Almanaque Chuva de Versos n, 401

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Índice Mensagem na Garrafa Mário Quintana O tempo ................................ ................................ ...... 3 Chuvisco Biográfico ................................ ......................... 3 Chuva de Versos ................................ ........................... 5-15 Poeta Homenageada Isabel C. S. Vargas ................................ .................... 6-15 Chuvisco Biográfico ................................ ....................... 16 Trovador Homenageado Frazão Teixeira ................................ ............................. 17 Chuvisco Biográfico ................................ ....................... 20 Trilussa O Porco ................................ ................................ ......... 20 Chuvisco Biográfico ................................ ....................... 21 José Marins Novelo de Haicais ................................ .......................... 22 Álvaro Mariel Posselt José Marins, Um haicaísta paranaense ......................... 24 Chuvisco Biográfico do Álvaro ................................ ....... 28 Folclore Indígena Brasileiro Taulipang A Onça e o Raio ................................ ............................ 28 Mário de Andrade Vestida de Preto ................................ ............................ 30 Chuvisco Biográfico ................................ ....................... 36 Deonísio da Silva Expressões e Suas Origens Parte VII ........................... 37

Chuvisco Biográfico ................................ ....................... 41 Um Conto da Etiópia Praline Gay-Para Quem é o Rei? ................................ ......................... 41 Jorge de Andrade A Moratória ................................ ................................ .... 43 Chuvisco Biográfico ................................ ....................... 49 Teatro de Ontem, de Hoje, de Sempre Dois Perdidos numa Noite Suja ................................ ..... 50 Carolina Ramos Lurdeca ................................ ................................ ......... 51 Chuvisco Biográfico ................................ ....................... 53 Kárpio Márcio de Siqueira Literatura Inglesa: Da Origem ao Período Pré-Renascentista, Um Panorama das Identidades Simbólicas e Ideológicas .. 54 Chuvisco Biográfico ................................ ....................... 61 Fábulas Sem Fronteiras Tailândia O Ladrão de Sonhos................................ ................. 61 Estante de Livros Rita Chaves Angola e Moçambique: Experiência Colonial e Territórios Literários................................ ................................ ............. 62 Chuvisco Biográfico de Adelto Gonçalves ..................... 65 Chuvisco Biográfico de Rita Chaves .............................. 65 Concurso de Trovas da UBT de Taubaté-SP .................. 66 II Concurso Literário Foed Castro Chamma – 2015 ....... 67

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Mário Quintana

O Tempo

A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa. Quando se vê, já são seis horas! Quando de vê, já é sexta-feira! Quando se vê, já é natal... Quando se vê, já terminou o ano... Quando se vê perdemos o amor da nossa vida. Quando se vê passaram 50 anos! Agora é tarde demais para ser reprovado... Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.

Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas... Seguraria o amor que está a minha frente e diria que eu o amo... E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo. Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz. A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará.

Mario de Miranda Quintana nasceu na cidade de Alegrete (RS), no dia 30 de julho de 1906. Trabalhou na farmácia da família. Foi matriculado no Colégio Militar de Porto Alegre, em regime de internato, no ano de 1919. Começa a produzir seu s primeiros trabalhos, que são publicados na revista Hyloea, órgão da Sociedade Cívica e Literária dos alunos do Colégio. Por motivos de saúde, em 1924 deixa o Colégio Militar. Emprega-se na Livraria do Globo, onde trabalha por três meses. Seu conto, A Sétima Personagem, é premiado em concurso promovido pelo jornal Diário de Notícias, de Porto Alegre. Em 1929, começa a trabalhar na redação do diário O Estado do Rio Grande. No ano seguinte a Revista do Globo e o Correio do Povo publicam seus poemas. Na Livraria do Globo trabalha sob a direção de Érico Veríssimo, em 1936. Em 1939, Monteiro Lobato lê doze quartetos de Quintana na revista lbirapuitan, de Alegrete, e escreve-lhe encomendando um livro. Com o título Espelho Mágico o livro vem a ser publicado em 1951, pela Editora Globo.

A primeira edição de seu livro A Rua dos Cataventos, é lançada em 1940 pela Editora Globo. Obtém ótima repercussão e seus sonetos passam a figurar em livros escolares e antologias. Em 1951 é publicado, pela Editora Globo, o livro Espelho Mágico, uma coleção de quartetos, que trazia na orelha comentários de

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Monteiro Lobato. Em 1962, sob o título Poesias, reúne em um só volume seus livros A Rua dos Cataventos, Canções, Sapato Florido, espelho Mágico e O Aprendiz de Feiticeiro, tendo a primeira edição, pela Globo, sido patrocinada pela Secretaria de Educação e Cultura do Rio Grande do Sul. A Câmara de Vereadores da capital do Rio Grande do Sul — Porto Alegre — concede-lhe o título de Cidadão Honorário, em 1967. Em 1968, Quintana é homenageado pela Prefeitura de Alegrete com placa de bronze na praça principal da cidade, onde estão palavras do poeta: "Um engano em bronze, um engano eterno". Falece, em Porto Alegre, no dia 5 de maio de 1994, próximo de seus 87 anos, o poeta e escritor Mario Quintana. Escreveu Quintana: "Amigos não consultem os relógios quando um dia me for de vossas vidas... Porque o tempo é uma invenção da morte: não o conhece a vida - a verdadeira - em que basta um momento de poesia para nos dar a eternidade inteira".

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Chuva de Versos

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Uma Trova de Curitiba/PR

Elizabeth Mengelberg

Eu sonhava sonhos tristes nos quais eu nunca vivi,

pois durante o sonho inteiro eu só pensava era em ti!

Uma Trova de Belo Horizonte/MG

Adênis Bergamaschi

Ao lado da namorada, pescava com alegria,

embora sem pegar nada, que peixão ele trazia!

Um Poema de Pelotas/RS

Isabel C. S. Vargas

UM SORRISO DESARMA

O sorriso é a porta de acesso à alma. Derruba barreiras intransponíveis

Criadas pela intransigência e incompreensão. Sorrir é dar as boas vindas sem palavras.

A criança sorri inocente e natural

Conquista, enleva, cativa

Anula qualquer mau humor Cria alegria ao seu redor.

Um sorriso estabelece uma conexão afável

Entre dois seres que se encontram Podem ser conhecidos ou estranhos

Assim iniciam muitos relacionamentos.

Ao enfermo muitas vezes basta um sorriso, A criança machucada quer um sorriso e um afago

O idoso entristecido o que mais deseja é um sorriso De acolhimento, gratidão ou carinho.

O estranho não se sente assim Ao ser recebido com um sorriso

Pelas pessoas que o recebem Ao adentrar um ambiente.

Quem trabalha com pessoas

Em ambientes de tensão O melhor presente que pode ofertar

É um sorriso de compreensão.

Sorriso não é bem material Sorriso não é remédio

Mas é o bálsamo mais desejado Por todos que estão angustiados.

Quem desejar viver em paz e harmonia

Não aceite uma provocação, não retruque Nem use palavras ásperas.

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Coloque seu melhor e mais lindo sorriso no rosto.

Uma Trova Humorística de Vila Velha/ES

Albércio Vieira Machado

– Viste que broche ofuscante traz ela preso ao vestido?

Muito lindo! É diamante?… – Não, meu bem, é do marido!…

Uma Trova do Rio de Janeiro/RJ

Alda Pereira Pinto

Propaganda nunca faças do bem que fizeste a alguém,

mas alto repete as graças dos que te fizeram bem.

Um Poema de Pelotas/RS

Isabel C. S. Vargas

SOU

Sou pouco e sou muito. Sou um simples ser mortal,

Sou o sopro divino que habita em todos nós. Sou minha carga genética,

Sou o que vivencio,

Sou o meio que me acolhe, Sou minhas escolhas Sou o tanto de sonho

Que me torna sempre viva, As recordações que me inspiram,

A esperança que me empurra para frente, A voz que ora fala, ora grita

E, muitas vezes, silencia Para não espantar os que me cercam.

Sou essa voz interior Que nas piores horas sussurra em meu ouvido, Dá-me força, levanta-me e não deixa sucumbir.

Uma Quadra Popular

Autor Anônimo

Você diz que bala mata, bala não mata ninguém, a bala que mais me mata são os olhos de meu bem.

Uma Trova Hispânica da República Dominicana

Claudio Garibaldy Martínez

Juventud eres espejo en donde se mira el alma, si quieres llegar a viejo:

consejo, prudencia y calma.

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Um Poema de Pelotas/RS

Isabel C. S. Vargas

NOTURNO

O céu noturno chora sobre o telhado Compadecido de minha solidão.

Uma, duas, três lágrimas, A princípio, furtivas,

Iniciam o prelúdio de uma sinfonia Que aos poucos ecoa sonora

Preenchendo o silêncio da noite, Espantando os grilos de meus pensamentos,

Os vaga-lumes de minha lucidez, As tormentas de meu coração.

Com os instrumentos afinados da orquestra, Alternando notas musicais.

No pranto simultâneo Descarrega as impurezas

Cega meus sentidos Impedindo-me de ver O raiar da esperança

Em um novo dia que desponta.

Trovadores que deixaram Saudades

Helvécio Barros Macau/RN 1909 – 1995 Bauru/SP

Fui pela vida cantando

cantigas de alacridade... - Agora, vejo, chorando,

que a própria vida é saudade!

Uma Trova do Rio de Janeiro/RJ

Elpídio Reis

Que seria deste mundo, não fosse o livro existir? Seria treva o passado,

um sol sem brilho o porvir!

Um Poema de Pelotas/RS

Isabel C. S. Vargas

VOCÊ PRA MIM É ...

A recordação mais linda. O maior exemplo de amor,

Dedicação, respeito, honestidade de caráter, Determinação para suplantar dificuldades

E, atingir objetivos.

Você para mim é...

O anjo de luz que habitou entre nós Para trazer alegria, fé, esperança no ser humano

Pelo carinho e dedicação demonstrados Com as pessoas idosas, com a família e,

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Pela fidelidade às pessoas a quem amavas.

Você para mim é...

A ausência maior em minha vida A saudade mais forte

Ao mesmo tempo, A mais terna e mais doce.

O amor que permanecerá em mim Por toda a eternidade.

Uma Trova de Santos/SP

Galileo Santana

Na doce infância encantada – a idade nunca esquecida - rompe risonha a alvorada da manhã de nossa vida!

Um Haicai de Curitiba/PR

Alice Ruiz

Não imite os antigos. Continue buscando

O que eles buscavam.

Um Poema de Pelotas/RS

Isabel C. S. Vargas

BOM DIA À VIDA

Da janela de meu quarto, Ensolarado ao nascer do dia, Descortina-se agradável vista

Capaz de alegrar o amanhecer,

Meus olhos encantam-se Com a profusão de cores,

Um arco-íris em terra A indicar motivos para sorrir.

Para completar a beleza do dia Sonoros cantos dos pássaros

A chamar-me à vida: - Bentevi! Bentevi! Bentevi!

Seriam estas benesses da natureza

Suficientes para eu exclamar bom dia Para outrem ou para mim mesmo.

Mas outros pássaros revoam fazendo-me feliz.

Quando observo tal cenário Graças dou ao Divino criador Por viver em meio à natureza

Que transborda meu coração de paz.

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Uma Trova de Salvador/BA

Ionor Célia Freire Ramos Dias

Sempre temi perecer

nas ondas verdes do mar, sem, ao menos, perceber que a vida vai me afogar.

Uma Quadra de Campo do Brito/SE

Flávio Aquino Chagas

O sol nasce pra todos, nós sabemos, mas todos os que querem trabalhar.

Os homens preguiçosos, nós só vemos à toa, mundo afora, a reclamar.

Um Poema de Pelotas/RS

Isabel C. S. Vargas

DOCES GUERREIRAS

Desejo falar sobre as mulheres de agora, Mas que carregam em si muito daquelas de outrora,

Identificadas nos anseios, Nos sonhos, nas dores.

Nas vitórias e nas derrotas, Nos amores e desamores,

Na doação irrestrita aos filhos, Na batalha constante pela sobrevivência

Para provar dia após dia, Seu valor e competência.

Mulher forte, mulher guerreira Ao mesmo tempo delicada como flor.

Prioriza o amor, sem ele não sabe viver Capaz de suportar maior dor ,

Sempre com sorriso aberto Para cumprir sua grande missão

De ser a semeadora do amor Em todas suas facetas:

Amor maternal,amor filial, Amor fraternal,amor romântico

Mulher de muitos amores Mulher amor–perfeito.

Uma Trova de Baixa Grande/BA

José Miranda de Amorim

De acidentes de automóvel não há mais quem se previna,

pois estão alcoolizados motorista e gasolina…

Uma Sextilha de Natal/RN

José Lucas de Barros

Todos nós recordamos com saudade os encantos do tempo de criança;

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alguns lances tentamos esquecer, porém outros guardamos na lembrança,

porque o certo é vivermos o presente, aspirando a um futuro de esperança.

Um Poema de Pelotas/RS

Isabel C. S. Vargas

APRENDENDO COM A NATUREZA

Transformações ocorrem Sob nossos olhos desatentos.

Perdemos um gratuito aprendizado Que a mãe natureza nos oferece

A cada troca de estação. É outono.

Com sabedoria ele nos ensina O despojamento, o desapego

Tão necessários para prosseguirmos Renovados e fortes.

As folhas outrora verdejantes, Levemente, vão caindo ao solo,

Ofertando-nos um lindo tapete natural Para amaciar nossos passos. Os galhos nus nos ensinam

Que tudo aquilo que é exterior, Um dia vai embora.

Para renovar a vida, a esperança Os ciclos da vida.

Em todos eles encontramos

Beleza, ensinamento e aprendizado Para quem tem olhos sensíveis

Humildade e disposição Para aprender com a natureza.

Um Haicai de São Paulo/SP

Cláudio Daniel (Claudio Alexandre de Barros Teixeira)

chuva de cristal

nos campos secos — lágrimas do cão?

Uma Trova de Aracaju/SE

José Olino de Lima Neto

Com teu cabelo comprido, da cor dos raios do sol, quisera eu ser envolvido como num áureo lençol.

Um Poema de Pelotas/RS

Isabel C. S. Vargas

SINFONIA À LIBERDADE

Orquestra de sons magistrais Gratuita e diária

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Fazem de meu amanhecer Momento único e abençoado.

Sem ingresso e sem tempo definido, Ouço os pássaros a cantar

Saudando o dia que amanhece Recepcionando o sol ou a chuva

Com sabedoria louvando a ambos Indispensáveis para a sobrevivência.

Alimento-os diariamente. Livres descem ao solo

Para provar o alimento. Como recompensa vôos rasantes Passeios ao solo, alegre cantar,

Colorida revoada. Sem temor dividem o alimento

E espaço com meus cães. O gato espreita do telhado em silenciosa visita,

Liberdade total. Constante ir e vir

Sem medo de aprisionamento. O amor não permite grilhões.

Recordando Velhas Canções

Mudando de conversa (samba, 1969)

Maurício Tapajós e Hermínio Bello de Carvalho

Mudando de conversa onde foi que ficou

Aquela velha amizade

Aquele papo furado todo fim de noite Num bar do Leblon

Meu Deus do céu, que tempo bom! Tanto chopp gelado, confissões à beça

Meu Deus, quem diria que isso ia se acabar E acabava em samba

Que é a melhor maneira de se conversar

Mas tudo mudou, eu sinto tanta pena de não ser a mesma

Perdi a vontade de tomar meu chopp, de escrever meu samba

Me perdi de mim, não achei mais nada

O que vou fazer?

Mas eu queria tanto, precisava mesmo de abraçar você

De dizer as coisas que se acumularam Que estão se perdendo sem explicação E sem mais razão e sem mais porque

Mudando de conversa onde foi que ficou Aquela velha amizade

Aquele papo furado todo fim de noite Num bar do Leblon

Meu Deus do céu, que tempo bom!

Tanto chopp gelado, confissões à beça Meu Deus, quem diria que isso ia se acabar

E acabava em samba Que é a melhor maneira de se conversar

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Nota A personagem indaga sobre “aquela velha amizade, aquele papo furado todo fim de noite num bar do Leblon”, lamentando a ausência dessas amenidades em sua vida atual. Este é o tema de “Mudando de Conversa”, um samba moderno, romântico, um pouco nostálgico e tipicamente carioca. Só que a composição nasceu, não em um bar do Leblon, mas, na legendária Taberna da Glória, no bairro homônimo. Conta Hermínio que ele e o parceiro, Maurício Tapajós, haviam passado a noite trabalhando, em seu apartamento, em cima de uma sugestão de Cacaso que resultaria na ópera popular “João-Amor e Maria”. De manhã cedinho, a dupla desceu para o desjejum na Taberna, sendo o café-com-leite logo substituído pelo chope gelado, no momento em que surgiu a idéia do samba. “A ópera foi um fiasco”, informa o poeta, “mas ‘Mudando de Conversa’, um grande sucesso”. Tanto sucesso, que daria nome a um musical com Clementina de Jesus, Nora Ney, Ciro Monteiro, Jards Macalé, o conjunto Os Cinco Crioulos e um regional comandado pelo Mestre Dino. Embora destinado a Ciro Monteiro, que àquela época tinha uma preguiça enorme para aprender músicas novas, o samba acabou sendo gravado por Dóris Monteiro, em atenção a um pedido de Milton Miranda, diretor da Odeon. Fonte: Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello . A Canção no Tempo. v. 2

Uma Trova de Recife/PE

Margarida de Souza Menezes

Alegre e cheia de vida, dás calor ao ambiente.

Mas quando te vais, querida, o inverno cai de repente!

Um Poema de Pelotas/RS

Isabel C. S. Vargas

VIDA

Recem-nascida Vida frágil

Cercada de amor Vida

Que se cuida Para desabrochar

Vida Que cresce

Que enobrece Que dá asa aos sonhos

Que voam alto Sem limites Sem timidez

Vida Que poda sonhos Destrói ilusões Afasta pessoas

Semeia discórdia Arranca seres

De nossas entranhas Semeia morte

Destruição Vida?

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Um Haicai de São Paulo/SP

Eunice Arruda

Extático vôo Borboletas de asas abertas

Alfinetes nas costas

Uma Trova de Sete Lagoas/MG

Maria Auxiliadora Matos de Melo

Penso no mundo tão triste,

mas nunca perco a esperança, contemplando a paz que existe

no sono de uma criança.

Um Poema de Pelotas/RS

Isabel C. S. Vargas

LUA

Lua Nua

Tímida Deitada

No céu flutua Sorri

Encabulada Envergonhada

Pelo ardor do sol Que espia e,

Lentamente se esconde.

Hinos de Cidades Brasileiras

Serra Azul/SP

Serra Azul, és bandeirante Impoluta luz e cor

No Trabalho és triunfante Na fé, no arrojo e vigor.

Na fonte emergente, do teu carnaval Fulguras ao sol, o sagrado brasão

Imaculado de beleza invulgar No campo tens o verde do nosso pavilhão.

Brilha as águas do rio pardo a alvorada

Reluz as estrelas no orvalho que o céu verteu As Flores são aves que pousam nas matas

As aves são flores que voam no céu.

A mais linda da terra Paisagem de belezas mil

Tua gente a tua serra Orgulho do Brasil.

Serra Azul cidade tesouro

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És o paraiso em flor Onde os beijos do sol germinam o ouro Os beijos das famílias cultivam o amor.

