Alisson Vicente Zarnott - UFSM
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS RURAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EXTENSÃO RURAL
Alisson Vicente Zarnott
PARTICIPAÇÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS DE EXTENSÃO RURAL EM ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRÁRIA
Santa Maria, RS
2016
Alisson Vicente Zarnott
PARTICIPAÇÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS DE EXTENSÃO RURAL EM ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRÁRIA
Tese apresentada ao Curso de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Extensão Rural.
Orientador: Prof. Dr. Renato Santos de Souza
Santa Maria, RS
2016
© 2016 Todos os direitos autorais reservados a Alisson Vicente Zarnott. A reprodução de partes ou do todo deste trabalho só poderá ser feita mediante a citação da fonte. E-mail: [email protected]
AGRADECIMENTOS
Nesse momento de conclusão de uma importante etapa da vida acadêmica,
muito são os agradecimentos necessários. Correndo o risco de ser muito sucinto ou
esquecer alguém que contribuiu, gostaria de agradecer à:
- ao PPGExR que visualizou na proposta deste estudo uma contribuição à
Extensão Rural;
- à FAPERGS pela concessão da bolsa de estudos;
- aos professores do PPGExR que, cada um a seu modo e com sua
especialidade, contribuiu para minha formação;
- ao professor Renato Santos de Souza, meu orientador, que combinou um
rico processo de orientação com a liberdade para que eu tomasse minhas decisões
e meus caminhos;
- aos membros da banca de qualificação, professores Marcelo Kunrath da
Silva (UFRGS), Catia Grisa (UFRGS), Pedro Selvino Neumann (UFSM) e Vivien
Diesel (UFSM) pelas críticas e orientações que, com certeza, qualificaram o
trabalho;
- aos membros da banca de defesa, professores Alberto Bracagioli (UFRGS),
Décio Cotrim (UFRGS), Pedro Selvino Neumann (UFSM) e Marcos Botton Piccin
(UFSM) que também contribuíram muito para a qualificação da reflexão aqui
apresentada;
- ao Programa de ATES que foi uma verdadeira escola da prática;
- à equipe de Articuladores de ATES e, posteriormente, a equipe de ATPs
com quem convivi e aprendi muito nesse período;
- à família e amigos que sempre desempenham um papel importante;
- à Fernanda, minha companheira, que suportou a ausência, contribuiu com
as reflexões e, com certeza, tornou os dias e essa jornada mais agradável.
A todos, muito obrigado.
Quando o Campo Invade os Homens
O campo invadiu os homens com promessas de fartura,
e os exilados na fome conspiraram semeaduras.
Os homens romperam grampos, alambrados e moirão,
com olhos cheios de campo e primaveras nas mãos.
É delito, é violência qualquer terra que se tome...
Mas quem profere a sentença quando o campo invade os homens?
No desvario da ganância a justiça se consome...
E quem detém a esperança quando o campo invade os homens?
Não existe outra saída quando a miséria não come,
se a morte ameaça a vida quem tem razão é a fome.
Há uma esperança, no solo, rebelada na semente:
O campo entra nos olhos e toma conta da gente.
Se existe alguém culpado que se condene o instinto... Há tanto campo acampado
nas retinas dos famintos.
Letra: Vaine Darde
Música: Maestro Alessandro Ferreira
Música vencedora do 22º Reponte da Canção de São Lourenço do Sul
Intérprete: Eraci Rocha
RESUMO
PARTICIPAÇÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS DE EXTENSÃO RURAL EM ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRÁRIA
AUTOR: Alisson Vicente Zarnott ORIENTADOR: Renato Santos de Souza
A participação social é apontada como pedra angular do sucesso das políticas públicas, passando pelo envolvimento do público beneficiário na sua formulação, operacionalização e cogestão. A política pública de Extensão Rural para assentamentos é retomada em 2003 com o Programa de Assessoria Técnica, Social e Ambiental que, nos assentamentos do Rio Grande do Sul, atende, atualmente, – através de contratos celebrados com entidades prestadoras de serviço de extensão rural, definidas através de chamadas públicas – aproximadamente onze mil famílias, organizadas em vinte Núcleos Operacionais. O atual formato institucional do Programa de ATES RS inclui um Conselho Estadual de ATES, Conselhos Regionais de ATES e reuniões de avaliação e planejamento em todos os assentamentos. O presente trabalho investigou se as mudanças por que passou o Programa no período dos contratos (2009 - 2016) derivam do processo de participação social, e quais outros resultados foram produzidos pela participação no sentido de construir uma aprendizagem capaz de subsidiar as discussões públicas sobre o Programa de ATES e as demais políticas públicas de Extensão Rural. Como lente analítica utilizou-se o referencial teórico habermasiano sobre a esfera pública, a teoria da ação comunicativa e a democracia deliberativa. Considerando as críticas a alguns elementos desse corpo teórico complementou-se a análise com as contribuições de Nancy Fraser sobre públicos fortes, públicos fracos e contra públicos subalternos, permitindo assim reconhecer a multiplicidade de públicos, a diferença de poder e, ainda assim, a esfera pública tomar a forma de discussões e deliberações, contribuindo com a construção democrática. A pesquisa foi ancorada na pesquisa-ação e lançou mão da observação ação, da análise documental e de entrevistas. As principais conclusões são que a participação, a diferenciação de papeis, a atuação em rede e a construção de ferramentas metodológicas para participação e qualificação são elementos chave para um Sistema Pluralista de Extensão Rural e um programa de Extensão Rural democrático. Especificamente sobre a ATES RS, a participação foi fundamental para que se alcançassem processos deliberativos e o atual desenho do Programa, permitindo aportar referências sobre as cinco dimensões analisadas: desenho institucional, contexto e ambiente institucional, inclusão e representatividade, processo deliberativo e resultados da participação.
Palavras-chave: ATES. ATER. Democracia. Esfera Pública.
ABSTRACT
SOCIAL PARTICIPATION AND PUBLIC POLICIES OF RURAL
EXTENSION IN SETTLEMENTS OF AGRARIAN REFORM
AUTHOR: ALISSON VICENTE ZARNOTT ADVISER: RENATO SANTOS DE SOUZA
Social participation is seen as the success cornerstone of the public policies,
counting on the beneficiary public in its formulation, operationalization and co-
management. The public policy of Rural Extension for Settlements is summed up in
2003 with the Technical, Social and Environmental Advisory Program that, in the
settlements of Rio Grande do Sul, currently attends - through contracts signed with
entities that provide rural extension services, defined through public calls -
approximately eleven thousand families, organized in twenty Operational Nuclei. The
current institutional format of the TSEA RS Program includes a State Board of TSEA,
TSEA Regional Councils and evaluation and planning meetings in all the settlements.
The present study investigated whether the changes that the program underwent
during the contracts period (2009-2016) were derived from the process of social
participation, and what other results were produced by the participation in the
construction of a learning capable of subsidizing public discussions about the
Program of TSEA and the other public policies of Rural Extension. The Habermasian
theoretical reference on the public sphere, the theory of communicative action and
deliberative democracy were used as analytical lens. Considering the criticisms of
some elements of this theoretical body, the analysis with the contributions of Nancy
Fraser on strong publics, weak publics and subaltern publics was complemented,
allowing recognizing the multiplicity of publics, the difference of power and,
nevertheless, the sphere Take the form of discussions and deliberations, contributing
to the democratic construction. The research was anchored in action research and
used action observation, documentary analysis and interviews. The main conclusions
are that participation, role differentiation, networking and the construction of
methodological tools for participation and qualification are key elements for a Pluralist
Rural Extension System and a democratic Rural Extension program. Specifically on
TSEA RS, participation was fundamental to achieve deliberative processes and the
current design of the Program, allowing to provide references on the five dimensions
analyzed: institutional design, context and institutional environment, inclusion and
representativeness, deliberative process and results of participation.
Key words: TSEA RS Program. ATER. Democracy. Public sphere
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 – Representação do esquema mundo da vida – sistema de
Habermas ......................................................................................... 45
Figura 02 – Diferentes graus de participação ....................................................... 55
Figura 03 – Mapa da divisão dos Núcleos Operacionais onde são prestados
os serviços de ATES no Rio Grande do Sul ..................................... 82
Figura 04 – Estrutura organizativa, operacional e de gestão e controle social
do Programa de ATES/RS ................................................................ 85
Figura 05 – Adequação das prioridades apontadas no PDA/PRA às metas do
Contrato 2010 ................................................................................... 118
Figura 06 – Fotos de quatro Conselhos Regionais do segundo semestre de
2012 .................................................................................................. 129
Figura 07 – Metodologias de discussão do planejamento 2013 ........................... 130
Figura 08 – Metodologias de discussão da avaliação da chamada pública em
2013 .................................................................................................. 131
Figura 09 – Primeira rodada de conselhos regionais de ATES de 2014 ............... 134
Figura 10 – Capacitação dos conselheiros de ATES ........................................... 136
Figura 11 – Mesa de abertura do Encontro Estadual de técnicos de ATES de
dezembro de 2012 ........................................................................... 139
Figura 12 – Encontro Estadual de Técnicos de ATES .......................................... 140
Figura 13 – Atribuições da ANATER .................................................................... 161
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Resumo das metas do INCRA para a ATES no Contrato 2009 ......... 105
Quadro 2 – Cálculo do banco de horas de um NO ............................................... 120
Quadro 3 – Quadro comparativo das ações produtivas dos Contratos ATES
2009 e 2011 ...................................................................................... 122
Quadro 4 – Constituição da carga horária de cada ferramenta metodológica do
Contrato 2011 .................................................................................. 123
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Divisão dos NOs de ATES no estado do RS, características de cada
Núcleo Operacional quanto a abrangência de famílias, municípios,
Projetos de Assentamento (PAs) e prestadoras executaras dos
trabalhos ............................................................................................ 81
Tabela 2 – Número de conselheiros que participaram dos CRs de 2013 e do
primeiro CR de 2014 .......................................................................... 149
Tabela 3 – Número por sexo dos conselheiros que participaram da capacitação
dos conselheiros de ATES em 2015 ................................................... 150
Tabela 4 – Número de conselheiros que participaram dos CRs de 2013 e do
primeiro CR de 2014 .......................................................................... 152
LISTA DE ANEXOS
Anexo A – Carta às famílias assentadas sobre o SIGRA ................................... 185
Anexo B – Programação da capacitação para conselheiros de ATES/2015 ...... 186
Anexo C – Roteiro utilizado nas oficinas de capacitação dos Conselheiros ........ 187
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABCAR Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural
ACAR Associação de Crédito e Assistência Rural
ADSA Análise Diagnóstico de Sistemas Agrários
ANATER Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural
ANOTER Associação Nacional dos Órgãos Estaduais de Terra
ASBRAER Associação Brasileira das Entidades Estaduais de Assistência
Técnica e Extensão Rural
ATES Assessoria Técnica, Social e Ambiental
ATPs Assessores Técnico Pedagógicos
BB Banco do Brasil
BM Banco Mundial
BNB Banco do Nordeste do Brasil
CAPA Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor
CE Conselho Estadual de ATES
CEPLAC Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira
CETAP Centro de Tecnologias Alternativas Populares
CICDA Centre International de Cooperation pour Le Développement
Agricole
CMDR Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural
CNA Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil
CNM Confederação Nacional dos Municípios
COCEARGS Cooperativa Central dos Assentamentos do Rio Grande do Sul
CONAB Companhia Nacional de Abastecimento
CONFIE Convênio INCRA-FAPEG-EMBRAPA
CONSEAGRI Conselho Nacional dos Secretários de Estado de Agricultura
CONSEPA Conselho Nacional dos Sistemas Estaduais de Pesquisa
Agropecuária
CONTAG Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
COOPTRASC Cooperativa de Trabalho e Extensão Rural Terra Viva
COPTEC Cooperativa de Prestação de Serviços Técnicos
CR Conselho Regional de ATES
CRO Crédito Rural Orientado
CRS Crédito Rural Supervisionado
DATER Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural
DDA Divisão de Desenvolvimento Agrário
DEAER Departamento de Educação Agrícola e Extensão Rural
DRA Departamento da Reforma Agrária
EMATER Associação Rio-Grandense de Empreendimentos de Assistência
Técnica e Extensão Rural
EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
EOP Estruturas de Oportunidades Políticas
EP Esfera pública
ER Extensão rural
FAZER Federação Nacional dos Trabalhadores da Assistência Técnica e
Extensão Rural e do Setor Público Agrícola do Brasil
FETRAF Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura
Familiar
FMI Fundo Monetário Internacional
GFRAS Global Forum Rural Advisory Services
GM Guerra Mundial
GRA Gabinete da Reforma Agrária
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
LIO Licença de Instalação Operação
MAPA Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
MCTI Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação
MDA Ministério de Desenvolvimento Agrário
MDS Ministério do Desenvolvimento Social
ME Ministério da Educação
MF Ministério da Fazenda
MG Minas Gerais
MMA Ministério do Meio Ambiente
MPA Ministério da Pesca e Aquicultura
MPOG Ministério do Planejamento, Orçamento e Getão
MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
NO Núcleo Operacional
OCB Organização das Cooperativas Brasileiras
ONGs Organizações Não Governamentais
ONU Organização das Nações Unidas
P1MC Programa Um Milhão de Cistermas
PAA Programa de Aquisição de Alimentos
PAC Programa de Consolidação e Emancipação de Assentamentos
PBSM Programa Brasil Sem Miséria
PCA Plano de Consolidação de Assentamento
PDA Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos
PMDR Planos Municipais de Desenvolvimento Rural
PNAE Programa Nacional de Alimentação Escolar
PNATER Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural
PNHR Programa Nacional de Habitação Rural
PNPS Política Nacional de Participação Social
PP Política Pública
PPGExR Programa de Pós Graduação em Extensão Rural
PRA Plano de Recuperação do Assentamento
PROCERA Programa de Crédito Especial para Reforma Agrária
PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
RS Rio Grande do Sul
RUOP Rede de Unidades de Observação Pedagógica
SAF Secretaria da Agricultura Familiar
SAMA Sistema de Acompanhamento das Ações de ATES
SC Santa Catarina
SDR Secretaria de Desenvolvimento Rural
SIATER Sistema Informatizado de ATER
SIBRATER Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural
SIGRA Sistema Integrado de Gestão Rural da ATES
SNCR Sistema Nacional de Crédito Rural
SNPS Sistema Nacional de Participação Social
SR Superintendência Regional
UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFSM Universidade Federal de Santa Maria
UNICAFES União Nacional das Cooperativas de Agricultura Familiar e Economia
Solidária
UNIPAMPA Universidade Federal do Pampa
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 17
2 ESFERA PÚBLICA, DELIBERAÇÃO E DEMOCRACIA .................................... 37
3 PARTICIPAÇÃO SOCIAL NAS POLÍTICAS PÚBLICAS ................................... 53
3.1 PARTICIPAÇÃO SOCIAL NAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O RURAL ... 65
3.2 PARTICIPAÇÃO E PLURALISMO NA PNATER .......................................... 66
4 A ORGANIZAÇÂO DO PROGRAMA DE ATES DO RIO GRANDE DO SUL ..... 73
4.1 O PERÍODO ANTERIOR AOS CONTRATOS DE ATES .............................. 73
4.2 O PERÍODO DOS CONTRATOS DE ATES ................................................. 80
5 O PERCURSO METODOLÓGICO .................................................................... 91
6 A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA ATES .............................................................. 99
6.1 A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA ATES NACIONAL ...................................... 99
6.2 ELEMENTOS DO PROCESSO PARTICIPATIVO NA ATES DO RS ........... 102
6.2.1 Os primeiros passos do processo participativo ............................ 102
6.2.2 O processo participativo a partir dos espaços do Programa de ATES .................................................................................................. 117
6.3 ATES RS: PARTICIPAÇÃO EM CURSO? ................................................... 141
6.3.1 O desenho institucional ................................................................... 141
6.3.2 O contexto e o ambiente institucional............................................. 145
6.3.3 A inclusão e a representatividade ................................................... 147
6.3.4 O processo de deliberação .............................................................. 153
6.3.5 Os resultados produzidos ............................................................... 158
6.3.6 Perspectivas: A ANATER e o futuro do pluralismo e da participação na política pública de Extensão Rural ...................... 159
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 163
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 171
ANEXOS ............................................................................................................... 183
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1 INTRODUÇÃO
Nesta pesquisa foi analisado o processo de participação social em programas
de extensão rural para assentamentos, no estado do Rio Grande do Sul (RS), mais
especificamente, no Programa de Assessoria Técnica, Social e Ambiental (ATES)
que, desde 2009, propicia assessoria técnica a universalidade das famílias
assentadas no RS, através da modalidade de contratos via chamadas públicas. A
ênfase da pesquisa e da análise recaiu sobre os resultados produzidos pelos
espaços de participação social na estruturação do Programa de ATES do RS.
A escolha deste objeto de pesquisa justifica-se porque o tema da participação
social tem sido recorrente na discussão sobre a democratização do Estado
brasileiro1 – apontada como pedra angular desse processo – e, principalmente,
como elemento fundamental do sucesso das políticas públicas.
Também compôs as motivações para a investigação deste tema o fato de
que, desde 2009, atuei como assessor do Programa de ATES do RS, envolvendo-
me diretamente no dia a dia da construção do Programa e, em especial, refletindo
sobre a participação social.
Grisa e Schneider (2014) identificam três gerações de políticas públicas (PPs)
para a agricultura familiar. A primeira, com viés agrícola e agrário, se afirma no
processo de redemocratização e vai até 1996. Reflete uma postura crítica e
reivindicativa da agricultura familiar (e conquista o Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF e políticas de assentamentos para
a reforma agrária); a segunda, compreendida entre 1997 e 2003, compreende um
período propositivo, mas que desenvolveu políticas sociais e assistenciais, em um
primeiro período, pela concepção de que o Estado deveria corrigir as falhas do
mercado e atuar no combate à pobreza rural (Programa Comunidade Solidária,
PRONAF Infraestrutura) e depois, a partir de 2003, com o Programa Fome
1 Recentemente o Governo Federal publicou o Decreto 8.234/2014, que institui a Política Nacional de
Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS) – “com o objetivo de fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil” (BRASIL, 2014, s/p). O decreto foi duramente criticado por setores conservadores, principalmente, os parlamentares da oposição ao Governo Dilma e a grande mídia, que argumentaram que a PNPS seria uma ameaça à democracia brasileira, pois colocaria em xeque a democracia representativa legitimamente eleita. Dando eco a esses argumentos, imediatamente a Câmara Federal aprovou um decreto legislativo derrubando o Decreto Presidencial que instituía a PNPS e o tema não voltou mais à pauta, mostrando a força daqueles que resistem a uma participação mais efetiva da sociedade civil.
28
Zero/Bolsa Família até o Programa Brasil Sem Miséria (PBSM). Sobre esse mesmo
período, Lüchmann (2002) avalia a existência de um movimento geral de
desresponsabilização do Estado, que mantém algumas políticas especialmente para
as famílias mais pobres e para as famílias com capacidade de resposta provêm
políticas de modernização tecnológica, apontada como o limitante a ser superado
para o alcance do desenvolvimento.
A terceira geração se desenvolve a partir de 2003 e ainda que “sem rupturas
radicais com o passado [...] atores até então marginais nas arenas públicas
tornaram-se dominantes e institucionalizaram novas ideias” (GRISA; SCHNEIDER,
2014, p. 138), pois aproveitando uma “janela de oportunidades” direcionaram as
políticas públicas à construção de mercados, à segurança alimentar e à
sustentabilidade ambiental.
A ideia de “janela de oportunidades” está relacionada ao conceito de
Estruturas de Oportunidades Políticas (EOP), que é definida por Cortes e Silva
(2010, p. 434) como a “conexão entre processos organizativos desenvolvidos no
âmbito da sociedade civil e os constrangimentos e oportunidades estabelecidos pela
configuração político-institucional em determinado contexto”.
É desse período o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA); o Programa
Um Milhão de Cisternas (P1MC); o Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR);
a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER) e o
Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Esse processo é marcado pelo
envolvimento da agricultura familiar como parceira na execução das políticas
púbicas, envolvendo-se na formulação, operacionalização e cogestão das PPs, “seja
visando aproximá-las (as PPs) e adaptá-las às distintas realidades sociais, seja para
o empoderamento das próprias organizações sociais” (GRISA; SCHNEIDER, 2014,
p. 142).
Entretanto, os autores lembram que essa divisão não é estanque e que as
três “gerações” convivem atualmente nas arenas públicas, disputam prioridade e,
inclusive, durante o V Colóquio Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural,
Schneider (2014) questionou se estamos caminhando rumos à afirmação de
políticas públicas que apoiam a diversificação, a agroecologia, a participação e o
desenvolvimento rural sustentável ou se vivenciamos uma retomada de ações
“clássicas” como o fornecimento de crédito (sojicização), o investimento em
infraestrutura pesada (tratores) e a transferência de tecnologia (ATER).
29
As últimas décadas foram marcadas por uma nova relação entre a sociedade
civil e o Estado, assinalada pelo reconhecimento de públicos, reconhecimento de
direitos e, principalmente, pela construção de espaços de participação social, de
forma que é necessário questionar-se quais mudanças ocorrem nas PPs e em seus
resultados, quando elas são executadas pela sociedade civil e quais são e de que
forma operam os mecanismos de controle social dessas PPs.
A participação social – assim como a sustentabilidade – tem se tornado cada
vez mais palavra de ordem em todos os programas e políticas públicas no Brasil.
Após a Constituição de 1988, proliferaram-se conselhos das mais variadas
naturezas, visando materializar esse processo de participação social nas PPs.
“A participação fixou-se como passagem obrigatória para a renovação dos
discursos a respeito da democracia, do Estado e da gestão pública.” (NOGUEIRA,
2005, p. 121); “Estamos entrando na era da participação” (BORDENAVE, 1994, p.
8); “a participação social tornou-se, nos anos 1990, um dos princípios organizativos,
aclamado por agências nacionais e internacionais, dos processos de formulação de
políticas públicas e de deliberação democrática em escala local” (MILANI, 2008, p.
552); “a participação tem sido vista como uma nova base de legitimação para as
ações das organizações de desenvolvimento rural” (SOUZA, 2012, p. 153). Como se
percebe, mesmo que abordando por diferentes ângulos, a participação social está
na ordem do momento.
Esse fato decorre, em parte, da reivindicação por maior participação da
sociedade civil na proposição, formulação e execução das políticas públicas, numa
busca de democratizar o Estado. No Brasil, esse processo de reivindicação por
participação na agenda pública marcou o processo de redemocratização e a
discussão da Constituição de 1988, onde foram incorporados diversos espaços de
participação social, destacando-se, principalmente, os Conselhos Gestores de
Políticas Públicas (com representação paritária do Estado e da sociedade civil) das
áreas de saúde, seguridade social, assistência social e direito das crianças, dos
adolescentes e dos idosos.
Por outro lado, é impossível não lembrar o papel central que as agências
internacionais ligadas ao Banco Mundial (BM), Fundo Monetário Internacional (FMI)
e Organização das Nações Unidas (ONU) desempenharam na orientação sobre
como proceder em relação aos processos de participação social com vistas à
implementação do neoliberalismo (RIBEIRO; RAICHELIS, 2012).
30
Durante as décadas de 1980 e 1990 vivia-se um período de profunda crise
econômica e, paralelo às reivindicações políticas de participação da sociedade, que
existiam no período, e aproveitando-se desse „desejo‟ de participação foram
transferidos às organizações da sociedade civil alguns serviços (serviço de extensão
rural, por exemplo) e processos de gestão e controle (conselhos de fiscalização),
reduzindo as responsabilidades do Estado e realizando um profundo ajuste
estrutural nos aparelhos estatais visando sua adequação aos preceitos do
neoliberalismo.
Nesse cenário, a participação social nas políticas públicas é um híbrido das
lutas sociais e do modelo neoliberal, e as políticas públicas do período sequente são
permeadas por essas duas vertentes de pensamento, que, de um lado, privilegia a
“governabilidade” via privatização, terceirização, centralidade do Estado na
deliberação das políticas e, de outro, enfatiza a criação de novos espaços de
participação com base em critérios de distribuição social do poder (ALMEIDA;
LÜCHMANN, 2008).
Dagnino (2004) chama esse processo de “confluência perversa”. A autora
aponta que apesar de se tratar de dois projetos políticos completamente distintos,
antagônicos, ambos requerem uma sociedade civil ativa e propositiva e que tem
medo que
a participação da sociedade civil nas instâncias decisórias, defendida pelas forças que sustentam o projeto participativo democratizante como um mecanismo de aprofundamento democrático e de redução da exclusão, possa acabar servindo aos objetivos do projeto que lhe é antagônico (DAGNINO, 2004, p. 144).
Ainda segundo esta autora, a confluência se torna perversa porque existe
uma crise discursiva, em que os setores neoliberais se apoderam de um conjunto de
termos que, historicamente, foram utilizados pelos movimentos de contestação da
ordem, instaurando o que ela chama de crise discursiva.
Para Dagnino (2004), é o caso do termo participação que no movimento de
redemocratização representava a participação da sociedade na vida política do país,
participando na definição de seus rumos, mas que o ideário neoliberal transformou
em participação solidária (de caráter privado e individual), ou na mera execução de
políticas públicas antes realizadas pelo Estado, sem a participação nos espaços de
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decisão (reservado ao núcleo estratégico2), perdendo essa noção de partilha efetiva
do poder entre Estado e sociedade civil por meio do exercício da deliberação em
espaços públicos.
Focando na participação social no espaço rural, o tema ganha força em 1996,
com a exigência de criação de Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural
(CMDRs) e de elaboração de Planos Municipais de Desenvolvimento Rural
(PMDRs), como requisito para acesso à linha denominada PRONAF Infra-Estrutura
e Serviços, do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(PRONAF).
Essa exigência fez multiplicar o número de CMDRs pelo Brasil afora, mas
tendo sido criados sem o protagonismo dos agricultores e suas organizações,
Romano e Delgado (2002) apontam que o poder dos agricultores familiares e/ou
suas representações eram restritos, sendo sua participação, muitas vezes, apenas
legitimatória das ações e propostas encaminhadas pelo poder executivo municipal
ou por extensionistas do município.
Em relação à participação na extensão rural muito tem sido elaborado sobre
metodologias participativas. Entretanto, do ponto de vista institucional poucos
trabalhos estão à disposição para consulta. Uma dessas obras é o livro “Extensão
rural no contexto do pluralismo institucional, organizado” por Diesel, Neumann e
Claudino de Sá (2012).
Em um dos capítulos deste livro, Diesel (2012) aborda as raízes do pluralismo
institucional na extensão rural brasileira vinculando-a as discussões e referências
elaboradas pela Iniciativa Neuchâtel. O mesmo surge em 1995 por obra de um
grupo de membros de um conjunto de organizações de cooperação internacional
que financiavam iniciativas de desenvolvimento na África, especialmente na África
Subsaariana, mas que não concordavam com a ênfase dada pelo Banco Mundial ao
Treino e Visita (uma metodologia de extensão rural) e constituíram uma organização
informal que passou a elaborar um conjunto de reflexões e referências para a ER em
todo o mundo. O primeiro encontro desse grupo aconteceu em Neuchâtel na Suíça,
o que levou ao reconhecimento dessa iniciativa como Grupo Neuchâtel ou Iniciativa
Neuchâtel (DIESEL, 2012).
2 Formulação de Bresser Pereira na Reforma Administrativa do Estado de 1995 (DAGNINO, 2004).
32
Para este grupo o Estado não deveria mais ser o executor de serviços de
extensão rural, pois as organizações locais, públicas e privadas, teriam muito mais
capacidade de fornecer um serviço adequado às necessidades locais, garantindo o
interesse público e por um custo muito menor. Essa engenharia foi capaz de
“conciliar propósitos privatizantes com reivindicações relacionadas à intervenção do
Estado diante das preocupações de ordem social e ambiental” (DIESEL, 2012, p.
45).
No Brasil, o serviço público de extensão rural foi duramente atacado, no final
da década de 80 e na década de 90, com a afirmação do modelo neoliberal.
Paulatinamente, os serviços de extensão rural foram repassados aos estados,
municípios, entidades privadas e associações de agricultores, configurando um
modelo pluralista de extensão rural, tal como veio a ser recomendado pelo Grupo
Neuchâtel.
Por outro lado, no Brasil, este período foi marcado pela reafirmação do debate
sobre o papel formador e emancipador da extensão rural, em contraposição ao
papel desempenhado no processo de modernização conservadora da agricultura, e
a uma reivindicação de participação de um grande conjunto de organizações locais
de extensão rural, que surgiram em todo o país nesse período.
É nos marcos desse triângulo – Estado propositor e coordenador, execução
terceirizada das políticas públicas e participação social – que nascem as políticas
públicas de extensão rural para assentamentos, dentre elas, o Projeto LUMIAR e o
Programa de ATES para assentamentos de reforma agrária, ambos afirmando que a
participação social é quesito central.
O LUMIAR foi um programa de assistência técnica, criado em 1997, durante o
Governo Fernando Henrique Cardoso, como resposta à pressão política do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que reivindicava assistência
técnica específica para os assentamentos. O Projeto foi operado via convênios com
organizações das famílias assentadas, no caso do RS com cooperativas regionais
de produção agrícola.
No LUMIAR a participação das famílias na orientação do Programa se dava
na relação direta com o extensionista (logo, como ação educadora e formadora dos
indivíduos) e na participação das famílias em suas organizações (cooperativas,
associações, etc.), que então representavam as famílias assentadas nos espaços de
participação social do Programa. As representações das famílias (cooperativas)
33
participavam da Comissão Estadual do LUMIAR3, mas Ramos (2004) afirma que
muitas dessas comissões não discutiam, apenas encaminhavam questões já
acordadas, antecipadamente, entre Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (INCRA) e MST.
Em 2003, com a aprovação da PNATER, foi criado pelo INCRA o Programa
de ATES. O Programa tem a participação como item de seus princípios, de sua
orientação metodológica e, principalmente, como elemento central de sua gestão,
sendo previstas no seu Manual Operacional (INCRA, 2008) uma instância de
participação em âmbito nacional, o Fórum Nacional de ATES, e instâncias de âmbito
estadual, os Fóruns Estaduais do Programa de ATES.
A partir de 2010, os Programas de ATER e de ATES adequaram-se a uma
nova normativa, que prevê a realização de chamadas públicas para a definição da
prestadora do serviço de extensão rural. Nesse quesito, o Programa de ATES do RS
foi pioneiro, pois realizou a primeira chamada pública em âmbito nacional, em 2008,
com o primeiro contrato, iniciando o trabalho no início de 2009.
Por ocasião da elaboração da chamada pública e seguindo as orientações da
PNATER e do Manual de ATES (INCRA, 2008), o Programa de ATES RS previu um
formato institucional voltado a promover a participação e a gestão social do
Programa.
Esse formato institucional previu, originalmente, reuniões regionais de
avaliação do Programa. Com o tempo o formato passou para um Conselho Estadual
de ATES (similar ao Fórum Estadual de ATES previsto no Manual), Conselhos
Regionais de ATES e reuniões nos assentamentos.
O Conselho Estadual (CE) é atualmente composto pelo INCRA, Divisão de
Desenvolvimento Agrário da Secretaria de Desenvolvimento Rural do Governo
Estadual (DDA/SDR), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA),
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, via Projeto Assessores Técnico
Pedagógicos – ATPs), Cooperativa de Prestação de Serviços Técnicos (COPTEC -
Prestadora), Associação Rio-Grandense de Empreendimentos de Assistência
Técnica e Extensão Rural (EMATER RS - Prestadora), Centro de Tecnologias
3 A Comissão Estadual era composta por: INCRA, Banco do Brasil, Amazônia ou Nordeste,
Federação de Trabalhadores Rurais, MST, Secretaria Estadual da Agricultura e, em alguns casos, a EMATER, ONGs e outros movimentos sociais. Em âmbito estadual existiam também as Equipes de Supervisão, formadas por um técnico do INCRA e um externo (de universidades ou ONGs) com papel de supervisão e fiscalização. Em âmbito nacional existia a Comissão Nacional (formada muito similarmente à Estadual).
34
Alternativas Populares (CETAP – Prestadora) e a Cooperativa Central dos
Assentamentos do RS (COCEARGS – representando as famílias assentadas) e
reúne periodicamente para discutir o Programa de ATES.
Os Conselhos Regionais (CR) de ATES tem a mesma composição do CE
mais representações das famílias de todos os assentamentos (no mínimo um
homem e uma mulher por assentamento) e entidades e instituições locais como
cooperativas ou prefeituras quando convidadas pelo CR. As reuniões ocorrem duas
vezes ao ano, uma no início do contrato de ATES e a outra ao final.
As reuniões nos assentamentos também ocorrem duas vezes ao ano, antes
da reunião do CR, para que o assentamento possa discutir a pauta e indicar seus
representantes. Quanto à participação, as reuniões poderiam contar com as
mesmas representações que os CRs, no entanto, basicamente a equipe técnica de
ATES participa junto com os assentados que se fizerem presentes.
Nesse período, compreendido pelas chamadas públicas 2009 – 2016, o
Programa de ATES passou por diversas modificações e em função dessas
mudanças se formulam as questões que orientam esse trabalho, quais sejam:
essas mudanças derivam do processo de participação social? Quais resultados o
processo de participação produziu? O que a experiência da ATES RS pode aportar
para a política pública de extensão no marco dessa geração de políticas públicas
que tem a cogestão dos executores e beneficiários como um de seus pilares?
O objetivo geral da pesquisa é analisar quais os resultados produzidos pela
participação social no Programa de ATES, seus acertos e restrições visando
construir uma aprendizagem que permita superar esses limitantes, qualificar o
Programa e subsidiar as discussões sobre a política pública de Extensão Rural.
Como objetivos específicos da pesquisa foram definidos:
a) sistematizar o processo de construção do Programa de ATES no
período dos contratos, identificando momentos relevantes e (se
houverem) mudanças em sua trajetória, bem como os catalizadores de
tais mudanças;
b) qualificar a compreensão sobre o processo de participação em curso,
através da análise de cinco dimensões relacionadas à participação:
desenho institucional, contexto e ambiente institucional, inclusão e
representatividade, processo deliberativo e resultados produzidos;
35
c) interpretar o processo em curso para identificar questões-chave que
possam ser sistematizadas como reflexão para a ATES RS e para
outros programas de Extensão Rural.
Além desta introdução, o trabalho possui mais cinco seções. O capítulo 2
aborda as premissas da democracia deliberativa, principalmente, a partir dos
conceitos de agir comunicativo e esfera pública de Jürgen Habermas e as críticas –
construtivas – tecidas por Nancy Fraser. O Capítulo 3 trata da participação social,
seus conceitos, sua ligação com a redemocratização brasileira e seu papel nas
políticas públicas, em especial nas políticas públicas para o rural e na PNATER.
O capítulo 4 apresenta o Programa de ATES do RS, sua dimensão, estrutura,
fóruns, ferramentas de extensão visando delimitar o quadro em que se desenvolve a
investigação, cujo percurso metodológico é apresentado no Capítulo 5 dando
destaque ao fato da pesquisa vincular-se às premissas da pesquisa-ação.
No Capítulo 6 é descrita, analisada e discutida a participação social no
Programa de ATES, primeiramente com uma reflexão sobre o Programa em âmbito
nacional, depois com uma análise pormenorizada da experiência do RS e, ao final,
com uma inferência sobre as perspectivas da participação e do pluralismo na política
pública de ER com a instituição da ANATER.
Por fim, à guisa de uma conclusão, são tecidas considerações visando
responder as perguntas do problema de pesquisa e aos objetivos da pesquisa.
37
2 ESFERA PÚBLICA, DELIBERAÇÃO E DEMOCRACIA
A vida pública das sociedades democráticas se caracteriza pelos questionamentos mais ou menos radicais acerca dos seus ideais
normativos e de suas práticas e instituições, redefinindo ou, em alguns casos, reforçando os limites entre o público e o privado, as relações entre a
sociedade e o Estado. (WERLE, 2014, p. 15)
O conceito de democracia não é único, consensual, nem estático, tendo
passado, ao longo da história, por um processo de formulação e reformulação
sendo, hoje, substancialmente diferente do conceito original formulado na Grécia
clássica. Essas modificações na compreensão sobre a democracia acompanham a
mudança nas ideias a respeito de como se dão as relações entre indivíduos e
sociedade, e entre indivíduos e o Estado.
A noção moderna de democracia está profundamente ligada a ascensão do
pensamento liberal e da burguesia como classe dominante, pois a mesma criticava o
Estado máximo do período anterior, desenvolvendo uma concepção que opunha
Estado e sociedade e que propunha o necessário controle e limitação do poder
estatal em favor das liberdades e da autodeterminação dos indivíduos, aqui
contrapondo-se ao domínio anteriormente exercido pela nobreza. O questionamento
por parte dos trabalhadores e da nascente burguesia sobre o poder do Estado,
baseado em hierarquias estamentais levou a constituição de uma série de governos
de representantes em substituição ao poder real e religioso.
Mais tarde, se desenvolve uma concepção instrumental de democracia, na
qual a mesma foi reduzida a um método de determinação e legitimação da liderança,
resolvido através da disputa competitiva por votos, como elaborado por Schumpeter
(MATOS, 1999). A apropriação do conceito de democracia pela doutrina liberal se
deu de tal forma que hoje é difícil pensar sobre o ideal democrático sem relacioná-lo
às noções de liberdade individual, igualdade perante a lei e regime representativo.
O avanço dos governos representativos deveu-se às lutas dos trabalhadores
contra os regimes de servidão e a consolidação da hegemonia das relações
capitalistas que formaram a burguesia. Segundo Matos (1999), a organização de
governos de representantes significou uma forma de constituir e manter a
hegemonia burguesa na sociedade – já que a mesma contou com o apoio de
grandes massas da população para destituir governos monárquicos –, mobilizando
38
camadas não burguesas, através da defesa de ideias de igualdade e liberdade
(MATOS, 1999). Como coloca o autor, Locke sintetiza na obra “Segundo tratado
sobre o governo” o que seriam esses novos governos: a partir da livre associação da
população em contratos sociais seria escolhida, pelo princípio da maioria, a forma de
governo e esta, por sua vez, deveria manter respeitados os direitos da minoria
derrotada. Para Locke, os fundamentos desse novo governo, de caráter civil, são a
preservação dos direitos naturais à vida, à propriedade e à liberdade e a aceitação
desse governo por parte da sociedade (MATOS, 1999).
Depois de Locke, ainda no século XVIII, Rousseau também analisa esse
processo de constituição de governos enfatizando a liberdade e a igualdade.
Rousseau (1712-1778) é produto típico do Iluminismo, pois questionava o status
quo, a autoridade da igreja e da aristocracia, defendendo uma reforma social. Em
seu Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens,
Rousseau argumenta que a sociedade é quem corrompe o homem – porque num
“estado de natureza” o homem seria fundamentalmente bom –, porque quando a
ideia de propriedade privada se desenvolveu, a sociedade teve de criar um sistema
para protegê-la, criando leis impostas por proprietários sobre aqueles que não
tinham propriedade. Logo, o homem que nasceu livre encontrava-se por toda parte
acorrentado (O LIVRO DA FILOSOFIA, 2011).
A solução apontada por Rousseau está no “Contrato Social”, onde a
sociedade seria governada não por aristocratas, pela monarquia e pela Igreja, mas
por todos os cidadãos que participariam da formulação das leis, prescritas com base
na “vontade geral”. Em “Do Contrato Social”, Rousseau afirma que através de um
contrato social legítimo os homens firmariam regras que permitiriam a liberdade civil,
onde os homens deveriam submeter-se às normas, mas, ao mesmo tempo, seriam
protegidos dos outros homens por elas (ROUSSEAU, 1978). Para Habermas (1990),
Rousseau entende liberdade como autonomia do povo, como participação igual de
todos na prática de auto legislação.
Já para Pateman, na teoria de Rousseau
a participação popular é bem mais que um complemento protetor de uma série de arranjos institucionais: ela também provoca um efeito psicológico sobre os que participam, assegurando uma inter-relação contínua entre o funcionamento das instituições e as qualidades psicológicas dos indivíduos que interagem dentro delas (PATEMAN, 1992, p. 35)
39
Além disso, segundo Pateman, para Rousseau era necessário o direito
limitado de propriedade privada para que “nenhum cidadão seja rico o bastante para
comprar o outro e que nenhum fosse tão pobre que tivesse que se vender” (1992, p.
