ALVIM, Roberto. Drama_ticas Do Transumano

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DRAMÁTICAS DO TRANSUMANO [apontamentos (...) o teatro não é entretenimento - já existe entretenimento o suficiente o teatro tampouco é reflexão - existem, hoje, inúmeras instâncias destinadas a isto o teatro é, sim, o lugar de experienciarmos o tempo, o espaço e a condição humana de outros modos, para além da vivência que a cultura nos proporciona isto, só o teatro pode fazer - este lugar, só o teatro pode instaurar (O TEATRO COMO ALTERIDADE RADICAL) não mais conhece-te a ti mesmo, mas sim inventa-te a ti mesmo (e inventar-se a si mesmo, aqui, opera no sentido de destruir-se a si mesmo) DRAMÁTICAS DO HUMANO DRAMÁTICAS DO TRANSUMANO ordem vertical orientação paterna verdade da impotência à potência diálogo raciocinar compreender estático hierarquia sentido sujeito personagem palavra psicologia edípica estruturalista disciplina descoberta indivíduo travessia do fantasma revelar o passado/diagnosticar o presente deslocamentos cálculo interacional certezas provisórias (ficções performativas) da impotência ao impossível monólogos articulados ressoar evocar/invocar instável, híbrido diferenças radicais consequências associativas falante modos de subjetivação fala arquiteturas linguísticas pós-edípica (novos moldes arquetípicos) acoplamentos do desejo pulsão invenção emissor identificação ao sintoma indecifrável inventar o futuro transumano é a invenção de desenhos (im)possíveis que propiciam experienciarmos a vida de outros (e imprevisíveis) modos, é a recusa de uma ideia, surgida no renascimento (com ecos da grécia do século V aC e do ethos cristão do século IV dC), que se expandiu (no iluminismo, e paradoxalmente também no romantismo) e vigorou até o final do século XX acerca do que seja o humano (e que tem agido como o maior mecanismo de controle jamais concebido); é a criação de outros modos de subjetivação, em desenhos instáveis que problematizam de modo radical uma ideia hegemónica acerca do que seja o sujeito

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teatro contemporaneo

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  • DRAMTICAS DO TRANSUMANO

    [apontamentos (...)

    o teatro no entretenimento - j existe entretenimento o suficiente

    o teatro tampouco reflexo - existem, hoje, inmeras instncias destinadas a isto

    o teatro , sim, o lugar de experienciarmos o tempo, o espao e a condio humana de outros modos, para alm da vivncia que a cultura nos proporciona

    isto, s o teatro pode fazer - este lugar, s o teatro pode instaurar (O TEATRO COMO ALTERIDADE RADICAL)

    no mais conhece-te a ti mesmo, mas sim inventa-te a ti mesmo (e inventar-se a si mesmo, aqui, opera no sentido de destruir-se a si mesmo)

    DRAMTICAS DO HUMANO DRAMTICAS DO TRANSUMANO

    ordem vertical orientao paterna verdade da impotncia potncia dilogo raciocinar compreender esttico hierarquia sentido sujeito personagem palavra psicologia edpica estruturalista disciplina descoberta indivduo travessia do fantasma revelar o passado/diagnosticar o presente

    deslocamentos clculo interacional

    certezas provisrias (fices performativas) da impotncia ao impossvel

    monlogos articulados ressoar evocar/invocar instvel, hbrido diferenas radicais

    consequncias associativas falante modos de subjetivao fala arquiteturas lingusticas

    ps-edpica (novos moldes arquetpicos) acoplamentos do desejo pulso inveno emissor

    identificao ao sintoma indecifrvel inventar o futuro

    transumano a inveno de desenhos (im)possveis que propiciam experienciarmos a vida de outros (e imprevisveis) modos, a recusa de uma ideia, surgida no renascimento (com ecos da grcia do sculo V aC e do ethos cristo do

    sculo IV dC), que se expandiu (no iluminismo, e paradoxalmente tambm no romantismo) e vigorou at o final do sculo XX acerca do que seja o humano (e que tem agido como o maior mecanismo de controle jamais concebido); a criao de

    outros modos de subjetivao, em desenhos instveis que problematizam de modo radical uma ideia hegemnica acerca do que seja o sujeito

  • o TRANS aqui no implica em transcendncia, mas sim na inveno de desenhos transitrios da condio (no)humana, em instabilidade e hibridao permanentes, a inveno de outros, de infinitos modos de subjetivao, aparentemente impossveis, imprevisveis, significa a criao de novos moldes arquetpicos, a serem preenchidos por pulses que teremos que inventar, expandindo nossa experincia em veredas insuspeitadas

    - uma questo esttica SEMPRE uma questo existencial -

    toda tcnica, ou procedimento, ou operao, est ligada a uma determinada viso de mundo, neste sentido, empregar uma tcnica existente significa compactuar com (e subordinar-se a) uma viso especfica da condio humana, nenhuma das tcnicas existentes no campo da dramaturgia se fundamenta na transumanidade; todas corroboram e se fundam em uma ideia estratificada de sujeito, novas vises de mundo pressupe, inevitavelmente, a inveno de outras tcnicas que as traduzam e, sobretudo, que as expandam em direes inconcebveis (para o receptor e para o prprio artista) (por existencial entenda-se, inevitavelmente, a integralidade do estar no mundo)

    o conceito de ps-drama aponta para as transformaes que ocorreram nas construes, mas no para a mudana do solo sobre o qual estas construes se sustentam

    a finalidade do teatro a reinveno da anatomia humana -dramticas (no sentido de sistemas dramatrgicos) do transumano:

    dramaturgia como reinveno do homem (recusa do SER, aporte no ESTAR)

    - quem voc? - meu nome legio

    porque eu sou uma multido

    QUEM ESCREVE QUANDO VOC ESCREVE? ...uma escrita que no se d a partir de um sujeito estvel, mas sim a partir de diferentes modos de subjetivao (incluindo modos

    no-humanos), sempre em trnsito...

    o deslocamento o centro de gravidade deslocamento entre distintas arquiteturas lingusticas, que promovam, cada uma, habitaes distintas da vida

    este o ponto central das dramticas do transumano, com todas as reverberaes, filosficas e existenciais, que inevitavelmente eclodem desta operao

    vide a obra de willem de kooning: planos pictricos que se escavam uns de dentro dos outros (transparncias, bloqueios, insinuaes de figuras, obnubilaes e desfiguraes;

    eventos de naturezas distintas (de texturas, cores e constitudos a partir de procedimentos distintos), EVOCAES e INVOCAES, em deslocamentos em

    diferentes velocidades)

    a- Deslocamentos permanentes, tanto no tempo/espao quanto nos modos de subjetivao, construindo mirades de trnsitos em contraste e rudo, produzindo experienciaes singulares e autnomas por parte de cada receptor;

    b- Polissemia, atravs da proposio de signos indecidveis quanto ao seu significado ltimo, mas poderosos o bastante para instigar nosso imaginrio na procura por (ou na inveno de) seus infinitos sentidos possveis;

  • c- Construo de mimeses cognoscveis apenas como a instaurao de solos para saltos em direo a mimeses incognoscveis (a proposio de novas mitologias, de novos moldes arquetpicos);

    d- Outros desenhos da condio humana, que apontam para outras possibilidades de experienciarmos a vida, atravs da criao de arquiteturas lingusticas que transfiguram poeticamente nossa ideia estabelecida acerca do que seja o real e que nos proporcionam outros modos de habitarmos a linguagem (e, portanto, a existncia);

    e-A crena (operacional, aqui) na obra de arte como um sistema complexo de relaes formais, construdo no mais amplo dilogo com sistemas anteriores, que nos proporcione uma experincia esttica outra, para alm da vivncia proporcionada pela cultura.

    {como o foco vai para a opsis, o mythos no se impe como sentido (ou mecanismo estruturador) da obra (a narrativa existe como o cadver do pai que jaz no fundo do

    oceano, obnubilado pelo mar revolto instaurado pelas operaes formais perpetradas pelo autor)}

    problematizar a narrativa derivao inevitvel da problematizao do sujeito, posto que advm da problematizao do sentido (a narrativa, como o sujeito, um

    mecanismo de sentido)

    fechados, sem imaginao, impotentes, no-poetas, resta-lhes falar do mundo... no percebem que, agindo assim, s mantm as coisas exatamente como esto...

    1 - textos encarnados como pictocoreografias; a instncia de explorao pictocoreogrfica incide diretamente sobre a explorao de outras possibilidades tipogrficas (para alm das rubricas), vivificando e ampliando o dilogo dramaturgo - encenador - atores;

    2- da dramaturgia estruturalista dramaturgia como mquinadesejante;

    4- se trata de uma dramaturgia da fala (de carter performativo), e no da palavra;

    5- quando Artaud amaldioa a palavra, ele est se referindo a uma palavra clara, comunicacional, e ansiando por uma fala da transversalidade, que atravesse os significados, que nos alcance - e nos atravesse - de modo transversal, oblquo;

    10- dois procedimentos: a SEPARAO (ou o CORTE) entre cultura e arte; e o ESBURACAMENTO (ou ATRAVESSAMENTO), ligados instaurao de uma experincia oblqua, polissmica, de atravessamento por signos que no podem ser fechados em significados unvocos;

    14- o teatro o lugar em que o homem se refaz;

    15- no que uma pea comporte tambm a presena do pblico, ela (nica e exclusivamente) esta relao (quem se desloca o receptor);

    2 1 - o inconsciente no um teatro: uma usina, por extenso, podemos aferir que a palavra no a expresso de algo, mas sim uma usina de imagens, sensaes, significados indecidveis;

    22- o inconsciente tem, portanto, mais relao com produo (Artaud, Deleuze, Lacan) do

  • que com descoberta (Freud, Jung); tem mais relao com o futuro (que no existe, e que por isso pode ser inventado) do que com o passado (que j existe, e que portanto s pode ser descoberto ou interpretado);

    24- Artaud e Valre Novarina esto conectados pela influncia profunda que seus trabalhos sofreram das leituras esotricas, e pela tentativa de recuperao do uso mgico das palavras, o uso mgico aquele que no comunica, mas que desloca, transporta, expande em trnsitos permanentes, em instabilidade de sensaes e de significados, mas desloca para onde? a experincia autnoma para cada receptor, e apenas desencadeada (e no conduzida) pelo artista;

    25- o ponto essencial no a palavra: como na magia, tudo s acontece se a maneira de falar ativar as palavras, a fala, no as palavras; preciso que os dramaturgos compreendam e lidem com isto, escrevendo uma dramaturgia da fala;

    26- no se trata de entendimento, mas sim de intensidade, produo de intensidades, produo de diferentes espcies de intensidade;

    33- em termos de estratgia de construo dramatrgica, a produo de intensidades absolutamente distinta do sistema acumulativo de Hegel - e isto afeta profundamente a percepo do tempo;

    34- posicionar-se ferozmente contra jogos de linguagem estruturalistas, contra o conceito de estrutura, na medida em que o avesso da estrutura o puro estar no desejo; a dramaturgia como mquinadesejante potencializada pelo fluxo esquizo do desejo;

    38- o texto dramatrgico como corpo sem rgos: DRAMATURGIA SEM RGOS, assim como Artaud se rebelava contra a estabilidade e passividade do corpo humano, com seus rgos cumprindo sempre as mesmas funes, precisamos problematizar os esteios do drama tradicional {personagem, conflito (sempre que identificamos um conflito, porque se trata de um conflito normatizado), trama) e transmutar estes rgos, revolucionando-Ihes os sentidos e funes para alm de instncias reconhecveis;

