez mais recrutar consumidores dispostos a defender e divulgar sua mensagem, os

chamados brand advocates. A primeira hipótese que nos propusemos a estudar diz respeito a

esse novo papel, e a um grupo de pessoas que acredita-se poder cumpri-lo de maneira plena e

bem sucedida: o fã. Como pudemos ver diante de uma análise de suas principais

características como fenômeno sociocultural, quando motivado pelo amor que nutre ao seu

objeto de fanatismo, o fã é capaz de oferecer muito demandando pouco e, portanto, quando

apaixonado por uma marca, seria o mais indicado para realizar a função supracitada.

Antes de prosseguir, no entanto, com as nuances dessa função, foi preciso eliminar

duas questões acerca do fã que poderiam ser prejudiciais ao completo entendimento do

assunto. A primeira, a falsa premissa de que só existem fãs para produtos de mídia e

entretenimento, como livros, filmes, videogames e afins. Foi preciso correlacionar algumas

características dos fã com o comportamento do consumidor e levantar alguns casos para,

finalmente, deixarmos essa suposição de lado e comprovarmos que sim, fãs de marca são um

fenômeno legítimo e corriqueiro. A outra questão a ser confrontada caminha pelos campos de

nomenclatura. O Facebook utiliza a palavra fã para designar todo e qualquer usuário que curta

uma página da rede social, levando a uma banalização do termo. Para eliminarmos essa

dicotomia, dividimos esses indivíduos entre fãs, nosso objeto de estudo, o fenômeno

sociocultural que este trabalho analisa, e seguidor, aquele que segue ou curte páginas de

marcas e indivíduos na rede.

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57

O cerne da argumentação se dá, então, quando levantamos os principais benefícios,

requisitos e riscos de se manter uma relação com os fãs consumidores. Partindo das

características previamente atribuídas aos fãs, foram delimitados três “poderes”, ou hábitos

positivos desses, que podem ser utilizadas pelas marcas. O primeiro desses poderes é o de

promover, que envolve a disponibilidade do fã de disseminar o discurso de marca, e sua

capacidade de fazê-lo, já que quando dialoga com outro consumidor, o fã carrega consigo a

credibilidade por estar falando de igual para igual. Em seguida discutimos o que chamamos de

capacidade de responder. O fã, motivado por seu amor e por um desejo intrínseco de que seu

objeto de fanatismo sempre evolua, mostra ser uma relevante fonte de feedback, da qual as

marcas podem retirar insights verdadeiramente úteis se souberem como captar e compreender

essas opiniões. Para discutir o último dos benefícios, nos apropriamos de termos como

prosumidor, de Tapscott e Williams (2007) e UGC, sigla em inglês para “conteúdo gerado por

usuários”. O fã e sua capacidade de expandir, como levantado, trazem um sem número de

possibilidades para as marcas que souberem estimular sua produção de conteúdo e se

apropriar dela das mais infinitas formas.

Fica claro, contudo, que apesar da motivação intrínseca dos fãs ser o principal

combustível de suas ações benéficas para as marcas, essas últimas precisam atender a certas

demandas para que a troca seja efetiva e duradoura. Em contraponto aos três pontos em que

marcas podem tirar proveito de seus fãs, também definimos as três principais necessidades

desse grupo, que quando atendidas mantém aceso seu sentimento de devoção. A primeira, a

participação, reflete o desejo do fã de – ao doar sua disponibilidade para a marca – sentir-se

parte dela, como um co-criador. Em seguida, estudamos a demanda de exclusividade: o

sentimento de fã número um levantado por Coelho (1999) é crucial aqui. Fãs sentem-se

valorizados quando são colocados um patamar acima de outros espectadores, e dar a eles a

noção de que fazem parte de um círculo restrito provou-se, através dos exemplos

apresentados, a melhor forma de atender a esse desejo. A última das demandas pode aparentar

ser a mais simples, mas é, também, provavelmente a mais eficaz. Fãs buscam

reconhecimento, ou, em termos mais abrangentes, fãs querem ouvir um “muito obrigado”.

Enaltecer ou divulgar o trabalho feito por eles enfatiza que este relacionamento é uma via de

mão dupla, e faz com que o fã perceba uma diminuição na assimetria entre ele e o objeto de

seu amor.

Quanto aos riscos de se empoderar o fã consumidor, podemos perceber que giram em

torno da possibilidade – existente, porém evitável – de que uma transferência excessiva de

poder para as mãos deste faça com que a marca perca o controle sobre seu próprio brand

Page 59: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

58

equity. Esse e os outros fatores anteriores quando combinados nos ajudam a perceber que o

relacionamento entre marca e fã consumidor pode ser extremamente valioso quando manejado

da forma correta. Fandoms são devotos por natureza, e esse tipo de devoção é, ao mesmo

tempo, inusitada e admirável. Pode, entretanto, ser estimulada e instigada, desde que

recompensada propriamente e observada com cautela.

Finalizamos o trabalho com o case Potterish, exemplo extremamente bem sucedido

desse tipo de relacionamento. Fundado e mantido exclusivamente por fãs apaixonados por

Harry Potter e suas adjacências, começou com a vontade de compartilhar conteúdo e expandir

o universo da marca. Hoje, conta com a parceria das empresas detentoras dos direitos do

personagem aqui no Brasil e cumpre papel essencial na disseminação de seu discurso no país.

