Amor cortês
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Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
Campus de São José do Rio Preto
Curso: Bacharelado em Letras com Habilitação em Tradutor
Disciplina: Literatura de Expressão Francesa I
Docente: Maria Cláudia Rodrigues
Discente: Yasmin Alexandra de Sales Teles da Fonseca
Fichamento - Vídeo
O amor cortês: Tristão e Isolda, Romeu e Julieta (2004)
Raul Goveia Fernandes, palestrante do vídeo, introduz sua apresentação sobre
amor cortês afirmando que se tem a tendência de confundi-lo com a ideia de amor
platônico e impossível. De acordo com o historiador Dennis de Rougemont, citado pelo
palestrante, no Ocidente há um grande interesse na ideia do amor irrealizado e
impossível que, para que se realize plenamente, é obrigado a enfrentar vários
obstáculos, pois o amor feliz e sem dificuldades não tem história e pouco prende a
atenção do leitor ou, no caso de hoje, do espectador. Devido a isso, a maioria das
histórias de amor que conhecemos na atualidade apenas possui um final feliz quando os
obstáculos são superados.
Fernandes afirma também que o amor, da maneira que o entendemos hoje, é uma
criação do século XII, ou seja, é um conceito que tem suas origens na Idade Média. O
modo como o amor foi representado na literatura, na cultura e no imaginário coletivo da
época sofreu uma mudança importante que determina até os dias de hoje o nosso
pensamento sobre o amor. A ideia do amor romântico, continua o palestrante, remonta a
uma tradição que encontra um de seus momentos cruciais no próprio século XII. Isso dá
origem ao que se chama “amor cortês”. No entanto, isso não significa que não houve
uma produção literária sobre o amor antes desse período.
O palestrante cita alguns autores da Antiguidade que escreviam sobre o tema,
mostrando algumas diferenças em relação à visão de amor que temos na atualidade.
Ovídio, importante poeta romano, por exemplo, entendia o amor como desejo de posse
física. Ele cantava, em suas poesias, os tormentos de quem não conseguia realizar o seu
desejo de posse, as imprecações contra a crueldade de Cupido para com os humanos e a
excitação que vinha das relações adúlteras. Sua visão de amor, como pode ser vista em
seu Arte de Amar, é uma concepção hedonística e amoral, cujo único objetivo é o
desfrute do prazer.
Antes do século XII, continua o palestrante, havia também outra concepção do
amor, que se diferencia muito da de Ovídio: a concepção platônica. Em O banquete,
Platão escreveu o famoso diálogo sobre a ideia de amor, no qual defende que o
relacionamento amoroso não deve se pautar na busca do prazer. Segundo o filósofo, o
amor é um vazio que caracteriza todos os homens, manifestando-se fortemente na busca
da beleza. Deste modo, o amor é uma força que nos incita a contemplar a ideia de
beleza, que não é corpórea, mas imaterial. Então, através da atração exercida pelos belos
corpos, reconhece-se que somos atraídos pela ideia de beleza em si, assumindo, assim, a
visão platônica de amor uma característica um tanto cética.
Por fim, o palestrante conclui sua introdução afirmando que ambas as
concepções, tanto de Ovídio como de Platão, influenciaram grandemente os autores
medievais. Platão, principalmente, influenciou através da religião, já que a matriz da
filosofia e teologia medieval é platônica. Além disso, nos séculos XI e XII, algumas
influências aristotélicas são introduzidas através dos mouros que conquistavam a
Espanha naquela época. No entanto, afirma Fernandes, apesar de suas influências, o
amor cortês não manifesta nem a concepção ovidiana, nem a platônica, mas uma nova
síntese, um meio-termo entre essas concepções. Por exemplo, da concepção ovidiana, os
autores medievais do século XII se apropriaram da técnica literária usada, das imagens e
metáforas para descrever o sofrimento do amante.
É no século XII, com os trovadores, expõe o palestrante, que nasce a literatura
moderna. Os trovadores são os primeiros a escrever poesia em língua românica, ou seja,
nas línguas vulgares da época, para se comunicar não apenas com os letratos que sabiam
latim, mas também com o povo. Suas produções eram assinadas, um traço importante,
pois a literatura, que até aquele momento era anônima, começa a ganhar uma
característica mais pessoal, que irá resultar, mais tarde, numa poesia confessional.
Assim, com a poesia dos trovadores, continua o palestrante, surge uma nova concepção
de amor conhecida como amor cortês.