Sim! Tanta beleza Neste torrão natal

Que não sonha um poeta E nem canta um mortal.

Glória ao Espírito Santo

Cheia de graça e luz Abrigada pelo Divino Manto

No langor que a conduz.

Uma Trova de Porto Alegre/RS

Maria Dornelles da Costa

A minha trova é uma flor que nasce à beira da estrada,

suspiro de trovador perfumando a madrugada.

Um Poema de Pelotas/RS

Isabel C. S. Vargas

SOMOS POETAS...

Quem somos? Seres sensíveis? Pessoas com sentido apurado,

Que gostam de gente Independente de cor, raça, classe, ou definição.

Alguém capaz de interpretar sentimentos, Decifrar momentos, entender carências

Identificar prepotência falta de prudência, Inocência, ou descaramento.

Alguém capaz de captar transmitir Ou fingir tudo?

Habilidoso com as palavras, De coração aberto, olhos que tudo percebe?

Poeta é alguém Que à semelhança de uma folha em branco

Absorve tudo que observa ou sente E nela grava com habilidade

Sensatez, sentimento e sutileza aquilo que captou E que vai tocar os sentimentos alheios,

Transformado em arte, poesia, literatura. Nós poetas podemos ser mágicos,

Fotógrafos de sentimentos, Tradutores de almas,

Transmissores de emoções.

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Chuvisco Biográfico da Poetisa

Isabel Cristina Silva Vargas, é professora, advogada, jornalista, aposentada do serviço público, Licenciatura em Direito e Legislação e Legislação aplicada, Pós-graduação em Sociologia, Capacitação em Direitos Humanos, Especialista em Linguagem Verbal, Visual e suas Tecnologias, Aperfeiçoamento em Produção de Material didático digital para a Diversidade. Formada em Inglês e italiano. Curso de extensão em Francês. Especialista em Linguagens, escritora (contos, crônicas, poesia), residente em Pelotas/RS Participante de mais de duas centenas de livros, além de revistas literárias impressas e mais de trezentas publicações no Diário da Manhã – Pelotas/RS. Várias premiações entre elas a publicação de livro solo Pedaços de Mim. E-book Orvalho da Alma e o mais recente Sentimentos. Publicação de livro solo nº 23 da Coleção Acadêmicos Honorários da ALLB-RJ. Membro dos Poetas Del Mundo, da Academia Virtual Sala de Poetas e Escritores (AVSPE), Confrades da Poesia, Portal CEN, Portal FENIX, da BVEC, Portal Unión Hispanomundial, Associação Internacional de Poetas, Embaixadora do Círculo Universal dos Embaixadores da Paz, Acadêmica Correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni/ALTO, Acadêmica Correspondente da ALAF, Acadêmica Honorária do 1º Colegiado de Escritores Brasileiros, da Literária Academia Lima Barreto-RJ tendo sido conferido o Diploma de Distinção Literária, Acadêmica correspondente da Academia de Letras do Brasil, Seção/Bahia, Membro da AGES - Associação Gaúcha de Escritores, Projeto Stéphanos, Grupo Á.g.u.i.a.

Organizadora da Antologia Despertar para a Celeiro de Escritores onde realizou revisões, prefácios e participou de vários livros. Escreveu artigos sobre Legislação Trabalhista que foram publicados no Jornal Diário da Manhã de Pelotas, na década de 90. Posteriormente, em 2004, crônicas que foram publicadas no Diário da Manhã. Algumas em outro jornal local e também alguns textos na Zero Hora na internet. Primeiro lugar em Contos (Sorte Selada), 2º lugar em crônicas (Entre beija-flores e bentevis) e 3º lugar em Poesia no II Concurso Internacional Florada das Emoções do SIte Celeiro de Escritores.org; Menção Honrosa em Concurso realizado pela Secretaria de Cultura de Pelotas, Menção Honrosa em Concurso Literário Realizado pelo Centro Literário Pelotense, Menção Honrosa em Concurso realizado pela Editora Literacidade em Poesia e Conto, 1º lugar em crônica em concurso( XVI) realizado pelas ALPAS XXI, destaque em crônica e conto (2011) , Destaque em conto e poesia no XV concurso realizado pela ALPAS XXI. Home-page que possui: www.isabelcsvargas.com, www.isabelcsvargas.blogspot.com e www.icsvargas.blogspot.com

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Aliança de ouro – esperança

de horas risonhas e puras, se une o casal na bonança

une-o também nas agruras.

A minha vida era triste,

da solidão era presa, mas tu chegaste e sorriste,

e lá se foi a tristeza.

A Morte nos leva à porta do céu, quando Deus nos chama;

se somos maus, não importa, – no céu entrará quem ama.

A razão tem seus ditames

que o coração não compreende; ela te diz que não ames,

e o coração não atende.

A sorte deu-me um tesouro

de inestimável valor; não foi nem prata, nem ouro,

apenas foi teu amor.

A trova é manto que teço com fios de desenganos; depois com ela eu aqueço

minha alma ao passar dos anos.

A trova é um bem que se almeja

em quatro versos oculto, mas, para mim, talvez seja

um sonho morto insepulto.

Cultivo este gesto lindo de ser útil por prazer,

pois penso que dar sorrindo é melhor que receber.

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É grande espelho este mundo:

– se ris ele também ri, se odeias, ódio profundo

verás em torno de ti.

Eu hoje vivo cantando, feliz da vida, porque

eu sinto que estou amando, e meu amor é você.

Há ternura em teu olhar e calor nos lábios teus, quando vens depositar

teu beijo nos lábios meus.

Não espere em alvoroço para não se lamentar;

“a esperança é bom almoço mas também um mau jantar.”

Não lamente os dissabores;

cicatrizada a ferida, sempre se aprende nas dores

dos maus embates da vida.

Não se faz trova, ela existe já feita como o carvão;

ser, pois, trovador consiste em abrir o coração.

No outono da vida, o amor, entre as dádivas divinas, parece ser como a flor

nascida junto às ruínas.

Nuvens são trovas ao léu, que nos primeiros albores

Deus coloriu lá no céu em tons de todas as cores.

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O barco se despedindo

singra no rumo perfeito, e esta saudade surgindo

também singra no meu peito.

Ponha amor no coração e nos lábios um sorriso;

para ser feliz, então nada mais será preciso.

Tal como uma flor colhida,

cujo aroma nos invade, emana da despedida

o perfume da saudade.

Tudo que nos acontece uma causa deve ter;

amor enfim me parece a causa de eu te querer.

Frazão Teixeira nasceu em Bagé/RS, no dia 27 de outubro de 1902, filho de Ernesto Joaquim Teixeira e Úrsula de Carvalho Teixeira. Estudou no Colégio Militar e na Escola Militar. Estudou Medicina, sem concluir o curso em 1922. Entre 1922 e 1930, ganhou a vida como apontador de fábrica, professor do curso secundário e funcionário do Banco do Brasil. Em 1930, voltou ao exército. Colaborou na Revista Defesa Nacional, sobre assuntos militares. Não tem livros publicados.

Trilussa O Porco

Uma das fábulas mais traduzidas, de Trilussa, é a que se refere ao porco desejoso de abandonar a vida do chiqueiro e que tentou adaptar-se ao luxo nos salões

da alta sociedade. A melhor dessas traduções é a da lavra de Paulo Duarte:

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Um velho porco disse, um dia, à vaca: - À minha vida suja vou dar fim.

Para isso, é só meter-me na casaca, E a cartola, a luneta e o borzeguim

farão o resto. Vou para a cidade, onde me insinuarei no alto escol,

em meio à nata e a flor da sociedade, que isto aqui não vale um caracol.

Com tal coisa metida na cabeça, se bem disse, melhor o porco fez.

Ao chá dançante foi, de uma condessa, onde bebeu, dançou, falou francês.

Metendo-se no meio da alta roda,

e com ela gozando o vinho e o amor,

vários dias o porco andou na moda, parecendo um autêntico senhor.

Mas…não se sabe que reviravolta Houve, que regressou dias depois.

- Como? - pergunta a vaca - já de volta? Outra vez entre porcos e entre bois?

Não se deu bem com a aristocracia? – O que vi, ninguém pode calcular, respondeu, – pois vi tanta porcaria

que não pude por lá me acostumar. Fonte: SOUSA, Sávio Soares de. Novas fábulas de Trilussa. Seção Nozes & Vozes. in Revista Bali - ano XIX - nr 201 - novembro de 2007 - Itaocara, RJ - p.3 e 5

O fabulista italiano Carlos Alberto Salustri, usava o pseudônimo de Trilussa. (Roma, 26 de outubro de 1871 - 21 de dezembro de 1950) foi muito conhecido e aplaudido em todo o mundo, principalmente no Brasil, na década de 30 do século passado. Sua ironia mordaz não poupava as vaidades e as pretensões humanas do seu tempo, evidentes e reconhecíveis sob a máscara de bichos humanos e selváticos. Advogados, magistrados, diplomatas, religiosos, políticos, governantes e governados - eram o alvo certeiro de suas sátiras bem imaginosas, escritas em dialeto romanesco, uma espécie de gíria da capital italiana

.

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José Marins

Novelo de Haicais

livro “Bico de João-de-barro”:

PRIMAVERA:

Saudades e flores

no cemitério antigo Dia de Finados

VERÃO:

Calor de verão

a trabalheira que dá ter essa preguiça

OUTONO:

Risadas do piá

aroma de mexericas na foto não sai

INVERNO

Tardinha de inverno

as letras do dicionário parecem menores

livro Karumi:

PRIMAVERA:

Voam andorinhas -

na moldura da janela uma tarde azul

VERÃO:

Círculo sem fim

uma formiga no prato não consegue sair

OUTONO:

Velho casarão

os crisântemos florescem também no abandono

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INVERNO:

Vapor sobre o lago que ontem refletia a lua –

manhã de inverno

livro “Poezen”:

NOITE:

Anoitece o dia colar de pérolas

na fileira dos postes

Nenhuma estrela no céu as pintas de suas costas

me iluminam

MADRUGADA:

Madrugada chegando naquele prédio

a penúltima luz se apaga

Olho estrelas no céu distraído mijo sobre

azaléia florida

MANHÃ:

Sobre o velho muro

velho pessegueiro cheio de flores novas

Pacientes as nuvens vão mudando sempre

o rosto azul do céu

TARDE:

Sombra da árvore o dia parou

pra descansar

Ônibus lotado meus olhos cheios de rostos cansados

e-book 36 Haicais sobre o Inverno:

lá vem o gari –

o plátano ainda com tantas folhas secas

ah, Festa junina –

nossa alegria antiga de casal caipira

suas mãos em concha

ganham flores de ipê-rosa – uma nos cabelos

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livro A Lâmpada e as Estrelas:

o branco flutua na lonjura do horizonte -

campo de algodão

por que tanto pia? o gaviãozinho no azul na manhã de outono

céu de lua cheia –

ondas se quebram na praia espalhando brilho

maio que se vai –

a mulher reclama do breve veranico

sem nenhuma folha

os galhos da magnólia floridos de roxo

o rigor do inverno

o pigarro que peguei é feito o do pai

Álvaro Mariel Posselt

José Marins, Um haicaísta paranaense

José Marins é paranaense de Jandaia do Sul,

mas se criou em Umuarama, noroeste do estado. Veio para Curitiba quando tinha 18 anos e mora na cidade há 35 anos. “Curitibanizou-se”, criou raízes e asas, onde das asas só possui agora o coto, pois diz ser uma pessoa caseira, um provinciano que não gosta da metropolização de Curitiba e se sente esmagado pela explosão demográfica, porém, brinca o haicaísta, busca

o universo em sua aldeia. É casado com uma curitibana e tem um filho.

Formou-se em Psicologia Clínica pela UFPR, é psicoterapeuta de profissão, fez duas pós-graduações, em Educação e Antropologia e Mestrado pela UFPR (a biblioteca da UFPR e a Divisão de Documentação Paranaense da BPP têm exemplares de sua Dissertação de Mestrado). Desistiu da carreira acadêmica. Tem licença de jornalista e editor por trabalhos anteriores

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nestas áreas. Atualmente busca a Literatura como um caminho de desafios, desafios estes que o estimulam a prosseguir. É um autodidata dedicado, gosta de estudar e de praticar o que aprende.

Seu primeiro contato com a poesia foi logo aos 10 anos de idade, em 1963. Ele não conseguira gostar de nada do que lera nos livros escolares, até que nessa época leu uma crônica de Paulo Mendes Campos na Revista Manchete e nunca mais foi o mesmo, descobriu a verdadeira função poética da linguagem escrita. A prosa poética de Campos tocou-o: “então é possível a beleza com a escrita”, lembra-se. Feliz foi a sua descoberta, acabou lendo todas as crônicas de Paulo Mendes que foram publicadas naquela revista.

MARINS (2007) lamenta que nunca teve bons professores de Português, que nunca esteve numa escola que tivesse uma biblioteca. Em casa também não tinha livros, mas mesmo assim ele lia bastante, o que aparecia pela frente ele lia, os gibis também fizeram parte de sua leitura, mesmo sob as broncas de seu pai.

Nos anos 70, passou a ler e escrever poesias. Lia um caderno literário que saía todos os sábados no Correio do Povo, de Porto Alegre, não perdia um. Nesse caderno, dois poetas muito diferentes um do outro chamaram a atenção de Marins: Mário Quintana e Carlos Nejar. Este por ter uma poesia carregada de metáforas, que dá voz à condição humana e reflexiva e aquele pelo bom humor, simplicidade e por ser o mestre da alegria na poesia, seu mestre, comenta. Além de ler ainda hoje estes poetas, em especial Nejar,

do qual já leu todo a sua obra, dedicou a este o seu livro “Fazendo o Dia”.

Escrevia em cadernos tudo o que lhe vinha à mente, poemas, contos, crônicas. Porém, perdeu tudo em uma de suas mudanças quando morava em uma pensão de estudantes. Escreveu durante dois anos em um jornal da capital, tinha a sua própria coluna dentro de uma página literária coordenada pela Juril Carnascialli. Passou a freqüentar a Feira do Poeta.

Chegaram os anos 80, que Marins chama de “leminskianos”. Fez amizade com Paulo Leminski e muitos outros poetas: Geraldo Magela, Delores Pires, Eduardo Hoffmann, Alice Ruiz, Rollo, Regina Bostolim, Josely Viana Baptista, Fernando Karl, entre outros. Publicou várias antologias das quais destaca a primeira: Primeiro Ato, pela Editora Beija flor. Trata-se de uma antologia de poetas universitários, organizada por Josely Viana Baptista.

Quando mostrou o seu primeiro livro para o Leminski, ouviu do poeta: “esses tercetos seus bem que poderiam ser haikais, você leva jeito para o haikai”. A partir daí, Marins procurou estudar tudo o que encontrava sobre o haikai. Leu Paulo, Alice, Delores. Não havia internet na época e era difícil obter informações e ler os bons poetas do haikai.

Publicou, em 1985, o livro “Poezen”, com 88 haikais livres, bem ao estilo de Leminski, seu principal orientador. Paulo gostou tanto dos livros que escreveu no jornal Correio de Notícias, onde fazia crônicas semanais, que os livros “Poezen” e “Fazendo o dia”

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haviam sido o que de melhor se havia publicado naquele ano.

Com a morte de Leminski, em 07 de junho de 1989, o maior balde de água fria que o movimento poético de Curitiba já recebeu, tudo se arrefeceu, todos se paralisaram. Uma nova geração surgiu, agora com outra mentalidade, outra práxis. Marins só vai retomar seu caminho com o haikai algum tempo depois, desta vez com o pessoal do Grêmio Haicai Ipê, de São Paulo, através da lista Haikai-I, na internet.

Em 2005, com a parceria do haicaísta Sérgio Francisco Pichorim, publicaram o renga duplo Pinha Pinhão, Pinhão Pinheiro, e já têm, ainda inédito, mais dois rengas prontos para publicação com 200 estrofes cada.

MARINS (2007) publicou ainda um livro infantil, “Monalisa, a conchinha sabida”, pela Araucária Cultural. Produziu mais dois livros de haikais: ”Karumi”, com 100 haikais; “Bico de João-de-barro”, também com 100 haikais; “Das trincas coração”, com 140 tercetos; “Haibun”, com 40 haibuns (pequenos textos em prosa poética seguidos de um haikai; “O dia do porco”, um romance; “Memórias de vidro”, contos. Possui ainda 10 histórias para crianças e uma alentada pesquisa sobre o Haikai no Paraná ainda não finalizada. Diante de tanto material inédito, o escritor lamenta a falta de uma editora para bancá-lo.

Fez ainda um detalhado e longo ensaio sobre a vida haicaísta de Helena Kolody, a pioneira do haikai no Paraná, na internet (http://www.kakinet.com/).

Nos últimos três anos, tem colaborado com a Biblioteca Pública do Paraná, onde é membro da Oficina Permanente de Poesia e ministra aulas sobre a poesia de autores paranaenses e faz oficinas e palestras sobre temas literários. Faz parte também do Centro de Letras do Paraná.

Apesar de já ter mais de vinte anos de experiência com o haikai, Marins ainda se considera um aprendiz da arte do haikai, pois, apesar de possuir uma forma fácil, o aprendizado da arte do haikai se dá através de uma longa caminhada.A implicatura não está somente nos aspectos formais do poema, mas, sobretudo, numa atitude poética perante a natureza e os acontecimentos humanos, onde outros aspectos como a vivência, a observação, o treino da percepção, a notação, o uso dos sentidos, a memória, a valorização do instante, a escolha do momento e o recorte da cena haicaística são muito importantes para o amadurecimento do haicaísta. Quanto mais se aprende do haikai, melhor poeta se torna, e é neste sentido que José Marins se insere e sempre está em busca de novas informações e conhecimentos (MARINS, 2007).

Sua fonte está no dia-a-dia, pois para ele, o haikai se apresenta a toda hora, todo momento e as sensações podem captar várias imagens de acordo com esse momento. Quando passara por uma rua, há um ano mais ou menos, MARINS (2007) captara a seguinte imagem no haikai que tanto gosta:

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Azul infinito róseas flores de paineira

caídas na calçada

Em uma recente passagem pela mesma rua, a percepção que teve agora foi outra:

Há pouco choveu sobre o preto do asfalto

flores de paineira

Exposto a um momento de contemplação, o haicaísta captura o haikai. Para esse momento, não há hora marcada. Segundo MARINS (2007), quando perguntado sobre o que era preciso para ser um haijin (poeta do haikai), o “nosso” mestre de haikai no Brasil, H. Masuda Goga, retirou do bolso uma caderneta e uma caneta e disse: “É preciso isso!” (MARINS, 2007).

O haikai é o que acontece no momento, representa a simplicidade, a contemplação, a compreensão da mutabilidade das coisas do mundo, a visão do mundo como poesia e o amor à natureza e ao cosmo. O haicaísta precisa despojar-se das complicações intelectuais, brincar com a palavra e ter uma linguagem para se expressar. O que Marins gosta é desse realismo no poema, do enorme espaço que se tem para criar com ele. O realismo é a objetividade que recusa a subjetividade, o sentimentalismo, o uso inadvertido da metáfora e a inconveniência da personificação e do antropomorfismo no haikai. Busca-se na captação da cena, na retratação e no flash a fidelidade do poeta quanto à sua vivência, e essa

percepção deve ser mantida na escrita, no uso da linguagem sem os artifícios literários (MARINS, 2007).

