Altamiro Borges. Marx, Lênin, Gramsci e a Imprensa

5
Vigo, 20 de decembro de 2006 Marx, Lênin, Gramsci e a imprensa Altamiro Borges- Actualidade GalizaCIG Diante do poder alcançado pela mídia hegemônica e das ilusões ainda existentes sobre seu papel, revisitar as idéias de intelectuais marxistas sobre o tema é da maior importância e causam surpresa por sua enorme atualidade. Marx, Lênin e Gramsci, entre outros pensadores revolucionários, sempre destacaram o papel dos meios de comunicação. Exatamente por entenderem a importância da luta de idéias, do fator subjetivo na transformação da sociedade, fizeram questão de desmascarar o que chamavam, sem meias palavras, de “imprensa burguesa” e de realçar a necessidade da construção de veículos alternativos dos trabalhadores. Estes dois elementos, a denúncia do caráter de classe da imprensa capitalista e a defesa dos instrumentos próprios dos explorados, são as marcas principais destes intelectuais marxistas. Marx, Lênin e Gramsci dedicaram enorme energia ao trabalho jornalístico, escrevendo centenas de artigos e ajudando a construir vários jornais democráticos e proletários. Foram jornalistas de mão-cheia, produzindo textos que entraram para a história. Sempre estiveram sintonizados com o seu tempo, pulsando a evolução da luta de classes; nunca se descuidaram da forma, da linguagem, para melhor difundir os seus conteúdos revolucionários. Defesa da liberdade de expressão Vítimas da violenta perseguição das classes dominantes, os revolucionários nunca toleraram a censura dos opressores e foram os maiores defensores da verdadeira liberdade de expressão. A própria ampliação da democracia foi decorrência das lutas dos trabalhadores, No caso de Gramsci, o longo período de cárcere dificultou a sua atividade jornalística e castrou seu desejo de organizar a imprensa operária. Antes da prisão, ele editou vários jornais de fábrica e empenhou-se na difusão do Ordine Nuovo. Na sua rica elaboração sobre o papel dos intelectuais e a luta pela hegemonia, ele chega a afirmar que, em momentos de crise, o jornal pode funcionar como partido político, ajudando a desnudar a ideologia dominante e a construir a ação contra-hegemônica do proletariado. Para ele, o momento da desconstrução do velho é, ao mesmo tempo, o da construção do novo.

description

jornalismo

Transcript of Altamiro Borges. Marx, Lênin, Gramsci e a Imprensa

Vigo, 20 de decembro de 2006Marx, Lnin, Gramsci e a imprensa

Altamiro Borges-

Actualidade GalizaCIG

No caso de Gramsci, o longo perodo de crcere dificultou a sua atividade jornalstica e castrou seu desejo de organizar a imprensa operria. Antes da priso, ele editou vrios jornais de fbrica e empenhou-se na difuso do Ordine Nuovo. Na sua rica elaborao sobre o papel dos intelectuais e a luta pela hegemonia, ele chega a afirmar que, em momentos de crise, o jornal pode funcionar como partido poltico, ajudando a desnudar a ideologia dominante e a construir a ao contra-hegemnica do proletariado. Para ele, o momento da desconstruo do velho , ao mesmo tempo, o da construo do novo.

Diante do poder alcanado pela mdia hegemnica e das iluses ainda existentes sobre seu papel, revisitar as idias de intelectuais marxistas sobre o tema da maior importncia e causam surpresa por sua enorme atualidade. Marx, Lnin e Gramsci, entre outros pensadores revolucionrios, sempre destacaram o papel dos meios de comunicao. Exatamente por entenderem a importncia da luta de idias, do fator subjetivo na transformao da sociedade, fizeram questo de desmascarar o que chamavam, sem meias palavras, de imprensa burguesa e de realar a necessidade da construo de veculos alternativos dos trabalhadores.Estes dois elementos, a denncia do carter de classe da imprensa capitalista e a defesa dos instrumentos prprios dos explorados, so as marcas principais destes intelectuais marxistas. Marx, Lnin e Gramsci dedicaram enorme energia ao trabalho jornalstico, escrevendo centenas de artigos e ajudando a construir vrios jornais democrticos e proletrios. Foram jornalistas de mo-cheia, produzindo textos que entraram para a histria. Sempre estiveram sintonizados com o seu tempo, pulsando a evoluo da luta de classes; nunca se descuidaram da forma, da linguagem, para melhor difundir os seus contedos revolucionrios.

Defesa da liberdade de expressoVtimas da violenta perseguio das classes dominantes, os revolucionrios nunca toleraram a censura dos opressores e foram os maiores defensores da verdadeira liberdade de expresso. A prpria ampliao da democracia foi decorrncia das lutas dos trabalhadores, j que nunca interessou reacionria burguesia. Mas os revolucionrios nunca confundiram esta exigncia democrtica com a proclamada liberdade de imprensa, to alardeada pela burguesia que controla os meios de produo e usa todos os recursos, legais e ilegais, ardilosos e cruis, para castrar a prpria democracia e o avano das lutas emancipadoras.Numa fase ainda embrionria do movimento operrio-socialista, Karl Marx logo se envolveu na atividade jornalstica. Aps concluir seu doutorado em filosofia, em 1841, ele pretendia seguir a carreira acadmica e ingressar na Universidade de Bonn, mas a brutal represso do governo prussiano inviabilizou tal projeto e o jovem filsofo alemo manteve seu sustento atravs do jornalismo. Em 1842, ingressou na equipe do jornal Gazeta Renana e virou o seu redator-chefe. Sob sua direo, este peridico democrtico triplicou o nmero de assinantes e ganhou prestgio, mas durou poucos meses e foi fechado pela ditadura prussiana.