Mostra-se, sem dúvida, um verdadeiro modelo a ser seguido, e possibilita a aplicabilidade de

todas as características levantadas do trabalho de fã levantadas por esta pesquisa.

Page 60: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

59

7. REFERÊNCIAS

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Page 65: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

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Sites consultados

Cube Entertainment - http://cubeent.co.kr/

Facebook – www.facebook.com

Facebook Oficial Taco Bell - https://www.facebook.com/tacobell?fref=ts

Forbes - www.forbes.com

Fórum HP - http://h30487.www3.hp.com/

JK Rowling, Página oficial da autora - www.jkrowling.com

Mugglenet - www.mugglenet.com

My Starbucks Idea – http://mystarbucksidea.force.com/

Nutella Day - http://www.nutelladay.com/

Nutella Stories - http://www.nutellastories.com/en_INT/

Potterish - www.potterish.com

Pottermore - https://www.pottermore.com/en-us

Reclame Aqui – www.reclameaqui.com.br

So Delicious - http://www.sodeliciousdairyfree.com/

Twitter – www.twitter.com

Twitter Oficial Taco Bell - https://twitter.com/TacoBell

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8. APÊNDICES

Apêndice A – Entrevista com Marina Anderi

Realizada em 17 de Maio de 2014.

Pedro Maia: Me diz, Marina, quantos anos você tem, e qual é a sua ocupação atual?

Marina Anderi: Tenho 18 anos e sou estudante.

PM: Conta pra mim um pouco sobre o seu papel na equipe do Potterish. Como foi o processo

pra entrar para o time, qual é o seu cargo, e quais são as suas principais atribuições?

MA: Eu mandei um e-mail com meus dados pessoais para a moderadora de tradução e ela

gostou de mim e me passou para a segunda fase. Nela, tive de traduzir um texto do inglês para

o português. Fui tradutora por um ano e meio, moderadora de tradução por oito meses e agora

sou chefe de tradução. Como chefe, tenho como responsabilidade de selecionar novos

tradutores, chamar atenção dos que estão ausentes na equipe, supervisionar quem traduz cada

texto - para não haver confusão - e traduzir ocasionalmente.

PM: Certo. Em média, quanto tempo isso te toma durante a semana?

MA: Agora, como a série Harry Potter acabou tanto nos livros quanto nos filmes, diria que

em média 4 horas.

PM: Esse tempo era maior quando a série ainda estava em fase de lançamento? Quanto, em

média?

MA: Era bem maior. Cerca de 18 horas.

PM: Então você e a equipe que você coordena realizam um trabalho de tradução – que pude

atestar que é de qualidade – inteiramente de graça para a manutenção do Potterish, certo?

MA: Sim. O máximo de "pagamento" recebido foi de acesso a eventos mais fechados,

première dos filmes...

Page 67: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

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PM: Entendi. A gente vai voltar a falar desse acesso mais pra frente, então. Mas vamos lá:

Harry Potter já deixou de ser apenas uma obra literária e hoje em dia é uma marca

multiplataforma que vale bilhões de dólares. Você tem consciência de que presta um serviço

completamente gratuito pra uma marca que tem condições suficientes para contratar

tradutores para quaisquer línguas?

MA: Tenho.

PM: Então, se não é o pagamento, o que te motiva a fazer isso?

MA: A satisfação de ver meu nome a cada texto traduzido e o reconhecimento caloroso dos

fãs. O Potterish é muito conhecido por aqueles que leram Harry Potter e eles sempre ficam

empolgados ao conhecer alguém da equipe.

PM: E você considera o trabalho do Potterish - e por consequência, o seu - importante para a

divulgação da marca no Brasil?

MA: Sim. Muitos sites de notícias ficam sabendo do que está acontecendo no mundo de HP

através do Ish.

PM: Isso é bem legal! O Potterish é um produto feito por fãs que acaba carregando uma

autenticidade quase que oficial. A que você atribui isso?

MA: O profissionalismo da equipe, sem dúvida. Prezamos pela qualidade. Os textos

traduzidos são sempre revisados, as notícias sempre têm sua fonte conferida mais de uma vez

e não costumamos dar atenção a rumores bobos. Claro que não dói a própria autora da série

ter nos dado um Fan Site Award, justamente por nossa responsabilidade ao noticiar!

PM: J.K. Rowling é a figura máxima em representação do universo de Harry Potter, ao lado

do próprio Harry. O que essa condecoração dela representa pra vocês da equipe? Não digo

apenas racionalmente, como servir de prova da responsabilidade editoria de vocês, mas

emocionalmente. O que representa pra você que a própria autora da série tenha prestado

atenção no trabalho de vocês e, de certa forma, o premiado?

Page 68: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

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MA: Representa muito. Mesmo. Saber que aquela pessoa que você admira tanto já visitou, e

talvez de vez em quando ainda visite, o site do qual você faz parte e rala tanto para produzir o

melhor conteúdo possível é absolutamente incrível. Ela já encontrou um de nossos

webmasters e disse gostar da camiseta que ele estava usando, em que se lia o nome do site. É

um sentimento gostoso demais.

PM: É uma boa forma de retribuição? Quero dizer, no sentido de pagamento por serviços

prestados: vocês não recebem salário pra fazer o que fazem, esse tipo de ação faz com que

vocês se sintam pagos?

