Amante Eterno

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1º Capitulo do livro Amante Eterno (2º livro da série Irmandade da Adaga Negra) publicado pela Editora Universo dos Livros.

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Capítulo 1

– Ah, que inferno, V., assim você acaba comigo... – Butch O’Neal revirava a gaveta das meias procurando as de seda preta, mas só encontrava as de algodão branco.

– Não, peraí – ele tirou de lá uma meia social. Não foi exatamente um triunfo.

– Se eu quisesse acabar com você, tira, garanto-lhe que as meias seriam a última coisa com que se preocuparia.

Butch olhou o companheiro de quarto por cima do ombro. Torcedor dos Red Sox como ele. Seu… bem, um de seus dois melhores amigos. Ambos os quais, diga-se de passagem, calhavam de ser vampiros.

Recém-saído de uma chuveirada, Vishous trazia uma toalha ao re-dor da cintura, exibindo seu musculoso peito e seus grossos braços. Estava colocando uma luva de couro de motoqueiro para esconder por completo sua mão esquerda tatuada.

– Precisa usar as minhas meias? – sorriu-lhe V., as presas cintilan-do em meio ao cavanhaque.

– São gostosas de usar.– Por que não pede ao Fritz para lhe comprar umas? – Ele já tem serviço demais para ainda se ocupar com compras.Tudo bem que recentemente Butch houvesse descoberto o seu

lado Versace – e quem haveria de pensar que o tivesse? –, mas, seria tão trabalhoso assim conseguir uma dúzia extra de meias de seda?

– Pedirei a ele que faça esse favor a você.

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– Você é um perfeito cavalheiro.Vishous puxou para trás os cabelos escuros. As tatuagens de sua têm-

pora esquerda apareceram e em seguida ficaram encobertas outra vez. – Vai precisar do Escalade esta noite?– Sim, obrigado – Butch enfiou os pés nos mocassins Gucci, sem

se apoiar em nada.– Você vai ver Marissa?Butch assentiu. – Preciso saber. De um jeito ou de outro.E ele tinha o pressentimento de que iria ser de outro.– Ela é uma boa fêmea.Com toda certeza ela era, e, provavelmente, era por isso que não

estava retornando os telefonemas dele. Ex-policiais beberrões não consistiam o tipo ideal das fêmeas, fossem elas humanas ou vampiras. E o fato de ele não ser da mesma espécie que ela não ajudava em nada a situação.

– Bem, tira, Rhage e eu iremos curtir um pouco no One Eye. Quan-do terminar o que tiver de fazer, vá se encontrar com a gente lá.

Umas pancadas violentas na porta, como se alguém tentasse ar-rombá-la em vez de simplesmente anunciar sua presença, fizeram com que virassem a cabeça.

Vishous ajeitou a toalha na cintura. – Mas que droga, esse doidão tem de aprender a usar a campainha.– Tente falar com ele. Ele não me escuta. – Rhage não escuta ninguém – V. desceu correndo para o vestíbulo.

Quando o estardalhaço silenciou, Butch voltou a atenção para a sua coleção de gravatas, que crescia a cada dia. Escolheu uma Brioni azul-claro, ergueu o colarinho da camisa branca, e ajustou a peça de seda ao redor do pescoço. Quando chegou à sala de estar, pôde ouvir Rhage e V. falando sobre o álbum “RU still down” do 2Pac.

Butch teve de rir. Caraca, a vida já o havia levado a muitos lugares, muitos deles perigosos, mas nunca pensara que terminaria vivendo com seis vampiros guerreiros. Ou participando, ainda que de maneira modesta, da luta para proteger a espécie deles, minguante e secreta.

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De certa forma, entretanto, ele tinha seu lugar na Irmandade da Ada-ga Negra. Vishous, Rhage e ele formavam um trio impressionante.

Rhage vivia na mansão do outro lado do pátio com o restante dos membros da Irmandade, mas o trio costumava se reunir na casa da guar-da, onde V. e Butch estavam alojados. O Buraco, como era conhecido o lugar, parecia a Butch quase um palácio, comparado aos pardieiros em que havia vivido. Ele e V. dispunham de dois quartos, dois banheiros, uma cozinha pequena, uma sala de estar decorada num estilo pós-moder-no, masculino e descontraído: um par de sofás de couro, TV de plasma de alta definição, mesa de pebolim e material de academia por toda parte.

Quando Butch adentrou o cômodo principal, pôde ver o traje de Rhage para a noite: um trench coat de couro negro que ia dos ombros aos tornozelos. Camiseta, igualmente negra, enfiada nas calças de cou-ro. Com os coturnos, ultrapassava dois metros de altura. Vestido da-quela maneira, o vampiro ficava, sem sombra de dúvida, extremamente atraente. Até para um heterossexual de carteirinha como Butch.