36). Nota-se que as concepções liberais e as democráticas encontravam-se
separadas no século XVIII (MATOS, 1999).
É no século XIX que as ideias liberais e democráticas se fundem, resultado da
consolidação do capitalismo como ordem econômica dominante. Nesse período
desenha-se um processo democrático de escolha dos governantes que não fosse
incompatível com o direito irrestrito à propriedade: o voto universal. Como observa
Macpherson,
Os primeiros formuladores da democracia liberal vieram a defendê-la mediante uma cadeia de raciocínios que partia do pressuposto de uma sociedade capitalista de mercados e as leis da economia política clássica. Esses postulados deram-lhes um modelo do homem (como maximizador de utilidades) e um modelo de sociedade (como conjunto de indivíduos com interesses conflitantes). A partir desses modelos, e um princípio ético, deduziriam a necessidade de governo, as desejáveis funções do governo e daí o sistema desejável de escolher e autorizar governos (MACPHERSON, 1978, p. 30)
John Stuart Mill revolucionou o pensamento democrático liberal ao
argumentar que, como não é possível que todos participem do governo, o melhor
seriam as formas representativas. No entanto, todos deveriam participar da sua
escolha, inserindo assim a perspectiva do voto universal, a emancipação das
mulheres e a constituição de dispositivos que garantissem a participação das
minorias nos governos (como o voto proporcional) visando evitar a prevalência dos
interesses daqueles que ocupassem o poder (MATOS, 1999). Ainda assim o voto
universal só se tornou uma realidade em muitos países no século XX, e após
inúmeras lutas da classe trabalhadora, das feministas, dos negros e indígenas, para
citar apenas alguns. Cabe lembrar também que muitos países passaram por
regimes ditatoriais, em que houve a supressão dos direitos políticos e civis da
população.
No século XX, segundo Bottomore (1984), a teoria liberal democrática mais
influente foi a desenvolvida por Schumpeter, na qual faz um paralelo entre
democracia e mercado, em que grupos e indivíduos (assim como empresas e
empresários) competem entre si pelos votos dos eleitores. Essa visão
“mercadológica” reduz o processo democrático à determinação do governo e,
40
posterior, aceitação do mesmo. Na mesma linha, Robert Dahl vê a democracia como
uma disputa de líderes em que a democracia é composta por dois estágios: o
eleitoral, no qual o governo é escolhido através do voto e o pós-eleitoral, em que se
exigem a aceitação do grupo vencedor e respeito ás suas determinações (MATOS,
1999).
Pode-se assim, apontar uma linha “evolutiva” da teoria liberal democrática: no
século XIX ela preocupava-se com a preservação da liberdade individual frente ao
crescente poder do Estado. Essa preocupação evolui no século XX para a redução
da participação ao voto, eliminando da ideia de democracia o princípio da
autodeterminação da sociedade e retirando, assim, sua essência. A concentração da
discussão no voto universal também tira do debate a questão da igualdade
econômica e social, que fica relegada ao segundo plano ou a um posterior produto
do desenvolvimento da própria democracia (MATOS, 1999).
Considerado um dos maiores teóricos modernos da democracia, Habermas,
especialmente, em a “Mudança estrutural da esfera pública”, publicado originalmente
em 1962, produz uma teoria crítica da sociedade que aponta os potenciais e os
limites da moderna forma de vida democrática.
O conceito central na análise é o de esfera pública burguesa (EP) que pode
ser “entendida, antes de mais nada, como a esfera de pessoas privadas que se
reúnem em um público” (HABERMAS, 2014, p. 135) com o objetivo de debater
questões ou “regras universais” conectadas as relações vigentes na esfera da
circulação de mercadorias e do trabalho social (ou sobre qualquer tema). Ou seja,
“como uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomadas de posição
e opiniões; nela os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados a ponto de se
condensarem em opiniões públicas” (HABERMAS, 1997, p. 92), sendo utilizados
argumentos aceitos e válidos, enquanto única fonte legítima de valor para a
discussão.
Assim caracterizada, a EP é um espaço de participação igualitária e pública
que discute os problemas num processo comunicativo, em que é prevalente a
autoridade do melhor argumento (LÜCHMANN, 2002).
Importa então, para Habermas, identificar quais condições sociais formaram,
nas sociedades modernas, espaços compostos por pessoas privadas para
discussão crítica e racional visando construir referências para as ações individuais e
para as instituições políticas (WERLE, 2014).
41
Em “Mudança estrutural da esfera pública”, Habermas (2014) retorna a Grécia
antiga para discutir a distinção entre público e privado. Passa pela Idade Média onde
há uma gradativa dissolução dessa distinção e o surgimento de uma esfera pública
representativa nas cortes, para chegar, depois, nas novas configurações de público
e privado no âmbito de uma esfera pública burguesa, no seio da sociedade
moderna. As opiniões de Habermas são bastante criticadas e o autor faz uma
releitura da esfera pública burguesa (especialmente no prefácio à edição de 1990)
com base nas transformações derivadas das democracias de massa do Estado de
bem-estar social.
Na Grécia antiga havia uma divisão clara e bem definida entre o âmbito
privado do oikos – referente à família – e a esfera pública da polis, o espaço de
interação entre os livres e iguais nos mercados e nas assembleias onde os cidadãos
se reuniam para discutir e deliberar sobre as questões do dia. A esfera pública era,
assim, um lugar aberto onde cidadãos (aqueles que recebiam esse reconhecimento,
esse status) podiam interagir como iguais. Essa esfera pública tinha como base a
autonomia e a independência privada de cada cidadão no oikos e na
autodeterminação de cada um no uso público da razão para deliberação sobre os
problemas da vida comum (HABERMAS, 2014). Cabe destacar, no entanto, que a
autonomia na esfera privada era condição e prerrogativa dos nascidos na polis e
proprietários, uma minoria na sociedade grega já que a maioria da população era
formada por servos e escravos, aos quais não cabia o direito de participar.
Já na Idade Média, com a ascensão lenta e gradual da burguesia e do
capitalismo a ideia de privado e público muda, sendo o privado entendido como
espaço de liberdade em contraposição ao público, como reflexo da autoridade e da
dominação encarnada pelo Estado. Segundo Werle (2014), se constitui nesse
período uma “esfera pública representativa”, composta por monarcas, senhores
feudais e representantes da igreja, tendo a função de tornar visível a autoridade e a
dominação da nobreza e da Igreja Católica perante a sociedade. Esse modelo de
esfera pública representativa atingiu seu auge nos séculos XV e XVI com a
sociedade cortesã das cortes.
Com o desenvolvimento econômico das trocas mercantis na nascente
economia capitalista, surgem estruturas jurídico-institucionais impessoais para
regular essas trocas e que põem em xeque a sociedade cortesã, estabelecendo uma
nova relação entre público e privado articulada em torno da oposição entre Estado e
42
sociedade, mas que não pode ser simplificada a relação direta e universal, como
sendo o Estado a dimensão pública e a sociedade, a dimensão privada. O
desenvolvimento da economia capitalista criou as condições para o controle privado
sobre a reprodução social em geral (não apenas da oikos, como na Grécia antiga) e
gerou uma diferenciação na própria esfera privada: produziu uma dimensão privada
materializada na esfera íntima das relações pessoais e outra na atividade
econômica. Segundo Werle (2014), vinculado a isso ocorre o desenvolvimento das
burocracias estatais (administração pública), que resultaram na consolidação de
uma nova esfera pública impessoal, o Estado,
porém, logo foi surgindo uma outra concepção de público formado por todas as pessoas (cidadãos privados e agentes do Estado) interessados em discutir os assuntos relacionados aos interesses gerais da sociedade, de modo que entre o domínio da autoridade pública ou o Estado e o domínio privado da sociedade civil e da família surgiu a esfera pública burguesa. Formada por um público de pessoas privadas que se reuniam para debater entre si e mediante razões um amplo leque de questões da vida privada, da administração pública e da regulação das atividades da sociedade civil, a esfera pública burguesa não visava à conquista direta do poder do Estado; antes, busca a racionalização do poder político, procurando estabelecer novas bases da legitimação para sua origem e seu exercício: o consentimento racional entre pessoas autônomas, livres e iguais (WERLE, 2014, p. 21)
Segundo Werle (2014), Habermas afirma que a constituição e a dinâmica da
esfera pública moderna é representada pela esfera pública literária (casas de chá,
cafés, clubes, pubs), ambientes nos quais as elites instruídas podiam interagir entre
si e com a nobreza, em um mesmo plano de igualdade. Para isso, a imprensa
periódica tornou-se um elemento-chave da esfera pública burguesa em que os
indivíduos se congregavam para tomar parte nas discussões críticas sobre as
atividades do Parlamento e da Coroa. As conversações e discussões nesses
espaços públicos se originam de um debate que não leva em consideração a
posição/identidade de quem fala, apenas a autoridade do melhor argumento.
Segundo Werle (2014, p. 27),
na esfera pública burguesa, os indivíduos têm uma relação argumentativa polêmica e crítica com o Estado e não uma relação participativa. Supervisionam, procuram influenciar e de alguma maneira controlar o poder, mas eles mesmos não possuem uma parte do poder do Estado.
43
O autor também questiona como manter a discussão crítica e racional com a
expansão do número de participantes, para além dos eruditos e proprietários, e com
o ingresso de novos temas/conteúdos na esfera pública onde
a própria opinião pública deixa de ser vista como o resultado de uma discussão racional mediante razões, isto é, como um interesse objetivo universal, e passa a ser vista negativamente, como a manifestação da opinião de uma maioria que força as minorias a se conformarem aos padrões vigentes (WERLE, 2014, p. 29)
Essa é a contradição fundamental da esfera pública moderna: quando mais
ela se expande, mais o seu princípio – a discussão crítica mediante razões de um
público de pessoas privadas autônomas – parece perder sua força porque,
justamente, vão desaparecendo seus fundamentos no âmbito privado. Esse
movimento Habermas denominou de “refeudalização” da sociedade, pois
organizações de interesse privado começam a controlar a agenda da esfera pública
e “o próprio princípio deixa de funcionar porque [...] a formação da opinião pública é
substituída pela agregação, negociação e compromisso de interesses privados”
(WERLE, 2014, p. 30).
Ocorre também porque, por outro lado, há uma “socialização
neocorporativista do Estado”, resultado da massificação do Estado de bem-estar
social, que produziu uma “estatização da sociedade”, na qual as organizações e os
funcionários são representantes, “desenvolvem uma representação” e “a esfera
pública se converte em uma corte e diante do público o prestígio se expressa – em
vez de nele a crítica se formar” (HABERMAS, 2014, p. 429, grifo do autor).
Assim, se antes a publicidade visava controlar o poder e a influência dos
monarcas, hoje, ao contrário, a publicidade advém da esfera de interesses vinculada
as empresas e aos setores midiáticos que transformaram a publicidade de um meio
de contestação em um de manipulação e dominação. Segundo Habermas, a
expressão “trabalhar a esfera pública” mostra que a EP precisa, e está sendo
produzida caso a caso, ou seja, hoje “a esfera pública deve ser „fabricada‟, ela não
mais „existe‟” (HABERMAS, 2014, p. 429, grifo do autor).
Para Habermas, com o estado de bem estar social o público de pessoas
privadas é substituído por um público de pessoas privadas organizadas e a EP
burguesa entra em decadência e “abre espaço para uma publicidade demonstrativa
e manipulativa, desenvolvida por organizações por cima das cabeças do público
44
mediatizado” (HABERMAS, 2014, p. 480; grifo do autor), logo, reduz a
individualidade e submete os indivíduos à supervisão da razão das corporações. Ou
seja, “são submetidos a um controle no quadro de sua esfera pública interna à
organização” (2014, p. 483) e o processo político acaba por ocorrer diretamente
entre as administrações privadas, as organizações e a administração pública, sendo
que o público é incluído esporadicamente e apenas com a finalidade de aclamação.
A EP também se rende aos novos meios de comunicação pelo surgimento de
uma nova categoria de influência: o poder da mídia, “que usado de forma
manipuladora privou o princípio da publicidade de sua inocência” (HABERMAS,
2014, p. 58) e tornou a EP permeada de relações de poder, produzindo a
substituição de um público crítico por um consumidor passivo, despolitizando a EP.
Nesse sentido, as opiniões perdem a característica de ser da EP quando advém do
contexto comunicativo de uma “massa”. Segundo Habermas, tem-se uma massa
quando muito menos pessoas expressam opiniões em relação àquelas que as
recebem; quando as comunicações são tais (em quantidade ou qualidade) que é
difícil ou impossível ao indivíduo responder imediatamente ou com alguma
efetividade; quando a transformação da opinião em ação é controlada externamente
ao indivíduo; e, quando instituições invadem essa massa, reduzindo qualquer
autonomia que possa haver na formação da opinião pela discussão (HABERMAS,
2014).
Apesar disso, Habermas (2014) avalia que o conflito entre uma publicidade
crítica e uma promovida, apenas com fins manipuladores, está em aberto e
responde a esse desafio de restabelecer as funções críticas da esfera pública nessa
nova EP permeada por relações de poder, através da noção de agir comunicativo,
onde se aprofundam os fundamentos normativos da teoria crítica da sociedade, pois
“a teoria da ação comunicativa deve explicitar um potencial da razão inscrito na
própria práxis comunicativa cotidiana” (HABERMAS, 2014, p. 66).
A ação comunicativa pode ser resumida como um processo de comunicação
livre de coerção, realizado, no mínimo, entre dois sujeitos que estabelecem uma
relação interpessoal, buscando o entendimento mútuo, construído com base em
argumentos racionais – e por isso se distingue de outros tipos de interação
orientadas à resultados e/ou fins –, logo, implica na realização de acordos baseados
em requisitos válidos (compreensibilidade, verdade, veracidade, normas aceitas por
todos) e confiança mútua.
45
Em “Teoria da ação comunicativa” Habermas delimita o conceito de
sociedade em dois níveis, como mundo da vida e como sistema, conforme ilustra a
Figura 01.
Figura 01 – Representação do esquema mundo da vida – sistema de Habermas.
Fonte: Elaboração do autor (2016).
Segundo Habermas (2014), o sistema tem como mecanismos de
coordenação o poder (no subsistema Estado) e o dinheiro (no subsistema Mercado)
e as ações nele desenvolvidas são baseadas na racionalidade estratégica e/ou
instrumental. Já o mundo da vida, responsável pela interação social, tem como
mecanismo de ação a ação comunicativa baseada na força dos atos de
entendimento para um acordo obtido comunicativamente. Para Habermas, o novo
equilíbrio de poder não deve ser produzido entre os poderes do Estado, mas entre
diferentes recursos de integração social, cujo objetivo é a contenção democrática da
interferência colonizadora dos imperativos sistêmicos nos domínios do mundo da
vida.
46
A crescente racionalização do mundo da vida abre caminho para que esses
meios deslinguistificados (dinheiro e poder) assumam a coordenação das ações,
reificando essas estruturas e tornando-as, cada vez mais, autossuficientes. A esse
processo de reificação, Habermas deu o nome de “colonização do mundo da vida”
(HABERMAS, 2014).
Um dos elementos apontados pelo autor para evitar a racionalização do
mundo da vida e manter padrões de socialização voltados para a cultura política é a
necessidade de uma população acostumada com a liberdade, coisa que, como
mostram Palmeira e Heredia (2010), não faz parte da maior parte da história
brasileira
Segundo Habermas,
é necessário alterar radicalmente a perspectiva comum tanto às teorias liberais quanto ao pensamento democrático: a fonte da legitimidade não é a vontade predeterminada dos indivíduos, mas antes o processo de sua formação, ou seja, a própria deliberação [...] uma decisão legítima não representa a vontade de todos, mas resulta da deliberação de todos. É o processo pelo qual a vontade de cada um é formada de maneira a conferir legitimidade a seus resultados, e não a soma de vontades já formadas. O princípio deliberativo é tanto individualista quanto democrático [...] Devemos afirmar, com o risco de contradizer uma longa tradição, que a lei legítima é o resultado da deliberação geral, e não a expressão da vontade geral (HABERMAS, 2014, p. 71)
Por isso, o conceito de EP – na qualidade de síntese daquelas condições de
comunicação, em que se pode realizar a formação discursiva da opinião e da
vontade de um público de cidadãos – apresenta-se como fundamental diante de
uma teoria da democracia orientada normativamente. Segundo Lubenow (2010), ao
ser forjado na EP, o procedimento (e o que dele resulta) fornece a base elementar
de medida da legitimidade, e, nesse sentido, também o fundamento ou a justificação
da normativa. O procedimento, de forma geral, refere-se ao uso de todos (e os
melhores) argumentos, produzindo um resultado que permanece provisório, pois, em
caso de novos ou melhores argumentos serem encontrados, o procedimento de
discussão pública é reaberto e um novo resultado pode ser produzido.
No entanto, Habermas lembra que o teor normativo busca facilitar o processo
de comunicação, mas não pode organizá-la em seu todo, porque a EP não deve ser
programada, mas sim buscar a descoberta e a solução de problemas e, nesse
sentido, é uma EP não organizada, pois “os discursos não dominam. Eles produzem
um poder comunicativo que não substitui o poder administrativo, mas pode apenas
47
influenciá-lo. Essa influência limita-se a dar e retirar legitimação” (HABERMAS,
2014, p. 80).
Lubenow (2010) destaca que na versão inicial da formulação sistema-mundo
da vida, Habermas concebe a esfera púbica como parte do mundo da vida, este, por
sua vez, responsável por garantir sua autonomia e protegê-lo do sistema. Assim,
caracteriza-se uma esfera de caráter defensivo que, no máximo, poderia “sitiar” o
sistema. Posteriormente, Habermas reformula a relação sistema-mundo da vida,
adotando uma visão de duplo fluxo e alterando as características da EP dotando-a
de um caráter mais “ofensivo”, que substitui a metáfora do “sitiamento” pela metáfora
das “eclusas”. Com isso, atribui-se à EP um papel mais ativo, porque através de uma
“abertura estrutural” – permitida por uma esfera pública sensível – os processos de
comunicação e decisão, que estão ancorados no mundo da vida, podem introduzir
no sistema político os conflitos existentes no mundo da vida. Esse processo de
“abertura” é acompanhado de um processo de institucionalização, no entanto, o
processo iniciado com a formação da opinião e da vontade nas esferas públicas
informais deve, pelo caminho procedimental, passar pelas instâncias formais de
deliberação e decisão, sendo essa a base da ideia de democracia deliberativa
procedimental.
Lüchmann (2002) afirma que essa excessiva informalidade da participação
social é criticada porque não reformula profunda e radicalmente a institucionalidade,
as “regras do jogo” da democracia representativa tradicional, visto que após a
discussão os temas tem que continuar passando pelo parlamento, por exemplo. Isso
se deve, segundo a autora, porque para Habermas a esfera pública e a sociedade
civil tem papel de “oxigenação”, “tensionamento”, “problematização” do poder
político e não um papel diretamente politico-decisório.
Esse elemento passivo, a ideia de “condição ideal e igual de fala” e essa
mistificação da contradição entre mundo da vida e sistema (onde o mundo da vida é
tido como algo bom, sem contradições e interesses irreconciliáveis; o sistema como
“encarnação do mal”; e a sociedade civil é apresentada como a grande saída, como
a encarnação do “bem”, como algo homogêneo e sem contradições) são as
premissas habermasianas da discussão democrática que têm sido mais criticadas.
Dentre os críticos, destacam-se Nancy Fraser e suas ideias sobre públicos fortes,
públicos fracos, contra públicos subalternos e interpenetração sociedade civil e
Estado.
48
Fraser constrói suas reflexões e análises a partir de uma questão central: qual
a “democracia realmente existente?” (FRASER, 1997, p. 23). Fraser avalia a
formulação de EP de Habermas como incompleta, pois lhe falta questionamento
crítico sobre a democracia realmente existente. Habermas reconhece que depois do
Estado de bem-estar social, o modelo burguês liberal não é mais factível, sendo
necessário um novo tipo de esfera pública para salvaguardar a função crítica desse
espaço e para institucionalizar a democracia. Entretanto, não formula uma saída real
para essa questão, não formula uma concepção pós-burguesa alternativa de EP,
intento que a autora afirma se desafiar a fazer.
Ainda que crítica, Fraser (1997) afirma que o conceito de esfera pública nos
permite manter a vista as diferenças entre aparato do Estado, mercados econômicos
e associações democráticas, pois a EP é um espaço em que os cidadãos deliberam
sobre assuntos comuns e, por isso, é um terreno de interação discursiva e esse
espaço é distinto do Estado e da economia oficial, porque não é um terreno de
relações de mercado, mas sim de relações discursivas, no qual se debate e delibera,
não se compra e vende. Fraser assume que essa distinção é necessária para
entender a democracia existente e para pensar os esforços que projetem modelos
alternativos de democracia.
Segundo Fraser, para Habermas a discussão na EP deve ser aberta e
acessível para todos, os interesses meramente privados são inadmissíveis, as
desigualdades de status deveriam ser postas entre parênteses e o debate e a
deliberação deveriam se dar como se todos fossem iguais. O resultado deste tipo de
discussão seria a opinião pública com forte sentido de consenso sobre o bem
comum. Fraser (1997), no entanto, discorda da possibilidade de uma discussão
nessas condições porque avalia que a EP liberal burguesa sempre excluiu muitos
públicos (entre eles as mulheres – exclusão de gênero), porque a sociedade
polarizada e o público se fragmentaram em uma massa de grupos de interesse que
competem entre si. Assim, se faz com que os interesses particulares substituam o
debate público racional, visando o bem-estar comum e porque, e atualmente cada
vez mais, os meios de comunicação manipulam a opinião pública.
Para Fraser, “argumentar que a esfera pública exige acessibilidade,
racionalidade e extinção das hierarquias (ou que sejam postas entre parênteses)
não é suficiente para conseguir isso” (1997, p. 29) e é, justamente, por idealizar a
esfera pública burguesa, que Habermas não analisa outras esferas públicas não
49
liberais e não burguesas. Fraser, ao contrário, não entende a esfera pública
burguesa como única, ao contrário, entende que sempre existiu uma “pluralidade de
públicos”.
A partir desses elementos gerais, Fraser (1997) questiona três pressupostos
de Habermas, quais sejam: a) Que é possível esquecer as diferenças sociais, logo,
a igualdade social não é uma condição necessária para a democracia política; b)
Uma multiplicidade de públicos não significa maior democracia, logo, uma esfera
pública única é preferível a um nexo de múltiplos públicos; e, c) Que uma esfera
pública funcional exige uma separação entre sociedade civil e Estado.
Sobre a desigualdade, paridade e equidade social (a), Fraser (1997) afirma
que o acesso aberto a todos é uma das “normas” do público, mas sabe-se e é
necessário reconhecer que no contexto burguês a acessibilidade completa nunca se
confirmou como uma realidade. As mulheres não participaram por questão de
gênero, homens pobres por uma questão de (falta de) propriedades e em alguns
casos homens e mulheres de todas as classes sociais não participaram por
questões raciais. Ainda que isso venha se reduzindo atualmente, não foi superado.
O reconhecimento de uma multiplicidade de públicos só coloca a questão da
diferença de poder em outro patamar, mas não muda a questão em seu âmago.
Reforçando esse raciocínio, Lubenow (2010) afirma que a “teoria deliberativa
é cega aos obstáculos centrais à democratização da ordem existente” (LUBENOW,
2010, p. 120), pois a ideia de uma comunicação racional e igualitária esbarra em
limitações internas e externas como: desigualdades, assimetrias, estratificação
social, estruturas de poder, diversidade cultural, diversidade de modos de vida,
pluralismo das visões de mundo, efeitos da comunicação estratégica, interesses
específicos de classes, interesses de grupos, entre outros.
Para Fraser (1997), o acesso à EP não é sinônimo de presença formal, mas
de interação discursiva real. A autora lembra que para Habermas os indivíduos
deveriam deixar de lado suas origens, propriedades e falar como se fossem iguais
social e economicamente. Segundo Fraser a distinção central e mais importante é a
referência a “como se” fossem iguais, pois, “de fato, as desigualdades entre os
interlocutores não se eliminaram, só se puseram entre parênteses” (FRASER, 1997,
p. 35).
Assim, mantêm-se as desigualdades de gênero, de propriedade e de cultura,
pois ainda que se espere que no interior da EP não exista qualquer ethos específico
50
ou que poderiam se expressar igualmente quaisquer ethos culturais (em mais uma
alusão à neutralidade), nas sociedades de classes, diferentes grupos sociais têm
diferentes valores, diferentes acessos à cultura, diferentes referenciais de modo da
vida e, logo, essa pretensão de igualdade é falsa. Para a autora, seria mais
adequado tirar os parênteses e tratar abertamente o tema, reconhecendo as
desigualdades no interior da EP.
Para Fraser (1997) a estratégia e questão central para a democracia
burguesa incidem, então, em como isolar os processos políticos daqueles
considerados não políticos (economia, família, etc.), ou seja,
o problema para os liberais é, portanto, como fortalecer as barreiras que separam as instituições políticas que supostamente exemplificam relações de igualdade, das instituições econômicas, culturais e sócio sexuais que estão estabelecidas como premissa para relações sistêmicas de desigualdade (assim) uma tarefa para a teoria crítica é fazer visível as formas em que a desigualdade social contamina as esferas pública existentes (FRASER, 1997, p. 38-39)
Complementarmente, para Lubenow não basta a igualdade de oportunidades
para a fala, nem a garantia de igualdade de recursos, existem diferenças na
“autoridade epistemológica” (2010, p. 122), que possui diferentes capacidades de
despertar reconhecimento, ou seja, as falas de uns valem mais do que a de outros.
No âmbito da universidade e da reforma agrária, essas diferenças são bem visíveis.
Em relação à multiplicidade de públicos (b), Habermas afirma severamente
que a esfera pública burguesa é a esfera pública, no singular (FRASER, 1997), mas
já foi apontada a enorme desigualdade existente na EP burguesa. A autora
questiona então que disposições institucionais poderiam ajudar, da melhor maneira,
a diminuir a diferença de paridade participativa entre os grupos dominantes e os
grupos subordinados, considerando que, em que pese as vantagens para os grupos
dominantes, é ainda pior se só os dominantes se encontrarem presentes e/ou
representados e os subordinados teriam ainda piores condições de fala e
reivindicação e defesa de suas ideias se não participarem desses espaços.
A resposta de Fraser para a questão aponta que, em sua opinião, grupos
sociais subalternos – mulheres, trabalhadores, negros, homossexuais – obtém
vantagens ao constituir públicos alternativos – contra públicos subalternos – em que
podem se organizar, debater, construir discursos e então (re)ingressar na EP
burguesa. Para tanto, deve-se compreender a EP como “o marco estruturado onde
51
tem lugar o concurso ou a negociação cultural ou ideológica entre uma variedade de
públicos” (FRASER, 1997, p. 42-43).
Sobre a separação entre sociedade civil e Estado (c), Fraser afirma que a
concepção burguesa de EP, que supõe a conveniente separação da sociedade civil
(associativa) e o Estado, promove “públicos débeis”, “públicos cuja prática
deliberativa consiste exclusivamente na formação de opiniões e não inclui a tomada
de decisão” (FRASER, 1997, p. 54), já os espaços que funcionam como uma esfera
pública dentro do Estado são o que Fraser chamará de “públicos fortes”, públicos
cujos discursos incluem tanto a formação de opiniões quanto a tomada de decisão.
Além disso, complementa:
qualquer concepção de esfera pública que necessite de uma aguda separação entre a sociedade civil e o Estado será incapaz de imaginar as formas de administração própria, a coordenação interpública e a responsabilidade política que são essenciais para uma sociedade democrática e igualitária. Por isso, a concepção burguesa de esfera pública não é adequada para uma teoria crítica contemporânea. O que se precisa em seu lugar é uma concepção pós-burguesa que nos permita imaginar um maior papel para as esferas públicas (pelo menos algumas) que o de ser simplesmente formadores autônomos de opinião separados da tomada autoritária de decisões.” (FRASER, 1997, p. 56)
Segundo Fraser, se deve reconhecer o caráter débil das EPs nas sociedades
capitalistas e como essa ausência de poder de decisão torna a opinião pública
carente de força prática, ao passo que uma concepção pós-burguesa permite pensar
em públicos débeis e fortes, e em várias formas híbridas, todas ao mesmo tempo.
Também permite teorizar sobre a gama de possíveis relações entre ditos públicos
com a qual se expandiria a capacidade para imaginar possibilidades democráticas,
para além dos limites da democracia existente hoje.
A formulação de Nancy Fraser reconhece a multiplicidade de públicos, a
diferença de poder e o fato de que, ainda assim, a esfera pública pode tomar a
forma de discussões e de deliberação e contribuir com a construção democrática.
53
3 PARTICIPAÇÃO SOCIAL NAS POLÍTICAS PÚBLICAS
[...] se não existe um grau razoável de consenso a respeito do que significa participar, se não sabemos distinguir entre formas autênticas e espúrias de participação, se não concordamos minimante quanto às possibilidades e às
limitações da participação, fica difícil exigir que o Estado e a sociedade estabeleçam entre si as novas relações que materializariam esse nosso tão
vago e confuso ideal participativo. (MARTINS, 1994, p. 161).
Para Souza (2012, p. 167), a participação é um processo social complexo e
ambíguo, sujeito a conflitos, manipulações, truques e disputas de poder que pode
resultar tanto em “crescimento pessoal como também dominação, enganação e
repressão da individualidade”.
Já para Bordenave (1994, p. 25), “participação social é o processo mediante o
qual as diversas camadas sociais têm parte na produção, na gestão e no usufruto
dos bens de uma sociedade historicamente determinada”, ou seja, a participação
não corresponde a um ativismo supérfluo, mas está localizada e compõe as
estruturas sociais, políticas e econômicas.
Para Ammann (1978, p. 27),
a participação não representa um fenômeno insulado e incidental, nem tampouco significa um estado que se registre independentemente de contingências históricas e de componentes psicoculturais de uma dada população: ela constitui-se num processo dialético, numa prática quotidiana, que obviamente carece de requisitos para sua demarragem e sua consolidação. A intensidade da participação social pode ser ampliada ou reduzida em decorrência de condições propiciadas a nível societal – tipo de relações sociais que vigora na sociedade – e ainda por razões que se colocam na área da conscientização. Em ambos os níveis, essas condições podem exercer um papel de facilitação ou de bloqueio ao processo participativo.
As diferentes concepções acerca do significado da participação também
podem ser influenciadas pela posição ocupada pelo agente. Atores governamentais
entendem a participação como um modelo de gestão da política pública, atores da
sociedade civil tendem a considerá-la como um processo de democratização da
política pública, como uma oportunidade para o controle social. Para Leite et al.
(2010), essa discordância tem como consequência, em muitos espaços públicos, a
imobilidade em decorrência da impossibilidade de equacionar este conflito.
Lavalle (2011), por sua vez, afirma que é muito difícil definir o conceito de
participação política, pois o mesmo carrega pelo menos três tipos específicos de
54
compreensão: ora é tomado como uma categoria da prática de atores sociais; ora
como uma categoria teórica que subsidia, com pesos e sentidos diferenciados, os
debates na teoria democrática; e, por fim, ora é considerado uma categoria
procedimental, disposta em leis e normativas regimentais específicas. O autor atribui
a essa polissemia de sentidos parte das dificuldades para avaliação dos resultados
da participação, porque implica considerar, por consequência, uma
multidimensionalidade de resultados e efeitos passíveis de correlação à
participação.
Souza (2012) lembra que a liberdade individual também influencia o interesse
dos indivíduos e das organizações em participar, pois participar significa, em certa
medida, comprometer-se e legitimar as decisões tomadas, logo, nem todos podem
estar dispostos para tal.
Segundo Bordenave (1994), existem diferentes níveis de participação: o nível
primário (que corresponde a família, amigos, vizinhos), o nível secundário (que
corresponde a comunidade, associações profissionais, empresas) e o nível terciário
(correspondente a participação em partidos políticos, movimentos de classe). Ou
seja, micro e macroparticipação. O autor alerta para o fato de que muitas pessoas
participam apenas no nível micro (família, comunidade), mas que a participação
social é a macroparticipação, a participação que “intervém nas lutas sociais,
econômicas e políticas de seu tempo” (BORDENAVE, 1994, p. 24), quer dizer, nas
coisas que mudam a sociedade.
Além disso, o mesmo autor aponta que existem diversas maneiras de
participar: a participação de fato (ligada à sobrevivência do indivíduo e do grupo -
caça, produção); a participação espontânea (ligada à necessidade psicológica de
pertença – com vizinhos, amigos, comunidade); a participação imposta (oriundas
das regras sociais - disciplina escolar, serviço militar, voto); a participação voluntária
(quando o grupo é criado pelos participantes, possui objetivos – sindicatos,
cooperativas, partidos, movimentos sociais); a participação provocada, dirigida ou
manipulada (quando agentes externos provocam a organização ou manipulam o
grupo para atingir seus objetivos – extensão rural); e a participação concedida
(quando uma parte do poder é concedida – cota parte nos lucros da empresa,
alguns planejamentos participativos).
Por fim, argumenta a existência de diferentes graus de participação. Para
Bordenave, é míster reconhecer que existem diferentes graus e níveis de
55
participação que derivam das diferentes respostas dadas às seguintes questões:
Quão importantes são as decisões de que se pode participar? Qual é o grau de
controle dos membros sobre as decisões? A partir da resposta a essas questões é
possível ter níveis de participação que variam entre a informação, a consulta
facultativa, a consulta obrigatória, a elaboração, a cogestão, a delegação, até a
autogestão como ilustra a Figura 02.
Figura 02 – Diferentes graus de participação.
Fonte: Bordenave (1994).
Também para Souza (2012), existem tipos de participação, como a
participação seletiva (nem todo tipo e nível de decisões está sujeita à participação),
a participação assimétrica (porque os fóruns participativos também são permeados
de operações de poder) ou a participação afetiva (fruto da identificação com um líder
carismático que mobiliza por fatores irracionais e por isso abre muitas possibilidades
para a manipulação). De acordo com o autor, qualquer tipo de participação limitada,
como as acima listadas, acarreta na perda de “diversidade, pluralidade, capacidade
de contestação, de contradição, de aprendizado e de criatividade, que tendem a
realimentar e qualificar a própria participação, além de serem valores em si para o
desenvolvimento” (SOUZA, 2012, p. 182).
Segundo o mesmo autor (2012, p. 15), “o tipo de participação que se
processa depende da forma de uso do poder nas organizações, e isso depende da
56
disposição e da capacidade de os seus membros forjarem processos participativos
efetivos, conscientes e racionais”.
Na opinião de Carniglia (2013), a participação tem se tornado um ritual e vem
se perdendo a preocupação com o que ela produz, com o processo efetivo de
aprendizagem e mudança que, em sua opinião, são os objetivos da participação.
Elenaldo Teixeira (2001) alude a uma miscelânea de usos e formatos da
participação. Para este autor, a participação em geral é coletiva, mas pode ser
individual, pode ser a participação civil, pode ser no mercado, pode ser em relação
ao Estado, pode ser direta ou indireta, institucionalizada ou „movimentalista‟,
orientada à decisão ou à expressão. Isso sem falar da recente adjetivação do termo
participação, com noções como política, popular, social, cidadã, comunitária,
solidária, voluntária, etc. A partir dessa reflexão, analiticamente o autor separa as
dimensões da participação em: dimensão decisória; dimensão do controle social;
dimensão expressivo-simbólica; e por fim a dimensão educativa e integrativa
(TEIXEIRA, 2001).
Outra dimensão da participação é apontada por Dagnino e Tatagiba (2010),
referindo-se aos casos onde movimentos sociais se utilizam de canais privados para
reivindicação de políticas públicas. As autoras ponderam a opção por esses
caminhos em virtude da falta de efetividade ou do ritmo lento de funcionamento dos
canais institucionalizados de participação. No entanto, é necessário refletir se essa
opção por lançar mão de relações pessoais, ou nesse caso, de relações construídas
pelo movimento social não são, em si, uma estratégia de burlar a participação em
favor da opinião das lideranças da organização, como é apontado por Souza (2012)
em relação aos desvios da participação.
Esse elemento torna-se importante na medida em que no RS, por exemplo, o
MST tem canais de diálogo direto com as esferas públicas e que operam em
paralelo aos espaços de participação constituídos, como os Conselhos de ATES,
apenas para citar um exemplo4. A existência desses canais diretos também foi
identificada por Rover e Mussoi (2011) em Santa Catarina (SC).
Coelho (2012) faz uma revisão teórica sobre os usos da categoria
participação e afirma ser um conceito intrinsecamente ligado às teorias sobre
democracia, e que o conceito possui um uso clássico e um uso novo. Para Coelho
4 Não se está aqui afirmando a existência de um desvio ou uma manipulação da participação por
parte do MST, apenas está se ponderando a possibilidade da existência de tal comportamento.
57
(2012), o uso clássico remete à ideia grega de polis, em que todos devem tomar
parte na cidade, ou seja, remete a uma ideia de igualdade5. Já o uso novo, em
muitos casos, traz consigo o adjetivo social, ou seja, a ideia de participação não
mais se refere a uma ideia de igualdade, mas de democratização, pois carrega o
pressuposto de envolver os setores mais pobres da sociedade6.
Conforme Dagnino (2004), se refere a uma disputa entre projetos políticos e
visa a democratização das relações sociais. Os principais elementos que definem
esse uso novo do conceito de participação estão relacionados à reação da
sociedade à crise burocrática e suas saídas descentralizadoras. Segundo a autora, a
participação originada do ideário neoliberal distorceu o significado de participação
porque se vincula à privatização, quer dizer, enquanto um setor se organiza para
combater o neoliberalismo e a centralização do poder em torno de um “projeto
democrático participativo”, que visa a partilha do poder entre sociedade e Estado,
buscando ampliar a participação das camadas mais pobres, outros (vinculados aos
organismos internacionais como BM, FMI e ONU) pregam o Estado mínimo e
defendem a participação como trabalho voluntário.
Para Dagnino, essa perspectiva remete à concepção privatista e
individualista, capaz de substituir e redefinir o significado coletivo da participação
social, pois
a própria ideia de „solidariedade‟, a grande bandeira dessa participação redefinida, é despida de seu significado político e coletivo, passando a apoiar-se no terreno do privado, da moral [...], na medida em que essas novas definições dispensam os espaços públicos onde o debate dos próprios objetivos da participação pode ter lugar, o seu significado político e potencial democratizante é substituído por formas estritamente individualizadas de tratar questões tais como a desigualdade social e a pobreza (DAGNINO, 2004, p. 102).
5 Segundo Coelho (2012), essa é a base de importantes teorias contemporâneas sobre democracia,
como a democracia liberal pluralista ou democracia representativa (Schumpeter e Robert Dahl, por exemplo), que erige-se sobre as eleições e a participação formal com vistas a garantir a estabilidade aos governos; a teoria deliberacionista, na qual a participação também é instrumental e seu objetivo é alcançar um consenso; os teóricos republicanos (Hannah Arendt, por exemplo) para quem a visão de participação já é mais política estando vinculada com a liberdade e a ausência de dominação o que, por sua vez, implica em participar das decisões da vida pública; e os teóricos da “democracia participativa” (Rousseau, Pateman e Macpherson, por exemplo), para quem a participação deve ir além das eleições, pois é um processo educativo. 6 Distinção aprofundada em Vianna, Cavalcanti e Cabral (2009).
58
Nesse caso, ao contrário da participação clássica, não se busca uma inclusão
universalizante, mas que o direito à igualdade de opinião e participação seja
universalizado (COELHO, 2012).
Cortes (2002) estudou e sistematizou os determinantes para a participação
dos usuários do sistema de saúde na gestão da política de saúde e seu exame pode
servir como subsídio para pensar a análise da participação nos programas de
extensão rural. Os fatores apontados por Cortes como os mais influentes sobre o
processo participatório são: (1) mudanças recentes na estrutura institucional do
sistema brasileiro de saúde; (2) organização dos movimentos popular e sindical; (3)
relacionamento entre profissionais de saúde pública e lideranças populares e
sindicais; (4) mudança da posição das autoridades federais, estaduais e municipais
de saúde em relação a participação; e, (5) dinâmica de funcionamento dos fóruns.
