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José Guilherme de Araújo Jorge Amo!

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José Guilherme de Araújo Jorge

Amo!

1º edição - 1938

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Índice (Por ordem alfabética)

01 – Amo!02 - A Lenda do Poente03 - A Lenda que a Bíblia Esqueceu...04 - A Vida05 - Alegria!06 – Ameaça07 – ânsias08 – Aquarela09 - Balada da Chuva10 – Carnaval11 - Carta À Um Poeta12 - Carta Cinzenta13 - Carta Inútil14 - Cena à Hora do Poente15 - Círculo Vicioso16 – Ciúme17 – Colegial18 – Confissão19 – Conselho20 - Esplendor!21 – Essa...22 - Eu Te Queria Tão Diferente23 - Eu... e Arvers24 – Fada25 – Felicidade26 - Fico Pensando27 – Filosofia28 – Fim29 – Fim de Romance30 - Gata Angorá31 - Há Dias...32 – Humildade33 - Ideal de Amor34 - Incoerência?35 – Inquietação36 – Insatisfeito37 – Lembrança

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38 – Lirismo...39 – Maldade40 - Mascarados41 – Mentira42 - Meu Calvário43 – Misticismo44 – Morrer45 – Mutação46 – Naturismo47 – Noiva48 - Núpcias Pagãs49 – Onde?50 – Oração51 - Orgulho e Renúncia52 – Passional53 - Pensando Nela54 - Poema Para a Mulher que Passou55 - Por Quê?56 – Pouso57 – Remorso...58 – Revelação59 - Seu Lobo Está Aí?60 - Sobre a Alegria61 - Sobre a Esperança...62 - Sobre o Remorso63 - Soneto À Ariel64 – Tédio65 – Timidez66 – Tonta...67 - Trecho de Carta68 - Trecho do Noturno69 - Tua Carta70 - Velha Imagem71 - Versos A Jesus72 - Versos A Mim Mesmo73 - Versos A Um Sábio74 - Versos A Uma Árvore75 - Versos A Uma Cigarra76 - Versos A Uma Taça77 - Você

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A Lenda do Poente

IO DiaVelho senhor brancosai de manhãzinha dos braços da escrava negrae vai se vingar de sua fraqueza e de sua inferioridadenem bem pulou do leito,castigando com o chicote de fogo do Solo dorso negro dos irmãos da escrava negra, no eito!

Mas o ódio da Noitee o fastio da Noite, a sua escrava negra,vão morrendo,e o desejo vai voltando... renascendo....

E quando à tarde, de novo, o dia, velho senhor branco,vê a Noite, a sua escrava negra,saindo do banhocom duas gotas brilhantes como estrelasno bico dos seios,e duas estrelas como gotas faiscantesno olhar,o Dia, velho senhor branco,quer se deitar...

E então, a correr para a Noite que sobe e tropeçanas montanhas, além,o Dia, velho senhor branco,a enlaçar o seu corpo tropeça tambéme cai!.......

E o poente é um: ai !

II

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O DiaVelho senhor brancochamou a Noite a sua escrava negrae possuiu-a sobre o leito duro da senzaladas montanhas...

O DiaVelho senhor mauna carne rija e negra da Noite sua escravatatuou com a ponta de fogo das estrelaso seu sinal de posse!

Desde esse diaquando o senhor branco chama a Noite, a sua escrava,a negra vem vindovem vindohumildemente,fica logo toda nua, vai logo se despindoe se deita sobre as montanhas para a posse do Sol!

E a negra cerra as pálpebras negras de longos cílios negrose abraça o corpo do senhor branco com seus braços negrose na hora do êxtase do poenterecebe de repente,a fecundação luminosa dos astrosno espasmo das nebulosas!..............................................................

O senhor branco nunca pode compreenderaquela estrela brilhantemuito brilhanteda madrugada,que deixou nos olhos embaciados da escrava negracomo uma lágrimaparada...

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A Lenda que a Bíblia esqueceu...

Quando Deus modelou em estátua a mulhercom a argila dos barrancos,fez seus seios, morenos,ou brancos,sem uma mancha sequer...

Esses cumes ousados, cor-de-rosadois alvos para o meu beijo,ficaram como as manchas da primeira bocafaminta de desejo...

Porque o teu corpo (como o de todas as mulheres)já traziamuito antes de ser beijado,as manchas indeléveis do primeiro diade pecado...

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A Vida 

  I“...Mudarás, todos mudam, e os espinhoscom surpresa verás por todo lado,- são assim nesta vida os seus caminhosdesde que o homem no mundo tem andado...

Não hás de ser o eterno namoradocom as mãos e os lábios cheios de carinho,- hoje, juntos os dois... tudo encantado!- amanhã, tudo triste... os dois sozinhos!...

E sentindo o teu braço então vazio,abatido verás que não resistesà inclemência do tempo úmido e frio!

Rolarás por escarpas e barrancos:sobre o epitáfio dos teus olhos tristestrazendo a campa dos cabelos brancos!”

II“... Tem sido assim e assim será... Mais tardeo que hoje pensas chamarás: - quimera!E esse esplendor que nos teus olhos arde,será a visão de extinta primavera...

Escondido à .traição, como uma fera,bem em silêncio, e sem fazer alarde,o Destino que é mau e que é covarde,naquela sombra adiante já te espera!   

E num requinte de perversidadefaz de cada ilusão, de cada sonho,a ruína de uma dor... e uma saudade...

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E se voltares, notarás entãodesesperado, ao teu olhar tristonhoque em vão sonhaste... e que viveste em vão!...”

III“... A vida é assim, segue e verás, - a vidaé um dia de esperança, um longo poentede incertezas cruéis, e finalmentea grande noite estranha e dolorida...

Hoje o sol, hoje a luz, hoje contentea estrada a percorrer suave e florida...- amanhã, pela sombra, inutilmenteoutra sombra a vagar, triste e perdida...

A vida é assim, é um dia de esperançauma réstia de luz entre dois ramosque a noite envolve cedo, sem tardança...

E enquanto as sombras chegam, nós, ao vê-las,ainda somos felizes e encontramosa saudade infinita das estrelas!...”

IV“...A vida é assim, uma ânsia... feito a vagaque se ergue e rola a espumejar na areia,- apor esse bem que a tua mão semeiaespera o mal que ainda terás por paga!

A essa hora boa que te agrada e enleiasucede uma outra torturante e aziaga,- a vida é assim... um canto de sereiaque à morte nos convida, e nos afaga...

O teu sonho melhor bem pouco dura,e há sempre “um amanhã” cheio de dorpara “um hoje” nem sempre de ventura...

Toma entre as mãos o búzio da alegria

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e surpreso verás que no interiorcanta profunda e imensa nostalgia!...”

VIsso tudo nos dizem, - entretantonós dois seguimos braços dados,creio que se tu sabes que te adore tantodo que ouviste talvez não tens receio...

A vida, - é o nosso amor, o nosso encanto!Nem a podemos mais parar no meio...Chorar? - bem sei que choras, mas teu prantoé a alegria que canta no teu seio...

O mundo é bom e nós o cremos, basta!E se um amor tão grande nos enlevae pela vida unidos nos arrasta,

- que eu te abrace e te apoies sempre em mim,e desafiando o mundo envolto em trevasigamos juntos para um mesmo fim !

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Alegria!

Há alegria no sol que num triunfal rompantecomo um broto de luz que rompesse as entranhasda terra, - surge além pelas sombras, distante,a incendiar como um louco a encosta das montanhas!

Há alegria  no mar onde as conchas apanhas!Na noite mansa e azul, silenciosa e brilhante,e nas nuvens que no ar tomam formas estranhas,nas mãos ágeis do vento irrequieto e inconstante!

Há alegria nas ruas, nas flores, - nas avesque enchem ramos e céus de melodias suaves,e em meus olhos tristonhos refletindo os teus...

Alegria não há, no entanto, mais completaque essa que canta e ri no coração de um Poetaquando ao findar de um poema se imagina Deus!

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Ameaça

Os teus olhos estão cheios de umidademeus olhos sentem frio quando encontram os teus...

Se aperto tua mão, sinto-a muda, distraídacomo se estivesse sozinha,- ah! Nunca pudeste compreendera íntima razão por que os meus dedos trêmulosprocuram demorá-la um pouco mais na minha!

Os teus lábios me falam de amorcomo se tratassemde algum tema banal sem emoção, nem cor...Por isso, não compreendes que os meus lábios tratemde um tema banal qualquerte falando de amor!

As vezes, receioque a tua indiferença mate o meu orgulhoe a paixão que domino a custo, se libertelouca!-e eu te tome em meus braços como alucinadoe deixando o amor-próprio ferido de ladonuma febre cruel machuque a tua boca!

Não importa, depois, que te revoltese até me esbofeteies!Prefiro esse ódio, sim, eu quero que me odeies!Quero que ao me encontrares, os teus olhos brilhemmais, ardendo contra mimde indignação!

Quero tudo de ti! Não quero indiferençaque me castiga assim, e é martírioe é doençae faz da minha angústia uma alucinação

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E guarda o que te digoneste instante:

- eu nasci para ser teu inimigoou teu amantemas nunca um teu amigoou teu irmão!

Está, pois, como vês, nas tuas mãosescolhero que queres que eu sejaou o que terei de ser!

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Amo!

Amo a terra! Amo o sol! Amo o céu! Amo o mar!Amo a vida! Amo a luz! Amo as árvores! Amoa poesia que escrevo e entusiasta declamoaos que sentem como eu a alegria de amar!

Amo a noite! Amo a antiga palidez do luar!A flor presa aos cabelos soltos de algum ramo!Uma folha que cai! Um perfume no aronde um desejo extinto sem querer inflamo!

Amo os rios! E a estranha solidão em festa,dessa alma que possuo multiforme e inquietacomo a alma multiforme e inquieta da floresta!

Amo a cor que há nos sons! Amo os sons que há na cor!E em mim mesmo - amo a glória de sentir-me um Poetae amar imensamente o meu imenso amor!.

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Ânsias

Ergo os olhos para o altoergo os braços aos céuse canto um hino ao ar, ao sol, à liberdade!

Eu amo imensamente o imensíssimo azulda Imensidade!

Tenho sede de belezacomo sede de luz devem sentir os olhosdos prisioneiras dos subterrâneos...

Eu quero o movimento e a liberdade!Meus desejos são faunos panteístase as minhas ânsias, náiadespagãs...

Quero a alegria do Sol, como um guri levadona algazarra infantil de todas as manhãs,pulando pela montanha para os quintais vizinhostrepando nos ramos verdesriscando luz nos caminhos!

Quero essa alma de céu que é a alma das criançase dos Poetas!E essa paixão de louco pelas cousas belas,- esse culto pagãopela luz que escancara os olhos das janelase acorda a vida que dormee sonha, no chão!

Quero ser água e correr sem represaspor lugares diversose por terras estranhas,odeio esse destino das montanhasencarceradas dentro de si mesmas

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e enterradas no chão ...Que eu seja ao menos como um passarinhopara poder fugir ou me afastarde onde homens estão!

Namorado das nuvens vagabundasque sobrepairam picos e altitudesflutuantes como véus,amo a distância e a altura - a altura que deslumbra!- a distância que atrai... que empurra os horizontese os céus!

Quero correr... gritar... explodir e viverem livres expansões,sem preconceitos nos gestos!sem censuras nas palavras!sem leis para as afeições!

Quero falar, erguer a minha vozcomo a do mar que livremente entoaos seus brados de fúriae os seus cantos de amor,na praia onde se atira em arrulhos sensuaisou na rocha onde em vão se estraçalha e esboroaem rugidos de dor!