Certa vez, após dar explicações a respeito da importância da vivência do poeta na realização do haikai, uma pessoa disse para Marins que ele jamais poderia fazer um haikai a respeito do Monte Fuji, famosa montanha do Japão. Passado algum tempo e eis o que lhe ocorreu (MARINS, 2007):

O cimo gelado

da alta montanha vulcânica vista de folhinha

Mesmo através de uma folhinha (calendário), que é uma tradição bem brasileira, pode-se capturar o momento (MARINS, 2007).

Além da retratação do momento, do instante da percepção, da captura do detalhe na cena haicaísta que dá ao poeta a dimensão da realidade, outro quesito importante da objetividade para MARINS (2007) é a presença do kigo, palavra pela qual se possa reconhecer a estação do ano em que o haikai foi realizado. No haikai acima, temos como exemplo de kigo a palavra “folhinha”, que se refere ao verão. Além disso, o poema precisa ser feito em duas partes dentro dos três versos, ter o kire (corte), ter a métrica de 5-7-5 sílabas poéticas, não ter título e nem rima.

Essas características se referem à forma clássica brasileira, que busca conservar uma proximidade com o original japonês. Apesar dos desafios encontrados na adaptação do haikai, MARINS (2007) acha que isso é

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feito com um certo rigor, pois foram os próprios japoneses que aclimataram o haikai clássico no Brasil e é essa escola que ele segue. Cita Goga, que afirma que “o haicai é uma forma universal, pode ser aprendida e praticada em qualquer língua” (MARINS, 2007).

Apesar de seguir a escola clássica, Marins também gosta dos haikais livres. Seu livro Poezen é feito deles. Outro estilo que gosta é do guilhermino. Suas influências são os bons haicaístas. Gostaria de escrever como Onitsura, Issa e Basho; ter o conhecimento do Paulo Franchetti; a pureza de Edson

Kenji Iura; a simplicidade de Goga; a amplitude do manejo técnico da Rosa Clement (MARINS, 2007). Quanto aos “fazedores” de haikai, aqueles que cultivam há anos os mesmos erros e vícios e nunca mudam, além de evitá-los, MARINS (2007) não os cita por não considerá-los haijins. Ele deixa bem claro que “no haikai, cada poeta tem que encontrar o seu caminho, ter o seu modo próprio de realizar o haikai”. Ele vem construindo o jeito dele de escrever. “Quem sabe já nem tenha mais influência” (MARINS, 2007). Fonte: Brasil Escola

Álvaro Posselt nasceu em Curitiba no dia 2 de dezembro de 1971. Formado em Letras pela Universidade Tuiuti do Paraná, fez o TCC sobre haikai, "O haikai em sala de aula", que inclui uma entrevista e biografia do haicaísta e escritor paranaense José Marins. É professor de português e poeta. Faz parte do Escritibas na rua – grupo de escritores que divulga seus livros em feiras e escolas da cidade. Faz voluntariamente oficinas de haicai nas escolas públicas. Alguns de seus haikais já foram classificados em concursos; participou da Antologia Poetrix 3 e da coletânea de minicontos "A brisa é você", ambas de 2009. Tem publicados: Tão breve quanto o agora e Um lugar chamado instante, ambos de haicai.

Folclore Indígena Brasileiro Taulipang

A Onça e o Raio

Os índios taulipangs, habitantes do extremo norte do Brasil, contam a lenda a seguir. Certa feita, a onça passeava pela mata quando encontrou o raio a fabricar um porrete. A onça não

conhecia bem o raio, pois nunca tinha visto um em terra, muito menos a fabricar porretes, e por isso imaginou que se tratava de algum animal. Então ela

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começou a pisar macio e, depois de dar a volta, sem ser vista, pulou sobre o raio. O raio, porém, escapou com um pulo veloz, sem sofrer nada. A onça, desapontada, indagou: – Quem é você? – Sou o raio, não vê? – Você é muito forte, não é? – Está enganada, não sou nada forte. Ao escutar isso, a onça inflou o peito e engrossou a voz. – Pois eu sou o animal mais forte destas matas! Quando estou furiosa, não sobra nada inteiro! Então, para demonstrar a sua força, a onça trepou numa árvore enorme e começou a devastar tudo, quebrando um por um dos galhos. Depois, desceu para o solo e começou a escavá-lo, atirando para cima tufos de relva e de terra até estar tudo revirado, como se um tatu doido tivesse passado por ali. – Muito bem, que achou disso? – disse a onça, arfante. O raio escutou, mas não disse nada. – Vamos, quero vê-lo fazer algo parecido! – desafiou a onça. – Como poderia, se não tenho a sua força? – disse o raio, afinal. Inflada ainda mais pela confissão do raio, a onça entregou-se a nova demonstração de força, revolvendo

tudo outra vez até ter aberto uma clareira na parte da mata onde estavam. Enquanto a onça sorria, esbaforida, o raio tomou o seu porrete e começou repentinamente a vibrá-lo no chão e por tudo ao redor, fazendo a onça quicar e rebolar pelo solo como um bicho de pano. Uma verdadeira tempestade, seguida de raios e ventania, tornou tudo ainda mais sério, a ponto de a onça achar que o mundo se acabaria. Quando a tempestade finalmente cessou, a onça mal encontrou forças para pôr-se novamente em pé e ir correndo esconder-se atrás de uma rocha. Mas o raio gostara da brincadeira e arremessou uma fagulha que fez a volta na rocha, acertando com precisão o rabo da onça. A onça deu o pulo mais alto de toda a sua vida, chamuscou a cabeça no cocar do Sol e desceu à Terra outra vez, fugindo a toda a velocidade. O raio continuou a vibrar o seu porrete e a arremessar coriscos e fagulhas com tanta intensidade para cima da pobre bichana que ela viu-se obrigada a procurar refúgio na toca de um tatu gigante. Tudo em vão: o raio varejou a cova do tatu e acertou em cheio, outra vez, os fundilhos da onça. Não havia jeito: onde quer que a onça buscasse refúgio, ali a alcançava o braço longo do raio. Ao mesmo tempo, começou a soprar um vento frio e a cair uma chuva gelada, e como a onça já estava quase sem pelo algum, devido às queimaduras, pouco faltou para ela congelar-se.

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– Depois do fogo, o frio! – gania ela, batendo os dentes, toda enrodilhada no solo. Somente ao ver a rival arriada e completamente vencida foi que o raio se deu por satisfeito. – Muito bem, agora diga quem é o mais forte por aqui!

A onça tapou a cabeça para não ter de responder, enquanto o raio partia, a gargalhar. E aqui está, segundo os taulipangs, a razão de as onças temerem tanto os temporais.

Fonte:Ademilson S. Franchini. As 100 melhores lendas do folclore brasileiro. Porto Alegre/RS: L&PM, 2011.

Mário de Andrade Vestida de Preto

Tanto andam agora preocupados em definir o conto que não sei bem se o que vou contar é conto ou não, sei que é verdade. Minha impressão é que tenho amado sempre. Depois do amor grande por mim que brotou aos três anos e durou até os cinco mais ou menos, logo o meu amor se dirigiu para uma espécie de prima longínqua que freqüentava a nossa casa. Como se vê, jamais sofri do complexo de Édipo, graças a Deus. Toda a minha vida, mamãe e eu fomos muito bons amigos, sem nada de amores perigosos. Maria foi o meu primeiro amor. Não havia nada entre nós, está claro, ela como eu nos seus cinco anos apenas, mas não sei que divina melancolia nos tomava, se acaso nos achávamos juntos e sozinhos. A voz baixava de tom, e principalmente as palavras é que

se tornaram mais raras, muito simples. Uma ternura imensa, firme e reconhecida, não exigindo nenhum gesto. Aquilo aliás durava pouco, porque logo a criançada chegava. Mas tínhamos então uma raiva impensada dos manos e dos primos, sempre exteriorizada em palavras ou modos de irritação. Amor apenas sensível naquele instinto de estarmos sós. E só mais tarde, já pelos nove ou dez anos, é que lhe dei nosso único beijo, foi maravilhoso. Se a criançada estava toda junta naquela casa sem jardim da Tia Velha, era fatal brincarmos de família, porque assim Tia Velha evitava correrias e estragos. Brinquedo aliás que nos interessava muito, apesar da idade já avançada para ele. Mas é que na casa de Tia Velha tinha muitos quartos, de forma que casávamos rápido,

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só de boca, sem nenhum daqueles cerimoniais de mentira que dantes nos interessavam tanto, e cada par fugia logo, indo viver no seu quarto. Os melhores interesses infantis do brinquedo, fazer comidinha, amamentar bonecas, pagar visitas, isso nós deixávamos com generosidade apressada para os menores. Íamos para os nossos quartos e ficávamos vivendo lá. O que os outros faziam, não sei. Eu, isto é, eu com Maria, não fazíamos nada. Eu adorava principalmente era ficar assim sozinho com ela, sabendo várias safadezas já mas sem tentar nenhuma. Havia, não havia não, mas sempre como que havia um perigo iminente que ajuntava o seu crime à intimidade daquela solidão. Era suavíssimo e assustador. Maria fez uns gestos, disse algumas palavras. Era o aniversário de alguém, não lembro mais, o quarto em que estávamos fora convertido em dispensa, cômodas e armários cheios de pratos de doces para o chá que vinha logo. Mas quem se lembrasse de tocar naqueles doces, no geral secos, fáceis de disfarçar qualquer roubo! estávamos longe disso. O que nos deliciava era mesmo a grave solidão. Nisto os olhos de Maria caíram sobre o travesseiro sem fronha que estava sobre uma cesta de roupa suja a um canto. E a minha esposa teve uma invenção que eu também estava longe de não ter. Desde a entrada no quarto eu concentrara todos os meus instintos na existência daquele travesseiro, o travesseiro cresceu como um danado dentro de mim e virou crime. Crime não, “pecado” que é como se dizia

naqueles tempos cristãos… E por causa disso eu conseguira não pensar até ali, no travesseiro. - Já é tarde, vamos dormir - Maria falou. Fiquei estarrecido, olhando com uns fabulosos olhos de imploração para o travesseiro quentinho, mas quem disse travesseiro ter piedade de mim. Maria, essa estava simples demais para me olhar e surpreender os efeitos do convite: olhou em torno e afinal, vasculhando na cesta de roupa suja, tirou de lá uma toalha de banho muito quentinha que estendeu sobre o assoalho. Pôs o travesseiro no lugar da cabeceira, cerrou as venezianas da janela sobre a tarde, e depois deitou, arranjando o vestido pra não amassar. Mas eu é que nunca havia de pôr a cabeça naquele restico de travesseiro que ela deixou pra mim, me dando as costas. Restico sim, apesar do travesseiro ser grande. Mas imaginem numa cabeleira explodindo, os famosos cabelos assustados de Maria, citação obrigatória e orgulho de família. Tia Velha, muito ciumenta por causa duma neta preferida que ela imaginava deusa, era a única a pôr defeito nos cabelos de Maria. - Você não vem dormir também? - ela perguntou com fragor, interrompendo o meu silêncio trágico. - Já vou - que eu disse - estou conferindo a conta do armazém. Fui me aproximando incomparavelmente sem vontade, sentei no chão tomando cuidado em sequer tocar no vestido, puxa! também o vestido dela estava completamente assustado, que dificuldade! Pus a cara no travesseiro sem a menor intenção de.

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Mas os cabelos de Maria, assim era pior, tocavam de leve no meu nariz, eu podia espirrar, marido não espirra. Senti, pressenti que espirrar seria muito ridículo, havia de ser um espirrão enorme, os outros escutavam lá da sala-de-visita longínqua, e daí é que o nosso segredo se desvendava todinho. Fui afundando o rosto naquela cabeleira e veio a noite, senão os cabelos (mas juro que eram cabelos macios) me machucavam os olhos. Depois que não vi nada, ficou fácil continuar enterrando a cara, a cara toda, a alma, a vida, naqueles cabelos, que maravilha! até que o meu nariz tocou num pescocinho roliço. Então fui empurrando os meus lábios, tinha uns bonitos lábios grossos, nem eram lábios, era beiço, minha boca foi ficando encanudada até que encontrou o pescocinho roliço. Será que ela dorme de verdade?… Me ajeitei muito sem-cerimônia, mulherzinha! e então beijei. Quem falou que este mundo é ruim! só recordar… Beijei Maria, rapazes! eu nem sabia beijar, está claro, só beijava mamães, boca fazendo bulha, contato sem nenhum calor sensual. Maria, só um leve entregar-se, uma levíssima inclinação pra trás me fez sentir que Maria estava comigo em nosso amor. Nada mais houve. Não, nada mais houve. Durasse aquilo uma noite grande, nada mais haveria porque é engraçado como a perfeição fixa a gente. O beijo me deixara completamente puro, sem minhas curiosidades nem desejos de mais nada, adeus pecado e adeus escuridão! Se fizera em meu cérebro uma enorme luz branca, meu ombro bem que doía no

chão, mas a luz era violentamente branca, proibindo pensar, imaginar, agir. Beijando. Tia Velha, nunca eu gostei de Tia Velha, abriu a porta com um espanto barulhento. Percebi muito bem, pelos olhos dela, que o que estávamos fazendo era completamente feio. - Levantem!… Vou contar pra sua mãe, Juca! Mas eu, levantando com a lealdade mais cínica deste mundo! - Tia Velha me dá um doce? Tia Velha - eu sempre detestei Tia Velha, o tipo da bondade Berlitz, injusta, sem método - pois Tia Velha teve a malvadeza de escorrer por mim todo um olhar que só alguns anos mais tarde pude compreender inteiramente. Naquele instante, eu estava só pensando em disfarçar, fingindo uma inocência que poucos segundos antes era real. - Vamos! saiam do quarto! Fomos saindo muito mudos, numa bruta vergonha, acompanhados de Tia Velha e os pratos que ela viera buscar para a mesa de chá. O estranhíssimo é que principiou, nesse acordar à força provocado por Tia Velha, uma indiferença inexplicável de Maria por mim. Mais que indiferença, frieza viva, quase antipatia. Nesse mesmo chá inda achou jeito de me maltratar diante de todos, fiquei zonzo. Dez, treze, quatorze anos… Quinze anos. Foi então o insulto que julguei definitivo. Eu estava fazendo um ginásio sem gosto, muito arrastado, cheio de revoltas íntimas, detestava estudar. Só no desenho

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e nas composições de português tirava as melhores notas. Vivia nisso: dez nestas matérias, um, zero em todas as outras. E todos os anos era aquela já esperada fatalidade: uma, duas bombas (principalmente em matemáticas) que eu tomava apenas o cuidado de apagar nos exames de segunda época. Gostar, eu continuava gostando muito de Maria, cada vez mais, conscientemente agora. Mas tinha uma quase certeza que ela não podia gostar de mim, quem gostava de mim!… Minha mãe… Sim, mamãe gostava de mim, mas naquele tempo eu chegava a imaginar que era só por obrigação. Papai, esse foi sempre insuportável, incapaz de uma carícia. Como incapaz de uma repreensão também. Nem mesmo comigo, a tara da família, ele jamais ralhou. Mas isto é caso pra outro dia. O certo é que, decidido em minha desesperada revolta contra o mundo que me rodeava, sentindo um orgulho de mim que jamais buscava esclarecer, tão absurdo o pressentia, o certo é que eu já principiava me aceitando por um caso perdido, que não adiantava melhorar. Esse ano até fora uma bomba só. Eu entrava da aula do professor particular, quando enxerguei a saparia na varanda e Maria entre os demais. Passei bastante encabulado, todos em férias, e os livros que eu trazia na mão me denunciando, lembrando a bomba, me achincalhando em minha imperfeição de caso perdido. Esbocei um gesto falsamente alegre de bom-dia, e fui no escritório pegado, esconder os livros na escrivaninha de meu pai. Ia já voltar para o meio de

todos, mas Matilde, a peste, a implicante, a deusa estúpida que Tia Velha perdia com suas preferências: - Passou seu namorado, Maria. - Não caso com bombeado - ela respondeu imediato, numa voz tão feia, mas tão feia, que parei estarrecido. Era a decisão final, não tinha dúvida nenhuma. Maria não gostava mais de mim. Bobo de assim parado, sem fazer um gesto, mal podendo respirar. Aliás um caso recente vinha se ajuntar ao insulto pra decidir de minha sorte. Nós seríamos até pobretões, comparando com a família de Maria, gente que até viajava na Europa. Pois pouco antes, os pais tinham feito um papel bem indecente, se opondo ao casamento duma filha com um rapaz diz-que pobre mas ótimo. Houvera um rompimento de amizade, mal-estar na parentagem toda, o caso virara escândalo mastigado e remastigado nos comentários de hora de jantar. Tudo por causa do dinheiro. Se eu insistisse em gostar de Maria, casar não casava mesmo, que a família dela não havia de me querer. Me passou pela cabeça comprar um bilhete de loteria. “Não caso com bombeado”… Fui abraçando os livros de mansinho, acariciei-os junto ao rosto, pousei a minha boca numa capa, suja de pó suado, retirei a boca sem desgosto. Naquele instante eu não sabia, hoje sei: era o segundo beijo que eu dava em Maria, último beijo, beijo de despedida, que o cheiro desagradável do papelão confirmou. Estava tudo acabado entre nós dois.