Para Cortes (2002), todos estes itens se entrelaçam, afetando-se
mutuamente, mas em sua opinião os dois primeiros são mais decisivos e definem a
maior ou menor participação: a existência ou não dos fóruns (ou seja, a disposição
institucional para criá-los) e o grau de organização da sociedade (nível de
organização e tipo de organização: mais ou menos centralizada).
Ainda em relação à disposição dos agentes governamentais para instituir
processos de participação, Cortes (2002) apresenta elementos que ajudam a pensar
o comportamento das organizações públicas. Para a autora, a posição que as
autoridades públicas adotam é decisiva para o bom funcionamento de conselhos.
Isso porque os gestores públicos dirigem os conselhos e mesmo quando não
influenciam decisivamente a formação da pauta de discussão, tem poder para
influenciar no funcionamento do conselho, tem poder para fazer cumprir (ou não) as
decisões tomadas, bem como para pressionar as demais organizações públicas (e
também as privadas – prestadoras de serviço, por exemplo) a cumprirem as
decisões referendadas.
Para Milani (2008), a participação pode significar maior controle da qualidade
dos serviços prestados, assim como pode significar a expressão de prioridades
acerca de bens públicos futuros e pode também ser sinônimo de politizar as
relações sociais no processo de constituição de espaços públicos para a formulação
de políticas públicas locais.
No Brasil, o processo de descentralização e participação foi uma das
principais reivindicações sociais durante o processo de redemocratização do Brasil,
59
pois “se colocavam como instrumentos centrais na democratização da relação entre
Estado e sociedade civil” (SILVA; MARQUES, 2009, p. 10).
Após mais de 20 anos de ditadura militar, que cerceou fortemente todos os
tipos de liberdades individuais, especialmente as liberdades políticas, o movimento
de luta pela redemocratização incorporou na sua pauta de lutas a democratização
da definição e acompanhamento das políticas implementadas pelo novo Estado que
estava em construção.
Essa reivindicação social dava seguimento a uma série de movimentos por
liberdades individuais e de minorias que haviam eclodido na Europa e nos Estados
Unidos, ao longo dos anos 1960 e 1970 – como o movimento ambiental, o dos
direitos das mulheres, o da libertação sexual, entre outros – os quais reivindicavam
maior protagonismo da sociedade na definição dos rumos das políticas de
desenvolvimento.
Aliado a isso, esse também era um momento de intensa organização de
movimentos sociais no Brasil, especialmente os sindicatos e movimentos sociais do
campo e essa reivindicação de maior poder à sociedade, de forma direta, compunha
sua pauta por estar alicerçada numa descrença às formas tradicionais de
representação da população como as eleições e os partidos políticos (SILVA,
2006a).
Esse debate foi tema central do processo constituinte e resultou que a
Constituição de 1988 incorporou uma série de espaços de participação da
sociedade. No que se refere à gestão das políticas públicas, o Artigo 194 (que versa
sobre a seguridade social), o Artigo 204 (sobre a assistência social) e o Artigo 227
(sobre a família, a criança, o adolescente e o idoso) preveem instâncias de
participação da população (AVRITZER, 2009).
Desta forma, nascem os conselhos de políticas públicas com participação da
sociedade civil e do Estado e que, nesse decorrer, tornam-se o formato mais comum
de participação social. Cabe, no entanto, uma ressalva: nesse período histórico, ao
passo em que o Brasil se redemocratizava e a nova Constituição apontava para a
afirmação de um Estado de bem estar social, em nível mundial se finalizavam os
alicerces para o período neoliberal.
Raichelis e Evangelista (2009, p. 17-18) alertam para o fato de que, apesar do
discurso político estar enfatizando a valorização da sociedade na gestão pública,
60
essa postura de estímulo à participação da sociedade civil também encobre, através de uma aparente homogeneidade, a diversidade de concepções, intenções e projetos, situação que se reproduz também no interior de todas as instâncias societárias.
As autoras fazem referência às discussões realizadas em âmbito
internacional7 sobre o tema, que carregam, também, uma orientação privatista da
participação, atendendo aos pressupostos do ideário neoliberal de Estado mínimo.
Reflexo desse cenário em nível mundial, em 1989, apenas um ano depois de
finalizada a redação de uma Constituinte – que visava o incremento da ação do
Estado na busca pelo bem estar do povo as eleições presidenciais brasileiras –
elegem Fernando Collor de Mello como Presidente da República. Inicia-se, então,
de imediato, a aplicação do ideário neoliberal à política estatal do Governo Federal
brasileiro. Ideário no qual, como veremos mais adiante, a participação da sociedade
também é um elemento importante (mas em outras bases conceituais).
Com base nessas duas ideias, o processo de incremento da participação
social se desenvolveu. Enquanto para os movimentos sociais a reivindicação de
descentralização e participação tem como origem a busca da desconcentração do
poder, para os neoliberais a descentralização faz parte do processo de
enfraquecimento do Estado e terceirização para a sociedade e para a iniciativa
privada de atribuições até então tidas como do Estado, em especial as questões
relacionadas à área social.
Para Cunha (2009, p. 152), os
espaços de participação recentemente criados na democracia brasileira enfrentam diversos desafios para sua efetivação como espaços legítimos de debate e de decisão acerca do que se constitui como interesse público nas diversas áreas de políticas públicas.
Por outro lado, Niederle e Grisa (2013) apontam que a importância depositada
nas instâncias de concertação social (como os conselhos e colegiados) aumenta
proporcionalmente ao aumento da disputa por recursos e, consequentemente, das
7 Segundo Ribeiro e Raichelis (2012), pesquisadores do tema como Cortes (1996), Serapioni (2004) e
Teixeira (2001) indicam dois blocos de referências internacionais que influenciaram a criação e consolidação dos conselhos de políticas públicas no Brasil. Uma vertente está vinculada as experiências conselhistas de orientação socialista, inspiradas especialmente na Comuna de Paris (1871) e nos soviets russos (1905). No Brasil, no final dos anos 1970, essas experiências influenciaram o surgimento dos conselhos populares e, mais tarde, já na década de 1980, os conselhos de políticas públicas. A outra vertente origina-se nas agências internacionais, especialmente as vinculadas à ONU e ao Banco Mundial e FMI.
61
lutas por legitimação e reconhecimento. Para esses autores, essa concepção,
baseada na participação social, não reduz o papel do Estado,
mas o define em sua interface cada vez mais evidente com outras institucionalidades. De fato, uma nova geração de políticas públicas tem demonstrado que a própria fronteira entre os três componentes da ontologia de Claus Offe (1999) − Estado, mercado e sociedade civil − torna-se cada vez mais nebulosa (NIEDERLE; GRISA, 2013, p. 98).
Até o momento, se fez referência a um processo nacional de valorização e
institucionalização da participação social nas políticas públicas, como reflexo da luta
política de setores à esquerda – que reivindicam protagonismo na elaboração e
gestão das políticas públicas – e como programa de Estado do projeto neoliberal em
escala mundial. No campo desta visão de participação, as agências internacionais
desempenharam um papel central na orientação aos estados nacionais, para
implementação da participação privatista, como aludido por Dagnino (2004).
A influência das agências internacionais na constituição dos espaços de
participação social, em especial os conselhos de políticas públicas como canais
institucionais de participação, são objeto de estudo de Ribeiro e Raichelis (2012) e
Raichelis e Evangelista (2009), focando, especialmente, a área da saúde. Segundo
estas autoras, muito da elaboração sobre participação nas políticas públicas foi
elaborado no seio de agências internacionais ligadas à ONU, ao Banco Mundial e ao
FMI8.
Segundo Ribeiro e Raichelis (2012), é possível caracterizar três fases do
debate internacional sobre a participação. Na primeira, do final da II Guerra Mundial
(GM) até o final dos anos 1960 (período de expansão do capitalismo), o FMI e o BM
faziam pesados investimentos em infraestrutura, desenvolvimento urbano,
agricultura, indústria e educação, e a ONU destinava suas políticas econômicas e
sociais para o combate à fome e à pobreza, mas fazia isso orientando os Estados
dos países pobres a mobilizarem a participação das comunidades locais na
implementação de serviços públicos (CORTES, 1996; SERAPIONI, 2004; RIBEIRO;
RAICHELIS, 2012), por exemplo, recrutando mão de obra para construção de
infraestruturas públicas9.
8 As autoras apontam que, às vezes, existe divergência na orientação elaborada por essas agências,
na maioria das vezes opondo ONU (visão mais “social”) versus BM e FMI (visão economicista). 9 Esse tipo de participação das comunidades retorna nos anos 2000 no movimento de ajuda
voluntária, especialmente no campo da educação.
62
Na década de 1960, esse processo é criticado. Junto com as mobilizações do
maio de 1968 na França, surgem novos movimentos sociais que, desiludidos com os
mecanismos tradicionais de participação, se envolvem na construção de novos
processos participativos, entre eles os conselhos. Assim, o segundo momento
corresponde à década de 1970. Contraditoriamente, enquanto um movimento de
participação real se formava, a crise econômica e o endividamento dos governos
pressionavam as políticas de bem estar social, em direção a uma redução de
despesas, gerando um conjunto de mecanismos de participação que, ao mesmo
tempo, em que exerciam pressão, também serviam como fiscalizadores (RIBEIRO;
RAICHELIS, 2012).
Neste período e contexto, existia uma forte demanda por participação da
sociedade civil e, sob distintas orientações políticas, diferentes propostas de
participação (consultas, comissões, conselhos) foram criadas visando dotar os
usuários de poder para manifestar seu descontentamento, mas também para propor
alternativas. Essa mudança no modelo de gestão visava reduzir a crise de
legitimidade das instituições públicas em meio à morosidade burocrática e às
dificuldades financeiras enfrentadas pelos governos (RIBEIRO; RAICHELIS, 2012).
O terceiro momento apontado pelas autoras tem início nos anos 1980, com o
aprofundamento da crise econômica, e se alastra até os dias atuais. Nesse período,
a participação não é mais apenas crítica e/ou propositiva, mas faz parte da
estratégia direta de redução de custos através da terceirização para a sociedade da
prestação de alguns serviços, reduzindo as responsabilidades do Estado. Esse foi
um período de ajuste estrutural dos aparelhos estatais visando seu enxugamento,
seguindo os preceitos do neoliberalismo.
Nesse período, no Brasil não é diferente. Vivendo o período de reabertura
democrática, a nova Constituição brasileira abre espaço para a participação social
devido a pressão social e devido as orientações dos organismos internacionais, que
visualizavam na participação o mecanismo de legitimação das políticas públicas.
Na década de 1990, o recrudescimento da crise e o fortalecimento do ideário
neoliberal faz com que as orientações mudem. Ao passo que a sociedade
reivindicava maior participação nos espaços públicos como conquistas
democráticas, as agências internacionais orientavam os Estados a transferir parte de
suas obrigações para a iniciativa privada (sendo que, em algumas situações, isso
63
incluía setores da sociedade que reivindicavam participação), visando reduzir o
gasto público.
Essa orientação geral abarcava também os serviços de extensão rural, até
este momento executados quase exclusivamente pelo Estado. No entanto, para a
extensão rural uma diferença se faz presente, ao invés de orientações “oficiais” das
organizações como BM, FMI e ONU, as orientações para a extensão rural foram
elaboradas por uma organização informal, o Grupo Neuchâtel.
O Grupo Neuchâtel visava constituir espaços de discussão sobre o futuro da
extensão rural e a construção de consensos, bem como a respectiva elaboração de
recomendações para a atuação das agências de cooperação. A organicidade do
Grupo deu-se, até 2009, através da realização de encontros anuais sobre temáticas
específicas (elaboração de quadro comum, uma análise sobre os serviços de
extensão rural, extensão rural voltada ao mercado, para os pobres, orientada pela
demanda, sobre o financiamento dos serviços de extensão rural, entre outros), nos
quais foi produzido um conjunto de documentos orientativos. No encontro de 2009
foi identificada a necessidade de estabelecer uma estrutura mais formal para a
iniciativa Neuchâtel e ela foi dissolvida em 2010 para a constituição do GFRAS
(Global Forum Rural Advisory Services).
Em 1999, o Neuchâtel apontava como princípio para o oferecimento de
serviços de extensão rural o pluralismo de agentes com participação de
organizações públicas e privadas na oferta de serviços, cabendo ao Estado o
financiamento e a coordenação desses diversos atores.
Em relação à orientação metodológica, o grupo defende a necessidade de
superar o difusionismo (Everett Rogers, através de sua obra intitulada Diffusion of
Innovations) em prol de sistemas de inovação e conhecimento (Niels Rölling - livro
Extension science: information systems in agricultural development). Além disso, a
ação extensionista deveria ser orientada pela demanda (e não mais pela oferta), o
que implica em promover sistemas descentralizados de oferta de serviços de
extensão rural – porque estes se adaptam mais facilmente a diferentes realidades,
condição encontrada porque as demandas dos agricultores são muito dinâmicas
(DIESEL, 2012)10.
10
Isso também é apontado pelos críticos à burocracia (SOUZA, 2012).
64
Os documentos do Neuchâtel pavimentaram o caminho da discussão sobre a
privatização dos serviços de extensão rural, aliada a defesa do pluralismo como
meio de garantir participação e adequação do trabalho às diferentes realidades
locais. Ou seja, foi a solução encontrada para “conciliar propósitos privatizantes com
reivindicações relacionadas à intervenção do Estado diante das preocupações de
ordem social e ambiental” (DIESEL, 2012, p. 45), porque a defesa radical e irrestrita
da privatização perdeu força devido a seleção que serviços organizados nessa
perspectiva apresentaram, pois
a privatização tende a vir acompanhada de uma restrição em termos do tipo de informação difundida (ênfase naquelas que constituem bens privados), nas temáticas (ênfase nas relacionadas às “commodities” lucrativas), nos tipos de agricultores (ênfase nos de melhores condições financeiras) e nas regiões (tendem a se estabelecer nas áreas mais ricas e com certa densidade populacional). Ressalta-se a limitação em termos da sua funcionalidade para operacionalização de políticas públicas para a agricultura (DIESEL et al, 2008, p. 1183).
Neste sentido, a base do pluralismo institucional é o reconhecimento da
existência de uma heterogeneidade no meio rural – que leva à reivindicação de
diferentes demandas – e de que os serviços privados tendem a não atuar em áreas
deprimidas economicamente e em temas como combate à pobreza e a temática
ambiental, porque dificultam o retorno financeiro.
Em face desse cenário retoma-se a necessidade de intervenção do Estado,
mas que, nessa configuração não atua como executor do trabalho, mas como
demandador da intervenção, orientador da política, coordenador e supervisor desse
sistema pluralista, garantindo os interesses públicos11 (DIESEL, 2012). Por tudo
isso,
partimos do suposto de que o pluralismo institucional na extensão rural alcança significativa legitimidade política na medida em que remete a um consenso construído no âmbito da Iniciativa de Neuchâtel e, também, porque para ele converge a discussão sobre reforma institucional das organizações de extensão rural – que se realizava no âmbito do Banco Mundial desde o início da década de 90 (DIESEL, 2012, p. 38).
11
Essa afirmação merece uma ponderação: quem garante que o Estado atue na defesa dos interesses públicos? A história, a brasileira especialmente, está repleta de casos em que o Estado atuou na defesa de interesses privados (a reforma agrária é um campo vasto de exemplos). Esse é mais um elemento que reforça a necessidade de participação da sociedade (com seus limites e problemas) na definição dos rumos da ação do Estado.
65
Acrescentaria à posição de Diesel (2012), que o sistema pluralista goza de
legitimidade porque as organizações prestadoras de serviço defendem esse
sistema.
3.1 PARTICIPAÇÃO SOCIAL NAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O RURAL
No rural brasileiro as iniciativas de participação social na definição de políticas
públicas sofreram um salto com a criação do PRONAF, em 1996, em especial a
linha denominada PRONAF Infra-Estrutura e Serviços, cujo objetivo era apoiar a
instalação de infraestrutura e serviços essenciais (inclusive assistência técnica) em
municípios rurais pobres e com grande presença de agricultores familiares.
Para que os municípios acessassem essa linha de financiamento deveriam
criar (caso ainda não tivessem) Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural e
elaborar e aprovar, neste conselho, os Planos Municipais de Desenvolvimento Rural.
Colocar os CMDRs e PMDRs como prerrogativa para acesso a esta linha específica
do PRONAF visava o envolvimento das comunidades rurais (ou pelo menos seus
representantes) na concepção, gestão e fiscalização das políticas públicas.
Como bem lembram Schneider et al. (2009), essa exigência tem como raiz o
intuito de estimular maior democratização e também maior eficiência no uso dos
recursos públicos. Na opinião de Romano e Delgado
elaborar, implementar e monitorar um Plano cujas características essenciais devem ser a integração de esforços, ações e recursos de todas as esferas de governo com os anseios, demandas e as próprias ações e recursos dos agricultores e de suas organizações e, ainda mais, garantindo a ampla participação de setores da sociedade civil, é, na verdade, construir um processo social (político-institucional) delicado e complexo, que trata de questões e de interesses importantes para a vida do município e que, acreditamos, pode ser um instrumento relevante para a democratização da formulação e da execução das políticas públicas para o desenvolvimento local e para a consolidação da agricultura familiar (ROMANO; DELGADO, 2002, p. 287).
Apesar do objetivo dos PMDRs ser a organização de todas as ações voltadas
para o desenvolvimento rural no município, eles só eram feitos visando o PRONAF
Infra-Estrutura (ROMANO; DELGADO, 2002). Além disso, e discutindo com o tema
da participação social, os autores identificaram que o poder político administrativo do
prefeito e o poder técnico dos agentes de extensão rural foram os mais influentes na
definição dos projetos a serem beneficiados e de que a participação dos agricultores
66
familiares (ou suas representações) limitou-se, em muitos casos, a referendar as
propostas apresentadas pelos técnicos ou pelo executivo municipal.
Rover e Mussoi (2011) não fazem uma análise especificamente sobre o rural,
mas problematizam o processo de descentralização administrativa do estado de
Santa Catarina através da constituição de Secretarias de Desenvolvimento Regional
(SDRs)12. Em que pese os autores avaliarem tratar-se de uma experiência com
potencial – devido à descentralização de recursos e poder para as regiões
abrangidas por cada SDR –, a descentralização não representou uma plena
reinvenção da relação Estado-Sociedade, pois não superou práticas políticas
tradicionais e reproduz processos de oligarquização comuns na gestão pública
brasileira, conforme apontam Romano e Delgado (2002)13.
Por outro lado, segundo Rover e Mussoi (2011), esse processo de
descentralização também propiciou o surgimento de algumas experiências
inovadoras, pois oportunizou a participação e intervenção nas políticas públicas a
grupos sociais que historicamente não alcançavam esse protagonismo. Porém, em
alguns locais, ocorreu uma reedição de práticas políticas tradicionais, do
colonialismo, do favoritismo, reforçando o poder das elites locais, mas desta vez
legitimadas por uma “ilusão de participação” (2011, p. 69).
Isso pode advir, como aponta Carniglia (2013), do fato de que a participação
tem se tornado um ritual e vem se perdendo a preocupação com o que ela produz,
com o processo efetivo de aprendizagem e mudança que, em sua opinião, são os
objetivos da participação.
3.2 PARTICIPAÇÃO E PLURALISMO NA PNATER
A Extensão Rural, como política pública, é impulsionada no Brasil no ano de
194814, com a criação da Associação de Crédito e Assistência Rural (ACAR) de
12
As SDRs constituem Conselhos de Desenvolvimento Regional (que por sua vez podem constituir Comitês Temáticos) e elaboram Planos de Desenvolvimento Regional. Uma estrutura bastante similar a do Pronaf Infraestrutura e os Planos de Desenvolvimento ou Recuperação dos Assentamentos no Programa de ATES do RS. 13 Palmeira e Heredia (2010) dialogando sobre o processo de descentralização política lembram que
em muitos lugares a política local é permeada de relações sociais de dominação, clientelismo e patrimonialismo e, por isso, o processo de descentralização pode acabar incrementando as desigualdades e não, necessariamente, diminuindo-as. 14
Muitos textos destacam que a criação da ACAR-MG foi o início da Extensão Rural no Brasil, no entanto, já em 1859 e 1860 foram criados quatro institutos (Institutos Imperiais de Agricultura da Bahia, Pernambuco, Sergipe e Rio de Janeiro) voltados à pesquisa, ensino e difusão de informações,
67
Minas Gerais (MG), seguida pela criação de associações nos demais estados da
Federação. As ACARs eram entidades da sociedade civil, sem fins lucrativos, que
atuavam sob a coordenação da Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural
(ABCAR), criada em 1956, e que prestavam serviços de Extensão Rural (ER) e
elaboravam projetos visando acesso a crédito junto a instituições financeiras15.
Na história da política oficial da Extensão Rural no Brasil, o período
compreendido entre 1948 e o Golpe Militar em 1964, é caracterizado por Rodrigues
(1997) como a fase do “humanismo assistencialista”, quando a ER teve como
público alvo prioritário os agricultores mais pobres, realizando atividades
relacionadas ao bem estar da família (de caráter genérico, sem atividades pré-
definidas) e operando o Crédito Rural Supervisionado (CRS)16, que era destinado a
investimentos na propriedade, sem a preocupação com a definição específica de
linhas de produção.
O segundo período vai do Golpe Militar até o ano de 1984 e é caracterizado
como a fase do “difusionismo produtivista”, marcado pela estreita relação da política
de extensão com a modernização da agricultura, tendo como "carro chefe" o
Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR)17, criado no ano de 1965, com o objetivo
de ser o principal mecanismo estimulador e financiador da política de modernização
da agricultura18 (RODRIGUES, 1997).
No início da década de 80, a crise econômica brasileira oriunda da elevação
dos juros internacionais, do aumento da dívida externa e da crise da balança
comercial afetou a destinação de recursos do Governo para a agricultura
(principalmente os subsídios ao crédito agrícola). Este processo desencadeou um
novo período na Extensão Rural caracterizado como o “Repensar da Extensão
que podem ser apontados como o embrião da Extensão Rural no Brasil. Mais informações sobre os primórdios da Extensão Rural brasileira (pré ACAR), ver Peixoto (2008). 15
Apesar de não serem organizações estatais, possuíam intrínseca relação com os governos, recebendo recursos financeiros e trabalhando segundo orientação do Estado. 16
A ideia do CRS foi inspirado nas iniciativas do Governo Americano de Roosevelt, que – através da Cooperative Extension Service e Farm Security Administration – implementou nos Estados Unidos o serviço de Extensão Rural. 17
De acordo com Rodrigues (1997) e Fonseca (1985), o SNCR substituiu o CRS pelo Crédito Rural Orientado (CRO), o que beneficiou majoritariamente aquele agricultor que possuía condições de responder ao novo modelo agrícola proposto. 18
A partir da criação de um ambiente favorável à institucionalização de uma estrutura verticalizada de Extensão Rural. Neste cenário foi criado o Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural (SIBRATER) no ano de 1970, a EMBRAPA no ano de 1973 e a EMBRATER no ano de 1975. Em nível nacional, a EMBRATER substituiu a ABCAR e nos estados, as ACARs foram substituídas pelas Empresas de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATERs).
68
Rural”, um período de intensas críticas ao modelo de extensão, essencialmente aos
métodos difusionistas empregados (RODRIGUES, 1997).
O período seguinte, com inicio na década de 1990, foi marcado pelo fim do
sistema de extensão rural coordenado e financiado pelo Governo Federal. A
responsabilidade para a manutenção dos mesmos foi transferida para os estados da
Federação, municípios, entidades privadas e associações de agricultores. Para além
de um período de repensar crítico da extensão rural, este período pode ser
caracterizado pela "desobrigação" do Estado em relação a política oficial de ER,
tendo como consequência uma realidade muito distinta e diversificada em cada
estado da federação e resultando em um pluralismo institucional na oferta e
execução dos serviços de ER.
Essa mudança na configuração dos serviços de extensão rural – afastamento
do Estado como executor – ocorreu em vários locais do mundo devido a
desaceleração do crescimento econômico mundial durante a década de 1980, com
uma consequente crise de arrecadação e um aumento dos déficits orçamentários
em muitos países, o que levou à discussão de alternativas para a diminuição dos
gastos públicos. Nesse cenário, a redução do intervencionismo estatal e do aparato
público se apresentou como uma alternativa pragmática em nível internacional e
também atingiu os serviços de extensão rural (RIVERA; CARY, 1998).
Alinhando-se a este cenário, as organizações de cooperação internacional
que apoiavam serviços públicos nacionais passaram a reorientar suas políticas e a
criticar as organizações públicas de extensão, apontando para sua atuação
burocrática, impositiva, carente de maior vínculo e consideração com a pesquisa e
com as condições locais, além de ser um sistema com resultado abaixo das
expectativas, colocando em dúvida a legitimidade das organizações de extensão e
motivando (ou dando argumentos) aos governos a realizarem reformas inspiradas
no ideário neoliberal. Compreende-se que as medidas adotadas no Brasil estão
inseridas nesse contexto de crise do sistema econômico capitalista e de
implementação e afirmação do ideário neoliberal.
Assim, a década de 1980 marca o fim da fase de crescimento das
organizações públicas de extensão rural e o início de reformas privatizantes neste
sistema. No entanto, as organizações privadas típicas (que ofertam o serviço de
assessoria técnica em troca de uma remuneração) tendem a ter atuação seletiva
quanto ao tipo de serviço que tem interesse em ofertar (que dê retorno) e ao público
69
(que possa pagar). Dados esses limites, as posturas mais radicais em defesa da
privatização perderam força, pois em muitos casos, onde a extensão rural foi
privatizada ocorreu um aumento da pobreza e uma redução do desenvolvimento
rural, forçando os governos a repensar seu papel (DIESEL et al., 2008).
No caso brasileiro, num primeiro momento os governos se motivaram pelas
orientações do "Estado Mínimo" que preconizavam o repasse do financiamento e
oferta dos serviços aos entes privados e, seguindo o movimento internacional, num
segundo momento, há um reconhecimento sobre a necessidade da presença do
Estado e o problema central passa a ser a identificação e definição das formas pelas
quais o Estado pode melhor contribuir para potencializar a contribuição dos agentes
privados, pois a retomada de um serviço estatal centralizado não estava colocada.
Nesse cenário, o pluralismo institucional na extensão rural passa a ser uma terceira
via, distinta da fase do Estado executor e da privatização dos serviços públicos
(NEUMANN; DALBIANCO; ZARNOTT, 2015).
Se por um lado, a (re)criação da política pública de ER está no bojo de
retomada do papel do Estado no desenvolvimento rural, por outro, é também fruto
das manifestações dos movimentos sociais e sindicais no campo que na década de
1990 consolidaram o reconhecimento da agricultura familiar e obtiveram políticas
públicas como o PRONAF. Esses movimentos também reivindicavam um serviço de
extensão rural público para a agricultura familiar. Momento importante dessa luta foi
a realização, em agosto de 1997, do “Seminário Nacional de Assistência Técnica e
Extensão Rural: uma nova extensão para a agricultura familiar" (NEUMANN;
DALBIANCO; ZARNOTT, 2015).
Para Abramovay (1998), um dos consultores do Seminário, alguns pontos de
discussão no evento foram de comum acordo: a) a missão de não mais voltar-se
apenas para o "agro agrícola" e para as tarefas de natureza estritamente produtiva,
mas também para a cidadania, para o desenvolvimento sustentável e para a
participação social; b) o acesso ao conhecimento, ao mercado e à livre organização;
c) o público prioritário: o agricultor familiar; e, d) o método que não pode ser
concebido de maneira independente dos pontos apresentados para a nova missão
proposta.
A partir desses pontos, Abramovay (1998) se contrapõe a extensão rural
organizada em um sistema centralizado em que o Estado coordena, financia e
executa o serviço, defendendo o Estado como coordenador e financiador e a
70
descentralização da execução, proporcionando e estimulando assim uma
diversidade de organizações prestadoras de serviços técnicos. Essa posição não era
consensual, mas as elaborações resultantes do evento foram consideradas como
um dos pontos de partida para a elaboração das linhas e diretrizes da PNATER,
quando prevaleceu o pluralismo institucional (NEUMANN; DALBIANCO; ZARNOTT,
2015).
Considerando essa conjuntura e o acúmulo crítico da ER crítica, aliado a
mudança do Governo Federal, em 2002, foi colocado na esfera nacional um intenso
debate acerca de uma nova proposta de assistência técnica tanto para a agricultura
familiar quanto para os assentados, culminando na criação da PNATER no ano de
2003.
A PNATER incorpora um conjunto de elementos discutidos no período do
“Repensar da ER” como o foco no desenvolvimento sustentável, na agroecologia, na
valorização dos saberes e das culturas das comunidades tradicionais, nas
metodologias participativas, entre outras. No entanto, não recoloca em debate a
retomada de um serviço de ER centralizado pelo Estado, ao contrário, reconhece a
pluralidade institucional no fornecimento dos serviços de ER.
Com relação a extensão rural para a reforma agrária, o reconhecimento do
pluralismo institucional pela PNATER institucionalizou o que já se tinha como prática
no INCRA, ou seja, a contratação de serviços de extensão para as áreas
reformadas, como ocorreu com o Projeto Lumiar. O Lumiar foi criado para ofertar
assistência técnica aos assentamentos de reforma agrária com o objetivo de torná-
los “unidades de produção estruturadas, inseridas de forma competitiva no processo
de produção voltado para o mercado, integrado à dinâmica do desenvolvimento
municipal e regional” (INCRA, 1997, p. 4). Ou seja, buscava a consolidação
produtiva dos assentamentos.
Sob o arcabouço da PNATER, e por pressão dos movimentos sociais, o
INCRA criou um programa específico para os assentamentos de Reforma Agrária: O
Programa de ATES19, assumido como um processo educativo continuado e
sistêmico, no qual se exige uma ação mais complexa do que a assistência técnica
19
O termo ATES inclui o nome de Assessoria no lugar de Assistência para destacar a conotação de um serviço mais relacionado ao acompanhamento, a corresponsabilização e a construção de processos duradouros e contínuos de interação, baseados em relações horizontais e menos hierárquicas entre os atores. Da mesma forma, a inclusão das dimensões social e ambiental visa demarcar a visão mais holística do processo de intervenção social (para além das questões produtivas) que se esperava instaurar com o Programa de ATES para assentamentos.
71
tradicional, requerendo um maior envolvimento dos técnicos com os assentados e
com a dinâmica regional e local (ZARNOTT et al., 2015).
O termo ATES inclui o nome de Assessoria no lugar de Assistência para
destacar a conotação de um serviço mais relacionado ao acompanhamento, a
corresponsabilização e a construção de processos duradouros e contínuos de
interação, baseados em relações horizontais e menos hierárquicas entre os atores.
Da mesma forma, a inclusão das dimensões social e ambiental visa demarcar a
visão mais holística do processo de intervenção social (para além das questões
produtivas) que se esperava instaurar com o Programa de ATES para
assentamentos.
Segundo Neumann, Dalbianco e Zarnott (2015), a PNATER consolidou a
passagem de um Estado executor das políticas de extensão rural, para um Estado
fomentador de atores privados e públicos. A ATES seguiu essa orientação e,
decorridos 10 anos, os autores avaliam que a execução dos serviços de
ATER/ATES foi terceirizada num ambiente de pluralidade institucional e que a
atuação dessa multiplicidade de atores é descoordenada resultando em realidades
muito distintas nos diferentes territórios do país quanto à cobertura, configuração
institucional e de orientação dos serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural.
A necessidade do Estado de exercer um melhor provimento, coordenação,
controle e avaliação dos serviços de extensão num ambiente de pluralismo
institucional justifica a criação da Agência Nacional de Assistência Técnica e
Extensão Rural (ANATER). Essa leitura está colocada há alguns anos, tanto que a I
Conferência Nacional de ATER, realizada em 2011, indicou a criação de um Sistema
Nacional para articular os serviços de ATER (ZARNOTT et al., 2015).
No entanto, o conteúdo da Lei nº 12.897 (de 18 de dezembro de 2013) e do
decreto presidencial nº 8.252 (de 26 de maio de 2014), que instituem a ANATER,
reforçam a preocupação em relação a forma como os serviços serão ofertados e
coordenados, principalmente no que se refere a falta de uma coordenação efetiva e
de participação social, como será discutido mais à frente.
73
4 A ORGANIZAÇÂO DO PROGRAMA DE ATES DO RIO GRANDE DO SUL
Este capítulo tem como objetivo realizar um breve resumo sobre a forma de
organização do Programa de ATES do RS, bem como buscar elementos que
caracterizem os períodos da prestação dos serviços de extensão rural através de
convênios e de contratos.
4.1 O PERÍODO ANTERIOR AOS CONTRATOS DE ATES
Segundo Neumann e Dalbianco (2012), o Estatuto da Terra, já em 1964,
previa serviços públicos de apoio ao desenvolvimento agrícola. Dentre eles, a
assistência técnica às futuras famílias assentadas.
Conforme Pimentel (2007), à época da criação do INCRA (em 1970) se
preconizava uma assistência técnica com participação dos beneficiários em todas as
etapas. No entanto, durante o regime militar a reforma agrária foi esquecida e a
política de assistência técnica, para o conjunto da agricultura, foi orientada pelo
modelo difusionista, que visava a “modernização da agricultura”. Sendo que para o
difusionismo o agricultor não tem participação central no processo de extensão rural,
pois é apenas um receptador de informação, conhecimentos e tecnologias oriundas
dos centros de pesquisa e extensão.
A década de 1980 é considerada o período do “repensar da extensão rural”
em virtude das reflexões e críticas construídas em relação ao papel desempenhado
pela extensão rural nas décadas anteriores. Nesse período, concomitante com a
reivindicação de participação social nas políticas públicas, torna-se mais forte no
interior da extensão rural a defesa do conhecimento dos agricultores familiares e da
necessidade de que eles sejam vistos e tratados como partícipes ativos do
planejamento das ações que buscam o desenvolvimento rural.
De acordo com Neumann e Dalbianco (2012), a criação do MST, no início dos
anos 1980, foi importante para a retomada das reivindicações por políticas públicas,
dentre elas a assistência técnica e extensão rural. Com a multiplicação dos
assentamentos, programas de extensão para famílias assentadas também
ingressaram na pauta.
74
Entre 1985 e 1996, a EMATER/RS e o CETAP20, “motivados por seu quadro
funcional ou por iniciativa dos movimentos sociais, com financiamento próprio ou de
entidades internacionais, foram as entidades de maior atuação nos assentamentos
da reforma agrária no estado” (DALBIANCO; NEUMANN, 2012, p. 109).
Em 1985, em função da recusa da EMATER de trabalhar com os
assentamentos, o CETAP assumiu a elaboração dos projetos de crédito do
PROCERA (Programa de Crédito Especial para Reforma Agrária) nos
assentamentos do RS. Segundo avaliação da entidade, a elaboração dos projetos
absorveu completamente a equipe técnica, inviabilizando outras discussões de
cunho tecnológico e social no interior dos assentamentos21 (DALBIANCO;
NEUMANN, 2012).
Em 1990, a EMATER, por demanda do Governo Federal, com o reflexo do
debate do “repensar da extensão rural” e por iniciativa de alguns técnicos, assume a
elaboração dos créditos do PROCERA.
O CETAP continuou trabalhando em alguns assentamentos. Entre os anos de
1991 e 1995, atuou nos assentamentos de Bagé e Sarandi (com mais algumas
ações pontuais em Palmeira das Missões e Júlio de Castilhos), via um projeto de
cooperação internacional com o Centre International de Cooperation pour Le
Développement Agricole (CICDA).
Em âmbito nacional, nesse período começavam a se multiplicar os
assentamentos de reforma agrária, mas que não contavam com um serviço regular
de assistência técnica. Além disso, em 1990, o governo Collor extingue a
EMBRATER e a manutenção dos serviços de assistência técnica e extensão rural
ficam a cargo dos governos estaduais (principalmente), municipais e empresas
privadas e organizações não governamentais (ONGs) que surgiram do processo de
descentralização iniciado recentemente e que ganhou força com a Constituição de
1988.
Em que pese considerar a possibilidade de que a participação das famílias
assentadas tenha aumentado em função do número de ONGs que atuavam nos
20
ONG voltada para temas como: agricultura familiar, agricultura alternativa, ecologia, ação pedagógica da extensão rural. No período atuava graças a parcerias internacionais. 21
Esse fato tem sido recorrente até os dias atuais. Recentemente (2011, 2012, 2013) a ação do Programa de ATES nos assentamentos novos de São Gabriel e Sananduva, para citar apenas dois exemplos, tem sido pautada pela elaboração de projetos de crédito e, segundo relatos das equipes, em muitos casos os técnicos não têm conseguido realizar a discussão sobre o desenvolvimento dos assentamentos, restringindo-se a elaborar os projetos de acordo com os desejos apresentados pelas famílias.
75
assentamentos – a maioria defendendo a agricultura familiar, a agricultura
alternativa e o conhecimento popular e tradicional (caso do CETAP no RS) –, esse
pensamento é frágil e muito relativo, considerando que a oferta de assistência
técnica caiu muito nesses anos porque muitos estados não conseguiram manter
suas organizações funcionando e porque cada organização atuando no campo o fez
com base em suas crenças e verdades, pois não havia uma orientação nacional.
Segundo Echenique (1998 apud NEUMANN; DALBIANCO, 2012), nesse
período mais de 80% dos agricultores familiares e assentados não tinham acesso a
qualquer tipo de assistência técnica. Especificamente no RS, onde o serviço foi
mantido, pelo menos em alguns assentamentos as principais dificuldades
enfrentadas e acentuadas após a extinção da EMBRATER foram a
falta de uma institucionalidade que garantisse financiamento público; a ausência de diretrizes nacionais que orientassem seu trabalho; a insuficiência de alternativas técnicas perante a realidade e às demandas dos assentados; bem como o distanciamento entre as unidades prestadoras de serviços de assistência técnica e extensão rural e o Incra (DALBIANCO; NEUMANN, 2012, p. 110).
Esse quadro perdurou até 1997, ano em que o Governo Fernando Henrique
Cardoso criou o Projeto LUMIAR. Fruto do acúmulo da pressão política do MST ao
longo dos anos e catalisado pela repercussão negativa do massacre de Eldorado
dos Carajás22, o governo cria o LUMIAR para dar assistência técnica aos
assentamentos de reforma agrária.
O objetivo do LUMIAR era “viabilizar os assentamentos, tornando-os unidades
de produção estruturadas, inseridas de forma competitiva no processo de produção
voltado para o mercado, integrado à dinâmica do desenvolvimento municipal e
regional” (INCRA, 1997, p. 4), ou seja, buscava a consolidação produtiva dos
assentamentos.
Com relação ao seu desenho institucional, o LUMIAR foi a materialização da
discussão sobre descentralização. Partindo da análise de que o INCRA não tinha
capacidade operacional para atender o conjunto de demandas dos assentamentos,
que os assentados precisavam de uma assistência técnica específica,
especialmente para operar os programas de crédito, e que as empresas estaduais
(EMATER e similares) ofereciam serviços inadequados ou não tinham capacidade
22
Chacina que matou 19 agricultores sem terra no município de Eldorado do Carajás/PA. O massacre aconteceu no dia 17 de abril de 1996.
76
instalada para executar os serviços (DIAS, 2004), foi estruturado o LUMIAR. Talvez
fosse possível incluir no rol listado por Dias a pressão política do MST e outras
organizações de famílias assentadas para que elas mesmas provessem a
assistência técnica, aumentando seu poder de controle e gestão dentro dos
assentamentos.
Visando atender a essa leitura, o LUMIAR foi criado de forma que o Governo
Federal provia o recurso financeiro e o trabalho era realizado por organizações
locais (ONGs, cooperativas, etc), gestionadas por cooperativas e associações das
próprias famílias assentadas, o que, na opinião de Dias era uma inovação. Nas suas
palavras:
O LUMIAR tanto inovava institucionalmente, quando propôs e colocou em prática, com todos os seus limites, um modelo descentralizado de cogestão dos serviços de ATER, quanto no momento em que fez uma leitura peculiar do discurso crítico sobre a missão, os objetivos e os métodos tradicionalmente utilizados pelas entidades públicas de Extensão Rural, aplicando-a ao seu modo de intervenção social (DIAS, 2004, p. 530).
