Amicus Curiae TJMG - Inconstituconalidade do delito de violação de direitos autorais (art. 184 do...

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Exmo. Sr. Desembargador Sérgio Resende, Incidente de Inconstitucionalidade nº 1.0024.05.646547-9/002 (CAFES) O INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO ELETRÔNICO – IBDE, associação civil sem fins lucrativos, com sede na av. Graça Aranha, 416, salas 1002 a 1007, Rio de Janeiro-RJ, CNPJ nº 05.363.897/0001-10, representado por seu presidente Prof. Ms. José Carlos de Araújo Almeida Filho, vem por seu procurador infra assinado requerer sua intervenção neste incidente de inconstitucionalidade na qualidade de AMICUS CURIAE, nos termos do art.482, §3º, do Código de Processo Civil Brasileiro, a fim de pugnar pela PROCEDÊNCIA deste incidente, pelas razões que passa a expor: 1

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Exmo. Sr. Desembargador Sérgio Resende,Incidente de Inconstitucionalidade nº 1.0024.05.646547-9/002 (CAFES)O INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO ELETRÔNICO – IBDE, associação civil sem fins lucrativos, com sede na av. Graça Aranha, 416, salas 1002 a 1007, Rio de Janeiro-RJ, CNPJ nº 05.363.897/0001-10, representado por seu presidente Prof. Ms. José Carlos de Araújo Almeida Filho, vem por seu procurador infra assinado requerer sua intervenção neste incidente de inconstitucionalidade na qualidade d

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Exmo. Sr. Desembargador Sérgio Resende,

Incidente de Inconstitucionalidade nº 1.0024.05.646547-9/002 (CAFES)

O INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO ELETRÔNICO –

IBDE, associação civil sem fins lucrativos, com sede na av. Graça

Aranha, 416, salas 1002 a 1007, Rio de Janeiro-RJ, CNPJ nº

05.363.897/0001-10, representado por seu presidente Prof. Ms.

José Carlos de Araújo Almeida Filho, vem por seu procurador infra

assinado requerer sua intervenção neste incidente de

inconstitucionalidade na qualidade de

AMICUS CURIAE,

nos termos do art.482, §3º, do Código de Processo Civil

Brasileiro, a fim de pugnar pela PROCEDÊNCIA deste incidente,

pelas razões que passa a expor:

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1. Da intervenção do IBDE como amicus curiae

A possibilidade de participação da sociedade civil como amicus

curiae nos processos de controle de constitucionalidade foi uma

importante conquista democrática positivada pela lei 9.868/99.

A figura do amicus curiae tem se tornado cada vez mais freqüente

nas ações diretas de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal

Federal, pois permite uma interlocução direta do Poder Judiciário

com a sociedade civil organizada através de entidades com alto grau

de especialização nos temas discutidos.

Este diálogo técnico e jurídico entre os órgãos judiciários de controle

de constitucionalidade e a sociedade civil enriquece a discussão não

só em seu aspecto técnico, mas também político.

Sobre o tema o Ministro Celso Melo assim se expressou na ADI

2321-DF:

“PROCESSO OBJETIVO DE CONTROLE NORMATIVO

ABSTRATO - POSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO DO

"AMICUS CURIAE": UM FATOR DE PLURALIZAÇÃO E DE

LEGITIMAÇÃO DO DEBATE CONSTITUCIONAL. - O

ordenamento positivo brasileiro processualizou, na regra

inscrita no art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99, a figura do

"amicus curiae", permitindo, em conseqüência, que

terceiros, desde que investidos de representatividade

adequada, sejam admitidos na relação processual, para

efeito de manifestação sobre a questão de direito

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subjacente à própria controvérsia constitucional. A

intervenção do "amicus curiae", para legitimar-se, deve

apoiar-se em razões que tornem desejável e útil a sua

atuação processual na causa, em ordem a proporcionar

meios que viabilizem uma adequada resolução do litígio

constitucional. - A idéia nuclear que anima os propósitos

teleológicos que motivaram a formulação da norma legal

em causa, viabilizadora da intervenção do "amicus

curiae" no processo de fiscalização normativa abstrata,

tem por objetivo essencial pluralizar o debate

constitucional, permitindo, desse modo, que o Supremo

Tribunal Federal venha a dispor de todos os elementos

informativos possíveis e necessários à resolução da

controvérsia, visando-se, ainda, com tal abertura

procedimental, superar a grave questão pertinente à

legitimidade democrática das decisões emanadas desta

Suprema Corte, quando no desempenho de seu

extraordinário poder de efetuar, em abstrato, o controle

concentrado de constitucionalidade.”