Andar como os rios andam, sem saber por quê,saltar como as cachoeirasgesticular como os galhose ser livre como o ventoque ninguém prende nem vê...Cantar como as aves cantamamar como as flores amamà luz do sol, do luar, no aconchego de um ramoe então gritar: - eu vivo! e então gritar: - eu amo!

Viver sublimizando o instintonuma vida feliz de pureza animal,dentro da Natureza livre e exuberanteonde o pólen que cai na corola da flordesconhece a moral!

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Viver embriagado de espaço!dos sons bárbaros da terrado perfume das cousasdas árvores, do mar, dos campos sem cercados,dos pássaros que voam tontos, deslumbrados,e da cantiga das fontes!Desconhecendo a prisão de todas as fronteirase amando a inexistência de todos os horizontes!

Ergo os olhos ao céuergo os braços para o altoe canto um hino ao ar, ao sol, à liberdade!

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Aquarela

  Pelo jardim (será o jardim dos poetas?)andam sombras aos pares enlaçadas,- no alto, trançam-se todas as ramadascheias de flores, de botões repletas...

Ainda se ouvem das aves atrasadasum ruflar de asas trêmulas e inquietas,- andam faunos e ninfas nas estradasà procura das sombras mais discretas...

Vivem beijos pelo ar: morrem suspiros!e a criança, pés descalços, corre o ventona quietude amorosa dos retiros...

Todos se amam, meu Deus! E eu só, sozinho!Quem me dera afinal neste momentovê-la cruzar adiante em meu caminho!

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Balada da chuva

A tarde se embaça: - um pingo, outro pingorespinga um respingo de encontro à vidraça;um pingo, outro pingo, e a chuva aumentandoe eu nada distingo,- respinga um respingotinindo, cantando de encontro à vidraça

A noite esta baça e a chuva enervantebatendo, batendo, constante, cantantede encontro à vidraça

A terra se alaga o céu se nevoa,e a chuva é uma vaga fininha, descendo,parece garoa!parece fumaça!- e as águas subindo e as poças subindoe a chuva descendo e a chuva não passa!

O dia surgindo, manhã turva e baça.A chuva fininha miudinha, miudinha,parece farinha lá fora caindo,através da vidraça.

A tarde está escura, a noite está baça,e as brumas de um tédiode um tédio sem curatalvez sem remédiominha alma esfumaça:

- um dia, outro dia e os dias passandoem lenta agonia segunda a domingo;um pingo, outro pingo, respinga um respingo,batendo, cantando, mil dedos tocandode encontro à vidraça...- que chuva! que chuva!e a chuva não passa!

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Constante, cantante caindo distantenas folhas molhadas,nas poças paradas despidas e nuas,e murmurejante rolando nas ruas;- um pingo, outro pingona lata cantando goteira se abrindopingando, pingandobatendo, batendotinindo, tinindo

parece um tinido, de taça com taça,e a chuva chovendoe a chuva não passa!

O vento nas folhas de leve perpassa,e as gotas nos fios rolando, escorrendolá fora estou vendo através da vidraça,- que dias sem alma!- que noites um graça!e a chuva, que calma!chovendo, chovendonão passa! não passa!

A terra está envolta nas brumas de um véu,de um véu de viúva que o dia escurece,e a noite enfumaça.- É a chuva que chove, e do alto se solta

descendo, descendo, rolando, escorrendonos olhos do céu...Nos olhos do céu e no olhar da vidraça!

- que chuva! que chuva! parece um dilúvio,quem sabe? - parece que a chuva não passa!

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Carnaval

Ela passou na minha vidavaziade boêmio e sentimental,como passa num ano de tristezao relâmpago de alegriado carnaval...

Seus braços me envolveram como serpentinasfrágeis, de papel,e se romperam coo as serpentinasque se arrebentam quando o vento soprae se soltam no céu....

Ela passou na minha vida, assim,tal como passa na monotoniade uma existência banal,a furtiva beleza e a loucura de um diade  carnaval !...

Nossa história, - o romance desse diasem ódio, sem despeito, sem rancor, sem ciúme,nem podemos lembrar,

teve o destino irreal de toda fantasiae a existência de um jato de lança-perfumeatravessando no ar...

O nome dela, não sei;ela não sabe o meu, - que importa? - não faz mal...- Não fôssemos nós dois apenas fantasiasnão fosse a nossa história apenas carnaval !...

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Carta a um poeta

Meu amigo Poetaontem chegando em casa abatido e entediado(e eu moro bem no alto de Sta. Terezae da minha janela a cidade distantetem uma outra grandezae uma expressão parada de sonho e torpor...)- abri teu livroe confesso,que muitas vez fechei-o deslumbradopara bem penetrar toda a sua belezae para melhor sentir todo o seu esplendor!

Ao chegar tinha os ouvidos surdos, cheiosda algazarra das ruase nos lábios um gosto de poeirae de fel,(toda tarde, ao voltar, eu devo ter esse armais morto do que vivo,de um fugitivodaquele mundo louco que anda lá por baixonum tremendo escarcéu...)

Amigo Poeta,quantas vezes já escancaraste tua janelaassim como quem pendura na parede do quartouma viva aquarelaonde a paisagem foge até perder de vista!E em silêncio ficaste a pensar como eu ficoabsorto, sem razão,no quanto há de sublime em nossa almade artista,bêbeda de sonhoe louca de inquietação!

Tu sabes, eu o sei, nós dois sabemos

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quanto é inútil, sendo bela,essa ânsia de tua alma eternamente inquietae esses desejos meus...Mas, quem pode matar também dentro do PoetaEssa fé que acredita em cousas que não cremosE esse desejo louco de querer ser Deus?!

Os poetas são, pelo mundo, ora uma sombra amenae distraídaque erra,ora uma luz serenae coloridaque a essência da própria Vidadescerra!- são sobre-humanos troféus,as lembranças que os deuses deixaramna Terradepois que um dia voltarampara os céus!

Ao voltar para casa no silênciodas horas de descansolonge do mundo,foragidoda vida, em seus tons mais fortes, mais diversos,que bem faz um poente a fugir tão mansoe a gente se sentar, e abrir folha por folhalentamente, comovido,um livro cheio de versos!

Porque à hora em que o céu se enche todo de estrelasque as mãos fecundas da noite vão semeando,na alma da gente, azul, uma emoção penumbravai baixandocomo a tarde que desce trêmula e discreta...

Essa hora, feita de tons, de meios-tons suavesquando em bandos no céu, se recolhem as aves,é sempre a melhor hora para conversarmoscom um poeta!

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Meu amigo Poetacomo sabes sentir! os estranhos, os leigosos ignorantesdirãoque o que há pelos teus versos é imaginação,beleza de linguagemfesta de imagens loucas,mas não compreenderão(ah! as almas como a tua são tão poucas!)o que eu só pude ver, eu só pude entendernessa encantada viagem,porque eu sou teu irmão!

Não compreendem tua alma vivendoagora um trecho felizdepois de um dia tristonhoem mil segundos de intranqüilidade!Coitados! não podem ver que essa imaginaçãoé a trepadeira verde que dá a flor do sonhomas que nasceu no entantoda verdade!

Não sabem que a alma da gentepor mais direita que secontornando as surpresas e os espinhos,é muita vez incoerentee sinuosa, como os caminhos!

Não vêem que o que está no papel é a impressãoda nossa alma,a ressonância da vida,o que ficou cantando em nós, depois que a vidapassou...aquele ruído do mar, nas conchas, que uma criançatirou de dentro do oceanoe sem querer guardou!

Que o poeta é aquela concha, e aquela concha é um poucodo coração imenso e loucodo mar!Poesia é ressonância

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é música à distânciaé ânsia!voz que vem não sei de onde, e que canta na sombrae fica em suspenso no ar!

Se a vida é a noite, a sombra... a poesia é o luar!

O Poeta, quando é grande,é a fronde que cresce, e se eleva, e se expande,e se enche com a algazarra e a música dos ninhos,e abriga o caminheiro exausto e trôpegodos caminhos,é fronde (folha e flor) é som, é movimentode ramos, ao vento,ou ao sopro suaveda viração...

E os outros homens são sementes que caírame não nasceramnem se abrirame ficaram estéreis dormindo no chão!

Meu grande amigo e Poetabenditos os que como tu trazema alma de harmonias repleta,felizes os que como nós,podem desabafar consigo mesmoe ainda encontram consolo ouvindo a própria voz!

Benditos os que foram sementes fecundase à luz do sol surgiram,se abrirame cresceram,e sobre todos os quintais vizinhosforam levar a música dos ninhose a alegria dos ramos que se enfloresceram!

No mundo exausto e cansado, na vida que entedia,mesmo irrequieta,bendito aquele diaem que nasceu o Sonho! e em que cantou o Poeta!

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Carta cinzenta

As palavras amargas que te escrevosão aquelas que pensas mas não dizes,e esta, - é a carta cinzenta onde me atrevoa despertar o nosso falso enlevoe a confessar que somos infelizes...

Esta é a carta cinzenta que põe termoao sofrimento que te suplicia...Meu amor, pobre amor! - vacila enfermo...Teu amor, falso amor! - já nasceu ermocomo uma noite longa de invertia...

Onde o antigo calor do teu carinho?Onde o esplendor dos teus olhos castanhos?Segues só, ao meu lado... Eu, vou sozinho...- como dois vultos por um só caminhoum do outro perto, e totalmente estranhos...

Não aceito o teu tolo sacrifícioque eu não nasci para inspirar piedade.Essa carta cinzenta é o precipícioonde atiro esse amor... E marca o inícioda tua mais completa liberdade!

Não deve haver passado entre nós dois...Esquece o que já fui e o que te digo,o Destino entre nós tudo interpôse assim, pelo que fui... nunca depoispor consolo me chames teu amigo!

Se eu cruzar o teu passo, volta o rosto!Devo ser menos que um desconhecido,- se eu era o teu Senhor e fui depostoque no exílio final do meu desgostoguarde a ilusão de ao menos já haver sido!

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Juro por esse deus em quem não creioem quem tu crês, - que em minha dor imensasó desejo ficar de tudo alheio,- não receio por mim, eu só receioque ainda me negues tua indiferença!

E que um dia, quem sabe? não compreendasas palavras de fel que hoje te digo,- receio que mais tarde não me atendase queiras debruar talvez de rendaso desespero que guardei comigo!

Uma coisa, no entanto, me confortadepois que por teu bem tudo desfiz,- é que enfim minha vida já está morta,e, afinal, minha vida pouco importaquando se trata de te ver feliz!...................................................

Bem. Paremos aqui. Daqui por dianteseguirás o teu rumo e eu sigo o meu...Hás de ser mais feliz se mais constante,e que ao menos te lembres, certo instante,de quem nunca um instante te esqueceu...

É o fim... Mas sem lamúrias nem piedade.Guarda a piedade, - eu já fiquei com a dor... -Quem pode mais do que a fatalidade?Se o Destino assim quis, fique a saudadeflorindo triste sobre o nosso amor!...

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Carta inútil

Tu não mereces o meu sofrimentoele é grande demais para quem és,nem devia afinal (triste momento),- por fraqueza humilhar meu sentimento,e ajoelhar-me adorando-te aos teus pés...

Passaste tão depressa!... Em minha vidaàs vezes penso que nem foste minha!Como a aragem soprando distraídaacendeste uma brasa adormecidae deixaste-a queimar-se após, sozinha...

Minha angústia interior é aquela chamavermelha, consumindo a brasa acesa...A Vida é assim... bem sei... sofre quem ama,e, covarde, é o mundo, o que reclamacontra um quinhão de dor e de tristeza!

Ainda guardo a silhueta de teu vultoe o que ontem me dizias sei de cor,- por tudo o que mentiste não te insulto,fiz das lembranças que deixaste um cultoe a vida sem lembranças... ainda é pior...

