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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 16, Nº 31: 85-100 NOV. 2008

RESUMO

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 16, n. 31, p. 85-100, nov. 2008

OS ALIMENTOS FUNCIONAIS: A NOVAFRONTEIRA DA INDÚSTRIA ALIMENTAR

ANÁLISE DAS ESTRATÉGIAS DA DANONE E DA NESTLÉNO MERCADO BRASILEIRO DE IOGURTES1

Recebido em 15 de junho de 2008.Aprovado em 15 de setembro de 2008.

Cécile Raud

Os alimentos funcionais, que prometem ajudar na cura ou na prevenção de doenças, são a nova tendênciado poderoso mercado alimentício neste início do século XXI. Iogurtes, margarinas, leites fermentados,cereais, águas minerais etc. prometem ajudar na cura ou na prevenção de doenças como as cardiovasculares,certos tipos de câncer, alergias, problemas intestinais etc. Entre os fatores-chave que explicam o êxito dosalimentos funcionais, há a preocupação crescente pela saúde e pelo bem-estar, mudanças na regulamenta-ção dos alimentos e a crescente comprovação científica das relações existentes entre dieta e saúde. Escolhe-mos analisar e comparar as estratégias de duas multinacionais (Danone e Nestlé) que se enfrentam nasgôndolas dos supermercados brasileiros para dominar o mercado dos iogurtes funcionais. O Activia, daDanone, foi lançado com êxito em diversos países europeus, em meados da década de 1990, e no mercadobrasileiro, em 2004, levando a uma considerável revitalização do mercado dos produtos lácteos. Em rea-ção, a Nestlé lançou o Nesvita, em junho de 2006. Com base na Nova Sociologia Econômica, verificamos aexistência de lutas no mercado, em que a inovação e o lançamento de novos produtos são necessidades paraas empresas que pretendem manter ou estabelecer sua liderança. Nesse campo de lutas, o Estado desempe-nha um papel fundamental, ao definir as regras do jogo entre os parceiros da troca e entre os concorrentes.

PALAVRAS-CHAVE: alimentos funcionais; inovação; mercado; Estado; Danone; Nestlé.

I. INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, os consumidores viram apa-recer nas gôndolas dos supermercados novos pro-dutos alimentares, que prometem contribuir nabusca por uma vida mais saudável. Os alimentosfuncionais2 são a nova tendência do poderosomercado alimentício neste início do século XXI(HEASMAN & MELLENTIN, 2001). Iogurtes,margarinas, leites fermentados, cereais, águasminerais etc. prometem ajudar na cura ou na pre-venção de doenças como as cardiovasculares,certos tipos de câncer, alergias, problemas intes-tinais etc. Entre os fatores-chave que explicam o

êxito dos alimentos funcionais, Hasler (2000) citaa preocupação crescente pela saúde e pelo bem-estar, mudanças na regulamentação dos alimentose a crescente comprovação científica das relaçõesexistentes entre dieta e saúde.

Escolhemos concentrar nossa pesquisa na áreados produtos lácteos, em particular iogurtes, e emduas empresas, Nestlé e Danone. De fato, essesetor parece-nos revelador das tendências queestão levando à globalização da alimentação e dasaúde. Os produtos escolhidos foram lançadoscom êxito em diversos países europeus, em mea-dos da década de 1990, e estão agora no mercadobrasileiro, levando a uma considerável revitalizaçãodo mercado dos produtos lácteos. Esta revoluçãonutricional está baseada nos “probióticos”3, ter-mo utilizado pela primeira vez em 1965 para de-

1 Este texto é resultado parcial de uma pesquisa financi-ada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientí-fico e Tecnológico (Auxílio a projetos e Bolsa PQ) e pelaCoordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de NívelSuperior (Convênio CAPES-Wageningen). Agradecemosao CNPq e à CAPES pelo auxílio prestado.2 Não entraremos aqui na polêmica a respeito da defini-ção dos alimentos funcionais. Para tanto, ver Grisotti(2008).

3 Um outro termo importante na área dos alimentos funci-onais é o de “prebiótico”. Os prebióticos, conceitualizadosem 1995, são componentes alimentares não digeríveis pelonosso corpo, que afetam beneficamente a saúde, por esti-mularem seletivamente a proliferação ou atividade de po-

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signar microorganismos que exercem efeitos be-néficos para a saúde ao melhorar o equilíbriomicrobiano intestinal (SAAD, 2006). Em particu-lar, os principais probióticos são bactérias lácticasconsideradas como tendo um efeito benéfico so-bre a flora intestinal, como as diversas espéciesde Lactobacillus e de Bifidobacterium. Na Euro-pa, a saúde do intestino já tornou-se um dos prin-cipais mercados dos alimentos funcionais(HEASMAN & MELLENTIN, 2001).

Buscam-se evidências do impacto dessa ino-vação sobre a configuração do mercado alimentarno Brasil. Mais especificamente, este trabalho temcomo objetivo responder às seguintes perguntas:quais são as principais características das estra-tégias da Danone e da Nestlé no lançamento deseus iogurtes funcionais no mercado brasileiro?Como configuram-se as atividades de pesquisa edesenvolvimento da Danone e da Nestlé? Comoexplicar o êxito da Danone contra a Nestlé? Comoo Estado brasileiro regulamenta o mercado dosalimentos funcionais?

Para tanto, encontramos respaldo na aborda-gem política dos mercados, no quadro da NovaSociologia Econômica (NSE). Em reação à con-cepção atomizada dos modelos neoclássicos, aNSE empenha-se em elaborar novas proposiçõesteóricas a respeito das formas de coordenaçãoeconômica, ao levar em conta as relações sociaisexistentes entre os atores econômicos (STEINER,2005). Essa concepção permite renovar profun-damente a análise dos mercados, no quadro deuma reflexão organizada ao redor da noção deconstrução social do mercado (BAGNASCO,1988). Contra a concepção econômica do merca-do, simples esfera abstrata de encontro entre ofertae demanda, a NSE considera o mercado comouma estrutura ou uma instituição social, construídae regulada socialmente (SWEDBERG, 1994). Lon-ge de ser um fenômeno natural e espontâneo, tra-ta-se de um processo complexo que mobiliza fa-tores relacionais, políticos, culturais etc.(GARCIA-PARPET, 1986). A teoria de PierreBourdieu, escolhida aqui como principal referencialanalítico, permitir-nos-á enfatizar os aspectospolíticos.

Começaremos contextualizando o mercado dosalimentos funcionais no mundo e no Brasil para,em seguida, apresentar o referencial teórico e aanálise dos dados.

II. OS ALIMENTOS FUNCIONAIS: A NOVAFRONTEIRA DO MERCADO ALIMENTAR

Nos anos 1960, surgiram os primeiros estu-dos científicos que comprovaram a ligação entrealimentação e saúde, apontando para os impactosnegativos do excesso de gordura e açúcar. Nadécada de 1980, produtos diet e light começarama ser comercializados com sucesso. Recentemen-te, vem-se exigindo ainda mais dos alimentos. Alémde não fazer mal à saúde, eles devem ainda de-sempenhar funções terapêuticas: “Depois de anosde discurso negativo sobre a alimentação em rela-ção à dieta e à saúde, os ingredientes funcionaisestão agora sendo usados como atributos positi-vos para criar novos mercados” (HEASMAN &MELLENTIN, 2001, p. XVI). De fato, esse novonicho de mercado revela-se extremamente dinâ-mico. O setor registrou um crescimento de maisde 50%, entre 2002 e 2005, no mundo, de acordocom o instituto de pesquisa AC Nielsen. Nos Es-tados Unidos, esse mercado movimenta cerca de15 bilhões de dólares por ano (SOCIEDADE BRA-SILEIRA DE ALIMENTOS FUNCIONAIS,2007). A novidade é que os funcionais estão dei-xando de ser um nicho de mercado para transfor-marem-se em uma nova fronteira do mercado dealimentos, roubando espaço dos produtos tradici-onais e com amplas possibilidades de crescimen-to. O instituto de pesquisa Euromonitor estima queo mercado de alimentos funcionais movimentecerca de 50 bilhões de dólares no mundo e apre-sente um ritmo de crescimento de cerca de 10%ao ano, índice três vezes maior que o de produtosalimentícios convencionais: “A previsão é que, emdez anos, os funcionais detenham 40% do mer-cado de alimentos”, diz Carlos Faccina, diretor deassuntos corporativos da Nestlé no Brasil (COS-TA, 2007).

Pode-se observar certa disparidade entre regi-ões para a comercialização dos alimentos funcio-nais. Assim, o Nafta (Área de Livre-Comércio daAmérica do Norte, composta por Estados Uni-dos, Canadá e México) representa 72% do mer-cado mundial, contra 12% da União Européia e14% do Japão – este país demonstrando um dina-mismo histórico. Na União Européia, os paísesnórdicos estão mais avançados em termos de pes-

pulações de bactérias desejáveis no cólon. Os principaisprebióticos identificados atualmente são carboidratos, in-cluindo a lactulose, a inulina e diversos oligossacarídeos(SAAD, 2006).