Tratando-se de incidente de inconstitucionalidade o art.482, §3º, do

Código de Processo Civil Brasileiro dispõe que:

“o relator, considerando a relevância da matéria e a

representatividade dos postulantes, poderá admitir, por

despacho irrecorrível, a manifestação de outros órgãos

ou entidades”.

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Frise-se aqui que, não obstante a norma se encontrar disposta no

Código de Processo Civil, sua aplicação também ao controle de

constitucionalidade das normas penais parece indubitável. É que,

não bastasse a possibilidade de aplicação subsidiária do Código

de Processo Civil ao processo penal, não se trata no caso de

norma processual civil ou processual penal, mas de visível

dispositivo de processo constitucional inserido no CPC.

Assim, trata-se de norma perfeitamente aplicável a este incidente de

inconstitucionalidade desde que presentes os requisitos da

RELEVÂNCIA DA MATÉRIA e da REPRESENTATIVIDADE DOS

POSTULANTES que a seguir pretendemos demonstrar estarem

presentes.

1.1. Relevância da matéria

Em princípio, cabe notar que não obstante este incidente de

inconstitucionalidade ter sido suscitado a partir de um processo

penal em que se julga um caso concreto, a questão que se discute

aqui extrapola em muito o interesse do(s) réu(s) daquele feito

originário.

A discussão atual já não se limita mais a uma condenação ou uma

absolvição, mas abrange a constitucionalidade ou

inconstitucionalidade de um artigo do Código Penal.

Não se julga aqui um caso concreto, mas a constitucionalidade de

uma norma federal, razão por que justifica-se plenamente o

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interesse da participação do IBDE como representante da

sociedade civil interessada na decisão sobre a

constitucionalidade da norma.

A criminalização da violação de direitos autorais é matéria de

imenso interesse público, mormente na sociedade pós-industrial em

que a maior parte da economia está centrada na produção imaterial.

As repercussões de uma decisão sobre a (in)constitucionalidade do

crime de violação de direitos autorais serão grandes, pois refletirão

não só nos interesses privados de autores, editoras/gravadoras, mas

principalmente nos interesses de uma significativa parcela da

população que consome diariamente produtos “piratas”, muitas

vezes como única forma de acesso a estes bens culturais.

Não bastasse, a decisão refletirá os limites do poder criminalizante

em nosso Estado Democrático de Direito, em especial, no que diz

respeito à caracterização à limitação constitucional à prisão por

dívidas.

Ainda que, em tese, os efeitos da decisão se limite ao Estado de

Minas Gerais, é inegável a importância da jurisprudência mineira

perante os tribunais nacionais e a decisão aqui proferida, por certo,

em muito influenciará a interpretação da matéria em nível nacional.

1.2. Representatividade dos postulantes

O INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO ELETRÔNICO é uma

associação científica sem fins lucrativos formada por professores de

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Direito cujas linhas de pesquisa abarcam as repercussões jurídicas

das tecnologias da informação. Entre nossos associados contamos

ainda com advogados, juízes e promotores bastante atuantes em

suas instituições no sentido de tornar a informatização judicial uma

realidade.

O IBDE possui abrangência nacional, contando com associados em

todas as regiões do país e tem se destacado pela realização de

importantes congressos internacionais sobre o tema, dentre os quais

destacamos:

• I Congresso Internacional de Direito Eletrônico, Petrópolis

(RJ), 2004.

• II Congresso Internacional de Direito Eletrônico, Belém (PA),

2006.

• I Seminário de Processo Eletrônico, Petrópolis (RJ), 2007.

• II Seminário Processo Eletrônico, Porto Alegre (RS), 2007.

Em outubro deste ano de 2008, o IBDE realizará seu III Congresso

Internacional de Direito Eletrônico na cidade de Maringá (PR) que

discutirá, dentre outros temas os Direitos Autorais na sociedade da

informação.

Não bastasse a intensa agenda de eventos realizados pelo IBDE,

seus membros têm se destacado também na redação de livros e

artigos sobre Direito Eletrônico publicados em revistas nacionais e

estrangeiras.

Todo este trabalho foi reconhecido pelo SUPREMO TRIBUNAL

FEDERAL que admitiu o IBDE como amicus curiae nas Ações

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Diretas de Inconstitucionalidade ADI-3869 e ADI-3880,

ambas relatadas pelo Exmo. Sr. Ministro Ricardo Lewandowski.