MA: Com toda certeza. Eu entrei no Potterish porque queria fazer parte desse site que gosto

tanto, que tem o reconhecimento da JK, e também porque muitos de meus amigos também

faziam parte dele. O fato de não receber nada pelo meu trabalho... Não parece ruim. Sinto que

sou mais feliz assim do que recebendo dinheiro.

PM: Claro! Você e outra membro da equipe foram escolhidas pela organização do Potterish

para representar o site num encontro super exclusivo e secreto com um dos atores do filme,

numa visita dele orquestrada pela Universal aqui no Brasil, que - se não me engano - só

contou com a participação de um fansite, vocês; todos os outros veículos eram de imprensa

tradicional. Em 2011, também, o Potterish ganhou da Warner várias dezenas de ingressos

para a premiere oficial do último filme da saga, com a presença de outro ator. Como você se

sente por ter esse tipo de regalias?

MA: Ah, é muito legal! Eu me sinto privilegiada, estando numa posição que poucos fãs estão.

E ao mesmo tempo há a pressão de representar bem o site e os fãs brasileiros. Eu não pude ir à

première, infelizmente, mas no encontro exclusivo com o Oliver Phelps eu tremia de

nervosismo. Havia sites como Terra e IG lá, foi legal ver o Ish ser considerado no mesmo

patamar que eles. Trataram-nos super bem, recebemos brindes relacionados a Harry Potter e

tivemos a chance de fazer uma pergunta ao ator. Eu não teria essa chance se não estivesse no

Ish. Principalmente há a ótima sensação de ser reconhecido externamente por todo o seu

trabalho.

Page 69: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

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PM: Você acha que as representantes da marca Harry Potter no Brasil, a Warner BR e a

Rocco se relacionam bem com o Potterish, então? Você enxerga alguma forma de melhoria na

maneira que eles se relacionam com vocês?

MA: Há um bom relacionamento, sim. Mas claro que poderia haver uma melhora. Nós os

ajudamos muito em questão de divulgação; retribuir enviando produtos para realização de

promoções (a Rocco faz mais isso, mas ainda assim é pouco frequente) ou até mandando

alguns presentes para a equipe de vez em quando. De resto, não há o que dizer; a Warner nos

envia conteúdo exclusivo e a Rocco é bem disponível.

PM: Você diz que ajudam muito em questão de divulgação. Sobre isso: você acredita, então,

que conteúdo gerado por fãs pode ser útil para as marcas?

MA: Acredito. As novidades em relação a filmes, produtos, conteúdos e afins chegam aos fãs

mais facilmente por nós, e falamos dos assuntos diversas vezes em redes sociais.

Um bom exemplo é esse evento da Universal que fui, que tinha como objetivo revelar

novidades da expansão do parque de Harry Potter. Nós fizemos duas matérias sobre a

conferência e eu ainda fiz um q&a no Twitter do Ish. Isso com certeza aumentou a expectativa

dos fãs e pode possivelmente levá-los a escolher ir para Orlando ao invés de ir para Londres,

que é um destino bem popular também para quem gosta de HP.

PM: Sobre essa questão dos conteúdos chegarem aos outros fãs mais facilmente através de

vocês: a que você atribui isso?

MA: Ah, a responsabilidade mesmo. Outros fansites já espalharam boatos falsos, postavam

notícias irrelevantes, etc. Nós sempre nos mantemos constantes nesse compromisso, então

confiam mais em nós. Também, fã, bem fã, olha mais fansite do que site de notícia, já que às

vezes eles pegam notícias de terceiros e não transmitem bem a novidade, por não conhecerem

a série.

PM: Você acha que pode ser, de alguma forma, arriscado permitir que fãs tenham tanto poder

sobre a voz de sua marca? Quero dizer, sabemos que não será o caso do Potterish, mas com a

relevância que a página de vocês tem para o público em geral, se vocês resolverem espalhar

Page 70: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

69

uma notícia falsa, ou criticar a Warner de alguma forma, por exemplo, com certeza podem

gerar buzz negativo para a marca. O que você pensa a respeito disso?

MA: Com certeza pode ser prejudicial. Uma vez a Warner nos enviou um e-mail confirmando

que o John Williams faria a trilha sonora de Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 2, e

eis que isso era falso. Isso causou certa antipatia na época, apesar de passageira, mas claro que

também prejudicou o Potterish. Entretanto, acho que o risco é pequeno, porque os fãs tem

essa mania de serem fiéis... Você pode até não ficar feliz com certas decisões da marca, mas

dificilmente a criticará publicamente, já que ela produz um conteúdo do qual você gosta

muito.

É um risco que vale a pena tomar, penso eu. Porque no final das contas isso costuma dar bem

mais prejuízo que lucro. Se o fansite for desrespeitoso de uma forma, a marca pode cortar

relações e não permitir nenhuma regalia, o que fará com que site possa até voltar atrás em seu

pronunciamento. Mesmo com o poder dos fãs, a marca sempre terá soberania.

PM: O e-mail era falso? Ou foi mesmo enviado pela Warner, mas apenas contendo uma

informação que foi retificada posteriormente?

MA: A segunda opção. A Warner Brasil se enganou.

PM: Ok! Ótimo! Última pergunta, então: se a Warner ou a Rocco desapontassem os fãs de

alguma forma incisiva - por exemplo, não cumprissem algo que prometeram - você acha que

o Potterish teria direito de cobrar isso, por se tratarem de fãs tão dedicados?