Quase sempre é melhor o sofrimentoquando ele encerra uma lembrança boa,que uma vida vazia, o isolamento,- sem uma voz trazida pelo vento!- sem um vulto passando na garoa!

Doloroso é voltarmos nosso rostoe o passado fugir como um caminhodeserto, a essa hora roxa do sol posto,- sem um riso, uma lágrima um desgostoa saudade de um beijo ou de um carinho...

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Quando o mal terminou, já está curado,mesmo a sombra da dor ainda conforta...- bem pior, é não ser ter nunca chorado,vendo o mundo a passar sem ter passadoe a vida inteira inutilmente morta!

Confesso, sim... que não mereces tantonão mereces um culto igual ao meu...Tudo em ti foi tão falso... hoje, me espantoao ver que tantas vezes o teu prantonuma ironia cruel me comoveu...

Mas, não toquemos nisso... Não se devefalar de um mal que nos maltrata assim,- nem sempre o que se pensa a gente escreve...- que o esquecimento seja um véu de nevedescendo suave sobre o nosso fim...

Teu amor foi apenas uma nuance,desmaio de um segundo nos meus braços,- é inútil que ainda insista e ainda me cansea procurar em vão nesse ex-romancea falsa trajetória de teus passos...

Foste um lírico instante de belezaa efêmera existência de uma flor!Uma folha a rolar na correnteza,um segundo de anseio e de incerteza,- mentira ingênua que eu chamei de amor!

Gota d'água brilhante ainda em suspensonum fio... quando o sol quente a encontrou,- partida que não teve o adeus de um lenço,história antiga que não tem mais senso,livro que o vento sem querer fechou...

Foste isso: uma ilusão que a gente espera!(E as ilusões são como as serpentinasque nos fogem da mão...) Falsa e insincerahoje me lembras uma fora de hera

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no muro branco de passado em ruínas!

Que fizeste do mundo de alegriasque presenteei ao teu destino vago?Dei-te a mancheias tudo que querias,- palavra de honra que não merecias,o sádico prazer com que me embriago...

Não mereces a dor que punge e espinhanem esta carta viva de emoções!Às vezes penso que nem foste minhae que a minha alma louca, anda sozinhanum delírio de sombra e de visões!

É sempre assim. A mão destrói o sonho!Toquei-te... E eras de pano, tola e fútil,- ainda bem que te foste!... Hoje, tristonhoreduzi - com estes versos que componho -a nossa história numa carta inútil...

Nunca esta carta te será bem-vindahás de soltá-la indiferente aos pés...Confesso, - quando a dor me fere aindaque a Vida que sonhei e hoje está finda,era grande demais... para quem és...

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Cena à hora do Poente

Na sala, sobre o tapete macio e felpudode veludoonde se desmanchou uma encarnada rosa,ela, inquieta e nervosa,vai, vem...- há mais de um quarto de hora, sem ninguém...

Há mais de um quarto de hora...

Pára. Vai à janela, alonga o olhar lá forapela rua silenciosa e vazia...E vai morrendo o diae a tarde é langorosa,pela rua vazia e silenciosa...

É tarde já... O céu que em cambiantes desmaiaatrás de algumas nuvens de cambraiaavermelhadas, no poenteacende a primeira estrela, de repente...           Ela passeia sabre o tapete felpudo   e macio, de veludo,   - ansiosa...Pára junto a uma jarra no canto da salae distraída, despetala   e esmigalha entre os dedos uma rosa...

O relógio de parede, grande, indiferente,continua marcando os segundos... No poentea tarde se escondeu                  Ela vai à janela, - a noite já desceu   azul-opala, formosa,mas muito fria...- e a rua continua silenciosa   

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silenciosa e vazia

Ela aperta no seio as mãos alvas e finasmãos que parecem feitas de neblinas...Ouve bater no peito o coraçãodescompassadamente,e inutilmente,o quer conter com a mão...- pelo ar, há o tique-taque, igual, indiferente,do relógio de parede, que no silencio da salamonologa e fala...

Um segundo..., outro segundo...

Cada um contendo em si que eternidade! Um mundode estranha expectativa...A sua ânsia é tão vivaque ela de novo para,chega junto ao relógio e de bem perto o encara,e o seu tormento é tantoque o olhar turvo se embaça em prenúncio de pranto...

Suas mãos se entrelaçam, se apertam, nervosas,e da jarra do cantocomo que por encantoalgumas rosassem querer,num lírico morrer,despetalam-se juntas, silenciosas...

É então que na estranha penumbra da salahá um silêncio maior: o relógio se cala!- não se ouve o tique-taque indiferente no ar...

Lá fora a noite em sombras flutuantes se embuça...

Ela esconde entre as mãos o seu rosto... soluçae começa a chorar...

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Círculo vicioso

  I(O Vagabundo)

Deitado sobre um banco, o olhar triste e paradocorpo exausto e vencido, a alma cansada e mortapensava:

“- Ah! quem me dera um palácio encantado,banquetes sobre a mesa e sedãs à porta !”

II(O Homem Rico)

Deitado sobre um leito de seda, a alma inquieta,a cabeça a escaldar em mil preocupações,dizia:.

“- Ah! quem me dera ter nascido poetae viver para o amor, de sonhos e ilusões !”

III(O Poeta)

Debruçado à janela, o olhar no céu profundo,ele escrevia um poema e começava assim:

“- Se eu tivesse nascido um pobre vagabundotalvez que não sofresse a dor que há dentro de mim!”

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Ciúme

Encontro em ti tudo o que imaginarana mulher, para ser o meu ideal;- não é só teu olhar, tua voz clara,e essa expressão que tens, sentimental !...

Nem essa graça ingênua, hoje tão rara,de quem não sabe onde se encontra o mal,ou teu riso feliz, que se comparaao tinir de uma taça de cristal...

É tudo em ti, traço por traço, tudo!As tuas mãos são rendas de ternura;teus carinhos, macios, de veludo.

Por isso mesmo é que é maior a dor,quando amargo a mais íntima torturapor não ter sido o teu primeiro amor...

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Colegial

Gosto de vê-la, assim... Quando à tarde ela vemfisionomia suave, ingenuamente franca...Toda a rua se alegra, e eu me alegro tambémcom o seu vulto feliz: saia azul, blusa branca...

Quantos nadas de sonho o seu olhar contém!A luz viva do olhar ninguém talvez lhe arranca.- Gosto de vê-la, sim... E ficam-lhe tão bemaquela saia azul, e aquela blusa branca...

Azul: - azul é a cor da vida que ela sonha!E branca: - branca é a cor da sua alma de criançaonde ela própria se olha irrequieta e risonha

Feliz... Não tem presente e ainda nem tem passado...Só o futuro, - e o futuro é uma imensa esperançaum mundo que ainda fica oculto do outro lado!

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Confissão

Eu queria num gesto inútil de arrependimentoajoelhar-me aos teus pése adorar-te,-e a minha adoraçãoseria a eterna prece dos meus lábios impurosem penitênciaà beleza de tua imagem cheia de inocênciae perfeição...

Só em erguer os olhos para o teu vulto, eu sintoque te profano,e a minha crença é talvez a fatal perdiçãode tua vida...Tu me julgas um deus, julgaste-me perfeito,e foi tamanho o teu enganoque hoje nem queres crer quanto foste iludida!

Minhas mãos deixam máculas em tuas mãos, antes brancascomo as das santas de gesso,- meus beijos contém venenoe infelizmentenunca pudeste ver minha alma pelo avesso...

Por que não te esquivaste à ousadia dos meus braçosdos meus lábiosdas minhas mãos?Não devias sentir pelas minhas palavrassenão desprezo e horror...Ah! tu não podes ver que és imprudente e criançae que te entregas assimcom essa tua confiançaao tóxico mortal do mais doentio amor!

Devias evitar as minhas mãos,devias

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esquivar-te ao meu contato,libertar-te de mim e do absurdo pesadelodo meu domínio,- porque, nem eu sabia o mal que te causava,e quero fazer-te um bem agora, abrir teus olhosainda em tempo talveza um tão funesto fascínio...

Ah! Mil perdões porque arrastei-te em vãocomigoem meu destino,e desviei teu rumo que era claro e azulpara as sombras do meu, aventureiro e incerto...

Mil perdões porque tanto te adoro,porque,não posso renunciar-te por um mal já feitoe, covarde! - ainda te amo... ainda te quero perto!

Eu te ergui num altar eu te quis santa e puraprecisamente como fui te achar,para,estranho prazer! abraçar-te, sentir-te,numa imensa loucurae arrependido após, atirar-me aos teus pésem silêncio... a chorar!

Merecias que um outro igual a ti passassepelo teu caminhoe te ofertasse o braço e oferecesse a mão. .

Ah! Nada pude dar-te além de meu desejoe é tão pouco o desejo para quem procurauma alma,um coração!...

Tua alma. Ah! tua alma era assim, bem assimsonoramente belatransparente e hialinacomo a fímbria azulada de uma taça finade cristal,

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e a minha alma, ah! minha alma, sempre impulsivae louca,foi deixar sobre a fímbria azul da taça finaa mancha da minha bocadoentia e sentimental!

Merecias que um outro que não eu te vissenaquela mesma noite em que te vie te adoreie quis,- porque ele, esse “ele” estranho que eu odiariacom o meu ódio mais profundo,só ele, - quase o creio, - poderiate fazer feliz!

Merecias alguém que te desse um recantoafastado (é melhor afastado),um recantoque fôsse como um ramo sossegadoou como um ninho,muito alto, sob o fundo de um céu azulado,e onde cantasse enamoradoalgum poeta feliz que nasceu passarinho

Merecias alguém que te tomasse as mãoscom sincera meiguice,e pudesse entender o que nunca entendie soubesse dizer o que eu nunca te disse!

Alguém que respeitasse o teu amor, alguémque fosse tal como ése vivesse aos teus pésnuma outra adoração,- que não seria a minha, impura e feita apenasde profanação!

Por que hoje, - em minha angústia, sofro ante o irreparávelao ter que me conformarcom esse mal que acabei por fazer a mim mesmoquando o fiz contra ti,- sofro, porque te achei tal como eu te queria

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tal como eu te esperavae te destrui!

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Conselho

Não protestes! Que adianta? E não te desesperes!Vive a vida, e compreende esse determinismodas forças naturais que regem o organismo social,- onde se encontram homens e mulheres...

Já não podes voltar se vais em pleno abismos!Se te ferem, perdoa... E enquanto tu puderesnão entoes o canto vil dos misereresmas canta um hino ousado ao teu estoicismo!

Procura, e encontrarás um pouco de beleza,que a Beleza ainda vive, exilada e perdidamuito longe dos homens, - pela natureza...

E seja o teu consolo, a superioridadecom que sofres calado os reveses da Vida,sem um grito de dor !... ou um gesto de vaidade!

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Esplendor!

Há trás dias chovia, choviaintensamentenoite e diasem parar...

E os dedos do ventodesfiavam pelo arnos fios, nas folhas,rosários de gotas,desfiavam, desfiavam,tal como se o ventoestivesse nos fioschorando, a rezar...

Hoje, o Sol arrebentou no céunum espalhafato doido de luz!E espantou os pássaros e as sombrase quebrou mil vidrilhos de espelhosno chão pelos caminhos tortospelos campos nus...

Hoje a terra acordou lavada e cheirosa,cabocla de vinte anospetulante e formosa       madurinha de amor,       - nunca vi tanto verde em tão vários matizes!       está cheia de seiva a carne das raízes   e as corolas são bocas úmidas e em flor!       

As árvores verdes   transbordando de flores   são ondas que se elevam da terra e arrebentampelos ramos,       espumas multicores!       