Trata-se, portanto, de um instituto acadêmico bastante atuante

formado por professores e profissionais do Direito especializados na

temática deste incidente de inconstitucionalidade e que pretende

dar aqui sua contribuição democrática ao melhor julgamento da

questão.

Por todo o exposto, o IBDE requer sua admissão como amicus

curiae neste incidente de inconstitucionalidade para sustentar sua

PROCEDÊNCIA.

2. Da inconstitucionalidade do art.184 do CP

O presente incidente de inconstitucionalidade, suscitado pelo

eminente Des. Alexandre de Carvalho, tem por objeto a

(in)constitucionalidade do art.184 do Código Penal que tipifica o

crime de violação de direitos autorais.

Não se discute aqui as variadas sanções civis já previstas em lei

para as violações de direitos autorais, tais como multas,

indenizações, apreensões, perda de máquinas, equipamentos e

insumos, dentre outras.

O objeto deste incidente de inconstitucionalidade não é, pois, a

LICITUDE ou ILICITUDE da violação de direitos autorais, mas a

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TIPIFICAÇÃO desta ILICITUDE como CRIME em nosso

ordenamento jurídico.

2.1. Princípio constitucional da Intervenção Mínima

Como é sabido, o Direito Penal não se ocupa de qualquer conduta

socialmente lesiva, mas tão-somente daquelas consideradas mais

graves e reprováveis sintetizada na conhecida expressão latina:

ultima ratio legis.

Como ensina Nilo Batista, se o Direito Penal é “remédio sancionador

extremo, deve portanto ser ministrado apenas quando qualquer

outro se revele ineficiente; sua intervenção se dá unicamente

quando fracassam as demais barreiras protetoras do bem jurídico

predispostas por outros ramos do direito.” (BATISTA, Nilo.

Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. 4ª ed. Rio de Janeiro:

Revan, 2001. p.87)

Ainda que não previsto expressamente no texto constitucional, o

princípio da intervenção mínima é uma decorrência lógica da opção

política feita no art.1º da Constituição da República pelo Estado

Democrático de Direito. A criminalização de condutas de baixa

lesividade social é própria de regimes totalitários, pois

pretende disciplinar pelo medo e pela repressão penal as condutas

do povo em todas as suas filigranas. Nos Estados Democráticos de

Direito as constituições admitem implicitamente a impossibilidade do

Direito Penal regular todas as condutas humanas e cria critérios de

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seleção para que o legislador limite-se a criminalizar aquelas de

maior lesividade social.

2.2. Princípio da lesividade

O principal critério restritivo ao poder criminalizante é o princípio da

lesividade pelo qual admite-se que só pode haver crime se houver

uma lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico

constitucionalmente protegido.

Destarte, é preciso inicialmente determinar qual o bem jurídico

supostamente tutelado pelo crime do art.184 do Código

Penal para, a partir dele, determinarmos se esta criminalização é

compatível ou não com nossa constituição.

Inicialmente poder-se-ia supor que o bem jurídico tutelado pelo

art.184 do CP fosse a propriedade, dada a enorme freqüência com

que se usa equivocadamente a expressão “propriedade intelectual”.

É preciso notar, porém, que a propriedade é um conjunto de bens

pertencentes a um sujeito de direitos. Ora, uma lesão à

propriedade alheia equivale a uma perda – um decréscimo –

patrimonial. A subtração de um livro de uma biblioteca

caracteriza, sem dúvidas uma perda patrimonial para o proprietário

da biblioteca. A cópia xerográfica deste mesmo livro, porém, não

gera qualquer prejuízo ao seu legítimo dono, que continuará com o

livro intacto em sua biblioteca, e também não provoca qualquer

perda patrimonial ao autor ou à editora, pois não se pode equiparar

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uma lesão patrimonial a uma frustrada expectativa de lucro relativa

à venda hipotética da obra.

Há, no entanto, a frustração do pagamento de um crédito

decorrente do uso da obra protegida pelos direitos autorais.

Ocorre, porém, que DEIXAR DE RECEBER um crédito não pode

ser equiparado a uma LESÃO PATRIMONIAL, sob pena de

odiosa aplicação da analogia in malam partem, vedada no Direito

Penal.

Os delitos patrimoniais estão elencados no Título II da Parte

Especial do nosso Código Penal e todos eles têm uma característica

em comum: uma lesão patrimonial que DIMINUI O

PATRIMÔNIO DA VÍTIMA. Esta diminuição ora é causada por

uma subtração, com ou sem o uso da força, ora pela entrega da

coisa pela própria vítima, em alguns casos constrangida, em outros

induzida a erro, ora parte do seu patrimônio é destruído, inutilizado

ou deteriorado, ora o autor apropria-se de coisa de que tem posse

ou a detenção. Mas NUNCA há crime patrimonial sem

PREJUÍZO PATRIMONIAL.