MA: Acho que sim. Nos dedicamos bastante, sabe, e não é legal ser feito de bobo. Não

precisamos de dinheiro, porém exigimos respeito. Não acho que deveria ser uma cobrança

pública, isso é até meio infantil, mas pelo menos pediríamos satisfação, por que é um

desgaste, né? Você fica ansioso e tudo o mais. A questão do adiamento de Harry Potter e o

Enigma do Príncipe foi uma que afetou muito os fãs e a Warner fez um pronunciamento

explicando o que havia ocorrido, já que, afinal, somos os principais consumidores.

PM: Certo! É isso, então. Há algo que você gostaria de dizer? Qualquer input será bem vindo.

Page 71: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

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MA: É bem interessante ser levada a pensar no Potterish como algo que gera divulgação e

consequentemente lucro para algumas marcas. E mais interessante ainda perceber que não me

importo, já que me sinto bem feliz sendo uma geradora de conteúdo gratuitamente. Mérito

deles por se envolverem com algo tão legal e mérito meu por ter conseguido entrar um

pouquinho nesse meio. Fazer parte do mundo de Harry Potter me alegra demais.

PM: Muito obrigado!

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Apêndice B – Entrevista com Mayke Alvares.

Realizada em 17 de Maio de 2014.

Pedro Maia: Me diz, Mayke, quantos anos você tem, e qual é a sua ocupação atual?

Mayke Alvares: Tenho 24 anos e sou Diretor de Arte.

PM: Conta pra mim um pouco sobre o seu papel na equipe do Potterish. Como foi o processo

pra entrar para o time, qual é o seu cargo, e quais são as suas principais atribuições?

MA: Bom, atualmente eu sou responsável pelos eventos no Rio de Janeiro e contato com a

Warner Brasil. Mas já passei por várias áreas dentro do Ish. Comecei como editor de

conteúdo, onde era responsável pela criação, edição, atualização de material para o Madame

Pince - o dicionário do Potterish – e para o Grimmauld Place, nosso fórum. Passei por

designer, depois criei conteúdo para o FanZone, vídeos. A partir daí já comecei a me

interessar pela realização dos eventos, colaborei com lançamentos de livros da série da

Saraiva e Fnac, fiz encontros em cinemas para os lançamentos dos filmes e também colaborei

na premiere realizada pela Warner no Rio de janeiro. Era responsável por distribuir nossos

200 ingressos para os fãs e certificar que todos eles fossem vestidos como personagens da

série. Também tive a oportunidade de entrevistar o ator Tom Felton durante o evento.

Entrar para essa equipe foi bem tranquilo. Comecei bem cedo, então conheci os criadores do

site, passei por uma entrevista com o Marcelo e também tive que produzir um texto. Logo

recebi a confirmação.

PM: Certo. Em média, quanto tempo isso te toma durante a semana?

MA: Atualmente as coisas estão mais tranquilas, com o término da série. Mas quando as

coisas estavam acontecendo, todo dia era dia. Ficar cinco horas por dia pensando ou

trabalhando no Ish era comum.

PM: Então você e a equipe da qual faz parte realizam todo esse trabalho – que pude atestar

que é de qualidade – inteiramente de graça para a manutenção do Potterish, certo?

Page 73: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

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MA: Sim, ninguém da equipe cobra nada para trabalhar. As coisas funcionam de forma tão

colaborativa, a equipe é bastante integrada e divertida que não encaramos como trabalho e sim

como hobby. Estar em contato com os fãs da série e fazer com que essas pessoas fiquem

felizes é a maior diversão. E também posso dizer que o site tem histórico de criar grandes

amizades.

PM: Entendi. Mas vamos lá: Harry Potter já deixou de ser apenas uma obra literária e hoje

em dia é uma marca multiplataforma que vale bilhões de dólares. Você tem consciência de

que presta um serviço completamente gratuito que beneficia uma marca com condições

suficientes para realizar sua própria divulgação em quaisquer países, certo?

MA: Quando era mais novo, não possuía essa preocupação, de estar "trabalhando" para uma

marca bilionária, só queria fazer parte desse mundo incrível que é Harry Potter. Tinha

bastante tempo livre no início, o que facilitava minha participação. E depois que você entra,

conhece as incríveis pessoas que trabalham com você e está mais próximo desse mundo, meio

que você pega o gostinho da coisa e não quer mais sair.

Depois de amadurecer, começar a trabalhar e, aí sim, adquirir essa consciência, pude

compreender não só a importância do nosso trabalho para essas marcas, como também para o

meu currículo. Ou seja, é uma via de mão-dupla. Enquanto contribuímos para essa empresa,

adquirimos conhecimento que contribuem para o crescimento profissional. Prova disso é o

destaque que o Potterish tem no meu currículo, toda entrevista que faço sou perguntado sobre

essa experiência e as pessoas ficam encantadas com as coisas que já fiz.

PM: E você considera o trabalho do Potterish - e por consequência, o seu - importante para a

divulgação da marca no Brasil?

MA: Com toda a certeza! Como disse, nós vivemos Harry Potter, ou seja, crescemos sob a

influência dessas histórias. Podemos dizer que somos experts no assunto. A Warner poderia

contratar qualquer agência de comunicação e com certeza ela não teria o mesmo nível de

intimidade que temos com o produto. O que de certa forma funciona perfeitamente para a

marca. Porque eles possuem um ponto de contato específico com o target sem gastar nada

com isso. Poucas marcas são capazes de criar esse tipo de conexão com o público.