    39- alienar os dramaturgos: mas alien-los do que? do eu cultural, que sempre age por hbito (por ventriloquia);

    40- o que precisa ser realmente eficaz no a narrativa, mas o grfico de foras que o autor mobiliza em sua escritura;

    4 1 - um teatro de inveno, no de descoberta: no algo que existe, mas algo que se inventa;

    43- transformar maldizer (de maledicere, amaldioar) em mal dizer, a maldio torna-se m dico, e os supliciados pela linguagem comunicacional (no-potica, no-transfiguradora dos sentidos culturais) passam a supliciar a lngua - arrancam a pele das palavras, desencobrem (no dizer de Heidegger) as frases deixando vir luz sensaes e imagens insuspeitadas, dilaceram o corpo ordenado do pensamento (atravs da criao de outras arquiteturas lingusticas, isto , atravs da criao de outras habitaes da linguagem); abandonam a linguagem e suas leis para retorc-las. mal dizer infligir lngua uma toro: elogio do aborto do verbo comunicacional; o sagrado (isto , aquilo que minha razo no alcana completamente) s pode decantar quando da instaurao de vacolos comunicacionais (as peas), habitados, porm, por signos to

  • poderosos que nos instiguem a procurar por seus significados - ou a invent-los;

    45- Artaud: que minhas palavras soem como francs ou papuano pouco me importa, mas se eu cravo uma palavra violenta como um prego quero que ela supure na frase como uma equimose com cem buracos, supurar: infeccionar a ordem do corpo, formar pus, expelir pus - conexo direta com a ideia de rizoma em Deleuze;

    46- o texto de teatro deve soar como uma lngua desconhecida, estrangeira, inventada, no-familiar (isto : potica - penso em Heidegger, em seus ensaios sobre os poemas de Holderlin), cujos significados rizomticos (ou purulentos...) nos atravessam de modo oblquo - os buracos que estes atravessamentos abrem em nossa frgil iluso de ordem supuram; linguagem que promova um movimento de regresso violenta a um estgio infantil (estado de espanto diante das coisas), que nos indivduos possudos pela sociedade comprime sua fora;

    49- o que escrever? inventar um corpo sem rgos, ou seja, criar um objeto polissmico, no-estrutural, cuja construo seja guiada por acoplamentos do desejo (seio-boca; pnis-vagina; lngua-cu; p-dentes; mo-barriga; entre infinitos outros acoplamentos no-normatizados, esquizos) que se instaure como o inverso do cadastro anatmico do corpo orgnico, inventar uma coreografia pictrica, uma dana pulsiva de signos indecidveis em uma pgina; Artaud: este desenho o esforo que tento neste momento para refazer corpo com ossos das msicas da alma (note-se o plural: msicas, o que denota a instabilidade e o trnsito (deslocamentos) permanente entre diferentes instncias de produo e recepo de fluxos);

    50- criar trnsitos imprevisveis entre FIGURAO e DESFIGURAO: por FIGURAO entenda-se signos de significado unvoco; por DESFIGURAO entenda-se esburacamentos nos significados convencionais;

    5 1 - cultura tudo o que nos fazem a ns; arte o que ns realmente fazemos - um testemunho que macula o estado de coisas a ns brutalmente imposto pela ordem cultural do mundo.

    uma arte s sobrevive na medida em que se reinventa (na medida da reinveno permanente de sua linguagem); sempre foi assim na histria do teatro, desde squilo,

    Sfocles, Eurpedes, Shakespeare, Ibsen, Tchekov, Nelson Rodrigues... so estes grandes dramaturgos do passado que nos servem de exemplo (e no de modelos):

    autores que deram contribuies que resignificaram completamente a dramaturgia (e a humanidade) em seus perodos de atuao. no se trata aqui de descobrir o passado,

    mas sim de inventar o futuro - ecoando, portanto, o impulso criador de todos os mestres de outrora

    esquizofrenia como sistema esttico

    nosso projeto artstico o de instaurar experincias estticas que nos propiciem desfrutar dos sintomas da esquizofrenia (quando digo nosso me refiro

    multido que habito)

    a esquizofrenia nossa meta; desfrutar de seus sintomas: nosso projeto

  • {esquizofrenia: do grego squizo: dividir; e phren: parte do corpo identificada por fazer a ligao entre o corpo e a alma (literalmente: diafragma) / diviso da mente / dissociao que se percebe entre si mesmo e quem habita o corpo / o fim do sujeito como UNO}

    o sujeito que age no percebe que o modo como ele se estrutura linguisticamente que o faz agir desta ou daquela maneira, o modo como falamos o modo como habitamos o mundo (gerando esta ou

    aquela qualidade de ao)

    a linguagem precede o sujeito o sujeito s um efeito de linguagem

    who needs action when you got words

    a fala ao: criao de tempos, de espaos, de modos de subjetivao a fala criao de mundos e de modos de habitarmos a vida uma linguagem uma forma de vida (a palavra ao quando cria mundos, no quando comunica ou expressa) EU FALO: EU EXISTO

    o poder epifnico de criao e recriao perptua do mundo que as palavras tem na medida em que para cada nova arquitetura lingustica corresponde uma nova e imprevisvel habitao do mundo (gerando outras formas de ao)

    (situar-se contra qualquer forma lingustica hegemnica)

    se isto no for atacado pelos dramaturgos, os discursos se tornam to andinos quanto qualquer comercial de TV, independente de seus contedos posto que no adianta dizer algo, mas sim habitar o mundo de outros modos a prpria linguagem que deve parar de atuar na esfera do dizer e proporcionar outras habitaes, pela criao de outros modos de subjetivao, atravs de outras arquiteturas lingusticas agir com as palavras como age o GNESES bblico

    a teoria s faz sentido para aqueles que j acordaram e sentiram o cheirinho do caf. (hermann nitsch)

    talvez o espao e o tempo (o modo como os experienciamos) cheguem a um fim em uma singularidade - esta frase do fsico george f. r. ellis e as analogias que podemos traar no campo da criao de sistemas dramatrgicos...

    o importante aqui no nem a compreenso exata destes conceitos, mas sim as analogias que podemos traar (algumas delas at baseadas em rudos e compreenses equivocadas), e que podem catapultar processos criativos que proporcionem outras experienciaes do tempo e do espao, o importante aqui que estes conceitos operem criativamente; afinal, no estamos construindo, em nossas peas, teses ou modelos fsicos (mais ou menos fiis) de funcionamento do real, mas sim inventando outros mundos, habitados por outros modos de vida

    s o que existe o tempo e o espao, e o modo como os experienciamos a partir do desenho especfico que fazemos da condio humana

    (assuntos so apenas fices performativas, que empregamos

  • provisoriamente em cada obra)

    habitar a instncia do desejo (o que significa destruir a s i mesmo), ou passar a vida obliterando o gozo (o seu e o dos outros...)- pois bem, preciso destruir a si mesmo

    (no se pode parar diante de um pollock e procurar o sistema de relaes formais com o qual velasquez trabalhava, se o fizermos, pollock parecer um pssimo pintor

    (o azar, em todo caso, ser somente nosso: perderemos a possibilidade de vivenciarmos a experincia esttica proporcionada por pollock))

    EXPERINCIA NO ALGO QUE SENTIMOS, ALGO QUE FAZEMOS

    o idiota se mantm inseguro a respeito dos vnculos produzidos pelo desejo, no acha este tipo de vinculao possvel ou justa, sente-se agredido na base de sua existncia, que a busca por respostas definitivas; respostas provisrias, instveis, mutantes, polissmicas, produzem nele extrema ansiedade

    SUBJECT: NOT HUMAN os idiotas se apegam a iluso apaziguadora dos discursos e dos "contedos", apenas porque so incapazes de experenciar a potncia transfiguradora de um sistema complexo de relaes formais os idiotas ainda vem a si mesmos como humanos (segundo uma ideia renascentista acerca do que seja a condio humana)

    o que valorizado em nossa cultura so obras que DESVELAM (desvelam camadas do humano, fundamentadas portanto em uma ideia estabelecida acerca do que seja o homem), e no obras que INVENTAM outras humanidades (insuspeitadas, imprevisveis, inaugurais), o que valorizado em nossa cultura (e muitos artistas optam hoje por uma espcie de supernaturalismo pateticamente (e propositalmente, inclusive!) andino para dar expresso a isto) so obras que trabalham com o que intrnseco ao "si mesmo", e no obras que instauram e se colocam como algo EXTRNSECO ao "si mesmo" (j que este "si mesmo" sempre cultural), o que valorizado em nossa cultura a maior habilidade na execuo demonstrativa'(o que se chama de "interpretao") de uma ideia conhecida acerca do que seja a condio humana, e no a inveno e instaurao (sempre espantosa, sempre repugnante) de outras habitaes do tempo e do espao ainda no-experienciadas

    no estou professando um credo, mas sim destruindo credos para que singularidades possam ser inventadas

  • o teatro o buraco negro

    os trnsitos permanentes de tempo que acontecem nestas dramticas resultam em uma espcie de fim do tempo (o tempo como trajetria, o tempo como linha, o tempo como histria), movimentos constantes de criao de tempo/espao/modos de subjetivao para acabar com o tempo/espao submetido a um sujeito estvel

    e, ento, quando o quando j no mais sentido seno provisoriamente, o espao se torna tempo

    se o espao entre os eventos se torna (para uma percepo humana) praticamente imperceptvel (pela vertigem da instabilidade), paradoxalmente, mesmo em meio a uma srie de eventos, teremos uma sensao de no-tempo - graas aos deslocamentos

    (no existe meno atemporalidade nesta proposio, mas sim singularidade, tudo tem relao com o conceito pr-socrtico de hapax (instantaneidade do instante), que precisa ser vivenciado e no discutido)

    (a operao de produo de intensidades (na qual A OBRA FUNCIONA COMO UM PONTO PARADO NO ESPAO, MAS QUE MUDA DE COR O TEMPO TODO), ao contrrio do sistema acumulativo (trajetria - linha - narrativa) hegeliano)

    quem, lcido, se compreenda, se explique, se justifique e domine seus atos, jamais far um gesto memorvel - e. m. cioran

    quando se fala por a de alteridade, em geral refere-se a diferentes modos de cultura, isto, francamente, no interessa, refiro-me a outra coisa: a outras formas de habitarmos a vida, para alm da cultura, e, sim, eu estou falando de algo impossvel, de algo que no existe - e que por isso mesmo precisa ser inventado

    dramticas que no se fundamentem mais na ideia acerca do humano com a qual lidamos desde o renascimento, dramticas que se proponham no a espelhar o mundo, mas a invent-lo: outros mundos, habitados por outras formas de vida

    ( contra a aceitao de uma determinada ideia hegemnica acerca do que seja a condio humana que eu estou gritando, se isto no muda, no muda nada)

    talvez o que estejamos fazendo com nossas dramaturgias seja a induo de estados esquizofrnicos de conscincia - com toda a imensido de reverberaes que isto implica

    no induo; desencadeamento talvez seja um termo mais apropriado

    esquizofrenia s um apelido da alteridade radical; s uma indicao polissmica de outros modos de vida;

    s a vereda movedia do transumano

  • i am not a human being

    me permita experenciar intensidades e no me diga nada

    (mas faa tudo isso com palavras)