Assim, não há falar em crime contra a propriedade

intelectual, simplesmente porque SEM PREJUÍZO

PATRIMONIAL não há CRIME PATRIMONIAL, pois não

houve lesão ao BEM JURÍDICO PATRIMÔNIO. E aqui não há

espaços para analogias. Frise-se: DEIXAR DE AUMENTAR O

PATRIMÔNIO não pode ser equiparado a PREJUÍZO

PATRIMONIAL.

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Conclui-se, pois, que o bem jurídico tutelado pelo art.184 do CP não

é uma suposta propriedade intelectual, mas um direito autoral de

natureza patrimonial. Um, não! Dois: o direito patrimonial do

autor e o direito patrimonial da editora/gravadora que, por um

contrato de edição com o respectivo autor, também tem a

expectativa de ser remunerada pela obra.

A distinção é fundamental, pois o crime do art.184 do CP não

causa uma lesão ao patrimônio das vítimas – autor e

editora/gravadora – mas sim, frustra-lhe a expectativa de

ter um incremento patrimonial decorrente do recebimento dos

direitos autorais.

Destarte, dois são os bens jurídicos tutelados pelo art.184 do CP:

1. o direito patrimonial do autor de receber uma remuneração

pelo uso de sua obra;

2. o direito patrimonial da editora/gravadora de receber uma

remuneração pelo uso da obra do autor, decorrente de

contrato de edição/gravação com ele estabelecido.

Há ainda uma terceira categoria de direitos – a mais importante

delas – que são os direitos morais do autor, como por exemplo, o

direito de atribuição de autoria, o direito de assegurar a integridade

da obra (ou de modificá-la), o direito de conservar a obra inédita,

entre outros.

Vê-se, pois, que o delito do art.184 do CP procura tutelar uma

infinidade de bens jurídicos de naturezas distintas – ora moral, ora

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patrimonial – e de titulares diversos – ora do autor, ora do

editor/gravadora.

Então é preciso ampliar a lista original de dois bens jurídicos

tutelados, para um rol bem mais extenso:

1. direito moral do autor de atribuição de autoria

2. direito moral do autor de assegurar a integridade da obra (ou

de modificá-la)

3. direito moral do autor de conservar a obra inédita

4. o direito patrimonial do autor de receber uma remuneração

pelo uso de sua obra;

5. o direito patrimonial da editora/gravadora de receber uma

remuneração pelo uso da obra do autor, decorrente de

contrato de edição/gravação com ele estabelecido.

Note-se que esta lista não tem a pretensão de ser taxativa, pois

outros direitos morais do autor poderiam ser tutelados por este

art.184 do CP.

O que se procura demonstrar aqui é tão-somente a pluralidade de

bens jurídicos que se visa tutelar com o delito de violação de

direitos autorais, ressaltando a diversidade de interesses (moral e

patrimonial) e destinatários (autor e editor/gravadora).

Não há falar, portanto, em um bem jurídico “propriedade

intelectual” quer seria tutelado por esta norma, mas sim em um

conjunto de interesses morais e patrimoniais de autores e

editoras/gravadoras que podem ou não ser considerados bens

jurídicos.

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2.3. Proibição de criminalização de dívidas

Fundamental então é determinar se estes direitos tutelados podem

ser, de fato, bens jurídicos sujeitos à tutela penal.

Em relação aos direitos morais do autor, não temos dúvida de que

constituem bens jurídicos perfeitamente adequados a uma tutela

penal. Assim, a conduta do plágio estaria corretamente tipificada

pelo tipo penal do art.184, pois lesa um bem jurídico moral do

autor.

Já em relação à tutela dos direitos patrimoniais do autor, o mesmo

não pode ser dito.

Parece claro que a cópia de um livro, cd, dvd ou qualquer obra

intelectual não causa um decréscimo no patrimônio do autor ou da

editora/gravadora, mas tão-somente frustra uma expectativa de

incremento patrimonial. Não se trata, pois, de forma alguma de um

delito patrimonial, mas sim, da frustração de pagamento de um

crédito de natureza civil.

A Constituição da República é expressa ao vedar a utilização da

prisão para constranger alguém ao pagamento de dívidas:

“Art.5º, LXVII — não haverá prisão civil por dívida, salvo

a do responsável pelo inadimplemento voluntário e

inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário

infiel.”