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E o céu tem a pureza suave de imenso lençol   de linho       posto para quarar à luz do sol   ainda azulado de anil,   - e sobre o sol redondo, uma nuvem sangüínea,   acentua o clarão da manhã que desperta       e faz lembrar um til...

O céu diáfano, puro, transparenteserenosem uma nuvemsem uma crispação,respira beleza olímpica, e parecea cúpula de um templo para um deus pagão!

Parece mesmo que a terra tomou banhoe lavou os cabelos verdes das folhagense o vestido das matas que adornam a cidadepelo arrebol, e agora nuazinha, nuazinha em pêlo,soltou para enxugar, displicente, o cabeloe deitou-se no chão para secar, ao sol!...

A terra está deitada, nuazinha,com preguiça de se levantar,com os cabelos das árvores grampeados de luz,com o sangue azul cantando nas correntes livrese os bicos dos seios das montanhaspintados ao rubro!...

Está com preguiça de se levantartem a cabeça morena recostadano colo das montanhase os pés alvos, de areia, mergulhadosna água do mar !       Com que preguiçarindo feliz na boca rubra das corolas,   lânguida e sensual,sai da alcova da Noite braço dado ao Solna alegria da manhã esplendida e tropical !

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E dos bicos rubros e túmidosdas montanhasaos vales fecundos e úmidosdas florestas estranhas,onde as águas alegres brincam de escorregarpelas encostas,e de carniça pelas ribanceiraspulando nas cachoeirascomo crianças contentes,- toda a terra vibra!- toda a terra grita!- toda a terra exulta!na alegria dos frutos vermelhos e sazonadose na ânsia. heliotrópica das sementes!........................................................................

Há três dias choviaintensamentenoite e diasem para,o Sol estava de castigo, e só hoje teve licençapara brincar...

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Essa

Essa, que hoje se entrega aos meus braços escravaolhos tontos de amor que aos poucos me farto,ontem... era a mulher ideal que eu procuravaque enchia a minha insônia a rondar meu quarto...

Essa, que ao meu olhar parado e indiferentehá pouco se despiu - divinamente nua -,já me ouviu murmurar em êxtase fremente:- Sou teu!... E já me disse, a delirar: - Sou tua!

Essa, que encheu meus sonhos, meus receios vãos,num tempo que eram vãos meus sonhos, meus receios,já transbordou de vida a ânsia das minhas mãoscom a beleza estonteante e morna de seus seios!

Essa, que se vestiu... que saiu dos meus braçose se foi... - para vir, quem sabe? uma outra vez,- segui-a... e eu era a sombra de seus próprios passos...amei-a... e eu era um louco quando a amei talvez...

Hoje, seu corpo é um livro aberto aos meus sentidojá não guarda as surpresas de antes para mim...(não importa se há livros muitas vezes relidosimporta... que afinal, todos eles tem fim)

Essa, a que julguei ter tanta afeição sincerae hoje não enche mais a minha solidão,simboliza a mulher que sempre a gente espera...mas que chega e se vai como todas se vão

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Eu te queria tão diferente

Há muito eu te esperava...

Mas eu queria que quando chegassestrouxesses nos teus olhos vultos de bonecas;e a tua boca sorrisse o sorriso dos botõesapenas entreabertos;e as tuas mãos fossem como as folhas fechadasde um livro que ninguém leu;e a tua alma fosse mais pura do que a fonteque canta dentro da pedrae ainda por sobre a terra as águas não correu...

E tu chegaste...

Mas trouxeste nos olhos sombras estranhasnuvens dentro de um céu;e a tua boca sorri o sorriso das rosas encarnadascheias de sol e mel;e as tuas mãos guardam vestígios de carícias que murcharam,e a tua alma, apesar de ser grande e ser bela,nos momentos de nossa exaltação,às vezes me parece pálida e amarela,como uma folha lidae já relidade um romance que andou talvez, numa outra mão.

..............

Ah! Ninguém saberá nunca o quanto eu soudesgraçado e infeliz na minha dor,quando ao te amar assim, como loucoum doente,encontro em teu amor, às vezes, casualmente,os restos de outro amor!

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Eu... e Arvers

Hás de ler estes versos algum diae mais ou menos pensarás assim:

“- ele ainda sofre muito, e esta poesiaescreveu-a, bem sei, ,pensando em mim...Sou a mulher que a inspira e que a anima,pensava em mim no instante em que compôs,e na incógnita sutil de cada rimahá um pedaço da história de nós dois...Sinto-me em cada verso, em cada frase,e as palavras que leio são as minhas...- Sou eu essa mulher!... Vejo-me quasena expressiva mudez das entrelinhas...”

E sorrirás... Eu sei que sorrirásante a certeza do meu sofrimento,- é o teu prazer, sorrir desse tormentoque me causaste... e que não finda mais...

Ah! Feliz foi Arvers, bem mais do que eu!Ao menos, essa a quem ele escrevia,perguntou certa vez depois que o leu:- “que mulher será essa...”

E não sorria... 

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Fada

Tua figura suavedelicadanem parece que vive, parece bordada,- como a boneca de seda de um desenhode uma antiga almofadaque eu tenho...

Teus gestos, teus embaraçosfazem lembrar finos traçosde uma filigrana,e tão frágeis me parecem, tuas mãos, teus braços,que nem sei se és de carne ou se és de porcelana...

Bonequinha de louçalinda moça,tua alma é um fio de seda, estou bem certo,e a minha imaginaçãocriou para o teu destino uma lenda encantada:

- jura que tu fugiste de algum livroe que eras a ilustraçãode uma história de fada! 

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Felicidade

Se ele pudesse,chamaria todas as árvores e todos os pássarospara que o ouvissem,conversaria com o Dia e conversaria com a Noite,e casaria o Sol com a Terra,e pediria ao mar suas espumasao espaço as suas brumas,às árvores suas floresao céu as suas estrelaspara tecer o imenso véu...

E  pediria  ao mundo  um pouco  de  silêncioe pediria ao céu que descesse um pouquinhodo céu...

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Fico pensando

Você, quando traz os seus olhospara encher de alegria e encantamentoa tristeza das minhas pupilas,parece a imagem de um céurefletida nas águas silenciosasde duas lagoas tranqüilas...

Você é como um céuque acendesse dois raios nos meus olhosonde há um poeta que sonhae onde medita um monge...Parece que está ali no fundo da lagoatão perto,e, entretanto, como está longe!

Às vezes, fico pensandodepois que você se vai(e deixa nos meus olhos as sete cores da saudade)tão depressacomo se eu nem a visse:

- para que haveria de servir meus olhospara que?se vocênão existisse?!

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Filosofia

Dentro do meu olhar altivo de descrençanão tenho uma atitude humilde e irrefletida,- olho os homens de cima, e trago de nascençaum íntimo desdém superior pela vida...

Não me irrito e não choro. À pedra desferidacontra mim - que em minha alma abre uma chaga[imensasorrio... E o meu sorriso é a dor, quase esquecidaque nos lábios transformo em fria indiferença...

A vida toda é vã.  Resumo a vida nessamistura com que fiz minha filosofia:- um verso de Leoni e um mau sorriso de Eça.

Um olhar de desdém numa alma de fumaça,e a superioridade fina da ironiade quem sabe que tudo é uma ilusão que passa!

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Fim de Romance

O envelope pequeno, cor-de-rosa,a letra fina, trêmula e nervosatraçara um nome: o meu...Abrindo-o, tinha as mãos frias, tremendo,e olhos nublados, sem querer, fui lendoo que ela me escreveu:

“... Perdoa, meu amor, se és o culpadodeste fim de romance, - o teu ciúmepor tanto tempo tem me torturadoque hoje inquietantes proporções assume.Ele povoou de sombras o meu passado,passado que em tão pouco tempo se resume:alguns anos vazios, e um punhadode sonhos que murcharam, sem perfume.No presente, tornou-nos infelizes...Se te fez desgraçado, a mim também,mas já não quero que te martirizes...É preciso que eu parta e isto te digaperdoa pois quem tanto te quis bem,sou,tua muito desgraçada amiga...”

Vinha depois seu nome, vinha um nomeque da minha alma o tempo não consomee eu vivo a soletrar,desde a alvorada até que a tarde desce,se de dia é meu canto, é a minha preceà hora de me deitar!...

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Fim

Nem foi mesmo preciso que você falasse,era um pressentimento antigo dentro de mim,há muito, na expressão que havia em sua facevia que o nosso amor ia chegando ao fim...

Hoje, para encontrá-la, eu quase que não vim...Era o medo covarde deste desenlace...E tudo terminou... e foi melhor assimtalvez, para você, que tudo terminasse...

Nosso amor, - e ninguém há de saber por que,morreu (bem que o sentimos pelo nosso olhar),e não somos culpados nem eu, nem você...

E o que é estranho afinal é que tudo acabasse,sem que nenhum de nós falasse em terminar,- e assim como se tudo ainda continuasse...

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Gata angorá

Sobre a almofada rica e em veludo estofadacaprichosa e indolente como uma odaliscaela estira seu corpo de pelúcia, - e riscaum estranho bordado ao centro da almofada...

Mal eu chego, ela vem... (nunca a encontrei arisca)- sempre essa ar de amorosa; a cauda abandonadacomo uma pluma solta, pelo chão deixada,e o olhar, feito uma brasa acesa que faísca!

Mal eu chego, ela vem... lânguida, preguiçosa,Roçar pelos meus pés a pelúcia prata,como a implorar carícias, tímida e medrosa...

E tem tal expressão, e um tal jeito qualquer,- que às vezes, chego mesmo a pensar que essa gatatraz no corpo escondida uma alma de mulher!

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Há dias...

Há dias em que a gente acorda com uma estranhavontade de achar as cousas belasos homens bonso mundo direito...

Nem bem damos ao Sol o bom dia escancaradodas janelas,e percebemos já que há festa em nossos olhose o coração que bate, é uma canção no peito!

Que alegria há maior que essa, a de abrirmosas janelas ao ar, ao dia, à luz,e deixarmos que o Sol barulhento e abelhudose atire sobre tudonuma infantil algazarra,cantando nos cristais, nos vidros, nas arestas,como uma cigarra?!

Há dias em que a gente acorda assim, com esse otimismo   e essa vontade louca   de trazer um sorriso cantando na boca,e abrir ao ar, ao Sol   o próprio coração...

Nesses dias   a gente parece criança - tem desejos doidos   de ser ave no espaço!        - e a um estranho qualquer que cruze o nosso passosem a menor razão,daremos de bom grado o nosso braço   ou estenderemos a mão!

Nesses diasparece que as árvores se enchemde novas melodias,

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de odres novas e de folhas novase há mais frutos nos ramos,- nesses dias parece que a tudo o que vemose a tudo o que não vemosnós amamos!

Acordamos com essa vontade estranhade achar que tudo é belotudo é bomque a Vida é boa!- de atirar para o céu as torres de um casteloe andar o dia inteiro nesse mesmo tomcantarolando à toa!

Nesses dias,não sei se será assim com toda a genteno instante em que escancaro aos céus minha janelapenso que é nesse dia, justamente,que eu vou estar com Ela...

- há dias mesmo assimem que o mundo é melhor ! e em que a Vida é mais bela!

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Humildade

Na humildade tristonha de uma poça d'águaque a última chuva deu vida,há boiando a alegria coloridado arco-íris

Não te importes, se nos meus olhostu te refletires...

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Ideal de amor

Odeio aquelas almas onde encontro escritauma história que um outro antes de mim viveu...Dentro de um grande amor, o amor-próprio se irritaencontrando um romance que não seja o seu ...

Quero uma alma que seja inteiramente pura,simples, e onde não haja escrita uma só linha,onde possa ir deixar um poema de venturaaquela que procuro e que há de ser só minha...