Institui-se, assim, um programa de extensão rural baseado em uma premissa
de gestão participativa e de coordenação compartilhada entre governo, prestadoras
de serviços e assentados (suas organizações) (NEUMANN; DALBIANCO, 2012).
A forma de contratação dessas equipes técnicas ocorreu via convênios entre
o governo e as entidades representativas das famílias, e o que acabou acontecendo
foi que o governo se afastou do processo deixando que cooperativas/associações e
prestadoras do serviço decidissem os caminhos do serviço.
Neumann e Dalbianco (2012) apresentam um conjunto de críticas realizadas
por outros estudos em relação ao LUMIAR. O Projeto operou de 1997 até 2000.
Para Guanziroli et al. (2003), a instabilidade institucional, a falta de experiência das
equipes técnicas no trabalho de extensão rural e nos assentamentos, as denúncias
de desvios de recursos públicos e o desvio de funções das equipes técnicas locais
foram alguns dos fatores determinantes para o fim do LUMIAR.
A falta de participação do INCRA no processo, como já colocado, foi um dos
limites apontados por Pereira (2004). Para o autor, o LUMIAR exigia uma estrutura
complexa que o INCRA não tinha e que resultou em que a responsabilidade pelo
que estava sendo executado fosse exclusivamente das prestadoras e das
organizações dos assentados.
77
Ainda avaliando o Projeto LUMIAR, Guanziroli et al. (2003) apontam que,
como o LUMIAR teve como foco central de ação a elaboração de projetos para
liberação de crédito, de forma que sua ação foi pontual e descontínua, tipicamente
uma ação extensionista de caráter clássico, contrariando o discurso dos movimentos
sociais. Essa natureza de ação permite inferir que tipo de participação as famílias
tiveram no processo.
Por outro lado, Ramos (2004) afirma que algumas Comissões Estaduais
funcionaram como instâncias de validação de acordos firmados antecipadamente
entre o INCRA e o MST.
Já Altafin e Molina (2000 apud NEUMANN; DALBIANCO, 2012) avaliaram o
LUMIAR no Distrito Federal (DF) e diagnosticaram que as famílias assentadas
desconheciam como se dava a operacionalização do LUMIAR e de que elas tinham
papel importante no acompanhamento, avaliação das ações e gestão do Programa,
o que fez com que em muitos casos a operacionalização do mesmo se desse sem o
conhecimento e consentimento das famílias assentadas.
No RS, o LUMIAR teve como prestadora a COPTEC – cooperativa de
técnicos identificada com o MST –, fundada em 1996 para tal atuação. Em 2000, o
projeto possuía 53 técnicos organizados em nove equipes, contratadas por quatro
cooperativas de famílias assentadas, atendendo 4.261 famílias no RS (RAMOS,
2004).
Ramos (2004) discute a participação social no LUMIAR do RS e afirma que a
contratação, através de cooperativas (e não de associações locais como orientava o
LUMIAR23) foi um fator limitante à participação direta das famílias porque as
cooperativas estavam distantes das mesmas fazendo com que a participação direta
fosse incipiente e não correspondente à concepção do Projeto.
Visando minimizar essa questão foram realizadas reuniões de avaliação do
Projeto nos assentamentos com presença das equipes de supervisão, mas elas não
tiveram abrangência e regularidade para se constituírem em uma “instância legítima
de decisões, capaz de expressar a diversidade de opiniões dos assentados”
(RAMOS, 2004, p. 89). Desta forma, a participação deu-se de forma indireta, através
das cooperativas, estas sim, presentes na implantação e na gestão do LUMIAR-RS.
23
Segundo Ramos (2004), os assentamentos do RS praticamente não possuíam associações de famílias, obrigando a contratação dos técnicos via cooperativas regionais de produção.
78
Ribeiro (2000) também fez uma avaliação do LUMIAR-RS e apontou como
avanço o reconhecimento, por parte das famílias, da contribuição da assistência
técnica para a construção da sustentabilidade e da autonomia dos assentamentos.
Por outro lado, identificou que as famílias não encontravam respostas nos técnicos e
que havia falhas no planejamento das ações causadas, principalmente, por
desconsideração das especificidades regionais e locais dos assentamentos
(DALBIANCO; NEUMANN, 2012). Percebe-se que avaliações são conflitantes,
necessitando de maior investigação.
De 2000 a 2004 não houve um programa nacional de assistência técnica e
extensão rural para assentamentos, e a oferta do serviço dependeu da ação de
ONGs e organizações estaduais e/ou municipais. Esse foi o caso do RS onde
durante o governo Olívio Dutra os assentamentos, porém, não todos, foram
acompanhados por técnicos do Gabinete da Reforma Agrária (GRA) do governo
estadual, pela EMATER-RS e pela COPTEC.
Em nível nacional, em 2000 foi criado o Programa de Consolidação e
Emancipação de Assentamentos Resultantes da Reforma Agrária (PAC). De âmbito
federal, o Programa visava a consolidação de alguns assentamentos24 (para tanto
possibilitava a realização de investimentos complementares em infraestrutura social
e técnica, fortalecimento da organização, capacitação das famílias e apoio para
acesso ao crédito) e tinha suas ações orientadas pelo Plano de Consolidação de
Assentamento25
(PCA), que deveria ser elaborado com a participação das famílias
assentadas.
Os assentamentos que integraram o Programa foram indicados pelas
Superintendências Regionais do INCRA. Sua escolha levou em consideração a
localização, o número de famílias assentadas, o potencial econômico do
assentamento e que 90% das famílias tivessem acessado o Crédito Instalação. No
RS, foram 11 assentamentos e o PAC Regional composto pela totalidade (54) dos
assentamentos dos municípios de Candiota, Aceguá e Hulha Negra.
24
Os assentamentos que integram o Programa são indicados pelas Superintendências Regionais do INCRA. A escolha dos assentamentos levou em consideração a localização, o número de famílias assentadas, que 90% deles tenham acessado o Crédito Instalação e o potencial econômico do assentamento. No RS foram 11 assentamentos e o PAC Regional composto pela totalidade (54) dos assentamentos dos municípios de Candiota, Ácegua e Hulha Negra. 25
Ferramenta semelhante foi adotada em 2009-2010 no Programa de ATES com os Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos (PDAs) e Planos de Recuperação dos Assentamentos (PRAs). Análise sobre os PDAs e PRAs ver Dalbianco et al. (2010) e Diesel e Hass (2012).
79
Depois, em 2004, já com base nas orientações da PNATER, o INCRA instituiu
o Programa de ATES, concebido como um processo educativo continuado,
incorporando os aspectos produtivos, o ambiental e o social. Distinguia-se, portanto,
dos objetivos definidos pelo Projeto Lumiar26. Seguindo as diretrizes da PNATER, a
ATES passou a defender o desenvolvimento rural sustentável na busca pela
qualidade de vida dos assentados.
No RS, o Programa de ATES começa a ser executado através de convênios
com a EMATER e COPTEC, reeditando o caráter descentralizado de implantação da
política pública de ER, no qual é atribuído ao Estado o papel de fiscalização,
coordenação e acompanhamento e às equipes técnicas e de articulação, o papel de
execução (ZARNOTT et al., 2014).
Nesse período dos convênios existia uma única meta: prestar serviços de
extensão rural de acordo com o estabelecido no Manual Operacional, publicado pela
Norma de Execução n0 39 (INCRA, 2004). A comprovação dos serviços realizados
era feita através de relatórios semestrais sobre a execução física e, principalmente,
financeira. No entanto, não havia direcionamento, por parte do INCRA, das ações a
serem realizadas. Durante esse período alguns PACs continuaram em execução.
Além destes, o INCRA firmou convênios paralelos com a Embrapa (para
transferência de tecnologia) e com a COPTEC no Projeto Leite Sul (projeto
específico para desenvolvimento da bacia leiteira).
O que caracteriza esse período, segundo Dalbianco e Neumann (2012), é que
se realizava um atendimento seletivo (a algumas famílias e/ou alguns
assentamentos mais demandantes ou mais próximos às organizações) e as ações
não seguiam uma orientação única, baseando-se em leituras das demandas locais
realizadas pelas entidades prestadoras do serviço.
Segundo Neumann, Dalbianco e Zarnott (2015) as ações eram estabelecidas
pelas próprias prestadoras, em alguns casos em parceria com as entidades ligadas
aos movimentos sociais ou organizações produtivas locais. Esta relação dependia
basicamente do alinhamento ideológico da prestadora, do enraizamento local dos
técnicos e do estágio de desenvolvimento dos assentamentos. A marca principal dos
26
Segundo o projeto básico do LUMIAR, seu objetivo foi de “viabilizar os assentamentos tornando-os unidades de produção estruturadas, inseridas de forma competitiva no processo de produção voltado para o mercado, integrado à dinâmica do desenvolvimento municipal e regional” (INCRA, 1997, p. 4).
80
convênios era a flexibilidade dada às prestadoras para o planejamento e execução
de suas atividades, sem depender de aceite ou liberação do órgão gestor.
Entretanto, avaliações deste período apontam para o surgimento de um
conjunto de problemas, dentre os quais, a ocorrência de um distanciamento entre o
trabalho desenvolvido pelas prestadoras e as necessidades dos assentamentos, a
falta de uma orientação comum por parte do INCRA para a execução dos serviços
nos diferentes assentamentos, a dificuldade por parte da prestadora de envolver os
beneficiários na cogestão do Programa e os atrasos no pagamento pelos serviços
prestados (DALBIANCO; NEUMANN, 2012).
Para além desses aspectos, a carência de um sistema de controle das ações
desenvolvidas pelas equipes técnicas e a preocupação jurídica sobre as ações
desenvolvidas pelo INCRA tiveram grande peso na alteração da modalidade usada
para a contratação dos serviços. Na busca da superação destas limitações, em
2008, a Superintendência do INCRA no RS passou a adotar a forma jurídica dos
contratos na prestação dos serviços de assessoria técnica. Foi o primeiro estado a
operacionalizar a extensão rural pela modalidade contrato27, o que acabou se
tornando norma nacional em 2010, quando foi promulgada a lei de ATER.
4.2 O PERÍODO DOS CONTRATOS DE ATES
A partir de 2009, o Programa de ATES do RS passou a ser executado na
modalidade contrato, abrangendo a universalidade das famílias assentadas.
Orientado pelo Manual Operacional de ATES (INCRA, 2008), ao longo do ano de
2008 foram construídas e operacionalizadas as Chamadas Públicas para seleção de
prestadoras para a ATES RS. Nesse processo foram habilitadas três prestadoras:
COPTEC, para 08 Núcleos Operacionais (NOs28), a EMATER-RS, para 09 NOs, e o
CETAP para 01 NO, totalizando a contratação de 117 técnicos para atender a 9.894
27
Cabe fazer uma referência que este formato jurídico foi fortemente influenciado pela lei de licitações 8.6666, usado pelos Governos das diferentes esferas, para contratação de serviços gerais e obras, pouco adequada a realidade dos serviços de extensão rural que tem como pressuposto a mediação com pessoas e processos sociais. 28
Núcleo Operacional é a unidade organizativa do Programa de ATES. Cada NO é atendido por uma equipe técnica. A definição da abrangência do NO levou em consideração o número de famílias (no mínimo 300 famílias para fosse composta uma equipe de técnicos – Santa Catarina possui um NO com apenas um técnico, que pode isso, atua sozinho – e no máximo mil para evitar também equipes muito grandes), o número de assentamentos e a distância entre os mesmos.
81
famílias, distribuídas em 285 assentamentos presentes em 83 municípios do estado
(ver Tabela 1).
Tabela 1 – Divisão dos NOs de ATES no estado do RS, características de cada Núcleo Operacional quanto a abrangência de famílias, municípios, Projetos de Assentamento (PAs) e prestadoras executaras dos trabalhos.
Núcleo Operacional Municípios Assentamentos Famílias Prestadora
Júlio de Castilhos 8 17 611 EMATER
Tupanciretã 1 17 642 COPTEC
Jóia 1 8 651 EMATER
Sarandi 8 12 369 EMATER
Palmeira das Missões 8 13 352 EMATER
Vacaria 10 12 350 CETAP
Nova Santa Rita 6 9 391 COPTEC
Eldorado do Sul 8 15 525 COPTEC
Santana do Livramento 1 25 789 COPTEC
Fronteira Oeste 6 8 406 EMATER
Candiota 2 29 765 COPTEC
Hulha Negra 2 24 827 EMATER
Canguçu 2 22 660 EMATER
Pinheiro Machado 2 11 373 COPTEC
Piratini 3 16 493 EMATER
Herval 4 16 578 EMATER
São Luiz Gonzaga 5 15 402 COPTEC
São Miguel das Missões 6 16 710 COPTEC
83 285 9.894
Fonte: ZARNOTT et al. (2011).
Mais tarde, foi formado o NO São Gabriel e o NO Viamão (ambos
assessorados pela COPTEC, que venceu as chamadas públicas), que ampliaram o
Programa de ATES a 306 assentamentos e quase 11 mil famílias, distribuídas como
em 20 Nos, como ilustra a Figura 03, a seguir.
Sintetizando os períodos do Programa de ATES via contratos (pós 2009),
Diesel e Neumann (2012) apontam três períodos: O primeiro, quando a ATES atuou
em temas predeterminados e iniciou espaços de diálogo com as famílias assentadas
– caso dos PDA/PRAs que foram pensados como espaços de diálogo. Os mesmos
autores afirmam que, em que pese os PDA/PRAs tenham sido pensados como um
importante espaço de diálogo, como “uma iniciativa que poderia ser o embrião de
processos de diálogo orientados à formulação de um projeto de desenvolvimento
82
endógeno, foi proposta num ambiente e de tal forma que prejudicava sua
legitimidade, e tal fato pode ter limitado seu potencial” (DIESEL; NEUMANN, 2012,
p. 336).
Figura 03 – Mapa da divisão dos Núcleos Operacionais onde são prestados os serviços de ATES no Rio Grande do Sul.
Fonte: PROGRAMA DE ATES (2015).
O segundo período corresponde a fase de execução de ações educativas em
temas de interesse dos assentamentos, visando adequar a ação da equipe às
distintas realidades dos assentamentos. Na avaliação de Diesel e Neumann, “as
equipes tiveram dificuldade em articular as ações em torno de uma proposta
específica de desenvolvimento para cada assentamento” (2012, p. 337), resultando
que as ações foram definidas, majoritariamente, pelas equipes técnicas.
83
O terceiro período é identificado com a ação educativa orientada por projetos
de desenvolvimento (com base nos PDA/PRAs e em documentos de planejamento
anual construídos em conjunto com os assentamentos), documentos base e
processo de construção com as famílias que permitem e resultam na elaboração de
uma proposta contratual para cada assentamentos do estado.
Em relação à participação social, o Manual Operacional prevê a participação
das famílias assentadas na definição dos rumos do Programa de ATES como um
elemento fundamental. As primeiras referências à participação social constam do
processo metodológico empregado na execução dos trabalhos da ATES, definido
como uma metodologia com objetivo educativo, que valoriza o conhecimento local e
[...] deste modo, a intervenção dos agentes de ATES deve ocorrer de forma democrática, adotando metodologias participativas por meio de um enfoque pedagógico construtivista e humanista, tendo sempre como ponto de partida a realidade e conhecimento local [...] Esta metodologia deve permitir, também, a avaliação participativa dos resultados e do potencial de replicabilidade das soluções encontradas, para situações semelhantes em diferentes contextos (INCRA, 2008, p. 12).
Um dos instrumentos previstos no Manual Operacional, para dar voz aos
assentados, é a elaboração do PDA ou do PRA29, que “deverá ser elaborado com a
participação dos beneficiários e lideranças locais, assessorados pelas equipes de
ATES” (INCRA, 2008, p. 50) e que servirá de base para o planejamento e para
futuras avaliações sobre o assentamento, sobre o trabalho da ATES e sobre as
intervenções governamentais nos assentamentos.
No RS, os PDAs/PRAs foram construídos no período 2009-2010. O produto
final foi bastante variado, pois foram utilizadas metodologias variadas (cada
prestadora afirmou experiência com diagnósticos e planos participativos), em
realidades (organizativas) bastante diversas.
A participação das famílias como parte do processo de gestão do programa
aparece quando são apresentados os princípios do Programa
[...] IV - estabelecer um modo de gestão capaz de democratizar as decisões, contribuir para a construção da cidadania e facilitar o processo de controle social no planejamento, monitoramento e avaliação das atividades, de modo a permitir a análise e melhoria no andamento das ações (INCRA, 2008, p. 14).
29
O PDA é “a principal ferramenta de planejamento dos Projetos de Assentamento voltada diretamente para o seu desenvolvimento sustentável” (INCRA, 2008, p. 50), é construído em assentamentos criados pós 2003. O PRA é uma releitura e adequação do PDA e é construído em assentamentos criados antes de 2003.
84
Da mesma forma, os objetivos específicos do Programa referendam a
participação social na gestão quando visam “[...] promover uma relação participativa
e gestão compartilhada, pautada na corresponsabilidade entre os agentes do
processo de desenvolvimento, estabelecendo interações efetivas e permanentes
com os assentamentos” (INCRA, 2008, p. 17).
Quanto à forma de operacionalizar o Programa para que essa desejada
gestão democrática e compartilhada ocorra, estão previstas duas instâncias: o
Fórum Nacional de ATES e o Fórum Estadual de ATES. Ambos possuem
características e funções semelhantes, dentre elas seu caráter consultivo e
formação paritária. Segundo o Manual de ATES, o Fórum Estadual de ATES objetiva
“intensificar o diálogo e a interação entre o público beneficiário e o INCRA, de modo
a contribuir no processo de análise, formulação e avaliação da política nacional de
ATES” (INCRA, 2008, p. 33).
O Programa de ATES do RS construiu espaços próprios de participação
social em três níveis como mostra a Figura 04, sendo estes: O Conselho Estadual
de ATES, atualmente composto pelo INCRA, DDA, UFSM, EMBRAPA, COPTEC,
EMATER, CETAP e COCEARGS; Os Conselhos Regionais de ATES (com
participação similar ao Conselho Estadual mais organizações locais e
representantes dos assentamentos); e, Reuniões de avaliação e planejamento nos
assentamentos.
Alguns elementos são percebidos imediatamente. Por exemplo, o fato de que
a representação das famílias assentadas no Conselho Estadual de ATES é
absolutamente minoritária, sendo a maioria do Conselho composta pelas entidades
executoras do serviço de ATES. Em relação aos Conselhos Regionais de ATES,
esse espaço carece de autoridade e autonomia nas discussões, haja vista que a
definição em relação à maioria das políticas destinadas aos assentamentos se dá
em outros fóruns (ATPs, 2013).
As reuniões de avaliação e planejamento nos assentamentos são um espaço
privilegiado de participação das famílias, no entanto, tem sido um espaço bastante
desprestigiado por outras organizações, pois participam da reunião os técnicos da
ATES e os assentados, sendo rara a participação das organizações que participam
do Conselho Regional e ou Estadual de ATES (ATPs, 2013).
85
Figura 04 – Estrutura organizativa, operacional e de gestão e controle social do Programa de ATES/RS.
Fonte: Adaptado de Zarnott et al. (2015).
O Conselho Estadual é composto pelo INCRA, prestadoras de ATES
(EMATER, CETAP e COPTEC), organização dos assentados (na figura da
COCEARGS), DDA/SDR do Governo do Estado, Confie (parceria firmada através de
Termo de Execução Descentralizada entre o INCRA e a Embrapa com o propósito
de realizar capacitações de assentados e técnicos) e ATP‟s (através de Termo de
Cooperação entre INCRA e UFSM). Nele são discutidas as diretrizes gerais do
Programa de ATES e definidas a organização das metas, principalmente as metas
estaduais que serão implementadas em todos os Núcleos Operacionais.
A segunda instância é composta pelos Conselhos Regionais que são
realizados em cada NO, duas vezes ao ano. O objetivo deste espaço é discutir as
especificidades do NO, planejar e avaliar o conjunto das ações e das estratégias que
são executas no trabalho de ATES em cada assentamento do NO. Do Conselho
s st u
Conselhos
Regionais
Reuniões de Avaliação e Planejamento
86
Regional participam o INCRA, Governo do Estado, ATP, Embrapa, Equipe de ATES,
e em maioria, representantes dos assentamentos (conforme o número de famílias e
seguindo composição de gênero). Além disso, quando demandado pelas famílias,
participam organizações locais e o poder público local com vistas a resolver e
esclarecer os problemas existentes em âmbito local/regional.
Em nível local, ocorrem reuniões de avaliação e planejamento em cada
assentamento, no intuito de avaliar as atividades e os resultados do trabalho no
decorrer do ano, bem como planejar as atividades para o ano seguinte. Nas
reuniões de avaliação e planejamento busca-se a participação da totalidade dos
assentados. Além disso, entre as famílias de cada assentamento são escolhidos os
representantes do assentamento – denominados de Conselheiros – para o Conselho
Regional, tendo sua participação no espaço subsidiada pelo INCRA, com o objetivo
de minimizar a perda do período de trabalho no lote em virtude da representação do
assentamento no Conselho Regional.
Além da estrutura de gestão e controle social e da estrutura de execução já
apresentados, existe uma estrutura de apoio geral ao Programa de ATES e de apoio
específico aos NO‟s. Essa estrutura de apoio se dá através das parcerias entre o
INCRA e UFSM e entre o INCRA e a Embrapa.
O Projeto Assessores Técnicos Pedagógicos (ATPs), antes Projeto
Articuladores, tem o papel de assessorar as equipes técnicas das diferentes
prestadoras, com o objetivo de garantir um padrão de qualidade similar dos serviços
em todos os NOs. O trabalho da equipe de ATPs se desenvolve basicamente em
três grandes eixos: o assessoramento sistemático aos NOS (assessoria às equipes,
visando garantir um padrão similar de qualidade) 30, o assessoramento ao Programa
Estadual (apontando os avanços e limites da operacionalização do Programa,
formulando instrumentos para qualificar a execução dos contratos e subsidiando as
discussões sobre a qualificação da ATES), e o assessoramento ao INCRA (para
construir as orientações de execução das ações, bem como os instrumentos de
monitoramento e avaliação).
30
A equipe atua em rede, onde cada ATP é responsável por um território e uma temática especial (Social, Ambiental, Agroecologia, Políticas Públicas, Participação social, Análise econômica de propriedades, Sistemas de gestão, metodologias de extensão), a partir das quais o responsável por cada temática elabora referências e dá suporte ao conjunto da equipe para sua atuação junto aos NOs.
87
Um dos grandes desafios do Programa de ATES no período em que começou
a vigência contratual tem sido a definição do conteúdo dos contratos, das metas. Em
2009, inicia-se com um contrato igual para todos os assentamentos, o que foi sendo
modificado ao longo do tempo através da elaboração dos PDAs/PRAs e das
atividades de planejamento junto às comunidades de assentamentos.
A definição das metas, a partir das demandas locais, representou um avanço
significativo, no entanto, por vezes, conflitou com interesses da legislação (como as
leis ambientais), que são mais amplos. Assim, tornou-se um desafio conceber um
processo e um espaço de negociação entre as necessidades locais (materializadas
nas metas regionais) e as necessidades mais gerais da sociedade (materializadas
nas metas estaduais), o que foi alcançado no Conselho Estadual de ATES. Neste
sentido, atualmente, técnicos e assentados consideram a legitimidade destes
interesses gerais, e reconhecem que o mediador deste interesse é o Conselho
Estadual de ATES (NEUMANN; DALBIANCO; ZARNOTT, 2015).
Ainda segundo esses autores, em relação às metas, permanece o desafio de
superar a compreensão da meta como ação, pois no caso da ATES e também das
chamadas públicas de ATER em geral, operou-se uma transformação bem
particular, muito problemática e perigosa para a extensão rural: a transformação das
ações "meio" (reuniões, visitas oficinas, etc.) em resultados finais (em finalidade).
Não se pode confundir uma meta com as atividades necessárias para alcançá-la,
pois ela corresponde a um objetivo temporal, espacial e quantitativamente
dimensionado, portanto, um objetivo para o qual se estabeleceu um sujeito da ação,
se quantificou o objetivo e se determinou um prazo.
Esta incompreensão tende a produzir, na ação extensionista, situações que,
muitas vezes, são distantes das reais necessidades das famílias assentadas. Além
disso, ao transformar a ação em “fim”, corre-se o risco de criar uma “cultura” da
realização das atividades por elas mesmas, ou seja, de se encerrar o processo na
atividade realizada.
Esta cultura de transformar os métodos em finalidade foi uma das marcas
registradas do difusionismo Rogeriano, período em que os técnicos eram, inclusive,
avaliados/promovidos pelo número de atividades realizadas. Esta cultura do “fazer
por fazer” é rapidamente percebida pelos assentados que logo entendem que o
técnico está em seu lote porque necessita de sua assinatura para comprovar a
realização da “meta”.
88
Porém, percebe-se que a contratação de atividades em detrimento de
produtos é defendido tanto pelo INCRA quanto pelos técnicos, pois ao invés de
avaliar-se o resultado produzido pelo trabalho é verificada apenas a execução das
atividades – metas - contratadas.
Segundo Neumann, Dalbianco e Zarnott (2015) graças ao entendimento de
que é necessária a mudança da natureza das metas, encontra-se em curso um
processo gradual de incorporação de metas-produtos, o que vem exigindo também
outro aparato de planejamento, verificação e avaliação dos processos/produtos
contratados, pois são necessários procedimentos e instrumentos para a avaliação
do alcance de resultados. Um exemplo no primeiro ano de contrato foi a elaboração
dos PDAs e PRAs. Atualmente tem-se a sistematização de experiências
agroecológicas, a implantação de quintais sustentáveis e a elaboração de planos de
intervenção nas unidades da RUOP. A expansão para o conjunto das ações, ainda é
um desafio.
Visando consolidar esse processo o Programa de ATES constituiu o Sistema
Integrado de Gestão Rural da ATES (SIGRA) e a Rede de Unidades de Observação
Pedagógica (RUOP), como instrumentos que podem contribuir significativamente
para o processo de planejamento e de monitoramento/avaliação, pois permitem
identificar, com maior clareza, os pontos centrais e prioritários da intervenção da
ATES, bem como apontar se os produtos/processos estão sendo alcançados. Além
dessas inovações metodológicas, cabe destacar também o processo de
sistematização de experiências agroecológicas, que além de formação exemplifica
as metas-produtos que tem sido propostas e os espaços de formação dos técnicos
que discutem esses temas e estabelecem orientações sobre o trabalho a ser
realizado.
O SIGRA foi criado como demanda do CE ATES, que avaliou que a ATES
precisava, para o processo de planejamento, de um sistema de gerenciamento das
informações, com capacidade de retratar de maneira precisa a dinâmica e a
realidade das famílias assentadas e seus lotes. É um sistema informatizado,
alimentado anualmente com informações coletadas/fornecidas pelas equipes
técnicas junto às famílias sobre os campos produtivo, social e ambiental,
possibilitando a confecção de relatórios/tabulações instantâneas sobre quem são
(idade, sexo, escolaridade, doenças, etc.), como vivem (moradia, saneamento, etc.),
como são os lotes (distância da sede do município, estrada de acesso, acesso a
89
água, etc.), o que produzem (culturas, criações e processamento, produção para
autoconsumo e comercialização) e como produzem (máquinas, instalações,
manejos, etc.) todas as famílias assentadas do RS atendidas pela ATES.
Complementarmente ao banco de dados do SIGRA, o CE aponta a
necessidade de informações sobre a renda das famílias assentadas. Devido a
impossibilidade de realizar o levantamento econômico da totalidade das famílias
assentadas é construída a Rede de Unidades de Observação Pedagógica (RUOP),
com o objetivo de fornecer informações sobre a renda obtida pelas famílias
assentadas e produzir referências técnicas e econômicas para o universo das
equipes técnicas, além de ser uma ferramenta pedagógica para a ação local dos
técnicos.
Segundo Bellé et al. (2016), a RUOP orienta-se teoricamente pela Análise
Diagnóstico de Sistemas Agrários (ADSA), mas também tem referências na
Pesquisa-Desenvolvimento, nas Redes de Referência e nas Metodologias
Participativas. Segundo os autores, o trabalho com a RUOP vem demonstrando
resultados, quais sejam: envolvimento e reflexão entre as famílias assentadas que
estão participando da RUOP; por definição do Programa as famílias que compõe a
RUOP recebem um pequeno auxílio financeiro para, após análise e avaliação
conjunta, realizar intervenções no seu sistema produtivo31; a geração de referências
técnicas e econômicas sobre os sistemas produtivos.
O recurso financeiro também busca ser uma retribuição à família assentada
pela disponibilidade em fornecer os dados produtivos e econômicos da sua unidade
de produção, contribuindo para o estudo e geração de referências técnicas
produtivas para o programa de ATES, além de, disponibilizar o seu lote para a
realização de visitas e dias de campo para outros agricultores.
A Sistematização de Experiências Agroecológicas visa capacitar os técnicos
para a reflexão de suas experiências vividas e promover espaços de aprendizagem,
de troca de conhecimento e de divulgação das experiências e ações do campo
vinculadas a agroecologia desenvolvidas nos assentamentos. Foram sistematizadas
pelas equipes 20 experiências em 2013, 20 em 2014, 20 em 2015 e mais 20 serão
31
Também busca ser uma retribuição à família assentada pela disponibilidade em fornecer os dados produtivos e econômicos da sua unidade de produção, contribuindo para o estudo e geração de referências técnicas produtivas para o programa de ATES, além de disponibilizar o seu lote para a realização de visitas e dias de campo para outros agricultores.
90
sistematizadas e posteriormente divulgadas, perfazendo 80 experiências
agroeocológicas sistematizadas no âmbito da ATES RS.
Por fim, é importante uma referência aos espaços comuns de formação dos
técnicos (dois encontros estaduais e um encontro regional), cuja pauta é definida no
CE e são construídos visando que as equipes trabalhem com os mesmos princípios
e com um padrão de qualidade similar nos assentamentos das diferentes regiões do
estado.
Esse capítulo, finalizado com esses exemplos, buscou mostrar um pouco da
história e como está organizado e estruturado o Programa de ATES do RS no
momento.
91
5 O PERCURSO METODOLÓGICO
“saber” com o outro significa que a pesquisa científica não dever ser pensada e colocada em prática como um momento único ou isolado, em
nome e a serviço de qualquer interesse de adquirir poder por meio da ciência [...] Ao contrário, deve ser vivida como um momento de fluxo
progressivo de construção e de aperfeiçoamento de dimensões da conectividade, entre as múltiplas e complexas esferas de realização da
compreensão humana, levada a efeito por meio da ciência. (BRANDÃO, 2003, p. 17).
Concordo com a perspectiva de que a pesquisa se apresenta como “uma
atividade de aproximação sucessiva da realidade que nunca se esgota, fazendo uma
combinação particular entre teoria e dados” (MINAYO, 1993, p. 23), configurando-se,
assim, como um processo inacabado e permanente de interação prático-teórica.
Ademais, trata-se de compreender que o espaço de delimitação e interação
entre pesquisador e o objeto de pesquisa, quando regido sob outros preceitos,
distintos aos postulados “positivistas, funcionalistas e, quer dizer, cartesianos” (FALS
BORDA, 2006, p. 71) – que coloca sujeitos como objetos – passa a conceber a
existência de uma dimensão formativa nos processos de investigação, que confluem
na formação de conhecimento. Por conseguinte, de acordo com Streck, (2006, p.
266) a pesquisa pode pactuar com um amplo “movimento do saber”.
Assim, a pesquisa é concebida enquanto
repertório múltiplo e diferenciado de experiências de criação coletiva de conhecimentos destinados a superar a oposição sujeito/objeto no interior de processos que geram saberes e na sequência das ações que aspiram gerar transformações a partir também desses conhecimentos (BRANDÃO e STRECK, 2006, p. 12).
No âmbito acadêmico e popular há grande diversidade de termos que
reportam a tais tipos de pesquisas pautadas pelo diálogo, pela reflexividade e
ancoradas em um marco “alternativo”, que “entrelaça atores-autores” (BRANDÃO;
STRECK, 2006, p. 13). Na tradição latinoamericana essa multiplicidade se expressa
por
palavras como: levantamento vocabular, pesquisa temática, pesquisa ativa, autodiagnóstico, pesquisa na ação, pesquisa-ação, pesquisa participante, investigação-ação-participativa, pesquisa popular, pesquisa militante traduziam no passado e traduzem ainda hoje opções ora diferentes, ora convergentes, ora desiguais ou mesmo divergentes. Essa pluralidade de nomes revela uma polissemia de novos ou renovados fundamentos ou
92
fragmentos (não raro, mais fragmentos do que fundamentos) de uma epistemologia crítica diante do modelo que, de maneira bem geral, é cunhada como “neopositivista” (BRANDÃO, 2003, p. 34; grifo do autor).
Essa ampla gama de vocábulos que ora aproximam-se ou compartilham, ora
distanciam-se ou opõem-se em termos de definições, diretrizes e concepções,
converte a eleição ou a decisão de empregá-los como sinônimo em uma grande
armadilha, especialmente se não ousamos explicitar os princípios que nos
conduzem. Neste sentido, cabe afirmar que concebemos a pesquisa integrada ao
fluxo de ação que atende às demandas reais de certos grupos e que por isso requer
dinamismo e mutação na relação pesquisador/objeto.
Haguett (1999) ao estudar o tema das críticas e das alternativas
apresentadas aos métodos de pesquisas tradicionais, no âmbito das metodologias
qualitativas na pesquisa sociológica, abordou o estilo participativo de pesquisa e
planejamento, reservando o emprego do termo pesquisa-ação para descrever as
experiências europeias e a expressão pesquisa-participante para referir-se às
práticas circunscritas na América Latina.
Segundo Thiollent (2011) apesar dos grandes esforços empreendidos não
há unanimidade a respeito do que define e distingue „pesquisa-ação‟ e „pesquisa
participante‟. Gajardo (1983), Brandão (2003), Gabarrón e Landa (2006), Streck
(2006), empenharam-se em descrever os princípios que regem a pesquisa
participante. Dentre os traços constituintes tem-se a participação; a ação
transformadora; a realidade como ponto de partida e o método indissociado do
processo de investigação, sendo recorrente a identificação de dois aspectos: o
deslocamento da relação de sujeito-objeto para sujeito-sujeito e o caráter formativo
da pesquisa que envolve a produção e intercâmbio de conhecimento. A posição
assumida por Thiollent é a de que
toda pesquisa-ação é de tipo participativo: a participação das pessoas implicados nos problemas investigados é absolutamente necessária. No entanto, tudo o que é chamado de pesquisa participante não é pesquisa-ação. Isso porque pesquisa participante é, em alguns casos, um tipo de pesquisa baseado numa metodologia de observação participante na qual os pesquisadores estabelecem relações comunicativas com pessoas ou grupos da situação investigada com o intuito de serem melhor aceitos. Nesse caso, a participação é sobretudo participação dos pesquisadores e consiste em aparente identificação com os valores e os comportamentos que são necessários para a sua aceitação pelo grupo considerado (THIOLLENT, 2011, p. 21).
93
O que o autor evidencia é que toda pesquisa-ação é uma pesquisa
participante, mas nem toda pesquisa participante é pesquisa-ação, considerando
que em diversos casos lança-se mão da observação participante como estratégia
metodológica que viabiliza a aproximação do pesquisador com pessoas ou grupos
de interesse à pesquisa, com o propósito exclusivo de que este seja melhor aceito.
Para Thiollent (2011, p. 20)
pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo.
Para o autor, o grande diferencial centra-se no fato de que “com a pesquisa-
ação os pesquisadores pretendem desempenhar um papel ativo na própria realidade
dos fatos observados” (THIOLLENT, 2011, p. 22), agindo no equacionamento dos
problemas encontrados, bem como no acompanhamento e na avaliação das ações
desencadeadas em função dos problemas.
Em contraponto, Haguett (1999) assevera ter conhecimento de muitas
experiências de pesquisa participante que contém o componente “ação”, o que, em
certa medida fragiliza um pouco a noção de Michel Thiollent de que a pesquisa-ação
não é apenas uma pesquisa participante, mas um tipo de pesquisa centrada na
ação, sombreando novamente os dois conceitos.
De nossa parte, ao adotarmos a ideia guia da pesquisa-ação, assumimos
que ela não se restringe a ação ou a participação, mas aporta também à geração de
conhecimentos, ao acúmulo de experiências, à constituição de espaços de diálogo e
à busca por soluções.
Com base nos objetivos propostos pela pesquisa, pode-se classificá-la,
conforme Gil (2010), como descritiva e explicativa. Segundo Gray (2012, p. 36, grifo
do autor), “os estudos descritivos buscam „desenhar um quadro‟ de uma situação,
pessoa ou evento, ou mostrar como as coisas estão relacionadas entre si”. Assim,
classifica-se esse estudo como descritivo por buscar descrever o processo
constitutivo do Programa de ATES, em especial, o que se refere aos processos
participativos que têm lugar em seu interior.
94
Além disso, é um estudo explicativo, pois objetivou, além de descrever os
fenômenos observados, identificar e explicar suas causas. Como afirma Gray (2012,
p. 36, grifo do autor)
Um estudo explicativo se dispõe a explicar e a examinar informações descritivas. Portanto, embora os estudos descritivos possam fazer perguntas do “o que”, os estudos explicativos procuram responder a pergunta “por que” e “como”. Essa distinção entre pesquisa descritiva e explicativa se aplica igualmente à pesquisa quantitativa e à qualitativa.
Nessa pesquisa amparamo-nos em uma abordagem mista/multimétodo
caracterizada pela associação de métodos e técnicas para obter resultados e
atender aos objetivos propostos.
Todavia, cabe mencionar que na condução desta pesquisa foi dedicada
maior ênfase na perspectiva qualitativa, pois em virtude de “[...] seu caráter exemplar
e fugaz, vários fenômenos sociais resistem à mensuração” (POUPART, 2010, p.
130), necessitando de métodos qualitativos capazes “de incorporar a questão do
significado e da intencionalidade como inerentes aos atos, às relações e às
estruturas sociais, sendo essas últimas tomadas tanto no seu advento quanto na sua
transformação, como construções humanas significativas” (MINAYO, 1993, p. 10).
Os métodos qualitativos adotados foram observação ação e observação
participante, a análise documental e a realização de entrevistas. De acordo com
segundo Bodgan e Biklen (1994, p. 53), a observação é uma técnica que possui
abrangência diversa, que pode cumprir tanto o objetivo de “olhar e ver o que se
passa”, quanto o de realizar um “estudo rigoroso e sistemático de comportamentos e
situações”. No caso desta pesquisa o papel observador esteve centrado no registro
e na posterior interpretação, visto que em muitas situações encontrava-se imbricado
nelas.
De acordo com Bell (1997) a observação pode ser estruturada ou não-
estruturada. Para essa pesquisa utilizou-se a observação estruturada, com roteiros e
categorias-guia a fim de guiar o olhar do pesquisador nas visitas de intercâmbio as
superintendências do INCRA.
Além disso, é importante ter em conta uma dupla dimensão da observação,
a descritiva e a reflexiva. Segundo Bogdan e Biklen, (1994), a descrição deve
considerar os sujeitos, os lugares, as ações, os eventos e a descrição dos diálogos e
comportamentos diante da presença do observador. Já a reflexão sobre os registros
95
diz respeito às observações particulares do observador, levando em conta os temas,
os métodos, às indagações, opiniões e expectativas percebidas.
A observação na pesquisa foi realizada no conjunto do Programa de ATES,
especialmente as reuniões dos Conselhos Estadual e Regionais de ATES, mas
também as reuniões nos assentamentos, com o INCRA, com as prestadoras de
ATES, da equipe de Articuladores e, posteriormente, da equipe de ATPs, nos
encontros de técnicos e todas as demais ações desenvolvidas desde 2009 até o
presente momento enquanto assessor do Programa de ATES pelos projetos
Articuladores de ATES e ATPs. Soma-se a isso a experiência de intercâmbio com os
Programas de ATES das SRs do INCRA de Santa Catarina, Paraná, Recife e
Petrolina.