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Ora, se a Constituição veda a prisão civil por dívida, por óbvio

não permite também a prisão criminal por dívidas.

Se não se pode mandar prender alguém para obrigá-lo a pagar o

aluguel atrasado, evidentemente também não se pode cogitar na

tipificação de um delito que punisse a conduta de “deixar de pagar

aluguel”.

Não bastasse a expressa vedação constitucional à prisão como

instrumento de coerção ao pagamento de dívidas, também a

Convenção Americana sobre Direitos Humanos — “Pacto de San

José de Costa Rica”, positivada no Brasil pelo Decreto 678 de 6 de

novembro de 1992, estabelece que:

“Artigo 7 — Direito à liberdade pessoal — […] 7.

Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não

limita os mandados de autoridade judiciária competente

expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação

alimentar.”

Mais uma vez, é importante insistir que não há qualquer diferença

de ordem prática em ordenar a prisão civil pelo inadimplemento de

uma obrigação civil ou criar um tipo penal criminalizando a conduta

de “deixar de pagar uma dívida”.

O que a Constituição da República e o “Pacto de San José de Costa

Rica” vedam não é somente a prisão civil por dívidas, mas toda e

qualquer prisão para constranger alguém a pagar uma dívida.

Tanto é assim, que mesmo a pena de multa decorrente de sentença

penal condenatória jamais poderá ser convertida em prisão, quando

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não paga. Não é por outro motivo que o art.51 do Código Penal com

a redação que lhe deu a Lei 9.268/96 dispõe que:

“transitada em julgado a sentença condenatória, a multa

será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhes as

normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda

Pública, inclusive no que concerne às causas

interruptivas e suspensivas da prescrição.”

Nem poderia ser de outra forma, sob pena de criarmos uma

inaceitável dicotomia sócio-econômica na aplicação das leis penais:

quem é rico paga a multa e quem é pobre é condenado à prisão por

não conseguir pagá-la.

Ora, se não se pode converter uma multa de natureza criminal não

paga em prisão, poderia o não pagamento de direitos autorais levar

alguém à prisão em nosso sistema jurídico? Não haveria aí uma

grande incoerência?

Como já tivemos a oportunidade de comentar antes:

“Se o legislador ab absurdo criasse uma lei tipificando a

conduta: “violar direito de locador”, ninguém teria

dúvidas em afirmar a absoluta inconstitucionalidade da

norma. Argumentar-se-ia, por certo, que os direitos do

locador são vários e esta norma lesaria o princípio

constitucional da taxatividade. Ainda que os diversos

bens jurídicos tutelados por este delirante tipo penal

complexo fossem decompostos, em determinado

aspecto ele seria visivelmente inconstitucional: tratar-se-

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ia de uma criminalização do descumprimento de uma

obrigação civil, vedada expressamente pela Constituição

Federal.

(...)

Se assim é em relação à tutela da propriedade material,

razão alguma haveria para se proteger com maior

ênfase uma abstrata “propriedade intelectual” que, neste

aspecto, tutela o direito do autor a receber a

remuneração por seu trabalho intelectual, explorado

comercialmente por um proprietário dos meios de

produção.

Deixar de receber uma renda ou salário, ainda que se

trate de descumprimento de obrigação civil, jamais pode

ser equiparado a uma lesão patrimonial semelhante ao

crime de furto. No delito de furto há um decréscimo

patrimonial; na violação de direitos autorais, o autor

deixa de ter um acréscimo em seu patrimônio. No furto,

há ofensa a um direito real; na violação de direitos

autorais, a um direito obrigacional. Naquele temos uma

vítima; neste, um credor.

A produção de obras intelectuais em meio físico que não

foi autorizada pelo autor é, portanto, tão-somente um

descumprimento de obrigação civil. Dada a sua natureza

eminentemente privada e seu caráter exclusivamente

pecuniário, sua criminalização afronta não só o princípio

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da intervenção penal mínima, mas também a vedação

constitucional às prisões por dívidas.”

(VIANNA, Túlio Lima. A ideologia da propriedade

intelectual: a inconstitucionalidade da tutela penal dos

direitos patrimoniais de autor. Anuario de Derecho

Constitucional Latinoamericano. Montevideo, a.12, t.2,

2006, p. 945)

É preciso ressaltar, finalmente, que nem mesmo o próprio

Estado pode criminalizar a conduta daquele que

simplesmente deixa de pagar um tributo aos cofres

públicos. A lei 8.137/90, que define os crimes contra a ordem

tributária, tem em todos os seus tipos penais um elemento em

comum: a FRAUDE.