Exemplo disso é a confiança que temos com o público. Não foram poucas as vezes onde

veículos de mídia oficiais divulgaram notícias sobre HP e as pessoas esperavam a

Page 74: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

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confirmação do Potterish para poder confiar. Para o fã, somos vistos como autoridades no

assunto.

PM: Isso é bem legal! O Potterish é um produto feito por fãs que acaba carregando uma

autenticidade quase que oficial. A que você atribui isso?

MA: Ah, vários fatores, posso dizer. Primeiro é a profissionalização de toda a equipe. São

pessoas que, mesmo jovens, possuem uma grande experiência. Segundo pelo fato de termos

um bom histórico de ética, publicando noticias apenas quando todos os detalhes são apurados

e confirmados, com pouca ou quase nenhuma retratação e bons textos. Também posso atribuir

nosso posicionamento “quase oficial” ao fato de, devido ao excelente trabalho, estarmos

sempre próximos À Warner Brasil, Inglaterra e USA, à Rocco e a outras empresas com

direitos sobre a obra. Por último, pelo fato de sermos o único fã-site do Brasil a receber um

prêmio dado pela própria escritora dos livros, J.K. Rowling; prêmio esse que apenas alguns

poucos sites recebem. O que é engraçado: em sua dedicatória ao site J.K. escreveu: “em

apreciação ao seu estilo, sua experiência em Harry Potter e sua responsabilidade em reportar

noticias”, confirmando o que eu disse.

PM: J.K. Rowling é a figura máxima em representação do universo de Harry Potter, ao lado

do próprio Harry. O que essa condecoração dela representa pra vocês da equipe? Não digo

apenas racionalmente, como servir de prova da responsabilidade editorial de vocês, mas

emocionalmente. O que representa para um fã que a própria autora da série tenha prestado

atenção no trabalho de vocês e, de certa forma, o premiado?

MA: É claro que esse prêmio significa a confirmação do excelente trabalho que todos fazem

para o site. Pessoalmente, esse prêmio nos coloca oficialmente como participantes do mundo

Harry Potter. Aquele desejo que falei no início, de entrar para a história. É como se a JK

tivesse escrito um simples parágrafo sobre nós em um dos livros da série. Essa foi a emoção

quando o recebemos. Saber sua opinião sobre o nosso trabalho, nosso design e tudo o mais.

Foi de outro mundo. E o melhor de tudo é o fato de que a criadora de tudo isso é a própria

responsável por escolher os premiados, veio diretamente dela.

Page 75: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

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PM: É uma boa forma de retribuição? Quero dizer, no sentido de pagamento por serviços

prestados: vocês não recebem salário pra fazer o que fazem, esse tipo de ação faz com que

vocês se sintam pagos?

MA: Depois de tudo que ganhamos com Harry Potter, uma dedicatória da própria autora é

como uma boa promoção com aumento salarial, bônus de final de ano, escritório próprio e

dois meses de férias! Gosto de pensar que todo o conjunto de coisas que aconteceram

enquanto trabalhava no Ish serve como recompensa por todo o trabalho. Mas posso dizer que

essa foi uma das maiores que já recebemos. Nos deixa muito orgulhosos.

PM: Como você mesmo já mencionou, o Potterish recebe alguns benefícios pelo trabalho

prestado. Convites para a premiere, a chance de entrevistar alguns dos atores... Como você se

sente por ter esse tipo de regalias?

MA: Me sinto bastante honrado pelo Potterish e por meu trabalho terem me permitido receber

essas coisas. Além da confirmação da qualidade, é a confiança que as marcas relacionadas a

HP tem conosco. Dar 200 ingressos na mão de uma equipe e deixá-la responsável por tantas

pessoas em uma premiere tão importante, do lançamento do último filme de toda a série... É

preciso confiar bastante. Prova de que o trabalho que fazemos, mesmo de graça, possui muita

qualidade e responsabilidade para assumir tarefas assim.

PM: Você acha que as representantes da marca Harry Potter no Brasil, a Warner BR e a

Rocco se relacionam bem com o Potterish, então? Você enxerga alguma forma de melhoria na

maneira que eles se relacionam com vocês?

MA: No início do projeto não tínhamos muita relação com essas marcas. Demorou um tempo

para que elas pudessem confiar na gente e no nosso trabalho. Acredito que até mesmo

entender esse "estranho" movimento de fãs trabalhando em prol de uma marca, sem cobrar

nada por isso. No início eles não viram o potencial que isso tinha, mas com o tempo foram

percebendo. Hoje, posso dizer que são marcas parceiras. Se precisarmos realizar um evento na

Bahia, por exemplo, teremos material promocional, livros e DVDs para distribuirmos aos fãs.

É uma relação de parceria.

Page 76: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

75

PM: Você diz que eles aprenderam a lidar com esse trabalho voluntário, que hoje já configura

uma relação mais sólida. Sobre isso: você acredita, então, que conteúdo gerado por fãs pode

ser útil para as marcas?

MA: Não apenas útil, mas essencial... Entender as percepções e comportamentos dos fãs é

necessário para uma marca ter sucesso. Ouvir o que eles tem a dizer, seus likes e dislikes, seus

anseios e etc. Tudo isso é possível identificar através do conteúdo criado.