Quero um amor de egoísta todo meu, inteiro,que não traga um vestígio de afeição sequer...- se para ele eu não for o seu sonho primeirodesde já renuncio a outro lugar qualquer...

Somente assim desejo e quero ser amadoe um grande amor somente assim posso sentir...- hei de ser seu presente... hei de ser seu passadoe a esperança feliz que doure o seu porvir...

Para um perfeito ideal... para encher a minha vidaser toda a minha crença em meu viver de ateu,não quero a alma que foi por outro amor possuídanem quero aquele amor que um dia não foi meu!

Quero o amor em botão... fechado, pequenino,e ao calor do meu beijo há de florir então,- para ser a razão do meu próprio destinoe a grandeza imortal da minha inspiração!...

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Incoerência?

Achas-me indiferente... e até crês que há desdémquando falo de amor em palavras singelas...- pensas que as juras todas que já ouviste, aquelasjuras, a outras mulheres vou fazer também...

Dizes que não te quero... E eu te pergunto: - a quemdevo tudo o que fiz, as poesias mais belas?- outras dirão talvez que as fiz pensando nelas,mas todas te pertencem mais do que a ninguém!

Não vês que o que te cerca é a mentira da vida...- nem sabes descobrir essa paixão imensaque o meu orgulho torna egoísta e dolorida...

Não vês que o meu viver é falso, - e se resumeem te amar como um louco em minha indiferença,e fingir que amo as outras para teu ciúme !

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Inquietação

Trago dentro dos olhos essa cor da distânciaquando o mar e o céu se misturame há um pouco de mar no céue há um pouco de céu no mar...Que mundo imenso o mundo que há no meu olhar

Sinto nos braços ímpetos deventos que se atiram para longe, sem caminhos,cirandando redemoinhoscantando pelas montanhascorrendo pelas planíciesbrincando por sobre o mar...

Ímpetos de ventos boêmio, sem destino,cirandandocantandocorrendobrincandomas sempre a avançar... a avançar... a avançar!...

Sinto o desejo estranho de tocar o aléme essa inquietude de quem tudo quersem procurar ninguém!

Meus pés querem achar caminhos que não findemadivinhados na imaginação,-caminhos que avancem sempre, como cegos,dobrando a esquina azul dos horizontessabendo apenas que seguemmas sem saber aonde vão!

Trago as ânsias divinas de um predestinadoque se atira ao que outros desconhecemlevado por eterno e misterioso anseio...O que eu quero, não sei.

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Não quero o tudo se consigo o tudoe acho sempre que o tudo que consigovale menos que o pouco que não veio!

Quero sempre o que os olhos adivinhame abandono o que o corpo já sentiue o que a mão alcançouperto demais,nessa ânsia de saber o que me vem depois,vale mais para mim a emoção que se esboçaque toda essa vida que deixei pra trás!

Sinto que no meu Ser há essa mistura estranhade um pedaço de céude um punhado de terrae de um pouco de oceano...Há o céu no meu olhar vadio e distraídoa inquietação do mar na minha alma de poetae a terra, no meu sangue ardente de cigano!

Trago as ânsias divinas de um predestinadoe esse destino audaz de um incomum! Nasci para cantaramar e ser amadoter todos os destinos e não ter nenhum!...

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Insatisfeito

Quem ler os versos meus onde há certa tristezae certo desencanto suave e contrafeito,poderá num momento pensar, com certeza,que trago inutilmente um coração no peito!...

E que vivo afinal inquieto e insatisfeitode paixão em paixão... de surpresa em surpresa,- como um rio a mudar o curso do seu leitosem saber aonde o arrasta a própria correnteza!

E acertará talvez, - pois falta essa mulherque consiga escrever seu nome em minha vidasem deixar no passado outro nome qualquer...

Falta-me um grande amor... Falta-me tudo em suma!E sinto a alma vazia, estranha e incompreendidapor ter amado tantas sem amar nenhuma!

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Lembrança

E dizer que esta mãoque estou fitando,e escreveos meus versoscom um ar de preocupação,ainda há pouco sustevepalpitante e levea tua mão...

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Lirismo...

Eu quero ser o poeta da ternurao poeta dos carinhos, da meiguice,das palavras de amor e de doçuraque ainda ninguém pensou... e ninguém disse...

O poeta dos “castelos” e dos beijosquando vivemos longamente, a sós,- que põe vultos de sonhos nos desejose que põe abat-jours na própria voz...

Eu quero ser o poeta que te enleiae te encanta, e te embriaga, e te seduz,- que no teu corpo branco como a areiacompõe versos de amor feitos de luz.

O poeta que em teus olhos, num momentoacende estranhos mundos e visões,e que adivinha o teu deslumbramentodeslumbrado com as próprias emoções...

Eu quero ser o poeta dos anseios,dessa minha alma, irrefletida e louca,- e desvendando o encanto dos teus seiosmurmurar versos para a tua boca!

Quero ser esse poeta que tu querese os meus versos, assim como um perfume,hão de embriagar a alma das mulherespara o teu sofrimento... e o teu ciúme...

Eu quero ser o poeta da ternura   que espalha poemas e a sonhar caminha,e que encontra afinal toda a venturanessa ventura de sentir-te minha!

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O poeta que põe alma nos sentidose as belezas incógnitas desvenda,- que murmura canções aos teus ouvidose fala sobre o amor num tom de lenda....       O poeta a quem tua alma se prendeu,esse que chamas louco e sonhador,para imortalizar teu nome e o meuna imortalização do nosso amor!

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Maldade

  Tu podes ser igual a todo o mundoteres defeitos mais que toda a gente,- que importa? se este amor cego e profundoteima em dizer que te acha diferente!Para mim (eu que te amo como um louco)os que falam de ti são línguas más,- ah ! todo o amor que te dedico é poucoe é sempre pouco o amor que tu me dás!

Sou a sombra que segue os teus desejose aos teus pés, numa oferta extraordináriaa minha alma vendeu-se por teus beijos...Falam de ti... Escuto-os... Fico mudo...se eu já sei quem tu és... se eu sei de tudo!

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Mascarados

Mascarados os dois. Eu, mascaradona hipocrisia com que levo a vida,tu, na aparência inútil e fingidaque usas na rua com o maior cuidado...

Passas por mim e segues ao meu ladocomo outra qualquer desconhecida,- quem há de imaginar nosso passadoe a intimidade entre nós dois perdida?...

Ninguém... Certo ninguém pensa e adivinhaporque eu não digo e porque tu não dizesQue eu já fui teu... e que tu foste minha...

Mas, quantas vezes, amargurado pensoem como nos sentimos infelizesno Carnaval do nosso orgulho imenso!

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Mentira...

Tanta cousa passou...  E, no entanto, vivemosnoutros tempos, felizes, como namorados...- Nossa vida... ora a vida, era um barco sem remos,levando-nos ao léu... a sonhar acordados...

Ontem juntos, felizes... hoje, separados,- (não pensei que este amor chegasse a tais extremos...)E sorrimos em vão... sorrimos conformadosna mentira cruel de que a tudo esquecemos...

Cruzamos nossos passos muita vez: - é a vida!- eu, volto o rosto (fraco à paixão que ainda sinto),tu, recalcando o amor, nem me olhas, distraída...

Mentira inútil, cruel... se ontem, tal como agora,tu sabes que padeço, sabes quanto eu minto,e eu sei quanto este amor te atormenta e devora!

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Meu Calvário

Ando sempre a seguir-te... a buscar-te distantecomo a visão que anseio e os olhos me seduz,- e espero te encontrar, sentir de perto a luzdo teu olhar feliz em êxtase constante...

Mas tu foges de mim, foges a cada instante,e eu que a este andar eterno já me predispus,embora às vezes pare, - sigo logo adiantesem mesmo perceber que esse amor é uma cruz!

Não sei se hás de ser minha! O teu afastamentocresce à frente de mim, - no entanto, o imagináriodesejo de alcançar-te ergue o meu desalento...

E, após tanto sofrer, sentir-me-ei consolado,- se ao cair no caminho... e ao fim do meu Calváriofor morrer sobre a cruz dos braços teus pregado!

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Misticismo

Teu amor me transformou num crente, eu que tinha a[alma arejada e clara

como os descampados batidos de sol...

Habituaste-me aos meios-tons das tuas súplicas e das tuas[palavras murmuradas

à penumbra envolvente dos teus êxtases de humildade e oferecimentoao perfume morno de incenso das tuas carícias de pelúcia angorá...

E eu me ajoelho diante do teu corpo belo, do teu corpo brancoporque ele é o meu altar,acendo a chama vermelha do Desejo nos castiçais quentes, de carnedos teus seios nus,e recebo do cálice entreaberto dos teus lábios puros a

[hóstia do grande amor!

Teu amor encheu meus sentidos de crepúsculos santos e místicoseu rezo todas as noites no altar branco do teu corpooração profana da Vida e do Desejo!

Benditos aqueles que podem orar como eu, no catecismo[vivo dos teus cinco sentidos

os cinco mandamentos que os deuses quiseram desconhecere que valem no entanto muito mais que os dez...

Agora eu aprendi a rezar.  E encho os teus ouvidos de preces ansiosase palavras suaves...Ao nosso lado então, tudo é vazio, é longínquo, é enorme,quando os nossos corpos se unem

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se confundemcomo os feixes de luz que se cruzam na sombra,no interior sonâmbulo das naves. ..

Na minha religião, que é a tua religiãoeu sou o único Deus,não há santos, nem impostores, nem missais solenes, de

[litúrgico esplendor...No altar branco do teu corpo, entre as chamas rubras doDesejoeu sou o Senhor !

Teu amor me transformou num místico, eu que tinha a[alma arejada e clara

como  os descampados batidos de sol...

Porque antes, eu queria mulheres nuas correndo por[entre matas e alfombras,

queria meu teto na curva do céu!queria meu leito na terra do chão! Meu Desejo era um fauno livre e eróticonum templo pagão...

Hoje, fujo da luz do dia, dos descampados indiscretos, das ruas cheias

Já  não quero o leito pagão de todos os homensonde pisam todos os caminhosonde pousam todos os olhares...

Quero o teu misticismo acariciante, a tua sombra que[tem gestos envolventes

sinto-me bem na penumbra roxa do nosso aconchegono mundo escondido do nosso leito,quando os teus olhos são como dois vitrais iluminados e

[cheios de lendase o meu Desejo é a chama tremula que acendo sempreem devoçãoaos meus pecados...

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Hoje eu não sou pagão, hoje eu já sei rezar para os tens ouvidosuma doce ave-maria:

“Ave Mariacheia de graçascom dois seios brancos como duas luas caldas do céu,o Senhor é convosco porque eu sou o vosso único Senhor,bendita sois vósentre todas as mulheres, e porque me quereis,bendito é o fruto do vosso ventre e do nosso amor,e mil vezes bendita porque vos adoroum segundo, talvez...”

Benditos aqueles que fogem da luz onde todos os olhos[são cegos e todos os passos incertos

para a sombra acolhedora de um pouso onde há uma      [árvore farta de ramaria

cheia de música e poesiapara o nosso ouvido deslumbrado,e traz no ramo que pende o fruto doce e maduro do grande pecado...

Por ele viveremos e sofreremos livres,por ele canto e me exalto nestes versos meus,longe de insipidez do Paraíso, onde éramos demaisporque já havia um deus...

Benditos os que tomam o hábito da divindade quando[encontram os mandamentos

da Vida,e podem orar como eu, no catecismo vivo dos teuscinco sentidosuma ave-mariapara cada Noitepara cada Dia!

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Morrer

Quando estamos a sós... quando o teu corpo enlaçoE mergulho o meu rosto em teus cabelos soltos,por Deus que nem eu sei o que sinto, o que faço,há em mim a confusão de desejos revoltos!