O filho da mãe era tão bonito que ninguém conseguia ficar indi-ferente a ele. O cabelo louro ostentava um corte curto na nuca com a frente mais longa. O azul de seus olhos era da cor do mar das Baha-mas. E o rosto fazia Brad Pitt parecer um patinho feio.

Mas não era nenhum boyzinho, apesar de encantador. Algo som-brio e letal fervia por trás do exterior cativante, notava-se de imediato. Era o tipo de cara que não deixava de sorrir nem quando lutava, mes-mo se estivesse levando a pior numa briga.

– Qual é a boa, Hollywood? – perguntou Butch.Rhage sorriu, mostrando um esplêndido conjunto de dentes pero-

lados com longos caninos. – É hora de ir pra farra, tira.– Caramba, vampiro, já não teve farra o bastante ontem à noite? Aque-

la ruiva não parecia estar para brincadeira. E a irmã dela também não.– Sabe como sou. Sempre a fim.Sim, era verdade. Felizmente, para Rhage, havia uma fila interminá-

vel de mulheres mais do que dispostas a satisfazer as necessidades dele. E palavra de honra que o cara as tinha. Não bebia. Não fumava. Mas corria atrás de mulher com uma voracidade que Butch jamais vira.

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E olhe que os caras que Butch conhecia entendiam do riscado.Rhage olhou para V.– Vá se vestir, cara. A menos que esteja pensando em ir ao One Eye

com uma toalha...– Pare de me acelerar, meu irmão.– Então, anda logo.Vishous se levantou da mesa carregada de equipamentos de in-

formática que causariam uma ereção em Bill Gates. A partir daquele centro de comando, V. executava e fiscalizava os sistemas de segurança do refúgio da Irmandade, inclusive da casa principal, das instalações subterrâneas de treinamento, da Tumba e do Buraco, bem como do sistema de túneis subterrâneos que interligavam os edifícios. Contro-lava tudo: as venezianas de aço que foram instaladas em cada janela; as fechaduras nas portas de aço; a temperatura nos cômodos; a ilumi-nação; as câmeras de segurança; os portões.

Vishous havia preparado tudo sozinho antes que a Irmandade se mudasse, três semanas antes. As construções e os túneis existiam desde o início dos anos de 1900, mas a maior parte não era usada. Entretanto, depois dos acontecimentos de julho, tomaram a decisão de consolidar as operações da Irmandade, e todos eles se mudaram para lá.

Enquanto Vishous se dirigia para seu quarto, Rhage tirou um pirulito do bolso, rasgou o invólucro vermelho, e o meteu na boca. Butch podia sentir que o cara o encarava. E não se surpreendeu quando o irmão se dirigiu a ele.

– Não posso acreditar que tenha se arrumado tanto para ir até o One Eye, tira. Quer dizer, está bem vestido demais até para os seus elevados padrões. A gravata, as abotoaduras... É tudo novinho em folha, não?

Butch alisou a Brioni sobre o peito e estendeu a mão para apanhar o paletó Tom Ford que combinava com suas calças pretas largas. Não queria comentar que iria ver Marissa. Tocar no assunto por alto com V. já fora o bastante. Além do mais, o que poderia dizer?

Ela virou o meu mundo de cabeça para baixo quando a conheci, mas agora está me evitando há três semanas. Então, em vez de aceitar a indireta, estou indo até lá suplicar como um perdedor desesperado.

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Bem, com toda certeza não queria dizer isso diante do Sr. Perfei-ção, mesmo sendo ele um bom sujeito.

Rhage girou o pirulito na boca. – Diga-me uma coisa. Por que se preocupa tanto com as roupas, cara?

Não aproveita o impacto que elas causam. Quer dizer, sempre o vejo dispensar as mulheres no bar. Está se guardando para o casamento?

– Isso. É isso mesmo. Estou me segurando até o altar.– Ah, fala sério, estou realmente curioso. Está se reservando para

alguém? – ao não obter resposta, o vampiro riu de leve. – Eu a conheço?Butch estreitou os olhos, avaliando se a conversa terminaria mais

rápido se ele fechasse a boca. Provavelmente não. Uma vez que Rhage começava, não parava mais até que ele próprio decidisse que havia terminado. Falava da mesma forma que matava.

Rhage balançou a cabeça tristemente.– Ela não o quer?– Saberemos esta noite.Butch verificou quanto tinha de dinheiro. Nos dezesseis anos como

detetive de homicídios, não tivera dinheiro para nada. Agora que se unira à Irmandade tinha tanto dinheiro que não conseguia gastá-lo suficientemente rápido.

– Você tem sorte, tira.Butch olhou para Rhage. – Como pode dizer isso?– Sempre me perguntei como seria sossegar com uma mulher que

valesse a pena.Butch riu. O cara era um deus do sexo, uma lenda erótica em sua

raça. V. havia lhe contado histórias sobre Rhage que haviam passado de geração em geração quando os tempos eram outros. A ideia de que poderia largar isso para ser o marido de alguém era absurda.

