Alimento Quase - Universidade NOVA de Lisboa

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Setembro, 2016 Patrícia de Almeida Gabriel Mestrado em Matemática Computacional Alimento Quase Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Ciências Gastronómicas Orientadora: Prof.ª Doutora Paulina Mata, Prof.ª Auxiliar, FCT/UNL Co-orientadora: Maria de Lourdes Modesto Júri: Presidente: Prof.Doutor João Paulo Noronha Arguentes: Prof.ª Doutora Suzana Parreira Chefe Luís Baena Vogal: Prof.ª Doutora Paulina Mata

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Setembro, 2016

Patrícia de Almeida Gabriel

Mestrado em Matemática Computacional

Alimento Quase

Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Ciências Gastronómicas

Orientadora: Prof.ª Doutora Paulina Mata, Prof.ª Auxiliar, FCT/UNL

Co-orientadora: Maria de Lourdes Modesto

Júri:

Presidente: Prof.Doutor João Paulo Noronha

Arguentes: Prof.ª Doutora Suzana Parreira Chefe Luís Baena

Vogal: Prof.ª Doutora Paulina Mata

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Setembro, 2016

Patrícia de Almeida Gabriel

Mestrado em Matemática Computacional

Alimento Quase

Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Ciências Gastronómicas

Orientadora: Prof.ª Doutora Paulina Mata, Prof.ª Auxiliar, FCT/UNL

Co-orientadora: Maria de Lourdes Modesto

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Alimento Quase Copyright © [Patrícia de Almeida Gabriel], Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa. A Faculdade de Ciências e Tecnologia e a Universidade Nova de Lisboa têm o direito, perpétuo e sem limites geográficos, de arquivar e publicar esta dissertação através de exemplares impres-sos reproduzidos em papel ou de forma digital, ou por qualquer outro meio conhecido ou que venha a ser inventado, e de a divulgar através de repositórios científicos e de admitir a sua cópia e distribuição com objectivos educacionais ou de investigação, não comerciais, desde que seja dado crédito ao autor e editor.

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à minha mãe,

que dela

colhi

o primeiro

gesto

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De facto, uma viagem nunca acaba quando se chega a casa, sobretudo uma viagem tão rica e intensa quanto esta. Ela prolonga-se, noutros moldes. Há situações que na altura vivemos de uma forma e que depois reinterpretamos, há que "digerir" tudo o que se passou, analisar com algum distanciamento…enfim…o processo continua por muito tempo…por toda a vida por vezes.

PAULINA MATA nova crítica, 2011

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___ AGRADECIMENTOS

À Professora Paulina Mata, por toda a aprendizagem e todos os momentos de partilha, entusi-asmo e irreverência. Aprendi imenso consigo, nestes últimos dois anos. A maior admiração pela sua capacidade de ir mais além, sempre num horizonte largo e de retribuir com esse amor, liber-dade e aceitação genuína. Não há maior presente do que esse. À Maria de Lourdes Modesto, a nossa "guardiã do fogo" que desde o primeiro momento me recebeu e ouviu e partilhou o seu conhecimento e sabedoria com tamanha generosidade e hu-mor. Uma enorme admiração e fonte de inspiração. Ao meu pai, que é a pessoa que me é maior neste mundo. À minha avó, que nos ensina a cada dia pela sua força e garra e por todos os seus gestos que nos alimentam com substância. À minha família que me acompanha nestas viagens e acredita. Sempre. À prof.ª Catarina Prista por toda a disponibilidade e partilha, à prof.ª Isabel Coutinho pela exu-berância constante que é tão inspiradora, ao prof. Manuel Malfeito por ter apoiado as minhas iniciativas, ao prof. João Noronha que sempre me faz acreditar que vale a pena. À equipa d’O Apartamento pela disponibilidade em partilharem a sua casa. Aos meus amigos, cada um tão especial e me habita por dentro. Pelo tempo dedicado, por acreditarem em mim e por me ajudarem a crescer. Por acreditar que sempre há uma mão que me acompanha e se partilha. A cada um dos meus colegas de mestrado pelas horas e momentos partilhados durante estes dois anos tão ricos e tão cheios. A todos os que fizeram parte da odisseia chamada Alimento ou Sardinha ou tantos outros mo-mentos em que se sentaram comigo e acreditaram que ir além ainda é possível e vale a pena e que a partilha é a melhor coisa do mundo, apesar das horas, do esforço e do carinho a dedicar.

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___ RESUMO

Alimento Quase, o trabalho que se apresenta nesta dissertação, é resultado dos conhecimentos adquiridos durante a frequência do Mestrado em Ciências Gastronómicas. Consiste na criação de um menu, Alimento, de 12 + 1 momentos e no desenvolvimento das respectivas receitas para um jantar experimental, realizado em Lisboa, no espaço O Apartamento, a 20 de maio, do ano corrente.

Com base nas experiências e vivências da autora, construiu-se uma sequência de pratos que foram acompanhados de suportes mixed media e envolvências inusitadas que encontram su-porte científico nas últimas investigações no âmbito das experiências multissensoriais. O alimento é tratado como "objeto" promotor e sustentador de vida, com todas as suas com-ponentes multidimensionais. O desenvolvimento do menu, pratos e jantar, é o resultado de um processo criativo que foi evoluindo ao longo do mestrado, a par com a aquisição de conheci-mentos e práctica relativa a novas técnicas culinárias. Importante, também, foi o intercâmbio cultural vivenciado no curso. Cozinhar é o modo de vida escolhido pela autora. Alimento, foi uma forma de comunicar a sua história, partilhá-la e permitir que outros a vivenciassem interpretando-a segundo as suas refe-rências e experiências. O método escolhido para descrever cada um dos momentos de Alimento é a autoetnografia, como forma de relatar e sistematizar a experiência de criação, mas também como forma de materializar a linguagem: comida. Parte-se do alimento conhecido para o ali-mento criado. Primeiro chega o alimento e só depois a linguagem, onde saber e sabor partilham de uma mesma etimologia. Alimentamo-nos de vida e de alimento e, usando a expressão de Baudelaire, devemos alimentar-nos de vinho, poesia e de virtudes, sem cessar. Alimento Quase são dois anos partilhados em forma de refeição. Pretende, ainda, ser uma contribuição para uma nova e mais complexa apro-ximação ao acto de criar uma refeição, sustentada por investigação científica recente. Palavras-chave: alimento multissensorial

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___ ABSTRACT

Alimento Quase, the research presented on this thesis, is the result of the assisted two year´s Master in Gastronomic Sciences. It consists on the creation of a menu, Alimento, with 12+1 mo-ments and the development of each recipe served on an experimental dinner that was held in Lisbon, at O Apartamento, on 20th May, 2016. Taking into account the experience and background of the author, a sequence of dishes was served along with mixed media and unusual scenarios that finds scientific support on recent re-searches involving multisensorial eating experiences. Each dish is built as an "object" that promotes and sustains life, with all its multidimensional components. The development of the menu, dishes and everything related with the dinner are a result of the creative process that evolved along the past two years of learning and acquaintance of modern culinary techniques. Important, as well, was the influence of the melting pot of cultures and backgrounds of the people, that enrol on this type of graduation. Cooking is the expression of the author´s self. Alimento was the vehicle to share her personal story and let others live it on their own way. The research method, used to describe each of Ali-mento moments is the autoethnography, since it´s a method that allows the researchers to de-scribe and systematize their personal experience and, in this case, on a menu’s creation. It began with the common food items to recreate the ones idealized and served at the experimental din-ner. As we nurture ourselves with life itself, we should, in Baudelaire’s words, continuously be fed on wine, poetry and virtues. Alimento Quase is two years shared on the form of a meal. Supported by recent researches, it also intends to contribute for a new and more complex approach to the act of eating and creating a meal. Keywords: multissensorial meal

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___ CONTEÚDO

AGRADECIMENTOS vii

RESUMO ix

ABSTRACT xi

CONTEÚDO xiii

INDÍCE DE TABELAS xv

INDÍCE DE FIGURAS xvii

1 INTRODUÇÃO 1

1.1 METODOLOGIA 4

2 ALIMENTO MULTISSENSORIAL 5

2.1 SENSORIAL TURN 5

2.2 COMO PERCEPCIONAMOS A COMIDA? 10

2.3 FISIOLOGIA DO GOSTO 11

2.3.1 UMAMI 14

2.3.2 DOCE 16

2.3.3 AMARGO 16

2.3.4 SALGADO 17

2.3.5 ÁCIDO 17

2.4 FISIOLOGIA DO OLFACTO 18

2.5 FISIOLOGIA DA AUDIÇÃO 20

2.6 FISIOLOGIA DO TACTO 22

2.7 FISIOLOGIA DA VISÃO 23

2.8 SENSAÇÕES TRIGEMINAIS 25

2.9 SABOR 26

2.9.1 O PAPEL DO CÉREBRO 26

2.9.2 COMO SE DESENVOLVEM AS PREFERÊNCIAS DOS SABORES

27

2.9.3 PREFERÊNCIAS DE SABOR COMO EXPERIÊNCIA APREENDIDA

27

2.9.4 SACIEDADE E FOME 28

2.9.5 COMIDA E PRAZER 29

2.9.6 EFEITO DE CONGRUÊNCIA 30

2.9.7 EFEITO DE NOSTALGIA E CONTEXTO 30

2.9.8 EFEITO DA EXPECTATIVA 31

2.9.9 INTEGRAÇÃO MULTISSENSORIAL 32 2.9.9.1 EXPERIÊNCIAS MULTISSENSORIAIS 34

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xiv

3 ALIMENTO QUASE 37

3.1 CONTEXTO 37

3.2 MOMENTOS 40

MOMENTO 0 À CHEGADA

41

MOMENTO 1 EVOCAÇÃO + O C’HOUVER

43

MOMENTO 2 INDIA SONG

49

2.1 PATATUTOPIA 49

2.2 LIKE DAVID HOCKNEY COULD HAVE SAID 50

2.3 INDIA SONG 52

2.4 ÁGUA ESSENCIAL 55

MOMENTO 3 QUENTES E BOAS

59

MOMENTO 4 NO MAN IS AN ISLAND OU ILHA SABRINA

63

MOMENTO 5 COMER O CORAÇÃO + PAISAGEM HABITADA

67

MOMENTO 6 1POR3 OU A SOMBRA DE UMA SARDINHA

73

MOMENTO 7 AOS SÁBADOS QUANDO HAVIA COENTROS NA PRAÇA

OU 4 ESTAÇÕES

79

MOMENTO 8 ONCE YOU HAD THE FIRST LUXURIANT TASTE

OF NOTHING, NOTHING ELSE WILL DO

83

MOMENTO 9 DIAS DE CAÇA

87

MOMENTO 10 CALDO VERDE

91

MOMENTO 11 FAST FRUIT OU

HÁ LUGARES QUE NÃO TÊM ESPAÇO NA NOSSA IMAGINAÇÃO, HABITAM-NOS

95

MOMENTO 12 THE END IS THE BEGINNING, THE BEGINNING IS THE END

99

MOMENTO 12 + 1 TURN THE TABLE

101

4 CONCLUSÃO 105

5 BIBLIOGRAFIA 109

6 ANEXOS 117

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___ LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Estudos da influência do ruído na percepção do gosto 21

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___ LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Excerto de Tudo num Ponto, Cosmicómicas, Italo Calvino 3

Figura 2. Triângulo Culinário, Lévi Strauss 6

Figura 3. Mary Douglas, esquema circular do universo social 6

Figure 4. Modelo de percepção de alimentos 10

Figura 5. Células receptoras gustativas, localizadas ao longo do corpo 12

Figura 6. Superfície da língua e papilas gustativas 12

Figura 7. Transmissão do gosto ao cérebro 13

Figura 8. Distribuição dos 5 gostos na língua 13

Figura 9. Receptores dos gostos umami, doce, ácido, salgado e amargo 14

Figura 10. Gosto umami 15

Figura 11. Corte transversal da cabeça humana 19

Figura 12. Visão humana 24

Figura 13. Espectro visível 24

Figura 14. Orange and beetroot jelly 25

Figura 15. Integração multissensorial do sabor 26

Figura 16. Corte transversal do cérebro. Libertação de dopamina em áreas que envolvem o sistema de recompensa

29

Figura 17. Sabor multissensorial 33

Figura 18. Extracto de pinhão quente servido em copo gelado, Ferran Adrià

34

Figura 19. Sound of the Sea, Heston Blumenthal 35

Figura 20. El Somni, irmãos Roca 35

Figura 21. Les plaisirs de l'isle enchantée, Israël Silvestre 36

Figura 22. Alimento quase 39

Figura 23. Welcome Nina Simone, colagem que ilustra a projecção sobre o verde

41

Figura 24. O C’houver, colagem 44

Figura 25. O C’houver, NF 45

Figura 26. Evocação, colagem 46

Figura 27. Evocação, NF 49

Figura 28. Suporte, colagem 49

Figura 29. Patatutopia, Agnès Varda 50

Figura 30. like David Hockney could have said, colagem 51

Figura 31. India Song, ilustração 53

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Figura 32. Água Essencial, ilustração 55

Figura 33. De cima para baixo, 1- chegada à mesa da Água essencial, 2 – Água Essencial na mão, CG

56

Figura 34. De cima para baixo: processo de montagem de Quentes e Boas, NF, CG

59

Figura 35. Preparação das vagens de ervilha da quinta do Poial, NF 61

Figura 36. No man is an island ou Ilha Sabrina, sugestão de serviço, MJ 63

Figura 37. a. Menu Ilha Sabrina; b. Ilha Sabrina na mesa, CG 64

Figura 38. Empratamento de todos os componentes no basalto, NF 65

Figura 39. Início da criação de Ilha Sabrina, colagem 66

Figura 40. Menu (papel vermelho) e Comer o coração + Paisagem Habitada, CG

67

Figura 41. Comer o coração, sugestão de serviço, MJ 68

Figura 42. Pormenor de Paisagem Habitada, CG 69

Figura 43. a. Dispositivo de Som, b. Montagem do prato, NF 70

Figura 44. De cima para baixo, da esquerda para a direita, a. menu aberto, b. preparação do serviço, c. início da projecção, d. servido em sequência,

e. final da projecção, as mãos da Maria José, f. Comer o Coração + Paisagem Habitada, NF(e.), CG

71

Figura 45. 1por3 ou A Sombra de uma Sardinha, sugestão de serviço, MJ 73

Figura 46. De cima para baixo, a. Menu, b. Vídeo, CG 74

Figura 47. Guardanapo como base do prato, NF 74

Figura 48. O prato já na mesa e colocação do tomate em pó, CG. 75

Figura 49. Primeira apresentação de Sombra de uma Sardinha, PCG 77

Figura 50. Aos Sábados Quando Havia Coentros Na Praça Ou 4 Estações, MF

79

Figura 51. Menu do momento 7, PM 80

Figura 52. Preparação e prato finalizado antes de ir para a mesa, NF 82

Figura 53. Momento 8, a. Fortune cookie, NF, b. Empratamento, CG, c,d. Na mesa, PM

83

Figura 54. Once You Had The Luxuriant Taste Of Nothing, Nothing Else Will do 84

Figura 55. Dias de Caça I, NF 87

Figura 56. Menu Dias de Caça, MJ 88

Figura 57. Ar de Alpedrinha, PM 89

Figura 58. Texturas do alho francês, NF 90

Figura 59. Dias de Caça II, NF 90

Figura 60. Menu do Caldo Verde, PM 91

Figura 61. Taça para Caldo Verde, JPN 92

Figura 62. Caldo Verde, NF, com colagem 92

Figura 63. Fast Fruit, CG 95

Figura 64. Ilha do Ibo, 2010 97

Figura 65. The End Is The Beginning, The Beginning Is The End, NF

99

Figura 66. Turn the table, NF 101

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Figura 67. Turn the table em pedaços, NF 102

Figura 68. Chá e café I, NF 102

Figura 69. Chá e café II, NF 103

ABREVIATURAS :

CG - Cristina Ganâncio JPN - João Paulo Noronha

MJ - Maria José Elias NF - Nuno Fox

PCG - Pedro Cruz Gomes PM - Paulina Mata

Sem referência - autoria própria

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___ INTRODUÇÃO 1

Abro a porta. Na sala ligo o computador e depois as colunas. Vou à cozinha e vejo como estão as frutas. Já no terraço são as mentas, a sálvia,

o tomilho, physalis, gerânio e o verde. Sempre o verde. Volto à cozinha e tudo começa. A música mais alto. E os tachos, as panelas,

o desidratador ou o termocirculador e a escolha das folhas boas, dos cheiros que combinam.