Essa concepção de amor deriva de um importante movimento cultural da Europa
medieval chamada “cortesia”, que se desenvolveu nas cortes reais, no qual se dava uma
grande importância à mulher, pois esta era considerada fonte inspiradora dos bons
costumes.
Nesse período, foi escrito, por André Capelão, membro de uma corte francesa,
um tratado sobre o amor inspirado na obra de Ovídio (publicado em português como
Tratado do amor cortês). Neste tratado, o autor se opõe ao ideal de amor ovidiano ao
promover o enaltecimento das mulheres. Issto estabelece um ideal cultural, afirma
Fernandes, no qual a sensibilidade feminina é considerada enobrecedora. Com essa
concepção de cortesia, juntamente com a exaltação da mulher, surge, então, a ideia de
que o amor é sinônimo de servir, sendo concebido como um serviço feudal. Desta
maneira, o amor adquire uma componente educativa, isto é, o relacionamento amoroso é
visto como algo capaz de educar o homem. Essa concepção tem um eco platônico, pois
esta considera o amor algo que leva à contemplação do belo. Assim, o amor torna o
homem moralmente melhor, enobrecendo-o. E é esta visão de amor medieval que se
enraizou na tradição ocidental, perpetuando-se até os dias de hoje.
Também é no século XII, continua o palestrante, que o culto mariano tem suas
origens, sendo a Virgem Maria um exemplo de comportamento feminino a ser seguido,
já que ela representa o resgate do homem do pecado, contrastando-se com a figura de
Eva, a tentação e fonte do pecado original. No entanto, essa ideia de amor presente na
cultura das cortes do século XII não representou mudanças socialmente relevantes.
Porém, por outro lado, fundamentou de forma mais evidente a ideia de igualidade entre
homens e mulheres, mensagem expressa implicitamente nos textos bíblicos.
Em seguida, o palestrante cita o mito, de origem celta, de Tristão e Isolda. A
partir do século XII surgem várias versões deste mito que ficou marcado no imaginário
ocidental como o mito do amor trágico. Fernandes resume o enredo do mito que
consiste na narração do amor proibido entre Tristão e a noiva (e depois esposa) do Rei
Marcos, Isolda. Ambos se apaixonam na viagem entre a Irlanda e a Cornuália devido a
uma poção do amor que Isolda usaria para se apaixonar pelo rei. O casal, então, inicia
um caso que dura anos, passando por vários obstáculos para ficar juntos. Ao fim, Isolda,
acreditando que seu amado havia falecido, morre de tristeza, e Tristão, sabendo do
ocorrido, morre também. Ao serem enterrados lado a lado, surge, então, em seus lugares
duas árvores que se entrelaçam, assim simbolizando o amor eterno que prevalence até
mesmo após a morte. Essa história ilustra bem a ideia típica do século XII de que é o
amor que dá sentido à vida. Os combates e proezas vividos pelos amantes são em
função do amor, ou seja, a ideia de heroísmo e de amor justificam um ao outro. Do
mesmo modo, o amor também justifica a morte, como é observado no mito de Tristão e
Isolda em que, no fim, o amor e morte se entrelaçam, sendo indissociáveis. Portanto, o
amor é aquilo que incita o homem a assumir o papel de herói. Esses elementos
influenciaram a nossa visão atual do que é o ideal romântico de, por exemplo, morrer
por amor.
Em seguida, o palestrante termina a sua exposição dando um salto histórico, no
qual cita Romeu e Julieta, escrito no século XVI. Nesse meio termo, entre o século XII
e XVI, a tradição do amor cortês foi se solidificando através de, por exemplo, Dante
Alighieri. O enaltecimento da mulher, típico do amor cortês, encontra em Dante sua
expressão máxima, tornando a figura feminina em algo angélico e divino. O mesmo é
possível observar em Romeu e Julieta, na cena da Julieta na sacada em que Romeu e sua
amada trocam juras de amor. Além disso, a obra shakespeariana, assim como Tristão e
Isolda, se foca no amor trágico. Ambos os amantes têm seu amor proibido devido às
suas famílias serem rivais, e apenas a morte (no caso, falsa) seria capaz de uni-los.
Porém, um mal-entendido leva os dois à real morte, por meio do suicídio. Assim, o
amor supera a vida, realizando-se em algo além de nossas capacidades, isto é, o amor
tende ao infinito. Isso é geralmente representado, conclui o palestrante, na morte, dando
à história de amor um aspecto interessante.