Sem iluses na imprensa burguesaNa seqncia, entre 1848/49, passou a escrever no jornal Nova Gazeta Renana, que se transformou numa trincheira de resistncia ao regime autoritrio. Em menos de dois anos, Marx escreveu mais de 500 textos e tornou-se um articulista de sucesso. O combate ao cdigo de censura do governo prussiano resultou na proibio do jornal. Marx ainda escreveu para o Die Press e o New York Tribune sobre poltica, economia e histria. Era um jornalismo que revelava a minuciosa leitura de Marx, seu alto grau de informao no apenas sobre os fatos e conflitos, como tambm sobre os atores individuais e a prpria imprensa, relata Jos Onofre, na apresentao do livro recm-lanado Karl Marx e a liberdade de imprensa.Em sua defesa da liberdade de expresso, ele nunca vacilou na denncia da ditadura burguesa. Para ele, o jornal deveria ser uma arma de combate opresso e explorao e no um veculo neutro. A funo da imprensa ser o co-de-guarda, o denunciador incansvel dos opressores, o olho onipresente e a boca onipresente do esprito do povo que guarda com cime sua liberdade. Em outro texto, afirma: O dever da imprensa tomar a palavra em favor dos oprimidos a sua volta. O primeiro dever da imprensa minar todas as bases do sistema poltico existente. Por estas idias libertrias, ele foi processado e perseguido.

Poder do capital sobre a imprensaOutro que nunca se iludiu foi Vladimir Lnin. Atuando num perodo da ascenso revolucionria, ele foi ainda mais duro no combate aos jornais burgueses. Num texto intitulado a liberdade de imprensa do capitalismo, ele desnuda esta falcia. A liberdade de imprensa tambm uma das principais palavras de ordem da democracia pura. Os operrios sabem e os socialistas de todos os pases reconheceram-no milhares de vezes que esta liberdade um engano enquanto as melhores impressoras e os estoques de papel forem aambarcados pelos capitalistas, e enquanto subsistir o poder do capital sobre a imprensa.Com vista a conquistar a igualdade efetiva e a verdadeira democracia para os trabalhadores, preciso comear por privar o capital da possibilidade de alugar escritores, de comprar editoriais e de subornar jornais, mas para isso necessrio destruir o jugo do capital... Os capitalistas chamam sempre liberdade liberdade para os ricos de manterem seus lucros e liberdade para os operrios de morrerem fome. Os capitalistas denominam de liberdade de imprensa a liberdade de suborno da imprensa pelos ricos, a liberdade de usar a riqueza para forjar e falsear a chamada opinio pblica. Nada mais atual!Numa outra fase histrica, em que o setor da comunicao ainda no era um poderoso ramo da economia, Lnin chegou a se contrapor participao dos comunistas na imprensa burguesa. Poder-se- admitir que colaborem nos jornais burgueses? No. A semelhante colaborao se ope tanto as razes tericas como a linha poltica e a prtica da social-democracia... Dir-nos-o que no h regra sem exceo. O que indiscutvel. No se pode condenar o camarada que, vivendo no exlio, escreve num jornal qualquer. por vezes difcil criticar um social-democrata que, para ganhar a vida, colabora numa seo secundria de um jornal burgus. Mas, para ele, tais casos deveriam ser encarados como exceo e com princpios.