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Não tive mais coragem pra voltar à varanda e conversar com… os outros. Estava com uma raiva desprezadora de todos, principalmente de Matilde. Não, me parecia que já não tinha raiva de ninguém, não valia a pena, nem de Matilde, o insulto partira dela, fora por causa dela, mas eu não tinha raiva dela não, só tristeza, só vazio, não sei… creio que uma vontade de ajoelhar. Ajoelhar sem mais nada, ajoelhar ali junto da escrivaninha e ficar assim, ajoelhar. Afinal das contas eu era um perdido mesmo, Maria tinha razão, tinha razão, tinha razão, que tristeza! Foi o fim? Agora é que vem o mais esquisito de tudo, ajuntando anos pulados. Acho que até não consigo contar bem claro tudo o que sucedeu. Vamos por ordem: Pus tal firmeza em não amar Maria mais, que nem meus pensamentos me traíram. De resto a mocidade raiava e eu tinha tudo a aprender. Foi espantoso o que se passou em mim. Sem abandonar o meu jeito de “perdido”, o cultivando mesmo, ginásio acabado, eu principiara gostando de estudar. Me batera, súbito, aquela vontade irritada de saber, me tornara estudiosíssimo. Era mesmo uma impaciência raivosa, que me fazia devorar bibliotecas, sem nenhuma orientação. Mas brilhava, fazia conferências empoladas em sociedadinhas de rapazes, tinha idéias que assustavam todo o mundo. E todos principiavam maldando que eu era muito inteligente mas perigoso. Maria, por seu lado, parecia uma doida. Namorava com Deus e todo o mundo, aos vinte anos fica noiva de um rapaz bastante rico, noivado que durou três meses e se desfez de repente, pra dias

depois ela ficar noiva de outro, um diplomata riquíssimo, casar em duas semanas com alegria desmedida, rindo muito no altar e partir em busca duma embaixada européia com o secretário chique seu marido. Às vezes meio tonto com estes acontecimentos fortes, acompanhados meio de longe, eu me recordava do passado, mas era só pra sorrir da nossa infantilidade e devorar numa tarde um livro incompreensível de filosofia. De mais a mais, havia Rose pra de noite, e uma linda namoradinha oficial, a Violeta. Meus amigos me chamavam de “jardineiro”, e eu punha na coincidência daqueles duas flores uma força de destinação fatalizada. Tamanha mesmo que topando numa livraria com The Gardener de Tagore, comprei o livro e comecei estudando o inglês com loucura. Mário de Andrade conta num dos seus livros que estudou o alemão por causa dum emboaba tordilha… eu também: meu inglês nasceu duma Violeta e duma Rose. Não, nasceu de Maria. Foi quando uns cinco anos depois, Maria estava pra voltar pela primeira vez ao Brasil, a mãe dela, queixosa de tamanha ausência, conversando com mamãe na minha frente, arrancou naquele seu jeito de gorda desabrida: - Pois é, Maria gostou tanto de você, você não quis!… e agora ela vive longe de nós. Pela terceira vez fiquei estarrecido neste conto. Percebi tudo num tiro de canhão. Percebi ela doidejando, noivando com um, casando com outro, se atordoando com dinheiro e brilho. Percebi que eu fora

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uma besta, sim agora que principiava sendo alguém, estudando por mim fora dos ginásios, vibrando em versos que muita gente já considerava. E percebi horrorizado, que Rose! nem Violeta, nem nada! era Maria que eu amava como louco! Maria é que amara sempre, como louco: ôh como eu vinha sofrendo a vida inteira, desgraçadíssimo, aprendendo a vencer só de raiva, me impondo ao mundo por despique, me superiorizando em mim só por vingança de desesperado. Como é que eu pudera me imaginar feliz, pior: ser feliz, sofrendo daquele jeito! Eu? eu não! era Maria, era exclusivamente Maria toda aquela superioridade que estava aparecendo em mim… E tudo aquilo era uma desgraça muito cachorra mesma. Pois não andavam falando muito de Maria? Contavam que pintava o sete, ficara célebre com as extravagâncias e aventuras. Estivera pouco antes às portas do divórcio, com um caso escandaloso por demais, com um pintor de nomeada que só pintava efeitos de luz. Maria falada, Maria bêbeda, Maria passada de mão em mão, Maria pintada nua… Se dera como que uma transposição de destinos… E tive um pensamento que ao menos me salvou no instante: se o que tinha de útil agora em mim era Maria, se ela estava se transformando no Juca imperfeitíssimo que eu fora, se eu era apenas uma projeção dela, como ela agora apenas uma projeção de mim, se nos trocáramos por um estúpido engano de amor: mas ao menos que eu ficasse bem ruim, mas bem ruim mesmo outra vez pra me igualar a ela de novo. Foi a razão da briga com Violeta,

impiedosa, e a farra dessa noite - bebedeira tamanha que acabei ficando desacordado, numa série de vertigens, com médico, escândalo, e choro largo de mamãe com minha irmã. Bom, tinha que visitar Maria, está claro, éramos “gente grande” agora. Quando soube que ela devia ir a um banquete, pensei comigo: “ótimo, vou hoje logo depois de jantar, não encontro ela e deixo o cartão”. Mas fui cedo demais. Cheguei na casa dos pais dela, seriam nove horas, todos aqueles requififes de gente ricaça, criado que leva cartão numa salva de prata etc. Os da casa estavam ainda jantando. Me introduziram na saletinha da esquerda, uma espécie de luís-quinze muito sem-vergonha, dourado por inteiro, dando pro hall central. Que fizesse o favor de esperar, já vinham. Contemplando a gravura cor-de-rosa, senti de supetão que tinha mais alguém na saleta, virei. Maria estava na porta, olhando pra mim, se rindo, toda vestida de preto. Olhem: eu sei que a gente exagera em amor, não insisto. Mas se eu já tive a sensação da vontade de Deus, foi ver Maria assim, toda de preto vestida, fantasticamente mulher. Meu corpo soluçou todinho e tornei a ficar estarrecido. - Ao menos diga boa-noite, Juca… “Boa-noite, Maria, eu vou-me embora”… meu desejo era fugir, era ficar e ela ficar mas, sim, sem que nos tocássemos sequer. Eu sei, eu juro que sei que ela estava se entregando a mim, me prometendo tudo, me cedendo tudo quanto eu queria, naquele se deixar olhar, sorrindo leve, mãos unidas caindo na frente do corpo, toda vestida de preto. Um segundo, me passou

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na visão devorá-la numa hora estilhaçada de quarto de hotel, foi horrível. Porém, não havia dúvida: Maria despertava em mim os instintos da perfeição. Balbuciei afinal um boa-noite muito indiferente, e as vozes amontoadas vinham do hall, dos outros que chegavam. Foi este o primeiro dos quatro amores eternos que fazem de minha vida uma grave condensação

interior. Sou falsamente um solitário. Quatro amores me acompanham, cuidam de mim, vêm conversar comigo. Nunca mais vi Maria, que ficou pelas Europas, divorciada afinal, hoje dizem que vivendo com um austríaco interessado em feiras internacionais. Um aventureiro qualquer. Mas dentro de mim, Maria… bom: acho que vou falar banalidade.

Mário Raul de Moraes Andrade nasceu em São Paulo, a 9 de outubro de 1893. foi um poeta, escritor, crítico literário, musicólogo, folclorista, ensaísta brasileiro. Foi um dos pioneiros da poesia moderna brasileira com a publicação de seu livro Paulicéia Desvairada em 1922. Mário exerceu uma grande influência na literatura moderna brasileira e, como ensaísta e estudioso — foi um pioneiro do campo da etnomusicologia — sua influência transcendeu as fronteiras do Brasil. Foi a figura central do movimento de vanguarda de São Paulo por vinte anos. Músico treinado e mais conhecido como poeta e romancista, esteve pessoalmente envolvido em praticamente todas as disciplinas que estiveram relacionadas com o modernismo em São Paulo, tornando-se o polímata nacional do Brasil.

Suas fotografias e seus ensaios, que cobriam uma ampla variedade de assuntos, da história à literatura e à música, foram amplamente divulgados na imprensa da época. Foi a força motriz por trás da Semana de Arte Moderna, evento ocorrido em 1922 que reformulou a literatura e as artes visuais no Brasil, tendo sido um dos integrantes do "Grupo dos Cinco". As idéias por trás da Semana seriam melhor delineadas no prefác io de seu livro de poesia Paulicéia Desvairada e nos próprios poemas. Durante sua infância foi considerado um pianista prodígio, tendo sido matriculado no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo em 1911. Depois de trabalhar como professor de música e colunista de jornal ele publicou seu maior romance, Macunaíma, em 1928. Mário continuou a publicar obras sobre música popular brasileira, poesia e outros temas de forma desigual, sendo interrompido várias vezes devido a seu relacionamento instável com o governo brasileiro. No fim de sua vida, se tornou o diretor-fundador do Departamento Municipal de Cultura de São Paulo formalizando o papel que ele havia desempenhado durante muito tempo como catalisador da modernidade artística na cidade—e no país. Em 1917, publicou seu primeiro livro de poemas, Há uma Gota de Sangue em Cada Poema, sob o pseudônimo de Mário Sobral. O livro contém indícios de uma crescente percepção do autor em relação a uma identidade particularmente brasileira, mas, assim como a maior parte da poesia brasileira produzida na época, o faz num contexto fortemente ligado à literatura européia—especialmente francesa. Trabalhou como pesquisador do folclore brasileiro, fez amizade com um grupo de jovens artistas e escritores de São Paulo que, como ele, estavam interessados no modernismo europeu. Alguns deles mais tarde integrariam o chamado "Grupo dos Cinco", composto por ele próprio , os poetas Oswald de Andrade (sem relação de parentesco com Mário de Andrade, apesar da coincidência de nomes) e Menotti del Picchia, além das pintoras Tarsila do Amaral e Anita Malfatti. Em 1922, ao mesmo tempo que preparava a publicação de Pauliceia desvairada, Andrade trabalhou com Malfatti e Oswald de Andrade na organização de um evento que se destinava a divulgar as obras deles a uma público mais vasta: a Semana de Arte Moderna, que ocorreu no Teatro M unicipal de São Paulo entre os dias 11 e 18 de fevereiro.

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na visão devorá-la numa hora estilhaçada de quarto de hotel, foi horrível. Porém, não havia dúvida: Maria despertava em mim os instintos da perfeição. Balbuciei afinal um boa-noite muito indiferente, e as vozes amontoadas vinham do hall, dos outros que chegavam. Foi este o primeiro dos quatro amores eternos que fazem de minha vida uma grave condensação

interior. Sou falsamente um solitário. Quatro amores me acompanham, cuidam de mim, vêm conversar comigo. Nunca mais vi Maria, que ficou pelas Europas, divorciada afinal, hoje dizem que vivendo com um austríaco interessado em feiras internacionais. Um aventureiro qualquer. Mas dentro de mim, Maria… bom: acho que vou falar banalidade.

Mário Raul de Moraes Andrade nasceu em São Paulo, a 9 de outubro de 1893. foi um poeta, escritor, crítico literário, musicólogo, folclorista, ensaísta brasileiro. Foi um dos pioneiros da poesia moderna brasileira com a publicação de seu livro Paulicéia Desvairada em 1922. Mário exerceu uma grande influência na literatura moderna brasileira e, como ensaísta e estudioso — foi um pioneiro do campo da etnomusicologia — sua influência transcendeu as fronteiras do Brasil. Foi a figura central do movimento de vanguarda de São Paulo por vinte anos. Músico treinado e mais conhecido como poeta e romancista, esteve pessoalmente envolvido em praticamente todas as disciplinas que estiveram relacionadas com o modernismo em São Paulo, tornando-se o polímata nacional do Brasil.

Suas fotografias e seus ensaios, que cobriam uma ampla variedade de assuntos, da história à literatura e à música, foram amplamente divulgados na imprensa da época. Foi a força motriz por trás da Semana de Arte Moderna, evento ocorrido em 1922 que reformulou a literatura e as artes visuais no Brasil, tendo sido um dos integrantes do "Grupo dos Cinco". As idéias por trás da Semana seriam melhor delineadas no prefác io de seu livro de poesia Paulicéia Desvairada e nos próprios poemas. Durante sua infância foi considerado um pianista prodígio, tendo sido matriculado no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo em 1911. Depois de trabalhar como professor de música e colunista de jornal ele publicou seu maior romance, Macunaíma, em 1928. Mário continuou a publicar obras sobre música popular brasileira, poesia e outros temas de forma desigual, sendo interrompido várias vezes devido a seu relacionamento instável com o governo brasileiro. No fim de sua vida, se tornou o diretor-fundador do Departamento Municipal de Cultura de São Paulo formalizando o papel que ele havia desempenhado durante muito tempo como catalisador da modernidade artística na cidade—e no país. Em 1917, publicou seu primeiro livro de poemas, Há uma Gota de Sangue em Cada Poema, sob o pseudônimo de Mário Sobral. O livro contém indícios de uma crescente percepção do autor em relação a uma identidade particularmente brasileira, mas, assim como a maior parte da poesia brasileira produzida na época, o faz num contexto fortemente ligado à literatura européia—especialmente francesa. Trabalhou como pesquisador do folclore brasileiro, fez amizade com um grupo de jovens artistas e escritores de São Paulo que, como ele, estavam interessados no modernismo europeu. Alguns deles mais tarde integrariam o chamado "Grupo dos Cinco", composto por ele próprio , os poetas Oswald de Andrade (sem relação de parentesco com Mário de Andrade, apesar da coincidência de nomes) e Menotti del Picchia, além das pintoras Tarsila do Amaral e Anita Malfatti. Em 1922, ao mesmo tempo que preparava a publicação de Pauliceia desvairada, Andrade trabalhou com Malfatti e Oswald de Andrade na organização de um evento que se destinava a divulgar as obras deles a uma público mais vasta: a Semana de Arte Moderna, que ocorreu no Teatro M unicipal de São Paulo entre os dias 11 e 18 de fevereiro.

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na visão devorá-la numa hora estilhaçada de quarto de hotel, foi horrível. Porém, não havia dúvida: Maria despertava em mim os instintos da perfeição. Balbuciei afinal um boa-noite muito indiferente, e as vozes amontoadas vinham do hall, dos outros que chegavam. Foi este o primeiro dos quatro amores eternos que fazem de minha vida uma grave condensação

interior. Sou falsamente um solitário. Quatro amores me acompanham, cuidam de mim, vêm conversar comigo. Nunca mais vi Maria, que ficou pelas Europas, divorciada afinal, hoje dizem que vivendo com um austríaco interessado em feiras internacionais. Um aventureiro qualquer. Mas dentro de mim, Maria… bom: acho que vou falar banalidade.

Mário Raul de Moraes Andrade nasceu em São Paulo, a 9 de outubro de 1893. foi um poeta, escritor, crítico literário, musicólogo, folclorista, ensaísta brasileiro. Foi um dos pioneiros da poesia moderna brasileira com a publicação de seu livro Paulicéia Desvairada em 1922. Mário exerceu uma grande influência na literatura moderna brasileira e, como ensaísta e estudioso — foi um pioneiro do campo da etnomusicologia — sua influência transcendeu as fronteiras do Brasil. Foi a figura central do movimento de vanguarda de São Paulo por vinte anos. Músico treinado e mais conhecido como poeta e romancista, esteve pessoalmente envolvido em praticamente todas as disciplinas que estiveram relacionadas com o modernismo em São Paulo, tornando-se o polímata nacional do Brasil.

Suas fotografias e seus ensaios, que cobriam uma ampla variedade de assuntos, da história à literatura e à música, foram amplamente divulgados na imprensa da época. Foi a força motriz por trás da Semana de Arte Moderna, evento ocorrido em 1922 que reformulou a literatura e as artes visuais no Brasil, tendo sido um dos integrantes do "Grupo dos Cinco". As idéias por trás da Semana seriam melhor delineadas no prefác io de seu livro de poesia Paulicéia Desvairada e nos próprios poemas. Durante sua infância foi considerado um pianista prodígio, tendo sido matriculado no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo em 1911. Depois de trabalhar como professor de música e colunista de jornal ele publicou seu maior romance, Macunaíma, em 1928. Mário continuou a publicar obras sobre música popular brasileira, poesia e outros temas de forma desigual, sendo interrompido várias vezes devido a seu relacionamento instável com o governo brasileiro. No fim de sua vida, se tornou o diretor-fundador do Departamento Municipal de Cultura de São Paulo formalizando o papel que ele havia desempenhado durante muito tempo como catalisador da modernidade artística na cidade—e no país. Em 1917, publicou seu primeiro livro de poemas, Há uma Gota de Sangue em Cada Poema, sob o pseudônimo de Mário Sobral. O livro contém indícios de uma crescente percepção do autor em relação a uma identidade particularmente brasileira, mas, assim como a maior parte da poesia brasileira produzida na época, o faz num contexto fortemente ligado à literatura européia—especialmente francesa. Trabalhou como pesquisador do folclore brasileiro, fez amizade com um grupo de jovens artistas e escritores de São Paulo que, como ele, estavam interessados no modernismo europeu. Alguns deles mais tarde integrariam o chamado "Grupo dos Cinco", composto por ele próprio , os poetas Oswald de Andrade (sem relação de parentesco com Mário de Andrade, apesar da coincidência de nomes) e Menotti del Picchia, além das pintoras Tarsila do Amaral e Anita Malfatti. Em 1922, ao mesmo tempo que preparava a publicação de Pauliceia desvairada, Andrade trabalhou com Malfatti e Oswald de Andrade na organização de um evento que se destinava a divulgar as obras deles a uma público mais vasta: a Semana de Arte Moderna, que ocorreu no Teatro M unicipal de São Paulo entre os dias 11 e 18 de fevereiro.

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Mário de Andrade trabalhou na "Revista de Antropofagia", fundada por Oswald de Andrade, em 1928. Mario e Oswald de Andrade foram os principais impulsionadores do movimento modernista brasileiro. Em 1938 Mário de Andrade reuniu uma equipe com o objetivo de catalogar músicas do Norte e Nordeste brasileiros. Tinha como objetivo declarado, de acordo com a ata da sua fundação, "conquistar e divulgar a todo país, a cultura brasileira". Mário de Andrade também foi um dos mentores e fundadores do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. No Rio de Janeiro tomou posse de um novo posto na UFRJ, onde dirigiu o Congresso da Língua Nacional Cantada, um importante evento folclórico e musical. Em 1941 v oltou para São Paulo e ao antigo posto do Departamento de Cultura, apesar de não trabalhar com a mesma intensidade que antes. Andrade morreu em sua residência em São Paulo devido a um enfarte, em 25 de fevereiro de 1945. Dadas as suas divergências com o regime, não houve qualquer reação oficial significativa antes de sua morte. Foi sepultado no Cemitério da Consolação em São Paulo. Dez anos mais tarde, porém, quando foram publicadas em 1955, Poesias completas, quando já havia falecido Getúlio Vargas, começou a consagração de Andrade como um dos principais valores culturais no Brasil. Em 1960 foi dado o seu nome à Biblioteca Municipal de São Paulo. Mário de Andrade já foi retratado como personagem no cinema e na televisão, interpretado por Paulo Hesse no filme O Homem do Pau-Brasil (1982) e Pascoal da Conceição nas minisséries Um Só Coração (2004) e JK (2006). Fonte: Wikipedia

Deonísio da Silva Expressões e Suas Origens Parte VII

Não foi para isso que eu o inventei Frase lendária que teria sido pronunciada por Alberto Santos Dumont, ao ver, em São Paulo, o uso do avião nos combates fratricidas da Revolução Constitucionalista de 1932. Seu engenho mais famoso foi o 14-Bis, a bordo do qual realizou o seu primeiro vôo documentado na história da aviação. Foi Marechal-do-ar, é patrono da Aeronáutica e da força Aérea Brasileira, além de imortal da Academia Brasileira de

Letras. A única homenagem que de nada lhe serviu foi a efígie na antiga nota de dez mil cruzeiros. A inflação, como fez com outras figuras célebres, liquidou essa homenagem à sua memória. Não lamento morrer, mas deixar de viver Esta frase foi dita e escrita pelo célebre piloto francês François Mitterrand (1906-1995), que levou o socialismo ao poder na França, por meios

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democráticos, em 1981, tornando-se presidente da República em eleições livres. Ele foi um dos grandes personagens políticos deste século, tendo destacada atuação também durante a Segunda Guerra Mundial. Na sua gestão como presidente da República, a educação e a cultura receberam atenção especial e boas dotações orçamentárias. Um dos marcos foi a construção de um novo prédio para a Biblioteca Nacional, que custou cerca de 11 bilhão de dólares. Por obras como essa é que ele não será esquecido, esta outra forma que temos de morrer. Não me cheira bem A intuição está presente nesta frase, muito comum no Brasil, dando conta de que há uma compreensão para além das palavras. Neste caso, afora o sentido da audição, entra o do olfato, posto que em forma de metáfora, para aguçar nosso entendimento. Os cristão primitivos criaram a expressão odor de santidade para caracterizar o estado de uma pessoa virtuosa, já santa em vida. Mas seu contrário, muito mais freqüente, seria um odor desagradável, exalado de pessoas desonestas ou de situações inconvenientes. Um dos que a registraram literalmente foi o escritor português Camilo Castelo Branco, em diálogo onde um personagem comenta um famoso impostor.