  • beyond human

    AS PEAS EXISTEM COMO ESTRANHAS PAISAGENS EM IMOBILIDADE-MVEL EM TOPOGRAFIAS DE DIFERENTES INTENSIDADES INSTVEIS HABITADAS POR OUTROS MOLDES ARQUETPICOS DESENHADOS EM OUTRAS ARQUITETURAS LINGUSTICAS CONFIGURANDO UMA EXPERINCIAO DA ALTERIDADE RADICAL

    a forma deve ter sua artificialidade salvaguardada (arte a coisa mais artificial que existe) e deve ao mesmo tempo ser habitada (no psicologicamente, mas em termos de sensaes)

    artificial E habitada

    (REALMENTE habitada, em sensaes e cinestesia)

    o tempo no uma medida, ser artista no contar, (r. m. rilke)

    a inquietao pela inquietao ( preciso cuidar sempre de sua manuteno)

  • Scrates, plato, aristteles, kant, hegel... e a grande linha paralela, que se coloca em contraponto brutal: herclito, schlegel, nietzsche, heidegger, deleuze...

    para que se entenda o ponto, preciso que se perceba a diferena de vises de mundo (e portanto de aes no mundo) que grita e cala entre estas duas linhas, e preciso que se perceba a DIFERENA que existe (em termos de habitaes da vida e da linguagem) entre HERCLITO e PLATO, por exemplo, a pode-se comear a pensar sobre a reformulao dos pontos de apoio do pensamento e da existncia.

    a linguagem nasceu como poesia (polissmica, e, portanto, proporcionando habitaes poticas da vida). Scrates, plato e aristteles foraram a transformao da linguagem em prosa (unvoca, comunicacional, para evitar os rudos que so justamente a beleza da construo de sentidos mltiplos de modo autnomo por cada receptor/falante), herclito filosofa em aforismos e fragmentos, paradoxais e em contradio, sem a possibilidade de snteses de qualquer espcie (apenas porque o modo como ele vivncia a vida j nega esta possibilidade de apequenamento), e os ps-socrticos comeam a erigir (falicamente) SISTEMAS filosficos que funcionam pela lgica progressiva e conclusiva (e dialtica e procura da sntese) de todo mecanismo de sentido (que ainda lida, portanto, com a ideia de "verdade").

    a reflexo tem seu precioso lugar, mas este lugar no pode filtrar ou limitar ou condicionar o domnio infinito e imprevisvel da experienciao (incapaz de ser traduzido ou discutido pela razo (as duas instncias no compartilham o mesmo lugar para poderem reconhecer-se))

    habitar o lugar no qual a razo no pode no consegue nem mais perguntar

    e enquanto isso o naturalismo/realismo "sincero", "despojado", chegando s raias de um hiper-naturalismo andino, infesta os palcos... atores e diretores acreditando que esta uma forma de tornar o teatro mais "prximo" do pblico contemporneo... as pequenas subjetividades contemporneas (subjetividades encarceradoras de qualquer movimento de reinveno do humano) expostas sem "espetacularizao" em cena - na verdade, apenas anodinia e desejo de vender uma imagem de sinceridade e singeleza (sem dimenso potica nenhuma) para o pblico, quando se olha para a pintura moderna (de iber camargo ou de jackson pollock ou de barnett newman ou de cy twombly), ou para a literatura de antonio lobo-antunes ou de herta muiler, quando se olha para a poesia de robert creeley ou de f. holderlin, ou quando se l deleuze ou derrida ou lacan, entende-se porque o teatro no pode, na maior parte das vezes, ser levado a srio no debate artstico, ao mesmo tempo, existe uma parcela (ainda) subterrnea da produo dramatrgica contempornea que est, sim, na ponta, e eu diria que est mais na ponta que todas as outras artes na contemporaneidade, esta parcela est para vir tona, nos prximos anos, em escala internacional, mas a maior parte do que se v nos palcos ainda to figurativo e hegemnico (hegemnico em essncia, no sentido de que no problematiza NENHUM dos pilares do que entendemos por humanidade).

    no campo da criao artstica, ningum impede ningum de nada, a no ser o prprio artista, no, no somos reprodutores, e justamente contra esta instncia (de reproduo de sistemas formais reconhecveis) que se grita aqui. ainda que ideias novas no signifiquem nada fora de uma prtica, de um fazimento, haja vista que o teatro no uma arte conceituai, e sim, preciso suportar a imensa ansiedade advinda do fato de que, em processos de criao, no vai se obter resultados rpidos; quando no suportamos esta ansiedade, fazemos uso de procedimentos conhecidos e funcionais e clichs, quando a suportamos, criamos a possibilidade de inveno de sistemas de relaes formais fundantes. verdade que o problema a compreenso da realidade (do que seja "realidade"), e verdade tambm que o estilo realista vende uma imagem de realidade bem especfica, que veio a ser comprada, inclusive, como sendo "a" realidade, como se o real no fosse construdo todo o tempo por ns (cada real conformado por um jogo de linguagem especfico), neste sentido, o realismo um problema; mais ainda a

  • partir do momento em que foi assimilado pelos mass media, que propagam (vendem) para milhes de pessoas uma determinada ideia acerca do que seja a humanidade, baseada em sensaes catalogadas e modus operandi psquicos recorrentes (imagem esta que comprada, inadvertidamente, at pelo teatro). TODA TCNICA traz consigo uma viso de mundo; se me utilizo de uma tcnica, estou veiculando (e vinculado a) uma viso de mundo, e estou soterrando em mim a possibilidade de conquista de uma viso de mundo singular, e a possibilidade de inveno de novas tcnicas (isto o que prprio da ARTE), o realismo baseado no desvelamento, como se houvesse uma VERDADE por baixo de tudo, verdade esta que, uma vez vindo tona, libertar (ou desgraar) a todos (vide ibsen ou tennessee williams). tambm ancorado na ideia de SUJEITO fundada no renascimento, com ecos da antiguidade clssica grega e do ethos cristo do sculo IV dC. um estilo que se pauta pelo dilogo, como se pudssemos acreditar no dilogo (sem problematizaes), enfim, so tantos os pontos de ignorncia profunda que norteiam este estilo, que s algum que ignora toda a revoluo dos signos perpetrada pela arte e pela filosofia no sculo XX pode continuar levando-o a srio. mas no fcil sair-se (escapar-se) de seus fundamentos: mesmo em estticas ditas ps-dramticas, cria-se outros contextos, tudo PARECE ser uma outra coisa, mas o ser humano sempre o ser humano realista: hiper-psicolgico. e contra isto, exatamente, que se deve lutar: contra esta ideia acerca do que seja a vida, e no contra este ou aquele estilo (embora seja bvio que o estilo realista nunca ser capaz de trabalhar para alm do SUJEITO, porque se o fizer j no ser mais realismo). estas proposies s podero realmente se abrir quando textos que no trabalham com uma ideia estagnada de vida forem publicados e encenados, neste nosso sculo XXI. a se fisicalizar outra(s) opo(es), com a potncia de experincias estticas imprevisveis, como aconteceu com o prprio realismo de ibsen e tchekov quando do seu surgimento (insuspeitado naquele perodo, final do sculo XIX/incio do sculo XX). sem a problematizao RADICAL de todos os esteios fundamentais das dramticas estabelecidas, quais sejam: a PERSONAGEM (uma determinada ideia de sujeito estvel); o CONFLITO (como ferramenta para gerar mudana, isto , saltos quantitativos gerando saltos qualitativos); e a NARRATIVA (que no pode mais existir em primeiro plano, como sentido (e mecanismo estruturador) da obra, haja vista que a narrativa est para o teatro como a figura est para a pintura); sem a problematizao radical destes esteios, e o soerguimento de obras que se tensionem em outras bases, fundadas em outros solos, no se avanar um milmetro, porque se permanecer no mesmo terreno EXISTENCIAL, promover mudanas na construo dos edifcios sem mudar o solo sobre o qual estas construes se apoiam uma falcia, que s engana a quem no percebe o teatro (e a vida) em profundidade. no apenas de multiplicidade do sujeito que se est falando aqui, mas da constituio de outros modos de subjetivao no-humanos, atravs de arquiteturas lingusticas OUTRAS, no tem nada a ver com o sujeito e suas vrias facetas em co-habitao psicolgica. no estilo realista que a tal "imagem e semelhana", o homem como "topo da criao", mais forte, porque no realismo TUDO em cena sobre a vida dos homens, esta hierarquia na qual uma ideia de humano est no topo, em relao s outras formas de imaginarmos e experienciarmos a vida... porque so estes outros modos de subjetivao que interessam agora, e no o homem e seus relacionamentos idiotas, outras formas de experienciarmos a vida, atravs de outras formas lingusticas (que promovem outras HABITAES), para alm dos homens discutindo em sua linguagem hegemnica na sala de estar...

    o mundo visto pelos olhos de um pssaro...

    a estes sistemas centrados, os autores opem sistemas a-centrados, redes de autmatos finitos, nos quais a comunicao se faz de um vizinho a um vizinho qualquer, onde as hastes ou canais no preexistem, nos quais os indivduos so todos intercambiveis, se definem somente por um estado a tal momento, de tal maneira que as operaes locais coordenam e o resultado final global se sincroniza independente de uma instncia central, (g. deleuze)

    para os enunciados como para os desejos, a questo no nunca reduzir o inconsciente, interpret-lo ou faz-lo significar segundo uma rvore, a questo 'produzir inconsciente' e, com ele, novos enunciados, outros desejos: o rizoma esta produo de inconsciente mesmo, (deleuze)

    como detonadores de processos de criao, os conceitos no podem NUNCA ser snteses, mas tem que estar sempre POR SE CONCLUIR no ato da escritura em direes que possam ir alm dos conceitos que a dispararam

  • porque na cr iao, hoje, p r e c i s o parar c o m a denncia d a s imposs ib i l idades (sempre narcsica, da ordem da auto-comiserao) , e partir para a inveno do impossvel (no s e trata de anl ise acusatria e melancl ica e auto-heroizante, m a s da proposio - aparentemente impossvel m a s E F E T I V A D A no ato radical da obra - de habitaes do inominvel)

    no confundamos estas proposies com "abandonar a razo e por no lugar a emoo", o "sentir", num retorno estpido ao romantismo, proponho uma problematizao absoluta do sujeito, do "eu", que o centro no qual se fundamentam tanto o iluminismo QUANTO o romantismo

    tentativas de uma ao potica (transfiguradora do real) que v alm das posturas iluministas E romnticas, a obra de arte no como a expresso de algo (que eu pensei OU que eu senti), mas como uma USINA apontando para futuros desconhecidos

    arte no sobre mostrar/demonstrar um conceito, ou sobre fazer bem alguma coisa (este o pior tipo de academicismo);

    arte sobretudo a coragem da autoria.

    trabalhar para ter-se a coragem de ser o autor da prpria morte realizar o ato mais radical: a utopia feita carne ou, melhor dizendo: a carne transubstanciada em utopia

    pretensioso no se propor a habitar todas as COISAS, abandonando o "si mesmo" para inventar linguisticamente outros modos de subjetivao (isto no pretenso; isto epifnico); pretensioso, sim, acreditar que o ser humano ocupa o topo da hierarquia da vida (reproduzindo o ethos cristo da imagem e semelhana), e que s a perspectiva humana (mais hegemnica, mais cultural, mais LTI) pode ser interessante (mas interessante para quem? apenas para a manuteno de um mesmo e modorrento lugar existencial)

    {LTI um conceito de victor klemperer acerca da lngua do imprio (vide tambm "a linguagem da montanha", de harold pinter, para entender como impor uma forma lingustica hegemnica significa impor uma forma de vida)

    s vezes confundimos falta de potncia e de ideias com humildade. no se faz arte sem arrogncia, e arrogncia significa trazer para si a responsabilidade sobre alguma coisa, prepotncia significa dizer-se capaz de algo sem ter realizado nada de significativo, e isto simplesmente estupidez e perda de tempo; mas arrogncia, ARROGNCIA uma qualidade essencial em um artista.

    o que formao de plateia? produzir espetculos didticos, eventos rasos que reproduzem formas e discursos hegemnicos reconhecveis, subestimando as pessoas? no. formao de plateia defrontar o receptor com experienciaes potentes, transfiguradoras do senso comum, estranhas, surpreendentes, distintas de qualquer outra vivncia em que j se esteve

    a ideia de que arte de ponta s para iniciados uma imbecilidade, toda arte avanada excitante, surpreendente, apostemos na infinita curiosidade humana (curiosidade que nos impulsiona para o desconhecido, para o imprevisvel),

    em vez de nos resignarmos castradora impotncia conformista)

    so os que trabalham com o teatro que dialogam com uma obra a partir de uma srie de ideias pr-concebidas acerca de como deve

    funcionar um espetculo. so estes os que tem mais dificuldade na fruio de trabalhos de ponta.