A criminalização não é, e nem poderia ser, do mero não pagamento

do tributo, pois mesmo o Estado não se pode valer da ameaça de

prisão para constranger alguém ao pagamento de dívida. A

criminalização não se dá pelo simples inadimplemento, mas

por algum tipo de fraude ou falsidade das informações

prestadas.

Ora, se é assim em relação a tributos, que são dívidas públicas por

natureza, por que reservaria o legislador tratamento privilegiado aos

“direitos autorais”, que nada mais são que TRIBUTOS PRIVADOS

pagos ao autor por sua contribuição intelectual prestada à

sociedade?

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É importante notar que a FRAUDE não é elemento essencial ao tipo

do art.184 do CP.

Pela atual redação do tipo do art.184 do CP, não se exige para a

caracterização do crime que o comprador do produto “pirata” seja

iludido e confunda o produto “pirata” com o original. Destarte,

quando alguém compra um produto “pirata” sabendo tratar-se de

produto “pirata” – o que certamente é a maioria absoluta dos casos,

dada à visível discrepância de aparência entre eles – não há falar

em FRAUDE, pois o comprador sabe perfeitamente que não se

trata de produto original. Tudo o que se tem nestes casos é o não

pagamento dos direitos autorais, o que equivale a dizer que a

tipicidade se caracterizaria pelo mero inadimplemento de uma

obrigação civil.

De lege ferenda, poder-se-ia admitir um novo tipo penal que

criminalizasse a violação de direitos autorais praticada com fraude

que induza o comprador do produto a julgar tratar-se de produto

original. A simples venda de produto “pirata”, com a ciência

pelo comprador de que se trata de produto decorrente de

violação de direitos autorais, não lesa a fé pública e,

portanto, não pode ser considerada crime, mas um mero

inadimplemento de uma obrigação civil.

Insista-se: se é assim em relação a tributos públicos, por que nosso

ordenamento jurídico deveria dispensar tutela mais benéfica aos

direitos de autor e editoras/gravadoras do que ao próprio Estado?

Vê-se, pois, que o tipo do art.184 do CP que criminaliza a conduta

de “violar direitos autorais”, em hipótese alguma poderia ser

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interpretado em nosso ordenamento constitucional como “deixar de

pagar direitos autorais”, sob pena de flagrante violação ao disposto

na Constituição da República e no “Pacto de San José de Costa

Rica”.

A única interpretação constitucionalmente possível ao tipo penal do

art.184 do CP seria: “violar direitos morais do autor”, pois somente

neste caso teríamos a efetiva lesão a um bem jurídico

constitucionalmente tutelado e não o simples inadimplemento de

uma obrigação civil.

Seria, não fosse uma última violação à Constituição da República: o

princípio da taxatividade.

3.3. Princípio da taxatividade

Não bastasse a instrumentalização indevida e inconstitucional do

Direito Penal para obrigar ao pagamento de direitos patrimoniais de

autor de natureza civil, há ainda um insuperável problema de

taxatividade no tipo penal do art.184 do CP.

Talvez a mais importante das funções de um tipo penal seja

possibilitar que qualquer pessoa do povo alfabetizada tome

ciência da conduta proibida com a ameaça da pena. Para

isso, porém, são necessários dois requisitos: a lei prévia –

consagrada pelo princípio da anterioridade – e a descrição

pormenorizada da conduta proibida – consagrada pelo princípio da

taxatividade.

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Não haveria sentido exigir-se uma lei prévia descrevendo a conduta

proibida, se tal descrição pudesse ser tão vaga a ponto de não

permitir que um indivíduo alfabetizado compreendesse o conteúdo

de reprovabilidade da tipificação.

A simples leitura do art.184 do CP – “violar direito de autor” – para

a maioria dos brasileiros, incluindo aqueles de formação

universitária, não esclarece, com o mínimo de taxatividade

necessária, qual a conduta para a qual se prevê a imposição da

pena.

É bem verdade que em seus parágrafos, o art.184 do CP é mais

preciso ao definir uma série de condutas vedadas, mas a redação de

todos eles faz referência à expressão “violar direito de autor”

presente no caput, o que torna suas interpretações dependentes do

significado que é atribuído ao tipo penal do caput.

