Alma de Cirurgiãoasa

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Acta Cirœrgica Brasileira - Vol 18 (2) 2003 - 167 * Cirurgiªo PlÆstico, Tanatólogo e Membro da Academia Mineira de Medicina. Ser mØdico Ø mais do que uma opçªo: Ø uma vocaçªo irresistível. Talvez, por isso mesmo, hoje vemos tantos profissionais da medicina incapazes para seu legítimo e puro exercício profissional: formaram- se em medicina por opçªo e nªo por vocaçªo. E, muitas, por uma escolha oportunista e pragmÆtica, em busca de uma utópica possibilidade de vultosos ganhos financeiros, o fim de suas atividades. Resultado: a insatisfaçªo diante da pØssima remu- neraçªo ou do mercantilismo insensível, esse sim, capaz de gerar grandes lucros. E muitos corpos pisoteados pelo caminho.... Afinal, a medicina, pura e bela, nªo faz milionÆrios. Os que por ventura existem, sem ter prostituído a profissªo, sªo por outras vias, que nªo a da ciŒncia hipocrÆtica. Mas, alØm da vocaçªo para a medicina, existe uma outra, galgada aos poucos, que Ø a cirurgia. Isso porque ser cirurgiªo Ø somar a compaixªo e doçura do verdadeiro mØdico à agressividade do bisturi. Opostos que se tocam e se fundem misteriosamente! Talvez, por isso mesmo, cirurgiıes sejam pessoas dife- rentes, paradoxais e surpreendentes, capazes de um afago e em seguida, de proceder um profundo talho no corpo humano. Sua vida familiar, muitas vezes Ø difícil. Exige companheira sensível e filhos tolerantes. Tudo isso somado a uma postura de alerta cons- tante, exigŒncia detalhista, cobranças interminÆveis. Humor, nem sempre o desejÆvel. Se a medicina exige estudo constante, a cirurgia exige estudo e prÆticas incessantes. AlØm das patologias, Ø necessÆrio conhecer as tØcnicas operatórias sempre em mutaçªo e a anatomia detalhada de cada regiªo. E conviver com as exigŒncias do tratamento, confron- tadas com as economias do paciente, ao mesmo tempo em que sabe que, cada tempo, cada movimento, cada material gasto sªo fundamentais para o resultado final. No teatro cirœrgico, ele Ø o autor, o diretor e o roteirista. Tudo o que acontece na sala de operaçªo tem de ser de seu total conhecimento. Sua atençªo ao ato operatório tem de ser absoluta. Às vezes conversa, assovia ou cantarola para aliviar suas próprias tensıes. Alterna conversas infor- mais quando o tempo cirœrgico o permite com si- lŒncios esmagadores, quando todo o seu cØrebro, nervos e mœsculos estªo totalmente direcionados a um movimento fino, complexo, essencial. Caminha com instrumentos cortantes e contun- dentes, por entre estruturas frÆgeis; porØm vitais. Um descuido, um movimento menos coordenado, pode significar um desastre: uma mutilaçªo ou atØ mesmo a morte daquele que colocou a sua vida em suas mªos. Por vezes, Ø atØ obrigado a improvisar instrumentos por lhe faltar o específico, suprindo o espaço com sua habilidade e criatividade. Tomar decisıes rÆpidas e às vezes brutais. Dar ordens, sem admitir qualquer contestaçªo ou reticŒncias. Depois, assumir a responsabilidade de tudo e por todos. Afinal, ali ele Ø o escolhido do paciente. Os outros com- pıem o seu grupo de trabalho. Essenciais, sem dœvidas. Importantíssimos. Mas quase sempre totalmente des- conhecidos pela família do paciente, que entretanto, nunca se esquece de quem foi o cirurgiªo. Cobrado muitas vezes a ser gentil com todos, especialmente por seus familiares, quando consegue sŒ-lo o Ø por um enorme esforço para conjugar a prepotŒncia que caracteriza seu trabalho, com o respeito àqueles que o ajudam. Se o Œxito Ø alcançado numa cirurgia, todos se retiram aliviados e felizes. Contudo, o cirurgiªo conti- nuarÆ a acompanhar o paciente ainda por muitos dias, mantendo seu organismo equilibrado depois das inœmeras alteraçıes produzidas pela cirurgia e pela anestesia. PassarÆ horas e dias de angustia, na expec- tativa da resposta terapŒutica de seu tratamento. Rezando ou torcendo pela sua evoluçªo, segura e tran- qüila. Esperando que as bactØrias nªo prevaleçam sobre 14 - DEPOIMENTO Alma de cirurgiªo Evaldo A. D·Assumpçªo *

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Acta Cirúrgica Brasileira - Vol 18 (2) 2003 - 167

Alma de cirurgião

* Cirurgião Plástico, Tanatólogo e Membro da Academia Mineira de Medicina.

Ser médico é mais do que uma opção: é umavocação irresistível. Talvez, por isso mesmo, hojevemos tantos profissionais da medicina incapazes paraseu legítimo e puro exercício profissional: formaram-se em medicina por opção e não por vocação. E, muitas,por uma escolha oportunista e pragmática, em buscade uma utópica possibilidade de vultosos ganhosfinanceiros, o fim de suas atividades.

Resultado: a insatisfação diante da péssima remu-neração ou do mercantilismo insensível, esse sim, capazde gerar grandes lucros. E muitos corpos pisoteadospelo caminho....

Afinal, a medicina, pura e bela, não faz milionários.Os que por ventura existem, sem ter prostituído aprofissão, são por outras vias, que não a da ciênciahipocrática. Mas, além da vocação para a medicina,existe uma outra, galgada aos poucos, que é a cirurgia.Isso porque ser cirurgião é somar a compaixão e doçurado verdadeiro médico à agressividade do bisturi.Opostos que se tocam e se fundem misteriosamente!Talvez, por isso mesmo, cirurgiões sejam pessoas dife-rentes, paradoxais e surpreendentes, capazes de umafago e em seguida, de proceder um profundo talho nocorpo humano. Sua vida familiar, muitas vezes é difícil.Exige companheira sensível e filhos tolerantes.

Tudo isso somado a uma postura de alerta cons-tante, exigência detalhista, cobranças intermináveis.Humor, nem sempre o desejável.

Se a medicina exige estudo constante, a cirurgiaexige estudo e práticas incessantes. Além das patologias,é necessário conhecer as técnicas operatórias � sempreem mutação � e a anatomia detalhada de cada região. Econviver com as exigências do tratamento, confron-tadas com as economias do paciente, ao mesmo tempoem que sabe que, cada tempo, cada movimento, cadamaterial gasto são fundamentais para o resultado final.

No teatro cirúrgico, ele é o autor, o diretor e oroteirista. Tudo o que acontece na sala de operação

tem de ser de seu total conhecimento. Sua atenção aoato operatório tem de ser absoluta.

Às vezes conversa, assovia ou cantarola paraaliviar suas próprias tensões. Alterna conversas infor-mais � quando o tempo cirúrgico o permite � com si-lêncios esmagadores, quando todo o seu cérebro,nervos e músculos estão totalmente direcionados a ummovimento fino, complexo, essencial.

Caminha com instrumentos cortantes e contun-dentes, por entre estruturas frágeis; porém vitais. Umdescuido, um movimento menos coordenado, podesignificar um desastre: uma mutilação ou até mesmo amorte daquele que colocou a sua vida em suas mãos.Por vezes, é até obrigado a improvisar instrumentospor lhe faltar o específico, suprindo o espaço com suahabilidade e criatividade.

Tomar decisões rápidas e às vezes brutais. Darordens, sem admitir qualquer contestação ou reticências.Depois, assumir a responsabilidade de tudo e por todos.Afinal, ali ele é o escolhido do paciente. Os outros com-põem o seu grupo de trabalho. Essenciais, sem dúvidas.Importantíssimos. Mas quase sempre totalmente des-conhecidos pela família do paciente, que entretanto,nunca se esquece de quem foi o cirurgião.

Cobrado muitas vezes a ser gentil com todos,especialmente por seus familiares, quando conseguesê-lo o é por um enorme esforço para conjugar aprepotência que caracteriza seu trabalho, com o respeitoàqueles que o ajudam.

Se o êxito é alcançado numa cirurgia, todos seretiram aliviados e felizes. Contudo, o cirurgião conti-nuará a acompanhar o paciente ainda por muitos dias,mantendo seu organismo equilibrado depois dasinúmeras alterações produzidas pela cirurgia e pelaanestesia. Passará horas e dias de angustia, na expec-tativa da resposta terapêutica de seu tratamento.Rezando ou torcendo pela sua evolução, segura e tran-qüila. Esperando que as bactérias não prevaleçam sobre

14 - DEPOIMENTO

Alma de cirurgião

Evaldo A. D´Assumpção*

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D�Assumpção, Evaldo A.

os cuidados de assepsia que foram tomados. Acostu-mado a decisões imediatas, tem de aguardar o processocicatricial do organismo, muitas vezes debilitado pelaspatologias que acometiam o paciente. Imediatista, temde ser tornar expectante.

E, durante todo esse tempo, levar sua vida sociale familiar como se nada estivesse a preocupá-lo.Conversando e rindo, muitas vezes seus pensamentosretornam ao hospital, ao quarto do paciente, imaginandoo seu estado e a sua recuperação. Enquanto seusamigos, parentes e familiares nada percebem o que vai

em seu sigiloso interior, ele sofre e se angustia, enquantosorri e fala tranqüilo....

E as doenças psicossomáticas que afligem essesprofissionais, os problemas familiares que sofrem,separações, divórcios, são a conseqüência de quematrás de uma imagem despreocupada, esconde um serhumano sensível, por vezes frágil, idêntico aos demais,porém com uma vivência totalmente única, incapaz deser totalmente percebida pelos que o cercam. Seu fardosó não é excessivo, quando realmente se tem �alma decirurgião�.

Caminhos do Cirurgião Geral – Interação Clínico-Experimental

30 de abril a 04 de maio – Belo HorizonteCentro de Convenções da Associação Médica de Minas Gerais

Local do CongressoAssociação Médica de Minas GeraisAv. João Pinheiro, 161 – Centro

Secretaria ExecutivaAntes do Congresso: A Congress está à disposição para prestar todas as informações necessárias

Av. Francisco Sales, 555/1º andar – CEP 30150-220 – Belo Horizonte – MGTel.: (31) 3273.1121 de segunda à sexta-feira, no horário de 8h às 12h e de 14h às 18h – Fax: (31)3273.4770 (em horário integral) – Endereço eletrônico: [email protected]

Durante o Congresso: A secretaria estará funcionando no local do evento a partir do dia 29 de abril às 12h e 30/04, 01/05,02/05 e 03/05 de 7h30min às 18h30min e no dia 04/05 de 7h30min às 13h30min

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SOBRADPECSociedade Brasileira para o Desenvolvimento

da Pesquisa em Cirurgia

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8º CongressoNacional da

SOBRADPECCirurgia 2003

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