Não posso interpretar um perdedor: não me pareço com um. Frase pronunciada muitas vezes por Rock Hudson (1925-1985), famoso galã romântico de Hollywood, diante de roteiristas, diretores, colegas e jornalistas. Depois de servir na Marinha dos Estados Unidos, de 1944 a 1946, tornou-se ator, estrelando vários filmes na década de 50, como Sublime Obsessão, Assim caminha a humanidade e Confidências à meia-noite, em que contracenou com a linda e pura Doris Day. Nas décadas seguintes, fez jus ao grande prestígio que tinha juntado ao público feminino, desempenhando sempre papéis de rapaz namorador e divertido. O que as fãs não sabiam é que Rock Hudson, na vida real, preferia os homens. Poucos antes de morrer, o ator anunciou que havia contraído o vírus da Aids.

Não sabe nem o dó, ré, mi Para tachar alguém da analfabeto, diz-se que “não sabe nem o ABC”. A frase serve para designar quem nada entende de música. As denominações para as notas foram dadas pelo musicólogo italiano Guido D’Arezzo (990-1050), que se inspirou nas primeiras sílabas de um hino a São João, o Evangelista, composto em latim por um cantor de igreja que estava resfriado. Nele o cantor pedia ao santo que lhe devolvesse a voz. Os seis versos começavam com ut, re, mi, fa, sol, la. A primeira nota mudou para dó, permanecendo ut apenas para os eruditos. E a última, si, foi formada com as iniciais do nome do santo em

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latim: Sancte Joannes. Em latim, o ‘jota’ tem som de ‘i’. A oração tem o seguinte teor: “Ut queant laxis/ Resonare fibris/ Mira gestorum/ Famili tuorum/ solve polluti/ Labii reatum/ Sanctre Joannes” (“Purifica os nossos lábios culpados, a fim de que teus servos possam celebrar a plena voz as tuas maravilhas, ó São João”).

Não se pode governar um país que tem 246 variedades de queijo Esta frase foi pronunciada pelo general Charles de Gaulle (1890-1970), notável militar na Segunda Guerra Mundial e célebre estadista francês. Foi por duas vezes presidente da República, renunciando a 28 de abril de 1969. Atribui-se também a De Gaulle uma outra frase famosa: “o Brasil não é um país sério”, mas a autoria desta última não pôde ser comprovada, como ocorrem com outras verdades sobre nosso país, atacado de tempos em tempos por ufanismo contagioso ou pessimismo sem motivos claros, a não ser, evidentemente, aqueles patrocinados por nossos governantes. Pode ser difícil governar um país com tantas variedades de queijo, mas os franceses, famosos pela atenção que dão à culinária, reclamaram muito de De Gaulle e pouco dos queijos que sempre produziram. No resto do mundo, De Gaulle e os queijos franceses foram sempre mais elogiados do que criticados.

Não suba o sapateiro acima da sandália Apeles (século IV – século III a.C.), o famoso pintor grego que retratou Alexandre, o Grande, costumava

expor suas pinturas em praça pública, escondendo-se atrás dos quadros para ouvir a opinião dos que por ali passavam. Concordando com as críticas, retirava suas obras, refazia-as e voltava a exibi-las para novos comentários. Certa vez um sapateiro notou um defeito na chinela de uma figura principal. Apeles corrigiu seu quadro. No dia seguinte, vendo que havia sido atendido, o mesmo sapateiro atreveu-se a criticar também a perna da figura. Apeles saiu de trás do quadro e pronunciou a frase memorável, dando conta de que há limites para a crítica. O padre Manuel Bernardes, um dos melhores estilistas da língua portuguesa, está entre os que registraram a frase famosa. Não verás país nenhum Esta frase tem origem num verso de Olavo Bilac: “criança, não verás país como este!” Mas foi o escritor Ignácio de Loyola Brandão quem a resgatou, em 1981, com o lançamento de um romance cujo título reduziu o verso para Não Verás país nenhum. Antecipando os graves problemas que adviriam da destruição ecológica, o livro foi bem aceito por crítica e público. Depois de numerosas edições brasileiras, foi traduzido para mais de dez línguas e seguido de um outro, documental, intitulado O verde violentou o muro (1984), em que o escritor aludia à queda do muro de Berlim, que só veio a ocorrer em 1989, quando os alemães deixaram de ver um outro país, a Alemanha Oriental.

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Nas revoluções, o difícil é salvar a porcelana Esta frase é de autoria do político francês Georges Clemenceau (1841-1929), deputado-chefe da esquerda radical a partir de 1875, senhor de uma eloqüência arrebatadora. No primeiro decênio deste século, já presidente do conselho de ministro, rompeu com os socialistas. Era temido também por ser um derrubador de ministério e, dada a sua notável valentia, recebeu o apelido de Tigre. Deposto, voltou ao poder em 1917, dedicando-se à continuação da Primeira Guerra Mundial. Depois da vitória, tornou-se muito popular e negociou o Tratado de Versalhes. A frase indica que em mudanças radicais, como é o caso das revoluções, alguma coisa muito preciosa se perde. Em geral, a porcelana é a liberdade. Navegar é preciso, viver não é preciso A expressão já foi creditada a Caetano Veloso, porque muitos de nossos jovens iletrados, mas bons de ouvido, somente a aprenderam da boca de seu ídolo. Entretanto, o próprio baiano já admitiu que a leu em Fernando Pessoa. A autoria não cabe, porém, nem ao poeta português, nem ao compositor baiano. Quem a tornou famosa foi o general romano Pompeu (106 a.C.-48 d.C.) para persuadir marinheiros a zarpar com os navios carregados de alimentos, mesmo em meio a uma tempestade, porque havia muita fome em Roma. Somente o circo, como sabiam os imperadores, não era suficiente para conter rebeliões, se faltasse o pão. Pompeu a pronunciou num latim desjeitoso, segundo

nos informa Plutarco: navigare necesse, vivere non necesse, mas a frase já existia também em grego Noblesse Oblige Esta frase, nascida de um trecho do filósofo, estadista e poeta latino Anício Mânlio Severino Boethius (480-524), mais conhecido como Boécio, está presente em muitas línguas, incluindo a portuguesa, segundo a síntese elaborada pelos franceses, sem alteração na grafia e do significado: nobreza obriga, isto é, a aristocracia e a boa educação devem levar o indivíduo a comportar-se como um cavalheiro. Se não a primeira, a segunda. Originalmente, a frase foi escrita em latim e está embutida num período mais longo, usual no estilo de Boécio, de seu livro O consolo da filosofia. Nós, as mulheres, não somos tão fáceis de conhecer! Esta frase ficou famosa por seu conteúdo e por sua autoria. As mulheres sempre desconcertaram e surpreenderam os homens. Sigmund Freud (1856-1939), o fundador da psicanálise, reconheceu não saber o que queriam as mulheres. Ocorre, porém, que a frase é de autoria de uma mulher formosa, culta e apaixonada, Santa Teresa de Ávila (1515-1582). Sua sabedoria foi ainda mais admirada depois que o papa Paulo VI (1897-1978) a declarou doutora da Igreja. A santa morreu a 4 de outubro e foi enterrada no dia seguinte, 15. Não é erro de data. No dia de sua morte foram subtraídos 10 dias de ano civil para adequá-lo

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ao ano solar. Os que lêem a vasta obra da santa, porém, podem mais facilmente entender as mulheres.

Fonte: SILVA, Deonísio da. Expressões e suas origens.

Deonísio da Silva nasceu em Siderópolis/SC em 1948. Professor, escritor e etimologista brasileiro, membro da Academia Brasileira de Filologia, vinculado às universidades Unijuí, RS (1972-1981), Ufscar, SP (1981-2003), Estácio, RJ (2003-2015) e Unisul, SC (2014-2015), dando aulas e videoaulas de Língua Portuguesa e respectivas literaturas e desenvolvendo projetos editoriais. Autor de 34 livros, alguns dos quais publicados também em Portugal, Itália, Alemanha, Canadá etc. Suas obras referenciais são o romance "Avante, soldados: para trás" (Prêmio Internacional Casa de las Américas, em júri presidido por José Saramago); "Nos bastidores da censura" (sua tese de doutoramento na USP) e o livro de etimologia "De onde vêm as palavras".

Um Conto da Etiópia

Praline Gay-Para Quem é o Rei?

Esta é a história de um camponês que de tão pobre estava só pele e osso. Um dia, sentado à porta de sua velha cabana, viu chegar um caçador montado num cavalo. O caçador parou, apeou do cavalo, cumprimentou-o e disse: - Perdi-me na floresta e estou procurando o caminho que leva à cidade de Gondar. - Gondar fica a dois dias de viagem - respondeu o camponês. -- O sol já se pôs, seria mais prudente passar a noite aqui e prosseguir amanhã de manhã.

O camponês tinha uma galinha tão magricela quanto ele. Matou-a e a cozinhou para oferecer um bom jantar ao caçador. Ofereceu-lhe ainda sua cama. De manhãzinha, quando o homem despertou, o camponês explicou a ele como chegar a Gondar: - Você deve contornar a floresta, evitar as pedreiras, afastar-se dos precipícios, não se perder, seguir a estrada, tomar um atalho… O caçador ficou preocupado: - Pressinto que vou me perder novamente. Não conheço a região. Você não poderia me acompanhar até Gondar? É só montar na garupa.

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- Está bem - disse o camponês -, mas sob uma condição: quando lá chegarmos, você poderia me apresentar ao rei, que eu nunca vi em toda minha vida? - Você o verá, prometo a você. Nosso homem fechou a porta da casa, montou na garupa e lá se foram pela estrada. Viajaram muito, por muito tempo. Quando avistaram Gondar, o camponês perguntou ao caçador: - Como se faz para reconhecer o rei? - Não se preocupe. Lembre-se apenas disto: enquanto todos fazem a mesma coisa ao mesmo tempo, o rei é o único diferente. Observe bem as pessoas ao redor e assim o reconhecerá. Uma hora mais tarde, os dois homens chegaram às imediações do palácio. Uma multidão se apinhava diante dos portões. Todos falavam e comentavam as notícias do reino. Quando viram os dois homens a cavalo, afastaram-se do portão, e se ajoelharam. O camponês não entendeu nada. Todos se ajoelharam, menos ele e o caçador, que estavam a cavalo. - Onde pode estar o rei? - perguntou o Camponês. - Não o vejo. - Vamos entrar no palácio e lá você o verá - assegurou o caçador. E os dois homens entraram a cavalo no palácio.

O camponês estava preocupado. Ao longe, viu uma fileira de guardas montados, que os esperavam na entrada. Os guardas desceram dos cavalos. Ficaram todos a pé. Apenas ele e o caçador continuaram a cavalo. O camponês irritou-se: - Você me disse: quando todo mundo fizer a mesma coisa… Onde está o rei? - Paciência. Você vai reconhecê-lo, lembre-se apenas disto: enquanto todos fizerem a mesma coisa ao mesmo tempo, o rei fará diferente. O camponês ficou mais perplexo do que nunca. - Quem pode ser o rei? Ainda não consigo vê-lo. Os dois homens apearam também. Entraram numa sala imensa do palácio. Todos os nobres, cortesãos e conselheiros tiraram o chapéu quando os viram. Ficaram todos de cabeça descoberta, exceto o caçador e o camponês, que não sabia por que usavam chapéu ali dentro do palácio. O camponês se aproximou do caçador e murmurou: - Não estou vendo o rei. - Não seja impaciente. Quando todo mundo faz a mesma coisa ao mesmo tempo, o rei é diferente. Logo você acabará por reconhecê-lo. Venha se sentar. Os dois homens se instalaram num sofá confortável. Todos ficaram de pé em volta deles. O camponês não parava quieto. Olhou ao redor, aproximou-se do caçador e perguntou: - Quem é o rei? É você ou sou eu?

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O caçador soltou uma gargalhada e disse: - Você tem razão, eu sou o rei. Mas você também é um rei, pois soube acolher um estranho. Como esta história, a amizade deles durou muito tempo, uma amizade real. E eis aqui o final.

Nota: Gondar: antiga capital do império da Etiópia, situada a nordeste do lago Tana. Foi ocupada pelos italianos entre meados de 1930 até 1941, ano em que os britânicos a bombardearam. A cidade abriga ruínas do período imperial, bem como vestígios de arquitetura fascista. Fonte: Praline Gay-Para. O príncipe corajoso e outras histórias da Etiópia. São Paulo:Comboio de corda, 2007.

Análise da Obra

Jorge de Andrade A Moratória

O texto teatral A Moratória, de Jorge Andrade, aborda a ruína de uma família proprietária de cafezais no interior do estado de São Paulo, em decorrência da crise financeira e da produção cafeeira, por volta dos anos de trânsito da década de 1920 para a 1930. Escrita em 1954, encenada pela primeira vez no ano seguinte, a peça emerge como um dos “fantasmas” da infância do autor. A obra constitui um ato de reflexão sobre a realidade paulista em seus aspectos sociais, morais e psicológicos. O tema da decadência dos latifúndios cafeeiro representa o fim de toda uma classe patriarcal e semifeudal de aristocratas sucumbidos à crise econômica de 1929 e a nova ordem social imposta por

Vargas em 1930. Ao mesmo tempo, focaliza em seu interior o conflito de gerações, o conflito de valores tradicionais em uma sociedade que vive a rápida mudança provocada pelo êxodo rural, pelo dilatamento das cidades e pelas mudanças das elites. Centralizando o conflito está o velho Quim, um coronel à antiga, que vê os filhos e a mulher minguarem, saudosos dos velhos tempos e sem perspectivas de futuro. Ambientada em dois momentos – os anos de 1929 e 1932, antes e depois do desastre econômico, a estrutura dramatúrgica intercala cenas na casa da fazenda e cenas na pequena casa da cidade, onde a família passa a viver dos modestos ganhos dos filhos, especialmente de Lucília, que se

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torna costureira. Esse recurso permite ao autor apresentar o verso e o reverso das situações, justificando comportamentos e projetando expectativas. A alternância entre os dois momentos, mostrados simultaneamente, constitui-se no trunfo maior da arquitetura cênica de A Moratória. Os diálogos são curtos, diretos, ora carregados de tensão, revolta, ora de ternura. Há poucos monólogos um pouco mais longos. A linguagem simples, coloquial justifica-se pelas cenas familiares reproduzidas. ESPAÇO A peça ocorre em dois planos: em um, uma sala espaçosa de uma antiga e tradicional fazenda de café; em outro, uma sala modesta mobiliada onde se vê, em primeiro plano, uma máquina de costura. É através desses dois cenários que o autor consegue fazer o presente e o passado próximo. O espectador, em um mesmo instante, através da mudança de planos, entra em contato com duas realidades distintas, ligada somente pelas personagens. Para efeito do resultado, a estória será narrada linearmente. O espaço está associado a um passado heróico, aos antepassados, às famílias fundadoras. Joaquim rememora: […] Era um lugar virgem! Era um sertão virgem! A única maneira de se ganhar dinheiro era fazer queijos. Imagine, Lucília, enchiam de queijos um carro de bois e iam vender na cidade mais próxima, a quase duzentos quilômetros! Na volta traziam sal, ferramentas, tudo que

era preciso na fazenda. Foram eles que, mais tarde, cederam as terras para fundar esta cidade. (1º Ato, p. 124). Mas é a fazenda que alimenta os sonhos do cafeicultor: Nós vamos voltar para lá… (1º Ato, p. 130). E, às vezes, de sua filha Lucília: Replantaremos o nosso jardim! (1º Ato, p. 146). Morando na cidade, o ex-fazendeiro compra sementes de dálias (aliás, falido, troca um prendedor de gravata pelas sementes), cultiva um pé de jabuticabeira, a árvore tão presente na obra de Jorge Andrade, em um forte simbolismo das raízes. A cidade é o lugar em que fica o banco para o qual Joaquim deve. É o lugar, também, onde trabalha Marcelo, seu filho, no frigorífico dos ingleses. Matamos mil e quinhentos bois por dia, dona Helena! (1º Ato, p 133), se exibe o filho para a mãe, Helena. Mas a mãe estranha esta atividade: […] já imaginou a convivência que ele [Marcelo] tem lá no frigorífico? (1º Ato, p. 133). O filho, no entanto, ama a cidade, que “nunca esteve tão divertida!” Ante a crise, aflora o temor da perda do lugar pelo que ele significa. Meu marido, meus filhos nasceram aqui…, se desespera Helena (1ºAto, p. 146). E aduz: Sem a fazenda ele [o marido] não será ninguém. Vai se sentir inútil. (2º Ato, p. 151). Helena tenta achar uma solução, explicando à filha o que a terra representa: Se seu tio arrematar a fazenda, o Quim poderá continuar, trabalhar, morrer em suas terras. Há homens que não sabem, não podem viverfora de seu meio. Seu

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pai sempre morou na fazenda. Para nós, o mundo se resume nisto. Toda a nossa vida está aqui. (2º Ato, p. 151). Mas Joaquim não aceita esta posição humilhante. A propriedade da terra, ser o dono dela fala tão mais forte que não entende como o seu endividamento poderia levá-lo à perda: Meus direitos sobre essas terras não dependem de dívidas. Nasci e fui criado aqui. Aqui nasceram meus filhos. Aqui viveram meus pais. Isto é muito mais do que uma simples propriedade. É meu sangue! Não podem me fazer isto! (2º Ato, p. 166). Várias leituras podem ser feitas deste trecho. Da manutenção de um status, a uma percepção de quem se considera com direito adquirido intocável e imutável até a incapacidade do ex-cafeicultor de compreender como a posição da sua classe havia sofrido um forte deslocamento, perdendo a posição na pirâmide social para outros segmentos que estão emergindo no mundo urbano. Como não compreende, Joaquim desdenha, desqualifica: […] Uma gentinha, que não sei de onde veio, tomou conta de tudo! […] Vivíamos muito bem sem elas. Gentinha! (2º Ato, p. 177). TEMPO Muitas marcas, ao longo do texto, apontam o confronto de tempos. Assim, no 1° Ato, Lucília, a filha do dono das terras de café, costura com pressa porque “meu serviço está atrasado”, enquanto o pai – Joaquim – responde: “Cada coisa em sua hora”, logo replicado pela filha: “Para quem tem muito tempo”. Ritmos de

tempo diferenciados, entre a pressa e um tempo mais lento, encarnado em duas gerações diferentes. O pai reafirma o seu tempo, quer prolongá-lo: “Pensa que sou igual a esses mocinhos de hoje?” “O médico disse que ainda tenho cem anos de vida”. Distingue-o do tempo presente, por uma qualidade em detrimento deste: “Quando meus antepassados vieram de Pedreira das Almas para aqui, ainda não existia nada. Nem gente desta espécie”. Mas as mudanças estão acontecendo. E para pior, como neste trecho representacional, em que os personagens se posicionam de forma diferente: HELENA (mulher de Joaquim): Não suporto mais essa incerteza (1º Ato, p. 127), expressando a dificuldade de entender o que se passa; ELVIRA (a irmã de Joaquim): Você não pode imaginar a situação em que estamos; [dirigindo-se a Helena (sua cunhada)]: A situação não é boa […] São muito graves os acontecimentos. Vamos atravessar uma grande crise (1º Ato, p. 144), anunciando/enunciando o torvelinho que virá; LUCÍLIA: Acontece que precisamos encarar a situação de frente, não há outra saída. […] Aos poucos a situação melhora (1º Ato, p. 140), expressa o enfrentamento da crise e a esperança que as coisas mudem; JOAQUIM: Ainda somos o que fomos (1º Ato, p. 141), manifesta a permanência, ou a vontade de, não acreditando que as coisas mudem. As marcas textuais sinalizam, sob a forma de diálogos, um tempo de crise. Na parte final do 1º Ato,

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no diálogo entre as quatro personagens acima referidas, se explicita a historicidade da crise: a queda dos preços do café, a não continuidade da política de defesa do produto pelo Governo “do Ditador”, o endividamento dos cafeicultores junto ao “Banco” (assim mesmo, grafado com Maiúscula, significativamente). Presentes diversos tempos e diversos espaços na narrativa, a sua inter-relação é construída de forma original, não linear, com a predominância de uma temporalidade ou de outra em cada cena, ora o presente ora o passado, porém, com o “atravessamento” de um pelo outro. Em quase todas elas, há um contraponto com a outra temporalidade, não predominante. Em quase todas as cenas, há um fio que junge os dois tempos e os entrelaça. O movimento entre os tempos, quando parte do presente como predominante, recua para um passado bem próximo e vai deslizando para um passado cada vez mais distante [do mais presente ao mais passado]. Quando o passado é o predominante, o tempo caminha cada vez mais para o futuro [do mais passado ao mais presente]. Assim, o binômio presente-passado foi estruturado de forma vertical e horizontal. A vertical consiste na leitura de um só tempo (presente ou passado) de cena para cena, apontando esse recuo ou esse avanço, conforme se enfoque o presente ou o passado. A horizontal consiste na leitura entre presente-passado e vice-versa no âmbito da mesma cena, apontando como o intervalo entre os tempos vai se estreitando.

SÍNTESE DO MOVIMENTO DOS TEMPOS 1º ATO No 1º Ato, Jorge Andrade coloca todos os personagens do drama: Joaquim, Helena, Lucília, Marcelo, Elvira, e dois ausentes, mas referenciados – Augusto e Arlindo – que, não casualmente, serão as duas figuras que, de modos diferenciados, se relacionam com a ruína de Joaquim. Este parte da trama articula o tempo e o espaço com as seguintes marcas: 1ª cena: o processo de Joaquim no presente – Helena rezando na fazenda; 2ª cena: a religiosidade de Helena – a crise e a dívida; 3ª cena: Marcelo e seu trabalho, o trabalho de Lucília – o recado de Helena a Elvira; 4ª cena: A preguiça de Marcelo e o recado para Elvira, a indagação por Olímpio; 5ª cena: o casamento irrealizado de Lucila – a conversa do pai com Marcelo; 6ª cena: a conversa de Joaquim com Marcelo sobre o trabalho e a notícia do namoro de Lucília – Joaquim lendo jornais; 7ª cena: crítica à política, ao “Ditador” e ao PRP – Elvira chega à fazenda; 8ª cena: a crise relatada por Elvira – a moratória. 2º ATO O 2º Ato, tempo e espaço são marcados por alguns acontecimentos preponderantes:

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1ª cena: a alegria de Joaquim, esperançoso – o desânimo de Helena, desesperançada; 2ª cena: continua a situação da cena anterior; 3ª cena: a crise e a situação de Joaquim se perder a fazenda – a situação de Joaquim diante da irmã; 4ª cena: notícia da perda da fazenda e a relação com o casamento de Lucília – a expectativa da comemoração e o conflito com Marcelo; 5ª cena: o duro conflito entre Joaquim e Marcelo, com a ordem para sair de casa – simultaneamente, a ordem para Olímpio sair da casa de Joaquim; 6ª cena: a fuga de Arlindo, a briga com Augusto e a esperança de Joaquim – a desesperança de Lucília; 7ª cena: a sentença do Tribunal indeferindo o pedido de nulidade – o começo do trabalho de Lucília como costureira. 3º ATO No 3º Ato, as marcações entre passado e presente deram relevo a: 1ª cena: a consumação da perda da fazenda e as evocações do lugar – a possibilidade de Lucília parar de trabalhar; 2ª cena: a perda do processo por Joaquim e o conflito com Elvira – Joaquim com o galho da jabuticabeira; 3ª cena: preparativos para a saída da fazenda – a expectativa de dar a notícia sobre o processo a Joaquim; 4ª cena: o desfecho da narrativa, deixando a dúvida se Joaquim sabe – a evocação da fazenda.

PERSONAGENS Joaquim – Protagonista da peça. Aparentemente autoritário, estúpido, prepotente, é, na verdade um personagem lírico, que só mantém suas atitudes em função do papel que representa – coronel e pai. É capaz de gestos ternos, como arrumar os figurinos da filha, catar alfinetes e falar com carinho da terra. Tudo gira em torno dele; os outros são secundários. Helena – Esposa de Joaquim. Mulher prática, acostumada à materialidade e à aceitação ou submissão, encara as mudanças da fortuna de forma mais natural. Compartilha o saudosismo do marido em relação ao passado, mas também têm consciência de que viveram afastados e não evoluíram. Marcelo – Nunca se interessara pela fazenda. Não permanece em nenhum emprego e ainda gasta o dinheiro suado na boemia, explorando a mãe. É o filho desesperançado, inadaptado, aquele que vive uma outra realidade que não a do pai, aquele que é capaz de proferir palavras rudes e no entanto, verdadeiras, apontando a terrível realidade: ‘O senhor finge não perceber que não fazemos mais parte de nada, que nosso mundo está irremediavelmente destruído… As regras para viver são outras, regras que não compreendemos nem aceitamos… tudo agora é diferente, tudo mudou. Só nós é que não. Estamos aqui morrendo lentamente…’ Lucília – Realista diante dos reveses da sorte, trabalha para sustentar a família. A esta devotada, adia o casamento e ataca a tia por não ter ajudado o pai.

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Elvira – Tia de Lucília e Marcelo, irmã de Joaquim. Pouco aparece, mas representa a aristocracia que faz pequenas caridades humilhantes e se nega a ajudar o irmão na necessidade. Olímpio – Noivo de Lucília, é bacharel. Conseguiu cortar o cordão umbilical da terra, saiu, viajou, e vê a situação com objetividade e senso crítico. RESUMO Quim [Joaquim] é fazendeiro de café, afeiçoado a terra, mas acaba sendo levado à ruína, por maus negócios. Tem setenta anos e representa o orgulho de um nome, já sem encontrar respaldo entre os cidadãos de uma cidade que está transformada com a presença de elementos estranhos à casta tradicional. Diz Joaquim: ‘Não sei como, minha filha, mas de repente, senti como se estivesse só naquela cidade. Parecia que todas as portas estavam fechadas para mim. Eu não conhecia mais ninguém. Percebia que atrás das janelas todos me olhavam e… ninguém… ninguém…’ Mergulhado em sua solidão, nutrido pela esperança de recuperação, só encontra amparo na família. A mulher Helena é a mais corajosa, soube enfrentar melhor a situação, e a filha Lucília tornou-se o arrimo da família, agora vivendo dos proventos de sua costura, uma vez que o irmão, Marcelo, não se adapta a nenhum emprego. Fora da família estão Olímpio, advogado, filho do rival político de Quim, mas apaixonado Poe Lucília. Elvira, irmã de Quim, mulher rica e ‘caridosa’ que entrega café e outras coisas que vêm da fazenda em

troca das costuras ‘grátis’ da sobrinha. Não tem filhos e vive envolvida com a assistência dada a um asilo. Nesse pequeno universo, as personagens vão sendo colocadas à mercê de um destino cruel. Quim, em torno do qual a história gira, alimenta uma esperança de retornar à fazenda, que foi à praça, para saldar as dívidas. A crise do café não permitiu a venda, a florada não foi boa; a chuva tardou, o governo não fixou um teto mínimo para o café, não há dinheiro. Só resta a esperança de poder recuperar a fazenda, a esperança de uma moratória que todos sabem não vir. Lucília é filha solteirona que vê seu casamento com Olímpio frustrado pelo autoritarismo paterno. Não se entrega aos sonhos e às esperanças do pai, que acha poder reaver a fazenda. É ela que, com força e convicção, recupera a dignidade da família, costurando furiosamente. É ela que procura lutar pela realidade bruta, protegendo o pai contra as intempéries: Se a senhora [Elvira] merecesse respeito, teria tido um pouco de amor por seu irmão, piedade ao menos. Gostaria que tivesse assistido à chegada deles, quando vieram da fazenda. Só aí poderia compreender até que ponto sofreram! Com o relógio, os quadros e esse… esse galho de jabuticabeira nas mãos… pareciam duas crianças assustadas, com medo de serem repreendidas. Através de cada gesto, de cada olhar, havia um pedido de perdão, como se eu… eu pudesse censurá-los em alguma coisa. Egoísta! A senhora é uma mulher má. Papai é mesmo de boa-fé, tem bom coração, caso contrário teria posto à senhora

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daqui para fora. O que eles sofreram, você e tio Augusto hão de pagar. Com simplicidade, Jorge Andrade vai chegando ao clímax da peça, a hora da revelação e, conseqüentemente, a hora em que Joaquim se depara com a verdade / realidade, que nós, espectadores, conhecemos desde o primeiro momento. É pujante a dor de homem e a ela estamos irmanados pela

indescritível capacidade da arte de fazer o tempo / espaço identificar-se com outro espaço / tempo do espectador. Fonte: Rosa Maria Godoy Silveira, Mestrado, Doutorado e Pós-Doutorado em História do Brasil – Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Profª Célia A. N. Passoni, Editora Núcleo | Itaú Cultural

Rosa Maria Godoy Silveira possui Doutorado e Pós-Doutorado em História pela Universidade de São Paulo (USP). Professora-aposentada da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Professora-voluntária dos Programas de Pós-Graduação em História da UFPB e da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas/Área de Direitos Humanos da UFPB. Foi a primeira Secretária da Direção da Anpuh Nacional (1981-1983).

Célia Aparecida Nasrala Passoni possui graduação na Faculdade de Filosofia Letras e Ciência Humanas pela Universidade de São Paulo (1972). Coordenadora da Etapa Ensino e Cultura S/C Ltda.

Aluísio Jorge de Andrade Franco, mais conhecido como Jorge Andrade nasceu em Barretos/SP, a 21 de maio de 1922. Jorge Andrade começou sua carreira após ser apresentado, na década de 1950, à atriz Cacilda Becker, quando tinha 28 anos. Ela o incentivou a escrever para teatro. Mas ele queria ser ator, e aí Jorge entrou para a Escola de Arte Dramática da USP. Sua obra faz uma reconstrução da história do Brasil, sobretudo o ciclo do café, além de focalizar o problema da decadência dos valores patriarcais.

Estreou profissionalmente como dramaturgo em 1954, com "A Moratória", conquistando o Prêmio Saci. Seguiram-se várias peças de 5 sucesso, como "Vereda da Salvação" e "Pedreira das Almas". Publicou, em seguida, a compilação do seu ciclo dramático, "Marta, a Árvore e o Relógio", narrando a formação da sociedade paulista e brasileira. O seu maior sucesso teatral, a peça "Os Ossos do Barão", permanece até hoje, mais de quatro décadas depois, como uma marca de qualidade dos bons tempos do Teatro Brasileiro de Comédia, o TBC. Sua estreia na televisão foi com a telenovela "Os Ossos do Barão", em 1973. Era uma adaptação que fundia duas peças: "A Escada" e "Os Ossos do Barão". Tornou-se polêmico e incompreendido com O Grito, em 1975. Em 1978 publicou o romance autobiográfico "Labirinto", e, em 1979, escreveu "Gaivotas" para a TV Tupi, trabalho que lhe valeu o prêmio de melhor escritor de televisão do ano conferido pela Associação Paulista dos Críticos de Arte. Seus últimos trabalhos para a televisão foram na TV Bandeirantes, na década de 1980, com "Os Adolescentes", "Ninho da Serpente" (um de seus maiores êxitos) e "Sabor de Mel", sua última novela, estrelada por Raul Cortez e Sandra Bréa. Outras obras teatrais de Jorge Andrade são "Senhora na Boca do Lixo", "Rasto Atrás", "As Confrarias", "Milagre na Cela" e "O Sumidouro". Jorge Andrade morreu vítima de uma embolia pulmonar, na cidade de São Paulo, em 13 de março de 1984, seis meses depois de ter realizado uma operação para a implantação de três pontes safena e de ter sofrido um enfarte durante essa cirurgia. Fonte: wikipedia

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Teatro de Ontem, de Hoje, de Sempre

Dois Perdidos numa Noite Suja

Estréia profissional de Plínio Marcos, autor de textos marcadamente ligados ao universo da marginalidade, que enfrenta longa luta contra a censura ao longo dos anos 1960 e 1970, tornando-se um símbolo de resistência. A primeira montagem de Dois Perdidos Numa Noite Suja, ocorre no Bar Ponto de Encontro, da Galeria Metrópole, em São Paulo. O impacto vem, inicialmente, de sua forma extremamente despojada: apenas dois homens conversam, Paco (Plínio Marcos) e Tonho (Ademir Rocha), num paupérrimo quarto de pensão, sobre a dura sobrevivência. A aspereza do diálogo vai atingindo contornos grotescos e absurdos, perceptíveis na briga desencadeada em torno de um par de sapatos; o clima de desamparo e desespero crescentes levará à agressão física e ao assassinato de Tonho. O ponto de partida para a construção do texto veio de um conto de Alberto Moravia, O Terror de Roma. Defendendo sua própria criação, Plínio atinge como ator todas as nuanças exigidas pela personagem Paco. A direção de Benjamin Cattan é discreta, apenas

um amparo para o texto evidenciar toda a sua potência. A boa acolhida junto aos críticos leva a montagem a ser transferida para o Teatro de Arena, logo ganhando a adesão do público. “Há no conflito de Dois Perdidos uma evolução crítica sobre a dissolução das classes (…) uma linguagem emocionante, despojada, termostática nas graduações da temperatura social e dramática, em que a palavra sobe e desce para determinar as situações humanas, levadas de limite em limite até o extremo fatal e inexorável de uma realidade que condena. (…) O final da peça é a hemorragia do câncer. Impiedoso. Cruel. Anti-romântico.”, salienta o crítico Alberto D’Aversa num de seus comentários sobre a realização paulista”. Em 1967, um ano após a montagem original, uma outra encenação, agora dirigida no Rio de Janeiro por Fauzi Arap e protagonizada por ele e Nelson Xavier, é aclamada por público e crítica. O texto é transportado para as telas, em filme realizado por Braz Chediak em 1970, ganhando várias remontagens no decorrer das décadas seguintes. Em 2003, José Joffily

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filma um adaptação de Paulo Halm para o texto, na qual Paco (Débora Falabella) e Tonho (Roberto Bontempo) são dois imigrantes ilegais em Nova York.

Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural

Carolina Ramos Lurdeca

Chegou ao novo emprego como um furacão! Pressionou a campainha da área de serviço e, porta aberta, sem esperar pela receptividade, foi logo se identificando. - Bom dia. Eu sou Maria de Lurdes. Magra, ágil, descontraída, mostrando disposição para o trabalho, a nova faxineira foi recebida com alívio. Antes mesmo de qualquer ordem, foi entrando e depositando seus pertences no banheiro central, em desprezo ao que lhe fora reservado. Ante o olhar atônito da patroa, acrescentou: - Já gostei de você! Vou ficar por aqui muito tempo! Aturdida pela desenvoltura da recém chegada e principalmente pela intimidade do tratamento, a jovem guardou a pose de patroa no bolso do avental, retribuindo na mesma moeda. - Também gostei de você, Maria de Lurdes. Um bom começo.

O breve instante, do quebra jejum, foi o bastante para que Maria de Lurdes trocasse informações e saísse inteirada da vida da família que a recebia. Também, foi só. Ao lançar-se à tarefa, fechou-se. Era, apenas, mãos e pés, na mais plena atividade, movidos a pilha ou quem sabe, a corrente elétrica. Com ânimo, subiu pelas paredes - com o auxílio de escada, naturalmente - retirando quadros e tudo o mais que as decorava. O aspirador, puxado pela possante locomotiva humana, arrastou-se pelas dependências, engolindo pó acumulado. As vidraças mostraram um dia mais claro e os quadros voltaram aos lugares, deixando a desejar quanto ao prumo. Lá pelo meio da tarde, metade do apartamento estava um brinco! O restante foi relegado para a semana vindoura, que braços fortes não são de ferro! De Lurdes continuou voltando, regularmente, toda quinta-feira, como um ciclone sugador de impurezas, levando do além do estipulado pela faxina, roupas, mantimentos, frutas, sapatos, etc., prova

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evidente do perfeito entrosamento do binômio patroa e empregada. Com exuberante simpatia, a nova auxiliar conquistou até mesmo as boas graças da Tetê, caçulinha da família, nem sempre aberta à comunicação. Uma simples frase fizera o milagre: - Você é uma menina linda, sabia? - Sabia, sim! - resposta pronta, sem auto-censura, da garotinha, que se dignou desviar da TV, por instantes, os olhos deslumbrados pelos monstros apocalípticos, importados do Japão. Num rasgo de generosidade ou inversão de valores, a frase foi completada: - Você também é linda! Como exultara De Lurdes, ante a surpresa daquela afirmação! Em toda a sua laboriosa vida, ninguém, jamais, a chamaria de linda e muito menos qualquer espelho, por maior boa vontade tivesse! Ficaram amigas, Lurdes e Tetê. A tagarelice desta, quebrou o mutismo da outra. - Menina esperta essa! Muito esperta! Quatro anos? Benza Deus! Ela me bota no chinelo! - fora a vez da mãe de Tetê exultar. Dois meses de vai-vens semanais e patroa e criada só trocaram amabilidades, satisfeitas uma com a outra. Até que, um dia, inexplicavelmente, De Lurdes não voltou. Nem telefonou, para justificar a falta. Sumiu em definitivo. Foi então que, reassumindo as tarefas domésticas, Jurema, a jovem patroa, começou a notar, coisas também desaparecidas. Eram cobertores,

roupas, enlatados de estoque, talheres, sabonetes, etc. etc. O beliscão da desconfiança levou-a direto ao cofre de jóias. Praticamente vazio! Não que contivesse, anteriormente, nada de grande valia mas, o peso estimativo era mais do que suficiente para desequilibrar a boa-fé da moça. Jurema sentiu o espinho da desconfiança arranhar-lhe a pele. Ante a filha, indagou alarmada: - E a sua pulseirinha de ouro, Tetê… onde está?! A resposta da garota foi reveladora: - O fecho não tava bom. A Lurdes levou ela, pra consertar. Se a dúvida já se instalara, a certeza roubou-lhe o lugar. De Lurdes, inapelavelmente, estava por detrás de todas as ausências constatadas. Como pudera fazer isso?! Como confiar em alguém, dali para frente?! Embora magoada, a moça sentiu-se gelar quando ouviu, ao telefone, a voz inquiridora: - Dona Jurema? - Sim… - Quem fala é do delegado de polícia, Heitor Lopes. A senhora conhece Maria de Lurdes da Silva? - Conheço, sim. Foi minha faxineira… está sumida há três meses, mais ou menos. - Ela está presa. Sua faxineira é vulgarmente conhecida por Lurdeca, ladra reincidente, vigarista das maiores! Jurema emudeceu, perplexa!

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- A senhora tem alguma queixa? Há falta de provas. Se puder nos ajudar, será muito bom. Ou… logo ela estará livre para novas falcatruas. Os olhos vivos, as mãos ligeiras da ex-empregada vieram chantagear a mente da patroa. As histórias sobre a família, a luta constante para a manutenção dos filhos sem pai… e outras lembranças pungentes, comoveram o coração sensível da moça. A resposta veio rápida, sem vacilações: - Não, Doutor… Eu não tenho queixa alguma da Lurdes. Trabalhou aqui por dois meses, e só posso dizer que foi ótima faxineira, respeitosa e… honesta. Sinto não poder ajudá-lo.

Ao depor o fone, Jurema sentiu-se algo estranha, mas, intimamente, não se arrependia de ter mentido. Uma semana depois, gratificada, descobriu entre a folhagem do jardim, as jóias desaparecidas, embrulhadas num plástico. Nem um bilhete, nem palavra qualquer que identificasse o remetente. E o caso morreria anônimo se, entre as jóias recuperadas, não estivesse a pulseirinha de ouro da Tetê… Fonte: RAMOS, Carolina. Interlúdio: contos. São Paulo: EditorAção, 1993. Imagem =http://o-mascate.blogspot.com/2011/07/precisa-se-de-faxineira.html

Nasceu em Santos/SP. Estudou no Colégio São José, onde, além do curso primário e ginasial, fez, também, Secretariado e a Escola Normal. Completou seus estudos formando-se em música e enfermagem. Trovadora, contista, poeta, santista ilustre, foi Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Santos por oito anos (2001 a 2007) e é a atual Presidente da União Brasileira de Trovadores – Seção de Santos. Carolina pertence a diversas entidades culturais, como Academia Santista de Letras, Academia Feminina de Letras Centro de Expansão Cultural. Foi agraciada com diversas medalhas de mérito cultural, entre as quais a de "Magnífica Trovadora", em 1973, em Nova Friburgo-RJ, e em Santos, com a Medalha do Sesquicentenário e a Medalha dos Andradas. Também recebeu diversos títulos, homenagens e prêmios em Portugal e Angola. Um dos mais importantes foi o Prêmio Rui Ribeiro Couto, da União Brasileira de Escritores de São Paulo. Bibliografia: "Sempre" (poesias, 1968); "Cantigas feitas de sonhos" (trovas, 1969); "Espanha" (poema épico, 1970); "Rui Ribeiro Couto - Vida e Obra" (bibliografia, 1989); "Trovas que cantam por mim" (trovas, 1989); "Espanha" e outros poemas (1992); "Interlúdio" (contos,

1993); "Paulo Setúbal - Uma vida/Uma obra" (1994, em co-autoria com Cláudio de Cápua), Evocação (História da Associação das Ex-Alunas do Colégio São José) em co-autoria com Maria Edith Prata Real; Feliz Natal (Contos natalinos); Principe da Trova (biografia); Saga de uma vida (biografia), Um amigo Especial (Conto-ficção), 2003; Destino (Poesias e Trovas), 2011 e A Trova: Raízes e florescimento (coordenação e redação), 2013.

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Kárpio Márcio de Siqueira

Literatura Inglesa: Da Origem ao Período Pré-Renascentista, Um Panorama das Identidades

Simbólicas e Ideológicas

Introdução por Fernando Pessoa

Como a história de um povo é, não tanto a história dos seus grandes homens (ou dos seus grandes feitos), mas a história do que eles significam, assim a história da sua literatura é, não tanto a história dos grandes nomes, que a ilustraram, ou dos grandes movimentos, nos quais se manifestaram esses nomes, mas a história do sentido que esses nomes e esses movimentos tiveram. A literatura de um povo é, na sua vera substância, o que esse povo pensou de si mesmo, e do universo, da sociedade, e do indivíduo, através de si-próprio. Por isso a história de uma literatura é, na realidade bem entendida, a história da significação que tiveram as diferentes interpretações que esse povo deu a si-mesmo. A história de uma literatura é a história da evolução de uma consciência nacional. Assim há-de ser entendida, se há-de ser de qualquer modo compreendida. Assim há-de ser escrita, se há-de pretender a ser, de qualquer modo, definitivamente

escrita. E é não só de boa índole clássica, como, e por isso, de boa índole humana, que ninguém queira compreender senão para compreender definitivamente, como que ninguém escreva, senão para que o que escreve perdure com a memória dos homens e a existência consciente da humanidade. Pode o esforço conseguir menos, porque os deuses dão o desejo, mas só o Destino o seu consentimento; mas o esforço deve ser de ordem divina, para que o Destino, quando conceda, não conceda senão um resultado divino ao resultado externo do esforço. Disse-se que a história é a mestra da vida; mas a história o que pode ser é mestra da consciência da vida. Para a vida não pode haver mestres, porque as leis fatais, que a regem, têm uma autoridade absoluta, não admitindo divisão de poderes, ou delegação de gerência. Mas para a compreensão da vida, que é pertença abstrata da inteligência, esforço do entendimento fora de querer agir, pode o que se escreve servir de alimento, e o que se compreende tomar-se por estímulo.

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O historiador, se compreende bem o papel que representa no teatro inútil da vida, deve procurar, não tanto compreender a vida como uma série de estados, mas como uma série de passagens de estado para estado. Cada época é real só para aqueles que viveram nela; para o entendedor, ela não é mais que o caminho por onde a época anterior, ela própria da mesma natureza, passou para a época posterior, também sem natureza diferente. Tudo na vida é intervalo e passagem. Tudo que passa, porém, tem um modo de passar, um caminho por onde passa, e uma razão por que segue esse caminho. O dever do historiador é fazer o roteiro do passado, descobrir a linha contínua que, passando por tantos pontos do tempo, tem, em todo o caso, a sua realidade em ser linha e não em ter passado por esses pontos, em ser uma direção e não um contacto com os pontos por onde se dirigiu. (. . .) Na mecânica, aquela parte chamada “estática” não é mais que a introdução aqueloutra, a que se chama “dinâmica”. Estuda-se a paragem para se chegar ao estudo do movimento. E, como a ciência sabe que este conceito de paragem não se ajusta a realidade nenhuma, mas apenas a uma aparência de realidade, a uma coisa que só é real em relação à outra, deve todo o homem de ciência, qualquer que seja a disciplina a que aplica a sua atividade de entendedor, analisar o que, em qualquer forma da realidade representa a paragem apenas como ponto de partida para o que nela representa o movimento. A anatomia é uma introdução à fisiologia. Nos estudos

sociológicos, nos estudos que dependem da sociologia, o elemento estático, que encontramos, é o da época. É estudando os característicos de uma época que começamos a fazer história. Mas não devemos nunca deixar durar a ilusão de que essa época verdadeiramente existe mais que o tempo necessário para que essa ilusão nos ajude a compreender a realidade, mais tempo do que o preciso para que essa ilusão nos ajude a compreender que é uma ilusão. A divisão da história em épocas é uma falsidade necessária, um processo de compreensão preliminar, uma introdução à história como não dividida em épocas. RESUMO: Este artigo mostra uma visão panorâmica da Literatura Inglesa desde o período inicial até o século XV, entrelaçada nas heranças culturais deixadas pelos povos que dominaram aquela região, e lá deixaram suas marcas ideológicas, simbologias e identidades. Ajuda também a entender essa Literatura como subsídios de outras e como elemento importante na construção da linguagem literária. INTRODUÇÃO O presente texto direcionado a estudiosos da literatura universal e em especial a de língua inglesa, marca uma visão geral da literatura inglesa, multifacetada nas esferas simbólicas, ideológicas, identificadoras e pelas suas contribuições para as outras literaturas. O universo da Literatura Inglesa

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envolve desde as características geográficas até o modo de vida das pessoas que habitam aquela região (Bretanha), sua atmosfera é envolta num aspecto literário diverso que produz uma variedade de intertextos e provoca no pesquisador/leitor diferentes sensações pertinentes à variação dos tons, do cromático, da espiritualidade, da linguagem, da tipificação dos personagens e do distanciamento original do academicismo. É relevante destacar a tradição oral dessa literatura que remete sua originalidade a uma literatura de criação popular que posteriormente foi absorvida e ideologicamente modificada pelas classes dominantes. Nessa atmosfera o tecido textual em construção vislumbrará as muitas vertentes da Literatura dos Ingleses. 1. LITERATURA INGLESA: O QUE VEM A SER ESSA LITERATURA? Ao vasto campo da Literatura Inglesa é importante elucidar seu aspecto inicial, que apesar de ter seu ápice de desenvolvimento na Bretanha, não exclui de seu corpo quaisquer escritos que por ventura venham representar aqueles povos ou que utilizem a sua língua materna como código literário. Burgess afirma que A Literatura Inglesa é a literatura escrita em inglês. Não é apenas a literatura da Inglaterra ou das Ilhas Britânicas, mas um corpo vasto e crescente de escritos constituído pela obra de autores que usam a língua inglesa como um veículo natural de comunicação. (2005, p.17)

Nesse ambiente é intrínseca uma literatura, que durante muitos anos esteve livre de influências externas, por se tratar de uma ilha e ter como vantagem o isolamento de outras civilizações, porém foi influenciada pelos povos que dominaram aquela região durante vários séculos, deixando suas marcas sociais, sua religiosidade, cultura e pensamento. Entre os povos que contribuíram para a formação dessa literatura destacam-se os Romanos, os Celtas e os Germânicos. 1.1 Os Romanos A Inglaterra foi dominada por quase 4 séculos pelos povos romanos, que ali depositaram sua organização política, sua cultura e sua religiosidade, dentre as suas maiores contribuições para a Bretanha, estão o Cristianismo, a organização política e social, a oficialização do Latim e a introdução dos diversos gêneros literários (épico, lírico, tragédia, comédia, sátira, história, biografia e prosa narrativa) que contribuíram para o desenvolvimento da literatura e da constituição posterior da Língua Inglesa, como afirma Silva, A contribuição romana para a cultura britânica se evidencia tanto por terem sido eles a levar o latim para a Bretanha quanto por terem estimulado o seu aprendizado entre os celtas [...] sendo a sua maior contribuição o cristianismo, representado pela igreja católica. ( 2005, p.22)

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Assim se pode dizer que a literatura inglesa está imbuída de aspectos que foram introduzidos pelos romanos e que enriqueceram-na, proporcionando uma literatura híbrida e multifocada. 1.2 Os Celtas A sociedade celta tinha como principal característica a veneração pela natureza, pois acreditavam que ela detinha o equilíbrio do mundo. Sua religiosidade era voltada para o misticismo, o sobrenatural, elegendo a Deusa – mãe natureza como o seu “Deus supremo”, em relevância, a sociedade celta tinha muitos traços distintos da romana entre eles o entendimento da figura feminina como ser de igual valor na sociedade. Nessa perspectiva é “importante ressaltar que as mulheres eram tratadas como iguais perante aos homens e podiam inclusive se tornar líderes de sua tribo”. ( SILVA, 2005, p.19) Pouco se sabe sobre a Literatura Celta, devido ao quase extermínio de suas heranças culturais pelo domínio dos romanos e anglo-saxões, como vislumbrar BOSI, ao afirmar que: A conquista colonial causa desenraizamento e morte com a supressão brutal das tradições” [...] A denominação econômica de uma região sobre outra no interior de um país causa a mesma doença. Age como conquista colonial e militar ao mesmo tempo, destruindo raízes, tornando os nativos estrangeiros em sua própria terra.( 2000, p.17)

Dentre os resquícios da cultura celta, existem ainda contribuições para a literatura inglesa, destacando o sobrenatural, a sua religiosidade envolta nos quatro elementos da natureza (fogo, água, terra e ar), a figura feminina heróica, a natureza como elemento espiritual (panteísmo) e como integradora da sabedoria e do misticismo. 1.3 Os Germânicos Mesmo diante do pré-julgamento romano de que eram bárbaros, pois detinham cultura diferente, os Germânicos governaram a Bretanha por mais de 6 séculos e contribuíram tanto para a formação da língua inglesa como para sua literatura e cultura, pois segundo White, “[...] cultura é um processo acumulativo de todas as experiências históricas das gerações anteriores” (apud LARAIA, 2002). Entende-se que os séculos que antecederam o ano de 1066 d.C. eram compostos por um desenvolvimento considerável na área de conhecimento, comunicação, comércio e das artes. 2. UMA LITERATURA HÍBRIDA É comum na literatura inglesa a mistura de traços dos diversos povos que contribuíram para a construção da identidade cultural da Inglaterra. Observa-se que as tais contribuições foram tão fortemente absorvidas que mesmo face às interferências e censura da cultura e religiosidade vigente nas diversas épocas, era quase impossível

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exterminar por completo aspectos culturais populares. Mesmo depois do surgimento do Cristianismo, e da igreja ter manifestado o interesse pela literatura e conseqüentemente estabelecido como objetivo a catequese, a herança popular se conservava e permanecia discretamente no convívio social do povo. 2.1 Do cunho oral a escrita ideológica. Durante muitos anos a literatura inglesa foi conservada, diante apenas da cultura de transmitir os saberes e histórias populares entre os membros das famílias de maneira oral, o que nos dá uma idéia de que, originalmente, esse aspecto da oralidade era traduzido como “literatura popular”. Porém a igreja sentia-se enfraquecida diante dos conhecimentos pagãos que eram transmitidos nessas histórias e se apropriou dessas mensagens registrando-as e adicionando personagens e ideologias cristãs, criando dessa forma um caminho direto para a conversão do povo pagão em cristão e fortalecendo o sistema de governo e a manutenção dos poderes da igreja católica em meio ao Feudalismo. 3. AUSÊNCIA DO ACADEMICISMO EM SUA FASE ORIGINAL “Sem forma” é a expressão utilizada por muitos estudiosos quando se referem à literatura inglesa. Mas se não existe um formato idealizado, como se pode entender essa literatura?

De fato não existe até o século XVII qualquer semelhança no desenvolver literário com outras escolas acadêmicas, só a partir do período elisabetano, em que há a abertura para as grandes navegações, que o fluxo de informações cresce incessantemente e a Inglaterra se contamina com as idéias e pensamentos renascentistas. Porém há alguns séculos atrás, o que compunha as características da literatura inglesa era o modo como o texto oral ou escrito era desenvolvido, sem se deter a influências. O tecido textual de cada momento representativo da literatura inglesa, apresentava-se recheado de cultura, religiosidade e pensamento dos autores contemporâneos de cada época, logo destacam-se os períodos da Literatura Anglo-saxônica e da Literatura Medieval. 3.1 Literatura Anglo-saxônica Uma literatura de caráter anônimo tendo como sua principal obra “Beowulf”, um poema épico recheado de acontecimentos sobrenaturais e misticismo, originalmente pertencente ao repertório das estórias orais do povo. Do ponto de vista simbólico, percebe-se a presença do Cristianismo, mesmo religiosamente considerados pagãos, a Literatura dos anglo-saxões foi registrada pelos monges da igreja católica e aos seus registros adicionados termos e idéias do cristianismo. Ainda nesse período é desenvolvido o gênero textual lírico, com a intenção de refletir na literatura o estado da alma do homem, um momento frio, melancólico e solitário, que figurava na

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fala dos scopas e no registro dos monges, endossa Silva, Se os scopas transmitiram esses poemas, foram os monges que os preservaram. Nesse processo devemos considerar que o fato de que alguns elementos cristãos foram incorporados, ao passo de que alguns elementos précristãos eliminados. Os poemas líricos anglo-saxônicos, portanto, mesclam a tradição dos scopas e dos monges. (2005, p.48) No entanto, é nessa época que se consegue perceber uma estruturação do fazer literário inglês, que dando seqüência ao que inicialmente “Beowulf” representou , utiliza-se de recursos da literariedade como referências para a produção dos textos, entre eles as kennings ( espécie de metáfora), a aliteração , a metonímia , a sinédoque, o tom elegíaco e a lamentação como podemos perceber no poema lírico a seguir:

Onde estão o cavalo e o cavaleiro? Onde está a trombeta que estava tocando?

Passaram como chuva na montanha, Como vento nos prados.

Os dias sumiram no Oeste, Atrás das colinas, Para as sombras

( in Silva, 2005, p.50) Confere também ao período anglo-saxônico, a origem das baladas, que eram grandes poemas

narrativos com sonoridade expressiva, nos quais se podia encontrar as ações do narrador e as falas dos personagens, bem como a poesia lúdica, “ As Charadas” que tratavam de um conjunto de advinhas que versavam sobre temas bélicos, do mundo natural, de objetos domésticos, de matérias agrícolas, de ordem lexical medieval como se vê no parágrafo abaixo. Uma traça comeu palavras. Assim me pareceu, / ao saber daquele estranho acontecimento, aquele fato curioso, / que o inseto, um ladrão na escuridão, devorou / o que foi escrito por um homem, sua linguagem sublime / e sua base sólida. O gatuno desconhecido não ficou / nem um pouco mais esperto por ter engolido aquelas palavras. (uma traça de livros) (in Silva, 2005, p.55) 3.2 Literatura da idade média Kroeber-Antropólogo americano, afirma que “Toda cultura depende de símbolos [..] o comportamento do homem é simbólico” (in Laraia, 2002, p.97) dentro dessa ótica, a tríade, política monárquica, feudalismo e igreja, ambientaram as produções literárias do período médio, recheando a literatura medieval de imagens e representações de ideias e intencionalidades cristãs. Um ponto de relevância cultural dessa época era a diversidade linguística, um número mesmo que pequeno de pessoas, que falavam mais de um idioma e por consequência construía uma literatura de vários dialetos, o que dificultava a circulação dessa arte, detendo-se apenas a região de origem. No entanto, é nesse período que são promovidas as marcas literárias

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mais significantes da literatura inglesa , momento em que havia a necessidade de consolidar a língua nativa, e através dela reproduzir idéias e pensamentos que chegassem de maneira eficiente ao povo. Destaca-se na Literatura, o poeta Geoffrey Chaucer, tendo como tema recorrente nos textos, o refinado e sofisticado cultivo do amor, descrito pela expressão moderna “amor cortês”. Porém é na produção narrativa que Chauccer promove os Cantos da Cantuária, “ The Canterbury Tales - uma série não terminada de histórias que seriam contadas por um grupo de peregrinos que viajavam pela nação”, mostrando toda estrutura social da Inglaterra durante o Feudalismo e tratando a Monarquia e o Clero, como elementos que proporcionaram produção de comédias e denuncia social. Dessa forma essa história elucida a hipocrisia e o falso moralismo vigente na época. Assim Chaucer vem contribuir também para o processo de consolidação da Língua Inglesa, ao unir os variados discursos das classes sociais numa mesma obra. Concentrando-se no período médio, é notável a herança céltica traduzida pelas estórias do Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda, envoltas na prosa inglesa, compondo o ciclo das lendas arturianas, escritas por Thomas Mallory que tinham como característica a mistura da nostalgia cavaleiresca com sentimentos trágicos. Posteriormente essas estórias receberiam um tom da religiosidade cristã, considerando temas ligados à cultura céltica como

heresia e bruxaria. “Assim, no conceito comum, os velhos deuses foram interpretados como demônios” (BORGES, 2005, p. 4) CONSIDERAÇÕES FINAIS Estudar a Literatura Inglesa é ampliar o olhar sobre o tecido literário universal, é ainda utilizar a semiótica como instrumento na projeção de diversas impressões e leituras, é viajar pela antropologia, cultura, história, ideologias, simbologias e identidades que permearam e permeiam o fazer literário da Inglaterra, entendendo a importância do conhecimento de outras literaturas num nível mais profundo para compreender a nossa própria, e a partir dessa ciência consolidar de uma maneira sistêmica literatura e linguagem como representantes da expressão do pensamento e sentimento humanos. REFERÊNCIAS BORGES, Jorge Luis. Curso de Literatura Inglesa. Martins Fontes, 2002. BOSI, Alfredo. Cultura Brasileira – Temas e situações. 4. ed. São Paulo: SP: Ática, 2000. LARAIA, Roque de Barros. Cultura – Um conceito antropológico. 15.ed. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar editora, 2002. SILVA, Alexander Meireles da. Literatura Inglesa para Brasileiros. Local, Editora Ciência Moderna. 2005. Fonte: Revista Científica da FASETE – Ano 1 – Nº 01 – Agosto/2007

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Kárpio Márcio de Siqueira, Mestrado em Crítica Cultural pela Universidade Estadual da Bahia, com projeto de pesquisa que versa sobre a Literatura Negra e Oswaldo de Camargo, possui graduação em Letras - Licenciatura Plena em Português e Inglês pela Faculdade de Formação de Professores de Arcoverde (2002). Faz parte do conselho editorial da OPARÁ - Revista de Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Professor auxiliar da UNEB - Campus VIII, coordenador do Centro de Pesquisa em Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação - OPARÁ.

Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literaturas, atuando principalmente nos seguintes temas: Literaturas de Língua Portuguesa, Literatura Indígena, Textualidades e Literaturas no contexto Indígena, Literatura Negra Brasileira, Metodologia do ensino da Línguas,Produção Textual , TICs, Educação no Campo e Formação de professores, . Tem um extenso trabalho na formação de professores, gestores pedagógicos. Coordena projetos de pesquisa em ensino pelo PIBID/Diversidade, de pesquisa e extensão pelo LIFE/CAPES e PROAPEX/UNEB, todos voltados para a produção de material didático para escolas indígenas.

Fábulas Sem Fronteiras

Tailândia O Ladrão de Sonhos

Certa noite, um jovem chamado Makibito teve um sonho tão belo que, ao acordar, foi consultar uma sábia anciã. Contou-lhe o sonho, que o mostrava num palácio vivendo com uma linda princesa. A mulher lhe disse apenas que seu sonho não passava de mera ilusão. Porém, antes que terminassem de conversar chegou outro rapaz que desejava falar com a sábia, e ela pediu a Makibito que aguardasse na sala ao lado. O jovem, que era muito rico, também lhe contou seu sonho. E a sábia lhe disse:

- Esse é um sonho de sorte. Mas para que se realize ‚ preciso guardar segredo. Jamais conte seu sonho a ninguém. Quando Makibito voltou à presença da anciã, disse-lhe: - Como eu gostaria de estar no lugar daquele jovem! Mas por que a senhora lhe pediu que guardasse segredo daquele sonho tão lindo? - Porque o sonho pode ser roubado, e ele perderia sua sorte. - Quer dizer - disse Makibito - que, se eu entrasse aqui novamente e repetisse as palavras dele, também teria sorte?

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- Creio que sim. - Não acredito - disse Makibito -, isso não é poss¡vel. - Então saia, bata de novo à porta e me conte o sonho que ouviu há pouco. Makibito obedeceu e a anciã também lhe prometeu um futuro de sorte. Anos depois, ele se tornou um sábio. O rei foi pedir-lhe conselhos e gostou tanto dele que o convidou para ser seu conselheiro. Em seguida, Makibito foi nomeado primeiro-ministro e casou-se com uma linda princesa. E assim viveu até os cem anos. Mas, pouco antes da morte, resolveu contar ao neto a história do sonho.

- O que será que aconteceu ao outro jovem? - perguntou ao neto. E concluiu: - De qualquer modo, aquela anciã era maluca. Até hoje acho tudo isso uma bobagem. Você não concorda? O neto replicou: - Mas, vovô, você teve mesmo uma vida de muita sorte. Ao que Makibito respondeu: - Pois é exatamente como no meu primeiro sonho! Fonte: http://www.esnips.com

Estante de Livros

Rita Chaves Angola e Moçambique: Experiência

Colonial e Territórios Literários

artigo de Adelto Gonçalves, sob o título “Viagem ao universo africano” Para quem quer conhecer as literaturas africanas de expressão portuguesa Angola e Moçambique:

experiência colonial e territórios literários, de Rita Chaves, é um caminho seguro. Reunindo textos que abrangem um esforço iniciado ao final da década de 1980, quando o interesse no Brasil pelas culturas africanas ganhou

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maior intensidade, e chegam até o começo do novo século, o volume é, porém, o resultado de um trabalho de três décadas de paixão pela literatura africana de Língua Portuguesa, pois foi em 1978, sob a orientação de Vilma Arêas, na Universidade Federal Fluminense, que a autora descobriu o seu caminho para o continente africano. Desde então, não se limitou apenas àquelas viagens interiores que se costuma fazer através dos livros, mas percorreu in loco a África do Atlântico ao Índico, tendo sido professora visitante na Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo, entre os anos de 1998 e 2000. Dividido em três seções, o livro de Rita Chaves, na primeira parte, “Signos de identidade na literatura angolana”, discute a nova literatura nascida especialmente a partir da independência do país em 1975, analisando especificamente autores como José Luandino Vieira, Agostinho Neto, Pepetela, José Eduardo Agualusa, Ana Paula Tavares e Ruy Duarte de Carvalho. Num dos oito ensaios que compõem essa parte, “O passado presente na literatura angolana”, a autora, baseada nas idéias de Frantz Fanon (Paris, Pour la révolution africaine, François Maspéro, 1964), a partir da experiência francesa na Argélia, tenta compreender o colonialismo português em Angola, observando que também ocorreram tentativas de apagamento da história anterior à chegada dos europeus. O que justificaria a idéia de libertação que marca o início do processo literário angolano, repetindo, guardadas as distâncias e proporções, o que ocorreu no Brasil no século XIX, quando os românticos

procuraram fazer do índio um dos símbolos da identidade brasileira. “Após a independência”, diz a autora, “a essa noção de passado instaurado no período pré-colonial, junta-se outra. A euforia da vitória converte em passado o próprio tempo colonial. É o momento então de centrar-se nesse período como forma de engrandecer o presente. A celebração eleva as antinomias: aos heróis do passado remoto se vão aliar os heróis que participaram na construção desse presente em contraposição àqueles que o discurso colonialista apresentava como vencedores do mal”. Em sua análise, Rita Chaves constata uma segunda fase na literatura angolana, a idade adulta, em que, passada a euforia dos primeiros anos da independência e depois do fracasso da experiência socialista e de guerras civis devastadoras, o que há é a injustiça do presente, já que, como diria Antônio Lobo Antunes, o destino de todas as revoluções seria, afinal, sempre o de substituir uma aristocracia por outra. “A continuidade da guerra, as imensas dificuldades no cenário social, o esvaziamento das propostas políticas associadas ao estatuto da independência, a incapacidade de articular numa concepção dinâmica a tradição e a modernidade compuseram um panorama avesso ao otimismo”, diz a autora, observando que, em função dessa realidade imutável, em que o colonizador já não pode ser responsabilizado como antes, regressa-se ao passado outra vez “para se tentar compreender o presente

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desalentador”. É nesta situação em que viveria o escritor angolano de hoje, buscando no passado - às vezes, num passado remoto e até mitológico - uma maneira de vislumbrar hipóteses para um mundo que, por razões diversas e em variados níveis, lhe surge como um universo à revelia”. Já na segunda parte do livro, “A poesia em português na rota do Oriente”, formada por quatro ensaios e uma entrevista com José Craveirinha, Rita Chaves não busca compreender a literatura moçambicana de hoje como resultado do colonialismo português como fez em relação à literatura angolana, embora haja paralelismos bem evidentes nos dois processos. Concentra-se, isso sim, na análise da obra de poetas como José Craveirinha, Eduardo White, Rui Knopfli e Luís Carlos Patraquim. Em “Eduardo White: o sal da rebeldia sob os ventos do Oriente na poesia moçambicana”, ensaio publicado também em África e Brasil: letras em laços (São Caetano do Sul-SP, Yendis Editora, 2006) de Maria do Carmo Sepúlveda e Maria Teresa Salgado (organizadoras), procura compreender a obra de um dos nomes mais expressivos da poesia moçambicana de hoje, a partir de suas ligações com a Ilha de Moçambique, a presença mais marcante hoje no imaginário poético de Moçambique. “Ali, o autor vai buscar as sedas, o m´siro, as miçangas, as oferendas de Java, o séqüito ajawa, o curandeiro macua, o monge birmanês, com que compõe o desenho do universo em que projeta a sua identidade”, diz a autora.

Na terceira parte, “Literaturas em Língua Portuguesa: a utopia em trânsito sob os vento do Império”, que reúne mais quatro ensaios, chama a atenção o texto “O Brasil na cena literária dos países africanos de Língua Portuguesa” em que a autora procura estabelecer a utopia que a terra brasileira sempre representou no imaginário africano, concluindo que, felizmente, os escritores africanos souberam catalisar numa chave progressista as imagens (brasileiras) que convidavam à mudança. E conclui que esses escritores souberam compreender como a realidade brasileira – povoada pelas injustiças e pelos preconceitos que conhecemos - poderia auxiliá-los na mobilização em favor de “um projeto conduzido pelo sentido da liberdade e outras utopias”. Além de ensaios bem elaborados, o livro de Rita Chaves traz uma entrevista que ela fez com o poeta moçambicano José Craveirinha (1922-2003), em fevereiro de 1998, em sua casa em Maputo. Nela, Craveirinha, filho de pai português e mãe africana, entre outros tantos temas, diz da influência que ele e outros autores moçambicanos receberam na década de 40 e 50 de escritores brasileiros, como Jorge Amado e Rachel de Queiroz, e, especialmente, daqueles jornalistas e cronistas que escreviam na célebre revista O Cruzeiro, como David Nasser, embora sua formação inicial tenha sido mesmo por meio de Eça de Queirós, Antero de Quental, Guerra Junqueiro, Camões e Soeiro Gomes e ainda dos franceses Victor Hugo e Zola. Curiosa é também esta frase: “(…) hoje andam aí pelas ruas grande parte daqueles que de fato lutaram,

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mas os que estão nas cadeiras são precisamente aqueles que não lutaram. E que engordam desavergonhadamente. E a gente olha e fica triste, mas paciência”, dizia para, em seguida, reconhecer que ficava admirado quando ia a Portugal e recebia alguma homenagem: “(…) Há qualquer coisa que não bate bem: ou eu, ou eles! Uma das mais importantes comendas de Portugal foi concedida a mim. Depois de tudo, toda a comenda que eu deveria receber de Portugal era uns pontapés no rabo, mas não uma comenda. Ora, isso faz com que fiquemos um pouco duvidosos de nós próprios e ao mesmo tempo isso retira um determinado ônus de cima da cabeça dos portugueses”, dizia, com bom humor. Até porque teve oportunidade de constatar que o Portugal que o homenageou na década de 1990 não era o Portugal das décadas de 60 e começo de 70 que

ele combateu em Moçambique, quando, então, passou um bom tempo na cadeia. Professora de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa da Universidade de São Paulo, Rita Chaves, hoje, dirige o Centro de Estudos Portugueses da instituição e é pesquisadora associada do Centro de Estudos Afro-Asiáticos da Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro. Entre outros títulos, publicou A formação do romance angolano em é co-organizadora de Portanto… Pepetela, Literaturas em movimento - hidridismo cultural e expressão e Exercício crítico e Brasil/África: como se o mar fosse mentira. Fonte: http://literaturasemfronteiras.blogspot.com/2009/01/viagem-ao-universo-africano-adelto.html

Adelto Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa e mestre na área de Língua Espanhola e Literatura Espanhola e Hispano-americana pela Universidade de São Paulo. Exerce funções como assessor de imprensa e é professor titular da Universidade Paulista e da Universidade Santa Cecília, em Santos (São Paulo). Fez trabalho de pós-doutoramento com bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (FAPESP) na Universidade Clássica de Lisboa em 1999-2000. Jornalista desde 1972, trabalhou em O Estado de S. Paulo, Folha de São Paulo, Editora Abril e A Tribuna, de Santos. Foi correspondente em Lisboa da revista Época em 1999-2000. Em 1980, ganhou o Prêmio Nacional José Lins do Rego da Livraria José Olympio Editora, do Rio de Janeiro, com o livro Os vira-latas da madrugada. Em 1986, obteve o Prêmio Fernando Pessoa da Fundação Cultural Brasil-Portugal, participando do livro Ensaios sobre Fernando Pessoa.

Rita Chaves, professora e pesquisadora. Formou-se em Letras pela Universidade Federal Fluminense (1978). Começou a estudar literaturas africanas de língua portuguesa, fez mestradona UFF (1984), doutorado em Letras pela Universidade de São Paulo (1993), com a tese “A formação do romance angolano: entre intenções e gestos”; pós-doutorado pela Universidade Eduardo Mondlane (Moçambique, 2001). Professora de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa na (USP) e responsável pela disciplina Literatura e Colonização da Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro. Algumas obras: Angola e Moçambique: o lugar das diferenças nas identidades em processo (Rio de Janeiro, 2001); Angola e Moçambique - experiência colonial e territórios literários (Cotia, 2005). Organização dos livros: Brasil/África: como se o mar fosse mentira (São Paulo/Luanda, 2006); Marcas da diferença (São Paulo, 2006); A kinda e a misanga - encontros brasileiros com a literatura angolana (São Paulo, 2007).

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Concurso de Trovas da UBT de Taubaté-SP Prazo: 30 de Junho de 2015

A )Nacional/Internacional = Vitória B) Regional (Vale do Paraiba, Litoral Norte e Serra da Mantiqueira - paulistas) = Família C) Vicentino – para vicentinos de todo o Brasil = Conferência D Para Professores de todo o Brasil, ativos e aposentados = Computador E) Juventrova- para alunos da 5ª.série do ensino fundamental até a 3ª. série do ensino médio= (só para Taubaté) = Esporte(s) Regulamento: 1. Enviar até 30 de junho de 2015 Endereço: A/C de Angelica Villela Santos Rua Francisco Xavier de Assis, 36 -Jardim Morumbi Taubaté-SP CEP: 12060-460 Não recebemos pela Internet.

2. Este ano os trovadores que ainda não foram premiados em até 03 concursos oficiais da qualificação NACIONAL, serão considerados NOVOS e deverão escrever TROVADOR NOVO sob a trova do envelopinho. Serão julgados separadamente dos veteranos. 3. Até 02 trovas em cada tema. ATENÇÃO: 4. Os trovadores poderão participar de mais de uma qualificação, se for o caso. Exemplo: o trovador vicentino, que residir numa das cidades do item B acima, poderá concorrer, além do tema vicentino, com o tema Família. 5. Se ele for vicentino, residir numa das cidades do item B e for professor, poderá concorrer nos três temas: Conferência, Família e Computador. 6. Se ele for vicentino, for professor e residir fora das cidades do item B acima, poderá concorrer nos temas dos itens: A, C, D acima: Vitória, Conferência e Computador.. Se for vicentino e residir fora das cidades do item B acima, poderá concorrer nos temas: Conferência e Vitória.

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Portanto, é uma oportunidade para concorrerem em mais de um tema, com 2 trovas em cada tema. Nesse caso, os temas deverão ser enviados em envelopes separados, para o mesmo endereço e contendo abaixo do endereço,no envelope maior: Tema tal... 7. Cada trova deverá ser escrita na face externa de um pequeno envelope de mais ou menos 8 cm x 11 cm. Apenas a trova. E a palavra NOVO, se o trovador se encaixar no item 2 acima. 8. Dentro do envelopinho colocar uma folhinha de papel contendo o nome, o endereço completos, o CEP e a assinatura do trovador. Esse envelopinho deve ter suas abas coladas e colocado dentro de um envelope maior, tamanho carta comum, onde irá o endereço de remessa.

9. Se o trovador for vicentino, deverá escrever também na folhinha de papel: nome de sua Conferência, seu Conselho Particular e o Conselho Central. 10. Como remetente, escrever Luiz Otávio e o mesmo endereço de remessa. O trovador não pode ser identificado externamente. 11. Seguir atentamente as instruções deste Regulamento. Taubaté, 26 de abril de 2015 Luiz Antonio Cardoso- Presidente Angelica Villela Santos- Secretária

II Concurso Literário Foed Castro Chamma – 2015 Prazo: 5 de Junho

Promoção: Academia de Letras Artes e Ciências do Centro Sul do Paraná (ALACS) Sede Irati Paraná Apoio: Secretaria M. de Cultura, Patrimônio e Legado Étnico da P. M. de Irati/ U. B. Trovadores / Del. Irati, Centro Cultural Clube do Comércio, Grêmio Haicai Chão dos Pinheirais e Fundação Denise Stoklos.

Modalidades: Trova (lírica ou filosófica) Soneto Haicai (cerca de 17 sílabas poéticas, com 03 versos, (5-7-5), sem rima ou título, com ilustração. Poema livre (máximo de 30 linhas) Crônica (máximo 30 linhas) Conto (máximo 30 linhas)

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Peça Teatral Reportagem

Tema único para todas as modalidades: ÁGUA- trabalhos inéditos Prazo para a entrega: 5 de junho de 2015 Endereço: Rua XV de Julho, 310 - Salas 1 e 2 CEP: 84500-000 Irati - Paraná Normais Gerais: Máximo de 03 (três) trabalhos por modalidade por participante. Haverá três categorias: infantil até 12 anos, infantojuvenil até 16 anos e adulto a partir de 17 anos.

Trova: Sistema de Envelopes (11 cm X 08 cm)

Demais modalidades: Papel A-4 em três vias, corpo 12, usando pseudônimo. Anexar envelope menor (fechado) indicando externamente a modalidade, categoria, título e pseudônimo e internamente, identificação do concorrente: nome, endereço completo, telefone, assinatura e e-mail (se tiver). Premiação: Livros e certificados para os classificados em cada modalidade e categoria. A premiação dar-se-á em sessão especial em 15 de agosto de2015 (sábado), às 16 horas. Local: Sede da AMCESPAR.Rua: Conselheiro Zacarias, 628 Irati - PR. Os trabalhos premiados serão publicados em jornais de Irati e divulgados nas emissoras de rádios locais e regionais. Os autores dos trabalhos premiados autorizam sua publicação pela ALACS, sem ônus de qualquer espécie. A peça teatral vencedora poderá ser encenada por grupo de teatro amador. As decisões das comissões julgadoras serão definitivas. José Marins

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Nota sobre o Almanaque Este Almanaque é distribuído por e-mail e colocado nos blogs http://www.singrandohorizontes.blogspot.com.br e http://universosdeversos.blogspot.com.br Os textos foram obtidos na internet, em jornais, revistas e livros, ou mesmo colaboração do poeta. As imagens são montagens, cujas imagens principais foram obtidas na internet e geralmente sem autoria, caso contrário, constará no pé da figura o autor. Este Almanaque tem a intencionalidade de divulgar os valores literários de ontem e de hoje, sejam de renome ou não, respeitando os direitos autorais. Seus textos por normas não são preconceituosos, racistas, que ataquem diretamente os meios religiosos, nações ou mesmo pessoas ou órgãos específicos. Este almanaque não pode ser comercializado em hipótese alguma, sem a

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