    (a coragem de escrever vem de assumir um recorte singular)

    o grande dilogo com obras de arte no o da compreenso unvoca, mas o de se permitir ser atravessado por elas, de modo potico. o mais importante aquilo que minha razo no alcana completamente; este o terreno das experincias intensas.

  • todo discurso apenas o smbolo de uma inflexo da voz (herberto helder)

    no h nada para aprender com a gerao de atores que criou o teatro moderno no brasil, grandes, imensos atores, mas que sempre trabalharam norteados por uma ideia especfica acerca da condio humana (a ideia de sujeito que temos desde o renascimento), so grandes atores FIGURATIVOS, que desenvolveram uma tcnica incrvel, mas que no d conta das dramaturgias contemporneas, revolucionrias em suas formas e proposies acerca do que seja a experincia humana, se nos pautarmos em sua (destes atores) forma de atuao, soterraremos a possibilidade de criao de novos procedimentos tcnicos, exigidos por estas dramticas, que promovem outros desenhos, outros modos de vermos e habitarmos a vida, o tempo, o espao. penso em c. stanislavski e no fato de que ele e seu grupo de atores tiveram que inventar um NOVO mtodo de atuao que desse conta de colocar em cena a dramaturgia de a. tchekov (as convenes do teatro da poca destruiriam a dramaturgia fundante do autor russo). quando a dramaturgia aponta para lugares inaugurais, preciso que se crie novas abordagens em termos de encenao e atuao. as tcnicas que at ento vigoraram devem ser esquecidas, completamente, sob o risco de obliterarem a habitao das novas formas, e de quebrarem a espinha dorsal destas novas poticas (que exigem a inveno de novos mtodos de atuao a CADA PEA).

    se tomamos uma obra como a do noruegus jon fosse e trabalhamos com ela de modo naturalista, fosse nos parecer um pssimo autor

    (em diversos momentos da histria do teatro, a dramaturgia foi o norte que ampliou as possibilidades da encenao e da atuao em direes insuspeitadas) (e vivemos, hoje, um destes momentos, atravs de autores que esto inventando outras operaes, a partir de (e gerando) problematizaes brutais dos esteios do drama tradicional (e mesmo da encenao contempornea)) (quando eu me refiro a problematizaes do drama tradicional, me refiro a problematizaes da experincia humana)

    granger: a imaginao criativa no consiste num estado de viso passiva, mas de experincia ativa. no caso da criao potica, as experincias so essencialmente tentativas de subverso dos dados ordinrios

    dos sentidos do bom senso.

  • VER sempre uma operao de sujeito, portanto uma operao fendida, inquieta, agitada, aberta. [...]o momento em que se abre o antro escavado pelo que nos olha no que vemos, (georges didi-huberman)

    o ponto crucial aqui : de que sujeito se trata? ou melhor: se nos identificamos com o eu cultural, condicionado, a teremos um olhar cultural, condicionado, preciso se fundar sobre uma habitao que esteja sempre em instabilidade, suscetvel de transformar-se pelo ato de ver

    .corno quando olhamos para a MEDUSA

    (paradigma perfeito da obra de arte):

    impossvel que no nos transformemos em OUTRA coisa

    o que era aquilo?, ela se perguntou ainda, antes de deixar de ser, para sempre, quem ela foi um dia. aquilo, isto, o que ? o que?

    MORFOGNESE LINGUSTICA DE MU LTI ESPCIES

    NESTE INCIO DE SCULO XXI ESTAR IMERSO NA TENTATIVA DE RECRIAR A ESPCIE HUMANA NO TEATRO

    {trata-se de um novo classicismo (somos, sim, classicistas, pelo impulso que nos move: o da criao dos clssicos de hoje, de obras novas que tenham fora equivalente aos clssicos): o esforo aqui no o de imitar, mas de igualar, com o mesmo peso e densidade, a mesma complexidade, a mesma grandeza de inveno, a criao maior de outras pocas

    (gianni vattimo) {deve-se falar de uma "ontologia fraca" como nica possibilidade de sair da metafsica e pode ser que nisso resida, para o pensamento ps-modemo, a chance de um novo, francamente novo, comeo, existir dentro desta

    perspectiva diz respeito ao estarem relao com um mundo onde a linguagem vem considerada no como um conjunto de estruturas fixadas desde sempre, mas ancoradas numa radical historicidade da prpria linguagem, neste sentido

    vislumbra-se um "ofuscamento" da noo de verdade, por meio daquilo que se poderia denominar de "devastao do mito de evidncia" graas ao "fim da modernidade", e nos encontramos s voltas com a dissoluo da filosofia

    fundacional, quer dizer, daquela ideia que seria uma fundao nica, ltima, normativa.}

    devastao do MITO da evidncia... esta ideia se relaciona com o FIM do FATO

    ns projetamos outras (novas) formas de vida

    cientistas usam manipulaes genticas

    ns usamos manipulaes lingusticas

  • (experincias estticas novas em termos de sistemas formais complexos podem, SIM, ser criadas e experienciadas hoje - as esculturas de richard serra, por exemplo, so uma PROVA disso)

    ou nossos discursos (nossas fices performativas) nos do potncia para realizarmos o impossvel ou nos castram em racionalizaes que s visam (mesmo que inconscientemente) justificar nosso fracasso em conquistarmos uma instncia de singularidade quando eu afirmo que algo no pode ser feito (e culpabilizo fatores sobre os quais obviamente no tenho ingerncia), o que realmente est sendo demonstrado minha falta de imaginao criativa s e olharmos, por exemplo, para a histria da escultura, da antiguidade clssica passando pelo renascimento e depois por nomes como a. rodin, poderamos afirmar cretinamente que no existe a possibilidade de se fazer nada novo neste campo, a surge um artista como richard serra, que cria uma experienciao insuspeitada em s u a s obras, abrindo um bolso nunca antes explorado no campo da escultura.

    artistas so singularidades, que abrem espaos imprevisveis. e sempre haver artistas, assim como sempre vo surgir experincias estticas novas, mas preciso ambio, vontade, sim. willem de kooning tinha um projeto: superar picasso. para realizar esta tarefa (aparentemente impossvel), teve que mobilizar foras gigantescas, ele conseguiu? obviamente

    a ao de criao de obras de arte (que transfiguram nossa noo estagnada de sentido, e que nos permitem renovar, de modo autnomo, nossa sensao de mundo) e a exposio pblica (para experienciao e dilogo) destas obras, configura uma ao poltica de consequncias imprevisveis - e a maior de todas as aes polticas

    a grande ao crtica P R O P O S I T I V A , e no acusatr ia H O J E , n o s in te ressa muito m a i s a proposio de outras (novas) formas de v ida presente na obra de valre novar ina, do que a denncia d o s m e c a n i s m o s de funcionamento do capi ta l ismo presente na obra de b. brecht (a obra de brecht um ground, s o b r e o qual nos a p o i a m o s para S A L T A R em outras direes)

    es te S A L T O que a n o s s a misso, o n o s s o D E V E R maior, c o m o art istas e intelectuais

    AGIR efetivamente na inveno de outras experincias estticas, isto ao propositiva: propositiva de dilogos com a sociedade, dilogos que se do em outras bases, atravs de

    escrituras que reconstroem o mundo de outras e insuspeitadas maneiras (eis a o maior milagre possvel em um mundo que faz de tudo para modelar nossas percepes de modo uniforme -

    inclusive "criticamente")

    TRANSUMANO no UMA coisa, transumano o fim de UMA coisa.

    todo devir uma linha de fuga de um enquadramento antropolgico toda criao uma fuga (dos homens) do homem e do sistema de poder que esse padro pressupe (deleuze)

  • a arte, em sua misso mais elevada, dificilmente de todo humana, (glenn gould)

    uma presena sentida ao mximo quando pode, a qualquer momento, ausentar-se. toda a sabedoria, toda a poesia, ser atinar com o grau certo, isto , incerto, de definio formal. por certo esta tarefa demanda um corpo pensante, uma vez que no produto de saber artesanal, muito menos de programas conceituais... (ronaldo brito)

    a obra de arte: agindo como se fosse uma coisa preciosa achada ao acaso

    fortuita mas irretocvel e com recursos propositalmente escassos, meios e modos to estritos, buscar o

    inesperado: repetir a surpresa de seu acontecimento

    trata-se de uma experienciao muito prxima da literatura, em seu apelo (terno) de expanso do imaginrio do receptor, mas que se coloca de modo mais poderoso que a experincia literria por sua estranha modelao biofsica do tempo/espao

    escrever retirar-se. no para sua tenda, mas da sua prpria escritura, cair longe da sua linguagem, emancip-la ou desampar-la, deix-la caminhar sozinha e desmunida. abandonar a palavra, (j. derridaj

    h duas interpretaes da interpretao, da estrutura, do signo e do jogo. uma busca decifrar, sonha com a possibilidade de decifrar uma verdade ou uma origem que pudesse escapar ao jogo e ordem do signo, e vive como um exlio a necessidade da interpretao, a outra, no mais voltada para o origem, afirma o jogo e tenta ir alm do homem e do humanismo, desse homem visto como o ser que sonhou com a presena plena, com o fundamento seguro, com a origem e o fim do jogo. (j. derrida)

    no estabelecer verdades mas admitir e valorizar variaes

    infindas

    (sobre os atores:

    a presena como metafsica a enunciao como diferena

    no ser vtima de uma ideia hegemnica de tempo desenhar o(s) tempo(s) e modelar a(s) matria(s) do(s) tempo(s) (MODELAR esta matria, gerando diferentes fruies do tempo, diferentes tempos em fato instante - e perceber que a DISTNCIA ENTRE OS EVENTOS tambm parte da modelao e, como tudo em arte, produz instabilidade e vertigem e perturbao e perda de foco (no receptor) na medida em que surpreendente) (a distncia entre os eventos, por vezes, mais importante em termos de afetao da percepo temporal (do receptor) que os prprios eventos)