Tratá-los bem fará com que eles falem ainda melhor da sua marca. Dar mais voz e poder a

eles também é importante, porque os fansites possuem um grande poder no jogo do mercado.

São eles que são ouvidos quando algo acontece, são eles que expressam sua opinião para que

o público possa entender e criar suas próprias percepções. Então é preciso que sejam vistos

como importantes players e precisam receber atenção da mesma forma que todos os outros.

PM: No meu trabalho, um dos pontos defendidos é que o discurso do conteúdo feito por fãs

atinge outros fãs de maneira mais genuína - e menos mercadológica - e por isso, ele tenderia a

ser mais confiável e eficaz. Você acredita que isso aconteça no caso do Potterish?

MA: Com toda a certeza. O fato de o Potterish ser uma organização muito mais próxima aos

fãs que a Warner ou Rocco, faz com que a relação Potterish/outros fãs se torne muito mais

rápida, eficaz e íntima. E essa relação está no DNA do Ish, que oferece todas as ferramentas

possíveis para que haja interação entre fãs de todo o mundo. A principal delas, nosso Fórum

Grimmauld Place, é um dos fóruns mais conhecidos do Brasil com o tema Harry Potter, com

mais de 7 mil usuários registrados. Nosso Facebook possui 150 mil inscritos, nosso Twitter

tem mais de 64 mil seguidores... Todas essas ferramentas estão ativas e em funcionamento,

gerando interação entre os fãs. E em todas elas temos pessoas preparadas e treinadas para dar

uma resposta o mais rápido possível, de forma sempre muito educada e amigável. Todos esses

esforços, mais o trabalho de geração de conteúdo e reportes de notícias fazem com que os fãs

nos vejam como amigos, iguais, como pessoas que os entendem e possam ter uma conversa.

Em quem você confiaria mais nesse caso? Uma marca que possui uma relação de amizade

com você, que sempre responde suas dúvidas e ainda tem a frequente possibilidade de

encontrá-los ao vivo, ou uma marca distante, soberana que não possui uma ferramenta de

relacionamento em forma de mão-dupla?

Page 77: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

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PM: Você acha que pode ser, de alguma forma, arriscado permitir que fãs tenham tanto poder

sobre a voz de sua marca? Quero dizer, sabemos que não será o caso do Potterish, mas com a

relevância que a página de vocês tem para o público em geral, se vocês resolverem espalhar

uma notícia falsa, ou criticar a Warner de alguma forma, por exemplo, com certeza podem

gerar buzz negativo para a marca. O que você pensa a respeito disso?

MA: Sobre isso, é certamente um risco que não só a Warner, mas como também todas as

marcas correm. Com o advento das redes sociais, todos correm esse risco naturalmente.

Porém, no caso do Potterish seria um pouco pior para a marca, devido às características de fã

que temos. De todos possuírem contatos com todos, de sermos um grupo muito unido.

Acredito que seja por isso que no início as marcas tinham o pé atrás. Tinham medo de nos dar

tanto poder e depois perder o controle. Mas acredito que como a franquia foi um sucesso

absoluto, não tínhamos do que reclamar. Tudo ocorreu perfeitamente bem, mas nem sempre

esse pode ser o cenário, o que dificulta as marcas a serem mais abertas ao público.

PM: Ok! Ótimo! Última pergunta, então: se a Warner ou a Rocco desapontassem os fãs de

alguma forma incisiva - por exemplo, não cumprissem algo que prometeram - você acha que

o Potterish teria direito de cobrar isso, por se tratarem de fãs tão dedicados?

MA: Acredito que o Potterish se comportaria como uma mídia jornalística. Tentaríamos ser o

mais imparciais possível. Reportaríamos o ocorrido em forma de notícia, expondo todos os

fatos que soubermos, como motivos para a decisão que levou ao não cumprimento da

promessa, responsáveis, porquês e etc. Acredito que sim, teríamos o direito de expressar

nosso descontentamento, porém optamos por ser neutros e deixar que os fãs respondam da

maneira que quiserem, pelos meios que quiserem.

PM: Certo. Muito obrigado!

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Apêndice C – Entrevista com Lorena de Assis

Realizada em 18 de Maio de 2014.

Pedro Maia: Me diz, Lorena, quantos anos você tem, e qual é a sua ocupação atual?

Lorena de Assis: 23 anos, estudante de medicina.

PM: Conta pra mim um pouco sobre o seu papel na equipe do Potterish. Como foi o processo

pra entrar para o time, qual é o seu cargo, e quais são as suas principais atribuições?

LA: Eu me candidatei para a vaga de Newsposter, que é quem procura, escreve e posta

notícias no site, mas no Ish cada um faz de tudo um pouco, então também participei de

organizações de eventos, entrevistas, social mídia e tudo mais que me pediam pra fazer ou que

eu mesmo me voluntariava. Um tempo depois fui colocada na função de chefe dos editores,

que é quem coloca nas páginas que não são de notícias (conteúdo, Madame Pince, Fanzone) o

material que os editores criaram. Mas isso não durou muito tempo por conta da faculdade e

dos estágios e logo entreguei o cargo.

Para entrar na equipe, me pediram pra escrever uma notícia (fictícia ou não) como se fosse pra

postar no site. Era pra avaliar se a gente tinha capacidade de escrever naquele estilo de texto e

tal. Depois disso, a gente passava por uma fase de treinamento e teste, onde pelo MSN quem

já era da equipe ajudava os novatos com qualquer dúvida que tivesse. Depois de algumas

semanas avaliando nosso trabalho, o chefe dos newsposters dizia quem tinha passado ou não.