Em relação à análise documental, Bardin (1996, p. 45) afirma que ela é “uma
operação ou um conjunto de operações visando representar o conteúdo de um
documento sob uma forma diferente da original, a fim de facilitar num estado ulterior,
a sua consulta e referenciação”. Em grande medida, essa técnica objetiva
decodificar os conteúdos utilizando procedimentos que permitam ao
observador/pesquisador maior alcance às informações pertinentes aos objetivos da
pesquisa.
A análise documental é uma técnica que permite realizar alguns tipos de
reconstrução, destacando o documento como “uma fonte extremamente preciosa
para todo pesquisador nas ciências sociais”, que pretende “acrescentar a dimensão
do tempo à compreensão do social”, pois “favorece a observação do processo de
maturação ou de evolução dos grupos, conceitos, práticas, etc.” (CELLARD, 2010, p.
295).
A análise documental auxilia na promoção do distanciamento entre o
pesquisador e os dados, pois, segundo Cellard (2010, p. 295), “[...] o documento
constitui um instrumento que o pesquisador não domina” e, por conseguinte, lhe há
pouca oportunidade de interferência ou distorção, um fator relevante considerando
que o pesquisador é também um agente sobre o problema de pesquisa.
Duffy (2008) mostra a existência de duas abordagens distintas no âmbito da
análise documental. Uma é denominada de “orientada para a fonte”, e a segunda é
“orientada para o problema”. Este estudo utilizou a segunda, pois aos objetivos
interessava a análise do processo de participação no Programa de ATES.
96
Assim, a análise documental debruçou-se sobre as atas das reuniões do
Conselho Estadual de ATES, das reuniões dos Conselhos Regionais de ATES, dos
Encontros de capacitação dos técnicos de ATES, do relatório sobre a Oficina de
Formação dos Conselheiros de ATES e os relatórios trimestrais e anuais do Projeto
Articuladores de ATES (2009-2012) e do Projeto ATPs (2012-2016).
A entrevista é considerada, segundo Poupart (2010, p. 222): “uma
ferramenta de informação sobre as entidades sociais e instrumento privilegiado de
exploração do vivido dos atores sociais”. Para o autor, a entrevista é capaz de
conceder informações que não são passíveis de ser acessadas a partir de outras
técnicas como a análise documental e observação, ao mesmo passo em que
permite conhecer a perspectiva particular dos atores. Na pesquisa foram realizadas
seis entrevistas direcionadas enquanto instrumento complementar para
aprofundamento e triangulação de informações.
Foram entrevistados representantes das três prestadoras de ATES e três
coordenadores do Programa de ATES pelo INCRA. As entrevistas ocorreram em
abril de 2016 e as questões formuladas visaram principalmente buscar elementos
que estavam ausentes ou não estavam claros nos documentos consultados, além de
estabelecer um processo de análise e problematização sobre os resultados
sistematizados até o momento.
Quanto aos métodos quantitativos, como interessava à pesquisa
dimensionar a participação social também em termos numéricos realizou-se o
levantamento, tabulação e análise do número de participantes nas reuniões de
avaliação dos assentamentos e Conselhos Regionais de ATES. Para tal foram
utilizados dados do Sistema de Acompanhamento e Monitoramento da ATES
(SAMA) e dos relatórios das reuniões dos CRs ATES.
Para a análise dos dados, como não há consenso sobre os resultados
esperados do processo de participação e, logo, também não há consenso sobre as
variáveis que explicam/operacionalizam a “qualidade do processo deliberativo”,
estabeleceu-se cinco dimensões para a análise dos dados e interpretação da
pesquisa.
A primeira dimensão refere-se ao desenho institucional do Programa de
ATES, onde foram analisados quais os espaços institucionalmente construídos para
a participação social no Programa.
97
A segunda dimensão está relacionada ao contexto e ambiente institucional
em que o Programa de ATES está inserido e avaliou-se quais políticas e instituições
influenciam o Programa e, consequentemente, os espaços participativos. Analisou-
se a PNATER, a política nacional para a ATES, a ANATER, a situação institucional
do INCRA bem como seu envolvimento institucional com a proposta.
A terceira dimensão abordou a inclusão e representatividade nos processos
participativos, ou seja, quantos participam, quem participa (organização, sexo) e
quem não participa.
A quarta dimensão refere-se ao processo de deliberação nos espaços
participativos, mais precisamente a análise sobre quem coordena os espaços, quais
temas são tratados, quais os métodos para discussão, como são realizados os
encaminhamentos e como é realizado o monitoramento das deliberações realizadas.
E a quinta dimensão está relacionada à interpretação dos resultados
produzidos pela participação para o Programa, para os assentados, técnicos e
demais envolvidos com o Programa de ATES.
Por fim, é reiterado que um dos limites da pesquisa-ação e das pesquisas
comprometidas com problemas sociais de forma geral é a falta de distanciamento do
pesquisador que acaba se tornando um militante da “causa”. Acreditamos que pelo
trabalho analítico realizado manteve-se um olhar crítico sobre o objeto pesquisado,
até mesmo porque, é a partir da crítica ao processo em curso que é possível buscar
novos caminhos ou mais avanços.
99
6 A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA ATES
Esta seção visa mostrar como se desenvolveu o Programa de ATES no
período dos contratos, logo, de 2009 até o período atual, para com essa
retrospectiva apresentar elementos que permitam interpretar como tem se dado, ou
não, a participação social e a constituição de espaços deliberativos no âmbito do
Programa.
A primeira parte vai abordar o cenário nacional e fazer referências à situação
de quatro superintendências do INCRA (Santa Catarina, Paraná, Petrolina e Recife)
e mostrar que a participação social não é uma realidade do conjunto da ATES.
A segunda parte, mais longa, apresenta o processo de construção da ATES
RS e visa estabelecer um “estado da arte” de como a participação foi construída
para após, permitir a realização de interpretações e inferências.
6.1 A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA ATES NACIONAL
Como já colocado anteriormente, o Manual Operacional de ATES (INCRA,
2008) prevê como instância de participação social o Fórum Nacional de ATES sendo
este
um espaço destinado ao diálogo e a interação entre o público beneficiário e o INCRA, com o objetivo de aprimorar a implementação do Programa nas diversas regiões. O seu caráter é consultivo, sem vínculo institucional, nem remuneratório (INCRA, 2008, p. 21).
A coordenação do Fórum Nacional seria do INCRA, que através da Diretoria
de Desenvolvimento de Projetos de Assentamento convidaria representantes dos
diversos segmentos vinculados às ações do Programa, como representantes dos
movimentos sociais e sindicais de trabalhadores e trabalhadoras rurais de âmbito
nacional, um pesquisador sobre extensão rural por região, representantes de redes
de desenvolvimento rural sustentável, que têm relação à Reforma Agrária,
representantes do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) e representantes
da articulação de Mulheres Trabalhadoras Rurais. A composição guardaria a
paridade entre órgãos governamentais, sociedade civil e “outras instituições poderão
ser convidadas a participarem, eventualmente, de reuniões, a critério do INCRA,
100
para contribuir no debate de questões de interesse do Programa” (INCRA, 2008, p.
21).
Os objetivos do Fórum Nacional são:
a) intensificar o diálogo e a interação entre o público beneficiário e o INCRA, de modo a contribuir no processo de análise, formulação e avaliação da política nacional de ATES;
b) analisar e propor o aperfeiçoamento do referencial metodológico do Programa;
c) contribuir para o desenvolvimento e aperfeiçoamento do sistema de monitoramento do Programa, propondo os indicadores de desempenho e instrumentos de avaliação;
d) contribuir para o aperfeiçoamento dos critérios de alocação dos recursos relativos à assessoria técnica, com vistas ao pleno atendimento das famílias assentadas, bem como o controle, acompanhamento e monitoramento da sua aplicação;
e) contribuir na elaboração e avaliação da proposta de um Programa Nacional de Capacitação, voltado para os(as) trabalhadores(as) rurais assentados(as);
f) contribuir na análise, proposição e orientação quanto às diretrizes políticas e operacionais do Programa de ATES;
g) contribuir para a compatibilização, divulgação e integração das ações de ATES do INCRA, direcionado aos beneficiários da Reforma Agrária, com as ações de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), direcionadas aos Agricultores Familiares, desenvolvidas pelo Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural da Secretaria da Agricultura Familiar (DATER/SAF) do MDA (INCRA, 2008, p. 21-22).
Quanto ao funcionamento, o Fórum teria reuniões ordinárias trimestrais. Teria,
convidaria, guardaria, proporia, porque segundo relatos, o Fórum Nacional nunca
reuniu. Questionados sobre o Fórum Nacional representantes das três prestadoras
no RS e representantes das Superintendências Regionais (SRs) do INCRA RS, SC,
Paraná, Petrolina e Recife foram unânimes em afirmar que o Fórum Nacional nunca
havia reunido (não no formato desenhado no Manual), alguns participaram de
algumas reuniões com prestadoras e movimentos como a que “elaborou” o próprio
Manual de ATES. Como afirma um entrevistado,
Eu participei de uma reunião em Brasília, em que foram apresentadas as diretrizes do programa, ainda que muitos pontos tenha havido posicionamentos diferentes dos participantes, mantiveram, o documento com o conteúdo original. Na verdade, o encontro não teve um caráter consultivo e de validação do processo, foi muito mais informativo. Na época, me causou estranheza aparecer meu nome subscrevendo o documento (E3 - Prestadora).
101
Outro depoimento afirma que:
às vezes tinha reuniões ampliadas com prestadoras ou representantes dos movimentos [...] mas algo como o que estava previsto no manual eu não lembro [...] movimentos foram chamados para contribuir com o processo [...] mas foi apresentada a proposta e colhido sugestões, não tinha muito o que mudar, foi mais para reafirmar o que já estava colocado, aquele negócio de lançarem um manual sem discutir, então a melhor estratégia é chamar para a participação e bater martelo nas diretrizes: participação, agroecologia, etc., etc. [...] claro que os movimentos foram consultados em espaços não formais, nas discussões do dia a dia, de formal foi esta reunião (E6 - INCRA)
Os Fóruns Estaduais seguem a mesma orientação, formatação e objetivos do
Fórum Nacional. Foram realizadas agendas nas SRs de Recife, Petrolina, Paraná e
Santa Catarina sobre o SIGRA e aproveitando a oportunidade, além da observação,
foram realizados questionamentos sobre o funcionamento do Programa de ATES
nessas SRs, em especial sobre a participação social, pois na referida agenda foi
solicitada a presença de representantes das prestadoras e das organizações das
famílias assentadas, pois não se apresentaria e discutiria a construção do SIGRA
apenas com o INCRA.
Nas SRs de Recife e Petrolina não há Fórum Estadual de ATES, o contrato é
definido pelo INCRA e são todos iguais, a relação é individual com cada prestadora,
não são realizadas reuniões para construção do Programa, apenas as ações
fiscalizatórias por parte do INCRA para averiguar cumprimento do contrato.
Na reunião de Petrolina estiveram vários servidores do INCRA,
representantes das prestadoras e das organizações de assentados propiciando um
excelente debate que despertou o interesse da SR cujos servidores se mostraram
muito abertos ao diálogo.
Na reunião com a SR de Recife estiveram muitos servidores do INCRA,
apenas uma prestadora e nenhum representante das organizações das famílias
porque, segundo o INCRA, não foram convidadas.
Na SR do Paraná existia o Fórum Estadual, “mas apenas para cobrar recurso,
não discute nada, precisa evoluir para pensar o Programa” (E9). A reunião na SR
teve servidores do INCRA, prestadoras e representantes das organizações das
famílias e também produziu um bom debate, mas após a reunião ampliada, em uma
reunião de trabalho apenas com servidores do INCRA um afirmou categoricamente:
“a gente que contrata, a gente coloca no contrato e pronto” (E9), enterrando todo o
102
debate anterior e uma perspectiva de construção que vinha sendo afirmada como
fundamental32.
Em Santa Catarina o Fórum Estadual foi criado em julho de 2014 e
denominado Conselho Estadual e reuniu-se novamente em dezembro de 2014 e
julho e dezembro de 2015. O Conselho é composto por representantes do INCRA,
da prestadora, técnicos, representantes das famílias assentadas e de universidades
e realiza a avaliação e o encaminhamento de questões referentes a execução do
Programa (e nesse quesito persiste um caráter mais informativo do que construtivo),
tomando um caráter mais deliberativo em relação a novas ferramentas para o
Programa, mesmo assim, acompanhando as reuniões percebe-se uma posição forte
e pouco mediadora do INCRA em relação a vários temas. O Programa também
possui reuniões (quadrimestrais) de avaliação em nível regional onde se reúnem
equipe técnica e lideranças dos assentamentos. Em função da adoção de
planejamentos regionais desde 2015 o formato dos espaços de participação social
encontra-se em debate.
Pelo exposto percebe-se que a participação e a gestão social possuem
centralidade na proposta do Programa de ATES, mas não goza de relevância prática
no INCRA Sede e nas SRs, com exceção de SC e do RS.
6.2 ELEMENTOS DO PROCESSO PARTICIPATIVO NA ATES DO RS
Esse capítulo apresenta um resgate histórico do processo de construção da
participação social no Programa de ATES e uma análise dos espaços, visando
estabelecer os elementos de subsídio para uma análise (processo, resultados e
desafios) a ser abordada na seção seguinte.
6.2.1 Os primeiros passos do processo participativo
Como já colocado, a partir de 2009 a ATES RS, passou a ser executada pela
modalidade contrato, regimentada pela Lei n. 8.666/93. A contratação das
prestadoras foi realizada mediante concorrência pública, levando em consideração a
modalidade técnica e preço, seguindo a composição dos custos de ATES
32
Cabe destacar, no entanto, que essa não é uma posição unânime na SR.
103
descriminados na Norma de Execução do INCRA de n. 77/2008 e na Nota Técnica
n. 03/DD/2008.
Segundo Zarnott et al. (2012), a elaboração das metas do contrato para o ano
de 2009 foi realizada pela Equipe de Coordenação e Supervisão da Ates do
INCRA/RS com base nas orientações do Manual Operacional de ATES de 2008, na
análise de relatórios da prestação de serviços de assistência técnica no Rio Grande
do Sul no período dos convênios (2003-2008) e na experiência pessoal daqueles
envolvidos no processo. Segundo os autores, uma análise do teor das metas revela
que estas foram definidas almejando a superação de uma orientação
exclusivamente produtivista (incluindo questões sociais e ambientais), preconizando
a universalização do acesso aos serviços de ATES dentre os assentados e uma
atuação padronizada em todos os assentamentos, o que implicou na formulação e
adoção de um só modelo de contrato, firmado com as diferentes prestadoras e para
todos os assentamentos do estado (ZARNOTT et al., 2012), no entanto,
resguardando de antemão a possibilidade de revisão anual nas metas, o que foi
muito importante para possibilitar as mudanças realizadas a seguir.
Assim, buscando ultrapassar o produtivismo, mas uniformizando as ações, as
metas contratadas para 2009 foram divididas pelo INCRA em cinco modalidades, de
acordo com as diretrizes nacionais do Programa, objetivando contemplar a esfera
ambiental, social, produtiva e a elaboração dos Planos de Recuperação e
Desenvolvimento dos Assentamentos.
Para ações de assistência técnica na esfera produtiva, o projeto básico
determinou, como princípios gerais, a adoção, pelas equipes técnicas, dos preceitos
do desenvolvimento rural sustentável, da economia popular e solidária, da
agroecologia na orientação dos processos produtivos, da adequação das técnicas
produtivas às características regionais e da promoção de trocas de experiências
entre agricultores (ZARNOTT et al., 2011).
Objetivando ampliar os trabalhos das equipes de ATES na área social, o
INCRA estabeleceu um leque de ações específicas relacionadas a esta temática,
entre as quais são citadas as ações sobre a documentação da família, a redução da
pobreza, o estímulo à compreensão dos direitos especiais da criança do idoso e dos
jovens, o estímulo às boas práticas alimentares, o saneamento básico, lazer,
educação, bem como educação e organização social (ZARNOTT et al., 2011).
104
Em relação às ações de assistência técnica na esfera ambiental, o INCRA
definiu a priorização de espaços de capacitação, com vistas à conscientização dos
assentados acerca dos problemas ambientais apontados nas Licenças de Instalação
Operação dos assentamentos (LIOs). Neste âmbito destacou também a exigência
para que as equipes técnicas mantivessem, de forma permanente, um engenheiro
agrônomo responsável pela área ambiental no NO, viabilizassem o licenciamento
ambiental de atividades produtivas voltadas aos lotes, discutissem o manejo dos
recursos naturais e encaminhassem para avaliação os projetos a serem licenciados,
a fim de obter a anuência do INCRA, além de promover o controle, monitoramento e
uso dos recursos naturais nos assentamentos (ZARNOTT et al., 2011).
No que se refere às ações de Integração de Políticas Públicas e Programas
do INCRA, foi estabelecido, para ATES, as funções de auxiliar no controle da
documentação e identificação das famílias assentadas, acompanhar as atividades
de campo do INCRA, bem como das demais entidades conveniadas, executar e
orientar a aplicação dos créditos de acordo com os planos de desenvolvimento e
recuperação dos assentamentos, bem como potencializar o Programa Terra Sol,33
sensibilizado os assentados para a importância do processamento dos alimentos em
busca da agregação de valor e renda para as famílias (ZARNOTT et al., 2011).
Com o objetivo de promover a participação social dos assentados na ATES
no RS, foram criadas duas instâncias de participação, ambas de caráter consultivo:
os Conselhos Regionais (um em cada NO) e o Conselho Estadual de ATES. Os
Conselhos Regionais da ATES têm como função discutir as ações realizadas pela
ATES, a fim de avaliar e planejar as ações futuras. Compõem-se, em todos os NOs,
por um representante do INCRA, um representante da prestadora do NO e um
representante de cada assentamento34. Já o Conselho Estadual é formado por
representantes do governo federal, do governo estadual, universidades, entidades e
órgãos de pesquisa em desenvolvimento rural sustentável e de representações
sociais, tendo por objetivo aperfeiçoar as diretrizes e as ações do Programa. É
33
O Terra Sol é uma ação de fomento à agregação de valor à produção nos assentamentos. Apoia a agroindustrialização e a comercialização por meio da elaboração de planos de negócios, pesquisa de mercado, consultorias, capacitação em viabilidade econômica e gestão e implantação/recuperação/ampliação de agroindústrias. Atividades não agrícolas – como turismo rural, artesanato e agroecologia –, também são apoiadas. (INCRA, 2010). 34
No contrato da ATES de 2009, foi prevista a realização de um conselho regional da ATES por NO, a cada dois meses. No entanto, devido a inúmeros problemas operacionais que ocasionaram o não cumprimento desta meta (problemas estes que serão apresentados no capítulo seguinte), para 2010, foi prevista a realização de um conselho regional a cada quatro meses.
105
responsabilidade do INCRA tanto a convocação dos Conselhos Regionais, quanto à
do Conselho Estadual. No caso do Conselho Estadual, não foi prevista uma
periodicidade definida para as reuniões, cabendo ao INCRA convocar os
conselheiros sempre que necessário (ZARNOTT et al., 2011).
Como instrumento para controle da execução das ações, o INCRA-RS
construiu o Sistema de Acompanhamento das Ações de ATES (SAMA). Cada
técnico assumiu a responsabilidade de registrar no SAMA as atividades
desenvolvidas mensalmente. Através de consultas ao sistema, é possível
acompanhar a execução das metas previstas no contrato. Através dos relatórios
gerados pelo SAMA, o INCRA realizou os pagamentos das prestadoras, em função
do cumprimento das metas contratuais (ZARNOTT et al., 2011).
O Quadro 1 apresenta as 21 metas contratadas em 2009, para todos os
assentamentos.
Quadro 1 – Resumo das metas do INCRA para a ATES no Contrato 2009.
Marco Zero – reunião geral e nos assentamentos
Visitas – três visitas/família/ano
Elaboração de PDA
Elaboração de PRA
Reuniões bimestrais de avaliação
Capacitação para instalação de unidades demonstrativas
Capacitação nas escolas
Formação de catálogo de sementes
Ciclo de palestras sobre linhas produtivas
Capacitação sobre manejo de pomar
Campanha documentação da família
Oficinas de boas práticas de higiene e outros assuntos
Oficinas sobre saneamento e destino do lixo
Levantamento das estruturas organizativas
Engenheiro Agrônomo para área ambiental
Palestras nas escolas sobre fontes de água
Elaboração de projeto de recuperação de solos
Reuniões sobre licenças ambientais
Pesquisa continuada de saneamento e destino do lixo
Atividade com a Patram
Planilha quadrimestral de acompanhamento dos lotes
Seminário sobre matriz produtiva principal PDA/PRA
Relatório trimestral sobre ações do Terra Sol
Fonte: Adaptado de Zarnott et al. (2012).
106
A nova proposta estabeleceu claramente as metas a serem alcançadas e
definiu os papeis para cada ator envolvido. Porém, sua formulação recebeu críticas
e a execução encontrou entraves nos assentamentos, na estrutura das prestadoras
e do próprio INCRA, além da dificuldade de interpretação e entendimento das metas
contratadas e do atraso no pagamento atividades realizadas (ZARNOTT et al, 2009).
A partir dos entraves e das dificuldades de operacionalização do programa
tornou-se fundamental a criação de um espaço de discussão e reflexão sobre os
aspectos mais significativos do processo, por ora iniciado, e que permitisse uma
melhor compreensão do Programa como um todo, ao que o INCRA-RS oportunizou
espaço para que as prestadoras de ATES e os projetos de assessoria
expressassem suas leituras, indicando os principais fatores de estrangulamento,
bem como as suas expectativas no sentido de superação das dificuldades, isso
partindo da compreensão de que esta modalidade de trabalho estabelece uma nova
relação com o público assessorado e se fazia necessária a busca conjunta por
qualificação das intervenções da ATES.
Nesse sentido, ocorreu em 6 de abril de 2009 a primeira reunião de discussão
sobre o Programa de ATES, com a presença do INCRA, Articuladores e das
prestadoras. As prestadoras apresentaram as questões que avaliavam prejudicar o
andamento dos trabalhos da ATES: 1) falta de recursos para capacitação das
famílias – para cursos, oficinas, matérias, insumos; 2) falta de clareza na descrição
das metas – a redação das metas no contrato permitia diversas interpretações; 3)
excesso de atividades; 4) falta de mais espaços para discutir a ATES; 5) rever a
pasta da família – um questionário a ser aplicado pelas equipes técnicas em todas
as famílias visando a constituição de um banco de dados35.
Além disso, a reunião apontou como determinante para o trabalho nos
assentamentos a construção dos PDAs e PRAs de forma participativa, envolvendo
coletivamente os assentados (ARTICULADORES, 2009a). Essa reunião pode ser
apontada como o embrião da discussão conjunta sobre os rumos do Programa de
ATES e do Conselho Estadual de ATES, ainda que não fosse denominado assim.
35
As prestadoras foram unanimemente contra a “pasta da família” por já terem realizado inúmeros questionários com as famílias assentadas sem que as informações estivessem facilmente a disposição. Por essa razão a pasta da família foi uma das ações revistas no contrato, sendo atribuído aos PDAs/PRAs a tarefa de fornecer informações sobre os assentamentos. No entanto, a necessidade de informações sobre as famílias assentadas se reapresentou anos depois e em função dessa demanda foi construído o SIGRA.
107
A partir dessa reunião a primeira versão do contrato para os serviços de
ATES de 2009 é reformulada dois meses após o início do trabalho gerando uma
segunda versão36, mais “aberta” para a definição da ação pelas equipes técnicas.
Essa versão foi apresentada e debatida em uma reunião entre o INCRA,
prestadoras, representantes das equipes técnicas dos NOs, UFSM/SOMAR e
UFSM/Articuladores em 6 de maio de 2009, processo ao final do qual foi
estabelecida a repactuação das metas do Contrato 2009, como foi mostrado no
Quadro 1.
Segundo Zarnott et al. (2012), dentre as várias adequações realizadas na
proposta original do contrato de 2009, as mais significativas dizem respeito aos
PDAs e PRAs37 e às visitas. As visitas obrigatórias para cada família assentada
foram reduzidas de três para duas, tornando o contrato mais exequível. Por sua vez,
os PDAs e PRAs tiveram seu roteiro e prazos construídos com as prestadoras de
serviços em uma oficina realizada de 22 a 26 de junho de 200938 no Incra em Porto
Alegre, no entanto, houve a necessidade de prorrogação dos prazos de entrega dos
diferentes produtos que, ao invés de serem finalizados no final de 2009, se
estenderam até o final do primeiro semestre do ano de 2010.
Segundo Zarnott et al. (2011), a elaboração desses documentos foi bastante
complexa, pois nenhum dos atores diretamente envolvidos acreditava que os PDAs
e PRAs poderiam desempenhar um papel relevante. Dentre os diretamente
envolvidos, o INCRA exigiu a elaboração dos Planos porque o mesmo constava do
Manual de ATES (INCRA, 2008) e estava no contrato, mas não visualizava um
produto qualificado e admitia ter dificuldades para acompanhar e exigir produtos
bem elaborados; as prestadoras e equipes técnicas encaravam a elaboração dos
Planos como mais uma dentre tantas outras tarefas e não via importância prática do
36
Nova reformulação foi proposta para o ano de 2010 (3ª versão) e novamente mudanças foram propostas para 2011 (4ª versão). Para o contrato vigente no ano de 2011 foi prevista antecipadamente a possibilidade de mudanças e adaptações nas metas contratadas nos meses de junho e julho de 2011 gerando um novo rol de metas para o segundo semestre de 2011 (5ª versão) e assim, sucessivamente, ano a ano mudanças foram introduzidas visando adequar os contratos a realidade e às demandas das famílias assentadas e do programa de ATES como se apresentará ao longo do trabalho. 37
PDAs para assentamentos criados ou reconhecidos pelo INCRA pós 2003 e os PRAs para assentamentos anteriores a 2003 e que já possuíam PDA. 38
Essa oficina construiu um roteiro “alternativo” ao estabelecido no Manual Operacional de ATES de 2008 graças a compreensão de que o roteiro do Manual focava o processo de parcelamento de lotes, regularização ambiental e concessão de créditos (ações para assentamentos novos ou em que esses serviços não tivessem sido realizados), enquanto a realidade dos assentamentos do RS apontava para um instrumento de problematização e definição de prioridades para o desenvolvimento dos assentamentos, de forma que se construiu um novo roteiro em conjunto com as equipes técnicas.
108
documento; e, as famílias não creditavam importância porque já haviam realizado
inúmeros planejamentos que nunca foram implantados (inclusive PDAs).
Por outra parte, para a equipe de Articuladores/UFSM o processo de
construção dos PDAs/PRAs poderia propiciar um momento de aproximação entre
técnicos e famílias assentadas; permitir aos técnicos o desenvolvimento de
atividades que auxiliassem no conhecimento do assentamento (lembrando que
algumas das equipes técnicas estavam em início de trabalho nos assentamentos);
retomar o debate coletivo sobre o assentamento permitindo também um aprendizado
e um olhar coletivo das famílias em relação ao assentamento; construir um
planejamento de longo prazo para o assentamento identificando problemas,
potencialidades e elencando prioridades de trabalho; elaborar um documento que
fosse memória de todo esse processo e apoiasse também o poder público nas suas
decisões; e, por fim e como resultado desse processo, que os PDAs e PRAs se
constituíssem na base programática para a contratação do trabalho de ATES nos
próximos anos39.
Com esse contexto conturbado, a opinião da equipe de Articuladores de
ATES de que os PDAs e PRAs poderiam desempenhar papel protagonista na ATES
do RS não encontrava muitos pares, o que auxiliou a demora de sua elaboração, a
baixa qualidade dos primeiros documentos e o descontentamento geral das equipes
com sua elaboração. No entanto, com o impacto da elaboração dos PDAs/PRAs na
aproximação dos técnicos e famílias assentadas e com a possibilidade de utilização
dos documentos para o embasamento do Contrato 2010, a perspectiva sobre os
Planos muda e eles se tornam uma referência de construção da proposta de
atuação da ATES utilizada em 2010 e 2011.
Diesel e Neumann (2012) apontam que é possível entender a atuação da
ATES nos assentamentos do Rio Grande do Sul, nos primeiros tempos, se for
considerada que esta ação se realizou em duas frentes: uma de prestação de
serviços e outra de criação de espaços de diálogo. Em relação aos espaços de
diálogo, os autores afirmam que os mesmos foram criados porque a proposta de
intervenção de ATES materializada no contrato de 2009 não era consensual, mas
reconhecem “muitas das críticas expostas nos espaços de diálogo, entretanto, foram
39
Debate mais aprofundado sobre os PDAs e PRAs pode ser encontrado em Dalbianco et al. (2010) e em Diesel e Hass (2012).
109
reconhecidas como pertinentes, levando a uma revisão da proposta do INCRA/RS”
(DIESEL; NEUMANN, 2012, p. 334).
Nesse sentido, após esse processo de revisão das metas contratuais de
2009, ocorreu a primeira reunião do CE ATES, no dia 02 de julho. Essa reunião
ainda não foi denominada como Conselho Estadual de ATES, mas como Reunião
com a Coordenação Estadual de ATES, entidades conveniadas e empresas
prestadoras de ATES que integram o Programa Estadual de ATES40 e seu objetivo
foi apresentar, discutir e nivelar as principais ações e compromissos das entidades
que desenvolviam atividades nos assentamentos e cuja ação tinha relação com o
serviço de ATES, visando “estabelecer estratégias de trabalho que permitam uma
articulação racional de todos os atores e entidades envolvidas no processo de
implantação e consolidação do novo programa de ATES para os assentamentos do
Rio Grande do Sul” (CE ATES, 2009a, p. 1).
A pauta delimita a motivação da primeira reunião: a existência de um conjunto
de organizações realizando ações nos assentamentos de forma descoordenada e,
em alguns casos, conflituosa, considerando que o processo de chamamento público
ocasionou, à revelia da vontade das famílias assentadas, a troca da organização
prestadora do serviço de extensão rural (caso de Piratini e Jóia onde as famílias
eram atendidas pela Coptec e passaram a ser atendidas pela EMATER ou
Charqueadas onde eram atendidas pela EMATER e passaram para a Coptec,
apenas para citar dois exemplos). Nesse sentido, a convocação para a reunião
visava construir uma ação organizada e potencializada pela colaboração dessas
equipes nos assentamentos.
Participaram dessa reunião a Coordenação Estadual do Programa de ATES –
INCRA/SR11, a Divisão de Desenvolvimento de Assentamentos – INCRA/SR11, a
equipe de Articuladores/UFSM, a equipe SOMAR/Terra Sol/UFSM41, o convênio
INCRA-Embrapa-FAPEG (CONFIE42), o convênio INCRA-COPTEC denominado
40
Conselho Estadual de ATES foi a denominação estabelecida ao final da reunião. 41
Fruto de uma cooperação entre o INCRA e a UFSM visou a constituição de uma equipe de profissionais responsáveis por viabilizar o funcionamento de agroindústrias do Programa Terra Sol de agroindustrialização do INCRA. O trabalho consistia, basicamente, em cinco eixos: adequação operacional das agroindústrias (plantas, equipamentos e fluxo operacional), licenciamento ambiental, formação de gestores para as agroindústrias, formação para o manuseio e operação dos equipamentos e apoio às estratégias de marketing dos produtos. 42
Um convênio entre o INCRA e a EMBRAPA para transferência de tecnologia aos assentamentos, uma parceria existente desde 2003 e que se mantém na perspectiva de repassar para as famílias assentadas conhecimentos e, principalmente, tecnologias e materiais (sementes, mudas, etc.) disponíveis na EMBRAPA.
110
“Leite Sul”, as prestadoras de ATES (CETAP, COPTEC, EMATER) e a Cooperativa
Central dos Assentamentos do Rio Grande do Sul (COCEARGS), representando as
famílias assentadas. Segundo relato da reunião, o processo de discussão realizado
na reunião gerou uma série de elementos importantes que deveriam ser
considerados na efetivação de convênios futuros, “pois a forma atual, convênios
individualizados, não permite uma amarração adequada das ações, que por sua vez
tem dificultado na consolidação do trabalho nos assentamentos” (CE ATES, 2009a,
p. 2). Dentre os elementos importantes destacados vigorou a compreensão de que
os convênios firmados pelo INCRA para além das equipes técnicas deveriam
potencializar o suporte técnico para as equipes dos NOs através de ações
articuladas conforme as proposições e diretrizes e metas estabelecidas no Programa
de ATES, ou seja, o eixo central organizador das ações de extensão nos
assentamentos seria o Programa de ATES.
Cabe lembrar que todos os projetos referidos deviam comprovar fisicamente a
execução das atividades, o que estava ocasionando a disputa por público para as
ações e gerou desconfiança por parte do INCRA em relação à existência de
sobreposição de comprovação de ações, quer dizer, uma ação ser realizada por um
projeto ou em conjunto por dois projetos e servir de comprovação para ambos. Ainda
que isso qualifique a ação, estaria sendo realizada apenas uma atividade e não
duas, como previsto.
Percebe-se que a motivação à realização da reunião, que deu origem ao CE
ATES, foi a busca pela integração e resolução de problemas na execução do
contrato de ATES ocasionada pela diversidade de ações propostas ao mesmo
tempo para os assentamentos e que necessitavam de uma coordenação para que
produzissem os resultados esperados e diminuíssem os conflitos a campo.
Em relação aos encaminhamentos da reunião foi definida a divulgação das
agendas de trabalho de todas as entidades conveniadas, de modo a garantir
minimamente um fluxo de informações que permitisse que as atividades fossem
programadas racionalmente dentro dos NOs, evitando conflito de agendas,
sobreposição de ações e permitindo contar com o envolvimento das equipes
técnicas que atendem as famílias assentadas nas atividades realizadas por outros
projetos.
A próxima reunião aconteceu um mês depois, em 06 de agosto de 2009.
Segundo relato da reunião (CE ATES, 2009 b) a pauta foi: Papel do Conselho
111
Estadual de ATES e definição das entidades participantes (essa foi a reunião que
“formalizou” o CE ATES), avaliação da rodada de avaliação de ATES (avaliação de
ATES que depois se transformou nos Conselhos Regionais de ATES), relatos das
ações realizadas pelos Convênios (EMBRAPA - CONFIE, UFSM – Articuladores,
UFSM – SOMAR, COPTEC - Leite Sul), discussão de estratégias de ação conjunta e
pontos operacionais (recuperação das metas 1º ciclo, PDA/PRA, Feira Reforma
Agrária). Participaram dessa reunião o INCRA, o Departamento de Reforma Agrária
do Governo do Estado do RS (DRA), COOPTEC, EMATER, UFSM, EMBRAPA e
COCEARGS43.
Em relação ao papel do CE ATES foi definido que o mesmo seria responsável
por discutir ações conjuntas e possíveis parcerias, discutir as demandas de ATES e
os pontos que dificultam o avanço da ATES no Estado, a alocação de recursos,
articular com câmaras técnicas e a divulgação e internalização de ATES nas
organizações e na extensão rural. Em relação aos participantes, foi definido que
comporiam o CE ATES: UFSM, INCRA, DRA, EMBRAPA, Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS), CETAP, COOPTEC, EMATER, COCEARGS e o
Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor (CAPA). A memória da reunião destaca que
a inclusão da UFRGS visava a paridade na participação das entidades do governo
federal e das instâncias estaduais, “mesmo que eles não estejam em nenhum
projeto agora, assim como o CAPA” (CE ATES, 2009b, p. 2).
Note-se que a reunião que definiu a composição do CE de ATES, bem como
de suas atribuições, foi composto, basicamente, pelos executores do Programa (à
exceção da COCEARGS), o que, considerando a fase inicial do Programa, pode ser
considerado natural, no entanto, ao discutir a composição do CE percebe-se que o
critério adotado para a composição do mesmo foi a ação nos assentamentos e seu
vínculo com a ATES, passada, atual ou futura, o que levou a inclusão da UFRGS,
que firmou um convênio com o INCRA para a realização de estudos ambientais nos
assentamentos e realização de oficinas de educação ambiental em assentamentos
de Santana do Livramento, e do CAPA, que prestou serviço de assessoria técnica
em assentamentos da região sul, mais especificamente em Herval, no âmbito do
PAC.
43
O CETAP justificou sua ausência.
112
Também foi considerada a abrangência ou origem da ação da
instituição/organização – por isso a separação entre entes federais e estaduais –
não sendo considerada a divisão “clássica” entre representantes da sociedade civil e
Estado, ainda que, na prática, essa divisão possa ser realizada agrupando-se na
“sociedade civil” os executores e beneficiários (CETAP, COPTEC, EMATER,
COCEARGS e CAPA) e no Estado o contratante (INCRA) e as demais instituições
do Estado não diretamente responsáveis pela execução da ATES como DRA,
UFSM, EMBRAPA e UFRGS (CE ATES, 2009b).
Desse debate depreendem-se, ainda, dois elementos importantes. O primeiro,
de que não foi apontado, em nenhum momento, a necessidade de maior
representação das famílias assentadas, nem mesmo por parte da COCEARGS. Uma
leitura à luz de todo o processo posterior e não apenas para a discussão realizada
nesse dia, indica a compreensão generalizada de que a COCEARGS representaria
o conjunto das famílias assentadas e, como o CE não encaminhava nenhum debate
por meio de votação, mas sim por consenso – ou constrangimento, logo, baseado na
apresentação de argumentos, a paridade numérica e um maior número de
representantes de uma organização que, ao fim, apresentassem os mesmos
argumentos era desnecessária. Esse mesmo princípio permitia ao INCRA e a UFSM,
por exemplo, participarem das reuniões com maior número de representantes.
O segundo elemento refere-se à participação da UFRGS e do CAPA. Em que
pese sua participação tenha sido definida na reunião do CE, a análise dos relatos
das reuniões seguintes aponta que ambos nunca participaram. Questionado sobre
se ambos foram convidados e sobre as motivações de sua não participação um
representante do INCRA relata que “tanto a UFRGS quanto o CAPA tinham ações
com o INCRA: a UFRGS na área ambiental (os estudos ambientais dos
assentamentos e ações de educação ambiental – destaque nosso) e o CAPA no
PAC. O CAPA, inclusive, poderia ter participado da chamada pública, mas não se
interessou. Por isso eles foram lembrados para compor o Conselho Estadual. Foi
feito um contato informal para falar do CE e da participação deles, mas foi só, não
andou muito” (E.6 - INCRA).
A origem desse comportamento possivelmente resida no fato de que tanto
INCRA quanto UFRGS e CAPA identificaram o CE como um espaço de resolução de
questões referentes às ações que estavam sendo desenvolvidas nos assentamentos
– um espaço de executores – logo, CAPA e UFRGS não identificaram esse espaço
113
como prioridade para sua participação e nem o INCRA, e os demais membros,
insistiram na participação. Um comportamento similar é percebido na EMBRAPA,
que participa dos CEs quando tem em vigência um projeto de cooperação com o
INCRA, para de participar quando o projeto termina, retoma a participação quando o
projeto é renovado e para novamente quando este é concluído, denotando uma
participação pontual, de projeto, e não institucional, focada na contribuição da
agência de pesquisa e do conjunto de seus projetos em andamento.
Em relação à rodada de avaliação da ATES, o INCRA apresentou na reunião
que foram realizadas reuniões em 15 dos 18 NOs (em três a reunião foi inviabilizada
pela chuva). A pauta consistiu em realizar um nivelamento das ações do PDA/PRA
com intuito de padronizar as informações, formalizar os Conselhos Regionais de
ATES (como momento para avaliação da ATES e verificação da documentação) e
realizar uma avaliação do trabalho já realizado. Esse ponto da rodada de avaliações
foi bastante debatido pelos presentes, denotando-se por parte das prestadoras falas
no sentido do Programa (execução, qualidade da execução e abrangência das
ações), com destaque para a ideia de manutenção das reuniões bimestrais.