Que violação seria essa: a violação de direitos morais do autor? a

violação de direitos patrimoniais do autor? a violação de direitos

patrimoniais da editora/gravadora? todas as violações anteriores

quando praticadas simultaneamente? quaisquer das violações

anteriores praticada isoladamente?

Ora, se mesmo aos profissionais do direito uma interpretação como

esta já exige profundo estudo e reflexão da matéria, o que dirá do

cidadão que constitucionalmente tem direito de saber por lei com

antecedência as condutas que lhe são penalmente proibidas?

A expressão “violar direito de autor” não descreve o

comportamento proibido de forma minimamente precisa e,

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por isso, esvanesce totalmente sua função de garantia,

contrariando o princípio constitucional da taxatividade.

A Constituição da República consagra a taxatividade ao dispor em

seu art.5º, XXXIX, que:

“não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena

sem prévia cominação legal”

Ora, DEFINIR é estabelecer limites; é delimitar. Está claro que a

expressão “violar direitos de autor” não cumpre esta função

constitucionalmente exigida como pré-requisito para a existência de

um crime.

Sem a definição legal da conduta proibida de forma

minimamente clara para que qualquer pessoa do povo

alfabetizada possa compreendê-la, não há crime, pois a

legalidade pressupõe a compreensão prévia da conduta

proibida como forma de dissuadir o destinatário da norma

da prática daquele crime.

Se não se sabe ao certo qual a conduta proibida, não se pode

reprovar alguém por sua prática, pois não há culpabilidade sem a

potencial consciência da ilicitude.

Poder-se-ia argumentar que, na dúvida, o cidadão zeloso deveria

procurar um bom livro de direitos autorais ou consultar um

advogado especializado antes de praticar a conduta que supõe

poder ser considerada pela lei como criminosa. Só que não há uma

única interpretação possível da lei mesmo para o melhor dos

profissionais do direito.

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Insista-se: que violação seria essa? a violação de direitos morais do

autor? a violação de direitos patrimoniais do autor? a violação de

direitos patrimoniais da editora/gravadora? todas as violações

anteriores quando praticadas simultaneamente? quaisquer das

violações anteriores praticada isoladamente?

E ainda que houvesse uma súmula vinculante do Supremo

Tribunal Federal esclarecendo qual a interpretação seria a

“correta” (as aspas aqui são inevitáveis), súmula vinculante ou

qualquer outra interpretação judiciária não é lei e, por

conseqüência não satisfaria a exigência constitucional do princípio

da legalidade.

Vê-se, pois, que a expressão “violar direito de autor” é tão vaga que

não admite uma interpretação que possa ser considerada

minimamente pacífica mesmo entre os juristas. Destarte,

evidentemente, não satisfaz a clareza necessária para ser

considerada um crime DEFINIDO em lei que pudesse ser

compreendido por qualquer pessoa do povo alfabetizada, razão

porque o art.184 do CP também sob o prisma do princípio da

legalidade deve ser considerado inconstitucional.

3. Considerações de política criminal  

Por fim, faz-se necessário algumas considerações de política

criminal.

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Nem se diga que a análise da política criminal não interessa ao

Judiciário, por não está devidamente positivada, pois é a própria

Constituição da República que estabelece que:

“Art.3º. Constituem objetivos fundamentais da República

Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as

desigualdades sociais e regionais

(...)”

Não se pode negar que a violação de direitos autorais – conhecida

popularmente como “pirataria” – apesar de ilícita, tem contribuído

de certa forma para estes objetivos constitucionais.

Não são poucos os brasileiros que têm que optar todos os dias

entre uma refeição e um livro para completar seus estudos. É

fato também que o acesso a livros, músicas e filmes são bens

culturais que deveriam ser de amplo acesso por todas as camadas

sociais, pois somente através da cultura poderemos garantir o

desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e

reduzir as desigualdades sociais e regionais.

Hoje, porém, estes bens culturais estão concentrados nas classes A

e B que, com suas conexões de Internet de banda larga têm acesso

a um tipo de “violação de direitos autorais” virtualmente impossível

de ser combatido pelo Estado e pelas grandes corporações, pois de

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certa forma intangível. O amplo acesso ao conhecimento nas classes

privilegiadas em detrimento ao rigoroso combate à pirataria que

abastece as classes pobres, aumenta ainda mais o fosso cultural

existente em nosso país, em uma nítida rejeição dos valores

constitucionais estabelecidos no art.3º da Constituição da República.

Não bastasse o aumento desta desigualdade cultural e social, a cada

dia demoniza-se a figura do pirata, tornando-o quase um traficante

de drogas, como se o dano social causado por condutas tão

distintas pudesse ser comparado.

Afirma-se que a pirataria causa prejuízos de milhões, com base em

estimativas arbitrárias de quanto teria sido possível vender se não

houvesse a pirataria. Ora, o mais provável é que o livro não

fosse lido, a música não fosse ouvida e o filme não fosse

assistido. Afirma-se que a pirataria tira emprego de muitos, mas

não se contabiliza os empregos informais que ela gera.

Afirma-se que a pirataria prejudica a arrecadação de impostos, mas

não se contabiliza os impostos arrecadados com a venda de

mídias virgens, gravadores de CD/DVD, papel e máquinas

de fotocópias.

Não se pretende entrar aqui na tormentosa discussão de natureza

CIVIL sobre a necessária REFORMA DA LEGISLAÇÃO SOBRE

DIREITOS AUTORAIS, pois não é este o objeto deste incidente. É

preciso, no entanto, que fique claro que a força bruta – a

criminalização pelo DIREITO PENAL – não é o único e, muito

menos o melhor, caminho para o combate à violação de direitos

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autorais, em um país onde a maioria do povo tem que optar entre

comer ou ler/ouvir um disco/assistir um filme.

É preciso que soluções CIVIS sejam encontradas para um

problema que é o INADIMPLEMENTO de OBRIGAÇÕES

CIVIS. Ninguém duvida que o alto valor cobrado pelas

editoras/gravadoras/produtoras a título de direitos autorais (que

nem sempre são repassados aos autores) contribui de forma

decisiva para o inadimplemento destas obrigações civis, em um país

em que a maioria da população possui baixo poder aquisitivo, como

o nosso.

Não é possível, porém, que a REPRESSÃO PENAL seja utilizada

para garantir os INTERESSES PRIVADOS das empresas na

manutenção de seus lucros decorrentes da exploração de direitos

autorais, muita vez de formas abusivas. O Direito Penal não pode

ser convertido em um cão de guarda do Direito Civil para obrigar ao

pagamento de obrigações civis.

Se temos um problema, como de fato temos, em relação aos

direitos autorais, sua solução não pode ser a REPRESSÃO

PENAL com absoluto desrespeito aos princípios

constitucionais da INTERVENÇÃO MÍNIMA, LESIVIDADE,

VEDAÇÃO À PRISÃO POR DÍVIDAS e TAXATIVIDADE. É

preciso que se busque uma solução CIVIL.

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4. Pedido

Por todo o exposto, resta clara a inconstitucionalidade do art.184 do

Código Penal, por flagrante desrespeito aos seguintes princípios

constitucionais da:

INTERVENÇÃO MÍNIMA: o Direito Penal deve ser utilizado

somente como ultima ratio e o Direito Civil possui instrumentos

próprios perfeitamente adequados para obrigar ao pagamento de

direitos autorais;

LESIVIDADE: o art.184 do CP não pode ser equiparado a um

delito patrimonial, pois o não recebimento de uma dívida não é o

mesmo que uma lesão patrimonial. Na lesão patrimonial a vítima

tem um decréscimo no seu patrimônio; na inadimplência civil ela

deixa de ter um acréscimo neste patrimônio.

VEDAÇÃO À PRISÃO POR DÍVIDAS: ao contrário do patrimônio,

que é bem jurídico penal, o crédito civil jamais pode ser bem

jurídico, por expressa vedação constitucional à prisão por dívidas

(art.5º, LXVII, CR). Se a prisão não pode ser utilizada para

constranger alguém ao pagamento de tributos ou mesmo da multa

criminal, não haveria qualquer sentido em admitir-se que o Direito

Penal pudesse ser usado para constranger alguém ao pagamento de

direitos autorais.

TAXATIVIDADE: finalmente, o tipo do art.184 do CP não DEFINE

a conduta proibida, pois não estabelece os seus limites claros de

modo a permitir que qualquer pessoa alfabetizada possa, com sua

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simples leitura, compreender a conduta a que está proibida. Trata-

se, pois de clara violação ao princípio constitucional da taxatividade

(art.5º, XXXIX, CR).

Por todo o exposto, o presente incidente de inconstitucionalidade

deve ser julgado PROCEDENTE para declarar inconstitucional

o art.184 do CP.

Requer ainda a intimação de todos os atos do processo, em

especial, para a realização de sustentação oral na sessão de

julgamento.

Termos pelos quais pede deferimento.

Belo Horizonte, 18 de julho de 2008.

TÚLIO VIANNA

Professor Adjunto da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná

OAB-MG 107.153