PM: Certo. Em média, quanto tempo isso te tomava durante a semana?

LA: Nossa... depende muito. O trabalho de newsposter de fato é 24/7 porque você sempre

precisa procurar novidades. O Ish é um site de referência, a gente não podia ficar pra trás nas

notícias, então quando a gente via alguma coisa, era correr pra postar e em época de

lançamento de filme sempre tinha muita coisa. Então acho que o trabalho de fato, de postar e

etc, tomava entre 1 e 6 horas, dependendo se era época de lançamento ou não. Então isso é de

fato uma coisa muito difícil de se ter uma média.

Page 79: Amor mercantil - O relacionamento entre marcas e seus fãs

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PM: Então você e a equipe da qual fazia parte realizavam um trabalho de apuração e

divulgação de notícias – que pude atestar que é de qualidade – inteiramente de graça para a

manutenção do Potterish, certo?

LA: Sim, muitas vezes até tirando do próprio bolso para material de divulgação nos eventos.

PM: Entendi. Mas vamos lá: Harry Potter já deixou de ser apenas uma obra literária e hoje

em dia é uma marca multiplataforma que vale bilhões de dólares. Você tem consciência de

que prestou um serviço completamente gratuito pra uma marca que teria condições suficientes

para bancar toda essa divulgação?

LA: Sim, tenho, mas a nossa intenção não era divulgar a marca, e sim trazer informações pra

fãs que às vezes não tinham acesso a elas, porque tudo vinha de sites em inglês, então uma

galera ficava por fora. Inclusive, antes de eu entrar na equipe, lá nos primórdios do Ish,

chegamos a receber ameaças de processo por estar utilizando o nome da marca.

Um fã de Harry Potter quer saber, até hoje, cada detalhe e cada curiosidade sobre tudo

relacionado à série: os livros, os filmes, o parque... E como não havia ninguém fazendo isso

sendo pago pela Warner, os fãs tiveram que ir lá fazer. Assim como tem uma galera que faz

legenda de graça pra seriado que não passa no Brasil, você doa seu tempo e alguma habilidade

que você tenha pra proporcionar pra galera aquilo que você gostaria que existisse.

Eu mesma me candidatei a uma vaga no Ish porque via que tinha notícias que eles não

colocavam e eu achava que faria a diferença ali.

PM: Você diria que essa é sua principal motivação? Essa necessidade de suprir uma lacuna

não preenchida pela empresa? Ou há outras?

LA: Sim, isso e o agradecimento de quem consome nosso conteúdo. Havia uma época em que

a gente recebia por email cada comentário das notícias postadas, então quando você postava

uma coisa bacana, podia contar que teria uma caixa de emails lotada quando chegasse em casa

e isso era muito lindo.

PM: Por que Harry Potter, então? Se sua satisfação consiste no retorno dos leitores, porque

dispor seu tempo a escrever sobre isso, e não a - por exemplo - algo mais diretamente

relacionado à sua carreira?

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LA: Naquele momento, era Harry Potter a minha paixão. Tinha acabado de passar no

vestibular, sabia menos de medicina que a minha avó, não haveria nada em que eu pudesse

contribuir nessa área. Mas depois da minha experiência no Potterish me meti a organizar

evento na faculdade, participei de uma liga acadêmica e tudo mais, e sem dúvida o que eu

aprendi no Ish foi essencial.

PM: E você considera o trabalho do Potterish - e por consequência, o seu - importante para a

divulgação da marca no Brasil?

LA: Com certeza! No momento, acho que não... Mas na época do "auge", muita gente só

ficava sabendo dos lançamentos (principalmente de coisas menores como jogos ou edição de

colecionador do livro de receitas da Julie Walters) por causa que a gente falava deles e fazia

eventos pra lançar aquilo. E nesses eventos, às vezes a gente tinha parceria com a editora, mas

muitas vezes era por nossa conta mesmo.

PM: O Potterish é um produto feito por fãs que acaba carregando uma autenticidade quase

que oficial. A que você atribui isso?

LA: O compromisso com a qualidade e o profissionalismo. Nunca postar uma notícia sem ter

certeza que a informação é correta ou pelo menos vem de uma fonte confiável (quem vai

questionar a BBC UK?). Temos credibilidade não só com os fãs, mas com a Warner, a Rocco,

a própria J.K. Rowling que nos concedeu o Fansite Award e tentamos sempre honrar esse

reconhecimento.

PM: J.K. Rowling é a figura máxima em representação do universo de Harry Potter, ao lado

do próprio Harry. O que essa condecoração dela representa pra vocês da equipe? Não digo

apenas racionalmente, como servir de prova da responsabilidade editoria de vocês, mas

emocionalmente. O que representa pra você que a própria autora da série tenha prestado

atenção no trabalho de vocês e, de certa forma, o premiado?

LA: Representa isso mesmo que você falou, que ela prestou atenção, ela sabe que a gente

existe e isso é fantástico! Eu pelo menos tenho esse pensamento pessimista de que nunca vou

poder conhecer o meu ídolo e ele vai morrer sem nem saber que eu nasci, mas sabendo que

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ela conhece o Ish é como se ela me conhecesse um pouco também. E agora você vai me fazer

chorar!