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quisa e consumo de alimentos funcionais, enquantoos países do sul demonstram certa reticência fren-te a esses novos alimentos (KITOUS, 2003).

De acordo com Heasman e Mellentin (2001),foram os japoneses que “inventaram” os alimen-tos funcionais. O médico Minora Shirota desco-briu os benefícios da bactéria Lactobacillus caseipara a regulação do trânsito intestinal na décadade 1930, quando trabalhava junto aos pobres emalnutridos. Ele fundou a Companhia YakultHonsha em 1955 e começou a produzir asgarrafinhas de 65 mililitros de leite fermentado queconheceram progressivamente um sucesso mun-dial. Hoje, 26 milhões de garrafinhas de Yakultseriam bebidas diariamente no mundo todo. Masa “revolução nutricional” começou mesmo na dé-cada de 1980. Em outubro de 1984, a Cia. Kellogglançou sua campanha publicitária do cereal mati-nal All-Bran, baseada em alegações de saúde (healthclaims)4: uma dieta rica em fibra e pobre em gor-dura reduziria o risco de desenvolver certas for-mas de câncer. Desde então, a maioria dasmultinacionais do ramo alimentar, como a Danone,a Nestlé, a Unilever etc., passaram a lançar seusprodutos funcionais.

A situação não é muito diferente no Brasil. Entreas 24 categorias de alimentos mais vendidos em2005, 75% estão ligados à saúde (AC NIELSEN,2007). Uma pesquisa feita pela Health Focus em30 países mostra que 44% dos consumidores bra-sileiros da classe A e B escolhem seus alimentoscom base na relação que eles têm com a saúde,sendo um dos maiores índices da América Latina(OLIVEIRA & FERNANDES, 2004). De maneirageral, a indústria alimentícia brasileira viu seufaturamento aumentar nos últimos anos, passan-do de 112 bilhões de reais, em 2001, para 184,6bilhões, em 2005, mas sua participação manteve-se ao redor de 10% do Produto Interno Bruto (PIB)brasileiro, entre 2001 e 2005. Os principais seto-res em 2005 (em valor faturado) eram, por or-dem decrescente: 1) derivados de carne; 2)beneficiamento de café, chá e cereais; 3) óleos egorduras; 4) laticínios e 5) açúcares. Com relaçãoao número de empresas, dados do Instituto Brasi-leiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Asso-

ciação Brasileira das Indústrias da Alimentação(ABIA) mostram a existência de 42 200 estabele-cimentos formais, sendo 85,3% deles considera-dos como microempresas e 0,9% como grandesempresas. Trata-se de um setor relativamenteconcentrado, na medida em que 200 grupos res-pondem por 70% da produção. Apesar disso, éum setor ainda intensivo em mão-de-obra. De fato,em 2005, o setor representava 16,4% dofaturamento da indústria de transformação, mas20,1% do emprego (ASSOCIAÇÃO BRASILEI-RA DAS INDÚSTRIAS DA ALIMENTAÇÃO,2007).

Os alimentos funcionais vêm adquirindo umapresença crescente nessa indústria, tendo fatura-do 2,5 bilhões de dólares, em 2003 (SOCIEDA-DE BRASILEIRA DE ALIMENTOS FUNCIO-NAIS, 2007). No Brasil, já são vários os alimen-tos funcionais presentes no mercado: além dosiogurtes com probióticos que melhoram a saúdeintestinal, podemos citar leites enriquecidos comferro (que ajuda na prevenção e no tratamento daanemia), com vitaminas e com o ácido ômega-3(que ajuda no controle do colesterol), bem comoovos e margarinas enriquecidos também comômega-3. O setor da água mineral não ficou forado movimento e ingressou recentemente no mer-cado das bebidas funcionais, oferecendo águasque contêm alta concentração de vitaminas C edo complexo B, a fim de fortalecer o sistemaimunológico, ou que contêm a fibra FOS(frutooligossacarídeo) e prometem contribuir paraa prevenção dos cânceres de mama e de cólon epara a redução dos riscos de doençascardiovasculares, além de regular o intestino.

Os alimentos associados a uma forte imagemde “saúde” representam uma fonte de diferencia-ção e de rentabilidade em certos ramos do setoralimentar que conhecem uma forte estagnação,como os laticínios. Na França, por exemplo, ataxa de valor agregado dos laticínios “saúde” é de20%, contra 13% para a simples transformaçãodo leite (PADILLA et alii, 2006). Para as indús-trias alimentares, a chave do sucesso no mercadodos alimentos funcionais reside na inovação, o queconstitui uma poderosa barreira à entrada de no-vas empresas. Para atender às demandas especí-ficas em termo de saúde, as indústrias devem cadavez mais especializar-se e segmentar seus produ-tos, o que lhes obriga a realizar investimentos pe-sados na área da pesquisa e desenvolvimento e naárea da comunicação. Somente as multinacionais

4 Uma alegação de saúde (health claim) é uma indicação,contida na embalagem do produto e veiculada pela propa-ganda, que reivindica um efeito benéfico sobre a saúde hu-mana (KITOUS, 2003).

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e algumas grandes empresas nacionais podemmobilizar os recursos financeiros necessários.Nesse contexto, as indústrias alimentares são le-vadas a adotar determinadas estratégias, como aaproximação com firmas farmacêuticas por meiode operações de parceria (fusões e aquisições). Avantagem da farmácia reside no seu forte poten-cial de pesquisa e nas suas relações estreitas como meio médico. Por sua vez, a indústria alimentarconhece bem o consumidor, o marketing de mas-sa e sabe como manter uma dimensão de “pra-zer” nos alimentos funcionais (EL-DAHR, 2003).

Mesmo sem querer entrar na polêmica do im-pacto efetivo dos alimentos funcionais na saúde(não é nosso objetivo aqui), não podemos deixarde registrar a existência de uma extensa literaturaque expressa dúvidas a esse respeito (NESTLE,1999; 2003; GUILLON & WILLEQUET, 2003).Para os críticos, trata-se mais de uma nova estra-tégia de marketing do que de uma verdadeira re-volução nutricional. Pesquisas já apontam para oinvestimento pesado realizado pelas indústrias ali-mentícias no marketing e na propaganda, cujasestratégias são vistas como problemáticas, poiscontêm mensagens ambíguas, bem como falsasalegações (WAI-LING, 2004). Por exemplo, pes-quisas mostram que uma alta percentagem delactobacilos vivos não resistem ao transporte e àestocagem, nem ao ácido gástrico no estômago.No entanto, para Hesman & Mellentin (2001), estaspesquisas não seriam uma razão suficiente pararejeitar em bloco os probióticos, pois alguns delestêm a capacidade de atingir e colonizar o intesti-no. Além disso, a concentração dos probióticosno produto é um elemento fundamental para ga-rantir sua funcionalidade. Por isso, os autoresdefendem a necessidade de maiores pesquisas ci-entíficas, que, aliás, já certificaram determinadosprobióticos.

Dando continuidade às críticas, Nestle (2003)acusa a indústria alimentícia de influenciar o go-verno, o meio acadêmico e os meios de comuni-cação para promover seus produtos, passando porcima da saúde pública. Essa nutricionista norte-americana denuncia assim a política de lobbyingjunto ao governo, além do financiamento de de-partamentos acadêmicos, institutos de pesquisa esociedades médicas. Para ela, os alimentos funci-onais não passam de uma estratégia elaborada pararevigorar um mercado alimentício que, há muitosanos, conhece um ritmo de crescimento da or-dem de 1% a 2% anuais.

Não entraremos na questão do mérito dos ali-mentos funcionais, registrando apenas a emergên-cia desse novo ramo, tentando indagar as razõesdo seu dinamismo. Para entender o funcionamen-to do mercado alimentício e o lançamento dos ali-mentos funcionais, precisamos mobilizar os con-ceitos elaborados pela abordagem política de aná-lise dos mercados.

III. A VISÃO POLÍTICA DO MERCADO: OMERCADO COMO “CAMPO DE LUTAS”

Apesar de reconhecer o interesse teórico daconcepção econômica do mercado, abstração queautonomiza artificialmente uma esfera do resto docontexto social, político e cultural, a Nova Socio-logia Econômica empenha-se em dar conta dosmecanismos reais de funcionamento dos merca-dos, ao levar em conta o comportamento concre-to dos atores econômicos e o conteúdo social dasrelações mercantis. No quadro da Sociologia dosMercados, podem ser identificadas três principaisabordagens (WANDERLEY, 2002). Para a abor-dagem estrutural, o mercado não se constitui deindivíduos isolados e anônimos, mas de redesinterpessoais, que desempenham várias funções,dentre elas facilitar a circulação de informações eassegurar a confiança ao limitar os comportamen-tos oportunistas (GRANOVETTER, 1985). Porsua vez, DiMaggio (1990) sugere que o compor-tamento econômico encontra-se inserido não ape-nas na estrutura social, mas também na cultura,apontando para os aspectos contingentes daracionalidade econômica e para a origem socialdas preferências dos consumidores. Finalmente,a abordagem política, representada essencialmentepor Neil Fligstein e Pierre Bourdieu, enfatiza osconflitos e as relações de poder inerentes aos fe-nômenos econômicos, além de apontar para aimportância do papel do Estado na regulação domercado.

Em particular, Bourdieu (1997; 2005) defineo campo econômico como um “campo de lu-tas”, isto é, um “campo de ação socialmenteconstruído em que se enfrentam agentes dota-dos de recursos diferentes”, em função do volu-me e da estrutura do capital que possuem, sobsuas diferentes formas: financeiro, cultural,tecnológico, jurídico, organizacional, comerciale simbólico. Em função desses recursos, os ato-res definem estratégias de ação no âmbito doslimites impostos pela estrutura do campo, emparticular pelo seu grau de concentração. Levar

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em conta a dotação diferencial de capital implicaconsiderar a existência de relações de domina-ção no seio do campo econômico, ou seja, a exis-tência de empresas dominantes e dominadas.Nesse sentido, Bourdieu rompe com a teoria eco-nômica na qual só interagem atores iguais, aomenos nos modelos de concorrência pura e per-feita (cf. BROCHIER, 1987; BOYER, 2003), etem o mérito de destacar a dimensão política domercado.

Essa visão de uma oferta que “se apresentacomo um espaço diferenciado e estruturado deempresas concorrentes, cujas estratégias depen-dem dos outros concorrentes” (BOURDIEU, 2000,p. 37; grifos no original) é muito parecida com asanálises tanto de Max Weber (1991) quanto deHarrison White (1981), na qual a oferta não seconstitui de um agregado de vendedores indepen-dentes, como na teoria econômica, mas de umconjunto de produtores que se observam uns aosoutros. Assim, o fato de que as empresas concor-rentes não param de se espiar explica a elabora-ção quase simultânea de produtos semelhantes.Mas Bourdieu (1997) afirma distanciar-se de am-bos, que teriam tido o mérito de sublinhar a influ-ência dos concorrentes na estratégia de uma em-presa, mas que acabaram caindo em uma visãointeracionista, esquecendo as pressões inerentesà posição ocupada na estrutura do campo. Ele rei-vindica então a herança de Georg Simmel, ao con-siderar a competição no mercado como um “con-flito indireto”, isto é, não dirigido diretamente con-tra o concorrente, mas mediado pelo campo. As-sim, é menos por meio de ações diretas do quepor meio do peso que elas detêm na estrutura docampo (peso que, como vimos, depende do volu-me e da estrutura do capital detido) que as empre-sas dominantes pressionam as empresas domina-das e influenciam suas estratégias. Obviamente,as empresas dominantes também não escolhemlivremente suas ações, na medida em que elas so-frem igualmente o peso de toda a estrutura docampo5 .

Como em Fligstein (1996), o mercado deBourdieu consiste em um equilíbrio temporário,com as regras do jogo provisoriamente respeita-das. Nesse quadro, a dominação de uma empresa

reside essencialmente na sua capacidade de im-por às outras sua própria definição do jogo. Porum lado, Bourdieu (1997) insiste na dimensão es-tática do fenômeno da reprodução do campo, pormeio das “barreiras à entrada” de novas empre-sas, estabelecidas pela distribuição desigual dosrecursos, em particular em termos de economiasde escala e de vantagens tecnológicas detidas pe-las empresas dominantes. Por outro lado, Boyer(2003) defende uma outra interpretação da teoriade Bourdieu, em que o esforço analítico orientar-se-ia para a revelação dos fatores de mudança. Asrelações de transação entre produtores e clientese as relações de concorrência internas ao campoeconômico (em particular, a existência de empre-sas dominantes e dominadas) constituem o prin-cípio da dinâmica desse campo. De maneira es-pecífica, podem ser identificados cinco fatoresde mudança do campo:

Em primeiro lugar, o campo é modificadopelas próprias empresas dominantes na medida emque sua posição só pode ser mantida por um es-forço permanente de inovação. Geralmente, é aempresa dominante que toma a iniciativa no quediz respeito ao preço, aos novos produtos e àsestratégias de distribuição e de promoção. Mas,em segundo lugar, as empresas dominantes po-dem ser suplantadas em decorrência de uma ino-vação tecnológica que permite uma redução doscustos favorável às empresas dominadas, tipo demodificação em geral introduzida por novos ato-res, vindos “de outros subcampos”. Em terceirolugar, se algumas empresas costumam atravessarfronteiras, as próprias fronteiras podem sofrermodificações. Pode acontecer, por exemplo, deum campo dividir-se em subcamposespecializados (como no caso da indústria aero-náutica) ou de um novo campo emergir da fusãoentre várias indústrias, como no caso dainformática e das telecomunicações. Em quartolugar, Bourdieu cita vários fatores externos demudança: nas fontes de abastecimento, nademografia ou nos estilos de vida. Um último efundamental fator de mudança reside nasinterações do campo com o Estado. Entre os fa-tores de mudança identificados, o que mais inte-ressa aqui é aquele que diz respeito à inovação,como veremos em seguida.

Finalmente, Bourdieu insiste na importância daatuação do Estado no processo de construçãosocial do mercado: “Dentre todas as característi-

5 Para uma análise mais aprofundada da Sociologia Econô-mica de Pierre Bourdieu, ver Raud (2007).

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cas das sociedades nas quais a ordem econômicaestá ‘imersa’, a mais importante, para as socieda-des contemporâneas, é a forma e a força de suatradição estadista” (BOURDIEU, 2000, p. 24). Essaimportância deve-se a uma autonomização simul-tânea dos campos econômico e político. Em par-ticular, ao mostrar a importância do Estado naestruturação do campo, Bourdieu enfatiza o papeldas regras formais: manutenção da ordem e daconfiança, contribuição para a construção da ofertae da demanda e regulação dos mercados e con-trole das empresas são algumas de suas atribui-ções. Ademais, reafirmando a dimensão política econflituosa do mercado, Bourdieu (1997, p. 59)mostra o papel estratégico do Estado nas lutas depoder: “entre todas as trocas com o exterior docampo, as mais importantes são aquelas que seestabelecem com o Estado. A competição entre asempresas assume muitas vezes a forma de umacompetição para o poder sobre o poder do Estado[...] e para as vantagens asseguradas pelas dife-rentes intervenções do Estado”. Assim, o Estadoinfluencia fortemente as relações de poder exis-tentes entre os atores no campo econômico. Asempresas dominadas tentam mobilizar seu capitalsocial (suas redes de relações) para pressionar oEstado a modificar as regras do jogo num sentidoque lhes seja mais favorável. O Estado pode par-ticipar também da construção da demanda pormeio da produção dos sistemas de preferênciasindividuais e da atribuição dos recursos necessá-rios (por exemplo, orientação do crédito, ajudasfiscais etc.)6.

IV. UMA LUTA ENTRE GIGANTES NUM POTEDE IOGURTE

Antes de apresentar as empresas e os produ-tos escolhidos para a análise do mercado brasilei-ro, faz-se necessário resgatar o histórico do lan-çamento dos funcionais lácteos no mercado eu-ropeu. Tradicionalmente, e diferentemente do Bra-sil, os produtos lácteos compõem uma parte im-portante da dieta dos europeus, em particular nonorte do continente, sendo considerados comoprodutos naturalmente saudáveis. No entanto, umamudança drástica ocorreu na década de 1980,quando estes mesmos produtos passaram a seralvo de críticas por parte de nutricionistas e pro-

fissionais da saúde devido a seu alto teor em gor-dura, em particular saturada. Diante dessa situa-ção, as empresas empreenderam paralelamentedois tipos de estratégias. Por um lado, foramlançadas coletivamente campanhas publicitárias einformativas, visando lembrar aos consumidoresos aspectos positivos dos produtos lácteos, emparticular seu alto teor em cálcio e vitaminas e,portanto, seu papel no crescimento das crianças.Por outro lado, mostrando que ouviram o recado,as empresas passaram a oferecer leites e iogurtesparcial ou completamente desnatados a consumi-dores crescentemente preocupados com a suasaúde (HEASMAN & MELLENTIN, 2001).

Desde a década de 1990, as empresas vêmapostando nos produtos funcionais para reforçarseu posicionamento no nicho “saudável”. As pes-quisas científicas e as aplicações tecnológicaspermitiram o lançamento de produtos que recon-quistaram seu lugar central na dieta cotidiana dosconsumidores, dessa vez graças ao acréscimo deingredientes que alegam benefícios específicospara a saúde. Após o êxito inesperado do lança-mento do Yakult no mercado europeu em 1994,várias empresas européias, como a Danone e aNestlé, passaram a oferecer iogurtes e leites fer-mentados voltados para a saúde intestinal. Empoucos anos, uma verdadeira revolução ocorreuno mercado europeu de produtos lácteos, basea-da numa inovação tecnológica e num novo con-ceito: a dose cotidiana que assegura o confortodigestivo e o bem-estar. Dessa forma, o êxito doYakult mostra que dimensões vistas como forte-mente enraizadas na cultura japonesa (por exem-plo a ligação entre alimentação e saúde e a disci-plina da dose diária) podiam facilmente ser assi-miladas por populações européias. Após o teste,convincente, do mercado europeu, as empresasalimentícias vêm crescentemente investindo eapostando no mercado americano. Em particular,consideram o mercado brasileiro como um fortepotencial. De fato, o consumo per capita de io-gurtes no Brasil é de apenas 5 quilos por ano, en-quanto na Argentina é o dobro, na Espanha é de25 quilos e, na França, de 35. Entre janeiro e maiode 2007, a categoria de produtos lácteos frescos(PLF) movimentou 1,45 bilhão de reais – 10% amais do que em igual período de 2006. Os iogur-tes funcionais, por sua vez, movimentaram 159milhões de reais no mesmo período, o que signifi-ca um crescimento de 6% em relação ao mesmoperíodo de 2006.

6 É particularmente óbvio no caso do mercado da casaprópria, detalhadamente analisado por Bourdieu (2000).

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Apresentamos a seguir as duas empresas quenos parecem representativas do mercado dos io-gurtes funcionais e que foram escolhidas paracompor a amostra da pesquisa7 . O grupo francêsDanone é o líder mundial de produtos lácteos fres-cos e água mineral. Presente em mais de 120 pa-íses, o grupo é o terceiro maior grupo alimentícioda Europa e o sétimo do mundo. De acordo comMellentin (NEW NUTRITION BUSINESS, 2007),a Danone é hoje, junto com a PepsiCo, uma dasprincipais empresas de alimentos funcionais nomundo.

O grupo francês faturou 14 bilhões de euros(18 bilhões de dólares), em 2006, um aumento de9,7% com relação a 2005, e lucrou 1,9 bilhões deeuros (2,5 bilhões de dólares), um aumento anualde 10,1%, o que representa uma boa margem delucro de 13,6%. Apenas quatro laticínios funcio-nais (incluindo o iogurte Activia) representam ametade do total das vendas de laticínios da em-presa e 29% das vendas totais (idem). Uma re-portagem publicada no dia 30 de abril de 2008, nojornal Valor Econômico, pela jornalista Alda doAmaral Rocha, informa que, no ano de 2007, asvendas do setor de lácteos refrigerados damultinacional subiram de 12,2%, ou seja, 8,971bilhões de euros, graças, principalmente, aos pro-dutos que a empresa vem chamando deblockbuster, como Actimel, Activia, Vitalinea eDanoninho.

O líder das vendas, o iogurte Activia(faturamento de 1,3 bilhões de euros, em 2006,ou seja, 9% do total das vendas da Danone), tor-nou-se rapidamente o segundo produto mundialda saúde intestinal (depois do Yakult, de que aDanone detém 40%) e o primeiro nos mercadoseuropeu e norte-americano. O Activia chegou acriar um “segmento totalmente novo no mercadode iogurte – saúde intestinal – que tinha sido ne-gligenciado pela indústria norte-americana de lati-cínios” (MELLENTIN, 2007, p. 12). O Activiaestá no mercado europeu desde 1987 (na época,com o nome de Bio) e foi um dos primeiros pro-dutos funcionais no mercado, tendo a Danonepatenteado a bactéria probiótica Bifidobacteriumanimalis (lactis). O Bio não conheceu um grande

sucesso inicialmente e foi relançado em 1997 erenomeado como Activia8. A partir daí, conheceuum êxito mundial. O produto agora é vendido em34 países, sendo 23 países europeus e mais Esta-dos Unidos, Canadá, México, Brasil, Argentina,África do Sul, Argélia, Turquia, Japão, China eArábia Saudita.

O Grupo Danone começou a conquistar omercado brasileiro em 1970, com o lançamentodo primeiro iogurte com polpa de frutas. Desdeentão, vem-se afirmando como um dos principaisgrupos do ramo alimentar no país. Nesse merca-do, a Danone aparece como a empresa que modi-fica as relações de força no campo por meio dolançamento de um produto inovador. O Activia foilançado no Brasil em 2004, tendo inaugurado acategoria de iogurtes funcionais no país. Desdeentão, as vendas vêm crescendo rapidamente, comuma taxa média anual de 50%. O Activia tornou-se o principal produto da companhia no país e járesponde sozinho por mais de 30% do resultadoda fabricante francesa. Segundo dados da ACNielsen (2007), em agosto de 2005, o Activia ti-nha participação de 6,9% no mercado de iogurtese, em agosto de 2007, atingiu 9,6%.

Em 2004, quando a Danone lançou o Activia,a companhia disputava a liderança no mercado deiogurtes com a Nestlé. Hoje, dados da AC Nielsenindicam que a francesa Danone está com 33% departicipação de mercado, contra 23% da Nestlé.Com relação ao mercado dos iogurtes funcionais,a liderança da Danone é incontestável e assusta-dora. De fato, ainda segundo dados da Nielsen, oActivia tem 95% do mercado brasileiro de iogur-tes funcionais (ACTIVIA INDIVIDUAL, 2007;PROBIÓTICO DE OURO, 2007). Em razão daliderança que a Danone já ocupa ou pretende ocu-par em novos mercados, o posicionamento nomercado do Activia é de um produto premium, ouseja, de primeira qualidade, sendo geralmente maiscaro do que os concorrentes.

De acordo com o portal eletrônico corporativo(NESTLÉ BRASIL, 2007), a história da Nestlécomeça na Suíça em 1866, quando Henri Nestlélançou a Nestlé Farinha Láctea, um alimento nu-tritivo, especial para crianças, à base de cereais eleite. Hoje, com quase 500 fábricas espalhadas nos

7 Além da Danone e da Nestlé, empresas brasileiras comoa Batavo e a Paulista entraram também no mercado dosiogurtes funcionais, mas, por razões de espaço, suas estra-tégias não serão analisadas aqui.

8 Uma das razões dessa mudança reside no fato de que onome “bio” designa os produtos orgânicos na França.

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cinco continentes, presente em mais de 80 paí-ses, possui um amplo leque de marcas internacio-nalmente consagradas em diversos ramos: águase bebidas, produtos alimentícios, farmacêuticos,cosméticos e para animais de estimação. No Bra-sil, a rede de distribuição dos produtos cobre maisde 1 600 municípios dos mais diversos tamanhos.A Nestlé Brasil e suas empresas coligadas estãopresentes em 97% dos lares brasileiros, segundopesquisa do LatinPanel. Em 2007, o grupo regis-trou um faturamento de 95,2 bilhões de dólares, elucro de 9,4 bilhões, ou seja, 9,9%. O item “pro-dutos lácteos, nutrição e sorvete” representa umpouco menos de um terço (27%) do resultado totaldo grupo.

O principal produto lácteo funcional da Nestlé,lançado em reação ao êxito do Activia, é a linha deiogurtes Nesvita, “único iogurte que combinaActifibras9 com bacilos probióticos10, proporci-onando uma ação mais eficaz em intestinos pre-guiçosos” (idem). O Iogurte Nesvita começou aser comercializado no Brasil em junho de 2006,mas está longe de atingir os níveis de venda doActivia, como pode-se observar nas gôndolas dossupermercados. No entanto, as duas empresas es-tão adotando estratégias aparentemente parecidas.

IV.1. Uma mesma estratégia: ligar alimentação esaúde

A Danone e a Nestlé empreenderam paralela-mente uma mudança estratégica noposicionamento dentro do concorrido mercadoalimentício mundial. Ambas reivindicam o estatu-to não somente de reconhecida empresa alimen-tar, mas também e sobretudo de “líder mundial danutrição, saúde e bem-estar” (no caso da Nestlé),alegando que estão atendendo às necessidades eaos anseios de consumidores atentos à sua saúdeem todas as etapas de sua vida. Simbolizando ocompromisso da empresa e a ligação entre alimen-tação, saúde e bem-estar, o lema da Nestlé é“Good Food, Good Life” (NESTLÉ, 2004). Igual-mente, a Danone afirma que sua missão é trazer asaúde, por meio da alimentação, ao maior númeropossível de pessoas e reivindica ser o único gru-po alimentício a focalizar totalmente a saúde(GROUPE DANONE, 2007a).

Como exemplos dessa mudança estratégica,podemos mencionar que a Nestlé Brasil iniciou,em 2007, o acréscimo de grãos integrais nos ce-reais matinais do grupo. De acordo com o presi-dente da Nestlé Brasil, Ivan Zurita, a inclusão degrãos integrais na composição dos produtos re-força o posicionamento adotado pela marca de seruma companhia de “nutrição, saúde e bem-estar”.

Paralelamente, o CADE11 aprovou, em novem-bro de 2007, a aquisição, em setembro do mesmoano, do setor de nutrição da Novartis, a Gerber,que inclui comida infantil e comida de perda depeso, pela multinacional suíça. De acordo com anota divulgada, a integração da Gerber “constituium passo decisivo na transformação da Nestlé naprimeira empresa mundial de nutrição”, afirma ogrupo12. A operação, anunciada em 12 de abril,por um valor de 5,5 bilhões de dólares, “coloca ogrupo na primeira posição de maior mercado mun-dial de alimentos para bebês”, acrescenta(NESTLÉ FINALIZA A COMPRA DA GERBER,2007). A companhia suíça recentemente comproutambém os negócios de nutrição médica daNovartis por 2,5 bilhões de dólares (NESTLECOMPRA GIGANTE, 2007).

Igualmente, numa clara orientação em direçãoaos alimentos-saúde, Danone vendeu, em julho de2007, sua divisão de biscoitos para a Kraft FoodsInc., por 7,4 bilhões de dólares, e comprou a RoyalNumico, uma empresa holandesa especializada emalimentos hospitalares e para bebês, por 17,2 bi-lhões de dólares. De acordo com o CEO daDanone, Franck Riboud, essa operação represen-ta uma das etapas finais do processo dereconcentração das atividades da Danone nos ali-mentos-saúde, iniciado em 1997, e que passou,entre outros, pela venda da marca de cervejaKronenbourg. Riboud gosta de lembrar que a mis-

9 Exclusivo composto de fibras solúveis prebióticas, deacordo com o sítio da Nestlé.

10 Da família de probióticos Lactobacillus Acidophilus.

11 O Conselho Administrativo de Defesa Econômica(CADE), criado em 1962 e transformado, em 1994, emautarquia vinculada ao Ministério da Justiça, “tem a finali-dade de orientar, fiscalizar, prevenir e apurar abusos depoder econômico” (CONSELHO ADMINISTRATIVODE DEFESA ECONÔMICA, 2007). Ou seja, ele zela pelaregulação do mercado, em particular ao ditar as regras daconcorrência. Qualquer fusão ou aquisição deve ser apro-vada pelo Conselho, no quadro de uma preocupação emassegurar a livre concorrência.12 A Nestlé tentou comprar a Gerber pela primeira vez em1990, mas perdeu a disputa para a Sandoz, que acabouintegrando-se à Novartis mais tarde.

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são da empresa é “trazer saúde através da alimen-tação para o maior número possível de pessoas” eaposta na procura crescente de alimentos saudá-veis por parte de uma população cada vez maisidosa, mais preocupada com sua saúde e maisconsciente das relações existentes entre alimenta-ção e bem-estar. De fato, as vendas mundiais debiscoitos aumentaram somente 3,1%, em 2006,enquanto a linha de produtos lácteos frescos daDanone cresceu 9,2%, com picos de 20% na Ar-gentina, no Brasil e no México e de 35% na Rússia(MACGRANE, 2007).

Com a compra da Royal Numico, reencontra-mos aqui uma estratégia já presente na Nestlé, ouseja, uma aposta nos alimentos vistos como sau-dáveis pelos consumidores e a preocupação emoferecer alimentos saudáveis para todos os mo-mentos e as etapas da vida. Houve de fato umareal transformação da Danone nos últimos anos.Em 1996, 39% de sua receita era proveniente doschamados alimentos saudáveis; em 2006, opercentual era de 84%, incluindo acomercialização de água mineral (marca Evian).Em 2007, com a venda da divisão de biscoitos e acompra da Numico, o resultado pró-forma indicaque 100% do faturamento deveu-se aos “alimen-tos saudáveis” (GROUPE DANONE, 2007b).

IV.2. Uma mesma preocupação com a pesquisacientífica e tecnológica

A Nestlé investe anualmente cerca de 1,5 bi-lhão de dólares (1,6% do faturamento) em pes-quisa e desenvolvimento de produtos, cujos sa-bores podem variar conforme a região onde sãovendidos. A Nestlé dispõe de uma das maioresequipes de desenvolvimento e pesquisa da indús-tria da nutrição, composta por 3 500 colaborado-res de mais de 70 nacionalidades, trabalhando em17 centros de pesquisa próprios (ProductTechnology Centers), localizados na América doNorte, Europa, África e Ásia. O Centro de Pes-quisa da Nestlé (Nestlé Research Center, NRC)em Vers-chez-les Blanc, perto de Lausanne, junta680 colaboradores, sendo 300 pesquisadores queunem seus esforços no quadro de uma aborda-gem multidisciplinar juntando ciências físicas, bi-ológicas, medicais e sociais. Em colaboração comas instituições científicas de diversos países, oNRC fomenta e divulga descobertas científicasem nutrição e saúde para “promover a melhoriada qualidade de vida de pessoas em todo o mun-do”. Em particular, as pesquisas objetivam trazer

inovações em seis áreas prioritárias: crescimento,imunidade, saúde intestinal, performance e bele-za, controle de peso e envelhecimento saudável(NESTLÉ, 2004). Desde sua inauguração, em1987, o NRC é o ponto focal das investigaçõescientíficas empreendidas pela Nestlé. Em 2006,gerou aproximadamente 350 estudos, que sãoaplicados em todos os centros do Grupo, 240publicações e 32 patentes. Somente na área denutrição infantil, a Nestlé investe, em média, 1 bi-lhão de dólares por ano em pesquisa e desenvolvi-mento de produtos. Dentre os principais estudosque foram realizados pelo NRC no campo de nu-trição infantil está a influência de nutrientes comoprobióticos no sistema imune e na defesa naturaldo organismo, incluindo a prevenção de alergias(NESTLÉ INAUGURA FÁBRICA, 2007).

Tentando manter-se na ponta da pesquisa ci-entífica, a Nestlé iniciou, em 2007, no Brasil, umapesquisa de milhões de dólares para “desvendaros mistérios do gosto”. O país foi escolhido porsua “riqueza genética”, sendo que a meta é tentar“personalizar o gosto”. A empresa quer antecipartendências das próximas décadas ao desenvolveralimentos específicos voltadas para grupos dife-renciados de consumidores ao redor do mundo.Para tanto, e seguindo a tendência recente de apos-tar nos genes como fator explicativo, quer avaliara influência do perfil genético de uma pessoa nasua sensibilidade aos gostos. A Nestlé montou umconsórcio com institutos de pesquisa do cérebronos Estados Unidos, Brasil e Suíça, para o estudoque terá duração de três anos e vai colher dadosmoleculares, biológicos e psicofísicos de mais de600 pessoas refletindo “a sociedade multi-étnica”.Os dados vão ser usados para comparar gruposda população entre genótipos e sensibilidade aogosto. Depois, será possível desenvolver produ-tos que correspondam também a todas as idadese estágios da vida, segundo a empresa (NESTLÉBUSCA PERSONALIZAR O GOSTO, 2007). Essapesquisa simboliza as ligações crescentes entre asgrandes indústrias alimentares e o meio científi-co, bem como as novas tendências nas ciênciasda nutrição.

Igualmente, a Danone aposta na aproximaçãocom o meio científico e insiste no fato de quesuas alegações de saúde estão cientificamente fun-damentadas. O grupo implementou, ao redor domundo, 16 institutos Danone para pesquisas naárea da nutrição em proximidade com as necessi-

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dades locais, registrou 30 patentes relacionadas àsaúde, em 2006, e mantém um “banco biológi-co” com 3 500 culturas de bactérias congeladas.A coleção iniciou-se na década de 1950, quandofuncionários da empresa começaram a trazer la-ticínios de suas viagens pelo mundo e trocaramostras com laboratórios universitários. Se oobjetivo inicial era identificar novas cepas debactérias que produzissem iogurtes mais sabo-rosos, hoje o esforço de pesquisa tornou-se maissistemático, tendo em vista a descoberta de po-tenciais sucessos de venda. O orçamento de 2006dedicado à pesquisa e desenvolvimento foi de 140milhões de euros, ou seja, 1,4% do faturamentoda empresa. O centro de pesquisa Danone Vitapol,localizado na França, congrega 362 cientistas devárias especialidades e 100 funcionários da áreade venda e marketing para “ajudar a acelerar oprocesso de inovação” (GROUPE DANONE,2007c). De fato, estudos mostram que a inova-ção e o desenvolvimento de novos produtos sur-gem muito mais do contato com os consumido-res do que de pesquisas levadas adiante por ci-entistas isolados em seu laboratório. Em repor-tagem publicada na revista Brasil Alimentos, em9 de maio de 2008, informa-se que a Danoneinvestirá 220 milhões de euros em pesquisas so-bre probióticos, em 2008. A empresa informouainda que os investimentos em pesquisa e desen-volvimento cresceram em função da compra daNumico (DANONE INVESTE 220 MILHÕES DEEUROS, 2008).

A estratégia de inovação científica etecnológica da Danone assemelha-se à das fir-mas farmacêuticas. Assim que os cientistas doVitapol acreditam ter uma cepa potencialmentelucrativa, a Danone realiza esforços exaustivospara testar a nova bactéria em seres humanos. Aempresa já empreendeu mais de 20 testes clíni-cos, seguindo protocolos parecidos com os usa-dos nos testes de remédios. Recentemente, porexemplo, pesquisadores acompanharam quatromil pessoas que ingeriram diariamente, duranteseis meses, em 150 lugares espalhados pelo mun-do, o iogurte líquido Actimel, que promete re-forçar o sistema imunológico.

Esse esforço científico converte-se em ins-trumento promocional. Em alguns países, o selo“cientificamente comprovado” aparece nitidamentenas propagandas do Activia, seja nos meios decomunicação, seja na própria embalagem do pro-

duto. As atividades de pesquisa são detalhadas noportal eletrônico da Danone e divulgadas por meiode uma revista científica, a Nutritopics. Em se-tembro de 2005, por exemplo, foi publicado umnúmero especial sobre os diversos tipos de leitesfermentados ao redor do mundo, trazendo dadoshistóricos, antropológicos e biológicos, com baseem uma extensa bibliografia. A Danone envia pa-cotes de dados para médicos e cita artigos cientí-ficos que comprovam os efeitos benéficos doBifidobacterium Animalis como parte de sua es-tratégia de venda.

Então, por quê, apesar de ter estratégias muitoparecidas, as duas empresas tiveram resultadosbem diferentes na comercialização do seu iogurtefuncional?

IV.3. Os ingredientes do sucesso do Activia

Entre as razões do êxito mundial do Activia,Mellentin (2007) cita três aspectosmercadológicos. Em primeiro lugar, uma estraté-gia global unificada, o que significa que em todosos países o nome do produto (Activia) e a mensa-gem (maneira natural e saborosa de regular o sis-tema digestivo) são os mesmos. A mensagem éveiculada, em particular, pelo nome, não somentedo produto, mas também do probiótico utilizado,que varia de acordo com os países: DanRegularisno Brasil, Bifidus Activo na França, Espanha ePortugal, Bifidus Regularis nos EUA, BifidusActiRegularis na Inglaterra – mantendo sempreseu aspecto sugestivo. Os nomes do probióticosão claramente utilizados na embalagem e na pro-paganda (MELLENTIN, 2007). Diferentemente doActivia, a marca Nesvita diz respeito, além dosiogurtes, a uma variedade de outros produtos, in-cluindo cereais e leite (em pó ou líquido), que vi-sam diversos objetivos, dentre eles diminuir ocolesterol e trazer fibras e cálcio.

Em seguida, uma campanha de marketingagressiva, com o desafio ao consumidor, publici-dade na TV e na mídia impressa e amostras. Des-taca-se a inovação na estratégia de venda doActivia, com o “desafio de duas semanas”: osconsumidores são convidados a consumir o pro-duto durante duas semanas e podem pedir reem-bolso, se não ficarem satisfeitos (idem). Desde olançamento no Brasil, em maio de 2004, o produ-to já recebeu investimentos de 100 milhões de re-ais só em publicidade e marketing. Num primeiromomento, a propaganda foi essencialmente

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explicativa, mostrando a funcionalidade do pro-duto através da apresentação do problema e dasolução13. A fase seguinte consistiu numa sériede testemunhos dando seu depoimento sobre aeficácia do produto. A Danone realizou uma pes-quisa com 160 consumidoras brasileiras e, para81% delas, o uso contínuo do Activia trouxe re-sultados. Além disso, os funcionários da Danonevisitam médicos, nutricionistas e/ou promovemseminários que abordam problemas intestinais,uma estratégia de marketing mais parecida com adas firmas farmacêuticas. Se a primeira campa-nha publicitária visava essencialmente as mulhe-res, consideradas como principal mercado con-sumidor, na mais recente campanha, lançada emmarço de 2008, os filmes têm como objetivo au-mentar a abrangência do produto para novos con-sumidores potenciais. Os filmes sãoprotagonizados por mães, crianças e idosos, quelevam suas experiências reais para diante dascâmeras14.

Finalmente, a diversificação contínua do pro-duto, em termos de sabores e de formato (bande-ja de quatro unidades de 100 gramas, iogurte lí-quido de 180, embalagem econômica de 600, io-gurte bicamada e a versão light), sem mudar oposicionamento do produto. Os novos formatospermitem aumentar o número e o tipo de ocasiõesde consumo e conquistar assim novos consumi-dores. No Brasil, o Activia é oferecido nos se-guintes sabores: natural, frutas vermelhas, coco,manga, nozes, morango, baunilha, maracujá, pês-sego, mel e cereais, ameixa e aveia, uma diversi-dade muito maior do que a do concorrente: o io-

gurte Nesvita, da Nestlé, aparece somente comos sabores ameixa, morango, e laranja com ma-mão.

Percebemos a elaboração de uma estratégiaao mesmo tempo global (mesmos nome, emba-lagem, mensagem, comunicação) e local. Defato, para levar em conta as preferências e tra-dições alimentares dos consumidores, Activia élocalmente adaptado. Presente em 36 países, eleassume a forma de iogurte (Américas do Nortee do Sul, Europa Ocidental e Ásia), de leite fer-mentado tipo kéfir ou laban (Rússia e ArábiaSaudita) e de queijo fresco (Europas Central eOriental) (GROUPE DANONE, 2007a). Igual-mente, como os franceses acreditam que asameixas ajudam no trânsito intestinal, o iogurteActivia existe nesse sabor na França; na China,o mesmo acontece com o pepino (MA-CGRANE, 2007).

Além disso, podemos encontrar, na estratégiada Danone, essa interseção entre alimentação esaúde práticas já identificada por Fligstein (2001)no caso da indústria de informática norte-ameri-cana. Por um lado, estabelecer parcerias que per-mitam o acesso ao conhecimento científico comcusto reduzido. Por exemplo, a Danone come-çou, em 2000, com uma participação de 5% (40%hoje) na empresa japonesa Yakult-Honsha. As duascompanhias colaboram ativamente, tendo criadouma joint-venture, em abril de 2005, para desen-volver o mercado indiano dos laticínios funcio-nais.

Por outro lado, a Danone procura estabelecerparcerias com pequenas companhias dotadas deconhecimento em nichos específicos do merca-do nutricional: ela comprou uma participação de20% na norte-americana Lifeway Foods, lídernacional de vendas de kefir, um tipo de leite fer-mentado tradicional na Europa Oriental. A parce-ria foi benéfica para as duas empresas, na medidaem que as vendas da Lifeway aumentaram pormeio do acesso aos canais de distribuição daDanone.

Assim, a inovação em termos de produto, depropaganda e de comercialização revelou-se be-néfica para a Danone, que estabeleceu sua lide-rança num novo nicho de mercado. Entretanto,essas estratégias não são elaboradas num vaziojurídico, mas num ambiente extremamente regu-lado pelo Estado.

13 Percebe-se aqui a identificação de um real problema desaúde, geralmente sem gravidade, mas que incomoda mi-lhões de pessoas ao redor do mundo. Pelas pesquisas daDanone, 32% das mulheres brasileiras teriam problemas defuncionamento do intestino. A empresa identificou aí umverdadeiro nicho de mercado e soube elaborar um produtoe uma mensagem que focaliza um problema de saúde, semno entanto tirar o aspecto de prazer da alimentação. Ouseja, ao mesmo tempo em que o iogurte é, supostamente,eficiente, ele não deixa de ser também saboroso, ao contrá-rio de um remédio, por exemplo.14 A Nestlé inspirou-se amplamente na estratégia daDanone, colocando no ar comerciais com depoimentos depersonalidades famosas, como a atriz Grazi Massafera, arespeito da eficácia do produto. Aparentemente, essa es-tratégia estaria dando certo, pois o Nesvita está alcançandoos níveis de venda do Activia no Nordeste, no primeirosemestre de 2008 (VALOR ECONÔMICO, 2008).

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IV.4. A necessária regulação do Estado

De acordo com Heasman e Mellentin (2001),o Estado participou ativamente na construção ena regulação do mercado dos alimentos funcio-nais, tanto do Japão (a regulação dos Foods forSpecified Health Uses – FOSHU – foiimplementada em 1991), quanto dos Estados Uni-dos (Nutrition Labeling and Education Act –NLEA –, de 1990, e Dietary Supplement Healthand Education Act – DSHEA –, de 1994). No casoda União Européia, seria justamente a falta deharmonização regulatória entre os países-membrosque constituiria o principal freio à expansão domercado dos alimentos funcionais. Ainda assim,é preciso distinguir entre os países do norte15,mais favoráveis à idéia de alegação de saúde, e ospaíses do sul, mais tradicionais (KITOUS, 2003).Nesse sentido, é necessário destacar a importân-cia da aprovação, em 2007, do Nutrition andHealth Claims Regulation (NHCR), quehomogeneíza as diferentes regulações nacionaisjá existentes. Por um lado, essa regulação é avali-ada positivamente, por permitir a livre circulaçãodos produtos com alegações de saúde cientifica-mente fundamentadas. Por outro lado, especialis-tas criticam inconsistências do texto e incertezasde ordem legal, que devem dificultar aimplementação da regulação e desestimular o pro-cesso de inovação (GRISOTTI, 2008).

De maneira geral, no mundo, as alegações desaúde dos alimentos funcionais são regulamenta-das pela Codex Alimentarius Commission16. Asrecomendações da Codex, publicadas em 1997,foram elaboradas com a aprovação da União Eu-ropéia, do Japão e dos Estados Unidos, mas elasincluem explicitamente a existência de regulamen-tações nacionais específicas, deixando a cada paísa livre escolha de sua regulamentação. Trata-sede uma abordagem indicativa e não imperativa,

visando à regulação progressiva das trocas alimen-tícias por meio de um ajustamento lento entre asregulamentações nacionais. A preocupação cons-tante manifestada pela Codex para com as práti-cas alimentares e as regulamentações nacionaismostra a necessidade de colocar cada alimento naperspectiva da dieta costumeira de uma dada po-pulação (idem).

Existe, no seio da Codex, uma oposição entreos Estados Unidos e a União Européia a respeitoda maneira de considerar a regulamentação dosalimentos funcionais. Os norte-americanos sãofavoráveis ao princípio de colocação no mercadocom aprovação tácita a priori e publicação de umalista negativa dos ingredientes proibidos, enquan-to os europeus pedem um controle preliminar dosalimentos com alegações de saúde e utilizam umalista positiva dos ingredientes autorizados. Assim,ao princípio de liberdade do mercado opõe-se oprincípio de precaução sanitária e alimentar(GRISOTTI, 2008).

Por sua vez, o Estado brasileiro parece estaracompanhando a tendência européia de precau-ção. Desde 1999, a Comissão de AssessoramentoTécnico-Científico em Alimentos Funcionais eNovos Alimentos (CTAF), da Agência Nacionalde Vigilância Sanitária (Anvisa), analisa os “pro-dutos com alegações de propriedades funcionaise/ou de saúde” e publica a lista dos produtos apro-vados (AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIASANITÁRIA, 2007). A Resolução n. 19/1999 exigeque, para fins de registro de alimentos com alega-ção de propriedades funcionais e/ou de saúde emsua rotulagem, o interessado apresente, além dosdocumentos exigidos conforme legislação espe-cífica, um relatório técnico-científico contendovárias informações, dentre elas “evidências cien-tíficas aplicáveis, conforme o caso, à comprova-ção da alegação de propriedade funcional e/ou desaúde”. Alguns autores denunciam as deficiênci-as da Anvisa no que tange à regulamentação dosalimentos funcionais, essencialmente diante docaótico processo de reavaliação das alegaçõesaprovadas (GRISOTTI, 2008).

No entanto, é com base nessa legislação e noDireito Comercial que a Danone entrou na Justiçacontra a Nestlé e ganhou, em janeiro de 2007,uma liminar que impede a concorrente de colocarno ar comerciais do seu iogurte funcional Nesvita,sob pena de pagamento de multa diária de 10 000reais, por fazer comparações e prometer benefí-

15 Na Holanda, por exemplo, a Universidade de Wageningene os Institutos NIZO e TNO contribuíram, em 1998, paraa oficialização de um código de avaliação dos benefíciosque alimentos e bebidas podem trazer à saúde.16 Órgão internacional baseado em Roma (comum à Orga-nização Mundial de Alimentos e à Organização Mundial daSaúde) que, em relação com os órgãos internacionais (Orga-nização Mundial do Comércio, Conferência da Organiza-ção das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvi-mento etc.), regionais (União Européia, Nafta etc.) e naci-onais (ministérios), está encarregado de promover as boaspráticas industriais no setor alimentício (KITOUS, 2003).

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cios ainda não comprovados. De fato, a campa-nha publicitária do Nesvita apoiava-se em umatabela nutricional comparativa, de acordo com aqual o pote de 100 gramas de Nesvita apresenta-ria menos calorias e gorduras totais, e mais cálcioe vitamina E do que o “concorrente”, nomeada-mente o iogurte Activia (NESTLÉ, 2007). A Jus-tiça concedeu a liminar por considerar que se tra-tava de uma prática de “concorrência desleal”.Além disso, a Danone argumenta que a bactéria“bifidobacterium animalis” utilizada no Activia éa única espécie autorizada pela Anvisa a ostentar aalegação de que auxilia o funcionamento do intes-tino. Enquanto as demais estão autorizadas ape-nas a alegar que contribuem para o equilíbrio daflora intestinal (PORFIRIO, 2007)17.

Percebemos aqui a luta entre as empresas paraconquistar a liderança no mercado dos iogurtesfuncionais, e a necessidade de uma regulamenta-ção jurídica para fixar as regras do jogo18.

V. CONCLUSÃO

Neste texto, verificamos a existência de lutasno mercado, em que a inovação e o lançamentode novos produtos são necessidades para empre-sas que pretendem manter ou estabelecer sua li-derança. A Danone foi pioneira no ramo dos io-gurtes funcionais e aparece hoje como a empresadominante nesse nicho de mercado. Como diriaPierre Bourdieu (2005, p. 36), “ela constitui um

ponto de referência obrigatório para seus concor-rentes que, façam o que fizerem, são intimados atomar posição em relação a ela, ativa ou passiva-mente”. De fato, as ações da Nestlé só podem serentendidas em relação às iniciativas da Danone.Nesse campo de lutas, o Estado desempenha umpapel fundamental, ao definir as regras do jogo en-tre os parceiros da troca e entre os concorrentes.

Como pudemos perceber, o êxito do Activiaapóia-se em uma combinação entre um real es-forço de pesquisa científica e tecnológica e umaagressiva campanha de comunicação, aliada a par-cerias estratégicas com empresas que podem for-necer acesso, a baixo custo, a determinado saber.A ampla aceitação do Activia reside ainda em umaestratégia ao mesmo tempo global e localmenteadaptada. De fato, observa-se nas últimas déca-das um processo crescente de globalização da ali-mentação, de maneira semelhante ao que vemocorrendo em outros setores econômicos. Noentanto, a articulação entre os níveis local e globaltorna-se particularmente premente neste caso,devido, primeiramente, ao caráter necessariamentelocal da produção e, em segundo lugar, às carac-terísticas eminentemente culturais da alimentação.Essas particularidades implicam na elaboração deum referencial teórico específico para dar contadas dinâmicas que vêm recentemente afetando osetor alimentar (OOSTERVEER, 2007).

Igualmente, apesar de suas contribuições, aanálise de Bourdieu apresenta a falha de nãoconceituar devidamente a atuação do consumidorno mercado, visto como sendo essencialmente ummercado de produtores. Percebe-se aqui que osconsumidores representam um elemento muitopassivo no modelo teórico de Bourdieu, na medi-da em que são as empresas e o Estado que de-sempenham um papel preponderante no processode mudança. De maneira geral, Bourdieu (2000)empenha-se em mostrar como os consumidoressão manipulados pelas empresas, em particular pormeio da propaganda. De acordo com Goodman eDuPuis (2002), muitas das pesquisas realizadasrecentemente na área da agricultura e da alimen-tação pecam por uma ênfase excessiva no lado daoferta, em detrimento de uma análise séria da de-manda, devido ao seu viés marxista. Pensamos,portanto, que seria desejável aprofundar a presenteanálise ao levar em conta a influência que os con-sumidores tiveram no lançamento e no êxito dosalimentos funcionais. Por exemplo, Nestlé (2003)reconhece que foi a pressão dos consumidores

17 Em 27 de junho de 2008, a Anvisa proibiu a veiculaçãode comerciais do Activia no Brasil com o mesmo argumen-to. De acordo com a Resolução n. 2 125, publicada noDiário Oficial da União no mesmo dia, a Agência consideraque a empresa tem sugerido, por meio das afirmações vei-culadas, a ingestão do produto como tratamento para ofuncionamento intestinal irregular (constipação intestinal).Em nota divulgada no seu sítio, a Anvisa afirma que “aspeças publicitárias induzem o consumidor à idéia de que aingestão do produto é solução definitiva para problemas deconstipação intestinal”. A propaganda massiva contribui-ria para que uma pessoa retardasse “o diagnóstico de doen-ças potencialmente graves que apresentam como sintoma aconstipação”. Ou seja, reafirma-se que alimento funcionalnão é remédio e que, portanto, as empresas não podemalegar efeito terapêutico do seu produto.18 Na mesma época, a Nestlé e a Danone disputavam naJustiça também o direito de uso de embalagens de seusrespectivos pudins de chocolate: Dany (Danone) e Muuuu!(Nestlé). A Danone acusava a concorrente de copiar a em-balagem de seu produto e queria indenização por perdas edanos (PORFIRIO, 2007).

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OS ALIMENTOS FUNCIONAIS: A NOVA FRONTEIRA DA INDÚSTRIA ALIMENTAR

por maiores informações sobre as ligações entrealimentação e saúde que incentivou o governonorte-americano a elaborar novas regulamentaçõespara os bens alimentícios, na década de 1990. NoBrasil, uma análise preliminar sugere que os con-sumidores estão sendo fortemente influenciados

pela propaganda e que a iniciativa da legislação edo lançamento dos produtos partiu muito mais dasempresas e do Estado. Entretanto, pesquisas maisaprofundadas precisam ser levadas adiante parapoder confirmar, ou não, esta hipótese com maissegurança.

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THE MONDOVINO UPSIDE DOWN: TRANSFORMATIONS IN THE INTERNATIONALWINE MARKET AND THE NEW WINEGROWING ENTREPRENEURIAL CLASS

Mauro Roese

The backdrop of this paper is the radical transformation of the entrepreneurial world in winegrowingthat has been brought about by the entrance of new producers and the emergence of a new and nowglobal culture of wine consumption. I analyze this transformation in the light of contributions made bya new Economic Sociology, as well as by social science perspectives on science and technology.The “popularization” of consumption is a reflection of the growth in the offer of quality wines as wellas the price drop that has been made possible through the dissemination of technology and knowledge.This process has led to a loss of the “secrecy” that once surrounded the production of quality wines:what was once the privilege of a few producers and regions, kept under lock and key by familyproducers, has now become an object that can be apprehended and obtained through investments intechnology and training. As a result, new producers of high quality wine have emerged in countrieslike Chile, Australia, South Africa and Brazil, among others. This transformation may be seen fromtwo particular angles: one which focuses on the product’s lost “aura” and with it, producers’ andconsumers’ loss of privilege, and another which is linked to the social production of a new marketincluding new producers and widening consumer access to quality wines. . This expansion of supplyand consumption of quality wines has, nonetheless, been accompanied by the transformation oftraditional winegrowers into cult objects that have become synonymous with exclusivity and distinction.The latter have thus become more restrictive and their wines, overvalued.

KEYWORDS: winegrowers; social construction of the market; Economic Sociology; Social Studiesof Science and Technology; luxury market.

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FUNCTIONAL FOODS: THE NEW FRONTIER OF THE FOOD INDUSTRY – DANONEAND NESTLÉ STRATEGIES FOR THE BRAZILIAN YOGURT MARKET

Cécile Raud

Functional foods, foods that promise to help in cure and prevention of disease, are the new tendencycharacterizing the food industry’s powerful market at the beginning of the 21st century. Yogurts,margarines, buttermilk, cereals, mineral water, etc. promise aid in curing or prevention of diseasessuch as those affecting the cardiovascular system, certain types of allergies, intestinal problems etc.,Among key factors that explain the success of functional foods are the growing concern with healthand well-being, changes in food industry regulation and growing scientific evidence of the relationshipsexisting between diet and health. We have chosen to analyze and compare the strategies of twomulti-national firms (Danone and Nestlé) that exercise a rivalry on the shelves of Braziliansupermarkets over who will prevail on the functional yogurt market. Danone’s Activia wassuccessfully introduced throughout a number of European countries in the mid-1990s and on theBrazilian market in 2004, leading to a considerable renewal of the market for dairy products. Inresponse, Nestlé introduced Nesvita in June of 2006. Using the New Economic Sociology as ourbasis, we verify the existence of market struggles in which innovation and introduction of newproducts are necessities for firms that intend to maintain or establish leadership. Within this field ofstruggle, the State holds a major role, defining the rules of the game both for partners and competitors.

KEYWORDS: functional foods; innovation; market; State; Danone; Nestlé.

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diffusion de la technologie et des savoir-faire. Cela a entraîné la rupture du “secret” de la productiondu vin de qualité : ce qui autrefois était le privilège de quelques producteurs et régions, héritagesauvergadé à clé au sein des familles, devient l’objet de connaissance et peut être acquis au moyendes investissements dans la formation technologique. Par conséquent, de nouveaux producteurs devin de qualité excellente sugissent dans des pays comme le Chili, l’Australie, l’Afrique du Sud, leBrésil, entre autres. Cette transformation peut être vue sous deux angles : celui de la fin “de l’aura”du vin, et en conséquence la perte du privilège de producteurs et de consommateurs, et celui de laproduction sociale d’un nouveau marché qui atteint de nouveaux producteurs et rend possible l’accèsà d’autres consommateurs de vins de qualité. Pourtant, cette expansion de l’offre et de laconsommation de vins de qualité fait en sorte que les vinicoles traditionnelles deviennent des objetsde culte et synonymes d’exclusivité et de distinction. Devenant un groupe encore plus restreint, cesvinicoles ont vu leurs vins revalorisés davantage.

MOTS-CLÉS : entreprises vinicole ; construction sociale du marché ; Sociologie Économique ; ÉtudesSociales de Science et de Technologie ; marché de luxe.

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LES ALIMENTS FONCTIONNELS : LA NOUVELLE FRONTIÈRE DE L’INDUSTRIE AGRO-ALIMENTAIRE – LES STRATÉGIES DE DANONE ET NESTLÉ SUR LE MARCHÉBRÉSILIEN DE YAOURTS

Cécile Raud

Les aliments fonctionnels qui promettent d’aider à la guérison ou à la prévention des maladies, sontla nouvelle tendance du puissant marché agro-alimentaire au début du XXIème siècle. Yaourts,margarines, lait fermenté, céréales, eaux minérales, etc. promettent d’aider à la guérison ou à laprévention des maladies comme les maladies cardio-vasculaires, certains types de cancer, alérgies,problèmes intestinaux etc. Parmi les facteurs-clés qui expliquent le succès des aliments fonctionnels,figurent celui du souci concernant la santé et le bien-être, les changements de la réglémentation desaliments et la comprovation scientifique du rapport entre régime alimentaire et santé. Nous avonschoisi d’analyser et de comparer les stratégies de deux multinationales (Danone et Nestlé) qui semesurent dans les rayons des supermarchés brésiliens afin de prédominer sur le marché des yaourtsfonctionnels. L’Activia, de Danone, a été présenté avec succès à plusieurs pays européens, aumilieu des années 1990, et au marché brésilien, en 2004, ce qui a entraîné une importante révitalisationdu marché des produits laitiers. Réagissant à cela, Nestlé a lancé le Nesvita, en juin de 2006. Ennous appuyant sur la Nouvelle Sociologie Économique, nous avons vérifié l’existence de luttes dansle marché, exigeant de l’innovation et le lancement de nouveaux produits pour les entreprises quiveulent continuer à être ou devenir le numéro un de l’agro-alimentaire. Dans ce champs de bataille,l’État joue un rôle essentiel, lorsqu’il établit les règles du jeu entre les partenaires de l’échange etentre les concurrents.

MOTS-CLÉS : aliments fonctionnels ; innovation ; marché ; État ; Danone ; Nestlé.

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NATIONALISMES ET INTERNATIONALISME: UM DÉBAT ENTRE MICHAEL LÖWY ETMICHEL CAHEN

Ângela Lazagna, Michel Löwy et Michel Cahen

Cet article porte sur un débat réalisé entre Michel Löwy et Michael Cahen au milieu des années1990 et est révisé pour cette publication. Même si la discussion se reporte à des événements quid’une certaine manière peuvent être considérés comme datés, la préoccupation de fond, assezcourante en ce qui concerne ces articles, la rend actuelle : il faut approfondir la réflexion, à partir dela théorie marxiste, sur le problème des nationalismes et de l’internationalisme sous l’ère de la