Boicote, boicote, boicotePara encerrar este bloco, que evidencia que os marxistas nunca nutriram iluses sobre o carter de classe da imprensa burguesa e nem se embasbacaram com o seu poder de seduo, vale reproduzir uma longa citao de Antonio Gramsci, o revolucionrio italiano de padeceu onze anos nos crceres. No texto Os jornais e os operrios, escrito em 1916, ele faz uma conclamao aos trabalhadores que bem poderia servir para uma campanha contra a revista Veja e outros veculos da mdia brasileira na atualidade:Para ele, a assinatura de jornal burgus uma escolha cheia de insdias e de perigos que deveria ser feita com conscincia, com critrio e depois de amadurecida reflexo. Antes de mais, o operrio deve negar decididamente qualquer solidariedade com o jornal burgus. Deveria recordar-se sempre, sempre, sempre, que o jornal burgus (qualquer que seja sua cor) um instrumento de luta movido por idias e interesses que esto em contraste com os seus. Tudo o que se publica constantemente influenciado por uma idia: servir classe dominante, o que se traduz sem dvida num fato: combater a classe trabalhadora. E, de fato, da primeira ltima linha, o jornal burgus sente e revela esta preocupao.Todos os dias, pois, sucede a este mesmo operrio a possibilidade de poder constatar pessoalmente que os jornais burgueses apresentam os fatos, mesmo os mais simples, de modo a favorecer a classe burguesa e a poltica burguesa em prejuzo da poltica e da classe operria. Rebenta uma greve! Para o jornal burgus os operrios nunca tm razo. H uma manifestao! Os manifestantes, apenas porque so operrios, so sempre tumultuosos e malfeitores. E no falemos daqueles casos em que o jornal burgus ou cala, ou deturpa, ou falsifica para enganar, iludir e manter na ignorncia o pblico trabalhador. Apesar disso, a aquiescncia culposa do operrio em relao ao jornal burgus sem limites. preciso reagir contra ela e despertar o operrio para a exata avaliao da realidade. preciso dizer e repetir que a moeda atirada distraidamente um projtil oferecido ao jornal burgus que o lanar depois, no momento oportuno, contra a massa operria. Se os operrios se persuadirem desta elementar verdade, aprenderiam a boicotar a imprensa burguesa, em bloco e com a mesma disciplina com que a burguesia boicota os jornais operrios, isto , a imprensa socialista. No contribuam com dinheiro para a imprensa burguesa que vos adversria: eis qual deve ser o nosso grito de guerra neste momento, caracterizado pela campanha de assinatura de todos os jornais burgueses: Boicotem, boicotem, boicotem!.

Construtores da imprensa revolucionriaExatamente por no nutrirem iluses na imprensa burguesa, Marx, Lnin e Gramsci sempre investiram na construo de instrumentos prprios das foras contrrias lgica do capital. Segundo o bigrafo David Riazanov, a Nova Gazeta Renana tratava de todas as questes importantes, de sorte que o jornal pode ser considerado um modelo de peridico revolucionrio. Nenhum outro peridico russo nem europeu chegou altura da Nova Gazeta... Seus artigos no perderam nada de sua atualidade, de seu ardor revolucionrio, de sua agudeza na anlise dos acontecimentos. Ao l-los, sobretudo os de Marx, acreditamos assistir histria da revoluo alem e da revoluo francesa, to vivo o estilo, como profundo o sentido.J Lnin, que viveu numa fase de efervescncia revolucionria, dedicou boa parte das suas energias para construo de jornais socialistas dos mais diferentes tipos, sempre sintonizados com a evoluo da luta de classes. Iskra, Vperiod, Pravda, Proletari, Rabotchaia Pravda, Nievskaia Svesd, entre outros jornais organizados e dirigidos por ele, serviro para agregar as foras de esquerda, fazer agitao nas fbricas, aprofundar os debates ideolgicos e construir o partido. Na sua mais clebre definio, Lnin sintetizou:O jornal no apenas um propagandista coletivo e um agitador coletivo. Ele , tambm, um organizador coletivo. Neste ltimo sentido, ele pode ser comparado com os andaimes que so levantados ao redor de um edifcio em construo, que assinala os contornos, facilitam as relaes entre os diferentes pedreiros, ajudam-lhes a distriburem tarefas e a observar os resultados gerais alcanados pelo trabalho organizado. A reacionria burguesia russa logo entendeu o perigo representado por estes jornais, tanto que os reprimiu ferozmente. No caso do Pravda, de um total de 270 edies, 110 foram objeto de aes judiciais e os seus redatores foram condenados a um total de 472 anos de priso. Mas isto no abrandou o seu vigor!

Atualidade das noes marxistasNo caso de Gramsci, o longo perodo de crcere dificultou a sua atividade jornalstica e castrou seu desejo de organizar a imprensa operria. Antes da priso, ele editou vrios jornais de fbrica e empenhou-se na difuso do Ordine Nuovo. Na sua rica elaborao sobre o papel dos intelectuais e a luta pela hegemonia, ele chega a afirmar que, em momentos de crise, o jornal pode funcionar como partido poltico, ajudando a desnudar a ideologia dominante e a construir a ao contra-hegemnica do proletariado. Para ele, o momento da desconstruo do velho , ao mesmo tempo, o da construo do novo.As contribuies de Gramsci servem para desmistificar o papel da mdia hoje, mantendo impressionante atualidade. Para ele, a imprensa burguesa um aparelho privado de hegemonia, capaz de disputar os rumos da sociedade por meio de uma verdadeira guerra de posies em todas as trincheiras ideolgicas. Atravs da imprensa privada e mercantil, que objetiva o lucro e que faz da notcia uma mera mercadoria, a burguesia tenta se aparentar como representante da esfera pblica. Alm disso, em momentos de crise da ideologia dominante e de fratura dos partidos burgueses, a imprensa se apresenta como o partido do capital, que organiza e amalgama os interesses das vrias fraes de classe da burguesia.

Exposio apresentada durante o 12 Curso Anual do Ncleo Piratininga de Comunicao (CNC), em 02 de dezembro, no Rio de Janeiro.Altamiro Borges jornalista, membro do Comit Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro As encruzilhadas do sindicalismo (Editora Anita Garibaldi, 2 edio).