No entanto, ampliando seu escopo para uma avaliação do conjunto das
políticas para os assentamentos e não apenas para avaliação da ATES, várias
reflexões sobre a execução contratual (número de visitas, famílias não encontradas
nas visitas, tempo para ações não previsíveis, valor das ações coletivas), mas
também ponderações sobre a organização da ação extensionista como a seguinte:
Começamos num processo onde o planejamento ficou no final do processo, então essas visitas iniciais ficou muito mais de „ouvir‟. Portanto, o planejamento tem que ser o início dos contratos: quais gargalos? Por onde vão ser conduzidas as ações? (CE ATES, 2009b, p. 3).
Nesse sentido foi dado destaque para a importância que a elaboração dos
PDAs/PRAs poderiam ter nesse processo de identificar e construir junto com as
famílias assentadas o planejamento da ação da ATES e de se repensar a forma de
definir os contratos de ATES.
A representação da COCEARGS afirmou que ficou impressionada com a
participação dos assentamentos, com grau de envolvimento das pessoas (não
somente as lideranças) e o desejo de avaliar e avaliar não somente a ATES, sendo,
portanto, um espaço para fortalecer, pois o CR seria um coletivo regional
114
extremamente importante. Também destacou a importância do CR não ser um
espaço restrito a avaliação da ATES, mas
um espaço para discutir o “todo” do assentamento, portanto devem participar todos os que têm „vida ativa‟ nos assentamentos [...], portanto, tem que propor uma pauta equilibrada: ATES e depois outras questões de interesse dos assentados [...] (também tem que) ajustar quem tem que estar nesses espaços. Se deixar assim, vai ocorrer um esvaziamento dos espaços...(também) para evitar esvaziamento, deve-se assumir compromisso em uma reunião, sendo que na próxima deve ser apresentado resultado (CE ATES, 2009b, p. 3).
O excerto acima apresenta três elementos centrais do debate da ATES RS e
da participação como elemento democratizante das políticas públicas. O primeiro se
refere ao escopo das reuniões de avaliação e dos CRs ATES, na medida em que já
se aponta a relação da extensão rural com as demais políticas e programas para as
famílias assentadas, bem como com as ações desenvolvidas por outros agentes nos
assentamentos. O que resulta na proposição de um espaço composto pela avaliação
da ATES e por um tempo para as “outras questões de interesse dos assentados”. A
segunda, que guarda uma relação direta com a primeira, é sobre quem então deve
participar dos CRs além do INCRA, das equipes técnicas e das representações das
famílias assentadas e a terceira, como bem apontada pela fala acima, refere-se à
necessidade de que as discussões produzam resultados efetivos e não apenas
ideias, caso contrário, os espaços de participação tenderão ao esvaziamento.
Nesse sentido, a avaliação do INCRA na reunião já apontava como limite sua
participação em todas as reuniões devido ao reduzido quadro de servidores, bem
como a necessidade de se construir no Programa uma forma de viabilizar a
participação dos assentados devido ao custo de deslocamento para as reuniões44.
Porém, não estava claro para o INCRA, ainda, seus limites internos para responder
as demais apresentadas pelas famílias assentadas, pois avaliava que “vai gerar uma
série de demandas internas para o Incra, a ideia não é somente discutir ATES, no
próximo período todos deverão trazer a resolução dos problemas anteriores” (CE
ATES, 2009b, p. 4).
Essa participação quase massiva na primeira rodada de avaliações (futuros
CRs ATES) atribui-se a três fatores: o primeiro ao elemento da novidade, pois a
44
Reuniões depois foi definido o apoio para o deslocamento e alimentação dos representantes dos assentamentos, bem como a concessão de 0,5 diária em função desse assentado assumir uma responsabilidade em nome do coletivo e, com isso, deixar de realizar seu trabalho no lote.
115
ATES é um Programa novo e, como tal, desperta a curiosidade e o interesse para
maiores informações (aliado ao fato de que as equipes técnicas mobilizaram para a
reunião); o segundo, ao fato de que vários assentamentos não eram atendidos pelos
serviços de extensão rural; o terceiro, ao fato de que o INCRA tem uma capacidade
reduzida de contato direto e resposta às famílias assentadas e esses espaços
proporcionam esse contato. Por outro lado, os autores identificaram que muitos
representantes foram a essas reuniões visando resolver problemas particulares e
não do coletivo do assentamento. Logo, pensar formas de qualificar essa
representação é fundamental, bem como a capacidade de resposta às questões
levantadas tornou-se, de fato, um empecilho como a reunião do CE já havia
apontado.
Em relação ao escopo dos projetos que também atuam nos assentamentos
e/ou com o Programa de ATES45, o projeto Articuladores (UFSM) relatou que incidia
suas ações junto às equipes técnicas em espaços de formação sobre o SAMA,
planejamento das ações, formação sobre os PDAs/PRAs, além de assessoria ao
INCRA e diálogo com as equipes para a construção de uma ATES com caráter
regional; o projeto SOMAR (UFSM) estava fazendo ações de campo junto às
agroindústrias do projeto Terra Sol; o convênio Embrapa estava realizando visitas
nos NO, com o propósito de definir prioridades em torno das quatro áreas prioritárias
de ação do projeto: leite, grãos, sementes e fruticultura; o convênio Leite Sul estava
em processo de constituição da equipe técnica (CE ATES, 2009 b). Além dos pontos
operativos, que não cabe aqui detalhar, por fim, foi debatida a data da próxima
reunião do CE, sendo definido o dia 02 de outubro (CE ATES, 2009b)46.
As reuniões de avaliação que ocorreram nos meses de julho, agosto e
setembro de 2009 confirmam a discussão realizada no CE, pois os relatos afirmam
que as reuniões de avaliação tiveram um conjunto de informes do INCRA, o
levantamento de demandas e dúvidas por parte dos assentados e, por fim, uma
avaliação do trabalho das equipes técnicas, especialmente em relação à elaboração
dos PDAs/PRAs. Já surgem, nesse momento, solicitações dos assentamentos para
45
Esse tema será retomado, pois a ação dos demais projetos nos assentamentos foi ponto de debate e conflito em várias reuniões do CE ATES, seja no debate e definição das ações a serem realizadas, seja pelo fato de que alguns projetos possuíram “vida própria” não vinculando sua ação aos debates realizados no âmbito do CE ATES. 46
A prática de reuniões regulares, como será percebido, não permeou todos os períodos do Programa de ATES.
116
alterações no contrato de ATES visando aproximá-lo mais da realidade dos
assentamentos (ARTICULADORES, 2009b).
Na reunião da equipe de Articuladores no início de setembro de 2009, como
desdobramento das discussões do CE ATES e da realidade do Programa de ATES
foi discutido como
incorporar as equipes técnicas na elaboração do Contrato 2010 e como seria possível a elaboração e incorporação de metas regionais no contrato. Também foi realizada uma discussão do contrato 2009, especialmente sobre o papel das avaliações bimestrais nos assentamentos, do Conselho Regional de ATES, dos supervisores e fiscais, dos demais convênios, bem como, dos articuladores. Encaminhou-se a elaboração de um documento de contribuição sobre esses temas a ser enviado ao INCRA (ARTICULADORES, 2009b, p. 32).
Percebem-se três preocupações na discussão em questão:
a) a regionalização das ações de ATES e a incorporação das equipes técnicas no
processo de sua elaboração – visto que o Contrato de ATES de 2009 é composto
por um conjunto uniforme de ações para todos os assentamentos, o que gerou a
necessidade de adaptações no Contrato visando sua execução;
b) um questionamento quanto ao papel das reuniões bimestrais nos assentamentos
e dos Conselhos Regionais – especialmente em relação aos Conselhos Regionais
de ATES a equipe de Articuladores avaliava
tratar-se, de maneira geral, de um espaço masculinizado, cujas opiniões emitidas pelos representantes são, na verdade, opiniões individuais e não construídas no assentamento. Faz-se necessário superar esses elementos no próximo período, para o que uma ação de todos atores envolvidos se faz necessária (ARTICULADORES DE ATES, 2009b, p. 34);
c) o papel que os demais agentes e organizações desempenham no Programa de
ATES, leia-se aqui a própria equipe da UFSM, outros parceiros institucionais, bem
como outros agentes do próprio INCRA como os supervisores de assentamentos e
os fiscais de contrato – visto que se identifica a relação de todos esses agentes com
o Programa de ATES, bem como a necessidade de estabelecer-se uma ação
conjunta nas comunidades de assentamentos.
A reunião do CE ATES de julho de 2009 (a primeira reunião como CE) teve
como pauta única a discussão sobre a ação dos diversos parceiros com ações
extensionistas nos assentamentos, poia a avaliação do INCRA era de que, dois
117
meses após a reunião anterior, pouca coisa havia mudado e o tema deveria voltar à
pauta. Desse debate resultou a proposta de discussão de uma estrutura
organizativa do Programa de ATES, o que só foi efetivamente debatido anos à
frente, em 2014 e 2015 por ocasião de novos conflitos sobre o papel de cada agente
no Programa de ATES.
O apresentado até o momento visou mostrar como a discussão da
participação surge no Programa de ATES RS. A próxima seção busca mostrar e
problematizar o que produziu cada espaço de participação constituído.
6.2.2 O processo participativo a partir dos espaços do Programa de ATES
Nesta seção será apresentada uma síntese da estrutura, pautas e debates
que foram realizados nos espaços de participação social do Programa de ATES RS.
Nossa narrativa e análise se inicia pelo Conselho Estadual de ATES. Além
das reuniões iniciais já destacadas, a partir de 2010 o CE reuniu com regularidade
no início e ao final de cada ano visando, basicamente, preparar a renovação dos
contratos e dar início a sua execução. Ao longo do ano reuniu mais três ou quatro
vezes (perfazendo uma reunião a cada dois meses, aproximadamente) para discutir
a execução dos trabalhos e, a partir das demandas, identificar mudanças e
novidades que deveriam compor o Programa.
Dando sequência às discussões de 2009, relativas às mudanças contratuais,
o ano de 2010 foi dedicado a formulação de uma estrutura contratual que permitisse
a expressão da diversidade local de cada comunidade assentada. Sem a conclusão
da elaboração dos PDAs/PRAs (inicialmente prevista para o final de 2009), o
contrato de 2010 foi construído deixando-se as ações em aberto para que as
equipes às realizassem de acordo com as avaliações nos assentamentos e as
prioridades que estavam sendo apontadas nos PDAs e PRAs em elaboração (CE
ATES, 2009d), como mostra a Figura 05.
118
Figura 05 – Adequação das prioridades apontadas no PDA/PRA às metas do Contrato 2010.
Fonte: Acervo do autor (2009).
Dessa forma, o Contrato 2010 previu ações com grupos de interesse, nas
linhas produtivas prioritárias dos assentamentos, mas sem apontar quais seriam
esses grupos ou linhas produtivas, ficando a cargo da equipe técnica a
compatibilização das prioridades apontadas nos Planos com as ferramentas
disponibilizadas pelo Contrato 2010.
Esse formato permitiu a expressão das demandas locais, construídas nas
ações de planejamento realizadas nas comunidades e, ao contrário do que muitos
técnicos vivenciavam em outras chamadas públicas de ATER, permitiu aos técnicos
manejar as ferramentas contratuais visando a realização dessas atividades.
No final de 2010 estava previsto o processo de avaliação e planejamento da
ATES em cada assentamento e a materialização dessa discussão em um
documento de atualização e/ou adequação dos PDAs ou PRAs, apontando as
prioridades comuns e específicas para as ações futuras da equipe técnica47 (INCRA,
2010).
Também foi em 2010 que teve início a discussão sobre a contabilização das
horas técnicas de ATES, o que, posteriormente, tornou-se exigência para todos os
contratos de assistência técnica através da Portaria/INCRA/P/Nº 581, de 20 de
setembro de 2010 (INCRA, 2010b), que regulamentou a construção das chamadas
públicas e instituiu o regime de horas técnicas para dimensionamento da ação da
ATES.
47
Atividade a ser realizada no segundo semestre de 2010 visando a construção das ações para o Contrato 2011.
119
Em 27 de setembro de 2010 foi realizada uma reunião do CE específica para
a discussão do Contrato de ATES de 2011. Essa reunião marca um importante
passo no envolvimento dos técnicos e das prestadoras na definição dos rumos do
Programa de ATES porque foram apresentadas e discutidas “as metas e horas
técnicas para construção do Contrato ATES 2011” (CE ATES, 2010a, p. 1). Para
exemplificar o debate realizado na reunião, em relação às visitas técnicas a
discussão apontou a necessidade de construção de um instrumento que
permita o acompanhamento de cada família assentada visando a construção de um banco de informações sobre cada família/lote (inclusive estatísticos). Existe a compreensão de que este tipo de acompanhamento pode qualificar o trabalho da equipe técnica com as famílias [...] sendo que a equipe de Articuladores deverá propor uma maneira/instrumento para realizar esse acompanhamento” (CE ATES, 2010a, p. 2).
Esse apontamento está na origem da formulação do Sistema Integrado de
Gestão Rural da ATES (SIGRA), tem que viria a ser discutido com mais
profundidade em 2011 e implementado em 2012.
Em relação aos CRs de ATES, o CE apontou que em 2011 deveria-se
aumentar o número de representantes dos assentamentos nos Conselhos,
passando para um homem e uma mulher por assentamento até 100 famílias e dois
homens e duas mulheres para assentamentos acima de 100 famílias, visando
melhorar a representatividade das famílias e propiciar uma paridade de gênero,
tendo em vista que a participação feminina era baixa nas reuniões dos CRs.
Também foi encaminhada uma capacitação dos conselheiros, pois “é comum acordo
o reconhecimento da necessidade deste espaço de formação” (CE ATES, 2010a, p.
4), no entanto, não foi definido claramente a forma e o conteúdo dessa capacitação
(essas definições ficaram para um momento futuro), apenas que a execução seria
realizada pelos próprios NOs com indicação de serem realizadas em março ou abril
de 2011, antes da rodada da primeira rodada de CRs de 201148 (CE ATES, 2010a).
Materializando as discussões do CE sobre o dimensionamento do trabalho
das equipes técnicas para o Contrato de 2011 foi estabelecido um sistema de
dimensionamento do trabalho das equipes técnicas, com a inclusão de metas
estaduais, metas regionais e ações complementares.
48
Essa capacitação dos conselheiros realizada pelas equipes técnicas não ocorreu em 2011 e nem nos anos seguintes, sendo realizada apenas em 2015, pela equipe de ATPs.
120
O Quadro 2 apresenta um exemplo hipotético de um Núcleo Operacional (NO)
composto por 550 famílias distribuídas em 14 assentamentos e assessoradas por 6
técnicos49.
Quadro 2 – Cálculo do banco de horas de um NO.
NOME DO NÚCLEO OPERACIONAL
nº assentamentos do NO 14
nº famílias do NO 550
nº técnicos do NO 6
nº horas técnica anuais por técnico 1.744,00
nº horas TOTAL 10.464,00
Tempo médio de deslocamento até os assentamentos 2,18 % por categoria
Nº HORAS PARA AÇÕES COMPLEMENTARES 1.569,60 15,00
Nº HORAS DAS METAS ESTADUAIS 5.346,21 51,09
SALDO PARA METAS REGIONAIS 3.548,19 33,91
TOTAL 100,00
Fonte: Adaptado de Zarnott et al. (2011).
Tomando o exemplo em questão, foi calculado um banco de horas técnicas
que determina a capacidade de trabalho de cada equipe técnica. Partindo-se de que
cada técnico trabalha oito horas por dia por um período total de 218 dias, chegou-se
ao valor referência de 1.744 horas técnicas/técnico/ano, que multiplicados pelo
número de técnicos produziu o banco de horas de cada equipe.
O número de horas por técnico foi calculado retirando-se do número de dias
do ano (365) os sábados e domingos, feriados, 20 dias para que cada prestadora
propiciasse formação aos seus técnicos, e 12 dias destinados para que cada
prestadora realizasse atividades de acompanhamento das suas equipes. Depois de
calculado o banco de horas total foi estabelecido que 15% do tempo total do banco
de horas seria reservado para ações complementares, ou seja, para realização de
atividades que surgem no decorrer do trabalho e que não poderiam ser previstas no
planejamento por se tratarem de atividades esporádicas, desdobramentos de ações
realizadas, convocatórias e convites enviados por outros agentes às equipes
técnicas, entre outros (ZARNOTT et al., 2011). 49
O Manual Operacional de ATES (2008) estabelece 1 técnico para 125 famílias na área agrícola e 1 técnico para cada 250 famílias na área social resultando na proporção de 1 técnico para cada 85 famílias.
121
Os 85% restantes foram distribuídos entre ações de caráter estadual,
obrigatórias para todas as equipes, e metas regionais, ações planejadas em
conjunto com os assentamentos. O rol de ações consideradas de caráter estadual
foi acordado em reunião do CE ATES e é composto por atividades consideradas
pelo Conselho como indispensáveis para todos os NOs50.
Assim, o planejamento regional transformou o contrato padrão para todos os
NOs de 2009 em um contrato diferente para cada NO, para cada assentamento,
atendendo, pelo menos em parte, as especificidades de cada grupo de
assentamentos, como mostra o Quadro 3, que faz um comparativo entre as ações
produtivas constantes no Contrato ATES 2009 e no Contrato ATES 2011.
Para Zarnott et al. (2011), a possibilidade de construir o Contrato ATES 2011,
a partir de um planejamento regional (com a participação das famílias e das equipes
técnicas), permitiu que as necessidades dos assentamentos se expressassem no
Contrato da ATES51, refletindo em uma matriz contratual bastante diversificada, com
conteúdos a serem trabalhados e ferramentas metodológicas mais apropriadas a
cada ação/objetivo como exemplificou o Quadro 3, e que, na avaliação dos autores,
permitiu maior efetividade do trabalho da equipe e maior facilidade no
acompanhamento e monitoramento do trabalho, o que também facilitou avaliações e
replanejamentos subsequentes.
50
Como o trabalho relacionados à temática ambiental. 51
A participação ativa da equipe é fundamental no sentido de qualificar e problematizar as demandas apresentadas pelas famílias, mas num processo ocorrido em nível estadual é possível que em alguns casos o filtro da equipe no planejamento tenha sido excessivo. Identificar esses casos também é uma necessidade para a qual ainda não se tem uma proposta.
122
Quadro 3 – Quadro comparativo das ações produtivas dos Contratos ATES 2009 e 2011.
Assentamento Contrato 2009
Contrato 2011
Tema Temática Ferramenta Período
Padre Réus
Instalação e manejo de unidades demonstrativas de adubação
verde e adubação orgânica Pastagem
Pastagens de
inverno Curso 1 turno Maio
Formação de um catálogo de sementes crioulas Peixe Criação de peixes
de água doce Curso 1 turno
Dezembr
o
Curso sobre manejo profilático de pomares Solos Adubação Verde Unidade
pedagógica Anual
Elaborar um projeto por assentamento para recuperação de solos
degradados Arroz sequeiro Manejo da cultura Palestra 1 turno Agosto
Vassoural
Instalação e manejo de unidades demonstrativas de adubação
verde e adubação orgânica Leite
Elaboração de
silagem Oficina 1 turno Fevereiro
Formação de um catálogo de sementes crioulas Leite Pastagem de
verão Curso 1 turno Setembro
Curso sobre manejo profilático de pomares Leite Pastagem de
inverno Curso 1 turno Abril
Elaborar um projeto por assentamento para recuperação de solos
degradados Horta Adubos orgânicos Curso 1 turno
Março e
Novembr
o
Arroio das
Pedras
Instalação e manejo de unidades demonstrativas de adubação
verde e adubação orgânica Milho Plantio direto Oficina 1 turno Março
Formação de um catálogo de sementes crioulas Milho Produção
sementes crioulas Palestra 1 turno Agosto
Curso sobre manejo profilático de pomares Apicultura Manejo apiário Curso 1 turno Maio
Elaborar um projeto por assentamento para recuperação de solos
degradados Feijão Manejo cultura Palestra 1 turno Agosto
Fonte: Zarnott et al. (2011).
123
Para além da regionalização, a construção dos contratos, com base no
dimensionamento das horas técnicas, pressupôs que cada ação (visita, curso,
oficina) fosse dimensionada em sua duração, o que incorpora o tempo de
deslocamento até os assentamentos (uma questão bastante variável entre os NOs
do RS). Além disso, no caso da ATES RS, para cada atividade foi previsto também
um tempo de preparação e sistematização, como mostra o Quadro 4.
Quadro 4 – Constituição da carga horária de cada ferramenta metodológica do Contrato 2011.
Ferramentas de 1 turno Carga horária
(horas)
Tempo de preparação (horas) 1,50
Deslocamento – ida e volta (horas) 2,18
Tempo da atividade (horas) 3,00
Sistematização da atividade 0,50
Número de técnicos na atividade 1,00
Tempo total dispendido por atividade 7,18
Fonte: Adaptado de Zarnott et al. (2011).
A previsão contratual de um tempo para o planejamento e a sistematização
das atividades contribuiu para a realização de atividades de maior qualidade
(ZARNOTT et al., 2011). Ainda segundo esses autores, outro desdobramento desse
processo de construção coletiva e de empoderamento das famílias e dos técnicos, é
que ambos passaram a se sentir sujeitos do Programa de ATES, ativos na
discussão e decisão dos rumos e ações do Programa, reduzindo a noção de
técnicos “empregados do INCRA”52 e assentados meros receptores de um programa
de desenvolvimentos para o assentamento.
Por outro lado, Neumann, Dalbianco e Zarnott (2015) apontam a necessidade
de aprofundar a discussão sobre os resultados alcançados pelo Programa de ATES,
pois na avaliação desses autores a dinâmica contratual baseada em ações faz com
que a preocupação das equipes seja a realização e comprovação das atividades e
52
Essa noção de “empregados do INCRA” foi afirmada, ao longo dos anos de 2009 e 2010, pelos técnicos que se viam apenas como executores de ações definidas pelo INCRA e repassadas às equipes técnicas. A partir do momento em que os técnicos passam a ser responsáveis pela elaboração do contrato de trabalho que terão que cumprir no ano seguinte o seu compromisso e envolvimento muda de patamar.
124
não, necessariamente, o alcance dos objetivos que motivaram sua realização. Para
estes autores, do ponto de vista do contrato de prestação de serviços e do controle
da execução física do contrato, esse formato baseado nas ações e não nos
processos e/ou resultados é bastante cômodo para as prestadoras de serviço, pois
facilita a execução, e para o INCRA, pois facilita o controle.
Essa busca pela superação da “meta pela meta” é um debate central e não
vencido no Programa até os dias atuais, mantendo-se o contrato por metas como
atividades em vez de produtos, sendo que as defesas mais enfáticas provêm das
prestadoras, com o argumento principal de que a ATES não é a única interferência
nos assentamentos e as mudanças – principalmente aquelas não realizadas – não
podem ser creditadas ao trabalho da ATES.
Em 2011, além das discussões de execução, o Projeto ATPs formulou, por
demanda do CE, uma proposta de instrumento sistema para coleta e gestão de
informações sobre os assentamentos e as famílias assentadas para ser
implementado a partir da primeira visita técnica de 2012 (CE ATES, 2011 b). Esta
demanda surgiu da análise de que os PDAs e PRAs possuíam lacunas relacionadas
a informações importantes para o planejamento das ações e que os instrumentos
até então utilizados, como questionários e pesquisas, não cumpriram o papel de
fornecer esses dados.
Após elaborada uma versão para discussão as questões que comporiam o
sistema foram discutidas com todas as equipes técnicas e definidas em uma reunião
com participação dos ATPs, INCRA, prestadoras e representantes de todas as
equipe técnicas. Foi encaminhado também a elaboração de um documento
(Apêndice 1) em conjunto (INCRA, CETAP, EMATER, COPTEC, EMBRAPA, UFSM,
COCEARGS, DDA) esclarecendo às famílias sobre a importância desta coleta de
informações (CE ATES, 2011 c). Desse processo de construção surge o SIGRA.
Finalizando mais um ano, a equipe de Articuladores/UFSM reuniu-se para um
balanço e produziu-se uma reflexão, em parte reproduzida abaixo, e que sintetiza o
momento que o Programa de ATES vivia:
Pontos para reflexão: 1. [...] o conselho (estadual) [...] abriu uma discussão sobre cada item o que
faz com que a discussão seja ampliada, incorporando novas perspectivas e opiniões, e os encaminhamentos sejam tomados como uma decisão coletiva e não uma imposição unilateral;
125
2. As formulações do conselho começam a ser menos dependentes do INCRA [...] Reflexo disso é a discussão que a Coptec e a UFSM iniciaram sobre a ferramenta de coleta de informações e cujo desdobramento é uma divisão de tarefas entre todos os membros do Conselho. [...] Esse processo de distribuição de tarefas também permeou outros temas e avalia-se isso como positivo.
3. Além de uma abertura por parte do INCRA é perceptível um interesse em se envolver por parte da Coptec. [...] A Emater emite opinião quando se trata de ações já realizadas (como a rodada de Conselhos Regionais) ou quando se apresenta um encaminhamento a ser realizado [...] mas tem dificuldade de propor quando o caminho a ser seguido ainda não é claro.
4. Questões que ficaram em aberto e ainda precisam ser retomadas: a) formação dos conselheiros (sai, não sai, quem faz, em que espaço, de que forma, ...); orientação sobre a avaliação no assentamento (que foi reconhecida como um espaço fundamental do Programa de ATES e isso foi muito bom) porque os Articuladores vão conseguir acompanhar muito poucas reuniões e a qualidade da ação depende de uma boa orientação e do comprometimento das equipes técnicas (e isso precisa ser construído).
5. Pontos pacíficos: a importância do apoio financeiro [aos conselheiros],[...] envolvimento de mais entidades [nos CRs]. Pacíficos, mas que precisam ser construídos (ARTICULADORES, 2011c).
Esses elementos denotam bem a situação em que se encontrava o Programa
de ATES e o que seus espaços de participação e gestão social haviam produzido,
bem como os desafios que se colocavam à frente para que se consolidassem.
O ano de 2012 inicia com a coleta de informações do SIGRA e uma primeira,
e importante, avaliação realizada no CE é a de que o SIGRA não permite que se
estime a renda das famílias assentadas. Visando atender a essa demanda foi
apresentado pela UFSM a sugestão de trabalhar com a análise econômica de
propriedades através da ADSA, identificando sistemas modais e realizando o estudo
técnico e econômico dessas unidades, que depois poderão ser utilizados como
referência para as demais. Ao longo do ano de 2012 foram realizadas formações
com os ATPs e as equipes técnicas e construído o instrumento que comporia as
metas da ATES no Contrato 201353 (CE ATES, 2012b).
O ano de 2013, além das questões operacionais, centrou as discussões na
nova chamada pública para seleção das entidades prestadoras do serviço. Foram
discutidas as composições (abrangência) dos NOs, a composição (perfil técnico) das
equipes, as prioridades de trabalho em cada região. Não cabe aqui retomar todos os
debates, mas merece destaque que em função do debate realizado sobre as
53
Essa é a origem da Rede de Unidades de Observação Pedagógica. Mais detalhe sobre a RUOP em Bellé et al (2016).
126
prioridades do Programa de ATES para o próximo período, foi encaminhado que
famílias em situação de pobreza deveriam ser assessoradas mais intensivamente do
que as demais (CE ATES, 2013d).
Após o processo de chamadas públicas, em que permaneceram as mesmas
equipes nos NOs que já atendiam, o ano de 2014 esteve voltado para a discussão
sobre o papel de cada agente no âmbito do Programa. Por ocasião da discussão da
renovação da parceira entre o INCRA RS e a EMBRAPA, assim como esteve a
parceria com a UFSM, o CE buscou discutir a ação da EMBRAPA, principalmente,
por entender que na versão anterior do projeto houve dificuldades para integrar a
ação do Projeto da EMBRAPA (denominado CONFIE) com as ações das equipes
técnicas. Contudo, ao apresentar o projeto (com objetivos e ações) em uma reunião
do CE, a EMBRAPA afirmou que a proposta foi construída com base na avaliação
do trabalho realizado e em reuniões de trabalho com os assentamentos e o MST e
que, tão logo estivesse concluído o documento, fariam a “validação da proposta com
parceiros, primeiro com o MST e logo depois com o INCRA para formalização” (CE
ATES, 2014a, p. 4). Essa colocação não foi bem recebida pelos demais gerando um
conjunto de falas questionando essa postura e claramente
desafiando a Embrapa a abrir seu trabalho às áreas reformadas e não apenas orientar seu trabalho a atender as demandas [...] pois a Embrapa se ausentou dos espaços do Programa de ATES (Conselho Estadual, Conselhos Regionais, Encontro dos Técnicos) no último período e a discussão das ações de extensão passam por esses espaços e mudou muito desde a proposta inicial em 2009 (ex.: das unidades de observação à RUOP) [...] (reivindica-se assim) que a proposta de atuação da Embrapa seja discutida e debatida no Conselho Estadual de ATES porque esse é o fórum que discute a ação extensionista nos assentamentos e para que dessa forma se construam acordos e parcerias de trabalho entre Embrapa, ATES e outras organizações desde o princípio (CE ATES, 2014a, p. 4).
Ainda que não recebendo parcimoniosamente as críticas, foi encaminhado
que a Embrapa finalizaria a proposta, enviaria o documento para os membros do CE
e seria convocado novo Conselho para discutir o tema (CE ATES, 2014a). Na
esteira desse debate, a pauta sobre a dinâmica organizativa do Programa de ATES
reaparece nos Encontros Regionais de Técnicos, especialmente no que se refere ao
papel do Projeto UFSM/ATPs, ao qual alguns atribuem o papel de coordenação do
Programa, outros um papel executor das ações, ou ainda, um papel de assessoria
ao Programa e as equipes técnicas, mas não a direção, cobrança ou execução
direta das ações (CE ATES, 2014d).
127
Oriunda no arcabouço da mesma polêmica surge a proposta de um Conselho
Estadual Ampliado, principalmente em virtude das Prestadoras afirmarem não ser
representativas de seus técnicos, assim, solicitando a realização de uma reunião
ampliada com a participação de mais técnicos. Em contraposição, o projeto ATPs
defendeu a ideia de Conselho Ampliado, mas para inclusão, principalmente, de mais
representantes das famílias assentadas que são a parcela menos representada na
atual composição do CE. Essa discussão não produziu um consenso e o tema não
foi encaminhado imediatamente.
Essa discussão sobre os papeis e uma possível redefinição dos espaços de
participação (abrangência e composição) continuou em discussão e em 2015 a
equipe de ATPs apresentou o documento “Papel dos Atores do Programa de ATES”.
Resumidamente, o documento afirmava que o INCRA tem o papel de coordenar o
Programa (propondo, dirigindo, avaliando, fiscalizando e garantindo as condições
estruturais e financeiras para o desenvolvimento do trabalho); que as prestadoras e
as equipes técnicas são as executoras das ações do Programa, mas tendo também
o compromisso de contribuir com a construção do Programa avaliando-o e propondo
melhorias; que os projetos de assessoria tem o papel de apoiar e instruir os agentes
do Programa, mas não podem coordenar ou fiscalizar no lugar do INCRA, nem
executar no lugar das equipes; e, que os Conselhos tem o papel de avaliar e orientar
o Programa conferindo amplitude e legitimidade aos caminhos tomados pelo
Programa.
Foi apontado também que os espaços de participação e gestão social não
foram completamente apropriados pelas famílias, mas que, “juntamente com a
descentralização das metas através do planejamento regional os espaços de
controle e gestão social com poder de decisão são, efetivamente, os elementos que
dão centralidade ao Programa” (CE ATES, 2015 b, p.5). Essa discussão também
não produziu consenso, sendo motivo de discordância a opinião de que os projetos
de assessoria não compunham o quadro executor do Programa, posição
apresentada pela UFSM, mas contestada pelas prestadoras.
Percebe-se que temas polêmicos, que envolvem concepções, têm seus
encaminhamentos protelados. Isso pôde ser observado na discussão sobre os
papeis de cada agente e em relação ao CE Ampliado, visto que em ambos os casos
os temas entraram em discussão, mas não foram devidamente encaminhados e
depois não foram operacionalizados.
128
Em 2015 percebe-se uma redução das discussões relacionadas à
operacionalidade do Programa e, principalmente, em relação à construção de
inovações e evoluções no funcionamento do Programa, o que pode ser atribuído às
constantes crises financeiras que fizeram com que o pagamento das ações
executadas estivesse em permanente atraso, dificultando a discussão sobre a
qualificação das ações e reduzindo o interesse das equipes técnicas em contribuir
com a discussão sobre os rumos do Programa.
Em relação aos Conselhos Regionais de ATES, algumas mudanças foram
significativas. A primeira foi a mudança na frequência das reuniões, optando-se pela
realização de duas reuniões anuais; a segunda, está relacionada com a definição de
participação de um homem e uma mulher por assentamento; a terceira, refere-se a
busca pelo poder decisório no âmbito do Programa; a quarta, diz respeito ao
processo de financiamento da participação dos agricultores; a quinta, à tentativa de
ampliação dos CRs para além dos informes do INCRA e da participação dos
assentados, visando transformar-se em um fórum de discussão do desenvolvimento
regional; e, a sexta, a capacitação dos conselheiros.
A participação de, no mínimo, um homem e uma mulher por assentamento
visava ampliar a participação feminina nos CRs. A Figura 06 mostra quatro reuniões
de CR realizadas em 2012 e percebe-se uma boa participação dos representantes
dos assentamentos, pois mais de 80% dos assentamentos se fizeram representados
nas reuniões, mas percebe-se também que a participação das mulheres ainda é
minoritária.
Um elemento fundamental para a participação dos conselheiros foi o processo
de financiamento de sua participação. O ressarcimento de despesas de
deslocamento e alimentação foi previsto no contrato 2011 e a remuneração dos
conselheiros com diárias foi incorporado no contrato a partir da nova chamada
pública iniciada em 2014.
Além da questão objetiva de viabilizar a participação do assentado a sua
remuneração visa compensar seu dia de trabalho como representante da sua
comunidade e teve como efeito a corresponsabilidade do conselheiro com as
decisões tomadas e o trabalho das equipes técnicas.
129
Figura 06 – Fotos de quatro Conselhos Regionais do segundo semestre de 2012.
Fonte: ATP (2016a).
Em relação a constituição dos CRs como um espaço decisório o Programa
teceu críticas ao conselho como um espaço para “passar um recado” e afirmou a
necessidade de ser um espaço de decisão, ao menos sobre o planejamento das
ações das equipes técnicas. Nesse sentido, foi objeto de reflexão e ação o método
de apresentação e discussão do planejamento para renovação dos contratos.
A maioria das equipes técnicas adota como método a projeção das atividades
para validação dos representantes dos assentamentos, no entanto, algumas equipes
buscaram métodos mais interativos e participativos para a discussão do
planejamento. Cabe aqui, destaque para três experiências – que são representadas
na Figura 07 – que realizaram esse debate através da formação de grupos para
avaliação com posterior socialização em plenário, de sessões (sessão do leite, meio
ambiente e cultura camponesa) onde foram elencadas pelos conselheiros as três
prioridades para o trabalho técnico, sendo ao final socializado e validado no grande
plenário, e uma proposta metodológica de uso do sistema de “túnel” onde foram
130
expostos cartazes com o planejamento da ATES e o “retrato” de cada assentamento
com base no SIGRA, onde os conselheiros tiveram a oportunidade de realizar
intervenções, às quais foram apontadas e acrescidas aos painéis para posterior
inclusão nos planejamentos (ATP, 2016a).
Figura 07 – Metodologias de discussão do planejamento 2013.
Fonte: ATP (2016a).
Da mesma forma, visando qualificar o processo de avaliação do trabalho
realizado, algumas equipes adotaram uma orientação metodológica baseada em
trabalhos em grupos e perguntas orientadoras, como mostra a Figura 08, e pelos
relatos dos CRs esse processo qualificou a avaliação e a discussão do planejamento
para 2014.
131
Figura 08 – Metodologias de discussão da avaliação da chamada pública em 2013.
Fonte: ATP (2016a).
A ampliação dos CRs para além do INCRA, dos representantes dos
assentamentos e da avaliação da ATES como pauta foi apontada desde a avaliação
da rodada de CRs de 2009. Nesse período foi identificado que os CRs haviam
realizado a avaliação da ATES para a legitimação da renovação dos contratos e
foram um espaço de repasse de informes por parte do INCRA e pela busca por
informações e demandas das famílias assentadas, mas que isso limitaria a duração
dos conselhos (ARTICULADORES, 2009b). Nesse sentido, a consequente
necessidade da pauta dos CRs englobar estratégias de desenvolvimento regional,
suprindo uma série de expectativas das famílias, das organizações das famílias, da
ATES e do INCRA foi apontada como inevitável (CE ATES, 2009d).
Essa ampliação deveria envolver atores locais como cooperativas, prefeituras,
escolas, grupos gestores, grupo de mulheres, grupo de jovens, etc., segundo a
conjuntura de cada NO. No entanto, esse processo de ampliação da participação
132
regional e do efetivo diálogo de estratégias locais/regionais de desenvolvimento
foram iniciativas de alguns NOs, como o NO Vacaria, por exemplo, e o NO Viamão
que construiu o CR mobilizando representantes dos assentamentos, de
cooperativas, associações e grupos de mulheres, implementando a orientação do
Programa de inserir esses grupos que influenciam o assentamento, mas são outras
unidades de planejamento mais focadas em grupos (ATP, 2016a).
A capacitação dos conselheiros também foi apontada como importante desde
os primeiros CRs. Uma avaliação realizada no CE em 2011 apontou que os
conselheiros deveriam conhecer melhor o Programa de ATES (estrutura, técnicos,
ações e metas previstas) para avaliá-lo, visando assim construir as bases
necessárias para que o CR se transforme em um fórum deliberativo. Reunião do CE
de 2012 avaliou que “existe uma fragilidade nesse processo e não ocorre a
devolução das informações do conselho para o conjunto do assentamento e
precisamos pensar estratégias para isso” (CE ATES, 2012 b, p.2). Nesse sentido
outro representante afirmou que
Não estamos dando a atenção que deveríamos dar ao conselheiro nos assentamentos para que se torne uma pessoa representativa. Precisamos recuperar isso, como? Visitas a mais para o conselheiro para discutir o papel do conselheiro? Se isso é importante, precisamos dedicar mais a isso” (CE ATES, 2012b, p. 2).
Soma-se a essa a posição sobre a questão que afirma que
Existe um problema de concepção do conselho, algumas equipes trabalham na perspectiva de que se consolide como espaço de deliberação, outras equipes tratam como tarefa e como espaço de legitimação. Precisa listar e caracterizar isso e ter um plano de trabalho para cada equipe. Outra questão que ficou bastante clara é a baixa representatividade e essa é uma questão que precisa ser atacada. Precisamos necessariamente envolver como representatividade as organizações existentes nos assentamentos (não apenas 2 pessoas por assentamento) [...] Outra coisa importante é garantir uma forma de remuneração para o conselheiro, nos moldes do deslocamento. A avaliação é a outra questão chave: é um processo, começa na família, passa pelo assentamento e desemboca no conselho e aí não é influenciado pela equipe no momento da avaliação. Esse processo não pode ser subjetivo, moral, precisa estar colocado sobre questões concretas para que se possa pensar uma avaliação ao longo do tempo. Existe um planejamento, foi cumprido? Alcançou os objetivos a que se propunha? É possível elaborar uma proposta concreta que permita qualificar essa avaliação (CE ATES, 2012b, p. 3).
133
Nesse sentido, foi encaminhado que as equipes técnicas fariam um processo
de formação e acompanhamento dos conselheiros, o que não se materializou. Em
virtude disso, em 2014 foi encaminhado que na rodada de CRs haveria um momento
dedicado a formação dos conselheiros sobre seu papel, o papel do Conselho e o
Programa de ATES.
O debate foi realizado em todas as reuniões e os conselheiros apontaram que
o Conselho Regional deveria pautar estratégias de desenvolvimento regional (ser
um espaço de reflexão); deveria ser um espaço para que os programas possam se
articular (um espaço para unificar as agendas); deveria melhorar a organização e
participação da comunidade (ATPs, 2013) e que seu papel como conselheiros seria
manter a união dos assentamentos e manter as famílias bem orientadas com
relação às informações do INCRA e do DDA/SDR; deveriam colocar em prática as
decisões e encaminhamentos do Conselho (Conselho não deve ser apenas um
espaço informativo ou de validação); deveriam auxiliar o trabalho dos técnicos de
ATES; deveriam levantar, identificar e trazer as demandas das famílias assentadas
para o Conselho e levar as informações e decisões do Conselho para os
assentamentos; deveriam fazer reuniões com as famílias para discutir as demandas
que deveriam ser apresentadas no Conselho e dar retorno aos encaminhamentos
(ATPs, 2013), ou seja, que o papel dos conselheiros iria além da participação nas
duas reuniões do conselho, ele deveria ser um animador da ATES nos
assentamentos, assessorando a equipe na articulação das atividades nos
assentamentos e sendo um elo de ligação entre a equipe e as famílias que
representam, apontando demandas e definindo prioridades (ATP, 2016a, p. 231).