  • para cada modelao corresponde uma HABITAO do tempo especfico

    e s e no h distncia, h instantaneidade do instante

    sendo que: cada instante soa e habitado como algo especfico (em variaes de contraste com a modelao seguinte)

    os eventos - independentes ou interligados - ou mesmo existindo em interzonas para alm destas duas possibilidades

    ora, onde mora o perigo l que tambm cresce o que salva, (f. holderlin)

    pensemos esta palavra de holderlin com todo o cuidado: o que significa "salvar"? (...) "salvar" diz: chegar essncia, a fim de faz-la aparecer em seu prprio brilho, (m. heidegger)

    nosso mtodo de trabalho bem distinto da carnavalizao (talvez oposto), mas encontra relao muito prxima com uma certa cultura plstica brasileira, surgida nas dcadas de 40 e 50, com as conquistas extraordinrias dos pioneiros do projeto abstrato (os artistas dos grupos RUPTURA e FRENTE) , em sua rejeio pintura modernista brasileira de carter figurativo e nacionalista, e com a posterior desinibio definitiva dos procedimentos abstracionistas nas obras de eduardo sued, por exemplo, e de seu complemento (no que s e refere construo de uma pictrica, isto , de um pensamento autnomo em pintura) que a obra gigantesca de iber camargo; na obra dos grandes franz weissmann e amilcar de castro; e no posso deixar de citar o dilogo que percebo, hoje, com a obra de clia euvaldo e tambm com o trabalho de edith derdyk

    menciono estes nomes das artes plsticas, porque difcil encontrar no campo do teatro filiaes com artistas que trabalharam com abstrao, com mimeses incognoscveis, com a reinveno do tempo, do espao e da humanidade, penso em luiz roberto galizia, que triscou nesta seara nos anos 70/80, e na obra de gerald thomas nos anos 80/incio dos anos 90, mas apenas de raspo (a ligao de thomas com procedimentos eminentemente ps-modernos torna difcil cit-lo aqui), no vejo, no entanto, nenhum problema em encontrar filiaes histricas somente no campo da pintura e da escultura, porque me refiro ao aparecimento de vocabulrios abstracionistas no campo da ARTE brasileira; suficiente que isto tenha acontecido nos campos citados, haja vista a dificuldade que o teatro sempre teve de se libertar do figurativo e da instncia de "espelho do mundo"

    a desestabilidade radical s pode nascer de uma zona ontolgica (nunca de uma zona cultural)

    o reconhecimento, a/aqui, se d (paradoxalmente) pelo desconhecido

    a dramaturgia no uma teoria, mas uma atividade

  • o que sucede no palco no uma representao, mas uma relao de condues e desencadeamentos (articulaes: a consequncia da consequncia)

    a meta essencial no produzir uma cena digna de ser contemplada, mas usar o palco como um teatro de operaes para a instaurao de distintos tipos de intensidades/instabilidades

    (no falar de trama, mas de funcionamento)

    (por exemplo: cy twombly um fazedor, willem de kooning tambm)

    como um avio que luta para ganhar altura, para fazer arte, hoje, preciso despejar uma boa quantidade de bagagem dispensvel

    [s se escreve escrevendo, assim como s se pinta pintando (vide francis bacon, por exemplo, descrevendo a criao de seus quadros e o dilogo permanente com a pintura, pincelada a pincelada ("o verde nunca se comporta da mesma maneira a cada vez que toca a tela", "foi em resposta a um respingo, produzido ao acaso, que esta imagem foi gerada", etc)]

    so procedimentos no-estruturalistas, que se do por acoplamentos do desejo, momento a momento, signo a signo, evento a evento

    na frase "o que sucede no palco no uma representao, mas uma relao de condues e desencadeamentos", entenda-se a relao que s e instaura, momento a momento, entre os signos emitidos do palco e o espao mental/sensvel de cada receptor na plateia

    em algum ponto (ou em alguma camada) de toda obra de arte, existe uma assero (s vezes sussurrada, outras vezes gritada) de que a vulnerabilidade humana contrariada pela vitalidade humana

    (as obras de arte so, neste sentido, um desafio (arrogante, Irado, inconsequente, irresponsvel) diante da morte, da doena, da dor)

    "e o que me diz das formidveis figuras silenciosas de esquilo?" - ele de repente me disse um dia, a propsito de nada. os pressgios e ameaas esquilianos, a sensao da imanncia de poderes determinantes, esto sempre l.

    (david sylvester, notas sobre francis bacon)

    a palavra estava no mundo - e o mundo foi feito por meio dela (belssima fico, altamente performativa (em mltiplas direes)) agir como age o gneses bblico (a partir do mesmo lugar - inventando o(s) mundo(s) atravs da palavra, NA palavra: em habitao da palavra), mundos que mundif icam. invocao: e a palavra se faz carne

    todo artista odeia a natureza (tudo o que natural) todo artista odeia a cultura (tudo o que n o s identifica c o m o povo e n o s une) (e odiar s igni f ica tambm um tipo muito forte de vnculo)

    eliminar os ltimos vestgios de figurao e de cor local (a aclimatao advm do discernimento esttico aliado indispensvel relativizao histrica), o clima sugestivo ou rememorativo que ainda encanta, para chegar a uma presena de teatro decididamente aberta e atual, que de fato ESTALE como corpoestranho na medula do mundo

  • o teatro um en igma que revela e e s c o n d e aqui lo que

    o dilogo do receptor c o m a obra de arte pressupe tambm e d e s d e o princpio um auto-dilogo

    em que consiste o ser-obra da obra de arte? ser-obra significa: instalar (instaurar) (estalar, pelo choque de outra instalao) um mundo,

    (reflexes a partir das reflexes de m. heidegger, em A ORIGEM DA OBRA DE ARTE)

    . . .poeticamente o homem habita... (f. holderlin)

    n o s s o s c o r p o s , f inalmente, esto l ivres do imperativo do d e s l o c a m e n t o (esta a diferena entre a s g r a n d e s navegaes do renasc imento e a s da contemporaneidade) : o s d e s l o c a m e n t o s no tempo (no m a i s no espao, que s e t ransforma em tempo)

    c a d a obra de arte fora o receptor a encontrar (como no boxe) a s u a DISTNCIA ideal para que o dilogo e a relao e a exper ienciao s e d em potncia plena

    N O V A S O B R A S : N O V A S D ISTNCIAS

    a dilatao do(s) mundo(s) a reduo do(s) tempo(s) a lgica da poesia

    (*aclimatao histrica)

    no confundamos "novidade" (o recurso 3D no cinema) com inovao (o que j. I. godard fez com a imagem cinematogrfica).

    (para os atores:

    existem: - valores de modelao temporal (distintos ritmos e andamentos vocais) - valores de intensidade (distintas tonalidades e texturas vocais)

    estes valores no se superpe: ao contrrio, as modelaes de tempo(s) (que promovem diferentes modos de ESTAR no mundo) e as habitaes de diferentes intensidades, promovem uma simbiose que constitui a materialidade do trabalho do ator)

    a obra de arte nos expulsa dela: a afirmao da arte como alteridade,

    em oposio a tradio do teatro intimista, consonante (de consonncia cultural entre os signos e os receptores).

  • a obra de arte exige que nos posicionemos sempre fora dela,

    no exterior (de ns mesmos), dilatando nossa viso

    expulsar (como uma barreira) o sujeito para o exterior E permitir (como um portal) a projeo de contedos inconscientes do receptor (atravs da manipulao de signos oriundos de fontes pulsivas e/ou de ausncias (lacunas, buracos) convidativas o suficiente)

    (e faz-lo em interzonas de derretimento e hibridao, em velocidades brutais no tempo e entretempos)

    (mas: para cada UMA projeo, DUAS ou TRS expulses; para cada evento-mimeses-cognoscvel, forar a percepo em direo a dois ou trs eventos-mimeses-incognoscveis)

    este projeto esttico resultado de um dilogo com toda a histria da arte, especialmente com aquela produzida desde o final do sculo XIX/incio do sculo XX (a aclimatao histrica a que me referi anteriormente)

    cheios incompletos/fragmentados e vazios intrigantes: rede contra a qual o receptor se atira e ricocheteado em novo grau de energia (absorve e emite) (c. ishikawa)

    no se pratica a abstrao para que haja um alheamento do mundo, mas sim para que haja uma penetrao em sua essncia, (wilhem worringer)

    e esta essncia metamorfolgica

    a importncia de um artista pode ser medida pela quantidade de novos signos e procedimentos introduzidos por ele em sua arte.

    a importncia de um crtico/terico da arte pode ser medida pela quantidade de novos signos e procedimentos (criados por artistas) detectados e conceituados por ele.

    eis o melhor exemplo de como funciona em uma obra a relao entre estes dois plos:

    O QUE (a escolha dos signos em jogo - escolha necessariamente oriunda do sinthoma/fonte pulsiva do

  • autor);

    e o COMO (que diz respeito inveno - como os tais signos vo se traduzir (em termos de arquiteturas lingusticas, no caso da dramaturgia) e

    se expandir em direes imprevisveis para o prprio artista):

    os CARRETIS de iber camargo

    a excelncia no domnio de tcnicas inventadas

    e o confronto destas tcnicas com foras incompreensveis: o acaso, a intuio, o lance, o instante

    este confronto a tenso dissonante que caracteriza a estruturao de todas as grandes poticas

    a arte se diferencia de outros trabalhos por conta da busca pela excelncia

    a excelncia a alma de uma obra de arte (algumas tem, outras no)

    (a partir de reflexes de roma drummond)

    EXCELNCIA quando se habita uma tcnica de modo to pleno que ela no aparece mais como tcnica, mas com um estranho modo de estar na vida

    e por ESTRANHO, leia-se: outro; da ordem da alteridade, da diferena.

    a obra de arte como algo autnomo, um todo unificado e fechado em si (paradoxalmente, este o modo de potencializar o dilogo com o mundo: contrapor mundos (densos) ao mundo, como pontos de fuga, alternativas da ordem da inveno radical, universos paralelos: lanar mundos no mundo)

  • um signo (qualquer signo, e mais ainda se for um signo neolgico) s vale no contexto da obra, nas suas relaes. a intensidade de um signo estabelecida ( valorada) apenas no mbito de suas relaes com outros signos (e eventos) presentes na obra. ("todo mundo tem palavras, mas s um escritor tem frases" - e frases so palavras postas em uma DETERMINADA ORDEM, gerando (esta ordem) a qualidade especfica de cada evento, e a intensidade especfica de cada signo - dentro do evento, e ainda na relao do evento com os outros eventos instaurados na obra)

    tudo isso se liga com o jogo de contrastes (que, como na pintura, se torna um saber obrigatrio nestas dramticas da opsis; vide os tons quentes (o vermelho) e frios (o azul) de ticiano, e as infinitas mirades de gradaes nas passagens de uns a outros); mas preciso reaprender perpetuamente que o teatro uma construo de dentro para fora (isto e, a partir de vinculaes do desejo geradas pelos signos que vo sendo postos na obra, em habitao da obra, e no a partir de projetos estruturalistas externos ao ato da escritura ou da enunciao)

    por "passagens", leia-se: deslocamentos, e importante frisar que, diferentemente das cores, no h valores quentes ou frios nas palavras; elas se tornam quentes ou frias na relao com as outras palavras

    devemos fazer teatro (ou qualquer outra arte) no para sermos amados e/ou perdoados e/ou aceitos mas sim atrados pela aventura pessoal da inveno de uma potica que em dilogo com a histria da arte (e com a histria da humanidade) amplie a experincia humana em direes at ento insuspeitadas (e imprevisveis at para ns mesmos)

    c o m o enxugamento instrumental adv indo do u s o d a s p ictocoreograf ias (com a e l iminao d a s rubr icas , tudo p r e c i s a s e dar e s e reso lver no mbi to restrito (e, d e s c o b r e - s e ento, infinito) da l inguagem), a t inge-se um patamar al t ssimo de auto-exigncias, qu exclu i qualquer ventr i loquia, fazendo de c a d a ao escr i tura i u m a deciso autoral

    ento que a fala s e torna ao, e m um nvel n u n c a an tes v is to na histria da dramaturgia