Tendo os lábios aos teus longamente apertados,misturo em nossas bocas nossa própria Vida,e ao  te sentir pesar em meus braços, vencida,o mundo é um caos que gira em meus olhos cerrados...

Quando encontro em meu corpo o teu corpo macio,Os seios soltos, nus... fremindo no meu peito,- abraço-te numa ânsia!... e depois que te estreitosou como um tronco em queda a soltar-se num rio!

Eu te quero e desejo!... Esse amor que me dásé uma alucinação que cega os meus sentidos...Meus braços te enlaçando, querem sempre maisaté que os nossos corpos rolem confundidos...

Não há nada no mundo, eu junto a ti, sou franco! Desprezo a terra inteira, e todos os tesourospara poder beijar o teu pescoço brancoc desmanchar com as mãos os teus cabelos louros!

Não há mundo, se te ouço num débil socorroa debater-se em vão e a murmurar: “sou tua!cobre-me de carícias que me sinto nuae aperta-me ao teu peito que em teus braços, morro!” .

Quando estamos a sós... calados, esquecidos,nosso amor é um incêndio esplêndido, sensual,e julgamos morrer ao seu calor, vencidosao sublime estertor de um desejo imortal !

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Mutação

E o lírio esbelto e puro, de alvas pétalascom seu ar branco de sonhono seu esguio pendão,curvou-se naquele dia quando o vento passoue manchou-se na terrae desfez-se no chão.

No mesmo lugar, surgiu da mesma terraa corola vermelhade outra flor,uma viva papoula cor de sanguecom uma boca ansiosa, aberta para o amor...

Não sei porque neste momentovieste ao meu pensamento...

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Naturismo

Foi aprendendo a ler que aprendi a pensare hoje pelo pensar sou um degenerado,- já foi puro o meu Ser, tal como a Luz e o ar,como o ar e a luz de um céu sereno e descampado...

Bem que podia ter esse olhar encantadodo homem que não sabia onde parava o Mar...Sendo bruto, talvez eu me fizesse amado!Bruto, - que importa? Livre; ao menos poderia amar!

Teria por meu templo o côncavo profundodos céus, e a religião que acaso professassecorreria sem deuses, livre, pelo mundo...

No pedestal da ciência: - a beleza sem véus! E o mais sábio seria o ignorante que amassea música da Terra e a poesia dos Céus!

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Noiva

Ei-la toda de branco. Aos pés, o imenso véucoo em flocos de espuma, espalhado no chão...No ar, dentro do olhar, cabe inteirinho um céu,e leva um céu maior dentro do coração...

Nos lábios... Ah! nos lábios o sabor do mel,e uma carícia em flor se entreabre em cada mão,- e que tremor no braço, ao deixar no papelo nome dela, o dele... os dois desde então...

Quem lhe falou da vida ? A vida é um sonho, a vidaé esse caminho azul, esse estranho embaraçode sentir-se ao seu lado adorada e querida...

Aos seus pés, como nuvem branca, o imenso véu...Quem dirá, que ao seguir apoiada ao seu braçonão pensa que caminha em direção ao céu?...

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Núpcias pagãs

Braços dados, nós dois, vamos sozinhos...O teu olhar de encantamento espraiaspelas curvas e sombras dos caminhosdebruados de jasmins e samambaias

Há queixumes de amor na alma dos ninhose as nuvens lembram danças de cambraias...- na minha mão ansiosa de carinhostonta de amor, a tua mão, desmaias...

Andamos sobre painas... entre alfombras...E à luz frouxa da tarde em desalentomisturam-se no chão as nossas sombras

- Aqui... Há rosas soltas, desfolhadas...Nada receies, meu amor - é o ventoem marcha nupcial pelas ramadas !

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Onde?

Onde estão aqueles olhos cheios de desejos purose que mesmo rebeldesolhavam para os céus?

E aquela alma inquieta, como os caminhosnos campos,e os igarapés alegres da floresta?

E aqueles lábios que não conheciam o sabor dos beijosmas mordiam os bagos branquinhos de ingáe a polpa suculenta dos cajus?

E onde estão aquelas calças curtas, aquele peitoqueimado de sol,e aqueles pés ligeiros e sempre nus?

E onde está aquele sonho feito de cousas imprecisasonde havia uma menina de cabelos negrose olhos verdes da cor do rio?

E o Grupo Escolar, e a igrejinha de S. Sebastião,e o engenho do seu Doca...onde estão?

O Tempo ladrão roubou.

Já não tenho aquela rua vermelha de barroe aquele rio sereno e vermelhoda minha cidade natal,há muito nós nos perdemos, e nunca, nunca maisnos encontramos...- já não uso aquelas calças curtasnem ando de pés no chãoe nem procuro passarinhospelos ramos...

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Onde está o meu primeiro amora menina morena de cabelos negrose de olhos da cor do rioque nunca será esquecida?

Tempo ladrão roubou,de parceria com a vida...

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Oração

Eu que não tenho deus, eu que não tenho crençasEu que não tenho santos,Desde que te vi,Todas as noites à hora de me deitarCerro os olhos e penso em ti...E todas as noites, desde entãoSem quererSem notar,A minh`alma em meus lábios começa a rezar...

Todas as noites, à hora de dormir,Digo o cântico dos cânticos da minha oração...E quantos terços rezo em teus lábios, enchendo-osDe rosários de beijosNo altar onde te vê minha imaginação...

Todas as noites,Nas horas doces em que me abandonoComo à espera do sono,Em minha estranha liturgiaTomo-te entre os meus braços, triunfante,E penso tudo o que desejo e queroSe fores minha um dia...

Eu que não tenho deus, eu que não tenho crenças,De olhos cerrados a esperar o sonoOu fitando as belezas das noites tranqüilas,Também sei rezar...- no meu templo, que tem por vitrais as pupilas,diante da tua imagem toda noite eu digouma oração de amor antes de me deitar:

“Bendita sejas tu entre os meus braços!Bendita a nossa vida pelo nosso amorE bendito, também,

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O pecado que um dia há de tornar-te minha,E há de unir numa vida as nossas duas vidas...Amém...”

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Orgulho e Renúncia

Não penses que a mentira me consola:parte em silêncio, será bem melhor...Se tudo terminou a tua esmolameu sofrimento ainda fará maior...

Não te condeno nem te recriminoninguém tem culpa do que aconteceu...Nem posso contrariar o meu destinonem tu podias contrariar o teu!

Sofro, que importa? mas não te censuro,o inevitável quando chega é assim,- se esse amor não devia Ter futurofoi bem melhor precipitar seu fim...

Não te condeno nem te recriminotinha que ser! Tudo passou, morreu!Cada qual traz do berço seu destinoe esse afinal, bem doloroso, é o meu!

Estranho, é que a afeição quando se acabetraga inútil consolo ao nosso fimquando penso que ainda ontem, - quem o sabe?tenha sentido algum amor por mim...

Não procures mentir. Compreendo tudo.Tudo por si justificado está:- não tens culpa se te amo... se me iludo,se a vida para mim é que foi má...

Vês? Meus olhos chorando estão contentes!Não fales nada. Vai! Ninguém te obrigaa dizeres aquilo que não sentes,nem eu preciso disto minha amiga...

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Parte. E que nunca sofrer alguém te façao que sofri com o teu ingênuo amor;- pensa que tudo morre, tudo passa,que hei de esquecer-te, seja como for...

Pensa que tudo foi uma tolice...Só mais tarde, bem sei, - compreenderásas palavras de dor que não te dissee outras, de amor... que não direi jamais!

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Passional

És lânguida e amorosa quando estás sozinhae em teu corpo perfeito este amor apoteosas!Nos teus olhos distantes, tudo se adivinhae há um teu beijo um sabor encarnado de rosas!

Nasceste com certeza para ser rainha,e o serias na certa, das mais poderosas!- no entanto, aqui te tenho escrava, e sendo minhacabes toda e inteirinha em minhas mãos nervosas!

Os teus cabelos louros, soltos sobre o leitoespalham-se  em meu ombro, emolduram teu rosto,e, quando assim te sinto abatida em meu peito

os teus olhos castanhos, místicos, oblongos,vão morrendo em desmaios roxos de sol postosob a noite de seda dos teus cílios longos!

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Pensando nela

Neste instante em que escrevo, estou pensando nela,longe de mim, no entanto, em que estará pensando?- quem sabe se a sonhar, debruçada à janelarecorda nosso amor, a sorrir, vez em quando...

Ou terá tal como eu, esse ar de alguém que velaum sonho que estivesse em nosso olhar flutuando?Ou quem sabe se dorme, e adormecida e belao luar lhe vai beijar os lábios, suave e brando...

Invejaria o luar... É tarde, estou sozinho,ela dorme talvez, e não sabe que ao ladodo seu leito, a minha alma ronda de mansinho...

Nem vê meu pensamento entrar pela janelae ir na ponta dos pés murmurar ajoelhadoeste verso de amor que fiz, pensando nela!

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Poema para a mulher que passou...

Quando ela passou por mim, indiferentee distraída,surpreendi-me a pensar, sem querer, de repenteem minha vida...

Fiquei a imaginar que se lhe acompanhasseos passos,num lindo dia como o de hoje,cheio de sugestões para os nossos desejos,- talvez ela acabasse por me olhar, sorrindo,e mais tarde talvez me desse as suas mãos,e algum dia ficasse abrigada em meus braçose quisesse os meus beijos...

Se eu a seguisse, ela que nunca me viu, e passou distraídacomo se eu nem a visse,se eu a seguissepela ruaem meio a tanta gente,- talvez se transformasse toda a minha vida,e ao encontro da sua,minha estrada tomasse um rumo diferente...

No entanto ela se foi... E enquanto eu me deixavaa pensar,quem sabe se não levou a metade dessa almaque seria talvez a única metadecapaz de me completar?

Naquele segundo, - pressentimento estranho,intuição fugaz,- quis correr, ir buscá-la...Corri! ... Fui procurá-lae era tarde demais...

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Acaso já pensaste, na grandeza trágica desse segundoirremediavelmente perdido?Quem há de nos dizer se ele encerrava um mundo,esse mundo por nós sonhado há tanto tempoe há tanto tempo esperadoe querido?

Quem há de nos dizer algum dia, se ele eraa única oportunidade,que o Destino avarento e impiedoso nos derapara a felicidade?

Ninguém! ... E ele passou!... Pensa um momento na grandezadesse segundo atroz,e terás a intuição dolorosa, a certezade que é precisamente num segundo dessesque a felicidadepassa por nós!

Queres correr, é em vão!Hoje estou certoque nessa angústia eterna ficarás talvez,- porque a felicidade que passou tão pertoda tua mãosó passa uma vez!

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Por quê?

Foi tudo uma surpresa, tudo de repente,talvez nenhum de nós saiba explicar porque,- você deixou de ser o que era antigamentee o que era antigamente eu já não sou, se vê...

Eu era um seu amigo. E pra mim, vocêpor muito tempo foi a amiga e a confidente,- deixei-a ler, assim como um cigano lênas mãos, toda a minha alma indiferentemente...

Por muito tempo, os dois, felizes, nos julgamos,ate que certo dia... (e eu não lhe disse nadanem você disse nada) nós nos afastamos...

Hoje você me evita... Hoje evito a você...E seguimos então, cada um por sua estradasem que nenhum de nós saiba explicar porque...   

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Pouso

Pervaguei muito tempo a procura de um pousocomo alguém que batesse em vão de porta em porta- meu olhar, parecia perguntar ansioso:quem me dá sua mão?... quem minha alma conforta!

Caminheiro sem rumo, a alma já quase morta,via ao longe o caminho intérmino e sinuoso...- (quanta coisa afinal na vida se suportaantes de conseguir-se um pouco de repouso!)