Como resultado dessa nova compreensão muitos conselhos propuseram a
realização de uma capacitação dos conselheiros para o processo de avaliação e
planejamento para 2015. Em relação à composição, a maioria apontou a importância
de incluir nas reuniões os representantes municipais ou regionais e as organizações
regionais das famílias assentadas, como as cooperativas (ATP, 2016a).
Essa rodada de CRs teve uma grande participação de conselheiros como
mostra a Figura 09, e a maioria contou com a presença de organizações ou
instituições locais.
134
Figura 09 – Primeira rodada de conselhos regionais de ATES de 2014.
Fonte: ATP (2016a).
Buscando responder às demandas identificadas no CE e em muitos CRs e
que já havia sido encaminhada para realização por parte das equipes técnicas, mas
sem uma avaliação mais detalhada de sua realização e efetividade, o Projeto ATPs
construiu uma proposta de formação para os conselheiros, apresentou ao Programa
135
de ATES e a realizou, cabendo às equipes técnicas a mobilização dos conselheiros
(ATP, 2016b).
Em setembro de 2015 ocorreu a rodada de capacitação dos conselheiros de
ATES, idealizada e realizada pela equipe de ATPs. A formação teve dois objetivos:
apresentar detalhadamente o Programa de ATES (constituição, metas, ferramentas,
recursos, etc.) para que os conselheiros tivessem o máximo de elementos para
realizarem uma avaliação do Programa e construir uma proposta de metodologia de
avaliação para ser realizada e conduzida nos assentamentos pelos próprios
conselheiros, sem a mediação da equipe técnica. Esses objetivos ancoraram-se na
leitura de que muitos conselheiros não conheciam detalhadamente o Programa (e
muito do que “conheciam” era informado pelas equipes técnicas) o que limitava a
profundidade de sua avaliação e no fato de que as equipes técnicas, ao mediar a
sua avaliação nos assentamentos, poderiam estar constrangendo ou direcionando
as análises dos assentados (ATP, 2016b).
Desta forma a capacitação foi organizada em dois blocos: pela manhã uma
apresentação dialogada sobre o Programa de ATES e a tarde um exercício
metodológico simulando uma reunião de avaliação nos assentamentos como ilustra
a Figura 10. Ao final, foi realizada uma avaliação do dia de trabalho e um
levantamento de quais conselheiros se sentiam a vontade para conduzir as
avaliações nos assentamentos e quais avaliam ser necessária a presença da equipe
técnica54
.
O primeiro elemento destacado em relação às capacitações foi que a maioria
dos conselheiros chegou acreditando que se trataria de um CR “normal”, ou seja,
com participação do INCRA, DDA e entidades locais, logo, esperava tratar pautas
gerais dos assentamentos e não apenas “vir para uma capacitação” (fala de um
conselheiro em uma capacitação), o que demonstra que a equipe não informou o
que seria a atividade ao convidá-los. Após um esclarecimento do objetivo da
atividade e da apresentação da proposta de trabalho do dia, passou-se ás
discussões (ATP, 2016b).
54
A apresentação e a pauta detalhada encontram-se nos Apêndices 2 e 3.
136
Figura 10 – Capacitação dos conselheiros de ATES.
Fonte: ATP (2016b).
A apresentação do Programa de ATES produziu muita discussão com os
conselheiros mostrando que muitos não conheciam seu funcionamento e sua
estrutura principalmente no que se refere ao dimensionamento do trabalho das
equipes técnicas (porque muitos reproduziam que as equipes técnicas não tinham
tempo para um atendimento mais qualificado porque estavam sobrecarregadas de
trabalho), ao tempo para planejamento das atividades (muitos afirmavam que as
equipes não tinham tempo para preparar as ações), foi grande a surpresa com os
dados do SIGRA por assentamentos (os conselheiros já haviam visto a
apresentação de um retrato regional nos CRs, mas muitos afirmaram que os dados
não eram usados nos planejamentos nos assentamentos) e, principalmente, com os
dados econômicos da RUOP, pois a maioria dos conselheiros de todos os CRs
afirmou não conhecer os dados que estavam sendo apresentados na capacitação.
Em uma formação um conselheiro levantou-se e chamou pelo técnico que estava
acompanhando a atividade (diálogo travado):
137
- vocês conhecem esses dados que eles estão mostrando? (assentado);
- sim, respondeu o técnico;
- e por que nós nunca vimos isso? Por que nunca usaram numa reunião do
leite? Isso é importante... (e sentou-se balançando negativamente a
cabeça).
A avaliação realizada ao final da manhã ou ao final do dia apontou uma
satisfação positiva pela discussão realizada e suscitaram falas no sentido de que
“esses espaços deveriam acontecer mais vezes porque agora eu sei melhor o que
eu e os outros assentados temos que avaliar”.
No período da tarde foi realizada uma avaliação da ATES simulando-se uma
atividade dessa natureza realizada nos assentamentos e conduzida pelos
conselheiros. Para tanto, foram trabalhadas questões orientadoras (que ao serem
respondidas resultariam na ata da reunião de avaliação do assentamento),
discutidas em grupos e depois apresentadas em plenário para síntese. Na
capacitação em muitos NOs foram utilizadas tarjetas, mas a orientação geral foi de
que nos assentamentos poderiam ser realizadas apenas falas (basicamente por três
motivos: falta do material necessário, a limitação com a escrita de muitos
conselheiros e porque o manuseio da visualização móvel exige habilidades e treino
que a capacitação não teve como abarcar). As questões norteadoras versaram
sobre: as visitas (A visita técnica é uma atividade importante para a família? Por
quê?; As visitas atenderam as demandas apresentadas? Em quê?; Sugestões para
melhorar as visitas), as atividades coletivas (Os conselheiros receberam o
planejamento do seu assentamento?; As famílias conhecem o planejamento de
ações para o seu assentamento?; Os temas trabalhados nas capacitações foram os
que estavam planejados? Atenderam as demandas do assentamento (cumpriram os
objetivos)? Se não, quais seriam os temas mais importantes?; Teve material didático
nas formações?; Nas atividades que aconteceram durante todo dia, teve almoço?),
sobre os técnicos (Quais técnicos atuam no assentamento?; Eles respondem as
questões apresentadas?; Como é o envolvimento da equipe com o assentamento?)
e sobre as organizações locais (Existem grupos organizados no assentamento, que
deveriam ter um planejamento próprio?). As avaliações realizadas ao final do debate
apontam para um ordenamento do processo de avaliação que vai além do “está
bom? Está ruim?” porque objetiva as questões (ATP, 2016b).
138
Ao realizar o levantamento de quem estava confortável para realizar a
avaliação sozinho, e quem necessitaria apoio da equipe técnica, identifica-se pelos
relatos que em nove dos vinte conselhos a maioria dos conselheiros afirmou a
necessidade da presença do técnico. Avalia-se que a metade dos conselhos
desafiar-se a realizar a avaliação sem a equipe denota um processo de dependência
ou tutelamento dos conselheiros (por parte das equipes técnicas) que se avaliaram
incapazes de conduzir a avaliação, mesmo tendo sido muito participativos e
desenvoltos na capacitação (caso presenciado de forma muito clara em duas
capacitações). Em uma avaliação geral da capacitação, as opiniões foram muito
positivas (mesmo daquele que esperava o INCRA ou o DDA), reafirmando a
importância de mais espaços dessa natureza, mas, principalmente, afirmando que
“agora eu entendi melhor o papel de cada um” (ATP, 2016b).
Além do CE, dos CRs e das avaliações nos assentamentos, espaços diretos
de participação das famílias assentadas, o desenvolvimento do Programa de ATES
passou também pela participação das equipes técnicas. Para esse processo,
desempenharam um papel muito importante os encontros de formação dos técnicos,
ainda que, de fato, tenham surgido apenas com o intuito de formação e, apenas no
decorrer de sua realização os mesmos transformaram-se em um espaço de diálogo
e discussão com as equipes técnicas.
Os dois primeiros encontros, com foco na área ambiental em 2009 e da área
social em 2010 foram encontros demandados pelo INCRA e com caráter informativo.
Após esse encontro, o CE de setembro de 2010 avaliou que as capacitações
anteriores eram “do INCRA” (CE ATES, 2010a, p. 5) e que as próximas deveriam ser
uma construção coletiva entre INCRA e Prestadoras, “identificando quais temas
deverão ser tratados e programando conjuntamente o conteúdo das capacitações”
(CE ATES, 2010a, p. 5). Avalia-se que o sentido da expressão “do INCRA” refere-se
ao fato de que as capacitações anteriores eram focadas em temas que o INCRA
entendia como importantes, caso da capacitação ambiental do final de 2009. Em
função da discussão do CE as capacitações seguintes tem sua pauta definida pelo
Conselho Estadual.
Em 2011 aconteceu mais um encontro da área ambiental, o segundo encontro
da área social e o III Encontro dos Técnicos de ATES (o I e II foram considerados os
encontros da área social), ocorreu entre 6 e 8 de dezembro de 2011, com o objetivo
principal de discutir a qualificação do planejamento das ações da ATES na busca do
139
desenvolvimento dos assentamentos. O Encontro teve painéis sobre os princípios da
PNATER e da ATES, metodologias de planejamento e debates sobre quais os
desafios para a qualificação da ATES.
A síntese dos principais acordos foi de que a qualificação da ATES passa
pelo planejamento, pela participação, pelo monitoramento, e pelas metodologias de
atuação. Foram listados como espaços de planejamento e participação das famílias
assentadas elaboração e readequação dos PDAs e PRAs, as reuniões de avaliação
de ATES nos assentamentos e os Conselhos Regionais de ATES (enquanto espaço
representativo e deliberativo). Como proposição para qualificação dos CRs foram
propostos a construção de espaços de formação para os conselheiros; a construção
de um roteiro comum de avaliação para todos os assentamentos (perguntas
dinamizadoras, etc.); a necessidade de construir com os assentamentos a
compreensão de que o Conselho Regional de ATES pode ornar-se um espaço
importante de discussão de problemas e alternativas para os assentamentos e para
a região; que a condução dos CRs deve caminhar para a busca da consolidação do
Conselho como um espaço de informação, avaliação e discussão e definição de
prioridades.
Em dezembro de 2012 ocorreu (Figura 11) o IV Encontro de Técnicos. Na
foto, a mesa de abertura do Encontro com, da esquerda para a direita, representante
da UFSM/Articuladores, CETAP, UFSM/Programa de Pós-Graduação em Extensão
Rural (PPGExR, UFSM/Reitoria, INCRA, UFSM/Departamento de Educação
Agrícola e Extensão Rural (DEAER), DDA/SDR, COPTEC, COCEARGS e EMATER.
Figura 11 – Mesa de abertura do Encontro Estadual de técnicos de ATES de dezembro de 2012.
Fonte: Acervo do autor (2012).
140
De 27 a 31 de janeiro de 2014 ocorreu, como mostra a Figura 12, mais um
Encontro Estadual dos técnicos de ATES promovido pelo Programa e com a
programação discutida pelo CE ATES.
Figura 12 – Encontro Estadual de Técnicos de ATES.
Fonte: INCRA (2014).
O Encontro dedicou-se a discussão sobre a certificação participativa de
produtos orgânicos, a sistematização de experiências agroecológicas, a geração de
indicadores técnicos e econômicos de unidades de produção (RUOP) e a avaliação
do Programa de ATES no contrato 2009-2013.
Sobre a avaliação do Programa os participantes do foram divididos em cinco
grupos e trabalharam sobre a orientação de três questões: a) Quais os
ensinamentos que temos (Programa de ATES) para mostrar, subsidiar as outras
experiências de ATES do Brasil? B) Quais os limites/dificuldades encontradas na
141
construção do Programa de ATES? E, c) Quais desafios para o futuro com vistas à
continuidade e aperfeiçoamento do Programa de ATES no RS?
Após debate, quatro encaminhamentos foram definidos: a) rediscussão dos
espaços de participação e gestão social para ampliação do CE e redefinição dos
atores que participam dos CRs; b) realização de um CE para discussão dos papeis
de cada ator do Programa de ATES (INCRA, ATPs, prestadoras e equipes técnicas);
c) constituição de um grupo de trabalho (GT) para discutir a questão social; e, d)
contemplar a discussão da questão social em um Encontro Estadual de técnicos
(INCRA, 2014).
Percebe-se, a partir do exposto acima, que os técnicos e os encontros
compõe o quadro de espaços de participação do Programa e tem contribuído com
suas discussões para a definição dos rumos a serem seguidos pela ATES RS.
6.3 ATES RS: PARTICIPAÇÃO EM CURSO?
Para a discussão desta seção serão mobilizados cinco eixos de análise e uma
subseção que tentará apontar alguns elementos de perspectiva para o futuro da
participação na política pública de ER. O primeiro eixo refere-se ao desenho
institucional do Programa de ATES; o segundo, ao contexto e ambiente institucional
em que o Programa e a participação se encontram localizados; o terceiro, versa
sobre quem participa, ou seja, aborda a inclusão e a representatividade nos espaços
de participação; o quarto eixo discute a forma de deliberação; e o quinto, faz um
resumo dos resultados produzidos pela participação social no Programa de ATES.
6.3.1 O desenho Institucional
O desenho institucional do Programa de ATES composto por um Conselho
Estadual, Conselhos Regionais e reuniões nos assentamentos se mostra mais
ousado do que o normatizado pelas referências do Programa de ATES, leia-se o
Manual de ATES de 2008, denotando um esforço para envolver técnicos e famílias
no Programa.
A realização das reuniões desses espaços possui uma lógica: CE estadual
reúne e orienta parte da discussão dos CRs, cuja outra parte da reunião é definida
localmente e desta, uma parte, advém das discussões realizadas nos
142
assentamentos. Realizado o CR, os conselheiros retornam aos assentamentos e a
prestadora, ATPs e INCRA retornam com o debate ao CE. Entretanto, pela
descrição das reuniões e a realização das mesmas esse fluxo não funciona
perfeitamente, pois, às vezes, o CE não discute o CR e nem os conselheiros trazem
questões para o CR ou retornam com informações para os assentamentos. Porém,
há que se reconhecer também que está em curso um esforço do Programa para que
esse fluxo ocorra sem percalços.
Já há algum tempo discute-se uma ampliação da participação nos três níveis
do Programa, pois a estrutura de participação e representação foi pensada no início
dos contratos e visava que participassem aqueles diretamente envolvidos com a
execução da ATES, por isso a reunião de avaliação no assentamento somente
avaliava a ATES, o CR avaliava a ATES e recebia informes do INCRA e o CE
resolvia questões operativas do Programa. Com o andar das discussões identificou-
se que essa era uma visão limitada do potencial desses espaços e do próprio
princípio de avaliação e planejamento da ATES, visto não ser um Programa isolado
das demais ações que se desenrolam nos assentamentos. Nesse sentido,
especialmente para os CRs, foi orientado pelo CE e apontado pelos próprios
conselheiros, quando da discussão sobre o papel e sobre quem deveria participar do
CR, que se deveriam envolver as organizações e instituições locais como
cooperativas, prefeituras, etc..
Os relatos dos CRs apontam experiências muito interessantes de articulação
com poder público local para resolução de problemas com estradas e escolas,
aquisição da alimentação escolar, apoio à viabilização de feiras de produtos da
reforma agrária ou de negociações com cooperativas para a comercialização para o
PAA. Por outro lado, muitos CRs não mobilizam localmente buscando construir um
processo de diálogo para o desenvolvimento em âmbito local.
O mesmo pode ser percebido em âmbito local. As reuniões de avaliação eram
e na ampla maioria dos lugares ainda são realizadas apenas nos assentamentos,
tidos como a única unidade de planejamento para a ATES. Há tempos discute-se
que o assentamento é uma unidade importante porque se assemelha às
comunidades rurais (linhas, picadas, distritos, colônias), mas que para o
planejamento das ações de extensão rural muitas vezes é demasiado grande e
heterogênea sendo mais interessante como unidades básicas de planejamento os
grupos de interesse (grupos de mulheres, associações, cooperativas, grupos de
143
máquinas) porque isso permitiria que a avaliação e o planejamento fossem mais
focados nos interesses desses grupos.
A inclusão de outras unidades de planejamento como cooperativas,
associações, grupos de interesse poderia complementar a organização do
assentamento e aumentar a participação e a representatividade das discussões na
medida em que se vincula às formas organizativas reais da vida dos assentados,
pois a “comunidade-assentamento” pode não ser a ideal ou ser ampla demais para
que bons diálogos sejam estabelecidos. No entanto, poucas experiências nesse
sentido estão em curso. Pode-se citar os planejamentos regionais dos grupos
gestores (arroz, horta, piscicultura) que abrangem principalmente os assentamentos
da região metropolitana de Porto Alegre e que estão contratualmente alocados em
três diferentes NOs (Nova Santa Rita, Eldorado do Sul e Viamão) e o planejamento
voltado às cooperativas Coopava (NO Piratini) e Terra Nova (NO Canguçu).
Essas propostas de trabalho são construídas no interior dessas organizações
e inseridas no planejamento regional da equipe técnica produzindo, segundo relatos
dos técnicos, uma capacidade de atuação muito mais focada nas demandas desses
grupos. Em contrapartida, é importante recordar que muitas famílias não participam
de organizações dessa natureza e a concentração de ações nesses grupos pode
levar a um processo de exclusão dos demais, crítica realizada ao LUMIAR
anteriormente.
Em relação ao CE de ATES, em face das posições de que as coordenações
das prestadoras não representam seus técnicos e da leitura de alguns membros do
CE de que algumas discussões que impactam a execução das prestadoras só
seriam discutidas com maior presença dos assentados foi proposto e encaminhado
a construção de um CE Ampliado, sendo discutida data, composição e encaminhada
sua previsão no Contrato 2016 da ATES, no entanto, nada foi feito e a ideia do CE
Ampliado não saiu do papel. Por quê?
Para Dias (2004), na medida em que se instalam movimentos favoráveis à
descentralização administrativa, na contramão iniciam-se reações que buscam
restabelecer a coordenação ou a centralização das decisões. Fato similar é relatado
por Putnam (2006), que ao estudar os arranjos institucionais na Itália assinala que
os modelos institucionais tendem a se autorreforçar mesmo quando são socialmente
ineficientes porque é mais fácil aos indivíduos adaptar-se às regras em vigência do
que alterá-las. Essa característica dos sistemas sociais é chamada por Putnam
144
(2006, p. 188) como “subordinação à trajetória”, ou seja, é mais fácil e cômodo
seguir reunindo apenas o assentamento, ouvindo apenas o INCRA (no CR),
sentando apenas entre pares que já se conhecem (CE) do que ter que reunir o
assentamento e os grupos de interesse, mobilizar regionalmente e ter que ajustar a
pauta das reuniões e, talvez, sair com mais tarefas da reunião e, no caso do CE, ter
que mediar e negociar as definições sobre o Programa com mais agentes e que,
talvez, não tenham a mesma perspectiva dos atuais.
Especialmente no CE avalia-se que o não encaminhamento da realização do
CE Ampliado pode estar muito vinculado ao atual desenho institucional do conselho:
atualmente o CE é uma reunião de executores, com diferentes papeis, mas cuja
preocupação é a condução do Programa. Ainda que, como argumenta Habermas,
nessa esfera pública se utilize argumentações racionais em busca de uma
qualificação do Programa, é necessário considerar que muitas colocações são
permeadas pela realidade – e racionalidade - da sua condição de executores do
Programa e, nesse sentido, a manutenção do CE no seu atual formato é a melhor
opção.
Sobre essa questão, ao analisar a proposta de participação social do
Programa de ATES, Dias (2004) já alertava que
[...] se a intenção é fomentar processos participativos de gestão da política de extensão rural (aqui denominada de ATES) aos agricultores assentados, há de se partir do diagnóstico e da compreensão do campo de disputas em que essa proposta está inserida [...] No quadro atual, não há indícios que apontem mudanças institucionais no Incra que possibilitem, ao contrário do que ocorreu com o LUMIAR, uma melhor internalização do serviço de ATES na dinâmica cotidiana de suas ações (DIAS, 2004, p. 532).
O diagnóstico de Dias foi acertado se for considerado o fato de que até hoje o
Fórum Nacional de ATES não reuniu e a grande maioria das SRs não constituiu os
Fóruns Estaduais de ATES.
Outro elemento relevante é o da resistência à participação por parte das
organizações populares. Segundo Silva (2006b, p. 174),
a reprodução de estruturas e dinâmicas políticas hierárquicas e personalistas não ocorre apenas pela ação das elites políticas e econômicas, mas também envolve segmentos significativos da sociedade civil [...] importante parcela das organizações sociais participou e participa ativamente de relações de clientelismo e subordinação aos agentes políticos dominantes, colocando-se como um dos obstáculos à introdução de inovações institucionais de caráter democrático. Ao contrário, tais
145
inovações tendem a ser vistas como ameaças à reprodução de um campo de relações políticas tradicionais, através do qual essas lideranças sociais se constituíram e atuam, sendo, por isto, objeto de crítica e oposição.
Nesse sentido, Silva (2006b) afirma que para discutir as possibilidades de
realização de mudanças institucionais deve-se considerar essa carga histórica. Esse
também é o sentido da argumentação de Palmeira e Heredia (2010) que afirmam
que a política local é permeada de relações sociais que, do ponto de vista do poder
local, paradoxalmente, podem acabar incrementando as desigualdades se não se for
capaz de criar dispositivos de participação que permitam questionar as formas de
dominação, clientelismo e patrimonialismo que historicamente caracterizaram a
política local.
Esses são elementos – subordinação à trajetória, limites institucionais,
dominação e clientelismo – que podem ajudar a compreender porque, nos diferentes
níveis, a proposição de ampliação da participação não avança e o Programa de
ATES continua qualificando sua estrutura de execução a partir de uma esfera de
executores.
6.3.2 O contexto e o ambiente institucional
É fundamental não isolar a esfera pública do contexto social institucional em
que ela está inserida. No caso da esfera pública da ATES ela é diretamente
influenciada pelas instituições e pelas políticas a ela relacionadas.
A PNATER, por exemplo, propõe e provoca um ambiente de maior
participação (com sua orientação às metodologias participativas e a realização das
Conferências de ATER), pois ela é uma de suas premissas fundamentais e, muito
possivelmente por isso, os fóruns nacionais e estaduais de ATES tenham sido
incluídos na estrutura do Programa de ATES. Por outro lado, a falta de viabilização
dos espaços e a não consideração das prioridades e encaminhamentos sugeridos
pelas Conferências de ATER, apenas para citar um exemplo, também pode ter
influenciado o INCRA a nunca mobilizar o Fórum Nacional de ATES.
Recentemente criada, a ANATER também comporá esse ambiente
institucional e irá afetar a dinâmica da ATES. Ainda que não se possam afirmar
muitas coisas até o momento, os primeiros indicativos da Agência não permitem
pensamentos muito otimistas em relação ao futuro da participação social na
146
definição da política de ER, pois a mesma prevê um enxuto conselho diretivo e não
faz referências às Conferências de ATER e nem a participação dos agricultores na
definição do conteúdo da ação extensionista, ao contrário, apresenta claras
referências à retomada dos métodos difusionistas de ER.
A dinâmica geral do INCRA também afeta sobremaneira a participação na
ATES. Marcado no último período por muita instabilidade e incerteza quanto a sua
orientação política, devido às constantes trocas de ministros do MDA e de
presidentes do INCRA e, principalmente, por uma profunda crise financeira que faz
com que os pagamentos da ATES – assim como de outras obrigações do INCRA -
sofram recorrentes atrasos.
Os constantes problemas financeiros do INCRA que resultam em atrasos nos
pagamentos também interferem profundamente na dinâmica da participação de duas
formas: a primeira interferindo na realização dos espaços de diálogo o que se
percebe na oscilação das reuniões do CE e no cancelamento das rodadas de CRs, a
segunda, porque a maior parte da discussão das reuniões (que já seria ocupada
pela execução do Programa) discute o atraso de pagamentos, a renegociação de
prazos, o redimensionamento de ações que são questões importantes porque visam
garantir a melhor condução possível do Programa, mas esse é um tempo e uma
atenção que poderia estar sendo destinada a qualificação real do Programa e não a
“remendos”. Essas constantes dúvidas influenciam negativamente a participação
porque os demais agentes não sabem qual será a postura do INCRA frente às
questões, bem como sobre sua capacidade de honrar os compromissos assumidos.
Por outro lado, falando especificamente do INCRA do RS, a postura pró-
participação esteve presente desde o princípio na postura dos gestores do INCRA,
que não interpretaram a descentralização da política de extensão proposta pela
PNATER como uma mera descentralização da execução dos serviços e isso foi um
elemento fundamental para o envolvimento de todos os atores do Programa.
O mesmo envolvimento pôde ser identificado nas entidades prestadoras, na
UFSM, nas organizações das famílias e nas próprias famílias que aceitaram e
assumiram participar como protagonistas na definição dos rumos da política de
ATES.
Almeida e Lüchmann (2008) afirmam que nos conselhos, em parte, o poder
público goza de vantagem em relação à diversidade de organizações e
representações oriundas da sociedade civil, pois necessitaria de menos esforço para
147
obter unidade de ação no interior de um conselho. No entanto, muitos gestores
públicos indicados não tem vontade de participar (porque não acreditam na
participação como algo importante) ou não tem poder de decisão (não ocupam
cargos decisórios o que faz com que participem dos espaços na condição de
ouvintes), o que compromete muito sua atuação qualificada e construtiva nesses
espaços. Essa situação não pôde ser identificada no CE ATES, mas sim nas
representações que o INCRA envia aos Conselhos Regionais de ATES.
6.3.3 A inclusão e a representatividade
Uma parte da discussão desse tópico foi realizada no item 6.3.1 e diz respeito
à inclusão nos espaços de participação de outras organizações e instituições,
visando incrementar a representatividade através da participação de grupos que
tenham real influência na dinâmica dos assentamentos.
Em relação à participação em curso, vale separar as esferas existentes. No
CE participam lideranças, coordenadores de Prestadoras, coordenadores de
projetos e de setores governamentais, com formação superior e experiência como
dirigentes de suas organizações/instituições. Em relação à formação, a exceção é a
representação da COCEARGS, no entanto, são dirigentes de uma das maiores e
mais importantes cooperativas de assentados do Brasil e tem muita experiência de
participação em reuniões, talvez, inclusive, sejam os mais habituados a esse
ambiente de discussão e negociação.
A rotatividade de representantes é baixa, muitos sendo os mesmos desde as
primeiras reuniões, o que estabelece uma continuidade para a discussão e há uma
total hegemonia masculina, sendo a participação de mulheres bastante esporádica e
muitas vezes, em condição expectadora.
A proposição de incremento da participação de representações das famílias
assentadas através da constituição de um CE Ampliado com participação de
organizações das famílias e de representantes dos CRs foi aprovada, porém, não foi
implantada pelo CE. Um argumento que ajuda a compreender esse fato é
apresentado por Almeida e Lüchmann (2008), para quem existe a reprodução de um
“elitismo associativista” e que são raros os mecanismos que preveem a incorporação
e ampliação da participação para um conjunto mais amplo de atores e setores
sociais. Outro elemento é dado por Souza (2012), que aponta a limitação da
148
participação como resultado de um “cerceamento organizacional”, um mecanismo de
operação de poder que manipula a estrutura para evitar que alguns participem,
concentrando assim o poder decisório.
O caso dos Conselhos Regionais (e das reuniões nos assentamentos), por
outro lado, corroboram o que a quase totalidade (se não a totalidade) dos autores
que discutem a participação social nas políticas públicas afirmam sobre a
possibilidade de fóruns participativos auxiliarem na democratização das instituições
brasileiras, dando voz a setores tradicionalmente excluídos. Esse é o caso dos
espaços de participação do Programa de ATES que permitiram que assentamentos
que nunca tinham participado de nada, pudessem se expressar. Até o momento, a
participação das famílias assentadas dá-se por representação dos assentamentos
através de um homem e uma mulher (ou dois caso o assentamento tenha mais de
100 famílias) e, como já colocado, apesar de já ter sido discutido e possibilitado que
a representação seja realizada também por grupos de interesse, cooperativas, essa
forma de representação não foi adotada em nenhum CR e em poucos existe uma
participação mais efetiva dessas organizações nas reuniões.
Para ilustrar a dimensão da participação nos CRs, a primeira rodada de
reuniões de 2013 mobilizou 670 conselheiros, a segunda reunião de 2013 envolveu
416 e a primeira rodada de 2014 mobilizou 743 conselheiros (SAMA, 2013; 2014), o
que corresponde a 6,8% das aproximadamente 11.000 famílias do Programa de
ATES. A Tabela 2 apresenta os dados numéricos da participação por NO.
A análise da tabela mostra que o segundo CR de 2013 apresentou uma
queda na participação, que foi recuperada no primeiro CR de 2014.
149
Tabela 2 – Número de conselheiros que participaram dos CRs de 2013 e do primeiro CR de 2014.
NO 1º CR – 2013 2º CR – 2013 1º CR – 2014
Um 32 29 31
Dois NÃO TEVE 17 26
Três 36 17 20
Quatro 27 14 15
Cinco 34 18 34
Seis 25 10 29
Sete 16 13 17
Oito 17 20 23
Nove 60 37 72
Dez 30 16 31
Onze 55 43 56
Doze 31 NÃO TEVE 51
Treze 52 48 48
Quatorze 42 27 52
Quinze 48 40 47
Dezesseis 69 NÃO TEVE 57
Dezessete 28 25 39
Dezoito 42 24 38
Dezenove 26 NÃO TEVE 39
Vinte NÃO TEVE 18 18
Fonte: Elaborado a partir de dados do SAMA (2013; 2014).
Já a Tabela 3 apresenta o número de conselheiros que participaram da
oficina de capacitação de conselheiros em 2015, divididos por NO e por sexo.
Os dados referem-se a 18 dos 20 NOs, porque os relatos de dois NOs não
permitiram essa tabulação. Participaram da capacitação 329 assentados55 sendo,
em média, 32,8% mulheres e 67,2% homens, quando pela normatividade vigente
deveriam ser 50% de cada. Aproximou-se dessa proporção apenas um CR,
enquanto cinco tiveram menos de 25% de mulheres e destes, um se destaca porque
praticamente não participaram mulheres (6,7%). Esse dado também pode ser
percebido analisando-se as fotos dos conselhos regionais apresentadas ao longo do
55
A oscilação do número de participantes está relacionada com o tamanho dos NOs que tem de 9 até 30 assentamentos.
150
capítulo anterior, onde também se identifica que poucos jovens tem a oportunidade
de representar seu assentamento nos CRs.
Tabela 3 – Número por sexo dos conselheiros que participaram da capacitação dos conselheiros de ATES em 2015.
NO Participantes % mulheres % homens
A 29 48,3% 51,7%
B 18 44,4% 55,6%
C 16 43,8% 56,3%
D 7 42,9% 57,1%
E 22 40,9% 59,1%
F 24 37,5% 62,5%
G 16 37,5% 62,5%
H 11 36,4% 63,6%
I 12 33,3% 66,7%
J 9 33,3% 66,7%
K 40 32,5% 67,5%
L 14 28,6% 71,4%
M 23 26,1% 73,9%
N 24 25,0% 75,0%
O 22 22,7% 77,3%
P 18 22,2% 77,8%
Q 9 22,2% 77,8%
R 15 6,7% 93,3%
Fonte: Elaborado a partir do relato da capacitação (ATP, 2016).
Segundo Niederle (2014), há dificuldade de mulheres e jovens participarem,
mas não só esses, como também negros, homossexuais e quaisquer tipos de
minorias, sendo uma realidade e tornando-se necessária uma luta constante para o
reconhecimento dessa diversidade sociocultural, onde apenas prever o espaço, o
lugar na cadeira não basta para que a participação se efetive.
O Programa de ATES reservou o espaço (seja buscando a paridade na
representação dos assentamentos, seja legitimando a representação dos grupos de
mulheres, por exemplo), mas como se vê, isso não bastou e é preciso pensar outras
formas para garantir que a diversidade e os públicos minoritários se façam presentes
e representados, em consonância com as ideias de Fraser (1997).
151
Além disso, Almeida e Lüchmann (2008) fazem referência à questão dos
custos financeiros da participação, já que na maioria dos casos a participação é
voluntária, limitando as possibilidades de participação de setores mais empobrecidos
da sociedade. Essa é uma questão que o Programa de ATES RS tentou resolver ou
ao menos minimizar com o custeio das despesas para participação (deslocamento e
alimentação) e com a instituição de pagamento de diárias para conselheiros dos
assentamentos.
Já as reuniões de avaliação e planejamento são, por excelência, o espaço de
participação direta de todas as famílias assentadas na discussão sobre a política de
extensão para assentamentos e na definição das prioridades de suas comunidades.
As reuniões não foram o foco do trabalho porque relatos apontam uma diversidade
enorme de formatos, discussões, métodos, mas foi possível dimensionar a
participação desses espaços através do SAMA. De acordo com esses dados, a
segunda rodada das reuniões de avaliação de 2013 reuniu 3.960 pessoas (SAMA,
2013) e a primeira rodada de reuniões de 2014 reuniu 3.841 pessoas (SAMA, 2014),
aproximadamente 12,4% das 30.878 pessoas que compunham a população dos
assentamentos56 naquele período (SIGRA, 2013). A Tabela 4 apresenta a
distribuição da participação nas reuniões por NO.
A oscilação de participação nas reuniões nos NOs foi pequena na maioria dos
núcleos, sendo mais representativa em cinco: incremento de 50%, 43% e 38% nos
NOs CC, FF e MM, respectivamente, e redução de 31% nos núcleos GG e RR, e a
compensação entre eles fez com o que o dado geral quase não se alterasse.
Estudos que analisam a participação social em políticas públicas no Brasil
(CUNHA, 2009; DAGNINO, 2004; ROVER; MUSSOI, 2011; ALMEIDA; LÜCHMANN,
2008; TOBAR, 1991; MILANI, 2008), apontam que, na maioria dos casos, a
participação dos beneficiários das políticas públicas é bastante reduzida, resumindo-
se a sua representação em conselhos distantes de sua realidade ou a espaços de
validação das políticas em curso. Observando-se os números da participação no
Programa de ATES do RS, o argumento da participação reduzida perde, em primeira
instância, alguma força.
56
Aqui não foi feita uma proporção em relação ao número de famílias assentadas porque mais de uma pessoa da mesma família pode ter participado dessas reuniões (e deveria). Desta forma, relacionar o número de participantes ao número de famílias pode ser uma ilustração da dimensão numérica da participação, mas, nesse caso, tem muitas chances de ser uma aproximação equivocada. Por isso a referência à população total dos assentamentos, mesmo sabendo que nesse universo há crianças em idade pré-escolar, o que também leva a uma equívoco.
152
Tabela 4 – Número de conselheiros que participaram dos CRs de 2013 e do primeiro CR de 2014.
NO 2º CR – 2013 1º CR – 2014
AA 185 175
BB 162 143
CC 65 98
DD 129 105
EE 136 119
FF 95 136
GG 204 140
HH 193 222
II 507 457
JJ 147 172
KK 263 216
LL 267 243
MM 248 343
NN 181 149
OO 193 194
PP 263 225
QQ 211 183
RR 283 196
SS 228 223
TT NÃO TEVE 102
Fonte: Elaborado a partir de dados do SAMA (2013; 2014).
Cabe considerar também que nem todos podem querem participar, o que
Souza (2012) denomina de “evitação”, pois participar significa, em certa medida,
comprometer-se e legitimar as decisões tomadas e nem todos podem estar
dispostos para tal, seja por não querer tomar parte nas responsabilidades advindas
das decisões, seja por não querer legitimar o processo que levou a essas decisões.
Também há que se considerar o apontado por Neumann, Dalbianco e Zarnott (2015)
de que para algumas organizações a relação com o Estado se dá diretamente com
os órgãos executivos dos programas (ministérios, secretarias, etc.), dispensando a
mediação e o diálogo proporcionados por instâncias de participação, como os
conselhos, comissões, câmaras, colegiados, etc..
Outro elemento importante refere-se ao fato de que as pessoas não possuem
um histórico de participação política efetiva, o que pode estar relacionado com o
153
histórico de opressão política local, apontado por Palmeira e Heredia (2010), e é
opinião de um entrevistado, que avalia que no Brasil as pessoas não participam das
decisões, não possuem ímpeto de participar, não opinam na política, mas que deve-
se insistir, seguir tentando, porque além da mudança nas políticas, a participação
tem um caráter pedagógico, pois é um processo de aprendizagem. No entanto, esse
é um processo que precisa ser animado, estimulado, monitorado e os técnicos – que
seriam os que tem mais possibilidade – não fazem isso, mas alguém tem que fazer
(E2 - Prestadora).
6.3.4 O processo de deliberação
Nesse tópico serão problematizadas cinco questões: como se dá a condução
da esfera pública (quem coordena)? o que é discutido (temas tratados)? qual a
dinâmica da discussão (método)? como se dá a deliberação (como se encaminha as
questões)? e como se dá o processo de monitoramento da execução das
deliberações?
A coordenação da reunião do CE está a cargo do INCRA, na figura do
Coordenador Estadual do Programa de ATES (acompanhado algumas vezes pela
equipe que atua na ATES), e não constam nos relatos discussões visando modificar
essa questão. O Superintendente do INCRA participou pouco das reuniões, assim
como os demais setores do INCRA que participavam quando tinham demandas para
o Programa de ATES, caso contrário, não participavam.
No CE são discutidos todos os temas associados diretamente ao Programa
de ATES (contrato, metas, execução, ferramentas para qualificação, etc.) e temas
que se relacionam com a ação extensionista (projetos, créditos, dívidas, etc.). Em
relação ao Programa a pauta “ordinária” é definida pelo transcurso das ações do
mesmo (ao aproximar-se o final de um ano, discute-se o final da execução em curso,
a composição do contrato seguinte, as reuniões de avaliação e CRs) e nesse
processo de argumentação são identificadas novas demandas de trabalho
(temáticas e novas ferramentas para o trabalho, por exemplo). Complementa a
pauta as questões extraordinárias derivadas, basicamente, de políticas para os
assentamentos que demandam o envolvimento da ATES.
A dinâmica da discussão reflete nas possibilidades de fala e nesse quesito
pode-se afirmar que não há maiores constrangimentos, inclusive porque todos são
154
dotados de “poder” para tal, mas existem, claro, diferentes níveis e tipos de poder
utilizados para sustentação e legitimação das posições, o que Lubenow (2010)
denominou de diferenças na “autoridade epistemológica” da fala. Demonstrando
essa diferença, o INCRA, por exemplo, utiliza-se da sua posição institucional de
contratante e representante estatal, a COPTEC do peso da relação com o MST e a
UFSM do reconhecimento do valor do conhecimento e da expertise sobre a ER.
No caso do CE, as reuniões não ocorrem sem conflito, mas destaca-se o fato
de que a discussão prima pelo encaminhamento consensual ou, pelo menos, de
uma maioria obtida pela força do argumento, não sendo relatado nenhum caso de
votação para obter-se encaminhamentos. Em relação a essa questão, percebe-se
uma mudança no CE, pois em que pese ele possa ter sido criado com o intuito de
colher sugestões ou ser um espaço para repasse de informações ele rapidamente
se tornou um espaço de discussão, construção e deliberação de muitas questões
sobre o Programa de ATES.
Por outro lado, existe uma falta de centralização dos agentes em relação às
deliberações e de um sistema de cobrança para tal, pois em muitas ocasiões os
encaminhamentos não foram executados ou encaminhados parcialmente sem que a
discussão sobre as razões disso fossem levadas a cabo. Essa possibilidade de ação
e pensamento próprio traz a tona repetidamente discussões já realizadas, como por
exemplo, a discussão sobre o papel de cada agente no Programa.