Gestos. De pegar. Cortar e ligar. Um movimento. Lá atrás a música. Sempre a música. Como se a vida acontecesse mais livre e tudo tivesse o curso que tem que ter, inevitável,

atento, frágil, sensível. Pura ourivesaria. É o descascar, o tornear, o pensar e reflectir as formas, a composição, as cores, acima de tudo os sabores, as memórias.

Há um constante devir. Alimento.

Ao longo de dois meses, de Março a Maio, do ano corrente, foi sendo criado o menu Alimento, composto de 12+1 pratos, apresentados detalhadamente no terceiro capítulo. O desafio foi lan-çado pela prof.ª Paulina Mata e sei que Alimento existe pelo seu apoio e entusiasmo. O menu foi apresentado n’O Apartamento, dia 20 de Maio, servido a 15 pessoas, simultanea-mente, por 15 amigos que aceitaram o desafio de me acompanhar nesta proposta. A refeição foi envolta de música, de suportes diferenciados, projecções e alguma encenação ao servir. Procurávamos que todos os comensais estivessem envoltos numa viagem entre o prato e o espaço em seu redor. Os sabores apresentados eram, na grande maioria, conhecidos e base-ados nos sabores portugueses autênticos. A sardinha assada, o bacalhau, a perdiz de escabeche ou uma gemada. A composição de cada prato foi construída com base no que estaria disponível na Quinta do Poial e o que fosse possível criar neste espaço de tempo. Como a organização, os suportes, as músicas ou os vídeos que foram, parte deles, feitos para este momento.

Alimento foi criado para ser uma festa, um banquete, uma celebração que se reúne como expe-riência de quem a vive à mesa e de quem a prepara e serve. É estender o momento de refeição na partilha e na surpresa do desconhecido, é olhar as paisagens na parede da sala e ouvir no prato o som do Poial. É uma provocação. É colher e comer à mão. É uma viagem aos sabores originais e às histórias de infância. Sou eu e todos os que me habitam. É o que não parece ser. É

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estar e ser o ramo, a cortiça, a pedra. Azeite. Batata. Beterraba. Cebola. Couve. Ovo. Na sequên-cia que melhor se fez. É diversão. É não saber como comer. É não saber. A maior liberdade que se tem.

Nos dois anos que decorreu o Mestrado em Ciências Gastronómicas foi possível conhecer, mais de perto, a excelência da gastronomia molecular e perceber como, tão bem, permite uma arqui-tectura alimentar. A magia do mostrar/esconder, visível/invisível, que as técnicas permitem à luz da criatividade. Ao longo destes dois anos, de contacto entre professores e alunos, vivenciou-se um caldo de cultura excepcional para que em paralelo as ideias começassem a materializar-se.

No decorrer do curso foi possível desenvolver, para algumas apresentações, conceitos que foram melhor testados e servidos neste jantar. Pela primeira vez aproximo o conceito de uma forma inteira, eu em modo linguagem, comida. A importância que o alimento tem como sustento, res-taurativo, mas igualmente a sua influência no social e no desenvolvimento de nós como espécie.

Há para mim uma supremacia do alimento como forma de expressão e comunicação: exige uma pausa. Sentados, de preferência. Um ritual que pede silêncio para se consumar. Como Roland Barthes [1] aponta, saper e sapere têm a mesma raiz etimológica. Para falar e para comer usamos o mesmo canal, mas para comer temos que silenciar. Engolimos e só depois voltamos ao signo.

As influências nesta criação são muitas, foi como conjugar algumas das minhas referências num ponto. Abdicar de grande parte, pela necessária concretização, mas não deixa de ser um ponto. Um ponto onde muito cabe. Partilhar o amor pela cozinha, pela gramática dos gestos que a constroem e os alimentos que lhe são relevo. É uma cozinha de afectos. Procura reflectir, nos seus 12+1 momentos, a partilha do sensível de que fala Laplantine [2]. Para ele, "os modos de vida em sociedade não podem ser reduzidos a sistemas de signos" (contrário à ciência do concreto de Lévi-Strauss), "e o social não existe excepto pela via do sensível" [3]. Diz ainda: "A experiência do campo de trabalho é uma experiência de partilha no sensível (par-tage du sensible). Observamos, ouvimos, falamos com os outros, partilhamos da sua cozinha, tentamos sentir com eles o que eles experienciam" [2]. Cada um à sua medida foi criando a sua história. A minha foi tecida com Alimento, uma pequena viagem à mesa, sem "prefácio que a explique, mal vai ao prefácio se presume de tanto", diz José Saramago, em Viagem a Portugal [4].

Há tanta suavidade em nada dizer

e tudo se entender FERNANDO PESSOA

Recordo quando, em criança, alguém gritava: venham para a mesa! e como esta exclamação expandia esse instante. Tudo começava nesta frase e Italo Calvino [5] é brilhante a descrever esta memória (Figura 1).

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Alimento é linguagem comida. Acompanha o que tem vindo a ser feito em cozinha, um pouco por todo o mundo, hoje denominado de experiência gastronómica multissensorial, outrora ape-lidado de extravagância de uma pequeníssima burguesia.

Entretanto, com certeza, o bolo de casamento mais inusitado foi feito por Leonardo da

Vinci, para celebrar a união de Beatriz d’Este e Ludovico Sforza, em 1491, em Milão. O bolo era uma réplica do palácio do noivo.

De tão grande, as pessoas podiam circular e se acomodar dentro dele. ROBERTA SALDANHA

HISTÓRIAS, LENDAS E CURIOSIDADES DA GASTRONOMIA [6]

Nessa altura, a mesa moveu-se e outra apareceu por baixo; esta carregava mais artefac-

tos em açúcar, os quais eram uma cópia admirável e de elaboração detalhada de objetos. Estátuas também estavam presentes. Mas olhando os guardanapos, os copos e as cháve-

nas e os recipientes que continham as preparações em açúcar, as facas e toda a parafernália utilizada na mesa, as jóias e cada coisa trabalhada detalhadamente, todos os presentes ficaram

maravilhados e sentiram um enorme prazer. Nesse momento, um temporal foi simulado, com chuva e trovões que ecoavam na sala. DESCRIZIONE DELLE FELICISSIME NOZZE DELLA CRISTHIANISSIAM

MAESTÁ DI MADAMA MARIA MEDICI REGINA DI FRANCIA E DI NAVARRA, MICHELANGELO BUONARROTTI 1600 [7]

Para mim, na história da humanidade, é a primeira vez que a cozinha

se desliga do prazer físico. O objectivo da cozinha foi sempre o prazer físico. Em casa de Ferran é uma sucessão de sensações e é um prazer intelectual.

VINCENT NOCE – JORNALISTA DO LIBÉRATION EL BULLI, HISTÓRIA DE UN SUEÑO [8]

O sabor era mais ou menos agradável.

Mas o que importava mesmo não era tanto o sabor. O que importava, era que eu estava a provar uma ideia, um conceito.

EL BULLI, HISTÓRIA DE UN SUEÑO [8]

Figura 1. Excerto de Tudo num Ponto, Cosmicómicas, Italo Calvino.

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___ METODOLOGIA 1.1

Dadas as características deste trabalho, a metodologia escolhida é a autoetnografia. Nas palavras de Ellis e Bochner [9], a autoetnografia é: "um género autobiográfico de escrita e de investigação, que apresenta múltiplos níveis de consciência, conectando o pessoal ao cultural". Com movimentos back and forward, os autoetnógrafos focam-se, inicialmente, no exterior, em aspetos culturais da sua experiência pessoal e, em seguida, olham para dentro, expondo um self vulnerável que é movido e pode mover-se através de interpretações culturais. Usualmente escrito na primeira pessoa, os textos autoetnográficos aparecem numa variedade de formas – pequenas histórias, poesia, ficção, novelas, ensaios fotográficos, ensaios pessoais, revistas, escrita fragmentada e sobreposta em vários níveis e prosa de ciência social. Nestes textos, a acção concreta, o diálogo, a emoção, a incorporação, a espiritualidade e a auto-consciência estão presentes e são apresentados como "estórias relacionais e institucionais afectadas pela história, pela estrutura social e pela cultura, as quais são elas próprias dialecti-camente reveladas através da acção, do sentimento, do pensamento e da linguagem"[9]. Uma autoetnografia é uma narrativa, onde a discursividade acontece em mudanças sucessivas e não, necessariamente, ordenadas entre being there e being here. Traci Kelly [10] refere que as memórias culinárias "apresentam uma história pessoal entrelaçada com reminiscências de cozinhas, jantares e banquetes. São gestos autobiográficos com ênfase na comida, mas podem, ou não, incluir receitas, pois o principal objectivo é expor as memórias pessoais do autor. A comida é um tema recorrente, mas não é o mecanismo de controlo". Por outro lado, os livros de receitas autobiográficos, são principalmente livros de receitas com detalhes contextuais e "o texto pode ser lido não só como uma autobiografia, mas também como uma referência culinária ou ambas em simultâneo" [10]. Um registo autoetnográfico, se-gundo Kelly, pode igualmente "destinar-se a mostrar, a um público exterior, as actividades e os valores de um indivíduo ou de um grupo e, assim, desafiar ou alterar noções preconcebidas" [10]. Usando a forma criativa da narrativa, esta tese pretende inspirar ou cultivar observações sobre a natureza do alimento e de como este ocupa um lugar vital nas nossas vidas, não apenas indi-vidualmente, mas culturalmente e socialmente. Assim, através da exploração das minhas memórias, tenciono conduzir o leitor ao longo de uma viagem, em forma de "narrativa gastronómica", para ilustrar como as minhas experiências na infância com a comida e o meu percurso de vida foram determinantes para a minha identidade e para o meu entendimento e apreço pelo alimento, hoje.

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___ ALIMENTO MULTISSENSORIAL 2

SENSORIAL TURN 2.1

Vivemos, hoje, uma era mais virada para os sentidos, para a percepção da realidade de uma forma integral e integrativa do indivíduo, agente que experiencia e simultaneamente é objecto de pesquisa. Esta viragem, surgiu, nos anos 80, no seio das ciências sociais e humanas, denominada de sen-sorial turn. Segundo David Howes [11], os antropólogos começaram a mover-se para além do visual turn e questionaram: "Se em vez de ler, escrever ou visualizar cultura, porque não sentir cultura?". Sentir [12], refere-se a ambos sensação e significação, a sentimento e significado. Re-levar os sentidos possibilita uma maior compreensão do significado, dado que o significado não está confinado à linguagem apenas, mas a um conjunto de acções que "fazem sentido"[12]. O estudo das qualidades do acto de cozinhar, na perspectiva antropológica e cultural, tem pri-meiro enunciado com Lévi-Strauss (1965) [13], registado nos três primeiros tomos da tetralogia: Mitológicas e em particular no artigo Triângulo Culinário (1965), onde descreve a estrutura se-mântica da cozinha. "...da cozinha, em relação à qual não se tem observado, com muita frequência, que com a lin-guagem, ela constitui uma forma de actividade humana verdadeiramente universal: assim como não existe sociedade sem linguagem, não existe nenhuma que, de um modo ou de outro, não cozinhe pelo menos alguns dos seus alimentos" [13].

Lévi-Strauss, com a ciência do concreto, das "qualidades tangíveis", registou no seu estudo o modus vivendus e operandus das tribos Bororo, em Mato Grosso, Brasil e encontrou no mito, a forma de estruturação do pensamento primitivo que alega ser "tão subtilmente organizado em sistemas lógicos, que demonstra capacidades mentais tão sofisticadas como as das sociedades ocidentais" [14]. Os mitos revelam essencialmente duas características fundamentais: "por um lado, são respostas a questões profundas, as mais graves e recônditas que os humanos experienciam (da sua origem, do seu destino ou da génese cósmica); por outro, são o resultado de intuições singulares que perscrutam as estruturas profundas e inconscientes do espírito humano" [15].

O Triângulo Culinário é composto pelos vértices cru, cozido e o podre. Onde a oposição cru/co-zido representa a presença/ausência de cozinha, a cultura/natureza, o elaborado/não elaborado.

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Assim, o alimento cru (natural), passa pelo fogo e torna-se cozido (cultural) e por uma variedade de influências apodrece e retorna à natureza (Figura 2). Para Claude Lévi-Strauss, a cozinha é uma linguagem e cada sociedade codifica as suas mensa-gens através de signos particulares, dentro desta.

Se Lévi-Strauss apontava para uma linguagem universal, através das qualidades sensíveis que a práctica da cozinha dá a conhecer, Mary Douglas (1972) [16], criticando esta busca pela universa-lidade, desenha a semântica alimentar circunscrevendo-a à partilha, às relações sociais. Para Mary Douglas, a comida e a refeição são expressões simbólicas de uma ordem social e, mais do que isso, a refeição é um sistema de comunicação que reflecte os relacionamentos entre grupos sociais (Figura 3). "Bebidas são para estranhos, conhecidos, trabalhadores e família. Refeições são para a família, amigos chegados e convidados. O grande operador do sistema é a linha entre a intimidade e a distância" [17].

Figura 3. Mary Douglas, esquema circular do universo social, a. bebidas partilhadas, b. refeições partilhadas [16].

Figura 2. Triângulo Culinário, Lévi Strauss [13]

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7

A comida deve ser tratada como um código. Para Douglas (1972), as mensagens contidas nos alimentos tratam de níveis de hierarquia, inclusão e exclusão, classes sociais e transgressões. A análise de uma refeição, do ponto vista antropológico, encontra nos dias de hoje visões mais qualitativas, mais sensitivas. Há uma necessidade de compreender, de uma forma holística, o comportamento humano em todas as suas manifestações. Numa verdade mais ampla e huma-nista, se quisermos. Michel Serres [17] aponta, "A escola linguística é uma escola sem sentido do cheiro e sem sabor", "referimo-nos a uma coisa, mas não há nome para o cheiro", sublinha. Retorna à analogia de Barthes [1], em relação à sapiência e ao sabor: "he who knows how to taste. Sagacious: he who knows how to smell. All of these things are vanishing under the weight of logic and grammar" [17]. Em Lição [1], Barthes refere que: "a escrita acontece sempre que as palavras tenham sabor (saber e sabor têm a mesma etimologia). Curnonski dizia que em culinária é necessário que "as coisas tenham o gosto daquilo que elas são. No domínio do saber, para que as coisas se tornem no que são ou no que foram, é necessário um ingrediente, o sal das palavras. É esse gosto das palavras que torna o saber apetecível, fecundo." [1] E os signos e os sentidos para além da visão ou da audição? Nas artes, na cozinha, nos museus e na vida?

Once words come to dominate flesh and matter, which were previously innocent, all we have left is to dream of the paradisiacal times in which the body was free and could run and enjoy

sensations at leisure. If a revolt is to come, it will have to come from the five senses! MICHEL SERRES [18]

A cozinha, desde a antiguidade, com Platão, vem sendo conotada de sentido inferior, expressa como "uma actividade empírica que se destina a seduzir, pois satisfaz apenas uma necessidade primária; não tem nada a ver com o conhecimento, pois não provém de leis gerais e dedutíveis, e também não é uma arte, pois não satisfaz prazeres intelectuais" [19]. A visão e a audição eram considerados os sentidos superiores e o gosto e o olfacto os inferiores. "Mais do que os outros sentidos, o olhar objectifica e domina. Coloca a uma distância, mantém à distância. Na nossa cultura, a predominância do olhar/visão sobre o cheiro, o gosto, o tacto, a audição, trouxe consigo um empobrecimento das relações do corpo. A partir do momento em que o olhar domina, o corpo perde a sua materialidade" [20]. Reconhecemos ainda, na antiguidade, Epicuro que adoptou uma filosofia da alimentação posi-tiva, digna de reflexão e lhe atribui valor filosófico [19]. Estético, hedonista.

Um paladar refinado demais, em muitos casos, pode constituir um grave inconveniente, tanto

para quem o tem, quanto para os seus amigos; mas o gosto requintado do espírito e da beleza deve ser sempre considerado um atributo desejável, pois é a fonte de todas as alegrias, das

mais primorosas e mais inocentes de que é capaz a natureza humana. HUME, 1757 [21]

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8

A definição de gosto é sistematizada com sinónimos de prazer e implicações sociais, científicas e racionais, bem como reflexão filosófica e hedonista com Brillat-Savarin em Fisiologia do Gosto: ou Meditações de Gastronomia Transcendental (1825) [22]. Roland Barthes [23] diz: "O livro de Brillat-Savarin é do princípio ao fim um livro do que é "propriamente humano", porque é o de-sejo (aquele de que fala) que distingue o homem”. Gastronomia, denominação que surge, pela primeira vez, no título de um poema de Joseph Ber-choux (1801) [24] é definida, por Brillat-Savarin, como: "o conhecimento fundamentado de tudo o que se refere ao homem, na medida em que ele se alimenta. O seu objetivo é zelar pela con-servação dos homens, por meio da melhor alimentação possível" [22]. "A gastronomia é o que nos sustenta, do nascimento ao túmulo, é o que faz crescer as delícias do amor e a confiança da amizade, que desarma o ódio, facilita os negócios e nos oferece, na curta trajectória de vida, o único prazer que não se acompanha de fadiga e ainda nos descansa de todos os outros" [22]. É interessante notar, que a antropologia do sensível tem como marco significativo o livro de Sidney Mintz (1985) [25], Sweetness and Power. Este livro, trata da influência e do impacto social, político e económico do gosto doce – nomeadamente a sucrose. Sidney Mintz mostra como o capitalismo prosperou, no comércio do açúcar, ao mesmo tempo que originou a miséria dos escravos em África e como o açúcar se insinuou, no dia-a-dia britânico, através do seu uso no chá e no café. De remédio (dado inicialmente ser considerado um remédio para todos os males) passou a ser considerado um risco para a saúde. Este livro abriu o caminho para a história do sensível, do que é perceptível e percepcionado pelo homem, como investigador e objecto de investigação [25].

Os hábitos alimentares são também investigados pela sociologia, nos anos 80, com Pierre Bour-dieu, que os define como habitus. Para Pierre Bourdieu, habitus consiste num saber social incor-porado da sociedade para a pessoa e da pessoa para a sociedade, no fundo derivam de uma práctica social [16].

Há uma plasticidade nesta apreensão de estímulos, que ao longo do tempo se vão moldando e nos moldam, nas múltiplas acções em sociedade. Uma plasticidade constante da nossa mente, como sugere Axel Cleermans, em Radical Plasticity Thesis [27]. Afirma, que: "a consciência é resultado das contínuas tentativas do cérebro prever não só as consequências da nossa acção no mundo como as acções dos outros agentes. É a nossa capacidade, bem como a do cérebro, de aprender e redefinir o conhecimento adquirido que nos torna conscientes."

Esta plasticidade é referida, igualmente, na adaptabilidade do ser humano a diferentes circuns-tâncias, ambientes ou culturas e, por consequência, a hábitos alimentares distintos. Trata-se do dilema omnívoro expresso por Paul Rozin (1976) [28]: "o conflito entre a necessidade de uma alimentação variada (neofilia) e a dificuldade em aceitar tudo o que é novo (neofobia)".

Ainda sobre as escolhas alimentares, Edmund Rolls [29] aponta as emoções e as motivações. Operacionalmente, emoções são estados provocados por recompensas ou punições que têm funções particulares. Desejamos obter uma recompensa através de uma refeição e rejeitamos tudo aquilo de que não gostamos. A motivação, que move a nossa acção, procura obter recom-pensas e evitar punições [30].

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Há uma constante readequação do nosso comportamento, com base nas experiências passadas, face ao que se apresenta no presente e a nossa antevisão do estado seguinte. Somos condicio-nados pela memória do prazer, mas sobretudo pela memória do que não gostamos. A "aversão condicionada do gosto", semelhante à reacção de Pavlov, é denominada de efeito Garcia [31]. Estudada por John Garcia, nos anos 30, afere que o gosto é o único sentido que pode criar uma memória permanente de aversão ou repulsa, no reino animal.

Segundo Claude Fischler [30], "a comida é primordial para o nosso sentido de identidade. A forma como cada grupo de seres humanos come, ajuda a definir a sua diversidade, hierarquia e organização e, em simultâneo, a sua unidade ou diferença com todos aqueles que comem dife-rente. A comida é central para a nossa identidade individual, qualquer um de nós é constituído, biologicamente, psicologicamente e socialmente pela comida que escolhe para se alimentar."

Esta constante aprendizagem é igualmente determinada pelas primeiras experiências no útero materno – ontogenia [32]. As escolhas da progenitora, a variedade de sabores e, acima de tudo, a maior ou menor ingestão de sabores amargos, os mais aversos ao gosto humano, faz com que o recém-nascido esteja mais disponível a eles na infância e mais aberto a provar novos sabores, à medida que cresce. O doce continua a ser o gosto mais desejado, tendo-se verificado que quando a progenitora ingere mais sabores doces, o feto consome mais líquido amniótico. [32][33] A importância da alimentação continua a suportar a teoria evolucionista proposta, em 1995, por Leslie Aiello e Peter Wheeler – The Expensive Tissue Hypotesis [34]. Esta estabelece a relação entre a mudança de uma alimentação baseada em produtos animais, para a correlação de tama-nho entre estômago e cérebro, num factor de consumo de energia. Quer, com isto, dizer que o rácio metabólico, de consumo de energia, requerido pelo aumento do cérebro está relacionado com a diminuição do tamanho do estômago, dando origem à adopção de uma dieta mais rica em carne, gordura e proteína. A alimentação baseada exclusivamente em plantas, exige um con-sumo maior, em termos de massa, para a obtenção da energia necessária à sobrevivência do indivíduo. Esta teoria continua a ser hoje aceite e estudada [35], reiterando a ideia de que a dieta é o factor principal para a evolução do cérebro humano.

Da alteração da dieta, podemos falar da alteração da paisagem, da passagem da itinerância para o sedentarismo e consequente domesticação de espécies pela agricultura e criação de animais. Hoje, o trabalho de Carolyn Steel, Sitopia [36] fala, precisamente, de como a alimentação foi e é determinante na disposição das cidades. Fala da arquitectura urbana e questiona de onde vem a comida que nos chega a cada dia, afirma: "vivemos num mundo moldado pela comida ". No livro Hungry City: How Food Shapes Our Lives, Carolyn Steel analisa historicamente a dispo-sição das cidades e das casas, onde a cozinha tem papel central, tanto de produção de comida como de, outrora, aquecimento pela força do fogo. Sublinha: Food is what connects us all to each other and to the natural world, which makes it an incredibly powerful medium for thinking and acting collaboratively. It encompasses all of life – not just what is necessary, but also what makes live worth living. I can’t think of a more powerful or positive global revolution than one in which we all learned to see the world through food. [36]

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___ COMO PERCEPCIONAMOS A COMIDA? 2.2

The more we can understand the

interconnection between the five senses, the more we can affect them.

SEAN ROGG THE WALDORF PROJECT [37]

Hoje, mais do que nunca, a ciência debruça-se sobre a influência dos sentidos nas nossas esco-lhas alimentares. A forma como se estabelece a relação multimodal entre os sentidos é a questão que mais se coloca. Como cada sentido interfere na percepção do alimento e qual o peso de cada um nessa percepção. A neurociência, a psicologia, as ciências sociais ou a gastrofísica pro-curam estabelecer parâmetros que, ao serem comuns a todos os indivíduos, podem, por um lado, valorizar a experiência gastronómica multissensorial mas, sobretudo, contribuir para a mu-dança dos hábitos alimentares.

Os nossos sistemas sensoriais são responsáveis por gerar, internamente, uma representação de tudo o que nos rodeia. Através dos sentidos, percepcionamos a realidade através das suas ca-racterísticas químicas (através do gosto e do olfacto) e das suas características físicas (através do tacto, da audição e da visão). Desde Aristóteles são reconhecidos 5 sentidos: a visão, a audição, o gosto, o olfacto e o tacto [38], mas, hoje, neurologistas de Harvard [39] discutem a possibilidade de serem reconhecidos outros, tais como: equilibriocepc ̧ão (percepção do equilíbrio), nocicepc ̧ão (percepc ̧ão da dor), propriocepção (percepção da posição do corpo), termocepção (percepção da temperatura), cro-nocepção (percepção da passagem do tempo) e interocepção (percepção de estímulos interna-mente como, por exemplo, a respiração). A nossa percepção da realidade e dos alimentos, em particular, é feita por etapas, a partir da recepção dos estímulos até à tomada a decisão de ingerir, ou não, o que nos é apresentado (Figura 4).

Ao longo do que se segue, iremos desenvolver alguns parâmetros que são preponderantes na experiência que temos com a alimentação. Serão analisados todos os sentidos, em separado, bem como circunstâncias que inferem na experiência multissensorial.

Figure 4. Modelo de percepção de alimentos [40].

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___ FISIOLOGIA DO GOSTO 2.3

Cependant le goût,

tel que la nature nous l'a accordé, est encore celui de nos sens qui, tout bien considéré,

nous procure le plus de jouissances : 1

parce que le plaisir de manger est le seul qui, pris avec modération, ne soit pas suivi de fatigue

2 parce qu'il est de tous les temps,

de tous les anges et de toutes les conditions 3

parce qu'il revient nécessairement au moins une fois par jour, et qu'il peut être répété, sans inconvénient,

deux ou trois fois dans cet espace-temps 4

parce qu'il peut se mêler a ̀ tous les autres et même nous consoler de leur absence

5 parce que les impressions qu'il reçoit sont à la fois

plus durables et plus dépendantes de notre volonté 6

enfin, parce qu'en mangeant nous éprouvons un certain bien être indéfinissable et particulier, qui vient de la conscience instinctive ;

que, par cela même que nous mangeons, nous réparons nos pertes et nous prolongeons notre existence.

BRILLAT SAVARIN, 1825 [22]

O sentido do gosto é responsável pela avaliação do conteúdo nutricional da comida e previne a ingestão de substâncias tóxicas. Até ao momento, foram aceites 5 gostos diferentes considerados básicos, nomeadamente: o doce, responsável pela identificação dos nutrientes ricos energeticamente; o umami, que per-mite o reconhecimento de sais aminoácidos e nucleótidos; o salgado, que garante uma dieta apropriada para o equilíbrio eletrolítico do organismo; o ácido e o amargo, que nos alertam para a ingestão de químicos potencialmente nocivos ou até venenosos [41]. Continuam a realizar-se estudos científicos no sentido de identificar receptores específicos que detectam outros sabores, nomeadamente: o metálico, a água (ausência de sabor), a gordura ou até hidratos de carbono complexos. Acredita-se que o próximo sabor a ser aceite é o sabor da gordura, denominado de oleogustus [42].

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Cada um dos 5 gostos básicos é detectado por sensores específicos, já identificados, situados em células receptoras gustativas localizadas na língua e no epitélio bocal (tecido que reveste a boca) [43]. Discute-se, hoje, a importância e função, relativamente ao gosto, das células receptoras gustati-vas distribuídas por outras partes do corpo, como a traqueia, o estômago, a bílis ou os intestinos, como se pode ver na imagem seguinte sublinhado a verde (Figura 5).

Neste trabalho, apenas nos vamos debruçar na cavidade bocal e no epitélio nasal. Os mamíferos têm mais de 5 mil papilas gustativas na cavidade bocal, distribuídas pela superfície superior da língua, pelo palato e epiglote. Cada papila gustativa contém entre 50 a 150 células, incluindo células percursoras, células de suporte e células receptoras de sabor [41]. As papilas gustativas, estruturas epiteliais, podem ser de três tipos: fungiforme, foliada ou cir-cunvalada (Figura 6).

Figura 5. Células receptoras gustativas, localizadas ao longo do corpo [44].

Figura 6. Superfície da língua e diferentes tipos de papilas gustativas. [45]

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A transmissão do gosto para o cérebro é feita após a diluição do alimento pela saliva, transdução gustativa, que permite que este se ligue às células receptoras gustativas, que, por sua vez, emi-tem sinais para o tronco cerebral e posteriormente ao tálamo e ao cortex orbitofrontal (Figura 7).

Durante aproximadamente 100 anos, por um erro de transcrição de um trabalho do investigador alemão D.P. Hänig, 1901, foi assumido um mapa da língua em que cada gosto estava isolado em diferentes regiões [47]. No entanto, hoje sabemos que embora hajam regiões da língua com maior ou menor sensibilidade a diferentes compostos, os 5 gostos encontram-se distribuídos por toda a região [48] (Figura 8).

Cada um dos 5 gostos é detectado por sensores especializados e cada classe de receptores é expresso em correspondentes tipos de células. Este esquema de codificação "uma célula, um gosto" é o cunho do sistema de gosto dos mamíferos e é o mecanismo através do qual as qua-lidades intrínsecas a cada gosto são reconhecidas e descodificadas pela língua [48].

Figura 7. Transmissão do gosto ao cérebro. [46]

Figura 8. Distribuição dos 5 gostos na língua

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A figura seguinte, mostra os diferentes tipos de células e respectivos receptores de gosto (Figura 9):

___

UMAMI 2.3.1 Até há pouco tempo, acreditava-se que existiam apenas quatro sabores básicos, no entanto, foi descoberto um quinto – umami – que é conhecido por delicioso (deliciousness). Kikunae Ikeda da Universidade Imperial de Tóquio, suspeitava que existia um componente de gosto muito característico em alimentos "saborosos" (savoury), como as algas, a carne e o peixe, que não se enquadrava bem nas outras categorias do gosto já definidas (salgado, doce, amargo e ácido). Em 1907, iniciou um projecto para tentar identificar este componente, utilizando nas suas experiências algas konbu (Laminaria japonica) secas. Um ano depois, em 1908, descobriu que o responsável por esse gosto característico era um sal de sódio de um aminoácido que ocorre naturalmente, o ácido glutâmico (glutamato monossó-dico - MSG) e deu a esse gosto o nome de umami (cujo significado é algo como "sabor delici-oso"). O MSG foi identificado em 1909, mas só foi reconhecido, pela ciência, como sabor básico, há cerca de 10 anos [50].

Figura 9. Receptores dos gostos umami, doce, ácido, salgado e amargo [49]

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Depois da descoberta do glutamato como um composto umami, realizaram-se vários trabalhos de investigação, em torno deste novo gosto básico, tendo-se identificado: sais de nucleótidos, inosinato de sódio (isolado de bonito seco; Shintaro Kodama, 1913) e o guanilato de sódio (iso-lado de cogumelos shitake secos; Akira Kuninaka, 1960) como compostos responsáveis pelo gosto umami. Mais tarde, verificou-se que estes compostos intensificavam o gosto do glutamato, actuando em sinergia, sendo que uma mistura de MSG e inosinato (ou guanilato) tem um sabor 20 vezes mais intenso do que a mesma quantidade destes compostos em separado [50]. Os receptores de umami só foram descobertos quase 100 anos depois da descoberta de Ikeda. Estes receptores, localizados na língua e no palato, respondem fortemente aos compostos umami, confirmando que este é um gosto básico, distinto dos restantes quatro [50]. O umami é mediado pelos receptores de gosto T1R1 e T1R3 (Figura 8). O facto dos gostos doce e umami partilharem o receptor comum T1R3 pode explicar porque é que o gosto umami é tão atractivo para o ser humano, especialmente quando saboreado com outras proteínas doces, que podem relacionar-se com este receptor [51] [52]. A figura seguinte, ilustra os alimentos que são ricos em umami, em escala crescente de intensi-dade (Figura 10).