PM: Não chore! É uma boa forma de retribuição? Quero dizer, no sentido de pagamento por

serviços prestados: vocês não recebem salário pra fazer o que fazem, esse tipo de ação faz

com que vocês se sintam pagos?

LA: Isso, o reconhecimento dos leitores, e os amigos que fiz no Ish. Sim, paga cada perrengue

perdida procurando a DelArte, indo pra Barra distribuir nossa versão do Profeta Diário e tudo

que a gente passou.

PM: O Potterish é conhecido entre seus fãs por receber alguns benefícios pelo trabalho

prestado. Convites para a premiere, a chance de entrevistar alguns dos atores... Como você se

sente por ter esse tipo de regalias?

LA: No conforto da minha casa, recebendo essa notícia por email, é sensacional. Todo mundo

quer ter a chance de ver primeiro que todo mundo ou estar lá de frente pro entrevistado tendo

toda a atenção dele e podendo perguntar o que você quiser. Mas na hora lá, pra mim, é uma

sensação que não gostava muito. O olhar em volta daqueles que não iam subir junto com o

Alfie pra entrevista exclusiva, passar no meio de toda aquela gente que veio de longe pra ver

o Tom Felton na premiere, mas não tinha ingresso, agarrando o braço da gente implorando

por um convite... Sei lá, há quem sinta prazer nesse tipo de "poder", mas eu me sentia quase

que envergonhada.

PM: Você acha que as representantes da marca Harry Potter no Brasil, a Warner BR e a

Rocco se relacionam bem com o Potterish, então? Você enxerga alguma forma de melhoria na

maneira que eles se relacionam com vocês?

LA: Sim, conforme eles foram vendo nosso comprometimento, a confiança deles na gente

hoje é 100%.

PM: Entendo. Sobre essa confiança: você acredita, então, que conteúdo gerado por fãs pode

ser útil para as marcas?

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LA: Mais do que útil, acho essencial.

PM: Por que?

LA: É um fã falando pra outro, não é o cara que vai ficar rico com aquilo dizendo “venha

consumir, meu produto é legal”, é alguém que não está ganhando nada com aquilo te dizendo

que é legal. Dá uma autenticidade maior, eu acho. Tanto que a gente vê nos comerciais uma

tentativa de mostrar consumidores falando sobre como amaram tal produto e dizem "não

somos nós que estamos falando que é bom, é essa pessoa que tem uma vida e necessidades

parecidas com a sua que está dizendo". Acho que é por aí.

Hoje em dia a galera do Social Media está aprendendo a falar com o público da internet "de

igual pra igual", vide twitter do Netflix e do Ponto Frio, mas até pouquíssimo tempo, até

quando uma página oficial tentava falar com uma certa informalidade, soava falso, como um

tiozão que não sabe usar gírias e de repente resolve conversar com adolescentes.

PM: Entendo. Agora, mudando de assunto: você acha que pode ser, de alguma forma,

arriscado permitir que fãs tenham tanto poder sobre a voz de sua marca? Quero dizer,

sabemos que não será o caso do Potterish, mas com a relevância que a página de vocês tem

para o público em geral, se vocês resolverem espalhar uma notícia falsa, ou criticar a Warner

de alguma forma, por exemplo, com certeza podem gerar buzz negativo para a marca. O que

você pensa a respeito disso?

LA: Sim, sem dúvida, e geralmente é só nessas horas que a marca vai atrás de querer

desmentir, não é? E a culpa sobra toda pra gente. De fato, se a gente começar a publicar que o

Mundo Mágico em Orlando é ruim e a fazer acusações falsas, vai ser perigoso pra marca

devido à nossa credibilidade, mas aí uma vez que eles se retratem, é a nossa imagem que fica

manchada depois. Teve uma vez que demos alguma notícia, quando nos informaram que o

John Williams faria a trilha sonora dos últimos filmes, e acabou se provando falsa. Sendo que

a fonte naquele caso era oficial, então o erro não foi nosso, foi da própria Warner que deu a

notícia errado primeiro! Mas como no Brasil o primeiro a postar foi o Ish, deu bastante dor de

cabeça...

Acho que nenhuma mentira se mantém por muito tempo, então se por um lado nós temos hoje

o 'poder' de gerar algo negativo para a marca, nossa credibilidade se destrói em segundos logo

que ficar provada cada mentira, então esse nosso poder se desfaz.

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PM: Ok! Ótimo! Última pergunta, então: se a Warner ou a Rocco desapontassem os fãs de

alguma forma incisiva - por exemplo, não cumprissem algo que prometeram - você acha que

o Potterish (ou outras páginas semelhantes ao redor do mundo) teria direito de cobrar isso,

por se tratarem de fãs tão dedicados?

LA: Acho que sim, principalmente por eles saberem do peso que a gente tem com os outros

fãs. Sentiriam a necessidade de dar satisfação ou pelo menos amenizar a situação.

PM: Certo! É isso, então. Há algo que você gostaria de dizer? Qualquer input será bem vindo.

LA: Gostaria de dizer que se não tivesse trabalhado de graça por todo esse tempo, não

conheceria metade daqueles que considero hoje as pessoas mais especiais da minha vida.

Então eu só tenho a agradecer por ter tido esse privilégio de fazer parte da Família Ish e da

Armada Potterish.

PM: Muito obrigado!