Minha vida era assim... - uma estrada vazia...E eu caminhava a olhar buscando o que surgissea frente, - e ao meu redor tudo aos poucos fugia...

Até que te encontrei ! ... E se não te encontrasse,- talvez ha muito tempo eu já não existisse!- talvez que ha muito tempo eu já não caminhasse!

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Remorso...

Eu perverti a tua ingenuidadeeu maculei tua inocênciaeu pus sobre o teu vulto suave como um lírioa sombra do martírio,- o peso de uma cruz...

Povoei de sombra e de maldadea tua vida- tua vida era pura como o céu e a luz!

Eu fui o garoto mauque, desprevenidamente,toldou com as mãos a água claraa água límpidada corrente...

E da tua alma de criançae da tua figura de bonecafiz um vulto de mulher igual a tantos outrospor quem já cruzei...

Teu destino...Teu destino era um romance brancoque eu quis ler mas não soubee ao folhearmanchei...

Havia de pensar que minha experiêncianão falharia;que a tua pureza era hipocrisiatua inocência falsidadee até suporque a expressão de abandono de teus lindos olhosnão era amor!

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E havia de sofrer a infinita amargurade saber que por mim deixaste de ser pura,e por ingenuidade e inocência entregastea tua alma e o teu corpopara eu macular...

Preferia nem sei, preferia mil vezesque não existissesmil vezes preferia nunca te encontrar...

Eu perverti a tua ingenuidadeeu maculei tua inocênciae ainda queres perdoar-me o mal que te causeie tudo o que te fiz,- deixa que eu sofra e amargue... porque bem mereçoser infeliz!

E poupa-me desta forma, tu que é boa e és puraa cruel humilhaçãoe a suprema amargurado teu perdão!   

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Revelação

Sentirás a embriaguez da vida na tonteirados teus sentidos...

E cairás ao chão abandonada ao Sol!

Teus lábios abrir-se-ão como pétalas úmidasde sangüínea corola bêbeda de mel!

Tuas  mãos sobre a terra, abandonadas, trêmulas,são como dois pássaros feridos, agonizandopresos aos teus braços...

Teus olhos se encherão de sombras e de estrelascomo as retinas da noite quando a noite desce...

Tua voz morrerá bem lentamenteassim,como o arrulho dos ninhos quentes e amorososna hora doce e sensual em que o dia tem fim...

Masde repentenum rompante de Vidateu corpo vibrará num hino alucinado!teus olhos conterão dois sóis que te incendeiam!teus dedos ferirão a terra em que te deitas!

E outros lábios ouvirão o grito de tua boca !

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Seu lobo está aí?

Êta! Lá vem o Sol montado na montanhacomo num corcel,ergue os braços das nuvens retintas de fogoespantando as estrelas que ainda estão no céu!

Êta! Lá vem ele!parou a montanha na linha do horizontee se apeou,lá vem ele pisando sombras nos caminhose as sombras todas correm porque ele chegou!

No peito das florestas, fechadas, sombriasonde pulsa o coração das águas friasnas fontes perdidas,mil lâminas de luz enterrou, e os seus raiosna epiderme das copas sangraram corolasfloridas!

Derramou claridade nas águas das fontesdos córregos soltosque rolam no chão,sacudiu pelos galhos os ninhos sonhandoe acordou pelas pontas dos ramos as floresdormindo, fechadasem cada botão!

Êta! Lá vem ele correndo!Para trás as neblinas esgarçam seus véus...E ninguém dorme mais! A terra abre os olhos!Quem pode dormir com a algazarra que o solvem fazendo nos céus?

Lá vem ele!As ruas que estavam vestidas de sombraolhando a vida com os olhos embaciados

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dos postes, nas madrugadas,- quando as luzes elétricas se apagam,se espreguiçam na noite, e distendem na noiteas pernilongas calçadas!

E quando de repentea cidade escurece,e os raros automóveis passam farejandocom a luz dos holofotesa escuridão,- sabe-se que ele já vem, que ele não tarda a vir,porque ao se apagar a terraacende-se no espaço um imenso clarão!

Lá vem ele!... Chegou! Subiu lá em cimano arranha-céu mais altoe despencou por sobre os telhados e as árvoresespedaçando sombras sobre o asfalto!

Puxou o apito das fábricas: - puuu!Tirou do portal onde estava escondidoo litro de leite, branco, branquinhocomo um menino nu!

Tropeçou bem ao pé de uma estátua, no vultode um desgraçadoe com pena, enxugou da sua roupa, as lágrimasque a noite havia chorado;

e surpreso, encontrou no trabalho, antes deleo lixeiro a esvaziar as latas enfastiadasde um ladoe do outro lado...

(A vida que estava latentee invertidano negativo da Noite,- quando ele, chegouse revelou!)

Todo mundo escutou ele chegar, rompendo

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pelas portas abertas,correndopelas ruas desertas,gritando aquichamando alibocejando adiante,na eterna correriaem que sempre viveu (funcionário do Tempo)a substituir a Noite pelo Dia!

Chegou assim depressa, em alvoroçoporque não tarda muito, e terá que seguir,não pode se demorar...

Lá longe, no horizonte, no finzinho do céu,já o espera a montanha, e a montanha pareceum estranho animal de longo pescoço verdea beber água no mar!.....................................................................

Êta! Já está pronto de novo!Lá vai ele de volta, montado na montanhaque tem crinas de fogo,- e só quando ele sai,as sombras todas, as estrelas todas,vão correndo até lá se debruçar no céupra ver aonde ele vai!

E ao morrerem as fantásticas claridadesque como nuvens de poeira luminosaele após si deixou,sobre o silêncio da terra e das cidades sonâmbulasas estrelas brincam de roda e cantam uma cançãoque certa noite já ouvi:

“vamos passear no bosqueenquanto seu lobo não vem,- seu lobo está aí?”

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Sobre a alegria

(Deliciosa ironia!Acaso alguma vez também já te espantastequando riste?)

Pois bem, minha alegriaé às vezes exótica maneirade ser triste!

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Sobre a Esperança...

Os olhos deledos olhos delaum segundo que fosse, não se separavam,como se quisessem acender as chamas que vacilavam com a luz da própria Vida...

E a chama dos olhos dela, vacilantes, na noitede vigília, sem dormida,eram como as chamas no pavio das velasquando o vento abre as janelas...

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Sobre o remorso

Há uma fonte a cantar dentro do abismo,tu só lhe escutas a voze nunca descerás onde ela passa a rolar...

Nem tentes... porque é vão...não a podes parar...

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Soneto à Ariel

Arquiteto do sonho, escultor da Poesia,desenhei num projeto de ilusão dourada,o templo de cristal da minha fantasiaà beira de uma fonte irrequieta e encantada.

Ergo o meu templo ao alto, sobre a escadariadas minhas emoções - e o mármore da escadaé rubro , - e vou fazendo essa obra, na alegriado sonho, e na tristeza da alma já cansada...

Há colunas de pé, hieráticas, serenas,relembrando a visão do Partenon de Atenasnum tempo em que os heróis eram deuses no céu...

E quem entra, percebe, no interior em calma,o esboço de uma estátua, onde plasmo a minha almafeita apenas de luz... como a estátua de Ariel!

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Tédio...

Vontade preguiçosa de apanhar meus nervose fazer uma rede para me deitar...

e fechar os meus olhos, como que cansadode olhar...

e dormir, mas dormir esse sono das pedraque não podem sonhar...

ser folha, folha morta, caindoembalada pelo ar...

barco solto, sem  leme,  sem velas, sem nadaao sabor inconstante do mara boiar...

Vontade preguiçosa de encostar a vidanum canto,para descansar...

E soltar-me em mim mesmo, e soltar-me, e caire deixar-me ficar,sem ter vontade ao menos para bocejar...

Ah!...Vontade preguiçosa de não terminarestes versos morrendo em ar... em ar... em ar

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Timidez

Eu sei que é sempre assim, - longe dela imaginomil versos que não fiz mas que ainda hei de compor,perto dela, - meu Deus!... lembro mais um meninoque esquecesse a lição diante do professor...

Penso, que a minha voz terá sons de violinoenchendo os seus ouvidos de canções de amor,- e hei de deixá-la tonta ao vinho doce e finodos meus beijos, no instante em que minha ela for...

Ao seu lado, no entanto, encabulado, emudeço,e se os seus lábios frios, trêmulos, se calam,eu, de tudo, das cousas, de mim mesmo, esqueço...

E ficamos assim, ela em silêncio... eu, mudo...Mas meus olhos, nem sei... ah! Quantas cousas falam!e seus olhos, seus olhos!... dizem tudo, tudo!

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Tonta...

Dizes que ficas tonta... quando em tua bocaergo a taça da minha a transbordar de beijos,e te dou a beber dessa champanha loucaque espuma nos meus lábios para os teus desejos.Dizes... E em teu olhar incendiado talvez,como que tonto mesmo e ardendo de calor,vejo se refletir minha própria embriagueze o mundo de loucura que há no nosso amor...

E receio por ti e por mim, e receioque um dia ao te sentir tão junto, eu enlouqueçae aperte no meu peito a maciez do teu seio...Dizes que ficas tonta... Hás de então ficar louca!E eu tomando entre as mãos tua loura cabeçahei de fazer sangrar de beijos tua boca!...

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Trecho de carta

Quisera simular indiferença, quandoo teu olhar repara alguém que vai passandoe se acaso sorris a algum teu conhecidofazer-te crer que sigo alheio e distraído...Desejava também nem de leve tocarno passado, que às vezes volta ao teu olharquando um fato banal qualquer o ressuscita;e sabendo que és graciosa e bonitae que ao saíres, certo, hás de ouvir galanteios,quisera te ocultar meus obscuros receiose nunca me irritar por tão fúteis razões.Odiando como odeio o ciúme, as discussões,quisera estar imune ao pérfido venenoda suspeita, e seguir ao teu lado, serenona absoluta certeza de saber-te minha!

Quisera!E, entretanto, o ciúme já me espinha;e me atormenta como uma criança, quandocumprimentas alguém que acaso vai passando;e sofro intimamente, inquieto, desconfiado,a arquitetar perguntas sobre teu passado;e (maldoso que sou!) ponho logo maldade,se me falas de alguém com ar de intimidade,irritando-me ao auge ingênuas desconfiançasao te ouvir relembrando apagadas lembranças...E porque vou sentindo ao desfolhar dos diasas dúvidas nublando as nossas alegrias,e as rusgas, mais e mais, nos fazendo sofrer,e prevendo também que amanhã, sem querer,talvez o nosso amor em ódio se transmude,resolvi, - porque tive sempre essa virtudee porque ainda me sobra amor-próprio talvez,escrever-te...

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E hoje o faço, a derradeira vez!

Renuncio a esse amor. Prefiro assim, e pensonão ter ido de encontro ao que o destino quer,a vê-lo ( eu que o sonhei e o fiz tão belo e imenso),vulgarmente acabar como um amor qualquer!

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Trecho do noturno

É tarde já... Cheguei cansado e exausto, tragodentro da alma um complexo estranhamente vago,uma angústia que eu mesmo não sei definir...Acabei de dançar, de beber, de sorrir...

Tenho os olhos ardendo, e eu sei, porque ainda há poucoolhando-me no espelho tinha o olhar de um loucoe a palidez de um doente... E pensei para mimque essa vida da noite é exatamente assim:vale pela ilusão de que estamos contentes,ninguém sabe o que eu sinto... e quem sabe o que sentes?

A alegria que espuma, é a espuma da bebidaque dá ao sangue a impulsão de um excesso de vida;os gestos de que a alma inflamada é capazsintonizam com os ritmos doidos do jazz,vamos buscar a vida, o prazer, e enojadossaímos com a impressão de que fomos logrados!