No caso dos CRs, a direção das reuniões é realizada, na maioria dos casos,
por um grupo composto pelo INCRA, equipe técnica e ATP, não sendo relatado caso
de CR que tenha sido coordenado por um assentado, nem reunião do CR que tenha
ocorrido sem a presença do INCRA, denotando um espaço com profunda
dependência institucional.
A discussão dos CRs possui uma divisão, da forma como construída até o
momento, bastante clara. Em um momento são discutidas a avaliação da ATES e a
proposta de atuação da mesma para o contrato seguinte. Noutro momento, são
confrontadas as demandas dos assentamentos e as políticas do INCRA, DDA e
instituições e organizações locais, essas mais presente em alguns CRs do que em
outros. Essa, no entanto, não é uma peculiaridade da ATES. Rover e Mussoi (2011)
apontam que os principais limites da experiência de construção de Secretarias de
Desenvolvimento Regional em Santa Catarina e referem-se a pouca diversidade de
representação dos grupos e organizações de cada região nos Comitês de
155
Desenvolvimento Regional e Comitês Temáticos e sua ação, bastante limitada à
atenção a demandas avulsas, não conseguindo construir uma estratégia coletiva
para o desenvolvimento regional.
Bonnal et al. (2007) reforçam a necessidade de incrementar o tecido social
envolvido nos espaços de discussão visando ampliar a participação e, para os
autores, isto só ocorrerá na medida em que se dotem estes espaços de discussão
(como os conselhos, por exemplo) de responsabilidade decisional e de meios
financeiros para implementar as decisões tomadas, o que estimularia também uma
maior organização da sociedade.
Para discussão, a estrutura da reunião é pensada visando torná-la um espaço
de problematização e construção do Programa de ATES e um momento de
articulação e discussão de estratégias regionais de desenvolvimento dos
assentamentos. Para a discussão da ATES, alguns CRs têm buscado a construção
ou utilização de ferramentas participativas visando, dessa forma, democratizar o
acesso à palavra e reduzir desigualdades de poder no interior do Conselho.
O momento da avaliação da ATES é o mais participativo, pois oportunizada a
fala a todos os presentes e alguns CRs construíram formas mais participativas como
o trabalho em grupos ou mesmo outras dinâmicas que visam envolver e ouvir os
presentes. Com relação ao debate dos planejamentos já se reduz o leque de
experiências que, de fato, envolvem os conselheiros no debate e deliberam
prioridades e mudanças a partir desse debate, pode-se afirmar genericamente que o
momento da discussão dos planejamentos ainda é mais de validação do que de
construção efetiva, como mostra um relato inserido por uma equipe técnica no
SAMA, em que a mesma afirma que “foi realizada reunião do Conselho Regional de
ATES com a participação de conselheiros de cinco assentamentos e representantes
das entidades envolvidas no Contrato de ATES. Foi apresentado o planejamento
para o ano de 2014 a ser executado pelo Núcleo local” (SAMA, 2014). Rover e
Mussoi (2011) afirmam que historicamente os conselhos e fóruns têm sido órgãos de
legitimação de políticas previamente decididas no campo político e/ou técnico.
Tobar (1991) ressalva que a constituição de fóruns e conselhos de gestão
pode ser considerada uma descentralização, no entanto, não significa
necessariamente uma redistribuição do poder na perspectiva de uma transferência
na alocação das decisões para o nível local. Para o autor, o que se percebe é a
156
persistência de um espaço de poder centralizado onde a força dos lugares, dos
espaços locais, tem ressonância pouco expressiva.
O mesmo não pode ser afirmado quando da discussão do desenvolvimento
regional, onde os representantes dos assentamentos são, praticamente,
expectadores. Nesse ponto, em que se poderia discutir efetivamente a situação dos
assentamentos os espaços são, de novo, de forma geral, informativos através de
apresentações do INCRA, DDA e organizações locais e de reivindicação onde os
conselheiros apresentam as demandas dos assentamentos para essa
organizações/instituições presentes. Em alguns casos esse tipo de diálogo produziu
encaminhamentos, compromissos, mas não através de uma discussão efetivo, mas
como resposta a uma demanda.
Já em relação a ATES, os CRs respondem pela avaliação do trabalho
realizado e recomendação da renovação, ou não, do contrato da prestadora, bem
como da discussão, priorização e legitimação do planejamento do contrato seguinte.
Esses temas exigem uma boa dinâmica para que sejam efetivamente discutidos,
mas isso ocorre em poucos casos, sendo que na maioria esse é um tema conduzido
pela equipe técnica, cabendo aos conselheiros à validação do que é apresentado,
principalmente em relação ao planejamento.
Rover e Mussoi (2011) apontam a necessidade de qualificação dos gestores
públicos (do topo até a base) e dos beneficiários, ou seja, a necessidade de
capacitações, de incremento do capital educacional, opinião compartilhada por
Souza (2012) e Almeida e Lüchmann (2008), que apontam essa diferença de capital
cultural e/ou educacional como fonte e mecanismos de poder. Corroborando esses
diagnósticos, são realizados os Encontros de Técnicos (como um espaço de
formação do Programa, ainda que a gestão social não tenha sido tema específico de
nenhum encontro) e foi iniciado o processo de formação dos conselheiros de ATES,
ainda de forma incipiente.
Por sua parte, as reuniões de avaliação adquiriram relevância para o
Programa de ATES na medida em que a renovação dos contratos das equipes foi
vinculada a avaliação dos assentamentos no CR e foi potencializada com a
proposição de planejamentos regionais para a ação de ATES, sendo esses os
assuntos principais das reuniões. Complementam a pauta a discussão das
demandas que serão apresentadas nos CRs.
157
Pelos relatos, na grande maioria das reuniões já realizadas, a condução é
realizada pelas equipes técnica. No entanto, a capacitação dos conselheiros de
ATES visou formar e permitir aos conselheiros conduzirem as avaliações, reduzindo
a influência que as equipes porventura poderiam ter no processo de avaliação de
seu trabalho57. Uma avaliação mais qualificada e precisa dos resultados desse
processo ainda precisa ser realizada.
A dinâmica da discussão nos assentamentos toma os formatos mais variados,
mas a capacitação também construiu uma orientação que normatiza a discussão.
Quanto às deliberações, as reuniões avaliam a permanência da prestadora e
definem o planejamento regional para o contrato seguinte. Cabe lembrar que o
Programa de ATES, por sua natureza, exige um processo de mediação e diálogo
muito maior do que outros formatos de ER. Isso foi apontado pelos representantes
das três prestadoras, que afirmam que em outros projetos, outras chamadas o
escopo da ação estava mais delimitado (ex.: ATER Mulher, ATER Agroecologia,
Chamada do leite)58 ou o trabalho era realizado com o público que se identificava
com a proposta apresentada pela entidade/organização de ATER, caso das ONGs
agroecologistas, que possuem um objeto definido e atuam com públicos
identificados ou buscam identificar novos públicos. O Programa de ATES, ao
contrário, é voltado para uma comunidade (com todas as suas peculiaridades e
diferenças internas) e deve atuar com a diversidade nela presente, mediada pelos
princípios da PNATER, de forma que a necessidade de mediação e diálogo é muito
mais intensa (E1 - Prestadora, E2 - Prestadora, E3 - Prestadora).
Por fim, em relação à ação “pós-discussão”, Milani (2008) aponta
corretamente que não há nada mais desgastante para a participação do que, após
uma série de debates, não ocorrer a implementação das decisões tomadas nos
fóruns de debate. Infelizmente, em momentos isso aconteceu no âmbito do
Programa de ATES, assim como em outros os encaminhamentos foram realizados,
ao que seguimos para o último item de análise, os resultados produzidos.
57
A participação dos técnicos na avaliação não seria problemática, pelo contrário, seria benéfica se realizada com uma postura de autocrítica, de absorção e reflexão sobre as avaliações, mas não é esse o tipo de postura mais recorrente e por isso a busca por uma avaliação mais autônoma das famílias assentadas. 58
Além de que, na maioria das chamadas pública, não são previstos espaços de concertação social.
158
6.3.5 Os resultados produzidos
A análise sobre os resultados produzidos recairá, resumidamente, sobre duas
questões: as mudanças produzidas no Programa e as mudanças para as famílias
assentadas.
O processo de participação, iniciado em 2009 junto com os Contratos de
ATES, produziu inúmeras mudanças no Programa de ATES. As mais importantes
que se pode destacar nesse momento são: a) a participação não se “rendeu” aos
imperativos burocráticos e normativos e construiu alterações inicialmente tidas como
não possíveis no Programa como a flexibilização das metas em 2009, a adaptação
do roteiro dos PDAs/PRAs e a inclusão da capacitação dos técnicos nas metas de
ATES; b) a participação identifica, formula e encaminha demandas concretas
(necessidade de adequar o trabalho as realidades locais, necessidade de
informação sobre as famílias, necessidade de informações sobre a renda das
famílias assentadas, necessidade de divulgação das experiências agroecológicas,
importância de apoiar financeiramente os conselheiros de ATES, para as quais o
Programa precisa construir respostas (planejamentos e contratos regionalizados,
SIGRA, RUOP, sistematizações de experiências); c) a formulação e elaboração
colaborativa dos principais instrumentos de trabalho e gestão do Programa; e, d) a
resolução de alguns problemas estruturais de âmbito local, regional ou estadual.
O processo iniciado de formação dos conselheiros produziu, na opinião das
prestadoras, um melhor diálogo entre conselheiros, técnicos e famílias, o que vem
qualificando a participação das famílias nos espaços nos assentamentos e do
conselheiro no assentamento e no CR. Quanto aos técnicos, tem encontrado um
suporte para a mobilização e o desenvolvimento das ações nos assentamentos (E1 -
Prestadora, E2 - Prestadora) e um entrevistado avalia que “as equipes deveriam se
aproximar mais ainda dos conselheiros” porque isso, com certeza, produz resultados
positivos para o trabalho das equipes (E2 - Prestadora).
Para as famílias, os resultados produzidos são de duas naturezas: para os
assentados que participam diretamente dos espaços, especialmente os
Conselheiros de ATES o Programa têm propiciado formação e informação. Para as
demais famílias, a participação propiciou um Programa de ATES voltado às
demandas locais e espaços de encontro em que se mobilizaram e rearticularam
local e regionalmente (através de reuniões, seminários, encontros) as famílias
159
assentadas, melhorando a sua organização social e política. Esse processo de
rearticulação ocorreu principalmente onde a organização do MST estava mais
fragilizada.
Os técnicos, depois de um período de resistência e revolta com a imposição
das atividades no início dos contratos (“os empregados do INCRA”), envolveram-se
e se corresponsabilizaram – uns mais do que outros, é claro – com a construção do
Programa, mas é fato que existe espaço para a opinião e as ideias dos técnicos na
condução do Programa.
Além disso, também produziu resultados para o INCRA. De forma direta,
aproximou a instituição das famílias assentadas e indiretamente, as ferramentas do
Programa (SIGRA, RUOP e as próprias equipes) tem auxiliado o INCRA na
identificação de demandas, definição de prioridades e monitoramento de resultados.
A participação social também trouxe benefícios para a Universidade. A
participação nos espaços públicos do Programa de ATES aproximou a UFSM,
especificamente, da realidade da reforma agrária e permitiu a troca de saberes, o
envolvimento da mesma com a reforma agrária, através de pesquisas e projetos de
extensão, forneceu o campo para a realização de estágios e pesquisas, etc..
Por fim, como apontam Zarnott et al. (2015), o desafio em relação às
instâncias de gestão social é torná-las cada vez mais ativas na definição dos rumos
das ações de desenvolvimento dos assentamentos e no controle e gestão do
Programa de ATES. Nesse sentido, ampliar a participação das famílias pode ser o
caminho, tirando a prerrogativa das deliberações das mãos dos executores do
Programa.
6.3.6 Perspectivas: A ANATER e o futuro do pluralismo e da participação na política pública de Extensão Rural
A ANATER foi criada pela Lei 12.897 de 18/12/2013 e através do Decreto
8.252 de 26/05/2014 foi instituída e foram definidas suas competências, público,
órgãos de direção (com sua composição e atribuições) e estrutura operacional
(BRASIL, 2014).
Sua criação foi proposta como forma de aperfeiçoar a dinâmica organizativa
da PNATER, promovendo maior agilidade nos processos de contratação das
entidades de extensão rural, constituindo um sistema articulado de capacitação
160
técnica e instituindo-se como unidade responsável pelo monitoramento e
acompanhamento dos serviços prestados aos agricultores.
Os órgãos de direção da ANATER são a Diretoria Executiva, o Conselho
Administrativo e o Conselho Fiscal. A Diretoria Executiva é composta pelo
Presidente, o MDA e mais três Diretorias: a Diretoria Administrativa, a Diretoria de
ATER e a Diretoria de Transferência de Tecnologia (chefiada pelo Diretor de
Transferência de Tecnologia da Embrapa).
O Conselho Administrativo é composto por 11 membros sendo: o Ministro do
MDA e Presidente da ANATER; o Presidente da Embrapa; representantes dos
Ministérios da Agricultura (MAPA), Planejamento (MPOG) e Pesca e Aquicultura
(MPA); representante de governos estaduais; e, pela sociedade civil, representantes
da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Federação
dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Fetraf), Confederação
da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e Organização das Cooperativas
Brasileiras (OCB).
Já o Conselho Fiscal da ANATER será composto por três membros, dois
governamentais - um oriundo do MPOG e um do Ministério da Fazenda (MF) – e um
da sociedade civil, sendo que este será escolhido e nomeado pelo Ministro do
MDA/Presidente da ANATER.
Além da estrutura diretiva, está previsto um Conselho Assessor Nacional de
cunho propositivo, não deliberativo, e cujas contribuições deverão ser submetidas à
Diretoria Executiva. O Conselho Assessor Nacional será composto pelos seguintes
órgãos, entidades públicas e privadas e representantes da sociedade civil: MDA,
MF, MAPA, Ministério da Educação (ME), MDS, MPOG, Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação (MCTI), Ministério do Meio Ambiente (MMA), MPA, Embrapa,
Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC), INCRA, Banco do
Brasil (BB), Banco do Nordeste do Brasil (BNB), Banco da Amazônia, Associação
Brasileira das Entidades Estaduais de Assistência Técnica e Extensão Rural
(ASBRAER), Associação Nacional dos Órgãos Estaduais de Terra (ANOTER),
Conselho Nacional dos Secretários de Estado de Agricultura (CONSEAGRI),
Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Conselho Nacional dos Institutos
Federais, Fórum Nacional de Pró-reitores de Extensão das Universidades Públicas
Brasileiras, CNA, CONTAG, Conselho Nacional dos Sistemas Estaduais de
Pesquisa Agropecuária (CONSEPA), Federação Nacional dos Trabalhadores da
161
Assistência Técnica e Extensão Rural e do Setor Público Agrícola do Brasil
(FASER), FETRAF, OCB, Câmaras Setoriais vinculadas ao MAPA, União Nacional
das Cooperativas de Agricultura Familiar e Economia Solidária (UNICAFES),
representantes dos Centros Educativos Familiares de Formação por Alternância, dos
assentados da reforma agrária, das comunidades remanescentes de quilombos; das
mulheres rurais, das comunidades indígenas, dos extrativistas e das comunidades
de pescadores artesanais.
Zarnott et al. (2015) sugerem que através desse formato a possibilidade de
participação e controle social da Agência é restrita pois combina três fatores: é um
conselho pouco representativo, não prevê espaços locais e regionais e/ou estaduais
e não tem caráter deliberativo, apenas propositivo. Soma-se a esses argumentos o
fato de que, até o momento, não foi feita referência ao tipo de relação que se
estabelecerá entre a Agência e as Conferências de ATER.
Quanto à orientação dos serviços de ER ela não é claramente definida na Lei
e no Decreto, mas na apresentação de lançamento da Agência (em dezembro de
2013), como mostra a Figura 13, a referência à transferência de tecnologia é
explícita.
Figura 13 – Atribuições da ANATER.
Fonte: BRASIL (2013)
162
Segundo Zarnott et al. (2015), a ANATER reporta-se metodologicamente a
metodologia Treino & Visita (T&V), denotando-se o retorno da via tecnológica e do
foco na transferência de tecnologia típicos do período difusionista como orientação
geral para o serviço de extensão rural. Destarte, para esses autores, o avanço
conquistado pela ER crítica quando da formulação da PNATER como orientação
para a política pública de ER está em xeque.
Dias (2008, p. 112) alertava que
O poder de efetivação da PNATER depende de uma complexa rede de interação, na qual interesses podem confluir para a aceitação ou rejeição das propostas colocadas em cena. É no cotidiano das organizações que trabalham com a ATER que será possível verificar o sentido atribuído à proposta de promoção do desenvolvimento rural com foco na agricultura de base familiar, na agroecologia e na participação política dos envolvidos na gestão da política.
A partir dessa afirmação, Zarnott et al. (2015) asseveram que a análise da
criação da ANATER – e de sua tendência difusionista – não pode ser isolada do
contexto geral relacionado às discussões sobre a agricultura brasileira e ao rural de
forma mais ampla, porque, pelo contrário, ela estaria intimamente relacionada a uma
interpretação da agricultura brasileira para quem a tecnologia é o único caminho
para o desenvolvimento. Essa concepção é materializada, especialmente, nas “Sete
teses sobre o mundo rural brasileiro” de Buainain et al. (2013) e compreende-se que
a via tecnológica defendida pela ANATER se relaciona umbilicalmente com esta
visão de desenvolvimento.
Diferentemente da PNATER de 2004, que se articulou em torno do ideário do
desenvolvimento rural sustentável e da agroecologia, a ANATER teve como
justificativa central de sua criação a transferência tecnológica, apoiada no
diagnóstico (ou na crença) de que o enorme estoque de conhecimentos e
tecnologias gerados pelas instituições de pesquisa (a EMBRAPA, em especial) não
chega a maioria dos agricultores e que o incremento técnico é o único caminho para
o desenvolvimento (ZARNOTT et al., 2015).
No entanto, para o difusionismo não há a necessidade de espaços de
participação e diálogo, propostas de construção do conhecimento, pois não há sobre
o que refletir e sobre o que tomar decisões porque a tecnologia que leva ao
desenvolvimento está dada, cabe aos extensionistas difundi-la e aos agricultores
adaptarem-se e adotá-la.
163
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
“o modelo de governança que pressupõe a participação social é a expressão paradigmática do modo como as ações públicas passam a
integrar e corresponsabilizar Estado e sociedade civil na gestão dos problemas públicos”.
(NIEDERLE; GRISA, 2013, p. 122).
A preocupação que motivou o trabalho questionava o que a experiência da
ATES RS pode aportar para a política pública de extensão no marco dessa geração
de políticas públicas, que tem a cogestão dos executores e beneficiários como um
de seus pilares, bem como o objetivo de analisar quais os resultados produzidos
pela participação social no Programa de ATES, seus acertos e restrições visando
construir uma aprendizagem que permita superar esses limitantes, qualificar o
Programa e subsidiar as discussões sobre a política pública de Extensão Rural.
Nesse momento, concluo que o Programa de ATES possui uma esfera
pública forte e que a participação foi fundamental para que se alcançassem
processos deliberativos e o atual desenho do Programa de ATES, sendo que sem
ela, possivelmente, o Programa de ATES do RS seria igual ou similar aos
desenvolvidos nas demais SRs do INCRA, podendo então, aportar referências para
estes.
As políticas públicas brasileiras passam por um processo de envolvimento do
público beneficiário na sua formulação, operacionalização e cogestão, fruto de um
momento histórico em que as fronteiras entre Estado, sociedade civil, mercado e
indivíduo se encontram nebulosas.
Para Niederle e Grisa (2013), esse processo de corresponsabilização envolve
três aspectos principais: a formação e estabilização de redes heterogêneas de
atores sociais (gestores, agricultores, técnicos, pesquisadores, etc.); a constituição
de espaços públicos onde esses atores confrontam ideias e valores com vistas a
formar novos compromissos; e uma nova institucionalidade que regula as formas
emergentes de relações políticas.
O Programa de ATES RS atende a esses aspectos. Entretanto, cabe lembrar
que os espaços públicos de participação não são instrumentos “mágicos” de
governança, apesar de que, com a efetivação desse novo formato institucional
desafia a impossibilidade da participação politica para além do processo eleitoral
(LÜCHMANN, 2002).
164
Essas novas políticas com seus novos espaços de participação e de gestão
estão operando uma democratização do Estado, através das esferas públicas, da
participação e do pluralismo.
A esfera pública é o espaço em que pessoas privadas se reúnem em um
público para discutir livremente e formular opiniões públicas (HABERMAS, 2014).
Fraser (1997) discorda de Habermas quanto ao papel da EP (formação de opinião e
não deliberação) e quanto as suas possibilidades de igualdade (para Fraser as EP
são atravessadas por relações de poder), mas a categoria de espaço público
permite entender que na construção da democracia o exercício da deliberação, em
condições adequadas, amplia a esfera da política, abre oportunidades de inovação e
permite um tipo de relação entra a sociedade civil, a sociedade política e o Estado
que cria possibilidades antes inexistentes (FRASER, 1997; DAGNINO; OLVERA;
PANFICHI, 2006).
Lüchamn (2002) aponta dois tipos de esfera pública: uma EP geral, aberta,
limitada na influência, que Fraser (1997) denomina de públicos fracos porque
apenas formam opinião; e uma EP regulada, com espaços institucionalizados, que
delibera e, fazendo um paralelo, corresponde ao que Fraser chama de públicos
fortes porque não apenas opinam, mas deliberam.
Fraser também contrapõe a ideia habermasiana de uma EP única. Para a
autora, existem múltiplos públicos compostos por “minorias” que se articulam dentro
de uma esfera mais ampla. A esses públicos, Fraser (1997) denomina contra
públicos subalternos e, a exemplo do movimento feminista que ilustra o pensamento
de Fraser, no âmbito do Programa de ATES um contra público subalterno que tem
se reunido visando construir argumentações e influenciar a EP mais geral são os
técnicos da área social que se reuniram, reivindicaram encontros, elaboraram
documentos, propuseram atividades visando reconhecimento e influência na EP.
Em relação à participação no Programa de ATES, a análise do desenho
institucional aponta que os espaços constituídos produzem a expectativa e a
possibilidade da participação em âmbito local, regional e estadual através das
reuniões nos assentamentos, dos CRs e do CE ATES. Entretanto, aponta também
que é possível avançar mais se na dimensão local se forem envolvidas outras
esferas de planejamento e participação como os grupos de interesse porque a
organização da sociedade é um fator qualitativo determinante, mas infelizmente ela
está frágil (ALMEIDA; LÜCHMANN, 2008), e uma forma de mudar isso é justamente
165
envolvendo outras formas de organização e representação como os grupos de
interesse. Outro elemento importante é considerar as reuniões nos assentamentos
(e/ou com os grupos de interesse) e os conselhos como um dos espaços de controle
social, não o único e que é importante que eles também sejam objeto de controle
democrático e desprivatização tornando efetivamente públicas suas reuniões, seja
pela participação direta ou indireta (RAICHELIS, 2015).
Na dimensão regional, pode-se incrementar a participação e a deliberação se
forem envolvidas entidades e instituições locais/regionais e a discussão for ampliada
para estratégias de desenvolvimento regionais (alguns CRs já fazem isso e os
resultados são interessantes). Na dimensão estadual, a instituição do CE Ampliado,
envolvendo um leque mais ampliado de representantes das famílias assentadas,
também poderia cumprir um papel importante, não apenas por aumentar o número
de representantes, mas por colocar em discussão temas como a qualidade do
serviço prestado, tema este que é, em certa medida, evitado pelas prestadoras de
ATES.
Cabe lembrar ainda – e já dialogando com o próximo item sobre o ambiente
institucional - que em âmbito nacional o Fórum Nacional de ATES não reúne (como
se espera considerando que a participação é um princípio da PNATER e da ATES e
que a realização do mesmo está regulamentada no Manual de ATES), o que limita
as possibilidades de pensar nacional e estrategicamente o Programa de ATES a
partir da contribuição da participação social e materializa um Programa formado por
um pluralismo de agentes descoordenados. Avalio que o Fórum tem um papel
importante a desempenhar, pois em um contexto de pluralismo institucional um
espaço que faça a problematização e possibilite a mediação pode contribuir com a
condução e o aperfeiçoamento do Programa.
Em relação ao ambiente institucional, identificou-se uma preocupação muito
grande com a instabilidade institucional do Programa de ATES, seja em razão da
crise financeira no INCRA que se materializa no atraso dos pagamentos às equipes
técnicas e que ameaça não apenas a participação, mas a própria existência do
Programa, seja em virtude da criação da ANATER que, ainda que não se tenha
maiores informações concretas, em função dos poucos documentos que surgiram
coloca uma preocupação em relação à orientação geral da ER (em função da
relação que estabeleceu com ideias conservadores sobre o rural e difusionistas
sobre a ER) e ao papel que a participação social (não) tem nessa orientação.
166
Além disso, é importante lembrar – e isso faz a questão ser ainda mais
preocupante – que está em curso uma ofensiva neoliberal pressionando pelo
encolhimento do Estado e pela desregulamentação econômica, o que atua como um
fator inibidor da participação social, visto que não haverá o que reivindicar,
pressionar ou gestar em conjunto com o Estado.
Em relação à inclusão e representatividade identifica-se o esforço já realizado
para através das ações nos assentamentos, da paridade entre homens e mulheres
como conselheiros de ATES e do apoio financeiro para viabilizar e remunerar sua
participação. No entanto, a análise da participação mostrou, especialmente em
relação às mulheres e aos jovens que ainda está longe de ser como se espera,
sendo necessário discutir outras formas de garantir a presença desses e outros
públicos historicamente excluídos. A vinculação da participação a grupos de
interesse pode ser um caminho, mas é necessário avançar também para que
mulheres e jovens representem organizações mais ampliadas, caso contrário poder-
se-á estar institucionalizando os contra públicos subalternos como a única forma de
participação.
Em relação ao processo deliberativo, o modelo de gestão apresentado pelo
Programa de ATES tem produzido ajustes nas relações de poder e no papel do
Estado através da aproximação entre diferentes atores envolvidos no contexto da
extensão rural, fomentando desafios metodológicos com o objetivo de valorização
dos saberes e conhecimentos dos agricultores e extensionistas, reduzindo os
diferenciais de poder (ordenados em parte pela normatização da esfera pública) e
ampliando as possibilidades de ações adequadas aos anseios e às realidades
sociais, econômicas e ambientais dos agricultores. Essas adequações são fruto da
maior participação e integração de extensionistas e agricultores com o Estado
através dos espaços de participação como as reuniões nos assentamentos e os
Conselhos Regionais e Estadual de ATES.
Analisando-se separadamente se tem que o CE possui um papel muito ativo
de deliberação, já os CRs e as atividades nos assentamentos ainda colocam os
participantes na condição de consulta, validação e às vezes, apenas de ouvinte.
O desafio de ampliar o leque de debates e deliberações é grande porque
muitas políticas públicas ainda possuem um recorte setorial ao invés de territorial, o
que limita as possibilidades de participação. Por outra parte, Raichelis (2015) aponta
que não se deve esquecer que os conselhos disputam o aparelho do Estado, não
167
atuam sobre ou paralelamente a ele. Logo, algumas deliberações podem não ser
implementadas por pressão de outros públicos ou ainda, por outro lado,
investimentos ou projetos podem ser realizados sem serem discutidos na EP,
inclusive conflitando com as prioridades definidas, sendo repasses diretos como os
realizados via emendas parlamentares, por exemplo.
Quanto aos resultados produzidos pelo processo participativo na ATES, cabe
destacar a transformação do Programa, a partir dos planejamentos regionais que
são produto dessa interação entre Estado, equipes técnicas e agricultores
assentados e configuram-se como uma inovação institucional, derivando desse um
novo formato institucional de discussão e decisão em relação à ação extensionista; o
desenvolvimento de ferramentas para qualificação da ação técnica como o SIGRA e
a RUOP por demanda do Programa e não uma imposição institucional ou contratual
(como ocorreu com a pesquisa sobre qualidade de vida do INCRA e quase ocorreu
com a “pasta da família” no início do Contrato 2009); o sentimento de pertencimento
dos técnicos oriundo da possibilidade de influenciar nos rumos do Programa em
contraposição ao sentimento inicial de “funcionários do INCRA”; a possibilidade de
empoderamento dos agricultores para participarem da definição da ação da ATES
nos assentamento; são, talvez, os principais resultados produzidos.
Os resultados e os processos em curso mostram que a participação social
confere uma nova base de legitimação para as ações da extensão, baseada no
diálogo e na construção as esferas públicas em contraposição a burocracia. No
entanto, vem encontrando resistência nas estruturas e regras do Estado e suas
instituições reguladoras como os tribunais de conta e o Ministério Público, cuja
atuação conduz a um retorno às regras e aos controles burocráticos centralizados
(SOUZA, 2012). Leia-se: as recentes ações contra o INCRA, que podem inviabilizar
o Programa de ATES em muitas regiões.
Em relação ao pluralismo que, quando reconhecido, contribui com a
democratização pode-se afirmar que a descentralização estimula a diversificação da
participação dos atores o que, de novo, redefine as relações de poder e o papel do
Estado, de quem se espera uma participação na condição de agente subsidiário,
coordenador ou regulador dos serviços de extensão. A correlação positiva entre
descentralização e democracia não corresponde a uma medida unilateral, que se
resolve por decreto, mas sim, é o resultado do lento envolvimento, conscientização e
convencimento dos atores participantes, principalmente a partir da disposição dos
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governos em construir um canal dialógico com o público, que tenha como
pressuposto não apenas a consulta, mas essencialmente o processo de decisão.
Nesta perspectiva, o Programa de ATES no Rio Grande do Sul, através da
participação social, permite vislumbrar a possibilidade concreta de superação de um
modelo de extensão rural, caracterizado pela ação descoordenada do pluralismo de
agentes para um sistema pluralista, articulando uma rede de conhecimentos em prol
do desenvolvimento.
Por outra parte, Rover e Mussoi (2011) apontam que o fenômeno da
descentralização é multifacetado, plural e alcança formas variadas de expressão o,
que no caso da ATES RS pode ser visualizado facilmente na diversidade de
realidades dos atuais CRs.
Em relação a “fases” da ATES RS, vários recortes poderiam ser tomados,
mas opta-se aqui pela análise justamente em função da participação social. No
princípio o INCRA incluiu a participação nos contratos de ATES porque era
“politicamente correto” e porque queria um canal de repasse e recebimento de
informações, mas não internalizada como parte do processo avaliativo e deliberativo
para definição de prioridades. Os agentes envolvidos e a discussão levaram para
que se ampliasse a participação, no entanto, por vezes, esse processo encontra
barreiras. Esse movimento de resistência pode ser percebido em diversos níveis:
localmente quando as famílias se sentem incapazes de realizar autonomamente a
avaliação da ATES (caso relatado na capacitação dos conselheiros de ATES);
regionalmente quando o CR não constrói metodologias mais propícias ao diálogo
para a avaliação e o planejamento fazendo com a participação se reduz a validação
de propostas construídas em outras esferas; e em âmbito estadual quando o CE não
encaminha a deliberação de ampliação da representação (CE Ampliado) e se
mantém como um fórum de executores.
Em relação a essa questão, avalia-se que enquanto o peso da participação
das famílias assentadas não aumentar no CE, questões importantes para a
continuidade da qualificação e da democratização do Programa como a
transformação das metas ações em produtos não serão realizadas por um
movimento de autoproteção do atual CE, leia-se, principalmente, equipes técnicas
(para quem a realização e comprovação de atividades é uma certeza de
cumprimento do objeto do contrato, muito diferente da construção de produtos
concretos para a vida das famílias assentadas como a redução da pobreza ou o
169
aumento da produtividade de leite) e o INCRA (para quem o processo de
monitoramento e fiscalização de ações também é muito mais simples).
Esse embate sobre a natureza das metas contratuais e sobre a forma da
participação das famílias assentadas está se dando nos assentamentos, nos CRs,
no CE, e vai continuar a acontecer, como acontece com todas as relações sociais. O
resultado desse processo depende de vários fatores, mas alguns podem ser
apontados a partir da literatura e da experiência da ATES RS. Com o intuito desse
esforço de síntese, cinco questões-chave são destacadas para o Programa de ATES
e outras experiências similares.
A primeira: como apontaram Zarnott et al. (2015), a diferenciação de papeis
(coordenação, execução, assessoramento, espaços de participação e decisão), uma
atuação em rede, a construção de ferramentas metodológicas voltadas para a
participação das famílias e a qualificação da ação extensionista são elementos
chave para que um Programa de ER funcione bem e alcance seus objetivos.
A segunda: concordando com Raichelis, “para que se possa consolidar a
esfera pública democrática [...] é imperioso que os Zés estejam representados [...]É
a devolução da palavra e da ação a quem a história sonegou o direito de constituir-
se como sujeitos na sociedade brasileira” (RAICHELIS, 2015, p. 337).
A terceira: reconhecer que a esfera pública (conselhos) é um espaço de
debate, de aprendizagem, de crescimento e empoderamento e que, portanto, exige
qualificação por parte dos envolvidos (INCRA, técnicos, assessores, assentados),
logo, a preocupação com o estabelecimento e a manutenção de espaços de
formação (encontro de técnicos, capacitação de conselheiros ou outra experiência
que o valha) é vital para que as discussões ocorram com qualidade e não fiquem
estagnadas após um período.
A quarta: pautar que os processos participativas de deliberação adentrem
outras políticas, se formem outras esferas públicas em outras políticas públicas para
que se conquiste mais espaço dentro do Estado que ainda é, majoritariamente,
dominado pelas classes dominantes e pela política da barganha.
E a quinta e última: O Programa de ATES RS possui uma multiplicidade de
públicos, a diferença de poder e a desigualdade existem, mas em algumas esferas
possui um público forte e esse é o objetivo que deve ser perseguido, pois a
construção apenas de públicos fracos que discutem, opinam, mas não tem poder de
decisão faz com que a participação tenha vida limitada.
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CE ATES – Conselho Estadual de ATES. Relatório da Reunião do Conselho Estadual de ATES. 2011 a. CE ATES – Conselho Estadual de ATES. Relatório da Reunião do Conselho Estadual de ATES. 2011 b. CE ATES – Conselho Estadual de ATES. Relatório da Reunião do Conselho Estadual de ATES. 2011 c. CE ATES – Conselho Estadual de ATES. Relatório da Reunião do Conselho Estadual de ATES. 2012 a. CE ATES – Conselho Estadual de ATES. Relatório da Reunião do Conselho Estadual de ATES. 2012 b. CE ATES – Conselho Estadual de ATES. Relatório da Reunião do Conselho Estadual de ATES. 2012 c. CE ATES – Conselho Estadual de ATES. Relatório da Reunião do Conselho Estadual de ATES. 2013 a. CE ATES – Conselho Estadual de ATES. Relatório da Reunião do Conselho Estadual de ATES. 2013 b. CE ATES – Conselho Estadual de ATES. Relatório da Reunião do Conselho Estadual de ATES. 2013 c. CE ATES – Conselho Estadual de ATES. Relatório da Reunião do Conselho Estadual de ATES. 2013 d. CE ATES – Conselho Estadual de ATES. Relatório da Reunião do Conselho Estadual de ATES. 2013 e. CE ATES – Conselho Estadual de ATES. Relatório da Reunião do Conselho Estadual de ATES. 2013 f. CE ATES – Conselho Estadual de ATES. Relatório da Reunião do Conselho Estadual de ATES. 2014 a. CE ATES – Conselho Estadual de ATES. Relatório da Reunião do Conselho Estadual de ATES. 2014 b. CE ATES – Conselho Estadual de ATES. Relatório da Reunião do Conselho Estadual de ATES. 2014 c. CE ATES – Conselho Estadual de ATES. Relatório da Reunião do Conselho Estadual de ATES. 2014 d. CE ATES – Conselho Estadual de ATES. Relatório da Reunião do Conselho Estadual de ATES. 2014 e.
181
CE ATES – Conselho Estadual de ATES. Relatório da Reunião do Conselho Estadual de ATES. 2015 a. CE ATES – Conselho Estadual de ATES. Relatório da Reunião do Conselho Estadual de ATES. 2015 b. CE ATES – Conselho Estadual de ATES. Relatório da Reunião do Conselho Estadual de ATES. 2015 c. CE ATES – Conselho Estadual de ATES. Relatório da Reunião do Conselho Estadual de ATES. 2015 d. CE ATES – Conselho Estadual de ATES. Relatório da Reunião do Conselho Estadual de ATES. 2015 e. CE ATES – Conselho Estadual de ATES. Relatório da Reunião do Conselho Estadual de ATES. 2016 a. INCRA. Relatório do Encontro estadual dos técnicos de ATES para a formação e qualificação sobre o processo de transição agroecológica e inclusão produtiva das famílias assentadas. Porto Alegre, RS, 2014.
183
ANEXOS
185
ANEXO A
CARTA ÀS FAMÍLIAS ASSENTADAS SOBRE O SIGRA
186
ANEXO B
PROGRAMAÇÃO DA CAPACITAÇÃO PARA CONSELHEIROS DE ATES/2015
CAPACITAÇÃO PARA CONSELHEIROS DA ATES/2015
PROGRAMA:
9:30h - Apresentação dos participantes
Metodologia: cada um fala seu nome e assentamento/organização.
9:45h – Apresentação dos objetivos da oficina:
Metodologia: Explanação.
9:55h – Apresentação do contrato de ATES no NO (horas, ferramentas, quadro análise planejamento
2015, quadro resumo núcleos operacionais)
Metodologia: Apresentação slides.
13:30h - Continuação as apresentação do contrato ATES/2015.
14:00h – Avaliação do Programa de ATES/2015 (realizar a avaliação e ao mesmo tempo
instrumentalizar os conselheiros para fazerem as avaliações nos assentamentos)
Metodologia: Iniciar o debate falando da importância da avaliação do
programa. Dividir em grupos menores para discutir os pontos e perguntas geradoras
descritas a seguir:
Visitas – As visitas foram boas ou ruins?
- Por quê?
- Como melhorar as visitas?
Atividades coletivas - Conheciam o planejamento das formações?
- Quais foram os principais temas das formações?
- São os temas mais importantes? Quais são os temas mais importantes?
- Teve material didático nas formações?
- Nas atividades que aconteceram durante todo dia, teve almoço?
Equipe técnica - Quais técnicos atuam no assentamento?
- Eles respondem as questões apresentadas?
- Como é o envolvimento da equipe com o assentamento?
Apresentar as questões aos poucos, de modo que haja debate sobre cada pergunta geradora.
Importante incitar a participação de todos.
16:00h - Encerramento e encaminhamentos.
187
ANEXO C
Roteiro utilizado nas oficinas de capacitação dos Conselheiros
188
189
190
191
Modelo de Ata para reuniões de avaliação da ATES nos assentamentos
PROGRAMA DE ASSESSORIA TÉCNICA, SOCIAL E AMBIENTAL - ATES
ATA da reunião de avaliação da ATES/2015
As famílias do assentamento ______________________________________,
reuniram-se no dia _____, do mês de _________________, de 2015, para fazerem
a avaliação do Programa de Assistência Técnica Social e Ambiental/ATES.
ATIVIDADES PONTOS A SEREM AVALIADOS
Visitas
A visita técnica é uma atividade importante para a família? Por quê?
As visitas atenderam as demandas apresentadas? Em quê?
Sugestões para melhorar as visitas:
Atividades coletivas
Os conselheiros receberam o planejamento do seu assentamento?
As famílias conhecem o planejamento de ações para o seu assentamento?
Os temas trabalhados nas capacitações foram os que estavam planejados? Atenderam as demandas do assentamento (cumpriram os objetivos)? Se não, quais seriam os temas mais importantes?
Teve material didático nas formações?
Nas atividades que aconteceram durante todo dia, teve almoço?
Equipe Técnica
Quais técnicos atuam no assentamento?
Eles respondem as questões apresentadas?
Como é o envolvimento da equipe com o assentamento?
Organizações Existem grupos organizados no assentamento, que deveriam ter um planejamento próprio?
Assinaturas: