Almanaque Chuva de Versos n. 400

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Índice Mensagem na Garrafa Herman Melville Aprendendo a viver ................................ .................... 4 Chuvisco Biográfico ................................ .................... 5 Chuva de Versos ................................ ........................... 6-16 A. A. de Assis Triversos da Travessia ................................ .................. 17 Chuveirão autobiográfico ................................ ............... 20 Jean de La Fontaine A Raposa e a Cegonha ................................ ................. 23 Chuvisco Biográfico ................................ ....................... 25 Folclore Indigena Tupinambá O Cocar de Fogo e os Gêmeos Míticos ......................... 25 Monteiro Lobato Um Homem de Consciência ................................ .......... 28 Chuvisco Autobiográfico ................................ ..................... 29 Mais do que produzir livros para crianças, Monteiro Lobato dialogava com as crianças ................................ ..... 30 Deonísio da Silva Expressões e Suas Origens Parte VI ............................ 33 Chuvisco Biográfico ................................ ....................... 37 Um Conto de Guiné-Bissau Waldir Araújo Salvo pela Morte ................................ ....................... 38 Chuvisco Biográfico ................................ ................. 42 Análise da Obra de Tomás Antônio Gonzaga Marília de Dirceu ................................ ........................... 43

Chuvisco Biográfico ................................ ...................... 49 Teatro de Ontem, de Hoje, de Sempre Roda Viva ................................ ................................ ...... 51 Arnaldo Poesia

Um Estudo sobre Hamlet, de Shakespeare ................... 53 Chuveirão Biográfico de Shakespeare ........................... 58

Fábulas sem Fronteiras Espanha O Anão e o Gigante ................................ ....................... 61 Estante de Livros Monteiro Lobato

Reinações de Narizinho ................................ ................. 64 Viagem ao Céu e O Saci ................................ ................ 64 Caçadas de Pedrinho e Hans Staden ............................ 65 História do Mundo para Crianças ................................ ... 65 Memórias da Emília e Peter Pan ................................ .... 65 Emília no País da Gramática e Aritmética da Emília ...... 65 Geografia da Dona Benta................................ ............... 66 Serões da Dona Benta ................................ ................... 66 D. Quixote das Crianças ................................ ................ 66 O Poço do Visconde ................................ ...................... 67 Histórias de Tia Nastácia ................................ ............... 67 O Picapau Amarelo e A Reforma da Natureza ............... 67 O Minotauro ................................ ................................ ... 67 A Chave do Tamanho ................................ .................... 67 Fábulas ................................ ................................ .......... 68

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Os Doze Trabalhos de Hércules ................................ .... 68 Urupês ................................ ................................ ........... 68 Cidades Mortas ................................ .............................. 69 Negrinha ................................ ................................ ........ 69 Idéias de Jeca Tatu ................................ ........................ 70 A Onda Verde e O Presidente negro.............................. 70 Na Antevéspera ................................ ............................. 71 O Escândalo do Petróleo e Ferro ................................ ... 71 Mr. Slang e o Brasil e Problema Vital ............................. 72

América ................................ ................................ .......... 73 Mundo da Lua e Miscelânea ................................ .......... 73 A Barca de Gleyre ................................ .......................... 73 Prefácios e Entrevistas ................................ .................. 73 Conferências, artigos e crônicas ................................ .... 74 Literatura do Minarete ................................ .................... 75 Cartas Escolhidas ................................ .......................... 75

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Herman Melville

Aprendendo a Viver

Aprendi que se aprende errando Que crescer não significa fazer aniversário. Que o silêncio é a melhor resposta, quando se ouve uma bobagem. Que trabalhar significa não só ganhar dinheiro. Que amigos a gente conquista mostrando o que somos. Que os verdadeiros amigos sempre ficam com você até o fim. Que a maldade se esconde atrás de uma bela face. Que não se espera a felicidade chegar, mas se procura por ela Que quando penso saber de tudo ainda não aprendi nada Que a Natureza é a coisa mais bela na Vida. Que amar significa se dar por inteiro Que um só dia pode ser mais importante que muitos anos.

Que se pode conversar com estrelas Que se pode confessar com a Lua Que se pode viajar além do infinito Que ouvir uma palavra de carinho faz bem à saúde. Que dar um carinho também faz... Que sonhar é preciso Que se deve ser criança a vida toda Que nosso ser é livre Que Deus não proíbe nada em nome do amor. Que o julgamento alheio não é importante Que o que realmente importa é a Paz interior. "Não podemos viver apenas para nós mesmos. Mil fibras nos conectam com outras pessoas; e por essas fibras nossas ações vão como causas e voltam pra nós como efeitos."

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Herman Melville nasceu em 1 de agosto de 1819, Nova York/Estados Undios, foi um escritor, poeta e ensaísta norte-americano. Embora tenha obtido grande sucesso no início de sua carreira, sua popularidade foi decaindo ao longo dos anos. Faleceu quase completamente esquecido, sem conhecer o sucesso que sua mais importante obra, o romance Moby Dick, alcançaria no século XX. O livro, dividido em três volumes, foi publicado em 1851 com o título de A baleia e não obteve sucesso de crítica, tendo sido considerado o principal motivo para o declínio da carreira do autor. Filho de Allan e Maria Gansevoort Melvill (que posteriormente acrescentaria a letra "e" ao sobrenome). Quando criança, Melville teve escarlatina, o que afetou permanentemente sua visão. Frequentou a Albany Academy. Após a morte do pai, em 1832, trabalhou como bancário, professor e agricultor.

Em 1839, embarcou como ajudante no navio mercante St. Lawrence, com destino a Liverpool e, em 1841, no baleeiro Acushnet, a bordo do qual percorreu quase todo o Pacífico. Quando a embarcação chegou às ilhas Marquesas, na Polinésia francesa, Melville decidiu abandoná-la para viver junto aos nativos por algumas semanas. Ainda em 1841, Melville embarcou no baleeiro australiano Lucy Ann e acabou por se unir a um motim organizado pelos tripulantes insatisfeitos pela falta de pagamento. O resultado foi que Melville foi preso em uma cadeia no Tahiti, da qual fugiu pouco depois. No final de 1841, embarcou como arpoador no Charles & Henry, na sua última viagem em baleeiros, e retornou a Boston como marinheiro, em 1844, a bordo da fragata United States. Os dois primeiros livros renderam-lhe muito sucesso de crítica, público e um certo conforto financeiro. Em 1847, Melville casou com Elizabeth Shaw e, em 1849, lançou seu terceiro livro, Mardi. Da mesma forma que os outros livros, Mardi inicia-se como uma aventura polinésia, no entanto, desenvolve-se de modo mais introspectivo, o que desagradou o público já cativo. Dessa forma, Melville retomou à antiga fórmula literária, lançando duas novas aventuras: Redburn (1849) e White-Jacket (1850). Nos seus novos livros já era possível reconhecer o tom visivelmente mais melancólico, que adotaria a seguir. Em Arrowhead, Massachusetts conheceu Nathaniel Hawthorne, a quem dedicou Moby Dick, publicado em Londres, em 1851. O fracasso de vendas de Moby Dick e de Pierre, de 1852, fez com que o seu editor recusasse o manuscrito, hoje perdido, The Isle of the Cross. Herman Melville morreu em 28 de setembro de 1891, aos 72 anos, em Nova York, em total obscuridade. O obituário do jornal The New York Times registrava o nome de "Henry Melville". Depois de trinta anos guardado numa lata, Billy Budd, o romance inédito na época da morte de Melv ille foi publicado em 1924 e posteriormente adaptado para ópera, por Benjamin Britten, e para o teatro e o cinema, por Peter Ustinov.

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Chuva de Versos

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Uma Trova de Curitiba/PR

Vanda Alves da Silva

A vida, em sua beleza, deu-me tantas emoções,

que, mesmo ao sentir tristeza, há doces recordações.

Uma Trova do Rio de Janeiro/RJ

Luiz Poeta

Quem fala coisas de amor sem ter amor no que fala,

conversa com a própria dor a cada vez que se cala.

Um Poema de Santos/SP

Carolina Ramos

Poeta do Mar

Abril festivo, das manhãs douradas, do céu azul, que o mar azul copia,

na mais santista e azul das alvoradas, Vicente de Carvalho em ti surgia!

Os pássaros cantavam nas ramadas e a antecipar-se a primavera erguia

flóreas taças, de bálsamo orvalhadas, brindando o vate excelso que nascia!

O mar abrindo o seio misterioso,

transformava em regalos e oferendas tudo o quanto escondera de precioso!

E a sussurrar uma canção dileta, estendia na praia níveas rendas para o berço do seu maior poeta!

Uma Trova Humorística de Santos/SP

Antonio Colavite Filho

Ao “bebum” que choraminga, o doutor não mais engana: -“Se, por lá,cana dá pinga; por aqui, pinga dá cana!!!”

Uma Trova de São Paulo/SP

Ronnaldo Andrade

Não tinha mais do que um pão, mas sendo bom e sensato,

o repartiu com o irmão que nada tinha no prato.

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Um Poema do Rio de Janeiro/RJ

Artur da Távola

Soneto Inascido

O poema subjaz. Insiste sem existir

escapa durante a captura vive do seu morrer.

O poema lateja. É limbo, é limo,

imperfeição enfrentada, pecado original.

O poema viceja no oculto engendra-se em diluição desfaz-se ao apetecer.

O poema poreja flor e adaga e assassina o íncubo sentido.

Existe para não ser.

Uma Quadra Popular

Autor Anônimo

Uma velha muito velha, mais velha que o meu chapéu,

foi pedida em casamento… Levantou as mãos pro céu!

Uma Trova Hispânica da Colômbia

Héctor José Corredor Cuervo

Hay cualidades morales que no se pueden perder:

la honestidad con caudales y el honor en el deber.

Um Poema de São Paulo/SP

Marly Rondan

Minha magia

Sou uma Bruxa... sem mágicos poderes, Queimando na fogueira da paixão.

Quero fábulas, mil estranhos seres, Espero seu socorro...proteção!

Minhas ardentes lágrimas não podem

Curar ou amenizar essa dor, Que as chamas causam quando elas me cobrem,

Tiram-me a pele, são chamas do amor!

São Chamas do amor por todo meu corpo, Clamando pelo seu sopro, seu colo.

Vem impedir, salvar-me deste escalpo.

Leve-me com você com cortesia... Meu anjo lindo, traga-me consolo.

Vem fazer dar certo a minha magia!

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Trovadores que deixaram Saudades

Clarindo Batista de Araújo Jardim do Piranhas/RN, 1929 – 2010, NatalRN

És uma cruz que carrego

por destino ou por castigo, presa com tanto nó cego

que desatar não consigo!…

Uma Trova de Nova Friburgo/RJ

José Moreira Monteiro

És a musa, minha fada meu talismã, meu troféu

minha inspiração sagrada meu pedacinho do céu.

Um Poema de Itajaí/SC

Samuel da Costa

HOJE

Hoje, não ficarei a tua espera. Não perderei meu sono por ti Meus devaneios idílicos vão

Para bem longe Da tua trágica presença

Na minha vida

Hoje...

Não te renderei tributos Ficarei sozinho comigo mesmo!

E mais ninguém.

Pois hoje Não tenho nada para te dizer

Estou perdido Vagando no deserto por dentro

De mim...

Hoje prefiro o silêncio sepulcral Fico no silêncio dentro de mim

Hoje fico comigo mesmo. Em paz comigo mesmo.

Uma Trova de Barreiro/Portugal

Victor Batista

Quem rouba não tem direito a ficar em liberdade,

pois perdeu todo o respeito pela própria dignidade.

Um Poema do Rio de Janeiro/RJ

Amaury Nicolini

O Término de Um Livro

Sinto que esta gestação já chega ao fim,

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o livro se prepara para andar sozinho, rompendo o último elo que o liga a mim e descobrindo, por si só, o seu caminho.

Passar por outras mãos, outros olhares, ser guardado, oferecido, e até ignorado, vivenciar momentos de risos e pesares, e ver o tempo do presente ir ao passado.

Deste destino ninguém foge. Nem o livro,

que exatamente igual a outro ser vivo tem pela frente incertezas e esperanças.

Pode rir do sucesso ou chorar do fracasso que vai sentir aos poucos, passo a passo, até virar mais uma entre as lembranças.

Um Haicai de Governador Valadares/MG

Murilo Teixeira

Eu acho tão triste Ver-te soluçar, chorar Quando o amor existe.

Um Poema de Itajaí/SC

Vivaldo Terres

Relembro

Ainda hoje relembro! Dos tempos que acreditava no amor.

Era tão bela a minha vida... Que nunca poderia imaginar, Que com tanta felicidade...

Iria ser um sofredor.

Até porque a mulher que amei! A mim me fascinou.

Me deslumbrou! Com sua beleza,

Me enganou fingindo amor.

Hoje somente relembro! Os momentos felizes que passei...

Com ela. Sim! Momentos belos e maravilhosos.

Pois aos meus olhos, Parecia cada vez mais bela!

Mas ao saber da traição.

Que me foi imposta... Não mais acreditei no amor. Por ser uma faca de gumes!

Que nos alegra. Mas também nos maltrata.

Uma Trova de Belo Horizonte/MG

Wanda de Paula Mourthé

“Deixa esse amor que te mata!” É o que a prudência me diz,

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mas antes ser insensata que ser sensata e infeliz!

Uma Sextilha de Caicó/RN

Prof. Garcia

Não desisto, porque sei que esta vida, é um dom da suprema divindade,

já se foi o vigor da juventude e um pedaço de minha alacridade; mas os sonhos que trago na velhice são os mesmos de minha mocidade!

Um Poema de Belo Horizonte/MG

Carlos Lúcio Gontijo

Chuva de Bar

Ela tinha os olhos de vento Ventou forte, minha vida levou

E agora na mesa de um bar Bebo a chuva que ela deixou.

Uma Trova de Fortaleza/CE

Francisco José Pessoa

Todo dia é muita luta pra melhorar o que é meu.

Eu desbasto a pedra bruta e a pedra bruta sou eu!

Uma Glosa de Porto Alegre/RS

Gislaine Canales

ROSA ORVALHADA Glosando Arlindo Tadeu Hagen (Juiz de Fora/MG)

Mote:

Pobre horizonte pequeno de quem crê, sem ver mais nada,

que uma rosa com sereno é só uma rosa molhada!

Glosa:

Pobre horizonte pequeno de quem não vê mais além...

que ao receber um aceno, não sabe o valor que tem.

É triste, sempre, o caminho,

de quem crê, sem ver mais nada, que nunca estará sozinho ao longo da caminhada.

Ter um sentimento pleno faz sentir, com alegria,

que uma rosa com sereno é a mais pura poesia.

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Vendo essa rosa feliz,

suavemente orvalhada, só quem não ama é que diz: é só uma rosa molhada!

Um Poema de Catanduva/SP

Ógui Lourenço Mauri

UM VAZIO...

Um vazio põe além do horizonte Um querer que à distância se lança, Pois a ânsia que o barco desponte Jacta o falso sabor da esperança.

Eu bem sei, não mudou a janela, Mas o barco de longe não vem.

A saudade é bem mais do que "aquela" E a vontade do beijo também!

É verdade que após as tormentas O mar calmo se faz tão presente,

Como é certo que as nuvens cinzentas Põem o Sol a brilhar novamente.

Por aqui, vejo a chuva caindo;

Logo mais, chega a luz desde o leste, A mostrar todo o azul do céu lindo, Um desenho de Deus, inconteste!

Pensamento vai longe, de vez!

Traz, enfim, esse barco; reitero! Penso até que meu porto, talvez,

Não comporte o navio que eu espero.

Haicai de São Paulo/SP

Áurea de Arruda Féres

Rede ao vento Se torce de saudade

Sem você dentro.

Um Poema de São Fidélis/RJ

Antonio Manoel Abreu Sardenberg

LUZ

Como a luz de um sol irradiante

surgindo na manhã de primavera, procuro loucamente a todo instante ser também sua luz, doce quimera.

Envolver o seu corpo com calor,

fazer do nosso encontro um acalento, sonhar que a vida é feita só de amor, amar por toda a vida este momento!

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Em seguida, num cálido aconchego, sem pudor, e sem medo, e sem juízo, trançar os nossos corpos num apego, fingir que o nosso mundo é paraíso!

Comer com gosto todas as maçãs, ignorando que o fruto é proibido… deixar que o despertar do amanhã

desfaça esse sonho concebido! (sem pecado)

Uma Trova de Angra dos Reis/RJ

Jessé Nascimento

Que quadro terrificante, com o qual nós convivemos: – um ar puro tão distante

e pouco ou nada fazemos...

Um Poema de Mogi-Guaçu/SP

Olivaldo Júnior

VOU-ME EMBORA PARA SEMPRE

Vou-me embora para sempre, para onde não há mais

tua face, sempre ausente, barco longe deste cais.

Vou-me embora para sempre, para onde um vão rapaz tem disfarce de presente e passado mais em paz.

Vou-me embora para sempre,

mas não parto sem levá-lo na bagagem, já descrente

de que posso desvendá-lo, de que sou tal qual a gente de Pasárgada, ao deixá-lo.

Recordando Velhas Canções

Se você pensa (1968)

Roberto Carlos e Erasmo Carlos

Se você pensa que vai fazer de mim,

o que faz com todo mundo que te ama Acho bom saber que pra ficar comigo,

vai ter que mudar Daqui pra frente tudo vai ser diferente,

você tem que aprender a ser gente O seu orgulho não vale nada, nada

Você tem a vida inteira pra viver

e saber o que é bom e o que é ruim É melhor pensar depressa e escolher antes do fim

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Você não sabe e nunca procurou saber Que quando a gente ama é pra valer

Bom mesmo é ser feliz e mais nada, nada !

Uma Trova de Belo Horizonte/MG

Olympio S. Coutinho

Antevisão do futuro esta imagem me apavora:

– um homem, quase no escuro, busca o sol que foi embora.

Um Poema de Balneário Camboriú/SC

Pedro Du Bois

BELO

Na hora em que a cidade

inicia seu recolhimento

- nessa época de noites resfriando ares –

esqueço as lições de casa

os tormentos e as tormentas

quedo em silêncio

e da janela assisto

a beleza em sua natureza.

Um Haicai de Magé/RJ

Jéssica Magalhães Gonzaga 14 anos

Estrela de inverno

Tão distante e escondida Quase não pisca.

Um Poema de São Francisco de Itabapoana/RJ

Roberto Pinheiro Acruche

FLOR

Encontrei um jardim tão florido, tão bonito, que me senti extasiado, perdido, encantado

diante de tanta realeza. Cheguei a duvidar da certeza

e pensar que estava vivendo um sonho! Era uma realidade esplendorosa!

Um mundo de rosas, violetas, dálias, orquídeas… Impossível contemplar apenas sem que tocasse cada

flor, sentisse seu aroma e afogasse na sua fragrância.

Senti-me poeta por estar como tal,

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tomado pela sensibilidade e entender porque falam das flores;

e até comparam a sua formosura com a beleza do amor.

A flor sem dúvida é a culminância da arte, a obra prima divina, a perfeição!

Impossível evitar a emoção… Inevitável sair da razão

e não se aprofundar no mundo da fantasia! Transportei-me então, a esse paraíso encantado,

e enamorado declarei minha fascinação a cada uma… – Flor amarela, como é bela… – Rosas, como são formosas…

– Flor vermelha, as outras em ti espelhas! – As matizadas como são amadas…

– Flores azuis, sua beleza reluz! – Flor negra, quanta nobreza!

– Flor branca que tanto me encanta… – Flor lilás… Ah!… Flor lilás…

Quanta saudade me traz!

Uma Trova de Lorena/SP

Adilson Roberto Gonçalves

Sai a palavra do texto pra me dar um forte abraço,

juntando ao íntimo cesto das linhas que eu mesmo traço.

Um Poema do Rio de Janeiro/RJ

Antônio Cabral Filho

Destroços de Mim

Caso eu desapareça Sem deixar vestígios

Procurem por minhas pernas Pelas ruas do país

Por onde estarão sempre Rumo ao próximo compromisso;

Dos braços eu posso informar

Estarão cerrados Em torno do meu bem E o coração disparado

Batendo junto com o dela Pelo prazer explosivo;

A caixa de estrumes do tronco

Não servirá para nada Exceto a urubus famintos Afeitos a matéria tão reles;

A cabeça não busquem não Que estará rolando por aí Entumecida de dúvidas

Temendo desnortear outras Com sua consciência pesada;

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Quanto a possíveis lamentos Daquelas pessoas queridas

Serão totalmente inúteis Pois eu já hei evadido...

Hinos de Cidades Brasileiras

Ibirubá/RS

Um pedaço do Rio Grande, em meu coração está

onde brota a Pitangueira, minha terra Ibirubá.

Trabalhando nas lavouras,

distribuindo força e luz engenhando na indústria minha Ibirubá produz!

Ibirubá, Ibirubá,Ibirubá,

sempre a brotar.

Guarda bem a natureza, o teu pão ela te dá

com teu povo unido e forte, vá em frente Ibirubá.

Deus proteja este meu pago,

onde canta o sabiá paz e amor a ti desejo, brota sempre Ibirubá.

Uma Trova de Londrina/PR

Leonilda Yvonneti Spína

Tuas mensagens de amor estreitam os nossos laços e me envolvem no calor

e ternura de teus braços.

Um Poema de Porto Alegre/RS

Ialmar Pio Schneider

Soneto a Tiradentes (In Memoriam)

Nós estamos em pleno mês de abril,

quando reverenciamos com sapiência, nosso Mártir maior da Independência,

o heróico Tiradentes varonil...

E demonstrando um forte amor febril, não temeu entregar sua existência,

com denodo cabal e paciência, querendo a liberdade do Brasil...

Há de permanecer sua memória, com respeito de todas as nações,

porque jamais se apagará da História...

Exemplo de coragem inaudita, representa às futuras gerações,

a imagem que será sempre bendita...

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15 de março a 12 de abril

Navio atracado. Cabeças cheias de sonhos

nas filas de embarque.

Do Brasil no outono à primavera na Europa.

Acenos em Santos.

Rio de Janeiro, com subida ao corcovado.

Coisa de turista.

Salvador, Bahia. Um gole de água de coco,

outro de alegria.

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Pausa em Fortaleza.

Preparam-se os corações para a travessia.

Solene, o Preziosa

cruza a linha do Equador. Champanhaço a bordo.

Lembrando o Brasil

nas Canárias, Tenerife. Anchieta é a grife.

Lanzarote, a sexy.

As moças e a primavera fazem topless.

Ilha da Madeira.

Sabores de Portugal na verde Funchal.

Místico Marrocos.

Marrakech, Casablanca, tal se vê nos filmes.

Fenícios, romanos,

Júlia Augusta Caditana. Tudo é história em Cádiz.

Unanimidade.

Todo mundo diz que quer morar em Sevilha.

Passado e futuro

em Málaga confabulam. Com Pablo Picasso.

Valente Valência,

pasodoble, castanholas. Gótica magia.

Palma de Maiorca.

Uma pérola boiando no Mediterrâneo.

Na Córsega, Ajáccio.

Em cada esquina a memória de Napoleão.

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Do mar para a terra

do velho e bravo Colombo. Desembarque em Gênova.

Sem arranha-céus,

charmosas velhas cidades. A cara da Europa.

Em Milano, o Milan,

a Ópera, a moda chique. Mais que tudo, o Duomo.

Roma é Roma, a eterna.

A arte, a cultura, a história da urbi et do orbi.

A bênção do Papa,

na Páscoa, no Vaticano. Estado de graças.

Lombardia, Lecco.

Rumo à Suíça, escutando Le lac de come.

Nas grimpas dos Alpes,

as neves de Saint-Moritz. Brincando de rico.

Santo aniversário.

No santuário do meu santo Antônio de Pádova.

Gondoleiro passa.

Os sonhos que ele transporta em Veneza ficam.

Milano a Paris,

por entre picos nevados. O topo do mundo.

Ao pé das montanhas

começa o grande planalto. Quase voa o trem.

Printemps en France. E eu ali solto e feliz

a dizer merci.

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Sacre Couer, Eiffel,

bateaux, Champs-Elysées. Très jolie Paris.

Do Charles de Gaulle,

voo de volta para casa. Au revoir... valeu.

Antonio Augusto de Assis (A. A. de Assis) por ele mesmo Nasci nas montanhas da Bela Joana, em São Fidélis, estado do Rio de Janeiro, no dia 7 de abril de 1933. Filho de Pedro Gomes de Assis e Maria Ângela Guimarães de Assis. Meu pai era muito amigo de um primo dele, seu companheiro de infância, Dom Antonio Augusto de Assis, que foi bispo de Pouso Alegre-MG e depois arcebispo de Jaboticabal-SP. Dom Assis estivera poucos dias antes em São Fidélis em visita aos parentes, e dele fui feito xará como homenagem ao primo ilustre. Fui manchete na história da família porque nasci temporão, décimo quarto de uma fieira de 15 irmãos. Dez anos antes de mim nascera o Gomes, por todo esse tempo havido, tido e paparicado como caçula. Aí, de repente, Seu Pedro e Dona Angelita se distraíram e me puseram no mundo. Mas não fui o último. A raspa do tacho viria quatro anos depois, o Paulo. Casado com Lucilla Maria Simas de Assis. Morei algum tempo em Campos dos Goytacazes, Nova Friburgo, Bauru, e moro há muito tempo em Maringá. Trabalhei inicialmente no comércio, depois por muitos anos em jornais e revistas e por outro tanto em escolas. Aposentei-me em 1997 como professor do Departamento de Letras da Universidade Estadual de Maringá. Hoje brinco de poeta, ao lado dos meus irmãos e irmãs da Academia de Letras de Maringá e da União Brasileira de Trovadores.

Completei o primário no Grupo Escolar Barão de Macaúbas, fiz o ginásio no Colégio Fidelense e em seguida fui morar na casa de minha irmã Zizinha, em Campos dos Goytacazes, a fim de fazer o científico no Liceu de Humanidades. Mas parei na metade do curso e voltei para São Fidélis, ali iniciando a vida profissional como auxiliar de escritório na Algodoeira. Só iria retomar os estudos quando já estava residindo no Paraná: completei o segundo grau e em seguida fiz Letras na FAFI, posteriormente incorporada à UEM – Universidade Estadual de Maringá. Desde menino fui sensível à arte literária. No ginásio, ficava encantado com as aulas do professor Expedito, que ensinava quatro línguas: português, latim, francês e inglês. Em casa, ouvia com silenciosa atenção e curiosidade as conversas do meu irmão Gomes com alguns amigos dele gostantes de literatura, especialmente o professor Kleber Borges (Bibingo). Mas a vocação parece que já veio na alma, herança do avô materno, José Garibaldi, maestro de banda e ledor de Camões, e principalmente de minha mãe, Dona Angelita, poeta de nascença, que tinha sempre à cabeceira algum romance ou livro de poesia e que foi a primeira incentivadora dos versinhos que eu começava a rabiscar. Aprendi também muito cedo a gostar de jornais e revistas. Meu pai era leitor assíduo do Diário Carioca e do Correio da Manhã. Meu irmão Gomes, além de ter uma boa biblioteca, assinava as revistas Seleções, Careta e O Cruzeiro. Nossas irmãs compravam sempre a Vida Doméstica. Eu pegava carona em todo esse material de leitura e a cada dia ia sentindo bater mais forte a paixão pelas letras. A poucos metros de nossa casa havia uma gráfica onde se imprimia O Fidelense (“um hebdomadário independente a serviço da coletividade”). O impressor era o Fidélis Subieta. Um dia criei coragem, escrevi um artigo e entreguei ao Subieta, dizendo: “Peça ao Doutor Jacy que dê uma olhada e veja se dá para publicar”.

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Eu tinha 16 anos de idade. Não falei a mais ninguém sobre o tal escrito. No domingo seguinte, fui logo cedinho comprar o jornal... Tremi nas pernas: lá estava, ainda com aquele delicioso cheirinho de tinta, o texto que inaugurava minha vida de jornalista. Estranhei, porém, um detalhe: em vez de Antonio Augusto de Assis, como assinei no original, o nome que saiu embaixo do título foi A. A. de Assis. Na segunda-feira perguntei ao Subieta o que acontecera. Fácil de entender: naquela época as gráficas trabalhavam com tipos móveis. Cada fonte de tipos ficava numa caixa e o tipógrafo ia catando letra por letra para compor a matéria. E havia o costume de escrever os nomes dos autores de artigos utilizando os tipos chamados “itálicos”, aqueles inclinadinhos. Deu-se, todavia, que a caixa de itálicos estava desfalcada, faltando a letra “t”, daí a impossibilidade de escrever tanto Antonio quanto Augusto. E foi assim que, por conta e arte desse genial tipógrafo, virei A. A. de Assis. Animado pela publicação do artigo, procurei pessoalmente o Doutor Jacy, que generosamente me aceitou como colaborador permanente d’O Fidelense. Fiquei todo prosa, claro. Mas surgiu um problema. Como em São Fidélis todos me conheciam pelo apelido de Gutinho, os leitores começaram a indagar quem era aquele tal de A. A. de Assis. Assim que descobriram, começou a fofoca. Duvidavam que eu, tão menino ainda, pudesse escrever aquelas coisas. Havia quem dissesse que o verdadeiro autor era outro Augusto Assis, meu primo monsenhor Augusto José de Assis Maia, pároco local. Fiquei fulo da vida com aquilo. Para não deixar dúvida, publiquei no domingo seguinte um artigo falando de carnaval, rebolado etc., e com um vocabulário bem apimentado, coisa que ninguém jamais iria atribuir a um padre. Deu certo: acabou a fofoca. Em abril de 1953, completei 20 anos. Dois meses depois, em junho, recebi a notícia de que me esperava um emprego na concessionária bauruense da General Motors. Arrumei a mala, e... pé na estrada. Não era, porém, exatamente aquilo que eu sonhava. Um ano e meio depois ele (Luiz, meu irmão) me surpreendeu com uma proposta: “Você gostaria de ir para Maringá?”. De bate-pronto respondi que sim, embora sem saber sequer de que Maringá ele estava falando. A que eu conhecia era a do Joubert de Carvalho, a canção. “É uma cidade novinha, no Paraná, com muito futuro”, explicou o mano. O transporte da maioria era a bicicleta, a lambreta, ou a circular do Polônio, que de vez em sempre atolava na Avenida Brasil, obrigando os passageiros a descer para empurrar. Os mais abonados rodavam de jipe ou perua. Eu tinha uma monareta. A diversão durante a semana era ver algum filme no Cine Maringá ou no Cine Horizonte. No sábado um baile no Aero Clube ou no Grêmio dos Comerciários. No domingo matinê dançante e em seguida a primeira sessão do cinema, terminando com a saideira no Bar Colúmbia. Se chovia, a moçada ia para o baile com os sapatos nas mãos, calçando lá dentro após o lava-pés no banheiro do clube. Fiz-me associado do Aero Clube e do Grêmio dos Comerciários, onde todo mundo virava logo íntimo de todo mundo. Um dia, cerca de três meses após minha chegada à cidade, peguei a monareta e fui conhecer a redação do semanário A Hora. Apresentei-me, disse que gostava de escrever e perguntei se ele aceitaria colaboração. “Aceito sim, disse ele, e se quiser comece agora”. Tomei um susto, claro. Chico explicou que precisava fechar a edição, mas faltava o editorial. O redator-chefe adoecera e ele estava ali sem saber o que fazer. Indaguei qual seria o assunto. “É contra o prefeito”, acrescentou, dando as razões da briga. O prefeito era o Villanova, a quem eu só conhecia de nome. Mas tudo bem: sentei-me diante da velha máquina datilográfica e em poucos instantes o artigo estava pronto. Ele leu, arregalou os olhos, chamou o tipógrafo: “Rapidinho, cara, componha este texto e ponha para rodar”. Só depois dessa agitada cena o Chico me convidou para tomar um cafezinho e iniciou o interrogatório: quem era eu, de onde vinha, se queria emprego no jornal e coisa e tal. Respondi que desejava apenas publicar uma crônica semanal, sem remuneração. Aceita a oferta, assim se fez, porém em pouco tempo eu estava escrevendo quase que o jornal inteiro. O problema foi o remorso que bateu quando vi de perto pela primeira vez o prefeito Villanova e com ele bati um rápido papo. O homem era uma simpatia, um herói lidando com os desafios de uma prefeitura sem dinheiro e com mil coisas a serem feitas a curtíssimo prazo. Nunca mais falei mal dele... Minha atividade principal continuava sendo a lojinha de autopeças, porém nas horas vagas, principalmente à noite, fui me envolvendo cada vez mais na imprensa. Continuei n’A Hora enquanto durou; depois, por algum tempo, escrevi para o O Jornal de Maringá. Mas peguei mesmo, para valer, quando Manoel Tavares lançou A Tribuna de Maringá. Nas primeiras edições o redator principal era o Ary de Lima, que, entretanto, muito ocupado com os seus compromissos de professor, não pôde continuar. Por insistência do bravo Tavares, aceitei a chefia de redação e iniciamos um trabalho jornalístico que marcou época. Ao mesmo tempo em que

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atuava n’A Tribuna, assumi com Aristeu Brandespim o desafio de produzir a primeira revista da cidade, Maringá Ilustrada, cuja edição inaugural chegou às bancas em agosto de 1957. Na primeira edição os redatores éramos Ary de Lima e eu. A partir da segunda, que trouxe na capa a maquete da nova Catedral em desenho de Edgar Osterroht, fiquei como redator-chefe. Mas Brandespim era um homem arrojado e achou que o nome Maringá Ilustrada restringia o âmbito da publicação. Mudou então para NP – Norte do Paraná em Revista, e no ano seguinte outra vez mudou, passando ao nome definitivo: NP – Novo Paraná, com o projeto de circular em todo o estado. Como eu escrevia a maioria dos textos, usava, tanto na NP quanto n’A Tribuna, diversos pseudônimos: João Guido, César Augusto, Robson, Tabaréu, Bitão e outros. No início de 1965, Ademar Schiavone assumiu a gerência da Rádio Cultura e me convidou para trabalhar com ele. Alguns meses depois, Joaquim Dutra, um dos diretores da Rádio, arrendou as máquinas da Folha do Norte do Paraná e fui para lá com ele, como diretor de redação. Ao deixar a Folha, continuei por mais algum tempo no jornalismo, escrevendo crônicas (algumas com o pseudônimo “João Guido”) para O Diário e Jornal do Povo e para as revistas Aqui, Pois É e Tradição. Todavia, já me preparando para mudar de profissão. Fiz Letras porque ainda não havia em Maringá o curso de Jornalismo. Terminando a graduação, e querendo também ser um semeador das letras, comecei a dar aulas no ensino médio, embora ainda pelejando em jornais e revistas. Em 1976, fui trabalhar no Colégio Santa Cruz, uma experiência muito marcante em minha vida (até hoje me emociono ao reencontrar os ex-alunos). No final de 1979 fui para a UEM, primeiro como assessor de imprensa do reitor Neumar Adélio Godoy, em seguida como professor, após fazer concurso para o Departamento de Letras. Passei então a dar aulas de língua portuguesa, mas, ao mesmo tempo, ainda por alguns anos, prestando serviço à administração da Universidade, na assessoria do reitor Paulo Roberto Pereira de Souza. Terminada a gestão de Paulo Roberto, assumi em tempo integral as atividades de ensino no Departamento de Letras. Em 1997, aposentei. No início ainda senti alguma falta da lufa-lufa. Logo, porém, me acostumei a não precisar mais do relógio, e achei ótimo, principalmente porque pude enfim dispor de tempo para dar asas soltas ao poeta que desde menino habitou em mim. Em 1998, Lucilla também aposentou-se, e desde então passamos a dizer que moramos em “Caboringá”... Como uma de nossas filhas, Maria Ângela, reside em Maringá e a outra, Maria Paula, em Balneário Camboriú, vivemos, Lucilla e eu, pralá-pracá. O gosto pela poesia, como foi dito, manifestou-se em mim desde muito cedo. Comecei, porém, a publicar os primeiros versos já em Maringá, n’A Tribuna. Ledor de Bandeira, Drummond, Quintana, Mário de Andrade, Cecília e de outros mestres do modernismo, tinha preferência pelo verso livre. Em 1959 selecionei um punhado de poemas e fiz um livro chamado Robson. Por que esse título? Por nada. Apenas porque Robson era o pseudônimo que eu geralmente usava para assinar meus poemas nos jornais. O livro, com gene roso prefácio de Luís Carlos Borba e capa de Edgar Osterroht, vale pelo menos pelo seu significado histórico: foi o primeiro impresso em Maringá. O papel foi presente da revista NP e a impressão foi feita de graça na gráfica d’A Tribuna, com tiragem de 500 exemplares, todos eles oferecidos a parentes e amigos. Foi minha “inauguração oficial” como poeta. Em 1960, em Nova Friburgo-RJ, conheci pessoalmente o trovador Luiz Otávio. Ele ali estava, em companhia do poeta J. G. de Araújo Jorge, cuidando dos preparativos dos I Jogos Florais de Nova Friburgo, belíssima festa que marcou o início de um animado movimento literário que nos anos seguintes espalharia a “febre” do trovismo Brasil afora, com repercussão imediata em Portugal. Luiz Otávio, a quem fui apresentado pelo também trovador Delmar Barrão, “intimou-me” a aderir àquele movimento. Expliquei que minha iniciação tinha sido noutro gênero, tentei tirar o corpo fora, porém a argumentação foi irresistível. “Você pode escrever o tipo de poesia que bem entender, disse ele, mas, se quiser ficar conhecido em todo o Brasil, comece a fazer trovas”. Essa conversa ocorreu faz meio século. Comecei. Nunca mais parei. Não fiquei “conhecido em todo o Brasil”, no entanto posso dizer que em todo o Brasil tenho conhecidos, gente muito boa, amigos que, de tão queridos, chamo de irmãos e irmãs. A primeira vez em que ganhei um primeiro lugar em âmbito nacional foi nos I Jogos Florais de Corumbá-MS, em 1968, com a trova: “Num tempo em que tanta guerra / enche o mundo de terror, / benditos os que, na Terra, / semeiam versos de amor!”.

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De 1977 a 1997, exatos 20 anos, não participei desses torneios. Foi, para mim, um período de atividade profissional muito intensa, faltando tempo e cabeça fresca para brincar de poeta. Quem me reintroduziu no trovismo foi um amigo muito querido, o saudoso poeta Newton Meyer, de Pouso Alegre-MG. Num domingo de 1997, ele conversou comigo pelo telefone durante quase uma hora, e acabou reavivando aquela chama que andava apagada. Foi muito bom, porque eu estava recém-aposentado e precisava mesmo de algo desse gênero para manter ativa a mente. Voltei a participar dos concursos e dos encontros de trovadores, e isso até me ajuda a esquecer de que, com o rolar dos anos, a gente vai envelhecendo. (excerto da vida de Assis obtido em seu livro Vida, Verso e Prosa)

Jean de La Fontaine

A Raposa e a Cegonha

Quis a raposa matreira,

Que excede a todas na ronha*, Lá por piques de outro tempo, Pregar uma peça à cegonha.

Topando-a, lhe diz: “comadre, Tenho amanhã belas migas, E eu nada como com gosto Sem convidar as amigas.

De lá ir jantar comigo

Quero que tenha a bondade; Vá em jejum porque pode

Tirar-lhe o almoço a vontade.”

Agradeceu-lhe a cegonha

Uma oferenda tão singela, E contava que teria

Uma grande fartadela.

Ao sítio aprazado foi, Era meio-dia em ponto, E com efeito a raposa

Já tinha o banquete pronto.

Espalhadas num lajedo Pôs as migas do jantar,

E à cegonha diz: “comadre, Aqui as tenho a esfriar.

Creio que são muito boas –

“Sans façon” – vamos a elas.

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Eis logo chupa metade Nas primeiras lambidelas.

No longo bico a cegonha

Nada podia apanhar; E a raposa em ar de mofa, Mamou inteiro o jantar.

Ficando morta de fome,

Não disse nada a cegonha; Mas logo jurou vingar-se Daquela pouca vergonha.

E afetando ser-lhe grata,

Disse: “comadre, eu a instigo A dar-me o gosto amanhã

De ir também jantar comigo.”

A raposa labisqueira Na cegonha se fiou,

E ao convite, às horas dadas, No outro dia não faltou.

Uma botija com papas

Pronta a cegonha lhe tinha; E diz-lhe: “sem cerimônia, A elas, comadre minha.”

Já pelo estreito gargalo Comendo, o bico metia;

E a esperta só lambiscava O que à cegonha caía.

Ela, depois de estar farta, Lhe disse: “prezada amiga, Demos mil graças ao céu Por nos encher a barriga.”

A raposa conhecendo

A vingança da cegonha, Safou-se de orelha baixa,

Com mais fome que vergonha.

Enganadores nocivos, Aprendei esta lição.

Tramas com tramas se pagam, Que é pena de Talião.

Se quase sempre os que iludem Sem que os iludam não passam, Nunca ninguém faça aos outros O que não quer que lhe façam.

Fonte:

La Fontaine. Fábulas. SP: Martin Claret, 2005.

____________ Nota: ronha – Pop. V. : malícia .

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Jean de La Fontaine foi um poeta e fabulista francês. Filho de um inspetor de águas e florestas, nasceu na pequena localidade de Château-Thierry/França, em 8 de julho de 1621. Estudou teologia e direito em Paris, mas seu maior interesse sempre foi a literatura. Escreveu o romance "Os Amores de Psique e Cupido" e tornou-se próximo dos escritores Molière e Racine. Em 1668 foram publicadas as primeiras fábulas, num volume intitulado "Fábulas Escolhidas". O livro era uma coletânea de 124 fábulas, dividida em seis partes. La Fontaine dedicou este livro ao filho do rei Luís 14. As fábulas continham histórias de animais, magistralmente contadas, contendo um fundo moral. Escritas em linguagem simples e atraente, as fábulas de La Fontaine conquistaram imediatamente seus leitores.Várias novas edições das "Fábulas" foram publicadas em vida do autor.

A cada nova edição, novas narrativas foram acrescentadas. Em 1692, La Fontaine, já doente, converteu-se ao catolicismo. Antes de vir a ser fabulista, foi poeta, tentou ser teólogo. Além disso, também entrou para um seminário, mas aí perdeu o interesse. A sua grande obra, “Fábulas”, escrita em três partes, no período de 1668 a 1694, seguiu o estilo do autor grego Esopo, o qual falava da vaidade, estupidez e agressividade humanas através de animais. Faleceu em Paris, 13 de abril de 1695.

Folclore Indigena Tupinambá

O Cocar de Fogo e os Gêmeos Míticos

O filho de Maire-Pochy, o índio vingativo da história anterior, viveu algum tempo entre os tupinambás antes de regressar aos céus, de onde, presumivelmente, viera. O prosseguidor da saga dos Monan possuía um cocar de fogo, ou acangatara, que tinha o poder de incendiar a cabeça daquele que resolvesse experimentá-lo sem a autorização do dono. Apesar disso, não faltou um imprudente disposto a arriscar. Quando as chamas envolveram sua cabeça, ele correu

para uma lagoa e mergulhou, convertendo-se instantaneamente numa saracura. Dizem que é por isso que essa ave possui até hoje o bico e as patas vermelhas. Quando o filho Maire-Pochy retornou à sua verdadeira casa, que era o Sol, deixou no mundo um filho que atendia pelo nome de Maire-Até. Certa feita, Maire-Até resolveu fazer uma viagem com sua esposa. Mas a esposa, além de ser meio lenta,

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estava grávida e não conseguia acompanhar os passos ansiosos do marido. – Lenta mesmo! – disse a voz de Maire-Até, sumindo na mata. A pobre mulher caminhou desatinada até perder-se no cipoal da floresta. – Maire-Até, onde está você? – Ele foi por ali! – disse, de algum lugar, uma voz fininha. A índia estaqueou, assustada. – Quem disse isso? – Siga por aquela vereda, minha mãe! – disse a vozinha, outra vez. Só então ela compreendeu que a voz vinha de dentro da sua barriga. – Você? Então já fala? – disse ela para o próprio ventre. Um pica-pau que observava tudo parou de martelar o tronco da árvore e balançou a cabeça, desconsolado: – Outra doida! Mas era verdade, sim: o feto miraculoso, antes mesmo de nascer, já tinha o dom da fala. – Vamos, minha mãe, alcance meu pai! – disse a vozinha, impaciente. A mulher arremessou-se na direção da vereda e continuou a buscar Maire-Até, mas ele não era capaz de diminuir o passo e cada vez distanciava-se mais.

Ao passar por uma moita cheia de frutinhas vermelhas, a vozinha gritou: – Espere, minha mãe, junte aquelas frutinhas! Mas a índia estava com pressa e não quis parar por nada deste mundo. – Eu quero as frutinhas! – esbravejou a criança, sapateando no ventre da mãe. – Elas não prestam, dão dor de barriga! – exclamou a índia. Ao chegar a uma encruzilhada, ela bateu na barriga. – Para que lado seu pai foi? Infelizmente, desde aquele instante, a vozinha emudeceu. A índia tentou de todos os modos fazer seu ventre falar outra vez, mas tudo o que conseguiu extrair dele foram alguns roncos de fome. Então sua alma conheceu o pânico. Perdida! Sim, agora ela estava positivamente perdida! Não tardaria para que os maus espíritos ou as crias monstruosas da floresta viessem atazaná-la! Depois de muito andar, acabou enxergando uma oca perdida. – Graças a Tupã, estou salva! Pelo menos era o que ela pensava, pois na tal oca vivia um índio que estava havia anos sem ver uma índia. Assim que ela pediu a sua ajuda, ele puxou-a para dentro da oca e fez com ela o que bem quis. Resultado: a esposa de Maire-Até ficou grávida outra vez.

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Quando tudo terminou, ela cobriu o rosto com as mãos. No seu peito misturavam-se a vergonha e o sentimento de vingança. O sentimento de vingança ela votava, antes de tudo, ao seu marido, que não quisera esperá-la. Quando, porém, decidiu levar a cabo a segunda vingança, contra o seu agressor, descobriu que um castigo sobrenatural já havia descido sobre ele: na esteira onde ela havia sido abusada, restava apenas, no lugar do índio, um gambá fedorento. A índia abandonou a oca certa de que suas desditas haviam chegado ao fim, mas ainda havia um mal maior guardado. Nem bem deixara o lugar quando deparou-se com um índio canibal. Ele se apresentou como Jaguaretê e disse que pretendia comê-la. E tal como disse, assim o fez, de tal sorte que a pobre índia foi devorada até o último bocado pelo tal Jaguaretê e pelos da sua comunidade, conhecendo ali, finalmente, o fim das suas desditas. Antes de devorar a índia, porém, o canibal retirou do ventre as duas crianças – o filho de Maire-Até e o do índio que a havia atacado – e atirou-as no monturo. No dia seguinte, algumas índias piedosas recolheram as duas crianças. Diz a lenda que, ao crescerem, os dois irmãos vingaram a morte da mãe atraindo o índio e os seus sequazes até uma ilha, onde lhes prometeram farta alimentação. Na travessia pela água, os canibais se transformaram em animais selvagens – possivelmente

em jaguares, já que, segundo os estudiosos, o nome do líder Jaguaretê remete à figura do jaguar. Maire-Até criou os dois filhos, o legítimo e o ilegítimo. O ilegítimo, como não podia deixar de ser, era discriminado em toda parte, sendo chamado de “o filho do gambá”. Maire-Até educou-os, porém, da mesma maneira, impondo-lhes as provas rudes da selva. Numa dessas provas, os dois irmãos deveriam passar por entre duas rochas que tinham o poder de esmagar aqueles que tentassem passar entre elas. O filho do gambá foi esmagado ao tentar a proeza, enquanto o filho de Maire-Até saiu-se vitorioso. Penalizado, porém, do meio-irmão, o filho legítimo ressuscitou-o, pois possuía os dons mágicos da descendência de Monan, o semideus civilizador. Mas havia, ainda, uma última prova: furtar os utensílios de pesca de Agnen, um ser mítico cuja ocupação principal era a de pescar o peixe Alain, alimento dos mortos. Decidido a ter sucesso no seu furto, o filho legítimo de Maire-Até tornou-se um peixe e, depois de deixar-se pescar, furtou tudo quanto quis enquanto o pescador estava distraído. O filho do gambá, porém, saiu-se mal ao tentar o mesmo estratagema, e acabou sendo morto mais uma vez. Felizmente, o seu irmão demonstrou novamente a sua generosidade e, depois de recolher as espinhas do filho do gambá – lembremos que ele se metamorfoseara em peixe –, assoprou sobre elas e o jovem retornou, desta forma, à vida. Existem várias versões para essas proezas dos gêmeos míticos, que variam muito conforme a tribo,

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mas o certo é que são dois personagens fundamentais da religião indígena.

Fonte: Ademilson S. Franchini. As 100 melhores lendas do folclore brasileiro. Porto Alegre/RS: L&PM, 2011.

Monteiro Lobato Um Homem de Consciência

Chamava-se João Teodoro, só. O mais pacato e modesto dos homens. Honestíssimo e lealíssimo, com um defeito apenas: não dar o mínimo valor a si próprio. Para João Teodoro, a coisa de menos importância no mundo era João Teodoro. Nunca fora nada na vida, nem admitia a hipótese de vir a ser alguma coisa. E por muito tempo não quis sequer o que todos ali queriam: mudar-se para terra melhor. Mas João Teodoro acompanhava com aperto no coração o deperecimento visível de sua Itaoca. - Isto já foi muito melhor, dizia consigo. Já teve três médicos bem bons - Agora só um e bem ruinzote. Já teve seis advogados e hoje mal dá serviço para um rábula ordinário como o Tenório. Nem circo de cavalinhos bate mais por aqui. A gente que presta se muda. Fica o

restolho. Decididamente, a minha Itaoca está se acabando… João Teodoro entrou a incubar a idéia de também mudar-se, mas para isso necessitava dum fato qualquer que o convencesse de maneira absoluta de que Itaoca não tinha mesmo conserto ou arranjo possível. - É isso, deliberou lá por dentro. Quando eu verificar que tudo está perdido, que Itaoca não vale mais nada de nada de nada, então arrumo a trouxa e boto-me fora daqui. Um dia aconteceu a grande novidade: a nomeação de João Teodoro para delegado. Nosso homem recebeu a notícia como se fosse uma porretada no crânio. Delegado, ele! Ele que não era nada, nunca fora nada, não queria ser nada, não se julgava capaz de nada…

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Ser delegado numa cidadezinha daquelas é coisa seríssima. Não há cargo mais importante. É o homem que prende os outros, que solta, que manda dar sovas, que vai à capital falar com o governo. Uma coisa colossal ser delegado - e estava ele, João Teodoro, de-le-ga-do de Itaoca!… João Teodoro caiu em meditação profunda. Passou a noite em claro, pensando e arrumando as malas. Pela madrugada botou-as num burro, montou no seu cavalo magro e partiu.

- Que é isso, João? Para onde se atira tão cedo, assim de armas e bagagens? - Vou-me embora, respondeu o retirante. Verifiquei que Itaoca chegou mesmo ao fim. - Mas como? Agora que você está delegado? - Justamente por isso. Terra em que João Teodoro chega a delegado, eu não moro. Adeus. E sumiu.

Fonte: Monteiro Lobato. Cidades Mortas.

Escultura de Monteiro Lobato

na cidade com seu nome

José Bento Renato Monteiro Lobato nasceu em Taubaté, aos 18 de abril de… 1884 (na verdade 1882). Mamou até 87. Falou tarde, e ouviu pela primeira vez, aos 5 anos, um célebre ditado: “Cavalo pangaré/Mulher que… em pé/Gente de Taubaté/ Dominus libera mé“.

Concordou. Depois, teve caxumba aos 9 anos. Sarampo aos 10. Tosse comprida aos 11. Primeiras espinhas aos 15. Gostava de livros. Leu o Carlos Magno e os doze pares de França, o Robinson Crusoé, e todo o Júlio Verne. Metido em colégio, foi um aluno nem bom nem mau – apagado. Tomou bomba em exame de português, dada pelo

Freire. Insistiu. Formou-se em Direito, com um simplesmente no 4º ano – merecidíssimo. Foi promotor em Areias, mas não promover coisa nenhuma. Não tinha jeito para a chicana e abandonou o anel de rubi (que nunca usou no dedo, aliás).

Fez-se fazendeiro. Gramou café a 4,200 a arroba e feijão a 4.000 o alqueire. Convenceu-se a tempo que isso de ser produtor é sinônimo de ser imbecil e mudou de classe. Passou ao paraíso dos

intermediários. Fez-se negociante, matriculadíssimo. Começou editando a si próprio e acabou editando aos outros. Escreveu umas tantas lorotas que se vendem – Urupês, gênero de grande saída, Cidades mortas, Idéias de Jeca

Tatu, subprodutos, Problema vital, Negrinha, Narizinho. Pretende publicar ainda um romance sensacional que começa por um tiro:

– Pum! E o infame cai redondamente morto… Nesse romance introduzirá uma novidade de grande alcance, qual seja, a de suprimir todos os pedaços que o leitor pula. Particularidades: não faz nem entende de versos, nem tentou o raid a Buenos Aires. Físico: lindo! Fonte: Autobiografia por Monteiro Lobato. A Novela Semanal, São Paulo, nº 1, 2 de maio 1921

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MAIS DO QUE PRODUZIR LIVROS PARA CRIANÇAS, MONTEIRO LOBATO DIALOGAVA COM AS CRIANÇAS. Monteiro Lobato foi uma criança diferente dos outros garotos de sua

geração. A cara enfiada nos livros e os olhos brilhantes a enxergar para muito além da janela do quarto denunciava uma mente irrequieta e fértil imaginação. Seu espaço preferido era a biblioteca do Visconde, na casa da Rua XV de Novembro em Taubaté, onde passava horas folheando revistas ilustradas e aventurando-se nos clássicos da literatura. Mas nem por isso deixou de participar da vida da fazenda, nem de conviver com a população interiorana, seus costumes e suas crenças.

Em 1920 quando seu amigo Hilário Tácito contou-lhe a estória de um peixinho que morreu afogado porque desaprendeu a nadar, Lobato a transformou num pequeno conto que é sua estréia no mundo do faz-de-conta. Lobato reaviva suas lembranças dos tempos de menino, repletas de cenas da roça onde passara a infância. E, assim inspirado, lança a primeira versão de A menina do narizinho arrebitado, narrando as peripécias de uma avó, sua neta órfã, Lúcia, e a inseparável boneca de pano, Emília, além da negra tia Anastácia.

A partir daí Lobato realiza sua vocação de comunicador incomparável na fecunda produção de obras para o público infanto-juvenil.

Procurando a melhor forma de se comunicar com as crianças, Lobato escrevia a seu amigo Rangel: Mando-te o Narizinho escolar. Quero tua impressão de professor acostumado a lidar com crianças. Experimente nalgumas, a ver se interessa. Só procuro isso: que interesse às crianças.

Militante da causa do progresso, Monteiro Lobato percebeu que só através dos jovens seria possível apressar a modificação do mundo. No cenário do sítio da dona Benta fazia transcorrer o Brasil de seus sonhos: democrático, sem opressão, capaz de construir uma grande Nação.

E o fez opondo-se ao conceito de que crianças eram adultos reduzidos em idade e estatura, embora com a mesma psicologia. “A criança é um ser onde a imaginação predomina em absoluto“, defendia. “O meio de interessá-la é falar-lhe à imaginação”. “Escrever para crianças! – exclamou em resposta a um repórter – é admirável… Elas não têm malícia, aceitam tudo, tudo compreendem”.

Captando a lógica e a estrutura do pensamento infantil, Lobato falava não para elas, mas como e no lugar delas. Por isso, pelas suas mãos o aprendizado virava brincadeira séria e as lições escolares mais difíceis – em geral ministradas através de métodos e mestres antiquados – ficavam claras e acessíveis.

Misturando sonho e realidade, Lobato conquistava os pequenos fãs, que logo passavam a dividir com ele o universo em que tudo era possível – bastava usar um pouco de imaginação. Ingrediente que não faltava nas centenas de cartas remetidas por crianças de todas as idades e de todos os cantos do País.

Recebia montanhas de cartas e respondia a todas, tratando as crianças como interlocutores competentes. Não se esquivava de discutir temas como saúde, religião ou política. Além disso, estimulava a atividade literária dos seus leitores, encorajando-os a desenvolver enredos e histórias, ou analisando criticamente sua produção.

De 1920 a 1947 lançou 22 títulos que até hoje continuam a ser editados: Ficção Reinações de Narizinho; Viagem ao Céu; O Saci; As Caçadas de Pedrinho;

Memórias de Emília; O Poço do Visconde; O Picapau Amarelo; A Reforma da Natureza; O Minotauro; A Chave do Tamanho; Os 12 Trabalhos de Hércules; História do Mundo para Crianças; Emília no País da Gramática; Aritmética da Emília; Geografia de Dona Benta; Serões de Dona Benta; História das Invenções

Adaptações Hans Staden; Peter Pan; Don Quixote das Crianças; Histórias de Tia

Nastácia; Fábulas Toda obra literária de Monteiro Lobato tem uma forte conotação política.

Mesmo naquelas de pura fábula, é política a intenção e a motivação do autor. Como jornalista e como editor todo seu trabalho foi pautado por sua vocação político-libertária. Sem filiar-se oficialmente a organizações ou partidos políticos,

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Lobato sempre esteve presente nos debates sobre os problemas nacionais e nunca deixou de opinar sobre os assuntos que afetavam a vida do País.

Sua idéia de Brasil nação instiga seu inconformismo com o desenraizamento cultural. Ataca os modismos importados que nada têm a ver com a realidade e propunha pelo resgate do elemento nativo brasileiro de rica tradição. Nessa mesma linha denuncia a agressão que se faz ao nosso idioma adotando vocábulos estrangeiros por simples espírito de imitação.

Nas diversas cruzadas e causas públicas em que se engajaria ao longo da vida – contra a ditadura de Bernardes primeiro, depois a de Vargas, em defesa do voto secreto -, Monteiro Lobato sonhava transformar o Brasil em uma nação próspera cujo povo pudesse desfrutar os benefícios gerados pelo progresso e desenvolvimento. Com essa perspectiva já na fazenda Buquira, que herda do avô, tentou implantar novos métodos de criação e produção agrícola, incentivando ainda as campanhas de saneamento.

Para Lobato, o atraso do país só seria superado pelo trabalho racional e aposta na modernização. Sua luta pela adoção de processo científicos em todos os níveis da atividade humana encontrou a síntese em Henry Ford que ele traduz em seu personagem Mr. Slang, que rebate as críticas dos céticos que culpam a índole do povo pelo atraso do país.

Certo de que transformaria seu país em uma nação produtiva, eficiente e rica, Monteiro Lobato abandona temporariamente a literatura e a atividade de editor e livreiro, a que se havia dedicado consciente da importância do poder da comunicação, para vivenciar experiências no mundo da indústria e dos negócios.

“O solo, a superfície, apenas permite a subsistência. O enriquecimento vem de baixo. Vem do subsolo“. Entretanto, não bastava explorar as riquezas. Era preciso que o país usufruísse delas. Trabalha para iniciar a produção do ferro com metodologia moderna recém patenteada nos Estados Unidos, utilizando recursos naturais disponíveis no País, tais como a palha do café e o xisto betuminoso.

Os relatórios que envia de Nova York, onde ocupou o posto de adido cultural no consulado brasileiro, são eivados de oportunas observações sobre formas de criar alternativas de exportação de produtos brasileiros. As longas

cartas enviadas posteriormente ao presidente Vargas são verdadeiras plataformas desenvolvimentistas e nacionalistas.

Decidido a convencer o povo brasileiro da importância dos empreendimentos petrolíferos, Lobato alimenta debates pela imprensa e realiza palestras. Prega a necessidade da independência econômica e aponta o caminho para alcançá-la. “Conferências sobre o petróleo constituem novidade absoluta. Conferências de negócio1 Para promover a venda de ações duma companhia! Para levantar dinheiro!”

Num auditório abarrotado em Belo Horizonte, Lobato resume: “Compreendi ser o petróleo a grande coisa, a coisa máxima para o Brasil, a única força com elementos capazes de arrancar o gigante do seu berço de ufanias”.

Lançada em 1931, sua Companhia Petróleos do Brasil tem a metade das ações subscritas em quatro dias. Satisfeito com os primeiros resultados percorre o país divulgando o andamento das últimas descobertas.

Ao mesmo tempo em que reclama dos entraves e da burocracia do Ministério da Agricultura que dificultavam as atividades da sua companhia denuncia, em documento enviado a Vargas, as manobras da Standard Oil para assenhorar-se dos melhores lençóis petrolíferos brasileiros através da filial argentina.

Em 1936, a sonda de Alagoas da Cia. Petróleos Nacional sofre intervenção federal e é interditada. Lobato resiste, consegue levantar alguns recursos e finalmente, a 250 metros de profundidade vê irromper o primeiro jato de gás de petróleo do poço São João, em Riacho Doce, em Alagoas.

Numa jogada estratégica, em 1935, lança pela Cia. Editora Nacional: “A luta pelo petróleo”, de Essad Bey, que denuncia a ineficiência do Serviço Geológico, órgão oficial encarregado das pesquisas, a quem acusa de encampar internamente a política dos trustes internacionais para o Brasil: “não tirar petróleo e não deixar que ninguém o tire“.

Em 1936 lança “O escândalo do Petróleo” que teve duas edições esgotadas em menos de um mês. Convencido de que os trustes tudo fariam para sabotar o petróleo brasileiro, na página de rosto do livro Lobato conclama os militares a assumir sua parcela de responsabilidade na questão da soberania nacional: “Se não ter petróleo é inanimar-se economicamente, militarmente é suicidar-se”. Apesar de todos os reveses, Lobato e seus companheiros persistem e, em julho

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de 1938, realizam a assembléia de constituição da Companhia Matogrossense de Petróleo, com objetivo de perfurar em Porto Esperança, em Mato Grosso, região com a mesma estrutura geológica da Bolívia que estava produzindo óleo de qualidade.

Em março de 1938, Lobato, em carta a Getúlio, ressalta que as novas diretrizes do Departamento Nacional da Produção Mineral representam um golpe de morte para o petróleo no país e exorta: “Pelo amor de Deus, e do Brasil, não preste sua mão generosa à mais cruel e mesquinha obra de vingança pessoal, disfarçada em sublime nacionalismo.”

No dia 20 de março de 1941 é preso subitamente em São Paulo, segundo a agência norte-americana Overseas News Agency, “vítima de intensa campanha de militares brasileiros e outros elementos pró-nazismo, que combatem os elementos democráticos e anglófilos do país“.

Impedido de receber visitas, conversar com outros detentos ou tomar sol no pátio, conta em carta a Purezinha, sua esposa, a vida em prisão. “É a gente sozinho com o pensamento, e nunca o pensamento trabalha tanto. Mas de tanto trabalhar acaba girando num círculo“… Última peça do inquérito policial, o relatório encerrado em 1º de fevereiro, salienta que “ficou provado à saciedade que o Dr. José Bento Monteiro Lobato … procura com notável persistência desmoralizar o Conselho Nacional do Petróleo, sem contudo apresentar qualquer prova de suas acusações”.

Em 1950, inspirados no exemplo de Monteiro Lobato, os partidos políticos de esquerda e os movimentos sociais lançam a campanha de rua em defesa do Petróleo. A campanha “O Petróleo é nosso”, empolga o país e servirá de pretexto para que o Congresso Nacional aprove a legislação sobre o Petróleo que, na última hora, recebeu uma emenda que criou o monopólio da Petrobrás.

Monteiro Lobato nunca escondeu sua paixão pela pintura. Se não lhe foi possível seguir a carreira de artista plástico, tampouco deu para abafar o impulso criativo que despontou à frente da vocação literária, antecedendo, inclusive, o domínio da própria linguagem.

Começou seus rabiscos ainda na infância. Gostaria de se matricular na Escola de Belas Artes, mas, por imposição do avô materno, que assumira sua tutela após a morte dos pais, entra para a Academia de Direito com dezoito

anos incompletos. Tornar-se pintor seria talvez o único sonho descartado em toda a sua vida.

Na Faculdade de Direito, Lobato dava vazão à veia artística no quartinho do chalé avarandado onde morava no Largo do Palácio. Teria virado pintor, mandado às favas o curso de Direito não fosse um incidente com uma caixa de aquarelas, comprada como tinta a óleo: “A vergonha daquela rata matou em mim todas as veleidades pictóricas. Como pretende ser pintor um imbecil que nem distingue aquarela de óleo? “Desistindo de uma arte, caiu nos braços de outra. Fez-se escritor, em uma transposição vocacional que se reflete por toda sua obra.

Quando ponderava sobre sua vocação artística, Lobato admitia uma espécie de saudade do que poderia ter sido, se houvesse optado pela pintura. “No fundo não sou literato, sou pintor. Nasci pintor, mas como nunca peguei nos pincéis a sério … arranjei este derivativo de literatura, e nada mais tenho feito senão pintar com palavras. Minha impressão dominante é puramente visual“.

Tão severo consigo mesmo que, embora pintando e desenhando sem cessar, jamais pretendeu expor seus trabalhos, guardados com carinho em um enorme baú de jacarandá entalhado. Em 1909 chegou a participar de um concurso de cartazes, realizado no Rio de Janeiro, e também colaborou com ilustrações para algumas revistas, como Fon-Fon e Vida Moderna. Ele mesmo fez as ilustrações para a primeira edição de Urupês.

Pintou até os últimos dias de vida – preferencialmente aquarelas – e impregnou suas histórias de coloridos e formas, como se fossem quadros.

Lobato vivia permanentemente preocupado com revelar um Brasil desconhecido a que os intelectuais brasileiros davam as costas. Essa preocupação aliada à necessidade compulsiva de se comunicar – comunicar-se com o próximo, comunicar-se com o mundo – levaram-no ao jornalismo. Seu espírito empreendedor e a necessidade de liberdade absoluta para se expressar transformou o jornalista no empresário editor que revolucionou o mercado de livros no Brasil.

“O escritor confundia-se com o jornalista, o homem de imprensa virava publicista e ambos lançavam mão dos meios de comunicação da época – o livro, jornal e a revista – para tentar despertar a consciência social e criar novos padrões de comportamento coletivo“.

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Lobato é o protótipo do nacionalista de seu tempo, defensor de um nacionalismo que, em todos os tempos, tem sido indispensável para forjar uma nação.

Como escritor, editor ou empresário ele é um homem preocupado com seu país e um arguto crítico social. É esse seu caráter que vai projetá-lo internacionalmente.

Suas obras, de grande repercussão no País, repercutem também nos países vizinhos. Empresário de visão, ele sabe que o mercado de língua espanhola é grande e esteve sempre tentado lançar coisas nossas, traduzidas. Seu sonho como escritor é lançar um livro nos Estados Unidos, mercado para edições de um milhão de exemplares.

Em 1919, pretendeu, sem êxito, estender a Revista do Brasil a Buenos Aires. Em 1921 inicia colaboração com a revista argentina La Novela Semanal; a editora Pátria, de Buenos Aires, lança com sucesso Urupês, em tradução de Benjamin de Garay. Em 1923, uma coletânea de contos é lançada na Espanha, em 1924 outra coletânea é publicada na Argentina. No ano seguinte, quatro contos vertidos para o inglês são publicados nos Estados Unidos. Nessa época também colabora com as revistas francesas La Revue de L’Amerique Latine e La Revue Nouvelle.

Em 1926, Lobato se entusiasma com as idéias e a ações de Henry Ford e começa a publicar uma série de artigos difundindo essas idéias na imprensa carioca, particularmente em O Jornal. Ele acha que ao contrário dos idealistas utópicos, Ford é o idealista orgânico – “o gênio que em 20 anos tornara-se o homem mais rico de todos os tempos“, exemplo que ele quer ver seguido no Brasil. Em seu livro Mr Slang, lançado em 1927, traça um paralelo entre o Brasil e Estados Unidos e reafirma sua crença de que o Brasil pode repetir a façanha do grande desenvolvimento daquele país.

Ainda em 1927, é nomeado por Washington Luís adido comercial interino ao consulado do Brasil em Nova Iorque. Sua permanência nos Estados Unidos confirma o que ele arquitetava para seu país, inspirado no fordismo. Contribui também para modernizar seu pensamento e lhe dá coragem para os passos mais arrojados que mais tarde daria como empresário, lançando-se na busca do petróleo e na transformação do minério do ferro.

Fontes: http://www.projetomemoria.art.br/MonteiroLobato/monteirolobato/index.html http://lobato.globo.com/lobato_ Biografia.asp

Deonísio da Silva Expressões e Suas Origens Parte VI

Lamber os dedos As origens desta expressão prendem-se ao costume de dispensar talheres para as refeições. Tomando os alimentos nas mãos, alguns lambiam os próprios dedos, para aproveitar os últimos restinhos do sabor.

Usamos a frase para indicar estado de grande satisfação, recordando na prática antiga de prolongar os prazeres da boa mesa. O dramaturgo Gil Vicente (1465-1536), fundador do teatro português, foi um dos primeiros a registrá-la, na Farsa dos físicos. Outro

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português, Garcia de Resende (1470-1536), também a transcreveu nuns versos em que alude a uma mulher “que lambeu o dedo depois de gostar”. Em antigas cortes muitos foram os soberanos que recusaram o uso de talheres, em nome do paladar. Ler nas entrelinhas Esta frase dá conta de uma das mais sutilezas da escrita, indicando que num texto até o que não está escrito deve ser lido, pois o sentido vai muito além das palavras, situando-se no contexto, para que não se perca o espírito da coisa, expressão criada para identificar uma lacuna de interpretação. Entre os que primeiro registraram a frase está o escritor francês Charles Augustin Saint-Beuve (1804-1869) que depois de publicar vários poemas e apenas um romance, dedicou-se inteiramente à crítica literária, gênero em que se consagrou como um dos maiores de todos os tempos, lendo nas entrelinhas os autores que comentou. Levou um puxão de orelhas A origem desta frase, expressão que significa repreender, está ligada a antigas tradições populares, que a recolheram de usos e costumes nem sempre vagos, já que inspirados também em documentos jurídicos. As Ordenações Afonsinas prescrevem que os ladrões tenham as orelhas cortadas. O grande navegador português Vasco da Gama (1469-1524) relatou o corte de 800 delas. E Gomes Freire de

Andrade, o conde de Bodadela (1685-1763), governador e capitão-geral do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, personagem do filme Xica da Silva, de Carlos Diegues, recebeu 7800 delas. Depois as orelhas deixaram de ser cortadas e foram somente puxadas. Por fim, tudo virou apenas metáfora de admoestação. Libertas quae sera tamen Os escritores envolvidos no primeiro projeto de Independência do Brasil, a Inconfidência Mineira, em 1792, três anos depois da Revolução Francesa, cunharam o lema Libertas quae sera tamen, tirado de um verso da Primeira Égloga, do poeta latino Virgílio: Libertas quae tamen respexit inertem (a liberdade que tardia, todavia, apiedou-se de mim em minha inércia. O lema, como foi adaptado, é esdrúxulo: a liberdade que tardia, todavia…sic). Para o que queriam os inconfidentes, bastava Libertas quae sera. Ainda assim, o lema, com este erro de transcrição e de tradução, continua nas bandeiras de Minas Gerais e do Acre. Livre nasci, livre vivo, livre morrerei O autor desta frase famosa, Pietro Aretino (1492-1556), tornou-se célebre por seus versos satíricos, licenciosos e cheios de erotismo. Apesar de ter escrito e publicado muito, apenas duas de suas obras passaram à posterioridade: os Diálogos e os Sonetos luxuriosos. Aretino era filho de um sapateiro de Arezzo, na Itália.

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Foi contemporâneo de célebres renascentistas, entre os quais o pintor Ticiano Vercellio (1490-1576), que o imortalizou numa tela, hoje exposta na famosa Galeria Pitti, em Florença. Um dos maiores poetas de seu tempo, o escritor, como tantos outros que tomaram a sexualidade com tema preferencial, foi perseguido por causa da audácia de suas críticas aos poderosos. Mas isto fala! Exclamação atribuída a Dom Pedro II ao experimentar o aparelho apresentado pelo físico e professor de surdos-mudos Alexandre Grahan Bell (1847-1922), um dos inventores do telefone, em 1876. Nosso último monarca e também o derradeiro da América costumava dar uma curiosa atenção às novas tecnologias, ciências e letras no meio século em que governou e reinou no então Império do Brasil. Mas ficou com o telefone quase só para ele, de tão interessante que o considerou. Mateus, primeiro aos teus Esta frase, mandando aos importunos e chatos que se ocupem primeiro de suas próprias coisas, para só depois nos amolar a paciência, tem sua origem nos Evangelhos. Mateus, antes de tornar-se discípulo de Jesus, era odiado por ser cobrador de impostos em Cafarnaum. A profissão já era hostilizada naquele tempo, e o povo abominava esses funcionários do fisco romano que, conquanto judeus, serviam aos dominadores estrangeiros, além de extorquir taxas

pessoais dos contribuintes. Na literatura oral de quase todos os países fixada está esta repulsa, depois recolhida por escritores, como nos versos de um sátira de Gustavo Barroso (1888-1959) no livro Ao som da viola, dando conta de que na vida eterna eles serão condenados. Meu reino por um cavalo O dramaturgo e poeta inglês William Shakespeare (1564-1616) criou um teatro cheio de reis dramáticos. Em suas peças, o poder está sempre presente e os elementos políticos cumprem funções decisivas. São célebres muitas frases proferidas por seus personagens, como “Ser ou não ser, eis a questão” , “Há algo de podre no reino da Dinamarca” e “Meu reino por um cavalo”. Esta última é pronunciada duas vezes pelo rei usurpador, em suas duas únicas falas na cena quatro do quinto ato da peça Ricardo III, ao perder seu cavalo e ser derrotado pelo duque de Richmond na batalha de Bosworth. Misturar alhos com bugalhos Frase que sintetiza confusão, é de uso corrente na linguagem coloquial desde os tempos dos primeiros cultivos do alho, erva de que se aproveita o bulbo, principalmente como tempero. Os namorados, entretanto, procuram evitar pratos com tal condimento, já que o beijo fica mais adequado ao trato com vampiros e não com os amados, dado ao cheiro pouco agradável advindo de sua metabolização no

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organismo. Com o sentido de coisas desconexas e trapalhadas, foi registrada por João Guimarães Rosa num de seus contos: “O senhor pode às vezes distinguir alhos de bugalhos, e tassalhos de borralhos, e vergalhos de chanfalhos, e mangalhos… Mas, e o vice-versa?” Com sua escrita plena de complexidades e sutilezas, o maior escritor brasileiro do século XX misturou muito mais do que alhos com bugalhos, criando novas palavras ao manter alho como sufixo de diversas outras, aproveitando a coincidência fonética de ‘bugalho’, do celta bullaca (conta grande de rosário, noz), rimar com alho, além de designar coisa parecida na forma. Morro pela minha pátria com a espada na mão Última frase pronunciada pelo estadista, ditador e militar paraguaio Francisco Solano López (1826-1870), à beira do riacho Aquidabam, ferido de morte pelo soldado brasileiro Chico Diabo e antes de receber o tiro de misericórdia, disparado pelo gaúcho João Soares, contrariando ordens de seu superior, que ordenou a seus comandados que a capturassem vivo. A frase foi pronunciada no dia 1º de março de 1870 e marcou o fim da Guerra do Paraguai. A espada de Solano López estava com a ponta quebrada, curiosidade que foi registrada pelo comandante-chefe das operações, o Conde d’Eu (1842-1922), em carta enviada a Dom Pedro II (1825-1891), de quem era genro, pois era casado com a princesa Isabel (1846-1921). Curiosidade maior marcou o fim dos vencedores: o pai, a filha e o

genro morreram no exílio, sem espadas na mão e desprezados pela pátria que haviam adotado, o Brasil. Morro porque não morro Esta frase tornou-se famosa por muitos motivos, entre os quais está o de sintetizar em poucas palavras o estado de espírito dos místicos. É de autoria do mais famoso deles, João da Cruz (1542-1591), patrono dos poetas espanhóis, doutor da Igreja e autor dos deslumbrantes poesias em que extravasa sua união mística com Deus, desconcertantes para leitores não-cristãos, dadas as redes de metáforas, paradoxos e outras figuras de linguagem cujo valor ultrapassa o literário. Ele reformou a ordem dos carmelitas e foi por isso perseguido e aprisionado por seus irmãos de hábito. Suas obras, traduzidas para muitas línguas, têm sido objeto de muitos estudos e foram transpostas para o cinema e o teatro muitas vezes. Nada temos a temer, exceto as palavras O escritor Rubens Fonseca (72) não era ainda o admirável romancista, autor de tantos livros de sucesso, quando incrustou esta frase em seu romance de estréia, O caso Morel, publicado em 1973. Até então ele tinha publicado apenas livros de contos, muito elogiados pela crítica. A frase está repetida insistentemente ao longo de uma narrativa marcada por violência e erotismo combinados, sobretudo nas relações amorosas de alguns personagens. Parecia premonição, pois seu livro seguinte, de contos,

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intitulado Feliz Ano Novo, e publicado em 1975, ficou proibido 13 anos, de 1976 a 1989. Inconformado com o veto do então ministro da Justiça do presidente Ernesto Geisel, o autor foi aos tribunais. O processo arrastou-se até 1989, quando em grau de recurso, no Tribunal Regional Federal, o livro foi finalmente liberado. Houve muitas cópias piratas e edições clandestinas em fac-símile enquanto o livro estava proibido. Não entendo patavina Esta frase, que significa declaração de ignorância total sobre determinado assunto, originou-se em certos descuidos gramaticais do historiador romano Tito Lívio (59 ou 64 a.C.-17 d.C.), nascido em Pádua, em italiano

Padova, e em latim, Patavium. Outros escritores latinos, tidos por mais cultos, reprovaram suas expressões, próprias do dialeto da região em que o historiador viveu, o que dificultava o entendimento. Alguns estudiosos dão como explicação o fato de os portugueses terem dificuldade para entender os mercadores e os frades franciscanos patavinos, isto é, originários de Pádua. O próprio Santo Antonio de Lisboa (1195-1231) é o mesmo Santo Antonio de Pádua. Quem não compreende bem certos usos e costumes religiosos, não entende patavina disso também. Fonte: SILVA, Deonísio da. Expressões e suas origens.

Deonísio da Silva nasceu em Siderópolis/SC em 1948. Professor, escritor e etimologista brasileiro, membro da Academia Brasileira de Filologia, vinculado às universidades Unijuí, RS (1972-1981), Ufscar, SP (1981-2003), Estácio, RJ (2003-2015) e Unisul, SC (2014-2015), dando aulas e videoaulas de Língua Portuguesa e respectivas literaturas e desenvolvendo projetos editoriais. Autor de 34 livros, alguns dos quais publicados também em Portugal, Itália, Alemanha, Canadá etc. Suas obras referenciais são o romance "Avante, soldados: para trás" (Prêmio Internacional Casa de las Américas, em júri presidido por José Saramago); "Nos bastidores da censura" (sua tese de doutoramento na USP) e o livro de etimologia "De onde vêm as palavras".

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Um Conto de Guiné-Bissau

Waldir Araújo Salvo pela Morte

República da Guiné-Bissau, é um país da África Ocidental que faz fronteira com o Senegal ao norte, Guiné ao sul e ao leste e com o Oceano Atlântico a

oeste. O território guineense abrange 36.125 quilômetros quadrados de área, com uma população estimada de 1,6 milhão de pessoas. Carlos Nhambréne regressava de mais uma viagem à cidade de Bissau, onde tinha ido tratar de negócios ligados à venda de gado. No caminho para a sua região natal, a cidade de Bafatá, sentou-se confortavelmente no ônibus “Toca-Toca”* que levava cerca de duas dezenas de fatigados passageiros. Abriu cuidadosamente o jornal que ainda não tinha tido tempo de ler e, como sempre faz, foi diretamente para às páginas da necrologia. Era um hábito, um vício ou qualquer outra coisa que o valha, mas o certo é que era um ritual. Tão bizarro quanto fatal. Mal abria um jornal, Carlos Nhambréne ia diretamente para as páginas dos mortos. Tinha um estranho prazer em ver aquelas páginas. Saber quem deixou o mundo dos vivos. Apreciar a foto escolhida pela família do defunto para, pela última vez, mostrá-la a todo o mundo. Todos os dias de manhã, à hora do seu mata-bicho, mandava o pequeno Bubácar comprar o Djamburéré e já com o jornal na mão, repetia o seu ritual de leitura. Ia de

imediato para as páginas da cruz e só depois lia a informação geral espalhada no jornal. Sem nunca antes deixar de apreciar todos os dados dos mortos diariamente anunciados. Conhecia os nomes e os estilos necrológicos das agências funerárias. Apreciava deleitemente os textos: »A Família Enlutada Informa…; »A todos os amigos e conhecidos a agência funerária Deus i Garandi informa do desaparecimento de…«; »A empresa Glória da Guiné informa aos clientes e amigos que o seu Digníssimo gerente deixou o mundo dos vivos.« Nesse dia de regresso à casa depois de mais um excelente negócio, abriu o Djamburéré e foi direto às páginas do seu delírio. Carlos Nhambréne não queria acreditar. Mal começou a ler gelou de espanto. Numa coluna em destaque, com uma foto que lhe era muito familiar leu:

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»Faleceu Carlos Nhambréne - A Família enlutada e amigos informam que o seu ente querido faleceu no passado dia 15 de Abril de 1992. O corpo encontra-se em câmara ardente da Igreja Matriz de Bafatá«. Nhambréne perdeu o fôlego. Era a sua foto estampada na página da necrologia do Djamburéré, o jornal mais lido em toda a região Leste da Guiné-Bissau. Voltou a ler a mensagem ilustrada com um retrato que tirara há pouco mais de um mês na Foto do Leste, do seu vizinho Djibril Mané. Fechou a página impulsivamente. Olhou sorrateiramente para o restante dos passageiros que seguiam no »Toca-Toca«, quatro deles liam o mesmo jornal. Carlos Nhambréne foi subitamente invadido por uma ira fulminante, um sentimento de ódio indescritível. Quem teria feito uma brincadeira de tamanha bizarria? Quem teve a coragem de provocar um dos homens mais temidos da região? Anunciar a morte de alguém que nunca se sentiu tão vivo? Enquanto o transporte, já cansado de muitos quilômetros galgar, percorrendo as massacradas estradas do interior, o comerciante mais proeminente de Bafatá e arredores preparava em silêncio ardente o plano de vingança. »Ah, mas quem fez isto vai pagá-las ou não me chamo Nhambréne Mon di Ferro«. Alcunha pela qual era conhecido em toda a região leste da Guiné-Bissau, Nhambréne »Mon di Ferro«. Por ser um patrão rude e ditador. Por ser um sovina de primeira água. Por se gabar de resolver tudo a pulso. E - por último, mas não menos revelador «, por ter uma prótese de metal que lhe completa o braço direito

subtraído em consequência do acidente que sofrera em 1969, quando o caminhão militar que conduzia pisou uma mina do Colón**, junto à localidade de Candjambari, nos idos e gloriosos tempos da »Luta pela Liberdade da Pátria«. O acidente salvou-lhe a vida. Foi graças a esta desgraça que o triunfante »partido do povo« lhe atribuíra o almejado estatuto de »Combatente da Liberdade da Pátria« e um chorado subsídio ad-eternum, o que lhe permitiu abrir um negócio de gado numa enorme Ponta que comprou e ainda três fábricas de gelo espalhadas pelas caloríficas localidades de Bafatá, Bambadinca e Gabú. Nhambréne dobrou sorrateiramente o jornal, guardou-o na pasta preta que trazia sempre consigo e pôs-se a conjecturar. Sabia que inimigos não lhe faltavam. Amigos, só mesmo os que as circunstâncias emprestavam. Era mais fácil começar pelos últimos tempos. Quem teria motivos para pregar uma partida fúnebre como esta? Tinha dificuldades em ordenar as ideias. É que se trata de tarefa difícil encontrar uma acção deste homem que não tenha magoado fulano ou ofendido sicrano. O temperamento do homem trai qualquer gesto. Exímio gestor dos seus bens, Nhambréne Mon di Ferro era também excessivamente exigente e descaradamente ambicioso. Dormia apenas quatro horas por noite e o resto do tempo aplicava-o a tratar de enriquecer. Não se lhe conhecia filhos nem mulher oficial. Dormia com as empregadas e fazia tudo convencido de que ninguém sabia das suas desventuras noturnas. Das mulheres que tivera por algumas horas ou noites, apenas uma marcou o

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homem. Aminata Sadjó, uma belíssima comerciante de Bambadinca, localidade a escassos quilômetros de Bafatá. Aminata conhecera Nahmbréne numa das viagens de negócios de gado. O homem ficou fascinado com a beleza dessa mulher de etnia mandinga. Uma beleza adornada por uma notória inteligência e capacidade de encantar. No encontro Aminata levou a melhor ao conseguir comprar mais cabeças de gado, deixando Nhambréne enraivecidamente enfeitiçado. O envolvimento entre os dois aconteceria dias depois. Mas foi sol de pouca dura. Não tardou muito, Aminata começara a encontrar no homem mais defeitos que virtudes. Depois de algumas desfeitas do comerciante, pequenas traições e mentiras mal formuladas, Aminata Sadjó nunca mais quis ver Nhambréne de perto. Enquanto isso, a paixão do comerciante de Bafatá por esta linda e misteriosa mulher de Bambadinca não conhecia limites. Mas estava de parte a hipótese de ser a Aminata a autora da fúnebre mensagem. Isto porque a mulher tinha mais que fazer. Detestava a arrogância de Mon di Ferro, mas votava-o ao desprezo. Aliás, o nome de Aminata só surgiu na mente ferida do homem porque é talvez a pessoa mais importante - ou será menos irrelevante?- da sua desinteressante vida. Depois pensou no seu mais acérrimo rival. Samba Dabó, comerciante de cabeças de gado, dono de duas concorridas lojas em Bafatá e respeitado por toda a comunidade muçulmana do Leste. Nhambréne e Dabó cresceram juntos. O ódio de um pelo outro também. Com o passar do tempo, cada um foi à sua vida e voltariam a encontrar-se anos depois. Os dois

feitos homens e comerciantes. Tirando os sinais exteriores que o tempo lhes foi deixando no corpo, mantinham o mesmo caráter. Samba Dabó, sério, trabalhador e pragmático. Carlos Nhambréne, trabalhador, sim, mas pouco sério e muito menos pragmático. Nhambréne fez de tudo para que o negócio de Dabó fracassasse. Até foi ter com o velho Serifo Camará, conhecido Muru*** da zona Leste. Pediu ao velho que utilizasse os seus dons de murundadi**** para atrasar a vida do seu inimigo de estimação. Mas saiu de lá com uma descasca. O Velho Serifo Camará repreendeu-lhe e disse que não utilizava os seus dons para fazer mal a um homem bom. Enquanto isso, Samba Dabó continuou a viver em Bafatá ignorando por completo a existência de Nhambréne. Sabia dos truques e dos constantes atos que este fazia para prejudicá-lo, mas em troca Samba apostava em manter o seu bom nome, a sua melhor defesa. Com tantos afazeres e até pela pouca importância que passou a dispensar ao seu concorrente de negócios, Samba não tinha assim grandes razões para constar na lista dos suspeitos. Bem, assim sendo, só se fosse o novo Governador da região. Jovem recém-nomeado e humilhado por Nhambréne desde o primeiro dia que assumiu o novo posto. Toumane Embalo tinha sido nomeado há poucos meses para substituir um antigo Governador que entendeu que chegara a hora de largar tudo e ir dormitar nas propriedades que foi acumulando ao longo dos tempos do poder. Toumane vinha cheio de energia, com ideias de mudar as coisas, instalar o rigor e desenvolver a região. Sonhos! Mal

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chegou enfrentou a teoria de conspiração instalada e fomentada por Carlos Nhambréne. Os habitantes mais influentes, comandados pelo Mon di Ferro, começaram logo por questionar a capacidade do jovem, a troçar da sua tenra idade e curto currículo. Porém, Toumane tentou não se deixar intimidar, mas teve dificuldades em dar início aos trabalhos. Os seus subordinados olhavam-no com um ar de desconfiança e fingiam não entender a sua linguagem de dinâmica e mudança. Cedo, o jovem administrador identificou o alvo número um, o obstáculo-mor do seu trabalho: Carlos Nhambréne. Mas sabia que a solução não deveria ser hostilizar o homem. Apesar de toda a arrogância e maldade, Nhambréne Mon di Ferro era, sem sombras de dúvidas, dos homens mais poderosos e temidos de Bafatá. A estratégia de Toumane era ter o homem como um aliado, pelo menos nos primeiros tempos. Carlos Nhambréne começara, aliás, a reconhecer o esforço do jovem, que lhe facilitava todas as burocracias relacionadas com o negócio e que lhe convidava para todas as cerimônias oficiais, apresentando o Mon di Ferro como »o nosso mais exímio comerciante e dos mais brilhantes cidadãos da região«. Toumane Embalo estava fora da lista dos suspeitos. Enquanto procurava idealizar outro suspeito voltou a abrir sorrateiramente a página que anunciava a sua morte. Desta vez fixou bem a notícia. Não conseguia relacionar o estilo da escrita necrológica com nenhuma das agências funerárias da região. Fixou a sua fotografia e começou a pensar na sua vida. Quem

era Carlos Nhambréne? Um homem duro e só. Por momentos vislumbrou toda a sua infância. As dificuldades que enfrentara desde os primeiros anos. A morte da mãe e a fuga do pai. Mais tarde a separação dos dois irmãos que decidiram partir para o Senegal à busca de melhor futuro, mas onde acabariam por encontrar a morte. Um tio austero acolheu-o educando sob a lei do chicote e da exploração, mas ensinando-lhe também toda a arte do pastoreio e dos negócios do gado. Era esse tio que viria a deixar tudo em nome de Nhambréne. Uma herança que honrou, fazendo crescer o negócio. Mas o duro passado moldou-lhe a alma e toldou-lhe o sentimento. A dureza passou a ser a palavra de ordem e guia dos seus atos. As relações com as pessoas que o circundavam era meramente mecânica, de puro interesse. Pensou nas maldades que fez sem se aperceber. Nas pessoas que procuravam despertar-lhe o sentimento da amizade e do amor. Pessoas a quem ele sempre respondera com desprezo. Nos empregados que serviram-lhe com dedicação e a quem ele sempre pagou míseros tostões. No pequeno Bubácar que lhe foi entregue para criação, por um casal desfavorecido que julgava que assim protegeria o futuro do rapaz. Criança que hoje não passa de um sujo e maltratado moço de recados. Pensou em tudo mais, mas só se lembrava de atos menos dignos, momentos de maldade de uma vida oca em virtudes. Sentiu-se invadido por um sentimento de remorso do tamanho do mundo. E, de repente, aconteceu algo de incrível. Começou a chorar. Carlos Nhambréne a chorar de remorsos! Chorou compulsivamente

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ignorando as pessoas que iam sentados a seu lado. Pouco depois sentia-se um homem novo, de alma lavada e coração aberto. Imaginou pela primeira vez como seria tudo diferente se ele desse um pouco de si aos outros. E sorriu. Carlos Nhambréne sorriu por ter bons pensamentos! E de repente lembrou-se do sorriso que jamais esquecera. O sorriso da Aminata Sadjó. Breve no gesto, mas eterno na memória de Nhambréne.

Finalmente, quando o cansado Toca-Toca parou em Bafatá, Mon di Ferro reparou que era o único passageiro a descer naquele destino. Voltou para trás e viu apenas mais quatro passageiros sentados no ônibus. Eram as quatro pessoas que também vinham a ler o Djamburéré. Ainda tinham os jornais abertos a tapar-lhes a cara. Já de lado de fora do Toca-Toca, olhou de novo para dentro do ônibus e viu as mesmas pessoas, desta feita com as caras destapadas. Reconheceu a sua mãe, o seu pai e os dois irmãos.

Gelou de espanto, imóvel tal qual uma estátua. O ônibus desapareceu por entre as poeiras das estradas do Leste da Guiné-Bissau. Abriu de novo o jornal na página da necrologia. Já lá não estava a sua morte. Carlos Nhambréne nunca mais foi o mesmo homem. Ainda hoje, quando compra o jornal, continua a ir direto para as páginas da necrologia. Como se à espera de encontrar algo… ---- Notas: *“Toca-Toca” - Carrinha de transporte colectivo de passageiros. **Colón - Diminutivo de Colonialismo. Termo com sentido depreciativo. *** Ponta - Propriedade rural (equivalente a Fazenda, no Brasil) ****Muru - Curandeiro (Pai de Santo) *****Murundadi - Trabalho de curandeiro. Fonte: Waldir Araújo. Admirável Diamante Bruto e outros contos. Portugal: Editora Livro do Dia Editores, 2008.

Waldir Araújo nasceu em 1971, na Guiné-Bissau. Desde muito cedo que mostra interesse pela literatura. Em 1985 vence um prêmio literário no Centro Cultural Português de Bissau que lhe concede a sua primeira viagem a Portugal, onde prosseguiu os estudos. Freqüenta o curso de Direito em Lisboa, que acaba por abandonar, para abraçar o Jornalismo. Desde 1996 que é jornalista, exercendo a profissão na RTP, Rádio e Televisão de Portugal - Canal África. Em Fevereiro de 2008 publica o seu primeiro livro, uma recolha de contos intitulado "Admirável Diamante Bruto e Outros Contos" que veio apresentar na 27ª Feira de Livro de Brasília. Tem vários textos, prosa e poesia publicadas dispersamente em revistas e jornais literários de Portugal e Brasil.

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Análise da Obra de Tomás Antônio Gonzaga Marília de Dirceu

É a lírica amorosa mais popular da literatura de língua portuguesa. Segundo o autor do prefácio da obra (Lisboa - 1957), Rodrigues Lapa, não é a persistência dos elementos tradicionais da poesia, mais ou menos pessoalmente elaborados, que nos dão definitivamente o seu estilo. Este consiste sobretudo nas novidades sentimentais e concepcionais que trouxe para uma literatura, derrancada no esforço de remoer sem cessar a antiguidade. Um amor sincero, na idade em que o homem sente fugir-lhe o ardor da mocidade, e uma prisão injusta e brutal - foram estas duas experiências que fizeram desferir à lira de Dirceu acentos novos. Estamos ainda convencidos de que o clima americano, mais arejado e mais forte, contribuiu poderosamente para a revelação desse estilo, em que se sente já nitidamente os primeiros rebates do romantismo e a impressão iniludível das idéias do tempo.” Dividido em liras que a partir da publicação do poema em livro, em 1792, foram declamadas, musicadas e cantadas em serestas e saraus pelo Brasil afora. Referindo-se à lira III da parte III, Manuel Bandeira escreveu : “Nessa lira esqueceu o Poeta a

paisagem e a vida européia, os pastores, os vinhos, o azeite e as brancas ovelhinhas, esqueceu o travesso deus Cupido, e a sua poesia reflete com formosura a natureza e o ambiente social brasileiro, expressos nos termos da terra com um fino gosto que não tiveram seus precursores”. Existem três fatores básicos que contribuíram para a individualidade poética de Gonzaga: o romance com a menina Maria Dorotéia; a prisão injusta e brutal, como inconfidente; e a magia da natureza e do clima tropical. A obra se divide em duas partes (há uma terceira, cuja autenticidade é contestada por alguns críticos): Na 1ª parte estão os poemas escritos na época anterior à prisão do autor. Nela predominam as composições convencionais, as características arcádicas: o pastor Dirceu celebra a beleza de Marília em pequenas odes anacreônticas. Em algumas liras, entretanto, as convenções mal disfarçam a confissão amorosa do amor: a ansiedade de um quarentão apaixonado por uma adolescente; a necessidade de mostrar que não é um qualquer e que merece sua amada; os projetos de uma sossegada vida futura,

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rodeado de filhos e bem cuidado por suas mulher etc. Nesta 1ª parte das liras o autor denota preferência pelo verso leve, tratado com facilidade. Já a 2ª parte (e a terceira, se autêntica), foi escrita na prisão da ilha das Cobras, e os poemas exprimem a solidão de Dirceu, saudoso de Marília. Encontramos aí a melhor poesia de Gonzaga. Entende-se aqui que as características pré-românticas se fazem sentir mais agudamente. O sentimento da injustiça, da solidão, da saudade de Marília, o temor do futuro e a perspectiva da morte rompem constantemente o equilíbrio clássico. As convenções, embora ainda presentes, não sustentam o equilíbrio neoclássico. O tom confessional e o pessimismo prenunciam o emocionalismo romântico. Nesta 2ª parte das liras, há o emprego do verbo no passado: o poeta vive de lembranças e recordações passadas. Em Marília de Dirceu, há a refinada simplicidade neoclássica: uma dicção aparentemente direta e espontânea, cheia de imagens graciosas e de alegorias mitológicas; um ritmo agradável, suavizado pelos versos curtos, pela alternância de decassílabos e hexassílabos, pelo uso do refrão e dos versos brancos. A estrutura métrica das liras é a versificação pouco variada e, a par dos versos de quatro sílabas, melhor ditos células métricas, vêm a redondilha menor, com acentuação na 2ª e 5ª sílabas; o heróico quebrado, sempre em combinação; a redondilha maior; o decassílabo.

Temas e formas I 1 Eu, Marília, não sou algum vaqueiro, 2 que viva de guardar alheio gado, 3 de tosco trato, de expressões grosseiro, 4 dos frios gelos e dos sóis queimado. 5 Tenho próprio casal e nele assisto; 6 dá-me vinho, legume, fruta, azeite; 7 das brancas ovelhinhas tiro o leite 8 e mais as finas lãs, de que me visto. 9 Graças, Marília, bela, 10 graças à minha estrela! 11 Eu vi o meu semblante numa fonte: 12 dos anos inda não está cortado; 13 Os pastores que habitam este monte 14 respeitam o poder do meu cajado. 15 Com tal destreza toco a sanfoninha, 16 que inveja até me tem o próprio Alceste: 17 ao som dela concerto a voz celeste, 18 nem canto letra que não seja minha. 19 graças, Marília bela, 20 graças à minha estrela!

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Uma leitura atenta do fragmento transcrito permite-nos identificar algumas constantes das Liras: 1. Pastoralismo - bucolismo: na exaltação da vida pastoril, campestre; no entendimento de que a felicidade e a beleza decorrem da vida no campo. É da convenção arcádica o poeta se identificar artisticamente como pastor e identificar sua musa como pastora. Observe estas palavras: “vaqueiro”, “gado”, “ovelhinhas”, “fonte”, “pastores”, “monte”, “cajado”. 2. Otimismo - narcisismo: no estribilho, o poeta manifesta-se satisfeito com o próprio destino: “Graças, Marília bela, / Graças à minha estrela”. É evidente o propósito de auto-valorização (narcisismo): nos versos 11 e 12; na afirmação da juventude: nos versos 13 e 14; na alusão à virilidade; e na exaltação da sensibilidade artística: nos versos 15 e 16. 3. Ideal burguês de vida: na afirmação da condição de proprietário, no orgulho pela posse da terra (versos de 5 a 8), apóia-se o poeta para expressar a consciência de superioridade sobre “o vaqueiro que viva de guardar alheio gado”, que o poeta deprecia (versos 3 e 4). Observa-se esse ideal também no verso 19: Que prazer não terão os pais ao verem Com as mães um dos filhos abraçados;

Jogar outros a luta, outros correrem Nos cordeiros montados! Que estado de ventura! 4. Simplicidade: observe o predomínio da ordem direta da frase e a clareza da expressão, sem muitas figuras de linguagem, próxima do ritmo da prosa. II A minha amada é mais formosa que branco lírio, dobrada rosa, que o cinamomo, quando matiza co’a folha a flor: Vênus não chega ao meu amor. Vasta campina, de trigo cheia, quando na sesta co vento ondeia, ao seu cabelo, quando flutua, não é igual. Tem a cor negra,

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mas quanto val! (…) III (…) Aqui um regato corria, sereno, por margens cobertas de flores e feno; à esquerda se erguia um bosque fechado; e o tempo apressado, que nada respeita, já tudo mudou. São estes os sítios? São estes; mas eu o mesmo não sou. Marília, tu chamas? Espera, que eu vou. 5. Os dois textos revelam a vertente mais convencional da poesia de Gonzaga: a aproximação com o estilo rococó, marcado pela graça, leveza e frivolidade, pelos idílios campestres, pela natureza delicada e aprazível (locus amoenus). Observe os

metros curtos, melódicos que emolduram a suavidade do quadro descrito, como os movimentos sutis de um minueto, dançado na Corte de Luís XV, na época de ouro do Rococó. 6. Mas, em alguns momentos, avulta o realismo descritivo, captando a rusticidade da paisagem e da vida da Colônia. Exemplo marcante é o fragmento que segue. Observe as referências à mineração e à agricultura: IV Tu não verás, Marília, cem cativos tirarem o cascalho e a rica terra, ou dos cercos dos rios caudalosos, ou da minada serra. Não verás separar ao hábil negro do pesado esmeril a grossa areia, e já brilharem os granetes de oiro no fundo da batéia. Não verás derrubar os virgens matos, queimar as capoeiras inda novas, servir de adubo à terra a fértil cinza, lançar os grãos nas covas. Não verás enrolar negros pacotes das secas folhas do cheiroso fumo;

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nem espremer entre as dentadas rodas da doce cana o sumo. (…) V Com os anos, Marília, o gosto falta, e se entorpece o corpo já cansado: triste, o velho cordeiro está deitado, e o leve filho, sempre alegre, salta. A mesma formosura é dote que só goza a mocidade: rugam-se as faces, o cabelo alveja, mal chega a longa idade. Que havemos de esperar Marília bela? que vão passando os florescentes dias? As glórias que vêm tarde, já vêm frias, e pode, enfim, mudar-se a nossa estrela. Ah! não, minha Marília, aproveite-se o tempo, antes que faça o estrago de roubar ao corpo as forças, e ao semblante a graça! 7. O texto V, dos mais belos das liras, manifesta a atitude clássica, o carpe diem (= “aproveita o dia”). Na primeira estrofe, o poeta expressa a consciência da

fugacidade do tempo. Na estrofe seguinte, propõe à Marília a fruição dos prazeres da vida, antes que o tempo fizesse o estrago de “roubar ao corpo [do poeta] as forças, e ao semblante [de Marília], a graça. 8. Nas liras escritas no cárcere, predomina o lirismo lamuriento, pré-romântico, mas submetido ainda à disciplina e sobriedade neoclássicas. Nas últimas liras, nota-se que, ainda quando nem os céus acudiam o poeta em suas atribulações, a expressão de suas dores é contida: VI Porém se os justos céus, por fins ocultos, em tão tirano mal me não socorrem, verás então que os sábios, bem como vivem, morrem. Eu tenho um coração maior que o mundo, tu, formosa Marília, bem o sabes: um coração, e basta, onde tu mesma cabes. 9. As contradições também ocorrem: ora Dirceu se diz pastor, ora se diz magistrado; Marília é muitas vezes pretexto para o exercício poético de Gonzaga e seus traços variam: Aqui Marília tem cabelos pretos:

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VII (…) Os seus compridos cabelos, que sobre as costas ondeiam, são que os de ApoIo mais belos, mas de loura cor não são. Têm a cor da negra noite, e com o branco do rosto fazem, Marília, um composto da mais formosa união. (…) Aqui tem cabelos loiros: VIII (…) Os teus olhos espalham luz divina, a quem a luz do sol em vão se atreve; papoila ou rosa delicada e fina te cobre as faces, que são cor da neve. Os teus cabelos são uns fios d’ouro; teu lindo corpo bálsamos vapora.

(…) Na lira 64, Gonzaga refere-se a Tiradentes depreciativamente. Parece que as expressões ofensivas com que se dirige ao alferes foram ditadas pelo propósito de minimizar seu comprometimento na Inconfidência, já que o processo ainda estava em curso. É o que argumentam os admiradores do poeta, na tentativa de “salvá-lo” como vulto histórico e inconfidente. IX Ama a gente assisada (1) a honra, a vida, o cabedal tão pouco, que ponha uma ação destas (2) nas mãos dum pobre, sem respeito e louco? (3) E quando a comissão lhe confiasse, não tinha pobre soma, que por paga ou esmola lhe mandasse? X O mesmo autor do insulto mais a riso do que a terror me move; deu-lhe nesta loucura, podia-se fazer Netuno ou Jove. A prudência é tratá-lo por demente;

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ou prendê-lo, ou entregá-lo, para dele zombar a moça gente. NOTAS: (1) ajuizada

(2) a Inconfidência (3) Tiradentes Fonte:Passeiweb

Tomás António Gonzaga nasceu em Miragaia, freguesia da cidade portuguesa do Porto, em 11 de agosto de 1744. Filho de mãe portuguesa (de ascendência inglesa, Tomásia Isabel Clarque) e pai brasileiro, nordestino (João Bernardo Gonzaga). Órfão de mãe no primeiro ano de vida, mudou-se com o pai, magistrado brasileiro para Pernambuco em 1751 depois para a Bahia, onde estudou no Colégio dos Jesuítas. Em 1761, voltou a Portugal para cursar Direito na Universidade de Coimbra, tornando-se bacharel em Leis em 1768. Exerceu o cargo de juiz de fora na cidade de Beja, em Portugal. Quando voltou ao Brasil, em 1782, foi nomeado Ouvidor dos Defuntos e Ausentes da comarca de Vila Rica, atual cidade de Ouro Preto, então conheceu a adolescente de apenas dezesseis anos Maria Doroteia Joaquina de Seixas Brandão, a pastora Marília em uma das possíveis interpretações de seus poemas, que teria sido imortalizada em sua obra lírica (Marília de Dirceu) - apesar de ser muito discutível essa versão, tendo em vista as regras retórico-poéticas que prevaleciam no século XVIII, época em que os poemas foram escritos.

Durante sua permanência em Minas Gerais, escreveu Cartas Chilenas, poema satírico em forma de epístolas, uma violenta crítica ao governo colonial. Por seu papel na Inconfidência Mineira, trabalhando junto de outros personagens dessa revolta como: Cláudio Manuel da Costa, Silva Alvarenga e Alvarenga Peixoto, é acusado de conspiração e preso em 1789, cumprindo sua pena de três anos na Fortaleza da Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, tendo seus bens confiscados. Foi, portanto, separado de sua amada, Maria Doroteia. Permaneceu em reclusão por três anos, durante os quais, teria escrito a maior parte das liras atribuídas a ele, pois não há registros de assinatura em qualquer uma de suas poesias. Em 1792, sua pena é comutada em degredo, a pedido pessoal de Maria I de Portugal e o poeta é enviado a costa oriental da África, a fim de cumprir, em Moçambique, a sentença de dez anos. No país africano trabalha como advogado e vindo a se casar em 1793 com Juliana de Sousa Mascarenhas ("pessoa de muitos dotes e poucas letras"),com quem teve dois filhos: Ana Mascarenhas Gonzaga e Alexandre Mascarenhas Gonzaga, vivendo depois disso, durante quinze anos, rico e considerado, até morrer em 1810. No desterro, ocupou os cargos de procurador da Coroa e Fazenda, e o de juiz de Alfândega de Moçambique (cargo que exercia quando morreu). Gonzaga foi muito admirado por poetas Romantismo/românticos como Casimiro de Abreu e Castro Alves. É patrono da cadeira 37 da Academia Brasileira de Letras. Suas principais obras são: Tratado de Direito Natural; Marília de Dirceu; Cartas Chilenas. A data de sua morte não é uma data certa, mas sabe-se que ele veio a falecer entre 1809 e 1810. A poesia de Tomás António Gonzaga apresenta as típicas características árcades e neoclássicas: o pastoril, o bucólico, a Natureza amena, o equilíbrio etc. Paralelamente, possui características pré-românticas (principalmente na segunda parte de Marília de Dirceu, escrita na prisão): confissões de sentimento pessoal, ênfase emotiva estranha aos padrões do neoclassicismo, descrição de paisagens brasileiras, etc. O convívio com o Iluminismo põe em seu estilo a preocupação em atenuar as tensões e racionalizar os conflitos.

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Tomás António Gonzaga escreveu versos marcados por expressão própria, pela harmonização dos elementos racionais e afetivos e por um leve toque de sensualidade. Segundo Alfredo Bosi, Gonzaga está acima de tudo preocupado em "achar a versão literária mais justa dos seus cuidados". Assim, "a figura de Marília, os amores ainda não realizados e a mágoa da separação entram apenas como 'ocasiões' no cancioneiro de Dirceu", o que diferenc ia o autor dos seus futuros colegas românticos. Marília de Dirceu As liras a sua pastora idealizada refletem a trajetória do poeta, na qual a prisão atua como um divisor de águas(a segunda parte do livro é contada dentro da prisão). Antes do encarceramento, num tom de fidelidade, canta a ventura da iniciação amorosa, a satisfação do amante, que, valorizando o momento presente, busca a simplicidade do refúgio na natureza amena, que ora é europeia e ora mineira. Depois da reclusão, num tom trágico de desalento, canta o infortúnio, a injustiça (ele se considera inocente, portanto, injustiçado), o destino e a eterna consolação no amor da figura de Marília. São compostas em redondilha menor ou decassílabos quebrados. Expressam a simplicidade e gracioso lirismo íntimo, decorrentes da naturalidade e da singeleza no trato dos sentimentos e da escolha linguística. Ao delegar posição poética a um campesino, sob cuja pele se esconde um elemento civilizado, Gonzaga demonstra ma is uma vez suas diferenças com a filosofia romântica, pois segue o descrito nas regras para a confecção de éclogas nos manuais de poética da época, que instruem aos poetas que buscam a superação dos antigos, imitando-os, a utilizações de eu-líricos que se aproximem as figuras de pastores, caçadores, hortelãos e vaqueiros. Marília é ora morena, ora loira. O que comprova não ser a pastora, Maria Doroteia na vida real, mas uma figura simbólica que servia à poesia de Tomás António Gonzaga. É anacronismo destinar ao sentimento existente entre o poeta e Maria Doroteia a motivação para a confecção dos poemas, tendo em vista que esse pensamento só surgiu com o pensamento Romântico, no século XIX. É mais cabível a teoria de inspiração no ideal de emulação, que configurava o sentimento poético da época, baseado nas filosofias retórico-poéticas vigentes, em que o poeta, seguindo inúmeras regras de confecção, "imitava" os poetas antigos procurando superá-los. Muitos pouco conhecedores de literatura podem acreditar que o poeta cai em contradições, ora assumindo a postura de pastor que cuida de ovelhas e vive numa choça no alto do monte, ora a do burguês Dr. Tomás António Gonzaga, juiz que lê altos volumes instalados em espaçosa mesa, mas o fazem por analisar os poemas com critérios anacrônicos à época, analisam com pensamentos surgidos após o Romantismo, textos que o precedem. É interessante atentar para alguns aspectos dessa obra de Gonzaga. Cada lira é um dialogo de Dirceu com sua pastora Marília, mas, embora a obra tenha a estrutura de um diálogo, só Dirceu fala (trata-se de um monólogo), chamando Marília em geral com vocativos. Como bem lembra o crítico António Candido, o melhor título para a obra seria Dirceu de Marília, mas o patriarcalismo de Gonzaga nunca lhe permitiria pôr-se como a coisa possuída.Sem esquecer que Tomás António Gonzaga morreu de paixão.Ele foi mandando para a ilha das Cobras no Rio de Janeiro,depois para Moçambique na África.Casando-se com uma filha de um mercador de escravos;diga-se de passagem: Logo ele que era totalmente contra a escravidão. Tomás António Gonzaga já foi retratado como personagem no cinema e na televisão, interpretado por Gianfrancesco Guarnieri na telenovela Dez Vidas (1969), Luiz Linhares no filme Os Inconfidentes (1972) e Eduardo Galvão no filme Tiradentes (1999). Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Tom%C3%A1s_Ant%C3%B4nio_Gonzaga

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Teatro de Ontem, de Hoje, de Sempre Roda Viva

Espetáculo que radicaliza as propostas tropicalistas iniciadas em O Rei da Vela e promove seu diretor José Celso Martinez Corrêa à condição de expoente teatral do movimento. Espetáculo agressivo, síntese da ira e da rebeldia contra um momento político que divide a sociedade, entre a aceitação do regime militar ou a luta contra ele. Tomando o texto de Chico Buarque em torno da vida de um ídolo da canção popular, figura manipulada, quer pela indústria fonográfica, quer pela imprensa, o encenador vê nele a possibilidade de acirrar a crítica à sociedade de consumo, uma das pontas de lança do tropicalismo. Apoiado na eloqüente cenografia e nos figurinos criados por Flávio Império, alcança o limite entre a ação no palco e seus desdobramentos na platéia. Numa passarela que invade o espaço da platéia, ocorrem muitas das cenas criadas para provocar os espectadores. Tachada como emblema do “teatro agressivo” pelo crítico Anatol Rosenfeld, a montagem reflete um

momento em que o teatro assume esse tom violento, de confronto, de cobrança de atitudes frente a uma situação sociopolítica tensa e insustentável. Na crítica ao espetáculo, Marco Antônio de Menezes descreve: “A cortina já está aberta quando você chega: enormes rosas à esquerda, enorme garrafa de Coca-Cola à direita, enorme tela de TV no fundo, uma passarela branca avançando até metade da platéia. […] A campainha toca três vezes, a platéia faz silêncio, ruídos estranhos saem dos alto-falantes, na tela de TV aparece uma frase: ‘Estamos à toa na vida’. […] Entra o coro, com longas túnicas vermelhas e mantilhas pretas. Canta um triste Aleluia, rodeia Benedito. Aparece o Anjo da Guarda (Antônio Pedro), o empresário de TV, com asas negras, cassetete de policial na cintura, maquiagem de palhaço de circo: ‘Benedito não serve, nós precisamos de um ídolo! Você será Ben Silver!’ E o coro joga para trás as túnicas e mantilhas, é agora um grupo de jovens iê-iê-iê que canta: ‘Aleluia, temos feijão na cuia!’ […] O espetáculo

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não está somente no palco, o coro invade a platéia, conversa com ela, e o empresário pede um minuto de silêncio em homenagem ao ídolo: cada participante do coro olha fixamente um espectador (agora todos já entendem por que a bilheteria insistiu em vender ingressos da primeira fila). […] O minuto termina, Ben Silver é carregado para o palco num grotesco andor feito de long-plays e fotos de cantores, conduzido por grotescas caricaturas das ‘macacas de auditório’, que no fim do primeiro ato o levam embora, deitado sobre uma cruz de madeira, nu, cansado sob o peso do próprio sucesso. […] Ben Silver, esgotado pelo sucesso, procura o consolo de sua mulher […] para um linda cena de amor que é repentinamente interrompida pela câmara (sic) de TV e pelo Capeta (o jornalista desonesto) […]. E juntos, o jornalista e o Ibope decretam o fim da carreira de Ben Silver: ‘O ídolo é casado! E além de tudo, é bêbado!’ Uma procissão de três matronas antipáticas tenta salvar o ídolo exigindo que ele faça caridade. Mas nada adianta, Ben Silver acabou. Só há uma solução: transformá-lo em Benedito Lampião, o ‘cantor de protesto’, vestido de nordestino, falando de ‘liberdade’ e de ‘vamos lutar’. A esquerda festiva o aclama, o jornalista vendido perde sua porcentagem e a vontade de elogiar o Lampião. O Ibope, vestido de papa, decreta novo fim para Benedito Lampião. Para manter o prestígio, ele deve suicidar-se. […] A platéia sai do teatro evitando sujar os saltos dos sapatos Chanel nos restos do fígado de Benedito Silva que o coro das fãs devora no final. […] Tudo é caricatura do religioso no espetáculo, que, como

atividade religiosa, se desenvolve em todo o teatro, palco, galerias, platéia (O teatro com que sonhava Antonin Artaud). Para criar o ídolo, ele é liturgicamente paramentado, peça por peça de seu ridículo traje prateado. […] os atores se dirigem agressivamente à platéia, fazem perguntas, pedem assinaturas em manifestos, sacodem e encaram os espectadores (a censura de 14 anos me parece muito pouco severa para o espetáculo). Ben Silver se encontra com a esposa coroado de espinhos, nu, como o Cristo. A tentativa de salvar o ídolo em decadência é encenada como uma procissão, liderada pelo Capeta (seria a peça toda uma Missa Negra?) - que satiriza o jornalista marrom - usando como cruz o conhecido ‘X’ de lâmpadas empregado pelos fotógrafos. E a primeira cena entre Benedito e sua mulher é uma caricatura da Visitação de Nossa Senhora. […] Elementos cristãos, aliás, são misturados com rituais pagãos (o fígado de Prometeu, as orgias de Dionísio), até com rituais políticos (a foice-e-martelo no chapéu nordestino de Benedito Lampião). José Celso, na realidade, mais que dirigir, celebrou Roda Viva”. Por empregar em modo crítico símbolos eclesiásticos e da sociedade de consumo, e desvendar os bastidores de atuação do mercado cultural - demolindo mitos e padrões, escancarando escândalos e negociatas - Roda Viva encontra sérias oposições tanto entre a crítica e o público, e arregimenta, detratores, quanto entusiastas. Após bem-sucedida temporada no Rio de Janeiro, o espetáculo é invadido pelo Comando de Caça aos Comunistas - CCC, nas apresentações em

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São Paulo, onde parte do cenário é destruída e o elenco espancado. Numa viagem a Porto Alegre, nova agressão se registra, o que leva a produção a suspender sua carreira.

Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural

Um Estudo sobre Hamlet, de Shakespeare

artigo de Arnaldo Poesia

“O mundo é todo um palco.”Lema do Globe Theatre, 1599 – Hamlet e Ofélia

Hamlet, príncipe da Dinamarca, peça escrita provavelmente em 1600/2, é seguramente a tragédia de Shakespeare mais representada em todos os tempos e a que mais se prestou a interpretações de toda ordem. Praticamente todos os escritores e pensadores importantes nos últimos quatro séculos deixaram suas impressões sobre o impacto que lhes causou a história do infeliz príncipe da Dinamarca, constrangido a fazer, sem nenhuma vocação para tal, uma terrível vingança.

~ Estrutura e inspiração ~ Estrutural e tecnicamente, Hamlet é a peça mais longa escrita por Shakespeare (4.042 linhas com 29.551 palavras, 73% delas em verso e 27% em prosa)

e, provavelmente, a que mais lhe deu trabalho. Supõe-se inclusive a existência de um esboço original que teria sido alinhavado uns dez ou 12 anos antes da sua conclusão, ali por 1588. Texto que os críticos denominaram de Ur-Hamlet (um primeiro Hamlet). Isso porém são especulações, pois a influência mais direta sobre ele veio mesmo da peça The Spanish Tragedie, Uma Tragédia Espanhola, de um autor de menor importância chamado Thomas Kyd, que a encenou possivelmente em 1590. Não seria a primeira vez na história cultural, nem a última, em que um traço tosco qualquer servisse como chispa para que alguém de talento ou gênio empolgue-se fazendo dele maravilhas.

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~ A história de Hamlet ~ A fonte original da história do príncipe dinamarquês encontrou-se na Gesta Danorum, obra de Saxo Gramaticus, (1150-1206), escrita em latim, mas que recebeu o título de Danish History, na edição inglesa de 1514. A versão que chegou às mãos de Shakespeare é de se supor tenha sido a de Belleforest, intitulada de Histoires Tragiques, de 1570. Coube ao bardo alterar alguns aspectos do enredo e os nomes originais dos personagens. No Hamlet de Shakespeare, por exemplo, Fergon, o rei criminoso que mata o irmão para ficar com o trono e a cunhada chama-se Cláudio; o rei morto Horwendil passou a ser Hamlet-pai, enquanto a rainha Gerutha tornou-se simplesmente Gertudres. Amleth, o filho vingador, foi regravado como Hamlet (o mesmo nome que Shakespeare deu ao seu filho Hamnet, que morreu na infância). Tudo indica que a tragédia, que se passa no castelo de Elsenor, na Dinamarca, era muito popular entre os escandinavos em geral, havendo uma série de lendas dela derivada. Acredita-se que mesmo na época de Shakespeare, uma versão alemã da tragédia do príncipe dinamarquês corria encenada pela Europa. ~ Os personagens ~ Além de Hamlet, fingindo-se boa parte do tempo de louco — e que domina a peça do princípio ao fim como uma estrela lúgubre, sempre trajando preto, demonstrando o luto como um desagrado moral — está o seu rival, o tio Cláudio. Este teria assassinado o pai de Hamlet por meio de um estratagema covarde

(Cláudio pingou gotas de um funesto licor no ouvido do rei Hamlet enquanto este dormia num banco de um jardim no castelo de Elsenor). Havia pois algo de podre no Reino da Dinamarca! Em meio a esses dois leões que vão nutrindo, um pelo outro, um ódio crescente ao longo da história, tentando ser um algodão entre os cristais, está a rainha Gertudres, mãe de Hamlet, e também Polônio, o ministro da casa. Polônio não só é o típico cortesão que pretende acomodar tudo, como também é o pai da jovem Ofélia, a frágil prometida de Hamlet. Ele também tem um filho, Laertes, estudante como Hamlet, que mais tarde, cabalado por Cláudio, vai querer vingar a morte do pai, pois o desastrado Polônio terminara, por engano, mortalmente estocado por Hamlet ao esconder-se atrás de uma cortina no quarto da Rainha Gertrudes. Ao redor desses personagens centrais, circulam outros de menor expressão como Rosencrantz e Guildenstern, ex-colegas de Hamlet que também são aliciados na trama por Cláudio. ~ Um final terrível ~ Depois de peripécias mil, Hamlet, no ato final, vê-se desafiado para um duelo de espada por Laertes. O jovem, devidamente instrumentalizado por Cláudio, que lhe insuflou o desejo de vingança, ainda aceitou participar de uma perfídia. Sabendo ser Hamlet um bom espadachim, deixou-se convencer, pelo rei criminoso, em embeber com mortal veneno a lâmina da sua espada. Garantia-se assim de que o príncipe não sairia vivo do recinto da corte, fosse qual fosse o

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resultado da peleja. O desfecho, porém, foi tétrico. Deu-se uma sucessão avassaladora de mortes. A sala da corte do rei Cláudio tornou-se o sepulcro da dinastia dos Hamlet. Ferido de morte por uma estocada de Hamlet, Laertes, agonizante, revelou-lhe o plano monstruoso do tio. O príncipe, àquela altura, trazia no sangue a poção maligna, pois Laertes o atingira de raspão. ~ Espadas e venenos ~ Não querendo entregar-se à morte, que já lhe anuviava a mente, antes de poder cumprir com a vingança final, Hamlet concentra sua forças para, num só golpe, prostrar o rei Cláudio. Este morre na hora. A rainha Gertrudes, por sua vez, desconhecendo a segunda armadilha que o rei preparara para o seu filho, emborca num gesto só uma taça envenenada que o marido deixara de reserva sobre uma bandeja. Sofre uma síncope instantânea. A cena é brutal. Corpos jazem por todos lados. Laertes e Cláudio, sangram até a morte trespassados pela lâmina de Hamlet, enquanto esse e a rainha sua mãe contraem-se empeçonhados. Nesse momento, eis que surge o jovem Fortimbrás, o novo rei da Dinamarca que viera reclamar o trono (o pai de Fortimbrás vira-se usurpado pelo rei Hamlet). Contemplando o horrível quadro, ele compreende que a justiça final fora feita. A ordem voltara a imperar no Reino da Dinamarca. Purificava-se o trono. A podridão de cercava o reino fora removida.

~ O Hamlet de Goethe ~ Goethe, por exemplo, (Os anos de aprendizagem de Wilhelm Meister, livro IV, cap. 3 e 13), registrou que a verdadeira tragédia de Hamlet, ou que pelo menos mais o tocou, a ele Goethe, deu-se pela súbita ruína que acometeu aquele jovem na sua até então vida segura e de aparente bom convívio familiar. Num repente, com a súbita aparição do espectro do pai, deu-se um terremoto na vida dele. Sofreu desmoronamento total da confiança na ordem ética que era representada pelo elo que o ligava aos pais, os quais amava e honrava, e que se rompera de uma maneira tão horrenda ao descobrir a sordidez que envolvia a morte do pai e o repentino casamento da sua mãe, a rainha Gertrudes. Era Hamlet, para ele, um jovem terno, sensível, que procurava o mais elevado caminho ideal. Modesto, mas com insuficiente força interior, vê-se num repente diante da necessidade de: “uma grande ação” que lhe “é imposta a uma alma que não está em condições de realizá-la.” ….. “um ser belo… que sucumbe sob a carga que não pode carregar sem a jogar para longe de si.” Tornou-se uma espécie de paradigma involuntário do intelectual, pois quase sempre suas ações eram paralisadas pela exuberante atividade do seu pensamento.

~ O Hamlet de Freud ~ A “modernização” psicológica de Hamlet deu-se pela abordagem que Freud fez no seu A Interpretação

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dos Sonhos, de 1900, quando o comparou à figura de Édipo, o trágico rei de Tebas, personagem de Sófocles. Observou, porém, Freud que a fantasia infantil de Hamlet ficou por tempos reprimida, só aflorando numa situação similar à da neurose, bem mais tarde. Para Freud, Hamlet era um histérico que aparentava ter, como demonstram suas atitudes para com Ofélia, repulsa ao sexo. Não o vê porém como um incapaz, concentrado apenas a executar vinganças imaginárias. Afinal ele livra-se, com uma maquinação digna de um discípulo de Maquiavel (obra que Shakespeare conhecia), dos cortesãos Guilderstern e Rosencrantz, que estavam ao serviço do rei Cláudio, como também foi capaz, como se viu, de, num gesto fulminante, trespassar com seu florete a Polônio (que o espionava por detrás da cortina no quarto da rainha Gertrudes). Freud observa que a inação de Hamlet devia-se a que o seu tio Cláudio fizera o que o jovem príncipe (ainda que em seus instantes mais sombrios e reservados momentos oníricos), desejava ter feito: matar o próprio pai! Mesmo reconhecendo que a criatividade de um poeta é formada por diversos motivos, Freud enfatiza que (como não podia deixar de ser para o fundador da ciência da subjetividade), ao escrever Hamlet , fê-lo sob o impacto da morte do seu pai, John, o que explicaria a presença de um espectro paterno no primeiro ato da peça, e lembra também que um dos filhos dele chamava-se Hamnet, concluindo que “a vida anímica do personagem não era outra senão a do próprio Shakespeare”.

Dessa maneira a mais longa peça de Shakespeare seria aquela que carregava as maiores evidências da subjetividade do autor, a que trazia as digitais do gênio por assim dizer. ~ Hamlet maquiavélico ~ Erich Auerbach (Mimesis, no capítulo 13) contraditando Goethe, considerou a interpretação do poeta alemão como adequada ao romantismo do século XVIII. Para ele, e também para Harold Bloom, o personagem de Shakespeare, bem ao contrário do parecer de Goethe, nada tem de rapaz inocente. Hamlet é isto sim astucioso e até temerário em seus ataques. Utiliza-se tanto da dureza selvagem no seu trato com Ofélia, como é capaz do mais absoluto sangue frio quando, ardilosamente, se desfaz dos já citados cortesãos que poderiam atrapalhar o seu plano. Não é, pois, um personagem débil. Ao contrário. É o mais forte da peça. Impõe respeito e temor e parece agir dominado por forças demoníacas. Os seus impulsos, por vezes, parecem predominar sobre tudo o demais. O retardo em agir pode ser visto apenas como um estratagema de um animal cauteloso, um tarimbado sobrevivente das cortes renascentistas, esperando a melhor hora de atacar, e não alguém fragilizado pela indecisão ou pelo medo. ~ A tragédia da inteligência ~ Hamlet é também uma tragédia da inteligência. As artimanhas cerebrais do príncipe são um poderoso instrumento na elaboração da grande vingança. É o

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que o orienta em reproduzir em frente a toda a corte, quase de improviso, aproveitando-se da presença de uma trupe de atores, a cena da morte do seu pai, para expor o seu assassino, o rei Cláudio. Quase toda a ação que ocorre na peça é geralmente precedida de uma concepção intelectual, que se alterna com rompantes bruscos e violentos que terminam conduzindo-o ao trágico final. Seja como for é um cérebro quem conduz a espada. ~ Hamlet e Édipo ~ Para o discípulo e biógrafo de Freud, o Dr. Ernest Jones (Hamlet e o Mito do Complexo de Édipo), a aparição do espectro do pai e o desejo de vingança que então o acomete não passa de um delírio psicótico, comum de ocorrer com quem é atormentado pelo complexo de Édipo. Hamlet não pode perdoar a mãe ter-se casado novamente. Imaginava-se, após a morte do pai, seu substituto, o centro máximo das atenções de Gertrudes. Eis que esse Édipo vê-se frustrado pelo casamento feito um tanto às pressas dela com seu tio Cláudio. Na sua fantasia, o tio usurpou-lhe não só o trono como o afeto da mãe. A vingança resultante nada mais era do que o pretexto para canalizar a frustração dele em ter sido preterido. ~ A mais bem sucedida das histórias ~ Hamlet é certamente a mais bem-sucedida história de vingança levada aos palcos. Ela, desde o início, coloca o público ao lado do jovem príncipe

porque o ato da vingança, que Francis Bacon definiu como uma “forma selvagem de fazer justiça”, sempre seduziu o a todos. Hamlet sente-se pois um reparador de uma injustiça, um homem com uma missão. A ela irá dedicar todos os momentos da sua vida, mesmo que tenha que sacrificar seu amor por Ofélia e ainda ter que tirar a vida de outras pessoas. Talvez seja essa obsessão, essa monomania que toma conta dele desde as primeiras cenas do primeiro ato, que eletrize os espectadores e faça com que eles literalmente bebam todas as palavras do príncipe vingador (Hamlet é o personagem que mais fala na obra de Shakespeare, recita 1.507 linhas). ~ Uma concepção excepcional ~ Além disso, a concepção da peça é espetacular. Os elementos que cercam a tragédia são impressionantes. O castelo assombrado de Elsenor, o espectro que ronda as altas torres clamando por vingança, o mal-estar e o clima de intrigas que se apossa da corte, um príncipe esquisito fingindo-se de louco, o belo achado shakespeariano de fazer teatro dentro do teatro, que o levou a encenar um pequeno drama para apurar um crime, as tramas paralelas, a visita noturna do jovem Hamlet ao cemitério, seguido do seu monólogo empunhando uma caveira, o horrível suicídio da bela e frágil Ofélia e, como conclusão, a tétrica dança da taça envenenada, sorvida em meio a um mortal duelo que encerram com um grand finale a tragédia, tudo isso faz dela um dos maiores achados teatrais de todos os tempos.

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Quanto a sua construção literária, Hamlet expõe em cada ato, em cada cena, as mais belas imagens em verso e prosa da língua inglesa, beleza, diga-se, que consegue a façanha de manter-se mesmo nas adaptações e traduções que tem sido feitas até hoje. Não importando o idioma em que o traduziram. Pessoas de cultura média, e até sofrível, espalhadas pelos quatro cantos do mundo, guardam com

facilidade uma ou outra passagem hamletiana qualquer de cor. O que mais poderia Shakespeare ambicionar para merecer a imortalidade? Fonte: Arnaldo Poesia http://www.starnews2001.com.br/

William Shakespeare nasceu em Stratford-upon-Avon, 23 de Abril de 1564 e faleceu na mesma cidade em 23 de Abril de 1616. Dramaturgo e poeta inglês, amplamente considerado como o maior dramaturgo da Língua inglesa e um dos mais influentes no mundo ocidental. Suas obras que permaneceram ao longo dos tempos consistem de 38 peças, 154 sonetos, dois poemas de narrativa longa, e várias outras poesias. Muitos de seus textos e temas, especialmente os do teatro, permaneceram vivos até aos nossos dias, sendo revisitados com freqüência pelo teatro, televisão, cinema e literatura. Entre suas obras é impossível não ressaltar Romeu e Julieta, que se tornou a história de amor por excelência e Hamlet, que possui uma das frases mais conhecidas da língua inglesa: To be or not to be: that’s the question (Ser ou não ser, eis a questão). É certo que muito pouco se sabe sobre a vida de William Shakespeare. Shakespeare nasceu e foi criado em Stratford-upon-Avon. Acredita-se que William Shakespeare foi filho de John Shakespeare, um bem-sucedido luveiro e sub-prefeito de Straford (depois comerciante de lãs), e Mary Arden, filha afluente de um rico proprietário de terras.

Embora a sua data de nascimento seja desconhecida, admite-se a de 23 de Abril de 1564 com base no registro de seu batizado, a 26 do mesmo mês, devido ao costume, à época, de se batizarem as crianças três dias após o nascimento. Shakespeare foi o terceiro filho de uma prole de oito e o mais velho a sobreviver. Muitos concordam que William foi educado em uma excelente grammar schools da época, um tipo de preparação para a Universidade. No entanto, Park Honan conta, em Shakespeare, uma vida que John foi obrigado a tirá-lo desta escola, quando William deveria ter quinze ou dezesseis anos (algumas fontes citam doze anos). Na década de 1570, John passou a ter um declínio econômico que o impossibilitou junto aos credores e teve um desagradável descenso da sociedade. Acredita-se que, por causa disso, logo o jovem Shakespeare possuiu uma formação colegial incompleta. Segundo certos biógrafos, Shakespeare precisou trabalhar cedo para ajudar a família, aprendendo, inclusive, a tarefa de esquartejar bois e até abater carneiros. Em 1582, aos 18 anos de idade, casou-se com Anne Hathaway, uma mulher de 26 anos, que estava grávida. O casal teve uma filha, Susanna, e dois anos depois, os gêmeos Hamnet e Judith. Após o nascimento dos gêmeos, há pouquissimos vestígios históricos a respeito de Shakespeare, até que ele é mencionado como parte da cena teatral de Londres em 1592. Devido a isso, estudiosos referem-se aos anos 1585 e 1592 como os Anos perdidos de Shakespeare. Não se sabe de exato quando Shakespeare começara a escrever, mas alusões contemporâneas e registros de performances mostram que várias de suas peças foram representadas em Londres em 1592. Neste período, o contexto histórico favorecia o desenvolvimento cultural e artístico, pois a Inglaterra vivia os tempos de ouro sob o reinado da rainha Elizabeth I. O teatro deste período, conhecido como teatro elisabetano, foi de grande importância e primor para os ingleses da alta

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sociedade. Na época, o teatro também era lido, e não apenas assistido e encenado. Havia companhias que compravam obras de aut ores em voga e depois passavam a vender o repertório à s tipografias. As tipografias imprimiam os textos e vendiam a um público leitor que crescia cada vez mais. Isso fazia com que as obras ficassem em domínio público. Após 1606-7, Shakespeare escreveu peças menores, que jamais são atribuídas como suas após 1613. Suas últimas três obras foram colaborações, talvez com John Fletcher, que sucedeu-lhe com o cargo de dramaturgo no King’s Men. Escreveu a sua última peça, A Tempestade, terminada somente em 1613. William Shakespeare morreu em 23 de Abril de 1616, mesmo dia de seu aniversário. A morte de Shakespeare envolve mistério ainda hoje. Os restos mortais de Shakespeare foram sepultados na igreja da Santíssima Trindade (Holy Trinity Church) em Stratford-upon-Avon. Seu túmulo mostra uma estátua vibrante, em pose de literário, mais vivo do que nunca. A cada ano, na comemoração de seu nascimento, é colocada uma nova pena de ave na mão direita de sua estátua. Acredita-se que Shakespeare temia o costume de sua época, em que provavelmente havia a necessidade de esvaziar as mais antigas sepulturas para abrir espaços à novas e, por isso, há um epitáfio na sua lápide, que anuncia a maldição de quem mover seus ossos: “Bom amigo, por Jesus, abstenha-te de profanar o corpo aqui enterrado. Bendito seja o homem que respeite estas pedras, e maldito o que remover meus ossos.” Os eruditos costumam anotar quatro períodos na carreira de dramaturgia de Shakespeare. Até meados de 1590, escreveu principalmente comédias, influenciado por modelos das peças romanas e italianas. O segundo período iniciou-se aproximadamente em 1595, com a tragédia Romeu e Julieta e terminou com A Tragédia de Júlio César, em 1599. Durante esse tempo, escreveu o que são consideradas suas grandes comédias e histórias. De 1600 a 1608, o que chamam de “período sombrio”, Shakespeare escreveu suas mais prestigiadas tragédias: Hamlet, Rei lear e Macbeth. E de aproximadamente 16 08 a 1613, escrevera principalmente tragicomédias e romances. Os primeiros trabalhos gravados de Shakespeare são Ricardo III’ e as três partes de Henry V, escritas em 1590, adiantados durante uma moda para o drama histórico. É difícil datar as primeiras peças de Shakespeare, mas estudiosos de seus textos sugerem que A Megera Domada, A Comédia dos Erros e Titus Andronicus pertencem também ao seu primeiro período. Suas primeiras histórias, parecem dramatizar os resultados destrutivos e fracos ou corruptos do Estado e têm sido interpretadas como uma justificação para as origens da dinastia Tudor. Suas composições foram influenciadas por obras de outros dramaturgos isabelinos, especialmente Thomas Kyd e Christopher Marlowe, pelas tradições do teatro medieval e pelas peças de Sêneca. A Comédia dos Erros também foi baseada em modelos clássicos. As clássicas comédias de Shakespeare, contendo plots (centro da ação, o núcleo da história) duplos e sequências cênicas de comédia, cederam, em meados de 1590, para uma atmosfera romântica em que se encontram suas maiores comédias. Sonho de uma Noite de Verão é uma mistura de romance espirituoso, fantasia, e envolve também a baixa sociedade. A sagacidade das anotações de Muito Barulho por Nada’, a excelente definição da área rural de Como Gostais, e as alegres sequências cênicas de Noite de Reis completam essa sequência de ótimas comédias. Após a peça lírica Ricardo II, escrito quase inteiramente em versículos, Shakespeare introduziu em prosa as histórias depois de 1590, incluindo Henry VI, parte I e II, e Henry V. Seus personagens tornam-se cada vez mais complexos e alternam entre o cômico e o dramático ou o grave, ou o trágico, expandindo, dessa forma, suas próprias identidades. Esse período entre essas tais alternações começa e termina com duas tragédias: Romeu e Julieta, sem dúv ida alguma sua peça mais famosa e a história sobre a adolescência, o amor e a morte; e Júlio César. O período chamado “período trágico” durou de 1600 a 1608, embor a durante esse período ele tenha escrito também a “peça cômica” Medida por medida. Muitos críticos acreditam que as maiores tragédias de Shakespeare representam o pico de sua arte. Seu primeiro herói, Hamlet, provavelmente é o personagens shakespeariano mais discutido do que quaisquer outros, em especial pela sua frase “Ser ou não ser, eis a questão”. Ao contrário do reflexivo e pensativo Hamlet, os heróis das tragédias que se seguiram, em especial Otelo e Rei Lear, são precipitados demais e mais agem

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do que pensam. Essas precipitações sempre acabam por destruir o herói e frequentemente aqueles que ele ama. Em Otelo, o vilão Iago acaba assassinando sua mulher inocente, por quem era apaixonado. Em Rei Lear, o velho rei comete o erro de abdicar de seus poderes, provocando cenas que levam ao assassinato de sua filha e à tortura e a cegueira do Conde de Glócester. Segundo o crítico Frank Kermode, “a peça não oferece nenhum personagem divino ou bom, e não supre da audiência qualquer tipo de alívio de sua crueldade”. Em Macbeth, a mais curta e compactada tragédia shakesperiana, a incontro lável ambição de Macbeth e sua esposa, Lady Macbeth, de assassinar o rei legítimo e usurpar seu trono, até à própria culpa de ambos diante deste ato, faz com que os dois se destruam . Portanto, Hamlet seria seu personagem talvez mais admirado. Hamlet reflete antes da ação em si, é inteligente, perceptivo, observador, profundamente proprietário de uma grande sabedoria diante dos fatos. Suas últimas e grandes tragédias, Antônio e Cleópatra e Coriolano contêm algumas das melhores poesias de Shakespeare e foram consideradas as tragédias de maior êxito pelo poeta e crítico T.S. Eliot. No seu último período, Shakespeare centrou-se na tragicomédia e no romance, completando suas três mais importantes peças dessa fase: Cimberlino, Conto de Inverno e A Tempestade, e também Péricles, príncipe de Tiro. Menos sombrias do que as tragédias, essas quatro peças revelam um tom mais grave da comédia que costumavam produzir na década de 1590, mas suas personagens terminavam com reconciliação e o perdão de seus erros. Certos comentadores vêem essa mudança de estilo como uma forma de visão da vida mais serena por parte de Shakespeare. Shakespeare colaborou com mais dois trabalhos, Henry VIII e Dois parentes nobres, provavelmente com John Fletcher. As peças shakesperianas são peculiares, complexas, misteriosas e com um fundo psicológico espantoso. Uma das qualidades do trabalho de Shakespeare foi justamente sua capacidade de individualizar todos seus personagens, fazendo com que cada um se tornasse facilmente identificado. Shakespeare também era excêntrico e se adaptava a gêneros diferentes. Trabalhando com o sombrio e com o divertido ou cômico, Shakespeare conseguiu chegar perto da unanimidade. Diversos filósofos e psicanalistas estudaram as obras de Shakespeare e a maioria encontrou uma riqueza psicológ ica e existencial. Entre eles, Arthur Schopenhauer, Freud e Goethe são os que mais se destacam. No Brasil, Machado Assis foi muito influenciado pelo dramaturgo. Diversas fontes alegam que Bentinho, de Dom Casmurro, seja a versão tropical de Otelo. A revolta dos canjicas, em O Alienista, é provavelmente uma outra versão da revolta fracassada do Jack Cage, descrita em Henrique IV. Na introdução de A Cartomante, Assis utiliza a frase “há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe vossa vã filosofia”, frase que pode ser encontrada em Hamlet. Publicado em 1609, a obra Sonetos foi o último trabalho publicado de Shakespeare sem fins dramáticos. Os estudiosos não estão certos de quando cada um dos 154 sonetos da obra foram compostos, mas evidências sugerem que Shakespeare as escreveu durante toda sua carreira para leitores particulares. Fontes: Biblioteca Eletronica. In Revista do CD Roim. n.156. julho 2008. Editora Europa. (CD-ROM). http://pt.wikipedia.org

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Fábulas sem Fronteiras Espanha O Anão e o Gigante

Um anão que media apenas dois palmos e era mais terrível do que a fome, certo dia saiu em busca de trabalho, pois estava muito necessitado. Procurou por toda parte, mas ninguém queria lhe dar emprego. Por fim, encontrou um gigante, que disse: – Vou contratar seus serviços, mas com uma condição. – E que condição é essa? – Você terá que fazer as mesmas coisas que eu. Se não fizer, será morto. Se fizer, ficará rico. – De acordo. Se eu me sair bem, serei um homem próspero. Se não, você me matará. – Isso. Na manhã seguinte, o gigante convidou o anão para roubar lenha numa fazenda cujo dono tinha fama de ser violento, sobretudo com aqueles que ousavam invadir sua propriedade. E os dois lá se foram. Ao chegar à fazenda, o gigante começou a trabalhar. Juntou um imenso feixe de lenha e o ergueu nos ombros. Mas o anão, sem se impressionar com a façanha do gigante, pegou uma corda muito comprida

e estendeu-a no chão. Depois começou a recolher gravetos, arrumando-os cuidadosamente, um ao lado do outro, sobre a corda. O gigante, curioso, perguntou: – O que você está fazendo? O anão, sem interromper sua meticulosa tarefa, respondeu: – Ora, esse feixe que você está levando não é nada. – Não? Pois quero ver você carregar um igual. – Farei muito melhor – respondeu o anão. – Enquanto não colocar sobre a corda toda a madeira que há neste bosque, não sairei daqui. – Mas, homem, você está maluco! – o gigante exclamou assustado. – Desse jeito, o dono da fazenda vai nos descobrir e nos matar! – Pouco me importa – disse o anão. – Já decidi e não volto atrás: ou levo o bosque inteiro ou não levo nada. – Então, deixe estar. Esta você ganhou. Mas vamos sair daqui, rápido.

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E lá se foram, o gigante com seu grande feixe, o anão com as mãos nos bolsos. No dia seguinte, o gigante convidou o anão para buscar água. A alguns quilômetros de distância havia uma nascente que, com suas águas límpidas e puras, supria os habitantes do povoado. – Vamos lá – disse o gigante, pegando dois baldes enormes. – Eu não carrego baldes – disse o anão. – Para mim, bastam uma picareta e uma pá. – E para que diabos você quer essas ferramentas? O anão nada respondeu. Os dois caminharam em silêncio até a nascente. Lá chegando, o gigante repetiu a pergunta, dessa vez num tom ameaçador. Muito calmo, o anão disse: – Para mim não tem graça carregar baldes. O que eu quero mesmo é desviar toda essa água para sua casa. Assim, você poderá viver tranquilamente, sem pensar mais nesse assunto. Pegando a picareta e a pá, o anão começou a cavar, enquanto dizia: – Talvez eu demore um pouco, mas vou fazer o fluxo de água mudar de rumo. O gigante reagiu assustado: Você ficou maluco, homem! Se o pessoal do povoado descobrir isso, estaremos perdidos.

– Pouco me importa – respondeu o anão, sem interromper o que fazia. – Ou levo toda a água da nascente para casa ou não levo nada. – Já chega de cavar – disse o gigante, entregando os pontos. – Você também ganhou esta. No dia seguinte, os dois foram ao centro do povoado. No pátio da prefeitura, alguns homens treinavam para um torneio de lançamento de dardos, que aconteceria em breve. O gigante resolveu entrar no jogo. Pegou um dardo e lançou-o muito longe, bem mais do que todos os outros jogadores. Voltando-se para o anão, disse: – Agora é a sua vez. O anão escolheu um dardo, examinou-o com atenção e ordenou: – Afastem-se, pois preciso de espaço para jogar. Todos recuaram, mas o anão insistiu: – Para trás! Muito mais para trás, minha gente! – Mas aonde você pretende atirar este dardo? – perguntou o gigante. Apontando uma casa, no topo de uma colina, o anão respondeu: – Está vendo aquela janela, a mais alta? Pois é lá que vou atirar. – Mas o que há com você, homem? – Nada, oras. Só que me deu vontade de acertar lá, que com certeza é a janela do sótão. – Mas aquela é a casa do prefeito. E se você jogar mesmo esse dardo, iremos parar na cadeia.

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– Pois ou acerto a janela, ou não jogo mais. – Então, vamos parar por aqui – disse o gigante. – E como ficam nossas contas? – Você também ganhou esta. Na manhã seguinte, o gigante carregou um burro com dois alforjes cheios de dinheiro. Chamou o anão e disse-lhe que podia ir embora, pois o trato estava terminado. O anão montou o animal, despediu-se de seu ex-patrão e partiu. A mulher do gigante, que estava a par de tudo, repreendeu-o severamente: – Como você é estúpido! Nem percebeu que aquele anão trapaceou o tempo todo. E ainda por cima saiu ileso, levando seu burro e seu dinheiro. Caindo em si, o gigante respondeu: – Tem razão. Agora mesmo vou acabar com aquele salafrário. O anão já ia longe, quando viu que o gigante se aproximava furioso. Então escondeu o burro atrás de uns arbustos e colocou-se bem no meio da estrada, a

cabeça jogada para trás, a mão em concha sobre os olhos fixos no céu, como se procurasse algo. Logo o gigante chegou e disse: – O que é que você está olhando? E o anão, calmo como sempre, respondeu: – Nada… É que o burro que você me deu não estava podendo com a carga e começou a empacar. Então, dei-lhe um pontapé com tanta força, que ele foi parar lá no alto e até agora não caiu. Estou só esperando que chegue aqui embaixo para lhe dar outro. E com esse, garanto, ele nunca mais vai descer. Ao ouvir isso, o gigante correu de volta para casa muito assustado: – Meu Deus, Nossa Senhora, que todos os santos do Céu me protejam! Se me descuido, ele fará isso comigo também. E assim o anão retomou a viagem em paz, com seu burro, seu dinheiro, suas artes, suas manhas. Fonte: Contos Populares Espanhóis. Tradução e seleção Yara Maria Camillo. São Paulo: Landy Editora, 2005. p. 13-16.

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Estante de Livros

Monteiro Lobato

Biblioteca

REINAÇÕES DE NARIZINHO O livro-mater, a locomotiva do comboio, o puxa-fila.

A história começa. Aparecem Narizinho, Pedrinho, Emília, o visconde, Rabicó, Quindim, Nastácia, o Burro Falante… e o milagre do estilo de Monteiro Lobato vai tramando uma série infinita de cenas e aventuras em que a realidade e a fantasia, tratadas pela sua poderosa imaginação, se misturam de maneira inextricável – tal qual se dá normalmente na cabeça das crianças. O encanto que as crianças encontram nestas histórias vem sobretudo disso: são como se elas próprias as estivessem compondo em sua imaginativa, e na língua que todos falamos nesta terra – não em nenhuma língua artificial e artificiosa, mais produto da “literatura” do que da espontaneidade natural. – Volume com 312 páginas

VIAGEM AO CÉU E O SACI Pedrinho consegue obter uma boa dose do pó de

pirlimpimpim, o pó mágico que transporta as criaturas a qualquer ponto do Espaço e a qualquer momento do Tempo – e distribuindo pitadas a Narizinho, Emília, o visconde, Nastácia e o Burro Falante, empreende a viagem ao céu astronômico. Vão parar na lua, onde tia Nastácia fica como cozinheira de S. Jorge, enquanto os outros visitam Marte e Saturno e a Via Láctea, na qual encontram o Anjinho de Asa Quebrada. Enquanto brincam no éter, vão aprendendo sólidas noções de astronomia – só voltam de lá quando dona Benta os chama com um bom berro: “já pra baixo, cambada!”.

Na Segunda parte, O Saci, desenvolve-se a estranha aventura que teve Pedrinho com um saci que conseguiu pegar com a peneira e conservar preso numa garrafa. O diabinho de uma perna só proporciona ao garoto ensejo de conhecer a vida

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noturna e fantástica das matas – com visões da Mula Sem Cabeça, da Caapora, do Lobisomem, do Boitatá, e das principais criações mitológicas do nosso folclore. – Volume com 275 páginas.

CAÇADAS DE PEDRINHO E HANS STADEN Neste volume Pedrinho organiza uma caçada de

onça e sai vitorioso como também sai vitorioso do ataque das onças e outros animais de presa ao sítio de dona Benta. Depois encontra um rinoceronte, fugido de um circo do Rio, que se refugiara naquelas matas – um animal pacatíssimo e de bastante ilustração, do qual Emília tomou conta, depois de batizá-lo de Quindim.

Completa o volume a narrativa feita por dona Benta das celebres Aventuras de Hans Staden. Este aventureiro alemão veio ao Brasil em 1559 e esteve nove meses prisioneiro dos tupinambás, a assistir cenas de antropofagia e à espera de ser devorado de um momento para outro. Mas salva-se. Volta para a Alemanha e lá publica o seu livro: o primeiro que aparece com cenário brasileiro e um dos mais pungentes e vivos de todas as literaturas. – Volume com 144 páginas.

HISTÓRIA DO MUNDO PARA CRIANÇAS Este livro de Monteiro Lobato teve uma aceitação

excepcional, estando já a caminho de 200.000 exemplares. Nele o autor dá um apanhado da evolução humana, e da história da humanidade no planeta, na seriação clássica de todas as “histórias universais” –

mas escrita de modo extremamente atrativo, como um verdadeiro romance policial posto em nível infantil. As crianças lêem avidamente este livro, como lêem as histórias da carochinha, e desse modo criam uma história da civilização. E os pais também lucram imensamente com a leitura deste livro; dum certo modo podemos dizer que o que o grosso da nossa população sabe de história é o que Monteiro Lobato conta em sua exposição para as crianças … – Volume com 313 páginas.

MEMÓRIAS DA EMÍLIA E PETER PAN Emília, a terrível Emília, resolve escrever Memórias

e as escreve com as unhas do visconde. Nelas vem o episódio, tão vivo e interessante da visita das crianças inglesas ao sítio de dona Benta, trazidas pelo velho almirante Brown. Vieram para conhecer o Anjinho de Asa Quebrada, que Emília descobre na Via Láctea, durante a Viagem ao Céu. Emília conta tudo – o que houve e o que não houve; e vai dando as suas ideiazinhas sobre tudo – ou a sua filosofia, que muitas vezes faz dona Benta olhar para tia Nastácia, e murmurar: “Já viu, que diabinha?”.

Na Segunda parte, Peter Pan, dona Benta recebe o famoso livro de Sir John Barrie, Peter Pan and Wendy e o lê da sua moda para as crianças. Durante a leitura, a espaços interrompidos de cenas provocadas pelos meninos e, sobretudo, pela Emília, ocorre o caso do desaparecimento da sombra da tia Nastácia. Quem furtou a sombra da pobre negra? O visconde é posto a

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investigar, e como é um excelente Sherlock, descobre tudo: artes da Emília… – Volume com 247 páginas.

EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA E ARITMÉTICA

DA EMÍLIA Temos aqui uma das obras primas de Monteiro

Lobato, e o mais original de quantos livros se escreveram até hoje. Lobato figura a língua como uma cidade, a cidade da Gramática, e leva para lá o pessoalzinho do sítio, montado no rinoceronte. E é este paciente paquiderme o gramático que tudo mostra e explica. Há a entrevista de Emília com o venerando Verbo Ser, que é uma pura criação. E a reforma ortográfica, que Emília opera à força, com o rinoceronte ali ao seu lado para sustentar suas decisões, constitui um episódio que não só encanta as crianças pela fabulação como ensina de modo indelével as principais regras da ortografia.

Na Aritmética da Emília, Monteiro Lobato usa do mesmo sistema e consegue, numa matéria tão árida como a aritmética, transformar o velho Trajano numa linda brincadeira no pomar. O quadro negro em que faziam contas a giz era o couro do Quindim… Volume com 302 páginas.

GEOGRAFIA DA DONA BENTA Em vez de estudar geografia nos livros, como fazem

todas as crianças, o pessoalzinho do sítio embarca no “O terror dos Mares” e sai pelo mundo afora, a “viver” geografia. E a geografia, aquele estudo penoso e tão sem graça, se torna uma aventura linda, com paradas

em inúmeros portos e descidas em terra para ver as coisas mais notáveis de todos os países. É brincadeira das mais divertidas e é um preciosíssimo curso de geografia, porque as noções desse modo adquiridas ficam para sempre – não são esquecidas nunca. – Volume com 261 páginas.

SERÕES DA DONA BENTA Um certo dia dona Benta resolve ensinar física aos

meninos e em vários serões faz um verdadeiro curso de física, melhor que quanto é feito, penosamente, nos ginásios. A física perde a sua secura. Os diálogos, os incidentes, as constantes perguntas dos meninos – e as constantes perguntas dos meninos – e as ocasionais maluquices da Emília, amenizam a matéria. Trata-se de um livro para meninos aí de seus 12 anos, já em idade ginasial, e que se tem revelado preciosíssimo auxiliar dos compêndios oficiais. – Volume com 352 páginas.

D. QUIXOTE DAS CRIANÇAS As arqui-famosas aventuras de D. Quixote de la

Mancha e de seu gordo escudeiro Sancho aparecem aqui contadas por dona Benta, naquele seu modo de contar que é só dela. Emília entusiasma-se com o herói e em certo momento resolve imitá-lo – e armada dum cabo de vassoura, feito lança, investe contra as galinhas do quintal. E faz que tia Nastácia teve que agarrá-la e prendê-la numa gaiola, como aconteceu com o herói da Mancha na sua loucura… – Volume com 239 páginas.

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O POÇO DO VISCONDE Um precioso livro em que a geologia, sobretudo a

geologia especial do petróleo, é exposta ao vivo e com profundo conhecimento da matéria. O visconde vira geólogo, preleciona, ensina a teoria e depois passa à prática; abertura de poços de petróleo nas terras do sítio de dona Benta. E tão bem são conduzidos os estudos geológicos e geofísicos, que a Companhia Donabentense de Petróleo, por eles fundada, consegue abrir o primeiro poço de petróleo do Brasil: o Caraminguá nº 1. – Volume com 253 páginas.

HISTÓRIAS DE TIA NASTÁCIA São as histórias mais populares do nosso folclore,

contadas por tia Nastácia e comentadas pelos meninos. Nesses comentários, no fim de cada história, Pedrinho, Narizinho e Emília se revelam bem dotados de senso crítico, e “julgam” as histórias da negra com muito critério e segurança. É um livro que “ensina” a arte da crítica – coisa que pela primeira vez um escritor procura inocular nas crianças. – Volume com 226 páginas.

O PICAPAU AMARELO E A REFORMA DA

NATUREZA Dona Benta adquire todas as terras em redor do

sítio para atender a uma coisa prodigiosa: a resolução que os personagens da fábula tomaram de irem morar lá. Branca de Neve com os sete anões, D. Quixote e Sancho, Peter Pan e os meninos perdidos do País do

Nunca, a Gata Borralheira, todas as princesas e príncipes encantados das histórias da carochinha, os heróis da mitologia grega, tudo, tudo que é criação da Fábula muda-se com armas e bagagens para o Picapau Amarelo, levando os castelos, os palácios, as casinhas mimosas como a de Capinha Vermelha e até os mares. Peter Pan transporta pra lá até o Mar dos Piratas. Acontecem maravilhas; mas no casamento de Branca de Neve com o príncipe Codadad, o maravilhoso sítio é assaltado pelos monstros da fábula – e no tumulto que houve tia Nastácia desaparece… – Volume com 295 páginas.

O MINOTAURO Neste livro desenrolam-se as aventuras de Pedrinho,

do visconde e da Emília na Grécia Heróica, para onde foram em procura de tia Nastácia. Acontecem mil coisas, e afinal descobrem o paradeiro da negra, graças à ajuda do Oráculo de Delfos. Estava presa no Labirinto de Creta, nas unhas do Minotauro! Mas tia Nastácia já havia domesticado esse monstro, à força de bolinhos e quitutes; deixara-o tão gordo que os meninos puderam entrar no Labirinto e salvá-la sem que ele, espaçado no trono, pensasse em reagir… – Volume com 255 páginas.

A CHAVE DO TAMANHO O mais original dos livros de Monteiro Lobato.

Emília, furiosa com a duração da guerra, resolve acabar com a guerra. Como? Indo Ter à Casa das Chaves, lá nos confins do mundo, e “virando” a Chave

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da Guerra. Mas comete um erro e em vez da Chave da Guerra vira a Chave do Tamanho, isto é, a chave que regula o tamanho das criaturas humanas. Em conseqüência, subitamente todas as criaturas humanas do mundo inteiro “perdem o tamanho”, ficam de dois, três centímetros de estatura – e Lobato conta o que se seguiu. Trata-se de um livro rigorosamente lógico, e que inocula nas crianças o senso da relatividade de todas as coisas. – Volume com 200 páginas.

FÁBULAS Neste livro Monteiro Lobato reescreve as velhas

fábulas de Esopo e La Fontaine, mas comentadamente. A novidade do livro está nestes comentários, em que as fábulas são criticadas com a maior independência – e Emília chega a ponto de “querer linchar” uma delas, cuja lição de moral lhe pareceu muito cruel. Um livro encantador, em que o gênio dos velhos fabulistas é singularmente realçado pelos diálogos entre os meninos, que a inventiva de Monteiro Lobato vai criando com a maior agudeza e frescura. – Volume com 300 páginas.

OS DOZE TRABALHOS DE HÉRCULES Pela primeira vez em todas as literaturas os

famosíssimos Trabalhos de Hércules – o mais belo romance fantástico da Antigüidade Clássica – aparece desenvolvido à moderna – e vivificado pela colaboração de Pedrinho, Emília e o visconde de Sabugosa. Esses três heroisinhos modernos penetram na Grécia Heróica

a fim de acompanhar as façanhas de Hércules – e acompanham-nas, nelas tomando parte e muitas vezes salvando o grande herói. Do decorrer das aventuras ressalta a lição moral da superioridade da inteligência espontânea, viva como azougue e sempre vitoriosa. Livro que é um encanto para as crianças e para todos os adultos de bom gosto. 2 tomos com 584 páginas.

URUPÊS Esse livro de contos, considerado por muitos como a

obra-prima de Monteiro Lobato, tornou-se um clássico da literatura brasileira. É um fenômeno sem precedente que provoca um terremoto literário, outro sociológico e outro político. A primeira edição, lançada em 1918 foi toda ilustrada pelo próprio Lobato.

Junto com Saci, constitui a primeira experiência e também o primeiro êxito editorial de Lobato, financiada com recursos próprios.

A terceira edição, em 1919, esgotou-se rapidamente devido a uma longa referência ao personagem central do livro feita por Rui Barbosa, o que ensejou uma quarta edição. Lobato brinca com o idioma, adota o vocabulário doméstico do interior de São Paulo, cria palavras novas – como por exemplo, “matracolejando gargalhadas” – muitas das quais estão hoje nos dicionários. São vários contos retratando aspectos da realidade brasileira nos quais denuncia, numa linguagem vigorosa, o drama da exclusão social que ainda persiste no Brasil pós Lobato. Velha Praga é uma reportagem sobre os grandes incêndios produzindo estragos na lavoura e na economia do País

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comparáveis a uma grande guerra. Buscando culpa refere-se ao nosso caboclo como “funesto parasita da terra… inadaptável à civilização”. Em Urupês ele contrapõe aos heróis da literatura indigenista o caboclo, o pobre Jeca Tatu, indiferente ao desenvolvimento do País. O livro provocou muita polêmica por seu conteúdo racista. Lobato mais tarde reconheceu que o retrato do caboclo era injusto, que a culpa não era do Jeca, mas sim daqueles responsáveis pela sua miséria e abandono.

Contos: Os faroleiros – O engraçado arrependido – A colcha

de retalhos – A vingança da peroba – Um suplício moderno – Meu conto de Maupassant – Pollice verso – Bucólica – O mata-pau – Boca torta – O comprador de fazendas – O estigma – Velha Praga – Urupês

CIDADES MORTAS Foi publicado originalmente em 1919 numa edição

da Revista do Brasil. Reúne os primeiros escritos de Lobato, ainda estudante em Taubaté, e contos que escreveu antes de seguir para os Estados Unidos para ocupar um posto no Consulado brasileiro em Nova Iorque. Mostra o Brasil de duas épocas, porém com os mesmos problemas, onde os políticos não têm a menor preocupação social.

Nos contos transparece a transição na agricultura brasileira provocada pela grande crise do café ocorrida em 1929. É um retrato bem nítido do que era São Paulo nos anos 20.

Contos: Cidades mortas – A vida em Oblivion – Os

perturbadores do silêncio – Vidinha ociosa – Cavalinhos – Noite de São João – O pito do reverendo – Pedro Pichorra – Cabelos compridos – O resto de onça – Porque Lopes se casou – Júri na roça – Gens ennuyeux – O fígado indiscreto – O plágio – O romance do Chopin – O luzeiro agrícola – A cruz de ouro – De como quebrei a cabeça à mulher do Melo – O espião alemão – Café! Café! – Toque outra – Um homem de consciência – Anta que berra – O avô do Crispim – Era no Paraíso – Um homem honesto – O rapto – A nuvem de gafanhotos – Tragédia dum capão de pintos.

NEGRINHA Muitos consideram que neste livro estão os

melhores contos escritos por Lobato. Sem dúvida são os mais emotivos e que mais agradaram ao público. Alguns contos foram escritos antes de sua viagem aos Estados Unidos, outros depois do retorno. O livro contém verdadeiras preciosidades no tratamento do idioma e os personagens são mais urbanos e mais mundanos que os dos livros anteriores.

Há, de fato, contos primorosos que honram a literatura brasileira, como por exemplo a “Facada Imortal”.

Contos: A primeira edição de Negrinha continha os seguintes

contos: Negrinha – Fitas da vida – O drama da geada – O bugio moqueado – O jardineiro Timóteo – O colocador de pronomes. Edições posteriores incluem: O

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fisco – Os negros – Barba Azul – Uma história de mil anos – Os pequeninos – A facada imortal – A policitemia de Dona Lindoca – Duas cavalgaduras – O bom marido – Marabá – Fatia de vida – A morte do Camicego – Quero ajudar o Brasil – Sete grande – Dona Expedita – Herdeiro de si mesmo.

IDÉIAS DE JECA TATU No prefácio à primeira edição da Revista do Brasil

em 1919, provavelmente redigido pelo próprio Lobato, diz que “uma idéia central unifica a maioria destes artigos” …. Essa idéia é um grito de guerra em prol da nossa personalidade.

Contem Paranóia ou mistificação, uma crítica aos modernistas, diretamente a Anita Malfatti, que provocou polêmica e a ira dos amigos da pintora. Ele não admitia que aqui se copiasse o que se produzia na Europa. Queria que o “vigoroso talento” de Anita produzisse coisas mais nossas.

Anota o editor que nas numerosas paginas deste volume a terra aparece em suas várias expressões – o interior, a roça, a gente da roça, os costumes e comidas da roça. … Em Idéias de Jeca Tatu, “Monteiro Lobato aparece em mangas de camisa, integralmente ele próprio no pensamento e no modo de expressá-lo – vivo, alegre, brincalhão e com a ironia às vezes levada até à crueldade”.

Escritos: A caricatura no Brasil – A criação do estilo – A

questão do estilo – Ainda o estilo – Estética oficial – A paisagem brasileira – Paranóia ou mistificação? – Pedro

Américo – Almeida Júnior – A poesia de Ricardo Gonçalves – A hosteofagia – Como se formam as lendas – A estátua do Patriarca – Sara, a eterna – Curioso caso de materialização – Rondônia – Amor Imortal – O saci – Arte francesa de exportação – A mata virgem, Mr. Deibler e Zago – Em nome do silêncio – Royal-street-flush arquitetônico – As quatro asneiras de Brecheret – Arte brasileira – Antonio Parreiras – Um romancista argentino – Um grande artista – Os sertões de Mato Grosso – O Vale do Paraíba – diamante a lapidar – O rei do Congo – O rádio-motor – Hermismo – Um novo ‘frisson” – Cartas de Paris – A conquista do azoto.

A ONDA VERDE E O PRESIDENTE NEGRO A primeira edição de Onda Verde saiu em 1921 pela

Monteiro Lobato & Cia. São reportagens sobre a “onda verde” dos cafezais a cobrirem as terras agricultáveis de São Paulo. O Choque das raças, foi publicado em 1926, em vinte partes, no jornal A Manhã, onde era colaborador, e no final desse mesmo ano lançado em livro pela Editora Nacional.

Duas décadas mais tarde seria reeditado com o título de Presidente Negro ou O choque das raças (romance americano do ano 2.228). Em 35 foi publicado na Argentina pela Editorial Claridad. Em 1948, quando a Brasiliense editou as obras completas, juntou os dois num só volume.

Lobato escreveu O Choque pensando em lançá-lo nos Estados Unidos, porém lá acharam que era conflitivo. É seu primeiro e único romance. O que mais

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chama a atenção no livro é a capacidade de Lobato em desvendar o futuro. Ele mesmo diria mais tarde que os Estados Unidos que ele descreveu no livro são os Estados Unidos que ele depois ficou conhecendo.

Em A Onda Verde, descreve o papel do “grilo” na ocupação territorial de São Paulo e sua indignação com o Homo sapiens por seus crimes sociais e ecológicos, lançando um apelo a todos os animais: “Animais todos da terra, uni-vos…”

Crônicas e artigos de A Onda Verde: A onda verde – O grilo – A lua córnea – O

incompreendido – Veteranos do Paraguai – Os eucaliptos – Os tangarás – O pai da guerra – Homo Sapiens – Luvas – Dramas de crueldade – Dialeto caipira – Os livros fundamentais – Condes – Uruguaiana – O dicionário brasileiro – O 22 da Marajó – A arte americana.

NA ANTEVÉSPERA Com o subtítulo Reações mentais dum ingênuo, a

primeira edição data de 1933, pela Editora Nacional. É o estado d’alma do autor nos tempos da presidência de Bernardes e começos da de Washington Luís. Nas obras completas o livro é acrescido de escritos de épocas anteriores e/ou posteriores a esse tempo, o que os editores justificam pela necessidade de equilibrar a matéria dos vários volumes.

Neste livro, diz o prefaciador da primeira edição (talvez o próprio Lobato) “está enfeixada uma serie de reações ocorridas num período bem atormentado da vida brasileira. Todos sentíamos um terrível e

indefinível mal ambiente. Um cheiro de fim. Era a República Velha que ia agonizando na presidência de Bernardes“….

Conteúdo: Manuelita Rosas – O primeiro livro sobre o Brasil –

País de tavolagem – O hipogrifo – Fala Jove – Uma opinião de M Jerôme Coignard – Bacilos vírgula – Idéias russas – Doloi Stiid – O drama do brio – Literatura de cárcere – Novo Gulliver – O Pátio dos Milagres – Vatel – O nosso dualismo – Herói nacional – A feminina – O bocejo de leoa – Catulo – voz da terra – Justiça oxigenada – As cinco pucelas – A moda futura – Plágio post-mortem – Amigos do Brasil – O inimigo – A rosa artificial – O perigo de voar – Forças novas – Em pleno sonho – A influência americana – Krishnamurti – O direito de secessão – O grande problema – A grande idéia – O armistício d Catanduva – O bombardeio de São Paulo – O cabeça chata – O despique – Euclides, um gênio americano – A mata virgem – Ariel e a Rainha Mab – Uma visita a Guiomar Novais – O saco de carvão – D. Bosco e o petróleo – Estradas – A pucela de Indiana – Azoteida.

O ESCÂNDALO DO PETRÓLEO E FERRO O Escândalo do Petróleo foi escrito e publicado em 5

de agosto de 1936 pela Editora Nacional. Os cinco mil exemplares sumiram como pão quente. Em 14 de agosto soltaram uma Segunda edição com mais cinco mil que também desapareceram, levando os editores a lançar a terceira edição com dez mil exemplares.

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O livro tinha uma dedicatória às Forças Armadas brasileiras dizendo: “Exércitos, marinhas, dinheiro e mesmo populações inteiras nada valem diante da falta de petróleo“. O livro é um protesto indignado contra a burocracia federal que “não perfura, nem deixa que se perfure” para encontrar petróleo, e uma denúncia à ação das grandes empresas estrangeiras assim como a submissão de nossas elites aos interesses delas. Quando reunido nas obras completas da Brasiliense esse livro já estava na sua décima edição.

O Ferro completa esse volume com o relato da luta de Lobato para o uso de solução brasileira para a exploração do minério do ferro. Para ele, Volta Redonda não era a solução mais apropriada e defendia que o grande futuro da nossa siderurgia estava na redução dos óxidos de ferro em baixa temperatura. A primeira edição desse livro é de 1931 e foi outro grande sucesso de vendas.

No prefácio do volume que reúne esses dois livros, o editor, Caio Prado Jr., destaca que “o seu pensamento (de Lobato) não ficou pairando no mundo dos sonhos e dos projetos e prédicas. Transformou-se em ação; e seu ideal de melhorar a sorte do povo brasileiro, de regenerar o seu Jeca Tatu, materializou-se num negócio de grandes perspectivas e amplas possibilidades“.

MR. SLANG E O BRASIL E PROBLEMA VITAL A primeira edição de Mister Slang e o Brasil –

colóquios com o inglês da Tijuca -, foi publicada pela Editora Nacional em 1927. Slang é o velho inglês que

em longos bate-papos com um carioca vai tecendo críticas ao modo de governar brasileiro e denúncias aos males da ditadura de Bernardes…

Problema Vital reúne série de artigos publicados no Estado de SP em 1918 e tem como epígrafe: “O Jeca não é assim: está assim”. Aqui Lobato resgata a figura do caboclo e reafirma sua fé no brasileiro impedido de construir uma grande nação por uma elite predadora. Suas denúncias sobre o estado da saúde do povo provocaram grande repercussão na opinião pública obrigando o governo a adotar providências.

Sumário: 1º parte, Mr Slang – advertência – Da balbúrdia de

idéias – Da maçaroca – De outras opiniões do Manoel – Do cruzeiro e outras miudezas – Do carpinteiro de Southdown – Do período ciclônico – Da indústria da repressão – Da camisola de força – Da proteção à incompetência – Do capítulo que faltou – Da Estrada Alegre – Dos direitos imorais – Do prasitismo camuflado – Da cabeça e da mão – Da importação de cérebro – De frutas e livros – Dos ladrões – Do suplício da senatoria – Das elites – Dos trinta homens – Nota final.

2º parte, Opiniões – Psicologia do jornal – Audiências públicas – O padrão – A moeda de borracha – Gânglios pensantes – A cegueira naval – Loucura – Guerra do livro – Artur Neiva – Resignação – A morte do livro – A desencostada – Assessores – Vacas magras e gordas – A maravilha do Calabouço – O quarto poder – Honni soit.

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3º parte, Problema Vital – A ação de Osvaldo Cruz – Dezessete milhões de opilados – Três milhões de idiotas – Dez milhões de impaludados – Diagnóstico – Reflexos morais – Primeiro passo – Déficit econômico, função do déficit da saúde – Um fato – A fraude bromatológica – Início de ação – Iguape – A casa rural – As grandes possibilidades dos países quentes – Jeca Tatu.

AMÉRICA Neste livro Lobato revive o personagem inglês Mr

Slang e com ele percorre os Estados Unidos, mostrando a pujança daquele país, tecendo comparações, buscando soluções que possam servir para tirar o Brasil do atraso. Depois de passar 4 anos nos Estados Unidos, Lobato volta ao Brasil para dedicar-se inteiramente a lutar pelo petróleo e pelo ferro. A primeira edição foi lançada pela Editora Nacional em 1932.

MUNDO DA LUA E MISCELÂNEA A primeira edição de Mundo da Lua saiu em 1923 e

reúne uns escritos de Lobato em um diário de sua juventude. Na edição das obras completas, foram acrescentados outros escritos posteriores e que ajudam a compreender a mocidade do autor. Miscelânea, também acrescentado a esse volume contém série de artigos sobre pessoas e impressões sobre viagens pelo interior do Brasil.

Conteúdo: Primeira parte, Mundo da lua – trechos de um

diário.

Segunda parte, Fragmentos – trechos de um diário. Terceira parte, Miscelânea – Traduções – Processos americanos – Primeiro amor – A dourorice – Alice in the Wonderland – O segredo de bem escrever – Fim do esoterismo científico – Pearl Harbour – Pelo Triângulo Mineiro – Paulo Setúbal – Moeda aregressiva – La moneda rescindible – Planalto – Um romance que prenuncia outro – De São Paulo a Cuiabá – A cidade dos pobres – Júlio César da Silva – Apelo aos nossos operários – A geada – Mais estradas – Jesting Pilate – Quem é esse Kipling? Machado de Assis.

A BARCA DE GLEYRE Com a epígrafe “Quarenta anos de correspondência

literária entre Monteiro Lobato e Godofredo Rangel. Vai de 1903 a 1948. O próprio Lobato se espanta: “quarenta anos do mesmo amigo e mesmo assunto, que fidelidade… E a conseqüência foi se tornarem uma raríssima curiosidade”. Lançada em 1943 é a última obre de Lobato na Editora Nacional.

O autor explica que carta não é literatura, é algo à margem da literatura… Porque literatura é uma atitude – é a nossa atitude diante desse monstro chamado público, para o qual o respeito humano nos manda mentir com elegância, arte, pronomes no lugar e sem um só verbo que discorde do sujeito. O próprio gênero memórias é uma atitude: o memorando pinta-se ali como quer ser visto pelos pósteros – até Rouseaau fez assim – até Casanova…. Mas cartas não… Carta é conversa com um amigo, é um duo – e é nos duos que está o mínimo de mentira humana.

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PREFÁCIOS E ENTREVISTAS O enorme sucesso de Lobato como escritor o fazia

ser constantemente procurado por intelectuais e escritores que queriam associar seus nomes ao de Lobato para conquistar o público, e por jornalistas de todas as partes, principalmente durante a ditadura. Lobato dizia que se responsabilizava unicamente pelas entrevistas escritas de seu próprio punho. Como nunca estava satisfeito com as versões publicadas, parou de receber jornalistas.

Esse volume, com prefácio de Marina de Andrade Procópio de Carvalho, reúne 20 prefácios e 17 entrevistas.

Sumário: prefácio de Marina de Andrade Procópio – Prefácios

(para os seguintes livros): Ipês, de Ricardo Gonçalves – Antologia de contos humorísticos – Seleta de contos brasileiros, organizada por Lee Hamilton – Contas de capiá, de Nhô Bento – Éramos seis, da Sra. Leandro Dupré – Luta pelo petróleo, de Essad Bey – Aspectos de nossa economia rural, de Paulo Pinto de Carvalho – Diretrizes para uma política rural e econômica, de Paulo Pinto de Carvalho – Nos bastidores da literatura, de Nelson Palma Travassos – Serpentes em crise, de Afrânio do Amaral – Nós e o universo, de Urbano Pereira – Bio-perspectivas, de Renato Kehl – Gilberto Freyre, de Diogo de Melo Menezes – Cartas para outros mundos, de Álvaro Eston – O pecado original, de Rocha Ferreira – Falam os escritores, de Silveira Peixoto – A sabedoria e o destino, de Maurice Maeterlinck – Uma revolução econômico-social, de Otaviano Alves de Lima

– Prefácio de paraninfo na formatura de contadores de uma escola de comércio – carta-prefácio aos Poemas atômicos, de Cesídio Ambrogi.

Entrevistas: O Brasil às portas da maior crise de sua história –

Inglaterra e Brasil – Um governo deve sair do povo como o fumo sai da fogueira – Entrevista com Silveira Peixoto – Resposta a uma “enquete” da Mocidade Paulista – Faz vinte e cinco anos… – Monteiro Lobato fala sobre o problema judaico e outros assuntos – Insultos ao Brasil – Eu sou um homem sem função – Entrevista ao Correio Paulistano sobre a beca na Academia Paulista de Letras – As orelhas de Vasco da Gama – Lobato, editor revolucionário – Monteiro Lobato na torre de marfim – Um mundo sem roupa suja … Que fazer da Alemanha depois da guerra? – Quando era proibido entrevistar Monteiro Lobato.

CONFERÊNCIAS, ARTIGOS E CRÔNICAS Reúne, segundo os editores, uma pequena parte da

colaboração de Monteiro Lobato espalhada por jornais e revistas do País, ou apenas divulgada em pequenos folhetos, além de alguns textos inéditos. Da leitura desse volume, os leitores podem ter uma visão mais rica da ação de Lobato nos variados setores para onde convergiu seu talento.

Sumário: Prefácio – Conferência em Ubatuba – Conferência

em Belo Horizonte – Prefácio a “No Silêncio” – Prefácio a “Minha vida e minha obra”- Sobre poesia e poetas I, II, III – Vida Ociosa – Discurso de agradecimento –

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Saudação a Horácio Quiroga – Torpilhar – O teatro brasileiro – Fantasia – O mais velho dos escultores: O acaso – Pedro Alexandrinho – O doutor Quirino – O cigarro do Padre Chico – A evolução das idéias argentinas – A hora perigosa – A glória – Estradas de rodagem – São Paulo e o Brasil – Reconstruir a casa – Como países se suicidam – A nossa doença – Confissões ingênuas – Fradique Mendes – Eu tomo o sol – A criança é a humanidade de amanhã – Mensagem à mocidade do Brasil – De quem é o petróleo da Bahia? – Georgismo e Comunismo – O planejamento do futuro – O visconde científico – História do rei vesgo – Entrevista coletiva – Zé Brasil – A última entrevista.

LITERATURA DO MINARETE O “Minarete” era o nome que Lobato e seu grupo de

amigos mais chegados davam ao chalé onde realizavam suas tertúlias. Depois serviu para batizar um jornal que seu amigo Benjamim Pinheiro lançou em Pindamonhangaba, onde todos colaboravam. O editor reuniu nesse volume das obras completas os textos que Lobato publicara em diversos jornaizinhos na juventude enquanto estudante de direito.

Sumário: Outrora e Hoje – Juro! – A cor – O charuto – Rubis –

Tio Pedrosa – Falta de assunto – Os lambe-feras – Da janela – Fragmento – Como se escreve um conto – A todo transe – A fuga dos ideais – Crônicas teatrais – Tão ingênua! – Diário dum esquisitão – Memórias de um velho – Assombro – Psicologia do sono – Futebol – Na roleta – En Tigelópolis – Sara Bernhardt – Um Giles moderno – A poesia japonesa – O queijo de Minas ou História de um nó cego – Filosofias – Em casa de Fídias – Duas dançarinas.

CARTAS ESCOLHIDAS. Em dois volumes, com prefácio de Edgard

Cavalheiro, reúne farta correspondência de Lobato, desde 1895 até 1948. Ao incorporar essas cartas às obras completas os editores quiseram ampliar os subsídios para a compreensão do homem e do escritor. Nas palavras de Edgard Carvalheiro – “Que as novas gerações extraiam destas páginas as lições que elas encerram. Nada do grande homem é sonegado nestas cartas. Elas refletem uma personalidade realmente invulgar. E despida de todo o aparato das biografias. O homem-Lobato está vivo, palpitante, nestes volumes”.

Fontes:

http://www.projetomemoria.art.br/ MonteiroLobato/bibliografialobatiana/bibliot.html

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Nota sobre o Almanaque Este Almanaque é distribuído por e-mail e colocado semanalmente nos blogs http://www.singrandohorizontes.blogspot.com.br e http://universosdeversos.blogspot.com.br Os textos foram obtidos na internet, em jornais, revistas e livros, ou mesmo colaboração do poeta. As imagens são montagens, cujas imagens principais foram obtidas na internet e geralmente sem autoria, caso contrário, constará no pé da figura o autor. Este Almanaque tem a intencionalidade de divulgar os valores literários de ontem e de hoje, sejam de renome ou não, respeitando os direitos autorais. Seus textos por normas não são preconceituosos, racistas, que ataquem diretamente os meios religiosos, nações ou mesmo pessoas ou órgãos específicos. Este almanaque não pode ser comercializado em hipótese alguma, sem a

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