Ora, o mundo afinal, não sendo mau nem bomlembra mesmo uma casa alegre de bas-fond;- na fachada a féerie dos letreiros piscando,por dentro, uma algazarra falsa, transbordandosobre almas enfastiadas de tédio e de amor!Por trás destes letreiros cheios de esplendor,rebrilhantes, na névoa das horas já mortas,quantos vultos sem rumo entre as frestas das portasquanta vida afinal desarvorada e ao léu!Dentro de todo o ruído e de todo o escarcéusem se olhar para os lábios, - nos olhos, no fundo,há um drama que envergonha as platéias do mundo!..........

Perdoa-me se escrevo estas cousas, perdoa,nem sei bem o que escrevo, estou traçando à toa

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estas linhas que lês... e esta filosofiabarata, eu a pensei, já à luz baça do diaque anda clareando o céu e desenhando as ruas...Cheguei; sentei-me aqui... e uma das cartas tuasencontrei sobre a mesa esquecida: reli-a ...

Que amargura interior, que imensa nostalgiainvadiu-me ! E conquanto isso pareça estranhodescobri por mim mesmo um desprezo tamanhoque os meus olhos choraram sem saber porquê ...

É tarde... e é muito cedo... O dia se entrevê...É uma difusa, extensa, e dúbia claridade,como uma olheira roxa a envolver a cidadeque dorme... Ouvem-se ao longe, passos, raramente,que ficam muito tempo no ouvido da gentee se perdem distante... e mais longe... e mais longe...

(A noite é agora assim como um capuz de mongesobre a face marmórea e pálida do diaesbranquiçando o espaço... Há uma funda poesiaao redor, no silêncio... E eu penso que nesta horatu dormes... E antevendo, além, o vir da aurora,invejo o Sol que vai teus olhos despertar...

Como deves ser linda a dormir e a sonhar!)Calco os olhos... e sinto as pálpebras pesadasmal vejo no papel as letras rabiscadas;a mão que as vai traçando, vacila, falseia,como um ébrio que andasse a pisar sobre a areiaE nem queiras saber por que te escrevo, eu mesmonão saberei dizer... faço esta carta, a esmo,e lendo-a, pensarás talvez que enlouqueci...Pois seja! Fiquei louco de pensar em ti!

Louco, sim! E entretanto se te visse agoraeu não te abraçaria... eu mandar-te-ia emboraou gritaria então quando surgisses: - “Pára!olha os meus olhos! olha-os! fita-os bem, repara!não te encostes em mim! os teus lábios não sujes!porque há nos meus vestígios de ordinários ruges,

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tenho-os vivos na boca! Ah, se as visses! Coitadas!Nem me toques... As mãos, também tenho-as marcadas,e ainda sinto ao redor do corpo, abraços frios,de braços que lembrando amarras de naviosprendem-se a qualquer cais... jogam-se a qualquer porto!

Devo estar meio vivo, ou talvez meio morto!...”

Se chegasses aqui, por milagre ou encantohavias de me ver (talvez cheia de espanto),ajoelhar-me aos teus pés... e pedir-te somenteque pousasses a mão na minha face ardente...Nada mais... nada mais ousaria pedireu que agora queria esquecer e dormir...

Pensa o que tu quiseres, pensa que estou louco,mas não me queiras mal afinal por tão pouco...

Cheguei... Sentei-me aqui, alma abatida e farta,e encontrando ao acaso, esquecida, uma carta, reli-a ...A tua carta, aquela que eu releiochorando, a te adorar, e a pensar que te odeio...Perdoa se te escrevo, esta é uma carta morta,bem sei que nada há mais entre nós dois, - que importapois, que eu te fale ainda?... É um desabafo tristejá que tudo levaste... e nada mais subsiste...

É tarde... o dia chega... a madrugada é alta.Ah! Se pudesses ver como me fazes falta!

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Tua carta

A carta que escreveste é a oração que repitotodas as noites, sempre, antes de me deitar,à hora em que abro a janela ao azul do infinitoe me ausento de tudo... e me esqueço a sonhar...

Eu, descrente da terra e dos homens, descrentemais ainda dos céus, com bem maior razão,murmuro a tua carta religiosamentepois fiz do teu amor a minha religião...

Tua carta, nem sei... releio-a a todo instante,ela acende em meus olhos tristes alegriase me faz esquecer que te encontras distante...

Paradoxos talvez, mentiras!... Não te esqueçose toda noite assim (há não sei quantos dias),com teu nome em meus lábios... rezando adormeço!...

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Velha imagem

Trago essa alma de um rio e parar não consigo.Avanço!... e hei de acabar sozinho, sem ter nada...As mulheres que amei, já esqueci-as!... - bendigoa paisagem que passa e se some apressada! ...

Explicar não sei bem o que se dá comigo,- minha vida se vai, por minha alma levadacomo um barco sem rumo em constante perigoà tona d'água livre em revolta enxurrada!

Sou arrastado assim... e assim vou para a frente,- são as águas levando pela corredeirao barco sem governo ao sabor da corrente...

Até que a minha vida, arremessada ao léu,se arrebente ao rolar de uma queda traiçoeiraenquanto a alma em vapor de espumas sobe ao céu!  

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Versos a Jesus

Serviu-te a manjedoura humilde de começo,nem palácios reais nem berços de cetim,- aliás, para pregares a obre que conheçotu só podias mesmo ter nascido assim...

Decorei tua história e dela não me esqueçoporque sei que tu foste humano e igual a mim,- e sofreste, e sonhaste, e pagaste por preçodo teu sonho o Calvário que aureolou teu fim!

Sem falsas liturgias revelas a Vida,e curvado, com o peso da cruz sobre os ombrossangraste os pés desnudos na íngreme subida...

Inútil sacrifício... Hoje, apóstolos teusreduzindo a grandeza do teu sonho a escombrosmercadejam teus restos em nome de Deus !

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Versos a mim mesmo

Anda!  Segue a cantar!... Fala aos outros da Vidalivre, e pura, e feliz, e esplêndida, e radiosa! Luta por teu amor!  E a alma em ânsia possuídasegundo por segundo os teus segundos goza!

Que a vida é pura e é boa, e chega a ser formosaquando pode afinal ser amada e vivida,- se o dinheiro é a moral, e a força é a lei honrosa,vive livre e sem leis que a Terra está perdida!

Se falarem de templos, - olha o céu!... te basta!Se falarem de fé, - adora a terra!... é tua!E que no teu viver errante e iconoclasta

ergas sempre o teu verbo olímpico e pagãodiante da multidão que vacila e recuaarrastando à hecatombe a civilização!

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Versos a um sábio

Por que te atormentares ? Rasga toda a ciênciaOdeia a esse que um dia te ensinou a ler.Destroi deuses eunucos, nega a onipotênciagerada por ti mesmo para o teu sofrer!

É inútil a descida aos socavões do Serpara chegar-se à fonte ignota da existência...Está, - nessa tua ânsia eterna de crescer -a causa subterrânea de uma decadência...

Não vale a pena o esforço ingente da subida...Se queres um conselho, - volta ao homem sãoe feliz, que primeiro despertou na vida...

Volta a ser livre! Adora a natureza e o amor!Foi com a tua ciência e a tua religiãoque inventaste a miséria... e descobriste a dor!

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Versos a uma árvore

Naquela árvore vejo o meu próprio destino:- brota da terra, cresce, reverdece e enflora!ontem, - pequeno arbusto humilde e pequenino,tronco a elevar-se altivo pelo espaço, - agora...

Naquela árvore vejo a minha própria vida,veio do mesmo pó de onde todos brotamos,e no esforço da luta e na ânsia da subidadesconjuntou seus galhos... retorceu seus ramos!...

Em mim, o homem rasgou minha alma e a encheu talvezde feridas mortais e eternas cicatrizesnela, - o tronco marcou, quebrou seus ramos, feztalhos por onde foge a seiva das  raízes...

Naquela árvore humana um destino se encerra:para viver: - lutou! ... para subir: - sofreu!...E transformou em flor e em fruto o húmus da terra,e indiferente, ao mundo, os ofertou como eu!

Se se cobriu de folhas, de botões surgidosà flor da fronde assim como pingos de aurora,- por dentro, os galhos tortos, rudes, retorcidos,são as ânsias de dor que ninguém vê por fora...

Por consolo, - quem sabe? - a Natureza deuao peito de alguns homens coração de poeta,assim como as ramagens do arvoredo, encheucom a música das aves, gorjeante e inquieta...

Naquela árvore, vejo a minha própria vida;no ser: - a mesma seiva bruta e dolorida;na face: - a fronde em flor sob a luz e os orvalhos...

E o seu consolo e o meu, e o consolo da gente,

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são os pássaros a encher de sons alegrementeas dores e as torturas íntimas dos galhos! ...

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Versos a uma cigarra

Ela cantou lá fora o dia inteiro - veiohoje à tarde morrer aqui na minha mesa...- meu olhar que ainda há pouco estava alegre e cheiode luz, turvou-se agora em singular tristeza...

Ouço (e já ouvir não posso), o estrídulo gorjeioque é a marcha funeral da tarde azul-turquesa,- sobre a folha do bloco onde ela está, releioum verso que hoje fiz ao sol e à natureza!

Ela andava lá fora, era a boêmia do céu!Mas na hora de morrer, trocou o azul de anilpela folha de um simples bloco de papel...

Na tristeza em que estou, ao menos me confortasaber, que aquele poema que escrevi, serviupara embalar o sono da cigarra morta!

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Versos a uma taça

Nasceu para servir ao estranho ritualdos festins, - no cristal puríssimo, sem jaçareflete da loucura o cortejo triunfalque alegre, ao seu redor, todas as noites, passa

Quanta dor já entornou! Quanta alma turva e baçajá ergueu na ilusão de esquecer o seu mal...Leva o vinho que apaga a tristeza e a desgraçae põe na boca um riso inconsciente e boçal!...

Destino estranho o seu! No seu cristal sem brumavive num mundo à parte, e insensível pareceao vinho que transborda e ao champanha que espuma...

E boêmia há de acabar, num último tinircomo as almas que abriga, e aniquila, e enlouquece,do seu próprio destino... espedaçada, a rir!

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Você

Hoje sinto-me só, neste abandonoque põe na alma da gente um não sei quê...Para dentro dos olhos vejo o outono,paisagem cor de cinza e esse ar de sonoque em plena primavera ninguém vê...

Não é tristeza propriamente: é esplim;nem sei se é esplim: é um sentimento vago;hoje sinto-me só, sinto-me assimcomo a flor que lá fora no jardima aragem despetala num afago...

Finíssima neblina há no meu Sere em minha alma tristíssima faz frio,- se lá fora há calor, e ouço o prazercantando na alegria de viver,por que no meu destino esse vazio?

Hoje sinto-me só e há uma torturanessa profunda e impenetrável mágoa...Minha vida é uma sombra... é uma figuraque se debruça numa noite escurano olhar parado de uma poça d'água.

Hoje sinto-me só... e faz-me malficar só, quando a noite está tão calma...Quanta gente infeliz, sentimental,sentirá, com certeza, uma ânsia igualà que eu sinto rondando na minha alma...

Pela janela aberta entra o bafiomorno, de um ar que embriaga e que perfuma;vem da sombra um rumor, um murmúrio,talvez, - quem sabe? - passe adiante um rio...Mas bem sei que não passa coisa alguma...

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Esse rumor que chega aos meus ouvidosque impregna o ar assim, esse rumor,é a canção de mil beijos escondidos,de lábios entreabertos e vencidosque se procuram na ilusão do amor...

Eu sei bem por que sofro e o que eu almejo,minto afirmando que não sei porquê, - falta uma boca para o meu desejo,falta um corpo que eu quero e que não vejo,Falta, por que não confessar?... Você!