    (ventri loquia quando o artista no toma uma deciso a c a d a momento de cr iao da obra , permitindo que a deciso tenha s i d o tomada an tes dele (por outros art istas) , reproduzindo-a s e m agir efetivamente)

    deciso atual izao de potncia

    renovarmos a forma para que ela

    seja novamente a morada da

    arte

    optar por encobrir as imagens e ainda assim ( preciso)

  • tornar visvel o tempo aprisionado no espao ' certo que sua arte feia, mas toda arte profundamente original parece feia a princpio." (clement greenberg,

    a respeito de j . pollock, em 1945)

    as esculturas de richard serra no so produo de imagens (de modo geral, existe um bvio desinteresse por toda escultura que resume-se a produzir uma imagem (ou que traz em primeiro plano a inteno de produo de uma imagem))

    do mesmo modo, a pintura de barnett newman ou de jackson pollock no sobre a produo de imagens (o modo de operao est mais prximo da inveno de uma lngua)

    analogamente, o teatro tem muito mais relao com diferentes modelaes de tempo e espao do que com a produo de imagens ( preciso encobrir as imagens, repito, posto que imagem e narrativa se relacionam de modo muito, muito prximo)

    a experienciao da obra de arte propicia a ecloso, no receptor, de respostas pessoais (e por vezes inconscientes) para sua vivncia contempornea

    "quando voc reflete sobre um barnett newman, relembra a sua experincia, no o quadro." (richard serra)

    APLICAR "MENOS MAIS" NO TEMPO

    h contrastes e contrastes:

    contrastes gritantes (em w. de kooning) e contrastes minimamente perceptveis (em ad reinhardt)

    os contrastes entre vermelho e azul, e os contrastes entre diferentes tons de branco

    a sabedoria que provm do desencantamento no favorece o florescimento da arte; a arte prospera na inocncia

    tudo desliza, (f. holderlin)

    o papel do artista passar adiante o que lhe chega ele no existe para servir nem para mandar mas para transmitir

    toda grande obra de arte instaura um extremo deleite com a existncia e um desespero cruciante em raras intensidades de ambivalncia

  • ..sempre armados

    da beleza mais lancinante que pudermos

  • D R A M T I C A S D O T R A N S U M A N O parte I I

    [mais apontamentos (...)

    fala quem tem esperana, e vice-versa. (I. witgenstein)

    together AND in contrast... ali the thing (the theatre): is ali about magic. ali about magic...

    (magie noir, love, poetry, and the face of god)

    tudo sobre magia, e sobre amor, e sobre poesia (no na tradio do eu lrico memorialista, mas na transfigurao de toda estabilidade), a/aqui o invisvel se torna perceptvel - obliquamente, transfigurar toda a nossa percepo estabelecida acerca do que seja o real; preciso apenas uma mudana no ponto de apoio em que trabalhamos

    o susto, o espanto diante da experincia transumana o mesmo: aqui (no brasil) e l fora. o que tambm d a certeza de que trata-se de uma outra coisa, que amplia o campo de trabalho do teatro (e portanto da experincia humana) em veredas desconhecidas at o momento

    na apreciao destas obras h desde raiva indignada at maravilhamento diante do que chamam de abertura de novas possibilidades para o teatro (e h, de modo geral, estranheza diante dos sistemas formais no-reconhecveis). bom sinal, todas estas reaes - no porque se busque a estranheza, mas porque ela inevitvel quando se trabalha com sistemas formais fundantes, que traduzem e expandem percepes singulares, no-culturis

    o fato que a sala em que se est, o tempo, o espao e a percepo que temos de ns mesmos se alteram completamente ao final das apresentaes (e durante, de vrias maneiras, em deslocamentos e instabilidade permanentes), isto o poder transfigurador da poesia presentificada em ato radical; isto o poder destas complexas (e simples, muito simples, embora nunca fceis) dramticas

    transmutao e metamorfose: radicalidade em ato que, um dia, talvez venha a ser minha glria pstuma, (f. nietzsche) (com ecos de herclito)

    magie noir apenas um apelido para a inveno de procedimentos empricos que bordejem o abstrato, o inominvel, novos moldes arquetpicos, outras estruturas mitolgicas - o impossvel feito carne, e a carne feita luz e trevas (desvio para o vermelho, desvio para o azul)

    escrever uma pea criar tipos especficos de INSTABILIDADE

  • para mudar o mundo, completamente, s preciso falantes e palavras - no palavras que expressem (e portanto compactuem com) sensaes e vivncias culturais, mas palavras que, atuando como o gneses bblico, criem outros mundos, outras experincias de habitao da linguagem, distintas da vivncia conhecida, a mudamos o mundo - porque inventamos a ns mesmos (s precisamos de falantes, criando tempos, espaos e outras formas de vida, em trnsito e instabilidade, em habitaes lingusticas OUTRAS)

    vide HERCLITO, F. HOLDERLIN, F. NIETZSCHE, F. SCHLEGEL, M. HEIDEGGER, o ltimo L . WITTGENSTEIN (do investigaes filosficas), G DELEUZE, J . LACAN. vide, e continuemos em frente, para o alto e avante! (no se trata de fazer melhor, mas sim de fazer mais bonito do que os que vieram antes de ns, justamente por amor a eles e por um respeito profundo s suas obras) (e no podemos esquecer, nesta estranha linhagem que tracei, de A. ARTAUD, que a parte todas as leituras estereotipadas de seu trabalho, permanece uma luztreva que nos aponta para o impossvel que podemos, enfim, instaurar no teatro)

    uma linhagem aforstica, anti-sistmica, de rudos e de produo de pensamento por OUTRAS vias - experienciais, da ordem dos ecos e das ressonncias, da ordem de articulaes rizomticas

    (quando digo impossvel, o fao com um sorriso de felicidade haja vista que todas as proposies que nos so mais caras nos levam no da impotncia potncia, mas sim da impotncia ao impossvel)

    em nossas escrituras, O QUE se relaciona com a fonte pulsiva, com o sinthoma de cada autor; e o COMO se relaciona com inveno, em analogia com o comportamento da luz no universo: DESVIO PARA O V E R M E L H O (para a origem, para o arcaico, para os arqutipos reconhecveis, constitutivos, intrnsecos), em tenso permanente e insolvel com o DESVIO PARA O AZUL (para o fim, para o futuro que ainda no existe, para os novos arqutipos que funcionam como moldes a serem preenchidos por pulses que teremos que inventar, algo extrnseco ao si mesmo)

    (no fundo, isto s um outro modo de propor a dvida de CEZANNE, que motivou p. picasso e a. giacometti e w. de kooning (entre muitos, muitos outros artistas) ao longo de suas trajetrias criadoras)

    o teatro no uma arte conceituai, mas sim um fazimento, algo que s se d e s se instaura no ato de fazer (que sempre muito maior do que qualquer conceito, posto que no cabe em conceitos...) os conceitos s podem agir como disparadores de processos criativos de fazimento, que sempre resultam imprevisveis e maiores que os conceitos que os originaram

    demoiselles cTavignon, de p. picasso: mais de 10 anos sendo motivo de piada, at por parte dos pintores que eram seus amigos mais prximos, hoje em dia, vista como uma das obras mais importantes do sculo XX, tendo influenciado toda a produo artstica da segunda metade do sculo, um exemplo incrvel de arte como sistema complexo de relaes formais, construdo no mais amplo dilogo com sistemas anteriores, e que proporciona uma experincia esttica outra, distinta da experincia cultural (conhecida), (nada causa mais repulsa mente medocre que a alteridade; os ces ladram, sempre ladraram, continuaro ladrando...

    escrever separar-se de si mesmo

  • potncia de vida pensada e vivida como uma morte mltipla

    {subjetividade o nome de uma fico moderna, tambm chamada de EU ou SUJEITO}

    f a percepo (intuitiva) de que sempre existiro coisas que eu no conheo, o espanto pode estar (e est) na prxima esquina, ou, dito de outro modo, na prxima inveno - e ns (a humanidade) estamos apenas comeando (e no terminando, como querem alguns)

    o ato um verdadeiro acontecimento, nada mais ser como antes depois dele. (j. lacan)

    - e o maior, o grande ato, a fala, posto que cria. a fala que cria

    (o ato da ordem do disparate, da distrao, quase que do acaso...)

    lacan, seminrio 23, o sinthoma a/aqui/l que est

    a coisa

    {a coisa, para Lacan, que diferente da coisa freudiana (das ding), o prprio estranho)

    toda dramaturgia so satlites circulando o objeto-a(usente)

    toda dramaturgia so luas orbitando o que no cessa de no se inscrever

    toda?

    agora que sabemos disso?

    no que se trate de presentificar o objeto-a, mas sim de invocar O-objeto:

    desembocar no I S T O

    eis o futuro (?)

    (s O-objeto constitui-se como alteridade radical em relao ao eu ou ao ns)

    O-objeto o devir?

  • . mas vir? poder vir? eis a questo impossvel que exige - HOJE - enfim sua resposta (que ser de novo uma pergunta, mas uma pergunta que at ento no havia sido feita)

    na medida em que o objeto-a o centro gravitacional das dramticas do humano, e O-objeto torna-se a mimeses incognoscvel das dramticas do transumano

    O-objeto impossvel - at que seja invocado, o objeto-a impossvel tambm, mas assim permanece, na medida em que a nica operao que pode bordej-lo, apontar para ele sem toc-lo, a evocao

    o objeto-a a morte, e a morte impossvel. O-objeto tornar real algo inventado (algo que no existia, absolutamente), e invoc-lo ampliar o real (!). operao utpica? talvez sim, talvez no. eu digo que no, sendo, obviamente, sim

    (mimeses entendida como atualizao, no imitao)

    analogamente: o buraco negro se comporta como o objeto-a quando estamos FORA dele, e como O-objeto quando estamos DENTRO dele

  • o significante precede e determina o significado determina, mas no para quem (e, portanto, no em qual sentido)

    alguns procedimentos:

    - contraste: gerado por 2 (ou mais) eventos de naturezas distintas;

    - rudo: gerado por 2 (ou mais) procedimentos que operam de modos distintos;

    - derretimento: pontos instveis de hibridao entre diferentes arquiteturas lingusticas (entre diferentes modos de subjetivao);

    - deslocamento: movimento (que ocorre no espao mental/sensvel do receptor) entre diferentes tempos; espaos; modos de subjetivao; direcionamentos do discurso; usos da linguagem (evocao (trazer mente, como uma lembrana, uma memria; referir-se a alguma coisa) e invocao (presentificar; construir tempo e espao com as palavras; instaurar, pelas palavras, algo ou algum, que no estava ali antes das palavras serem ditas));

    - transmutao de sujeito (no h sujeitos estveis, mas emissores que habitam provisoriamente, atravs da linguagem e, sobretudo, NA linguagem);

    - figurao (unvoca) e desfigurao (polissmica), em tenso;

    - monlogo dialgico (quantos modos de subjetivao cabem em um nico emissor?).