– Tá certo, Hollywood, qual é a piadinha que vem a seguir? Vamos, pode rir às minhas custas.

Rhage fechou a cara e desviou os olhos.Caramba, o cara falava a sério.– Ei, olhe, eu não quis...

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– Não, tudo bem – o sorriso reapareceu, mas o olhar era vazio. Ele caminhou vagarosamente até a lixeira e atirou o palito do pirulito no lixo. – Agora, podemos sair daqui? Estou cansado de esperar vocês, meninos.

Mary Luce estacionou em sua garagem, desligou o Civic, e fixou o olhar nas pás de neve penduradas em seus suportes diante dela.

Estava cansada, embora o dia não tivesse sido extenuante. Atender o telefone e arquivar os documentos em uma firma de advocacia não exigia muito esforço, físico ou mental. Então, realmente não deveria estar exausta.

Poderia ser esse o ponto. Por não se sentir muito estimulada, estava definhando.

Talvez fosse o momento de voltar para as crianças? Afinal de contas, era para o que havia estudado. O que gostava de fazer. O que a alimentava. Trabalhar com seus pacientes autistas e ajudá-los a encontrar formas de se comunicar havia lhe trazido todo tipo de recompensas, pessoal e profis-sionalmente. E aquele hiato de dois anos não havia sido sua escolha.

Talvez devesse ligar para o centro, ver se tinham uma vaga. Mes-mo se não tivessem, ela poderia se inscrever como voluntária até que houvesse algo disponível.

Sim, era o que faria no dia seguinte. Não havia razão para esperar.Mary pegou sua bolsa e saiu do carro. Quando a porta da garagem

se fechou, ela caminhou até a entrada de casa e recolheu a correspon-dência. Folheando as contas, fez uma pausa para aspirar o ar daquela noite gelada de outubro. Suas fossas nasais zumbiram. O outono ha-via varrido todos os indícios de verão no mês anterior, a mudança de estação chegara a reboque de uma frente de ar frio vinda do Canadá.

Ela amava o outono. E, em sua opinião, ao norte da cidade de Nova York aquela estação era gloriosa.

Como Caldwell, a cidade onde ela havia nascido e provavelmente morreria, localizava-se ao norte, a cerca de uma hora de Manhattan. Cortada pelo rio Hudson, Caldie, como seus habitantes a chamavam, era uma cidade mediana comum. Também estava dividida em áre-as nobres, zonas mais pobres, regiões barra-pesada e os “bairros nor-mais”. Possuía os mesmos hipermercados, grandes lojas e McDonalds. Museus e bibliotecas. Shoppings estrangulando o decadente centro da

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cidade. Três hospitais, duas universidades e uma estátua de bronze de George Washington no parque.

Ela inclinou a cabeça para trás e olhou as estrelas, pensando que jamais lhe ocorrera deixar a cidade. Só não tinha certeza se fora por lealdade ou por falta de imaginação.

Talvez por causa de sua casa, pensou, enquanto se dirigia à porta principal. O celeiro adaptado ficava nos limites do que antigamente era uma fazenda, e ela havia feito uma oferta ao corretor de imóveis quinze minutos depois de examinar o local. Por dentro, os espaços eram acolhedores e pequenos. Era… encantadora.

Por isso a comprara quatro anos antes, imediatamente após a morte de sua mãe. Necessitava de algo adorável, assim como de uma total mudança de ares. Seu celeiro era tudo que a casa em que crescera não havia sido. Ali, o piso de pinho cor de mel era envernizado e sem manchas. Sua mo-bília era da Crate and Barrel, tudo novo, nada gasto ou velho. Os tapetes eram artesanais, de materiais naturais, nada de fibras sintéticas. E tudo, das colchas às cortinas, e das paredes ao teto, eram cor de creme claro.

Sua aversão à escuridão havia sido seu “decorador de interiores”. E, veja que fácil, se tudo variar em tons de bege, as coisas combinam, não é mesmo?

Ela largou as chaves e a bolsa na cozinha e apanhou o telefone. A secretária eletrônica a informou: Você tem… duas... novas mensagens.

– Oi, Mary, é Bill. Escute, vou lhe fazer uma proposta. Se puder me cobrir na linha direta esta noite durante uma hora, mais ou menos, seria ótimo. A menos que saiba de você, assumirei que ainda está livre. Obri-gado novamente.

Deletou a mensagem com um bip. – Mary, aqui é do consultório da Dra. Della Croce. Gostaríamos que

marcasse o retorno de sua consulta médica trimestral. Por favor, entre em contato para agendar uma consulta assim que receber esta mensagem. Nós a internaremos. Obrigada, Mary.

Mary desligou o telefone.O tremor começou nos joelhos e subiu para os músculos das coxas.

Quando atingiu seu ventre, pensou em correr para o banheiro.Retorno. Consulta médica. Nós a internaremos.Ela voltou, pensou. A leucemia estava de volta.

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