    ( importante perceber que para cada modo de subjetivao corresponde uma experienciao singular do tempo e do espao (e no s uma localizao distinta no tempo e no espao))

    (tambm pode-se definir o derretimento como momentos de contaminao de uma arquitetura lingustica por outra)

    as operaes citadas so procedimentos que trazem a imprevisibilidade, que vivificam nossa ateno e conexo com a obra, e que a tensionam (nos tensionando)

  • sobre velocidade: a- variao na velocidade de deslocamento entre 2 eventos; b- rtmica interna de cada evento; c- dimenso do evento (dimenso no sentido de tamanho)

    sobre variaes em cada evento: - tempo; - espao; - modo de subjetivao (arquitetura lingustica); - direcionamento do discurso.

    (s vezes estas variaes se do em zonas muito claras, e s vezes em interzonas hbridas, nebulosas)

    no mais fragmentao OU continuidade, mas sim fragmentao COM (ou EM) continuidade

    (ou em fluxo contnuo)

    [isto , nem a potica grega, nem tampouco a potica medieval}

    riverrun

    no tpico {variaes em cada evento}, deve-se acrescentar: - lugar a partir do qual se fala (lugar no sentido da lgica da opsis)

    preciso ter f no poder epifnico da linguagem

    no tpico {alguns procedimentos}, acrescente-se: - monlogos articulados: quando um signo plantado em um evento monolgico floresce com outros sentidos em outro evento monolgico

    entre {alguns procedimentos}, acrescente-se: - contrao temporal (que pode ou no incluir saltos espaciais); - dilatao temporal (abertura de bolses no tempo, e explorao destas imensas e insuspeitadas searas)

    o espao est sendo criado na medida em que o universo se expande - o universo se expande na medida em que o espao criado)

    nos anos 50/60, a guinada do expressionismo abstraio (J. pollock, b. newman, m. rothko, w. de kooning, entre outros) rumo liberdade artstica foi associada (por alguns crticos e tericos da poca) ao individualismo de direita, a liberdade criadora (no sentido da grande libertao do "si mesmo" cultural) da arte abstrata norte-americana (forjada quase completamente por

    imigrantes, diga-se de passagem) foi usada por polticos do perodo como propaganda (no auge da guerra fria) contra o comunismo, que tinha sua expresso esttica no realismo

    socialista (movimento andino que s encontra espelhamento na arte nazi, com a diferena de

  • que na rssia os quadros eram povoados por trabalhadores com seus macaces de operrios, enquanto na alemanha nazista eram gigantes nrdicos com roupas de tirols tendo a floresta negra ao fundo), foi neste momento que a forma no-figurativa (efetivamente revolucionria,

    na medida em que reinventa integralmente o homem, o mundo, a vida) foi associada alienao e burguesia, sob a pecha de "formalismo", desfazer este n histrico, este

    equvoco responsvel pela ideia que temos at hoje acerca do que seja uma arte poltica, tarefa imperiosa - e urgente

    (lembrando que a arte abstrata russa, revolucionria e poltica sob qualquer prisma, foi inteiramente assassinada e banida quando stalin chegou ao poder, falo dos imensos malevitch e kandinski, por

    exemplo)

    foi mais ou menos o que aconteceu com s. beckett quando sua obra despontou, com a diferena de que martin esslin conseguiu convencer as pessoas de que beckett era um escritor humanista (?)

    como a arte exceo (enquanto a cultura a regra), trata-se sempre de proporcionar experienciaes estticas (ou seja, sensveis: da ordem da sensibilidade) que nosso entendimento existencial desconhece at aquele momento.

    s vezes se pr no espao outras vezes espacializar

    se pr no espao permitir a decantao biofsica que se d quando cessa a linguagem, espacializar criar espaos outros atravs da linguagem, NA linguagem, em habitao da linguagem.

    a r o paradigma destas dramticas - hbrido aos saltos

    se voc no trabalha mais com o mythos, a nica maneira de sustentar uma pea em p so os diferentes e imprevisveis e infinitos tipos de deslocamentos; porque o mythos existe,

    fundamentalmente, para promover mudana (no caso, na esfera da narrativa: das personagens, da situao ficcional), e os deslocamentos promovem mudanas todo o tempo -mas na esfera da opsis. a mudana (elemento central da arte) se mantm - potencializada ao

    infinito

    a vida percebida na mudana, nos contrastes (d^aprs spinoza)

    no porque voc faz rimas que um poeta no adianta seguir o logos dos deslocamentos, se os eventos em si so fracos como elaborao (cada evento precisa ter sua qualidade especfica, e esta qualidade precisa ser potente em sua especificidade) o nico modo de aferir a potncia de um evento perceber seu poder de abrir cortes em ns -

  • cortes que se abrem para acoplarem-se com o evento, para receberem (e responderem ao) seu fluxo

    1- Quem se desloca? 2- O receptor, a sua percepo (a obra de teatro acontece no no palco, mas na plateia, no espao mental/sensvel de cada receptor, e acontece de modos diferentes para cada pessoa) (eis o melhor critrio para aferir se uma obra arte ou no: se todos na plateia riem no mesmo momento, ou choram no mesmo momento, porque se trata de uma obra cultural (norteada pelo senso comum, instauradora de sistemas formais reconhecveis), que conduz de modo cultural as percepes, que nos trata a todos como criancinhas - ou como ovelhas sendo tocadas para o curral, em uma obra de arte, enquanto algum ri na plateia, outro algum chora, e outro algum empalidece; as reaes de cada membro do pblico sero completamente distintas, na medida em que no se trata de conduzir as percepes, mas sim de desencadear processos sensveis autnomos) (o teatro (como ARTE) no algo que harmoniza a sociedade, que nos integra como povo (isto o que a CULTURA faz); o teatro (como ARTE) desarmoniza a sociedade, nos desintegra como povo, na medida em que nos separa de ns mesmos)

    so dramaturgias performativas: quando se l uma destas peas sozinho, em silncio, os deslocamentos no se do plenamente, s apontam ligeiramente (graas s

    diferentes tipografias). apenas quando as ouvimos, faladas (ativadas) por atores, que os deslocamentos podem se

    dar plenamente, pelas diferentes intensidades e texturas vocais, pelas diferentes habitaes sensveis instauradas imprevisivelmente no tempo e no espao,

    momento a momento

    ...nunca se tratou de dizer coisas com as palavras, mas sim de fazer coisas com elas (ou de permitir que elas faam coisas conosco). neste sentido, no h limites para os usos da linguagem, nem h terreno que no possa ser tocado por estes usos

    D R A M T I C A S D O T R A N S U M A N O parte I I I [apontamentos finais (...)

    nenhuma arte se alimenta de si mesma - sem o conhecimento da filosofia, da psicanlise, da fsica, da poesia, da pintura, da lingustica, da histria da arte, continua-se lidando com as mesmas ideias e

    expectativas acerca do que seja uma obra de arte, porque continua-se lidando com as mesmas ideias e expectativas acerca do que seja a condio humana

  • cortes que se abrem para acoplarem-se com o evento, para receberem (e responderem ao) seu fluxo

    1 - Quem se desloca? 2- O receptor, a sua percepo (a obra de teatro acontece no no palco, mas na plateia, no espao mental/sensvel de cada receptor, e acontece de modos diferentes para cada pessoa) (eis o melhor critrio para aferir se uma obra arte ou no: se todos na plateia riem no mesmo momento, ou choram no mesmo momento, porque se trata de uma obra cultural (norteada pelo senso comum, instauradora de sistemas formais reconhecveis), que conduz de modo cultural as percepes, que nos trata a todos como criancinhas - ou como ovelhas sendo tocadas para o curral, em uma obra de arte, enquanto algum ri na plateia, outro algum chora, e outro algum empalidece; as reaes de cada membro do pblico sero completamente distintas, na medida em que no se trata de conduzir as percepes, mas sim de desencadear processos sensveis autnomos) (o teatro (como ARTE) no algo que harmoniza a sociedade, que nos integra como povo (isto o que a CULTURA faz); o teatro (como ARTE) desarmoniza a sociedade, nos desintegra como povo, na medida em que nos separa de ns mesmos)

    so dramaturgias performativas: quando se l uma destas peas sozinho, em silncio, os deslocamentos no se do plenamente, s apontam ligeiramente (graas s

    diferentes tipografias). apenas quando as ouvimos, faladas (ativadas) por atores, que os deslocamentos podem se

    dar plenamente, pelas diferentes intensidades e texturas vocais, pelas diferentes habitaes sensveis instauradas imprevisivelmente no tempo e no espao,

    momento a momento

    ...nunca se tratou de dizer coisas com as palavras, mas sim de fazer coisas com elas (ou de permitir que elas faam coisas conosco). neste sentido, no h limites para os usos da linguagem, nem h terreno que no possa ser tocado por estes usos

    DRAMTICAS DO TRANSUMANO parte III [apontamentos finais (...)

    nenhuma arte se alimenta de si mesma - sem o conhecimento da filosofia, da psicanlise, da fsica, da poesia, da pintura, da lingustica, da histria da arte, continua-se lidando com as mesmas ideias e

    expectativas acerca do que seja uma obra de arte, porque continua-se lidando com as mesmas ideias e expectativas acerca do que seja a condio humana

  • heinrich von kleist criou o conceito de marionete, afirmando que esta deveria substituir os atores. edward gordon craig se apropria desta ideia e diz que preciso fechar todos os teatros do mundo e s reabri-los depois de 5 anos de um novo e intenso treinamento que resignifique a atuao (tambm no sentido do ator como super-marionete). recria a origem do teatro: em sua verso, duas mulheres naufragaram e foram aportar em uma ilha; explorando esta ilha, depararam-se com um templo, dentro do qual uma gigantesca marionete se movia - e em seu movimento era possvel perceber todos os arqutipos, todos os tempos e espaos, todas as sensaes, toda a histria da humanidade -passado, presente e futuro, no mesmo tempo sem tempo, estas mulheres, ento, conseguem voltar para o continente e l decidem reproduzir o que viram, criando o primeiro teatro; mas o que fazem apenas uma caricatura grosseira (sem a amplitude espiritual) do que viram na ilha. este , segundo craig, o nosso teatro: uma caricatura de algo que se encontra escondido em segredo numa ilha perdida, m. maeterlink prope que o teatro seja feito sem atores, apenas com um palco vazio em que se ouvem vozes, haja vista que os atores (com suas presenas culturais) maculam, conspurcam o espao sagrado do teatro e impedem que uma dimenso ontolgica (que a dimenso prpria da cena) se estabelea, tadeuz kantor prope o boneco como paradigma da atuao: s atravs de algo morto pode-se tocar a vida. o que h por trs de todas estas ideias (de kleist, craig, maeterlink e kantor)? o que h por trs da proposio do conceito de marionete? o ponto aqui diz respeito a uma certa qualidade de AUSNCIA imprescindvel para a atuao. se o ator carrega para o espao da cena a construo cultural que chamamos de EU, se ele carrega para a cena esse "si mesmo" cultural (e a viso achatada de mundo deste "si mesmo" cultural), ento, sim, este ator macula, conspurca o espao do teatro, NICA seara em que se pode trabalhar com lgicas distintas da lgica cultural, preciso alienar os atores (e os dramaturgos, e os diretores) - mas alien-los do que? do "si mesmo" cultural, que s trabalha por hbito, por condicionamento, reverberando (inadvertidamente) o senso comum, as formas e ideias estabelecidas, reconhecveis, no se trata, portanto, de transformar os atores em bonecos que sero marionetados, mas da conquista desta instncia de SEPARAO (no dizer de a. artaud: no estou morto, ESTOU SEPARADO), s nesta ausncia que OUTRAS presenas (no-culturais) podem se instaurar plenamente

    (tudo em prol da conquista (por cada artista) de uma instncia de singularidade, e , portanto, contra qualquer ventriloquismo)

    {o tal vazio citado (que , na verdade, ausncia do si mesmo cultural) permite a habitao de outros modos de subjetivao; equivalente ao rompimento do mtron grego, prerrogativa para o aparecimento do teatro}

    a maior parte do teatro que se diz avant-garde hoje apresenta em cena diferentes modos de cultura (quando o senso comum se refere diversidade, est se referindo a diferentes modos de

    cultura, o que no interessa para o campo da criao esttica), quando me refiro ao OUTRO, no me refiro cultura chinesa ou cultura rabe ou cultura indiana ou a qualquer sub-cultura, mas

  • sim a alteridades radicais em relao cultura - em relao a TODAS as culturas

    quem entretm tenta controlar entretenimento controle (neste sentido, entretenimento o avesso da poesia)

    o teatro aquilo que ele SE TORNA

    momento a

    momento (e cada momento experienciado de modos distintos)

    o indizvel (aquilo que no pode ser simbolizado) pode-se fazer perceber pelos jogos de linguagem, mas no pela palavra (que diz).

    novamente: no se trata de usar as palavras para DIZER coisas, mas de usar a forma do texto para FAZER coisas (ou permitir que elas faam coisas conosco)

    nove palavras, postas em determinada ordem, nos mostram a face de deus. (d'aprs j.l. borges)

    quem produz obras visando entreter pensa unicamente em termos de conduo da percepo do receptor; quem cria poesia, pensa em disparar processos de

    experienciao autnomos em direes imprevisveis (para o receptor e para o prprio artista),

    entretenimento propaga sentidos unvocos; arte polissemia.

    univocidade:controle poKssemia: liberdade

    faz-me o estro dizer formas em novos corpos mudadas, (ovdio, metamorfoses)

    META

    MORFO

    LOGICUM

  • conseguir fazer da linguagem um lugar de trnsito das formas, o que no se encontra na comunicao habitual, em que persiste uma definio unvoca das palavras; lugar de trnsito em que as palavras j no dizem, mas so usadas em diferentes jogos de linguagem (e cada jogo de linguagem instaura uma forma de vida), a linguagem como uma espcie de vazio - habitado (provisoriamente) (d'aprs jean baudrillard)

    transmutao e metamorfose instauradas em ato radical

    aaainst LTI - Lngua Tertii Imperii

    na POTICA de aristteles, o filsofo lista os 6 elementos que compe a tragdia, colocando em primeiro lugar o mythos e em ltimo a opsis. trata-se agora de inverter esta ideia ( importante notar que, at o presente momento, todas as tentativas de problematizar o mythos se deram de modo incuo, pelo fato de que se ps no lugar da narrativa um eu lrico esttico que nos diz suas impresses sobre o mundo, por isso os deslocamentos aparecem como possibilidade estratgica efetiva - se problematizamos a narrativa, porque problematizamos, antes, o sujeito)

    refugar o mythos no teatro equivale a refugar a figura na pintura, observemos o que willem de kooning coloca no lugar da figura em seus quadros: deslocamentos, e percebamos como os deslocamentos podem

    se dar de infinitos e insuspeitados (posto que singulares) modos ( s comparar a obra de de kooning com a de pollock ou com a de mondrian - absolutamente distintas, mas todas fundadas nos deslocamentos)

    o mythos a figura paterna que deve existir como um cadver que jaz no fundo do oceano que a obra)

    l no fundo teu pai jaz com seus ossos de coral

    nos olhos prolas traz pois o seu corpo mortal foi transformado no mar

    em tesouro singular

    pollock (em seu dirio de guerra): NEGAR, IGNORAR, DESTRUIR (trs aes muito distintas, que operam em diferentes direes)

    ao encararmos o mythos deste modo, o cadver paterno muda todo o tempo em funo das flutuaes vertiginosas da opsis. o prprio mythos no permanece esttico, mas passa a existir de modo brutalmente

    polissmico - no operando mais como mecanismo de sentido

    (opsis: o sistema complexo de relaes formais)

    quando texto e cena no mais se separam, surge um outro teatro, radicalmente diverso (estes textos no so textocntricos; como mquinasdesejantes, exigem que se copule com eles. so dotados de falos (que nos penetram) e de buracos (que devemos penetrar)) isto acaba com a celeuma entre "teatro de texto" e "teatro de encenao": o dilogo criativo que estas obras exigem fazem delas, sempre, obras nas quais todos os envolvidos (dramaturgo, diretor, atores) so criadores ativos (porque no h outro modo destas dramaturgias existirem em cena)

    antes, ns tnhamos o FATO; depois, passamos a ter o FATO e diversos PONTOS DE VISTA distintos acerca dele;

  • na sequncia, o FATO desapareceu e s restaram os PONTOS DE VISTA; agora, no temos mais fatos NEM pontos de vista, trabalhemos, pois, com este estado-de-coisas

    - a ttulo de exemplo: h. ibsen; arthur miller; h. pinter; e ns, AGORA

    QUANTO TEMPO E ESPAO CABEM EM UMA PEQUENA PORO DE TEMPO E ESPAO? QUANTOS MODOS DE SUBJETIVAO CABEM EM UM NICO EMISSOR?

    "o infinito uma qualidade, no uma quantidade."

    a obra de arte nos liberta de ns mesmos

    esta libertao cria as condies para uma outra qualidade de ao; no escapista, portanto, mas sim propositiva de uma qualidade distinta de ao

    CONTRAPOR uma OUTRA experincia que o nosso entendimento existencial desconhece (esqueamos, portanto, a empatia como estratgia)

    a empatia se estabelece na medida em que conhecemos um sujeito; como o fluxo de informaes do passado no uma opo aqui (haja vista ser uma estratgia absolutamente vinculada a dramticas cansadas); como o conhecimento do sujeito no mais possvel aqui (por uma desconfiana absoluta na possibilidade do auto-conhecimento - s algo esttico pode se dar a conhecer); por conta destes cruciais motivos, a empatia no uma possibilidade - o ponto de vinculao com estas obras OUTRO -e por isto que afirmo que trata-se de algo EXTRNSECO ao si mesmo

    nenhum homem entra duas vezes no mesmo rio, pois j no o mesmo rio, nem o mesmo homem, (herclito)

    nunca houve tanta imagem, preciso desenhar pontos de fuga (e toda fuga tambm um encontro, toda sada tambm a entrada em OUTRO lugar) que proporcionem habitaes da ordem da DIFERENA (habitao (pela linguagem) das coisas (o modo de subjetivao do vento, do acidente, da parede, do tumor, das larvas que comem a carne do co vivo, das asas das moscas, da enchente destruindo a rvore, do po sendo comido por uma boca sem dentes, dos animais e dos buracos na terra, e assim infinitamente, incluindo o que ainda no existe: O-objeto) (a maior mentira que j nos contaram: uma imagem vale mais que mil palavras... se eu digo MONTANHA diante de 10 pessoas, cada uma delas cria uma imagem mental de montanha (so, portanto, 10 montanhas distintas), se eu mostro a imagem de uma montanha, a mesma montanha para todas as pessoas que a observam. preciso dar AUTONOMIA ao receptor)

    no confundamos PS-HUMANO e TRANSUMANO:

    - o PS-HUMANO um DIAGNSTICO da condio humana na contemporaneidade (a obra de grande parte dos dramaturgos contemporneos trabalha com o PS-

  • HUMANO, mostrando (expondo) a superficialidade hiperblica, a ausncia de gravidade oriunda da banalizao absoluta, a anodinia alienante, a incomunicabilidade, a virtualidade e insignificncia das relaes, a permanente excitao sem consequncias da vida contempornea);

    - o TRANSUMANO a INVENO de habitaes OUTRAS do tempo, do espao e da prpria vida; a inveno de outras formas (insuspeitadas) de experienciarmos a existncia.

    (a ttulo de exemplo: blanche dubois HUMANA; a anodinia contempornea PS-HUMANA; ningum TRANSUMANO (haja vista que o transumano justamente uma problematizao radical de nossa ideia de sujeito - no h sujeito no transumano, independente de sua qualidade especfica))

    (voc j sabe o que tem que saber porque no tem a ver com o que voc sabe

    mas com a inveno de outras habitaes da vida insuspeitadas e imprevisveis sobretudo para voc mesmo)

    harold bloom escreveu um livro (Shakespeare: a inveno do humano) no qual nos mostra como Shakespeare percebeu que um novo homem estava comeando a se desenhar no renascimento, e como traduziu este novo homem (o sujeito moderno) em suas obras, no s retratando-o, mas expandindo-o em mltiplas direes e complexidades, conformando em definitivo a ideia de HUMANO e a obra de Shakespeare to imensa que fez sentido at o final do sculo XX. estamos hoje em um perodo similar ao renascimento, e estamos diante da oportunidade de inveno de outras possibilidades de experinciao (o que eu chamo de transumano: outros modos de subjetivao, para alm do homem), assim como Shakespeare (no um filsofo, no um cientista, mas um dramaturgo) inventou o humano, inventemos (ns) agora o transumano, que poder habitar o futuro de modo absolutamente distinto do modus operandi que utilizamos nos ltimos 400 anos

    a escalada ao cume da arte no-figurativa difcil e atormentada, mas ainda assim satisfatria, as coisas habituais vo recuando pouco a pouco, a cada passo que se d os objetos afundam um pouco mais na distncia, at que,

    finalmente, o mundo das noes habituais - tudo o que amamos e a que ligamos nossa vida - se apaga completamente, basta de imagens da realidade, basta de representaes ideais - nada alm do deserto (a

    escurido!)! - kazimir malevich - manifesto suprematista

    perguntaram ao grande philip guston (criador de uma pictrica absolutamente singular) acerca do tema de suas obras e seu significado, guston respondeu que no sabia de onde vinham seus quadros, e que intua ser muito importante jamais tornar isto completamente claro, nem para os outros, nem para si mesmo.

    perguntaram ao gnio barnett newman a respeito do tema de suas obras e seu significado, newman disse que a resposta cabia a cada receptor, mas que se suas obras fossem realmente vivenciadas, isto significaria o fim da sociedade como ns a conhecemos.

  • perguntaram a mareei duchamp sobre o significado de sua maior obra de arte, "o grande vidro"; a pergunta surgiu pelo fato de que existiam dezenas de diferentes interpretaes, feitas por crticos e pensadores, a respeito dos significados da "noiva despida por seus celibatrios, mesmo" (o outro nome da coisa), qual a interpretao certa?, lhe perguntaram, todas elas, respondeu duchamp.

    um quadro de bamett newman um anjo. no anuncia nada, o prprio anncio, (jean-franois lyotard: o instante, newman)

    todos os quadros de bamett newman so iguais? sim. todos os quadros de bamett newman so absolutamente distintos uns dos outros? sim.

    faa um crculo em torno de voc - e cave (limitar as opes significa criar (forar) as condies para expandir um sistema POR DENTRO

    (vide mondrian))

    (a postura "aberta a tudo" no leva a lugar algum quando a ambio contribuir efetivamente com novas poticas que dem continuidade (avanando) histria da arte)

    em uma obra de arte to importante quanto o que se faz aquilo que o artista se RECUSA

    a fazer

    para alguns observadores, uma lmpada no cho s uma