Figura 10. Gosto umami. [53]

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___ DOCE 2.3.2

A pesquisa científica, até aqui realizada, demonstra que estamos naturalmente predispostos para gostar do gosto doce e, acredita-se que, é a forma do nosso organismo identificar as calorias e a energia necessárias para o seu equilíbrio. Isto pode ser observado em bebés recém-nascidos e na maior parte dos mamíferos, mantendo-se ao longo da vida. É verdade que algumas pessoas podem ser mais receptivas ao doce do que outras, mas, no fundo, todos gostamos dele [53][54]. O doce é intermediado pelos receptores de gosto T1R2 e T1R3 (Figura 8). Vários autores acredi-tam que os receptores T1R3 são especializados em identificar açúcares simples, enquanto que os receptores T1R2 são especializados em identificar açúcares de cadeia longa [51], D-aminoáci-dos e proteínas doces, tais como: aspartame ou monelina [51].

___ AMARGO 2.3.3

Acredita-se que o elevado número de células receptoras do gosto amargo, que possuímos, existe para alertar o nosso corpo de um potencial veneno, no entanto, embora nem todas as substâncias amargas sejam venenosas e nem todos os venenos sejam amargos, a correlação é bastante forte [55]. É comum pensar-se que a sensibilidade aos gostos amargos foi uma evolução tanto das plantas, que não queriam ser colhidas e comidas como, também, dos organismos que não deveriam in-gerir veneno [56]. As substâncias amargas parecem ser particularmente desagradáveis ao palato das crianças e por essa razão é muito difícil convencê-las a comer vegetais, pois o corpo assume tratar-se de um alimento tóxico [57]. Nos adultos, gostar de comidas e bebidas amargas é um processo apreendido e varia de pessoa para pessoa. Pode nascer-se com maior sensibilidade a uma determinada substância amarga e não a outra [58]. O 6-n-propiltiouracil (PROP) é uma substância amarga que nem todas as pessoas conseguem identificar. Os que não conseguem identificá-la são chamados de non-tasters e os que conse-guem são chamados de supertasters.

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A língua de um supertaster tem maior densidade de papilas para cada um dos gostos, mas tal não significa maior capacidade para os identificar. Alguns estudos sugerem que as mulheres têm maior probabilidade de ser supertasters e que estes têm maior propensão para não gostarem de comidas amargas, tais como couve ou whisky [58, 59]. A importância de detectar um sabor amargo reflecte-se no elevado número de receptores dis-tintos deste gosto, aproximadamente 30 (Figura 8).

___ SALGADO 2.3.4

Acredita-se que gostamos do gosto salgado devido ao facto, do nosso organismo necessitar de minerais, que não são facilmente armazenados, como o sódio que é essencial para o equilíbrio químico do nosso corpo. Este gosto tem duas grandes funções quando cozinhamos, intensifica o sabor e ao mesmo tempo inibe, de forma notável, o gosto amargo. A razão pela qual gostamos de gostos salgados recai entre causas fisiológicas e comportamentos apreendidos ao longo da vida [54,60, 61].

___ ÁCIDO 2.3.5

Acredita-se que a percepção do gosto ácido se desenvolveu, para que consigamos perceber se um fruto ou vegetal está maduro e pronto a ser comido. Estudos sugerem que a capacidade de identificar este gosto permite evitar possíveis danos causados pela ingestão de alimentos ácidos. Ainda que a acidez faça parte da nossa alimentação, no dia-a-dia, ainda pouco se sabe sobre este gosto [62]. Os gostos ácidos derivam de soluções ácidas, como o sumo de limão ou o ácido acético do vinagre ou, ainda, do ácido láctico desenvolvido pelas bactérias no iogurte. Charles Darwin ob-servou que crianças pequenas têm tendência para apreciar maiores quantidades de gostos áci-dos ainda que, até hoje, não saibamos o motivo pelo qual passamos a gostar menos destes gostos, à medida que crescemos. Tudo o que se sabe é que continuamos a apreciá-los quando usados com moderação [62-64]. Sabe-se que algumas substâncias ácidas contêm moléculas voláteis e, embora, não consigamos senti-las de forma evidente, como acontece com outros gostos, diferentes tipos de substâncias ácidas podem melhorar alguns sabores na nossa comida. Por exemplo, o ácido málico incentiva

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não só a produção de saliva na boca – que ajuda a apurar o sabor e faz-nos pensar que o que vamos comer é realmente saboroso – como, também, melhora o sabor de algumas frutas ácidas ou cítricas como a maçã verde [64]. Para os gostos: doce, amargo e umami, temos receptores específicos [51], mas no caso do gosto ácido, os ácidos dissolvem-se na saliva libertando protões e estes, por sua vez, reagem com todas as células na nossa língua. Contudo, os protões por si só não geram o gosto ácido na boca. Os ácidos fracos, como os ácidos cítricos ou acéticos, dissolvem-se na boca e desdobram-se em protões (positivos) e iões de citrato ou acetato (negativos) mas os restantes ácidos, que perma-necem por dissolver, também desencadeiam a identificação do gosto ácido na boca [62].

___ FISIOLOGIA DO OLFACTO 2.3

To which of our senses are we most indebted for the pleasures of the table?

To name the sense of taste in answer to this question would be quite as incorrect as to assert that we go to the opera

to please our eyes. More incorrect, in fact, because many do attend the opera chiefly on account of the spectacle;

whereas, in regard to gastronomic delights it is safe to say that at least two-thirds of our enjoyment is due to the sense of smell.

HENRY T. FINCKS [65]

Qual é a importância do olfacto quando comemos? Aparentemente, parece ser um sentido menor na percepção dos alimentos e a excelência é atri-buída às papilas gustativas, no entanto, sabemos, hoje, que o olfacto desempenha um papel preponderante na experiência gustativa. Charles Spence, professor na Universidade de Oxford, tem desenvolvido estudos sobre experi-ências multissensoriais (em laboratório e em colaboração com chefs como Heston Blumenthal) e desmistifica o que frequentemente se diz, de que "o olfacto afecta 80% da nossa experiência com a comida". Afirma, que não há pesquisas robustas que o denunciem e que embora não se saiba o valor exacto do seu peso na experiência que temos, é sem dúvida o sentido que mais contribui para a nossa percepção dos alimentos [66]. O sentido do olfacto é bidireccional ou bimodal e a forma como percepcionamos os odores muda de acordo com a direcção do fluxo de ar [67]. Paul Rozin (1982) aponta que o olfacto é o único sentido bimodal, no sentido em que percepciona objectos tanto internamente (olfacto retronasal), como externamente (olfacto ortonasal).

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O olfacto ortonasal é percepcionado quando inspiramos e o olfacto retronasal ocorre quando o ar na boca é forçado a sair pelo nariz (Figura 11). Este último é bastante mais complexo porque aporta: sabor (gosto + olfacto retronasal), textura, audição e a actividade muscular [68].

Quando um odor entra no nariz (via ortonasal ou via retronasal), passa pelo epitélio olfactivo e, posteriormente, chega ao bulbo olfactivo, onde se encontram distribuídos 1000 receptores ol-factivos que o detectam.

Tendo em conta os milhares de receptores diferentes no ser humano, quase podemos afirmar que a percepção olfactiva se torna unidimensional no sentido em que conseguimos identificar pouquíssimos aromas pelo nome [69]. O que invariavelmente somos capazes de dizer é que um odor é agradável ou desagradável. E esta tese, é defendida por alguns investigadores que apon-tam esta característica hedonista como a principal função do olfacto. Para eles, a dimensão de um objecto aromático é determinado pelo seu prazer, o qual – à semelhança de uma emoção – ficará sempre subestimado se expresso, apenas, por palavras [69].

Embora a maior parte das línguas não tenha nomes específicos para os odores, é referido, em 1998, por Nils Bubandt, [70] que na Indonésia, o povo Buli, tem um léxico próprio para odores.

Outros estudos afirmam, que a complexidade do sistema olfactivo, resultado do elevado número de receptores, não é proporcional à percepção olfactiva que temos. Como exemplo, apontam as moscas que com apenas 60 receptores têm uma capacidade olfactiva mais precisa que os mamíferos [71].

Descobertas recentes sugerem que há receptores de odor localizados noutras partes do corpo não quimiossensoriais, como o cérebro, pulmões, fígado e pâncreas [72].

Figura 11. Corte transversal da cabeça humana [61]

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___ FISIOLOGIA DA AUDIÇÃO 2.5

The ideal wine…satisfies perfectly all five senses: vision by its color; smell by its bouquet; touch by its freshness;

taste by its flavor; and hearing by its glou-glou. PAUL BOUCUSE

O ouvido humano percepciona frequências entre 20Hz-20000Hz e é bastante sensível à variação da pressão do ar. É um sentido de extrema importância para a homeostase, responsável pelo nosso equilíbrio.

A influência dos sons na vida humana contribui, desde os primórdios, para a sobrevivência como forma de antever perigos ou propulsor da linguagem, por mimetização da natureza. Os sons da natureza são considerados a base da música e, o seu uso, atravessa todas as culturas. Os efeitos das frequências de som têm grande impacto psicológico e fisiológico incluindo as ondas de baixa frequência (infrassons) não audíveis. Comprovou-se que as altas frequências (ultrassons) são um meio efectivo de melhorar as funções cognitivas e suprimir ou mascarar a dor. Por outro lado, a ausência de som pode provocar alucinações por inexistirem referências [72].

Para Charles Spence, a música funciona como um condimento que pode contribuir para o me-lhoramento ou, apenas, alteração da percepção gastronómica [73]. Têm-se realizado bastantes estudos que evidenciam a dependência modal entre o sabor que percepcionamos e a música ambiente. Muitos falam do efeito Lombard [74], que ocorre quando um restaurante está cheio e as pessoas tendem a falar mais alto, com o intuito de sobreporem o ruído dos outros e, pelo contrário, contribuem, em bola de neve, para o aumento do ruído total.

Outra investigação, avaliou o efeito do ruído na percepção de umami, quando bebemos um Bloody Mary, numa viagem de avião. Confirmou-se que o ruído extremo, tal como acontece nas viagens de avião, altera a nossa percepção do sabor. Essa alteração é particularmente evidente no que diz respeito à percepção do doce, que é reduzida, e à do umami, que é particularmente incrementada. Tal acontece, sobretudo, quando os compostos responsáveis pelo gosto umami estão em maior concentração, como no sumo de tomate de um Bloody Mary [75].

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Apresentam-se, na tabela seguinte, alguns estudos que demonstram evidências da alteração da percepção do sabor pela existência de ruído ou som (Tabela 1):

ESTUDO RUÍDO COMIDA RESULTADOS

FERBER AND CABANAC

70/90 dB (ruído)

Soluções doces e salgadas

Efeitos significativos do ruído e música nas respostas hedónicas às soluções doces(mas não às salgadas)

MASUDA ET AL. 82 dB (ruído)

Pretzels secos e húmidos

Efeitos significativos nos pretzels húmidos (mas não nos salgados)

WOODS ET AL. 75–85 dB

(ruído) Pringles e queijo Significância para o doce e o salgado

WOODS ET AL. 75–85 dB

(ruído)

Bolos de arroz com sabores adiciona-dos

Maior crocância para ruído mais elevado

SEO ET AL.

70/82 dB (voz ou

ruído de festa) Odores

Ruído verbal mais efeito que ruído de festa e maior efeito que silêncio. Reduz a percepção de odor

STAFFORD ET AL.

ruído Bebidas alcoólicas Bebidas alcóolicas percepcionadas mais do-ces

SEO ET AL. voz Odores Para os introvertidos piorou, para os extro-vertidos melhor significativamente

Verificou-se, também, que a sonoridade de algumas palavras é mais apelativa para determinados sabores que outras. Num estudo, foram usados os pares: bouba/kiki, takete/maluma, decter/bo-bol [77]. Os resultados mostraram que as pessoas escolheram, consistentemente os nomes: kiki ou takete para batatas fritas (o som do crocante) e não para queijo cheddar ou iogurte; kiki/takete para chocolate com pepitas crocantes e não para chocolate normal. O impacto do nome pode ajudar a melhorar a atribuição de marca comercial tendo em conta o tipo de produto [77].

That which we call a rose, by any other name would smell as sweet.

SHAKESPEARE [78]

Este verso de Shakespeare captura de forma singular a influência que a linguagem exerce na nossa percepção. Estudos, no campo da psicologia e a da neurociência, sugerem que um ali-mento pode ser percepcionado como sendo doce apenas por lhe ter sido atribuído o nome: rosa [79].

Tabela 1. Estudos da influência do ruído na percepção do gosto. [76]

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A psicologia, com a teoria Conceptual Act Theory (CAT) [80] afirma que a linguagem suporta o conhecimento conceptual e que desta forma conseguimos percepcionar e até sugestionar a re-alidade. E aponta que, na ausência de palavras, a percepção das sensações, embora existam, torna-se realmente ambígua.

A indústria alimentar tem investido, continuamente, na investigação do impacto do som nos cen-tros comerciais ou supermercados e mesmo em apresentações de produtos. Por exemplo, estu-dou a influência do som que é gerado pela abertura de um pacote, de um qualquer alimento, ou pela abertura de uma lata de bebida [74]. O consumidor, nas suas escolhas, preferirá batatas fritas embaladas num pacote que faça mais ruído pois associará, este, ao facto das batatas serem crocantes. Também se verificou que as pessoas compram vinho mais caro se a música ambiente for música clássica e não música pop. Um estudo usando percepção intermodal refere que determinadas frequências evidenciam a percepção do doce e outras do amargo [75]. Na página Gastropod [81] é possível ouvirem-se algumas destas frequências e perceber como a audição é tão sugestiva de estados.

___ FISIOLOGIA DO TACTO 2.6

Pousa a tua mão devagar sobre o peito da terra e sente respirar no seu seio

os nomes das coisas que ali estão a crescer: o linho e a genciana; as ervilhas-de-cheiro

e as campainhas azuis; a menta perfumada para as infusões do verão e a teia de raízes de um

pequeno loureiro que se organiza como uma rede de veias na confusão de um corpo.

MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA

O tacto é o sentido mais antigo, mais primitivo e sensível dos nossos órgãos. É matriz de todos os sentidos e fundamento sobre o qual assentam todos os outros sentidos. É o primeiro sentido que se desenvolve e responde a estímulos no útero materno (8 a 14 semanas de gestação) [82]. É importante em muitos domínios ao longo da nossa vida e particularmente na infância. Ajuda-nos a percepcionar o mundo que nos rodeia e tem um papel primordial no desenvolvimento biológico, cognitivo e social. É um sentido proximal, na medida em que sentimos as coisas perto de nós ou quando em con-tacto connosco – exceptuando a radiação de calor ou a vibração dos baixos de uma música – e

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pode igualmente ser estendido com ferramentas especiais (uma cana comprida permite percep-cionar a vibração ou o espaço circundante para uma pessoa invisual) [82]. O sentido do tacto é mediado pelo sistema somatossensorial que nos permite percepcionar pressão e textura (mecanoreceptores), temperatura (termoreceptores), dor (nociceptores) e a po-sição e o movimento dos músculos e ligamentos (proprioceptores). A nossa pele (o maior e mais complexo órgão do sistema somatossensorial) recebe os estímulos externos, interpreta-os e transmite-os ao sistema nervoso no cérebro, permitindo, assim, que o corpo funcione apropria-damente. Nas experiências gastronómicas, o tacto tem grande influência na percepção. Através do mate-rial e temperatura dos talheres ou do tecido da mesa, pelo peso do copo ou da garrafa de vinho – maior peso corresponde maior valor atribuído e melhor qualidade – [83] ou através da textura da comida ou, mesmo, do prato. Mostrou-se que a aspereza/suavidade da comida influenciava a percepção do sabor ácido, au-mentando-a quando o alimento era áspero. Também o tacto, permite prever a crocância de um alimento na boca, se estiver mole interpretamo-lo como não sendo crocante [84].

___ FISIOLOGIA DA VISÃO 2.7

Nous croyons très bien savoir ce que c'est que "voir", "entendre", "sentir", parce que depuis longtemps la perception

nous a donné des objets colorés ou sonores. Nous faisons de la perception avec du perçu.

Et comme le perçu lui-même n'est évidemment accessible qu'à travers la perception, nous ne comprenons finalement ni l'un ni l'autre,

Nous sommes pris dans le monde et nous n'arrivons pas à nous en détacher pour passer à la conscience du monde. Si nous le faisions, nous verrions que la qualité n'est jamais

éprouvée immédiatement et que toute conscience est conscience de quelque chose.

MERLEAU PONTY

A visão ajuda-nos a percepcionar o mundo e permite um controlo extraordinário dos movimen-tos que fazemos – desde o simples pegar numa chávena de café, ao segurar uma raquete e jogar um jogo de ténis.

A perceção visual é resultante da estimulação da retina pela luz. A luz passa através da lente do olho (cristalino) e é focada na retina, onde existem células (cones e bastonetes) que convertem a

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luz em impulsos eléctricos/neurais, que são enviados para o cérebro através do nervo óptico. O cérebro recebe estes impulsos, processa-os e interpreta-os como imagens dos objectos visiona-dos (Figura 12) [85].

A banda do espectro de radiação electromagnética, visível pelo olho humano, situa-se entre 350 nm e 700 nm e estes limites variam de pessoa para pessoa (Figura 13).

A cor, a forma, a textura exterior, o brilho, a limpidez e a transparência, destacam-se como as características mais relevantes para a percepção de um alimento através da visão. Quando nos colocam à frente um prato com comida, a primeira coisa que fazemos é olhar e tentar perceber do que se trata. A visão é um dos sentidos que mais contribui para a aceitação do que vamos comer. Somos sensíveis se o que vemos não nos agrada.

Podemos considerar a cor como a característica que mais contribui para a criação de expectativas em relação ao que vamos comer [87].

Figura 12. Visão humana [85].

Figura 13. Espectro visível [86].

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Por exemplo, Heston Blumenthal servia uma mignardise composta de duas gomas de patê de fruit. Quando o prato era pousado na mesa, era dita a sua composição: beterraba e laranja. Uma goma era roxa e a outra laranja. Ao olharmos, associamos a de cor laranja à laranja (fruta) e a de cor roxa à beterraba. No entanto, ele usou laranja sanguínea (cor roxa) e beterraba laranja. E quando as pessoas colocavam cada goma na boca era uma surpresa o sabor com que se depa-ravam (Figura 14).

___ SENSAÇÕES TRIGEMINAIS 2.8

As sensações trigeminais incluem as sensações que são percepcionadas em toda a cavidade bocal e nasal, nomeadamente: picante, adstringente, ardente, metálico, refrescante, dormência ou carbonatação, Dizem-se trigeminais porque o nervo trigémio é o responsável por codificar a informação para o cérebro. O nervo trigémio é um nervo misto que contém fibras sensoriais e motoras. Esta designação deve-se aos três ramos que o compõem: oftálmico, maxilar e mandibular. As fibras sensoriais oftálmicas transmitem ao cérebro informação originada nos olhos, na pálpebra inferior, região superior da face, lábio superior, gengiva, dentes do maxilar superior e região superior da boca. As fibras sensoriais do nervo maxilar e mandibular transmitem informação da região temporal, face, queixo, lábio inferior, gengiva, dentes do maxilar inferior e 2/3 anteriores da língua. As sensações trigeminais enriquecem a percepção de sabor dos alimentos pela presença de es-tímulos como a frescura do mentol, o picante da capsaícina e muitos outros compostos.

Figura 14. Orange and beetroot jelly, Heston Blumenthal [88].

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___ SABOR 2.9

A percepção de sabor é uma experiência multissensorial ou modal cruzada. De acordo com a norma ISO, sabor é definido como: "uma complexa combinação das sensações olfactiva, gustativa e trigeminal que ocorrem quando comemos. O sabor pode ser influenciado por estímulos tácteis, de dor e/ou quinestésicos" [89]. Assim, de acordo com esta definição, a percepção de sabor depende das sensações gustativa, olfactiva, trigeminal e somatossensorial. No entanto, os sons que fazemos, quando comemos alimentos crocantes, também contribuem para a percepção da sua textura. Estes quatro estímu-los sensoriais são combinamos através da integração multissensorial que nos dá a percepção de sabor, como se pode observar na figura seguinte (Figura 15) [89]:

___ O PAPEL DO CÉREBRO 2.9.1

É no cérebro que percepcionamos a existência, a consciência, o prazer, a dor, as emoções, os sonhos, as memórias, as ambições e é, também, onde são controlados todos os fenómenos fisi-ológicos que acontecem no corpo. Entender como funciona o cérebro pode trazer ao mundo da cozinha novos caminhos que conduzem a novas experiências alimentares [90]. O cérebro é composto por mais de cem mil milhões de neurónios, capazes de transmitir e pro-cessar informação [91]. Cada um destes neurónios está ligado a outros dez mil neurónios através de zonas sensoriais distintas, o que significa que um neurónio responsável pela visão pode estar ligado a centenas de outros, do cheiro, das emoções, do tacto ou da audição. Isto acontece, ao longo da nossa vida, sempre que somos estimulados [61, 90]. É através desta capacidade de interconexão que ocorre a percepção multissensorial [92].

Figura 15. Integração multissensorial do sabor [89]

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___ COMO SE DESENVOLVEM AS PREFERÊNCIAS DOS SABORES 2.9.2

Mesmo antes de nascermos já estamos a desenvolver as nossas preferências. Na décima primeira semana após a concepção, já se formou o epitélio olfactivo que nos permite detectar odores e o bebé, no útero, respira líquido amniótico da mãe que transporta o sabor das moléculas de tudo o que ela ingere. Foi realizado um estudo no Monell Chemical Senses Center que analisou a forma como os pri-meiros alimentos ingeridos durante a idade infantil afectam posteriormente as preferências de sabor [93]. Três grupos de crianças foram alimentadas com 3 tipos de leite engarrafado (leite normal, leite de soja e leite com proteínas hidrolisadas). Quando completaram quatro anos foram feitos testes para determinar as preferências de sabor e foi dado, a cada um, 3 tipos de sumo de maçã (natu-ral, com naringina, com sumo de limão). As crianças que ingeriram leite normal preferiram o sumo natural, as alimentadas com leite de soja preferiram o sumo com naringina (molécula que dá sabor amargo à casca dos citrinos) e as crianças alimentadas com leite hidrolisado preferiram o sumo que tinha sido acidificado com limão [94]. As crianças alimentadas com leite hidrolisado revelaram, num outro estudo, uma maior aceitação do sabor a brócolos. Estes resultados, sugerem que os nossos padrões de aceitação são determinados por experiências precoces [94].

___ PREFERÊNCIAS DE SABOR COMO EXPERIÊNCIA APREENDIDA 2.9.3

O apetite e a preferência por determinados alimentos, ultrapassam as experiências somadas, quer sejamos conscientes disso ou não. É ainda pouco claro a razão pela qual gostamos, ou não, de certos alimentos. Todos nós já vivenciámos situações como esta: em criança não gostávamos de determinado alimento que hoje é o nosso preferido [95].

À medida que crescemos, as nossas conexões tornam-se mais complexas. Inconscientemente, começamos a fazer associações de sabores de certos ingredientes e o corpo já consegue reco-nhecer os nutrientes pelo aroma, desde que estes tenham sido apreendidos anteriormente [96].

De todos os sentidos, o cheiro é o mais ligado às emoções, uma vez que tem vias neuro-anató-micas ligadas ao córtex orbitofrontal que, por sua vez, troca informações com áreas do cérebro onde são processadas as emoções [97].

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Paul Rozin aponta que, quando alguém se muda para outro país, o que demora mais tempo a alterar são os hábitos alimentares do seu país de origem. A alimentação está intimamente ligada às emoções desenvolvidas em diferentes fases da vida [98].

Contudo, parece que nem tudo o que gostamos é apreendido. Estudos recentes, sugerem que os compostos voláteis do tomate, que lhe dão o sabor característico, são sinais de componentes nutritivos valiosos e isso desempenha um papel inconsciente na sua apreciação, reconhecendo--os como nutritivos e bons para a nossa saúde.

Apesar de todos os alimentos e bebidas poderem invocar prazer [99], este facto muda de indiví-duo para indivíduo e é especialmente dependente do background cultural [98]. O facto de gos-tarmos ou não de um determinado alimento, como muitos outros comportamentos humanos complexos, tem origem numa infinita variedade de influências e algumas delas podem estar na nossa herança genética [95].

Vários estudos sugerem que as experiências com compostos voláteis têm grande impacto na apreciação dos alimentos. Em todo o caso, a questão está em perceber se os factores fisiológicos desempenham, igualmente, um papel importante. Será que o prazer que sentimos através de um aroma, em particular, é inacto ou é apreendido e evoluiu consoante a cultura de cada um? [100]

Muitos argumentam que é completamente apreendido e, como exemplo, consideram certos queijos que, embora, tenham um cheiro desagradável gostamos bastante do seu sabor. Deste ponto de vista aprendemos a gostar. Além disso, sabemos que alguns alimentos são muito apre-ciados em determinados países e noutros não.

___ SACIEDADE E FOME 2.9.4

Do not blame your food because you have no apetite.

RABINDRANATH TAGORE

O factor mais importante na apreciação da comida é o apetite. Todos nós gostamos, mais facil-mente, do que comemos se tivermos fome [101]. O apetite está ligado à representação complexa dos alimentos e é denominado de "incentivo motivacional". Expressa a capacidade de nos mantermos interessados num determinado ali-mento, a partir do instante que começamos a ingeri-lo. No entanto, rapidamente fica menos agradável e desejamos mudar de sabor - saciedade sensorial específica - que é o mecanismo natural que nos faz procurar uma dieta variada. Estes dois fenómenos fisiológicos determinam o que comemos, quanto comemos e quanto o apreciamos [102].

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___ COMIDA E PRAZER – MECANISMO DE RECOMPENSA 2.9.5

O prazer que sentimos quando comemos ou bebemos é tudo menos simples de delimitar. As influências são evolutivas, neurofisiológicas, genéticas, sociais ou culturais e todas elas são asso-ciadas no cérebro. Por exemplo, as inúmeras variáveis que serão responsáveis pelo prazer que sentimos, quando partilhamos uma refeição ou uma bebida com amigos [103].

Através do prazer, identificamos a quantidade necessária de alimentos que devemos ingerir, para a manutenção das funções vitais. O cérebro gera sensações que nos fazem sentir reconfortados. Por exemplo, a motivação para comer está entre a fome (que é acompanhada de prazer) e a saciedade (quando o cérebro envia sinais bioquímicos denunciando que comer já não é uma satisfação) [104]. O mecanismo de recompensa refere-se à estrutura, aos sistemas cerebrais e aos comportamen-tos e emoções gerados. Este mecanismo de recompensa envolve áreas do cérebro que são res-ponsáveis pelo desfrutar de um determinado alimento, se o quisermos e gostamos dele [105]. Alguns estudos, mostram que a nossa emoção não resulta apenas de uma única área do cérebro, mas de um conjunto delas chamado sistema límbico, que controla processos emotivos, tais como: secreções hormonais, humor, motivação e sensações de dor/prazer [106].

Os mecanismos que regulam a motivação estão distribuídos em várias áreas do cérebro e for-mam um sistema que envolve aspectos sensoriais e motivacionais. Querer (desejo) e gostar (pra-zer) são duas reacções diferentes, mas estão interligadas no cérebro por sistemas neuroquímicos e ambos associados a emoções positivas como a felicidade.

O sentimento de recompensa, vem do neurotransmissor dopamina que representa o sentimento de "querer", diferente do "gostar", que é mediado por outros compostos químicos chamados endorfinas, conhecidos por terem um efeito no comportamento humano [106] (Figura 16).

Os receptores para as endorfinas podem ser encontrados em diversas áreas do cérebro e pro-vocam prazer pelas nossas acções, tais como, comer uma refeição deliciosa, comer chocolate, rir, dançar ou ouvir música.

Figura 16. Corte transversal do cérebro. Libertação de dopa-

mina em áreas que envolvem o sistema de recompensa [106].

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___ EFEITO DE CONGRUÊNCIA 2.9.6

A integração multissensorial permite-nos compreender melhor o modo como percepcionamos os alimentos [67] e as reacções que se desencadeiam no cérebro. Estudos mostram, que determinadas áreas do cérebro, associadas ao prazer e à recompensa [103], são estimuladas quando uma pessoa recebe uma combinação congruente de sabores. Por exemplo, se recebe um alimento doce que é vermelho ou tem aroma a morango, estas áreas do cérebro apresentam bastante actividade. Em contraste, se este mesmo alimento, vermelho ou com aroma a morango, for salgado, não se verifica actividade no cortex orbitofrontal [107].

___ EFEITO DE NOSTALGIA E CONTEXTO 2.9.7

O cheiro está profundamente associado ao gosto e ao sabor e, de todos os sentidos, é o que maior impacto tem na nossa memória e emoções. Todos nós associamos um cheiro particular a uma dada situação no passado. Quando crianças, sentimos emoções fortes desencadeadas por um cheiro em particular. Quando, hoje, voltamos a sentir esse mesmo cheiro, surge um sentimento de nostalgia que influencia a percepção de gosto desse mesmo alimento [107]. O sentido do olfacto tem ligações especiais com a amígdala, onde se localiza o centro de pro-cessamento das emoções no cérebro. Por vezes, cheiramos um alimento e não conseguimos dizer de onde o conhecemos, mas somos preenchidos com uma emoção, semelhante à que tivemos no passado e acabamos por conseguir recordá-la. A apreciação global de uma refeição pode depender das memórias desencadeada por ela [107]. Todas estas possibilidades, mostram que os nossos gostos são mais do que factores fisiológicos, são o resultado de uma associação cognitiva e da aprendizagem que está fortemente relacio-nada com associações do passado e que evocam em nós memórias emocionais [99].

Heston Blumenthal [63] conta: "Tomemos, como exemplo, a fava tonka. Preta, com a pele um pouco enrugada e com um aroma soberbo e inebriante – entre a baunilha, o cravinho e o feno. Mais do que qualquer outra coisa, lembra-me as sandálias de borracha de praia que eram popu-lares em Inglaterra, quando eu era criança. Eu achava que o seu cheiro originava belas memórias

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das férias em Cornwall, no entanto, uma amiga minha detestava o cheiro. Ela teve vários proble-mas e cirurgias aos dentes quando criança e, de repente, ela percebeu que o aroma a borracha da fava tonka a recordava do cheiro da máscara que administrava o analgésico" [63]. O contexto tem um peso significativo na nossa compreensão e percepção dos alimentos, mesmo que inconscientemente. Diz-se, frequentemente, que o vinho não viaja, mas é verdade que mui-tas pessoas quando vão de férias, voltam com mimos para os amigos. Quando voltam a beber esse mesmo vinho, ele continua muito bom, mas não sabe ao vinho que beberam nas férias [51]. Os estímulos sensoriais são diferentes, a praia não está, a paisagem não é a mesma e as pessoas são outras [100].

___ EFEITO DA EXPECTATIVA 2.9.8

Quando comemos, todos os sentidos estão envolvidos. O cheiro que se inalou antes de comer, a temperatura, a textura e o som, todos contribuem para a percepção de sabor que se cria no nosso cérebro [108]. Esta informação é usada, mais tarde, quando voltamos a comer a mesma coisa e, neste caso, a expectativa, sobre o que vai acontecer, influencia a experiência global dessa refeição [109]. Durante a infância, o nosso cérebro desenvolve-se e as ligações internas são configuradas. Nesta fase, diferentes partes do cérebro são estimuladas ao mesmo tempo, através de diferentes canais sensoriais. Embora isto aconteça em partes do cérebro menos expostas, esta configuração de-senvolve canais subconscientes únicos, sempre que o cérebro é estimulado, mais do que uma vez, pela mesma situação ou experiência. Assim, quando determinado evento estiver prestes a acontecer e se o seu padrão for igual, so-mos capazes de prever o seu resultado e o seu significado e, assim, somos igualmente capazes de prever o futuro imediato. No fundo, é a expressão da nossa expectativa sobre o que estamos prestes a comer versus o estímulo da realidade [110]. Esta aprendizagem associativa pode ir ainda mais longe, se pensamos na forma como experien-ciamos uma refeição. Por exemplo, ao balcão de um snack bar, não criamos as mesmas expec-tativas que, possivelmente, criaríamos se se tratasse de um restaurante fine dining, mesmo que o custo fosse o mesmo.

O prazer de comer existirá sempre, quando as nossas expectativas são excedidas [103]. Numa experiência, [102] que envolvia um creme gelado de salmão (aparência de pêssego e cre-mosidade de sorvete), mostrou-se como a nossa percepção de sabor pode ir do gostar ao de-testar, apenas por se brincar com as expectativas em relação ao sabor.

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O mesmo creme gelado foi dado a 2 grupos. Ao primeiro grupo foi dito que iam comer uma bola de gelado e ao segundo, uma deliciosa mousse salgada. O segundo grupo achou a mousse aceitável, no entanto, o primeiro grupo achou detestável e algumas pessoas disseram, mesmo, que tinha sido a pior coisa que alguma vez tinham comido. A expectativa de um sabor doce e frutado, que foi gerado pela cor pêssego, contrastou fortemente com a experiência real do gosto salgado do salmão [102]. O prazer no acto de comer é muito importante e pode ser maximizado através da criação de expectativas congruentes e a nostalgia sobre a comida que se está a ingerir [92].

___ INTEGRAÇÃO MULTISSENSORIAL 2.9.9

O nosso cérebro é capaz de se ligar a vários sentidos e emoções, em simultâneo, e assim criar o que chamamos de sabor. A integração multissensorial começa com os 5 sentidos básicos [61]: .OLFACTO

tem vias directas para o córtex olfactivo, no sistema límbico, o que permite que o cérebro aceda às memórias e as compare com a imagem do cheiro que entra. Além disso, a informação é trans-mitida ao córtex orbitofrontal e é partilhada com as áreas do cérebro relacionadas com as emo-ções. .GOSTO

o estímulo atravessa as áreas das emoções antes de encontrar a sua própria área de processa-mento. .TACTO

o estímulo atravessa o tálamo antes de chegar à área dos sentidos. Na boca, as células somatos-sensoriais são muito sensíveis e desencadeiam a ilusão do que é o sabor. .VISÃO

é o primeiro estímulo na hora de comer, o que cria expectativas que influenciam fortemente o resto da integração. .AUDIÇÃO

é a parte da integração multissensorial que actua quando estamos a comer.

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Na integração multissensorial, quando dois ou mais sentidos são processados no cérebro, su-cede-se uma emoção ou sensação, que irá definir o comportamento em relação ao que se está a comer [60, 61]: .EMOÇÃO

prolonga a percepção do sabor e define a nossa apreciação pela comida. .NOSTALGIA E CONTEXTO

estas sensações contribuem para diferentes tipos de emoções. .CONGRUÊNCIA

gostar ou não gostar da comida é, na maioria dos casos, uma experiência apreendida. O nosso cérebro compara imagens de sabor e algumas são mais congruentes do que outras. .EXPECTATIVA

o cérebro humano é capaz de prever o futuro próximo devido à sua capacidade de tomar deci-sões e equilibrar os efeitos complexos das suas escolhas. Isto afecta a congruência e geralmente é intercedido pela visão e pela linguagem. O fenómeno da integração multissensorial é ilustrado no fluxograma seguinte (Figura 17).

Figura 17. Sabor multissensorial [61].

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___ EXPERIÊNCIAS MULTISSENSORIAIS 2.9.9.1

Um pouco por todo mundo, têm-se realizado experiências gastronómicas multissensoriais. A en-volvência de uma refeição onde sobressaem outros registos para além da comida, como uma localização especial, a criação de talheres próprios, o uso de projecções, música e onde os pratos servidos são pensados detalhadamente para aquele momento.

As experiências mais recentes começaram com Ferran Adrià, onde ele apresentava um menu desenhado para criar surpresas, para que as pessoas fossem constantemente surpreendidas com o lhes era posto à frente. Nas suas palavras: Siempre he cocinado con el objetivo de aportar algo técnico y conceptual a la cocina y de emocionar a los clientes. Paul Rozin [111] fala recorrentemente da sua experiência no El Bulli, o restaurante de Ferran Adrià. Em quase todas as conferências que participa, refere uma bebida que lhe serviram. Pri-meiro, chegava um copo gelado (Figura 18) e, só na mesa, deitavam dentro um extracto de pi-nhão quente. Ao beber experienciou algo totalmente novo para ele. Um alimento gelado tinha, pela primeira vez, aroma. E esse detalhe, entre outros, criou um grande impacto na forma de percepcionar aquele alimento e de viver aquela refeição.

Figura 18. Extracto de pinhão quente servido em copo gelado, Ferran Adrià. [111]

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Também Heston Blumenthal, introduz no seu restaurante Fat Duck experiências multissensoriais [112]. Por exemplo, com o prato Sound of the Sea (Figura 19). Pela primeira vez, num restaurante, chegaram à mesa uns auscultadores que iriam acompanhar todo o momento de comer o prato. Por um lado, criavam um isolamento com o som do mar e, por outro, aumentavam a percepção dos sabores a mar que compunham o prato.

Outro exemplo, é a ópera-gastronómica, El Somni, dos irmãos Roca [113]. Uma criação servida para apenas 12 pessoas e uma única "representação". 12 pessoas, 12 amigos, aos quais aquela construção era dada a vivenciar. El Somni é uma ópera gastronómica que incluiu projecções, música, poesia, imagens 3D, ... desenhados, apenas, para aquele momento (Figura 20).

Figura 19. Sound of the Sea, Heston Blumenthal. [112]

Figura 20. El Somni, irmãos Roca. [113]

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A ópera gastronómica e as experiências multissensoriais têm acompanhado os tempos. Como exemplo, temos os relatos de banquetes no séc. XV e séc. XVI com apogeu do célebre Les plaisirs de l'isle enchantée que no séc. XVII, Luís XIV ofereceu em Versailles (Figura 21) [114].

Figura 21. Les plaisirs de l'isle enchantée, Israël Silvestre [114].

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___ ALIMENTO QUASE 3

Quand d’un passé ancien rien ne subsiste, après la mort des êtres, après la destruction des choses seules, plus frêles mais plus vivaces, plus immatérielles, plus per-

sistantes, plus fidèles, l’odeur et la saveur restent encore longtemps, comme des âmes, à se rappeler, à attendre, à espérer, sur la ruine de tout le reste,

à porter sans fléchir, sur leur gouttelette presque impalpable, l’édifice immense du souvenir. Et dès que j’eus reconnu le goût du morceau de

madeleine trempé dans le tilleul que me donnait ma tante (quoique je ne susse pas en-core et dusse remettre à bien plus tard de découvrir pourquoi ce souvenir me rendait si heu-reux), aussitôt la vieille maison grise sur la rue, où était sa chambre, vint comme un décor de

théâtre s’appliquer au petit pavillon, donnant sur le jardin, qu’on avait construit pour mes pa-rents sur ses derrières (ce pan tronqué que seul j’avais revu jusque-là) ; et avec la maison, la

ville, depuis le matin jusqu’au soir et par tous les temps, la place où on m’envoyait avant déjeuner, les rues où j’allais faire des courses, les chemins qu’on prenait

si le temps était beau. Et comme dans ce jeu où les Japonais s’amusent à tremper dans un bol de porcelaine rempli d’eau, de petits

morceaux de papier jusque-là indistincts qui, à peine y sont-ils plongés s’étirent, se contournent, se colorent, se différencient,

deviennent des fleurs, des maisons, des personnages consistants et reconnaissables, de même maintenant toutes les fleurs de notre jardin et

celles du parc de M. Swann, et les nymphéas de la Vivonne, et les bonnes gens du village et leurs petits lo-

gis et l’église et tout Combray et ses environs, tout cela qui prend forme et solidité, est sorti, ville et jardins, de ma tasse de thé.

MARCEL PROUST, A LA RECHERCHE DU TEMPS PERDU [114]

___ CONTEXTO 3.1

O menu criado para Alimento é uma sequência de 12 + 1 momentos que evocam memórias de infância e lugares que visitei, como: os Açores, a Índia, Moçambique ou o Brasil. Cada um destes locais tem um momento que lhe corresponde e os restantes momentos são sabores e contextos com os quais cresci. No fundo, consiste em reunir à mesa sabores originais mas, também, a mú-sica, as imagens, os sons, as pessoas e as histórias à volta desses pratos. Juntar memórias e afec-tos.

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Alguns momentos da minha vida são um marco para a viragem para a cozinha. Cozinho para a família desde os 15 anos, adquiri os primeiros gestos com a minha mãe e aprendi com ela o tempo necessário que requerem os processos de cozinha. Mais tarde, na Índia, encontrei na cozinha a minha forma de sustentabilidade. Comecei a cozinhar para 10 pessoas e continuei com almoços para 35 pessoas, num menu fixo de três pratos. Foi aqui que percebi que a cozinha era o espaço que me cabia, o espaço onde podia exercer a minha criatividade e partilhar a minha ligação com os outros. Uma individualidade que se silencia, no movimento de construção de uma refeição.

Cresci com música ou televisão à hora da refeição. Chegava, por vezes, à mesa um livro de poesia que alguém partilhava enquanto lia. A surpresa era provar novos pratos, os sabores que se des-cobrem com as primeiras palavras. Era obrigatório comer tudo o que chegava à mesa e, esta intransigência, permitiu que o vocabulário de sabores fosse sempre crescendo e sempre com mais curiosidade.

Houve sempre uma busca constante pela surpresa, pelo desconhecido ou por um novo olhar sobre o que se conhece. Recordo ter descoberto muito de novo nos lugares onde passava dia-riamente, bastava reduzir o passo e olhar em redor. A mesma descoberta passava-se à mesa.

Servir uma refeição é igualmente colocar os outros numa viagem, numa descoberta. Sentados, olham a janela à sua frente em paisagens distintas. Há uma linguagem que queremos transportar, da cozinha, para a pessoa que servimos. Há um eu que se entrega. Como. Penso. Alimento. Quando comecei a construir o menu, que de seguida se apresenta, queria, por um lado, usar sabores portugueses autênticos, mas, por outro, queria que visualmente não houvesse uma iden-tificação imediata.

O que foi idealizado nem sempre funcionou. Por exemplo, o primeiro projecto foi criar um disco, que tocasse como um vinil, mas que fosse comestível. A sala às escuras. Alguém que coloca o gira-discos ao meio da mesa e acende apenas a luz que o ilumina. O disco toca Amália Rodrigues, Gaivota. É feito de manteiga de azeite sobre uma fina camada de torricado. Passado menos de um minuto, o calor da luz faria com que a manteiga derretesse e a agulha parasse.

Saber como reagiriam as pessoas era a questão que me motivava. Sairiam do seu espaço de conforto e tentariam partir o disco? Foi este desconhecer que moveu a criação de alguns dos pratos. Provocar, sair da zona de conforto onde se estende um horizonte. Quase como a magia do ovo de Colombo, que de tão simples nos perturba de fascinante.

O jantar foi apresentado n’O Apartamento, por sugestão e desafio da prof.ª Paulina Mata. O Apartamento, fundado por Armando Ribeiro e dinamizado, em conjunto, com Ana Krausz, Inês Matos Andrade, Paula Cosme Pinto e Vasco Oliveira, "é um projeto de partilha com morada fixa. Trata-se de um verdadeiro apartamento, uma casa real, feito por pessoas para pessoas. Obje-tivo? Ser um acelerador de partículas urbanas, isto é, unir, e reunir gente de diferentes espetros, criar sinergias, fomentar projetos " [115]. O Apartamento organiza jantares pop-up, exposições,

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divulga revistas e workshops de gastronomia albergando, assim, um conjunto eclético de pro-jectos.

A 10 de Março, o projecto Alimento, foi apresentado e aceite pela equipa d’O Apartamento, com jantar marcado para 20 de Maio, às 20:00. À data da apresentação, a maior parte dos con-ceitos eram apenas esboços. O que ficou demarcado foi, principalmente, o mote que o motivava, apresentar um jantar inusitado, experimental, que para além da comida, reflexo dos sabores au-tênticos portugueses, seria também uma experiência envolvente, multissensorial. Ficou definido que a 26 de Abril o menu estaria delineado e alguns pratos finalizados, para que o registo foto-gráfico servisse a posterior divulgação.

Tudo no mundo começou com um sim.

CLARICE LISPECTOR [116]

Daqui em diante foi uma sequência de processos e pedidos de apoio. A harmonização dos vinhos foi feita em conjunto com o prof. Manuel Malfeito, professor de Eno-logia no Instituto Superior de Agronomia e professor do módulo: O Vinho na Gastronomia, do Mestrado em Ciências Gastronómicas. Partindo das características desejáveis de cada par, vinho e correspondente prato, contactei as adegas: José Maria da Fonseca, Quinta dos Termos e o Pico Wines, e todos os vinhos servidos foram oferecidos.

Como acordado, dia 26 de Abril foi apresentado o menu final e com o apoio da Maria José Elias, colega do mestrado, feito o registo fotográfico. O jantar foi divulgado [117] como: "Vamos comer uma tese de mestrado em 12 pratos?"(ver Anexo I). Reuni um grupo de 17 pessoas, amigos e colegas do mestrado, que acederam ao meu pedido, e ajudaram a servir o jantar. Desta forma, as 15 pessoas sentadas à mesa, receberam cada prato em simultâneo para maximizar a surpresa associada. Foram feitas duas reuniões antes da ocasião. Ficou acordado que todas as mulheres vestiriam uma bata tradicional de acordo com a bata, da minha avó, que eu usaria quando chegasse à mesa no final (Figura 22).

Figura 22. Alimento quase.

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Foram distribuídas as tarefas e cada um recebeu uma cópia do roteiro do jantar. No próprio dia, afixámos o roteiro nas paredes do corredor, cozinha e sala de empratamento, para melhor nos organizarmos (ver Anexo II).

___ MOMENTOS 3.2

Na sequência que se segue, serão apresentados e enumerados todos os momentos do jantar. Para cada um, será descrito o prato associado e, respectivos, detalhes de apresentação e serviço. A cada momento vêm, ainda, associados: a motivação e o processo de desenvolvimento, a crítica pessoal e as técnicas usadas, bem como, colagens que foram feitas no início do processo criativo e fotografias dos pratos já no jantar.

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___ MOMENTO 0

//

À CHEGADA

À chegada, os convidados foram recebidos com a projecção do concerto de Nina Simone, Mon-treux 76 [118].

MOTIVAÇÃO O ritmo das músicas, neste concerto, funcionaria como um momento de descontração para as pessoas que chegavam a’O Apartamento. As imagens foram projectadas sobre as plantas e a parede da sala, onde viria a ser servido o jantar.

A projecção sobre os verdes, surgiu da experiência, no meu terraço, de sobre o verde as imagens ganharem outros contornos, quase tridimensionais (Figura 23).

Para além da música e imensa admiração pela história de vida da Nina Simone, há uma afinidade com a resposta "Nina what is to be free? ", "No fear, no fear...".

Figura 23. Welcome Nina Simone, colagem que ilustra a projecção sobre o verde.

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___ MOMENTO 1

//

EVOCAÇÃO + O C’HOUVER À chegada, sobre a mesa, estava o couvert composto por dois registos: Evocação e O C’houver, ambos sabores da terra com mar dentro. Em simultâneo, foi servida água fresca aromatizada com limão e alfazema. As colagens (Figura 24, Figura 26), que se apresentam no início de cada explicação, representam o início do processo criativo de reunir os elementos que fazem parte de cada composição.

__ O C’HOUVER \\ _COUVE DAS AZENHAS DO MAR DESIDRATADA + AZEITE + FLOR DE SAL COM COLORAU _CRACKERS DE SEMENTES + SALSA + NORI + SALICÓRNIA

Figura 24. O C’houver, colagem.

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__ O C’HOUVER

O C’houver é a couve portuguesa com azeite, flor de sal e colorau e uns crackers de sementes com alga nori e salicórnia. A couve, colhida numa arriba das Azenhas do Mar, estava quase temperada pela maresia. Foi desidratada, inteira, com azeite, flor de sal e colorau, sabores bem portugueses. Os crackers eram umas "bolachas" crocantes, feitas com uma mistura de sementes de abóbora e girassol, cenoura, salsa, alga nori e salicórnia. A mistura foi feita a cru e desidratada a 50º durante 8 horas. Ambos foram colocados em peças de mármore, feitas, especialmente, para suportarem as cou-ves e os crackers. As peças de mármore foram executadas, expressamente, para esta situação e oferecidas pela Marmoraria de Alvalade. Foram aproveitados restos de mármores, aos quais se fizeram cortes de forma a funcionarem como suporte dos finos crackers ou das couves desidra-tadas (Figura 25). O contraste entre a fragilidade do alimento e o peso do suporte. A necessidade de partir e partilhar os crackers e as couves.

Figura 25. O C’houver, NF.

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__ EVOCAÇÃO \\ SHOTS CANA DE AÇÚCAR IMPREGNADOS A VÁCUO COM SUMO DE LARANJA DO ALGARVE + AZAHAR + AGUARDENTE DE MEDRONHO + AMÊNDOA LAMINADA TORRADA

Figura 26. Evocação, colagem.

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__ EVOCAÇÃO

Evocação reúne sabores do Algarve, como: a aguardente de medronho, a laranja e a amêndoa (Figura 27). Ao centro da mesa, foi colocado um tronco de zimbro da areia [119], espécie autóc-tone da costa portuguesa, que sustinha uma estrutura metálica, como as que se colocam, nos edifícios, para afugentar os pássaros, onde se espetaram uns shots com aguardente de medro-nho. Estes shots, eram palitos de cana de açúcar, impregnados a vácuo, com aguardente de medro-nho, raspa e sumo de laranja do algarve e azahar (água de flor de laranjeira). Metade com aguardente, metade sem. Shots para morder e chupar. Jogar com a forma e modo de comer.

Nos ramos do tronco, foram colocados origamis, em forma de pássaros, feitos pelo Vasco Oli-veira d’O Apartamento, que eram os guardanapos. Sobre a mesa, por baixo do ramo, amêndoa torrada.

Figura 27. Evocação, NF.

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MOTIVAÇÃO O C’houver é a beleza das formas in natura conservadas pela técnica da desidratação. Agradável crocância da couve e dos crackers de sementes. Evocação é reunir sabores do Algarve, da costa vicentina, a região que depois das viagens, mais me fez voltar a casa. O mar, que está tão presente na nossa cultura.

A estrutura de Evocação é a inversão ou subversão da natureza. Afugentar os pássaros das árvores, com a estrutura metálica que colocam nos edifícios e, no chão, a amêndoa torrada. Os pássaros, em origami de papel, os guardanapos.

A provocação, era perceber como todos se aproximariam e destruiriam as couves inteiras ou os crackers, pois, nenhum destes se apresentava em porções individuais. Pegar nos origamis e usar como guardanapo.

Conservar/Destruir, Convocar/ Evocar. Afastamos a terra das cidades por que é sujo. Afastamos a natureza porque nem tudo o que é natural nos é conforme e dos jardins vivemos a floresta.

CRÍTICA A aproximação aos desidratados e shots, não foi imediata. Primeiro, a natural aproximação às "estruturas" e perceber se se poderiam, ou não, partir. Decoração ou alimento?

À chegada, deveria ter ido à sala dar uma breve apresentação do projecto e apresentar a equipa, que fazia parte desta experiência. A falta de tempo e a timidez não ajudaram neste começo. Desejava, sobretudo, que a motivação dos convidados chegasse pela, aparente, não compreen-são do que estava exposto e que a experiência de comer tornasse tudo mais familiar. O que estava programado, era eu chegar à mesa apenas no final, servir a última sobremesa, e a partir daí contar a história e a motivação deste jantar.

O primeiro gesto em direcção ao couvert iniciou o processo de todos. Destruir as estruturas para alimentar. Poucos colheram os pássaros para limpar as mãos.

Destruir, não parece fazer parte da alimentação. O actual afastamento desse processo de des-truir, como se comer fosse um acto indelével para o que existe. Para comer temos que destruir. Transformar é inevitável. Transformando-nos.

TÉCNICAS USADAS

DESIDRATAÇÃO [crackers e couve] IMPREGNAÇÃO A VÁCUO [palitos de cana de açúcar]

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___

MOMENTO 2

// INDIA SONG

__ 2.1 PATATUTOPIA \\ BATATA DOCE GERMINADA COMO SUPORTE DO TALHER Depois de servido o couvert, a mesa foi limpa, colocaram-se os talheres sobre uma batata doce germinada e as pessoas convidadas a sentar. As batatas, usadas como suporte, vieram da Fruta Feia e germinaram sem solo. Pretendia colocar à mesa o limpo que vem da terra. Vivo. (Figura 28)

MOTIVAÇÃO

A batata que, muitas vezes, é menosprezada tem papel principal com Agnès Varda, quando, em 2000, filma Os Respigadores [120]. Varda filma pessoas que depois das colheitas respigam os

Figura 28. Suporte, colagem.

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campos, um pouco por toda a França, em busca dos alimentos que, pela mecanização da co-lheita ou por defeito do produto, são deixados na terra. É a ligação às pessoas que a move, toda a componente social deste movimento.

A partir deste contacto, inicia uma colecção de batatas em forma de coração. Em 2003, apresenta a exposição, Patatutopia [121] (Figura 29) e mais recentemente, em 2015, Patates et Compagnie, no Museu de Ixelles, cidade onde nasceu.

Varda deixa a seguinte mensagem [122]: "Desejo que os visitantes desta instalação sejam inun-dados de emoção e alegria diante o vegetal mais banal e modesto de todos e desejo, assim, partilhar a minha utopia, de que a beleza do mundo, concentrada nestas batatas velhas, nos possa ajudar a viver no caos."

__ 2.2 LIKE DAVID HOCKNEY COULD HAVE SAID

Depois de todos sentados e a cozinha preparada para servir, iniciou-se o jantar. O pôr de sol coincidia com a hora de começo e as persianas da sala foram fechadas, para criar um ambiente mais íntimo e com as projecções mais presentes. Iniciou-se o jantar com um vídeo de David Hockney [123], contendo os stills e o texto apresenta-dos em seguida (Figura 30).

Figura 29. Patatutopia, Agnés Varda [121].

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Figura 30. like David Hockney could have said, colagem.

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MOTIVAÇÃO O humor de David Hockney serve de mote. Com legendas, substituí blonde por cook e ficou o que chamei: like David Hockney could have said.

David Hockney diz que é louro por sugestão de uma publicidade, que viu na televisão, que dizia que os louros são quem mais se diverte. Peguei nessas imagens e com sobreposição de texto, procurei expressar que me tornei cozinheira porque os cozinheiros são quem mais se diverte. Aproveitei esta ironia para relevar a minha escolha que, pelo contrário, se fez de identidade e um modo de vida. Ele continua e diz que a sua filosofia é viver no presente e que o passado é algo que cada um tem que "escavar" ou trabalhar. Para mim, viver no presente é aceitar o devir, é encontrar aquilo nos é expressão e materializar, no meu caso, através de uma refeição. Na criação de Alimento, a direcção recorrente foi o passado, tanto pelo contexto em que as situações são apresentadas, como pelas emoções que se querem transmitir.

__ 2.3 INDIA SONG \\ LIMPA MÃO COM ÁGUA MORNA DE PÉTALAS DE ROSA E CARDAMOMO O jantar começou com David Hockney e seguiu por imagens de India Song (1975), um filme de Marguerite Duras [124]. Depois das imagens de David Hockney, entraram na sala duas pessoas. Traziam uma taça onde foram espetadas pequenas papoilas, em cerâmica, feitas por João Noronha, e na corola, lenços comprimidos. Traziam, ainda, uma jarra com água morna aromatizada com rosa e cardamomo.

Quando surgiram as imagens de India Song [123], colocaram-se, à frente da projecção, num ex-tremo da mesa. Deitaram a água morna sobre as papoilas e os lenços, à medida que eram hu-medecidos, "cresciam" lá de dentro. Depois, foi entregue um lenço a cada convidado, para que limpasse as mãos. Água morna que servia de conforto e o aroma que remetia à Índia.

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A ilustração seguinte (Figura 31) representa esse momento.

Figura 31. India Song, ilustração.

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MOTIVAÇÃO E PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO O filme de Marguerite Duras [124], India Song (1975) deu nome à India Song house, em Mysore, na Índia, onde vivi dois anos.

Cozinhar foi durante esses dois anos a minha forma de sustentabilidade. Servia 35 pessoas em cada refeição, num menu fixo de três pratos. Três almoços e apenas o jantar da sexta, porque aos sábados não se praticava yoga e os clientes, que recebia eram, a maioria, praticantes de yoga. Pela primeira vez cozinho para clientes e o desafio é tão gratificante.

Quando recebi os primeiros hóspedes, portugueses, a Alexandra e o Alexandre, sugeri que po-deria cozinhar para eles bastava, apenas, que me avisassem pela manhã. A Alexandra ficou para o almoço quase todos os dias. Dizia que gostava muito do que eu fazia e, em jeito de desafio, marcou um almoço para 10 pessoas. A cozinha era pequena, apenas dois bicos de fogão e os pratos nem eram suficientes para os 10 convidados. Comecei por servir em pratos feitos de folha de areca que, dependendo dos pig-mentos dos alimentos, serviam apenas uma vez. Entretanto, continuei com os almoços com mais frequência, comprei pratos de cerâmica, raridade num país onde predomina o metal e a mela-nina. Recebia, em todos os almoços e jantar, 35 pessoas de uma vez, sempre às 13:30 ou às 19:30. Praticava yoga às 6:00 e voltava para casa para terminar o almoço.

Foi extraordinária a sensação de viver a cozinha assim de perto e com tanta responsabilidade. Fascinantes idas ao mercado, as pequenas descobertas dos produtores, vendedores, as traseiras do mercado com as frutas a grosso, as primeiras palavras em kannada, a língua local. Fazia tudo de raiz, o queijo, o tofu, o iogurte, o seitan, entre outros. As refeições eram sempre vegetarianas, mas também vegan ou sem glúten. Clientes de todo o mundo e muito particulares com a alimentação. Fascinante esta corrida e adrenalina, mas, acima de tudo, o movimento que se faz contínuo, pelo cheiro, pela emoção do momento, pelo instante que de repente faz agarrar especiarias ou outros alimentos que não estavam no menu, mas que, naquele momento, era determinante estarem.

Aqui encontrei a minha liberdade e era a cozinha.

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__ 2.4 ÁGUA ESSENCIAL \\ ESFERA DE ÁGUA + TERRA DESTILADA DO POIAL + FOLHA DE OURO + CASSIS DO POIAL + FLOR DE JASMIM Depois de entregue o lenço humedecido, começa o vídeo da Cantiga da Roda, extraído do do-cumentário "Povo que Canta" [125] de Michel Giacometti, etnomusicólogo que percorreu Por-tugal no final dos anos 60, início de 70 e registou as origens da música tradicional portuguesa. As imagens selecionadas são de uma senhora, em Dornelas do Zêzere, que põe em movimento a roda, caminhando sobre ela. Está descalça, como se de uma imagem de Pina Bausch, se tra-tasse (Figura 32).

Sobrepõe-se neste movimento a música Footnote to Howl [126], escrita por Allen Ginsberg e cantada por Patti Smith, extraída do documentário: Patti Smith, Dream of life (2008) [127].

Figura 32. Água Essencial, ilustração.

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Chega um aquário e dentro, quase imperceptíveis, estão esferas de água. Foram feitas com al-ginato e contêm folha de ouro, jasmim, terra destilada e um cassis do Poial (Figura 33). É entre-gue uma esfera a cada um, em mão, para que beba a água aromatizada que está no seu interior.

MOTIVAÇÃO E PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO Imagens de água e oração, na Índia, ritualizam o início do jantar. Na Índia, onde tudo é intenso, os gestos, os cheiros, os sabores, a imensidão de carros, pessoas, bicicletas, carroças e tudo numa ordem caótica da vida per se. Tudo funciona num ritmo e dimensão sem igual, mas há um qualquer ralenti na expressão dos instantes. Há uma sofisticação na extrema simplicidade e um flagelo na dilacerante pobreza. Há,

Figura 33. De cima para baixo, 1- chegada à mesa da água essencial, 2 – Água Essencial na mão, CG.

fotografia.cristina ganâncio

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também, uma suspensão nos gestos, das mãos que nos pedem esmola, nas mãos que se unem num cumprimento ou nas cabeças que se movem e dizem sim. Há um olhar no presente, no instante. Um olhar desperto.

E a cada dia que lá vivi uma volta ao mercado, os feijões acabados de debulhar, as pilhas de espinafres até ao tecto e os rituais, o cheiro a incenso, a terra nos pés, mas, mesmo ali, numa qualquer banca se fazem rezas e se pede prosperidade. E sempre que se chegava a algum lado, a casa de alguém ou a um restaurante, ofereciam um copo de água. O momento India Song é reflexo desta minha experiência, de alguém me estender a mão e oferecer água. A inspiração deste momento veio ainda das "bolas" que têm "neve" dentro e que viramos de um lado para o outro. Pensava fazer algo com essa magia, mas comestível. Brincar à mesa com o que se come. O ouro é usado na Índia na medicina ayurveda, o jasmim o cheiro que percorre a cidade, o cassis e a terra destilada do Poial.

TÉCNICAS USADAS ESFERIFICAÇÃO INVERSA (gelificação por difusão com alginato) com congelação [esferas de água] (ver Anexo III)

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MOMENTO 3

// QUENTES E BOAS

VAGEM DE ERVILHAS FRESCAS + PURÉ DE CASTANHAS CONFITADAS EM GHEE NOISETTE

+ FAROFA DE CASTANHA + BEGÓNIA + PÓLEN DE FUNCHO COMER COM PINÇA

[CAMARATE, BRANCO, JOSÉ MARIA DA FONSECA]

Quentes e boas, como diz o pregão. Aqui chegaram as castanhas e a acompanhá-las a manteiga. Este foi o par que deu início a esta partilha. No entanto, a composição do prato seguiu outros caminhos e completou-se com outras texturas e componentes. Da castanha com manteiga fez-se um puré e uma farofa, juntou-se pólen de funcho e begónias, tudo servido sobre ervilhas verdes que se comiam com uma pinça (Figura 34).

Figura 34. De cima para baixo: processo de montagem de

Quentes e Boas, NF, CG.

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MOTIVAÇÃO E PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO

Quando, no Outono, chegam as castanhas as primeiras que se comiam, lá em casa, eram sempre cozidas. Servidas à sobremesa, acompanhadas de manteiga e um cálice de jeropiga. Cresci com esta combinação e hoje se não houver manteiga a acompanhar, não é mesma coisa.

Inicialmente, para este momento, pensei servir um molde de castanha feito de manitol, recheado de mousse de castanha confitada em ghee noisette. A ideia, era chegar, apenas, uma "castanha" e com uma pequena brasa, já na mesa, caramelizar o exterior e só depois polvilhar com o funcho. Construí os moldes em silicone, mas por falta de tempo não testei esta opção. Surgiu, depois, outra hipótese de ser apenas uma castanha com manteiga.

Duas semanas antes do jantar, a Maria José, da quinta do Poial, enviou-me uma amostra de produtos que podia fazer crescer e, de entre a variedade disponível, estavam umas vagens de ervilha (Figura 35). A combinação da castanha com o pólen e a farofa já estava feita. As castanhas cozeram em sous-vide, no ghee noisette, por 12h a 90º. Mesmo cozida em man-teiga, o seco da castanha mantinha-se. Parti um pouco de castanha e comi com uma ervilha fresca. O fresco, crocante, leitoso e adocicado da ervilha ligou muito bem. Depois surgiu a asso-ciação da begónia para criar uma acidez em oposição. Daqui parti para o puré que ficaria sobre cada ervilha. E sobreposto a begónia pequena. A farofa de castanha, surgiu por sugestão de um trabalho do Bruno Leite, colega do mestrado, em que ele fez uma farofa ralando castanha crua. O resultado na altura ficou um pouco arenoso. Posteriormente, cozi castanhas e deixei-as arrefecer, ralei e corei na manteiga. Ficou mais cro-cante e sem a sensação de areia nos dentes.

Para o pólen de funcho apanhei e desidratei flores de funcho. O uso da pinça, surgiu pela dimensão e fragilidade da vagem, que, com o peso do puré e das flores, não se conseguia pegar com a mão. A base, em cobre, foi feita pelo meu pai.

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CRÍTICA A combinação final acredito ter resultado bem. Um prato com várias texturas e sabores que se complementam. Voltarei, com certeza, a usá-la, mas quero, ainda, testar a primeira ideia, de fazer uma castanha falsa em manitol.

TÉCNICAS USADAS SOUS-VIDE, 90º, 12h [castanha]

Figura 35. Preparação das vagens de ervilha da quinta do Poial, NF.

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___ MOMENTO 4

//

NO MAN IS AN ISLAND OU ILHA SABRINA

INHAME AU DIABLE + PÉROLA DE AZEITE DE AZEITONA GALEGA DA HERDADE DO FREIXO DO MEIO + CAVIAR DE PIMENTA DA TERRA + BANANA PÃO DESIDRATADA COM

QUEIJO DA GRACIOSA RALADO + SMEN DE CHÁ VERDE E ORANGE PEKOE DA GORREANA + PIPOCA COM VINAGRE EM PÓ

[FREI GIGANTE, BRANCO, PICO WINES]

Dos Açores, trouxe o inhame que tanto pela amanteigada textura, quando cozido, como pelo sabor que nos transporta às terras ricas de enxofre, vale por si só. No entanto, como sublinha John Dome, No man is an island entire of itself [128] e ao tubérculo juntaram-se sabores que partilham a mesma origem, a manteiga fermentada com chá da Gorre-ana, a banana e o queijo da Graciosa, o milho ou a pimenta da terra dentro de uma lapa e tudo sobre uma pedra, o basalto, característica das ilhas (Figura 36).

Figura 36. No man is an island ou Ilha Sabrina, sugestão de serviço, MJ.

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MOTIVAÇÃO E PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO

No decorrer deste ano voltei aos Açores. Vivi dois anos em S. Miguel, entre 2003 e 2005 e foi o período, da minha vida, em que menos cozinhei. Ninguém me conhecia e, como todos cozinha-vam, pouco me aproximei da cozinha. Foi um presente. E o maior, foi provar aquele peixe que, para mim, continua a ser o melhor que comi.

Este ano, quando voltei, tentei conhecer mais de perto alguns produtos, o inhame, os minhotos (inhame pequeno), os bolos lêvedos, o queijo fresco em folha de conteira das Sete Cidades, as estufas de vidro do ananás e alguns dos restaurantes de que tinha memória. Começámos pelo Manel Cigano e os chicharros fritos imbatíveis. A farinha de milho bem frita e o peixe tão cro-cante. Da visita ao mercado da Graça, em Ponta Delgada, trouxe minhotos, queijo da Graciosa, bolos lêvedos, limão galego, pimenta da terra e pickles. Fui à lota de Rabo de Peixe e ao sr. Jorge do Porto Formoso que me deu um limão a que chamou de sírio e do qual, junto ao galego, fiz conserva.

Procurei, neste prato, reunir uma colecção de sabores que, juntos, se complementavam. Cozinhei os minhotos au diable [129], usando uma panela de pedra do Brasil. Os minhotos são lavados e colocados na panela com sal e açafroa e cozem sem água, com a tampa na panela. Esta cozedura permite que a humidade do próprio alimento o cozinhe. A textura do minhoto é muito próxima à de uma batata amanteigada e tem um sabor ligeiro, mas muito particular e característico. Para reunir os sabores da ilha, juntei um caviar de pimenta da terra, as pipocas lembrando o milho dos Açores e o vinagre em pó remetendo aos pickles, o azeite encapsulado para dar untuosi-dade, a crocância doce da banana desidratada com o picante do queijo da Graciosa e a manteiga em duas versões (Figura 37b). Para a manteiga, fui buscar inspiração a Marrocos, onde reza a história que diz que quando uma filha nasce é enterrado um pedaço de manteiga que só se desenterra quando esta casar e, a esta fermentação, dão o nome de smen [130]. A manteiga é fermentada, à temperatura ambiente, com uma infusão de ervas e, quando atinge o sabor desejado, guarda-se no frio para parar a fermentação. Neste caso, usei chá verde e orange pekoe da Gorreana.

Figura 37. a. Menu Ilha Sabrina; b. Ilha Sabrina na mesa, CG.

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A proposta, era de temperar o minhoto com os vários sabores colocados na pedra negra, o ba-salto, onde foi servido este prato. A pedra negra a evocar os Açores (Figura 38). As pedras, foram, na maioria, recolhidas da praia do Abano, no Guincho, onde há predominância de basalto.

A história da ilha Sabrina [131] serviu de mote pela sua existência tão efémera e peculiar. Os ingleses, ao avistar a ilha, em Junho de 1811, colocaram nela uma bandeira, mas tratando-se esta de uma ilha efémera, extinguiu-se poucos meses depois, pondo fim à contenda de domínio com Portugal.

Primeiro chegou o menu. O menu era um origami, que ficava que nem uma ilha quando pousado sobre a mesa. Tinha impresso uma imagem da ilha Sabrina, impressão feita na Tipografia Mica-elense, por Júlia Garcia (Figura 37a). O azeite foi oferecido pela Herdade do Freixo do Meio, azeite de azeitona galega, extra virgem biológico. Sabor suave, macio e com um frutado toque a maçã.

Figura 38. Empratamento de todos os componentes no basalto, NF.

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CRÍTICA A combinação funcionou e, como proposta de futuro, gostava de repetir este prato para um maior número de pessoas. A ideia, depois deste trabalho, é que num espaço mais amplo, pode-ria ter uma mesa com a "ilha" de pedras, colocar ao lado as lapas com a pimenta da terra e, suspenso, um "candelabro" com o azeite encapsulado e todos os restantes ingredientes que o compõem. Assim, cada pessoa faria o seu prato que no final pousaria como uma ilha efémera (Figura 39).

TÉCNICAS USADAS ESFERIFICAÇÃO DIRECTA (gelificação por difusão com alginato) [caviar de pimenta da terra] FERMENTAÇÃO de manteiga [smen] ENCAPSULAMENTO DE AZEITE COM ISOMALTE [pérolas de azeite] DESIDRATAÇÃO [banana da terra]

Figura 39. Início da criação de Ilha Sabrina, colagem.

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MOMENTO 5

// COMER O CORAÇÃO + PAISAGEM HABITADA

[CAMARATE, BRANCO, JMF]

Podemos comer o som de uma paisagem? Este momento foi servido em dois registos diferentes.

Um prato com o som do Poial (Comer o Coração), que continha uma "passa" de beterraba, o elemento principal,

acompanhada de um mosaico de texturas e contrastes. Um terrário de vidro (Paisagem Habitada) com terra comestível,

queijo de Azeitão e amores perfeitos. Uma pequena sinfonia que se fez em cânone,

pelo som que cada prato emitia quando pousado.

A mensagem, aqui, falava de autenticidade e de quanto a vida reverbera quando em harmonia. O menu chegou em forma de coração, que escondia, no interior, a composição de cada um

destes registos (Figura 40).

Figura 40. Menu (papel vermelho) e Comer o coração + Paisagem Habitada, CG.

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__ COMER O CORAÇÃO \\ PASSA DE BETERRABA + MELAÇO DE ROMÃ + CONSERVA DE LIMÃO SÍRIO E GALEGO + PURÉ DE COUVE FLOR DEFUMADO COM CASCA DE COCO + ENDRO + PISTACHIO + FRAMBOESA LIOFILIZADA + MORANGO MARAS DES BOIS + MINI VAGEM DE ERVILHA DE CAVACA + CAMARINHAS Comer o coração centrava-se na beterraba, o "coração" do prato. Foi cozinhada a vapor e pas-sou por um processo de desidratação e re-hidratação, com melaço de romã, ganhando uma textura semelhante a uma passa de ameixa. O exterior brilhante e com a acidez da romã e, o interior, macio e húmido. Foi servido acompanhado de todos os componentes, acima, nomeados e o prato, quando pousado, emitia o som do Poial que estava gravado em pequenos dispositivos de som, escondidos por baixo (Figura 41).

Figura 41. Comer o coração, sugestão de serviço, MJ.

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PAISAGEM HABITADA \\ TERRÁRIO DE VIDRO, COM: TERRA (AZEITONA GALEGA + COGUMELO + NOZ ) + FLORES + ESPUMA DE QUEIJO DE AZEITÃO (Figura 42) Aqui surgia a riqueza do queijo de Azeitão onde, também, se localiza a quinta do Poial, que inspirou este registo. A riqueza da espuma de queijo a ligar com a terra crocante de azeitona, cogumelo e noz e sobre eles, amores perfeitos.

MOTIVAÇÃO E PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO Ao longo do estágio que realizei, em 2013, com Neka Menna Barreto, em São Paulo, fomos, em conjunto, desenvolvendo alguns pratos, como o carpaccio de beterraba com puré de couve flor, defumado com casca de coco. A sabor intenso a terra da beterraba, derivado da geosmina [132], ligava bastante bem com o aveludado do puré. Este prato começou pelo nome: Comer o coração. Nome de uma performance de Vera Mantero e Rui Chafes, que vi, em 2005, no CCB [133]. Tenho imensa admiração pelo trabalho de Vera Mantero e este título ficou-me sempre na memória.

Figura 42. Pormenor de Paisagem Habitada, CG.

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O menu era um origami, em forma de coração, feito pelo Vasco Oliveira d’O Apartamento (Figura 42). Chegava fechado à mesa e quando aberto podiam ler-se os componentes deste momento (Figura 44a).

Pensei pegar na referência da Neka Barreto e usar beterraba, pela cor e pela possibilidade de a tornear e fatiar em pétalas. À medida que fui fazendo testes com outras frutas, em que as cozi, desidratei e re-hidratei com melaço ou licores, fiz o mesmo com a beterraba. Primeiro cozi, em sous-vide ou a vapor e depois desidratei, pincelada com melaço de romã. O resultado é uma "passa" de beterraba com o interior macio que nem uma ameixa seca. Deste elemento, continuei para a composição do prato, uma crocância que chegou pelo pistachio tostado, a suavidade do aveludado do puré e depois uns verdes.

Decidi também juntar o Poial neste prato. Interessa-me o som que envolve o alimento e nas várias visitas que fiz ao Poial, registei o som envolvente. Registei também uma conversa com a Maria José onde, em pano de fundo, se ouve o que vim a chamar: paisagem habitada. Queria que esse som chegasse à mesa, bem como, as palavras da Maria José. Decidi juntar um pequeno jardim, dar um pouco mais de cor e de contrastes. Fiz uma terra com pó de azeitona galega, cogumelo e noz, juntei amores perfeitos e espuma de queijo de Azeitão num jardim perfumado (Figura 42).

Mas queria o som do Poial. Nas pequenas esferas em que iria servir o "jardim" poderia colocar pequenos dispositivos de som, como os há em certos postais. A ideia, era que ao servir as esferas estas fossem pousadas na mesa, em sequência, uma depois da outra e o som do Poial um quase cânone. Pela dimensão dos dispositivos de som, decidi aplicá-los aos pratos (Figura 43a, b).

Figura 43. a. Dispositivo de Som, b. Montagem do prato, NF.

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E assim aconteceu, os pratos foram pousados em sequência (Figura 40b-d). Após pousar os pratos na mesa, surgem imagens do documentário, Manufactured Landscapes [134], sobre o trabalho que o fotógrafo Edward Burtynsky realizou, um por todo o mundo, em busca de paisagens manufacturadas pelo homem a par com outra sua criação, a industrialização. As imagens são de uma fábrica de ferros de passar a roupa, na China, em que se vêem mulheres a testar o bico por onde sai a água de borrifar a roupa ou, noutras, surgem a soldar pequenos elementos (Figura 44c). Gestos repetidos de olhar vazio. O som que passa em simultâneo é a voz da Maria José. Ela fala-nos, em oposição, de como as profissões podem ser um modo de vida, de acordo com a identidade e dimensão de cada um (Figura 44e).

Figura 44. De cima para baixo, da esquerda para a direita, a. menu aberto, b. preparação do serviço, c. início da projecção, d. servido em sequência, e. final da projecção, as mãos da Maria José, f. Comer o Coração + Paisagem Habitada, NF(e.), CG.

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Criamos, como sociedade, edifícios que não cabem em nós. Sem escolha. A gigante dimensão da produção e a constante necessidade de deitar fora o que ainda serve, mas já não se usa. A sensação de que a abundância trará uma pausa e, ao invés, trabalhamos mais para poder pagar a pausa que poderemos vir a ter. Num futuro que poucas vezes alcançamos no atropelo. Sei mais de perguntas que de respostas, "fazemos todos parte disto e não há respostas simples", diz Edward Burtynsky [134]. Os limões vieram dos Açores, um laranja, o galego e o amarelo, limão sírio, que tinha um perfume tal que inundava o restaurante, Cantinho do Cais, em Porto Formoso, de onde vieram. Estiveram em conserva de sal 2 meses e meio e apenas se aproveitou o vidrado que se fez em brunesa.

Juntei ainda framboesa liofilizada, camarinhas congeladas que apanhei em Quiaios, uma mini vagem de ervilha de cavaca e um morango maras des bois. Uma variedade de sabores e texturas que proporcionavam uma viagem no prato e uma alternância de sabores em cada garfada (Figura 44f).

CRÍTICA A articulação entre o serviço e a projecção não funcionou bem, pois a projecção entrou antes do tempo, não permitindo que o som dos dispositivos se fizesse ouvir. A composição em termos de sabor e texturas resultou.

TÉCNICAS DESIDRATAÇÃO E RE-HIDRATAÇÃO [beterraba] ESPUMA [queijo de Azeitão] FERMENTAÇÃO EM SAL [limão galego e limão sírio]

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MOMENTO 6

// 1POR3 OU A SOMBRA DE UMA SARDINHA

BATATA NEGRA + PURÉ DE SALADA DE PIMENTOS ASSADOS + TORRICADO DE

BROA DE MILHO + PÓ DE TOMATE LIOFILIZADO [TOURIGA FRANCESA, TINTO, JMF]

Seguiu-se o primeiro prato de peixe, a sombra de uma sardinha. Um prato de batata, pimentos, tomate e broa de milho (Figura 45).

Figura 45. 1por3 ou A Sombra de uma Sardinha, sugestão de serviço, MJ.

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Primeiro chegou à mesa o menu que continha três histórias, originais, escritas por Pedro Cruz Gomes (Figura 46a). Depois de lida a composição do prato, começou um vídeo que editei para este momento [137] (Figura 46b).

Antes do prato ser servido, queimou-se no corredor, que tinha acesso à sala, um pouco de pi-nheiro. Quem serviu, levava um guardanapo que tinha óleo de sardinha (Figura 47), e sobre o guardanapo, o ramo onde estava a batata e a tuile (Figura 48). Assim que o guardanapo e o ramo eram pousados, passou outra pessoa que deitou pó de tomate liofilizado sobre a batata e a tuile, deixando um rasto vermelho no guardanapo (Figura 48). Apenas o cheiro denunciava a sardinha.

Figura 46. De cima para baixo, a. Menu, b. Vídeo, CG.

Figura 47. Guardanapo como base do prato, NF.

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MOTIVAÇÃO E PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO O projecto inicial da tese era conhecer a cozinha autêntica portuguesa, viajar por algumas regi-ões do país e desenvolver pratos com base na receita original. O objectivo, inicialmente com a orientação de Maria de Lourdes Modesto, era percorrer as pai-sagens e sabores portugueses e com essa base desenvolver um menu. Ao longo do último ano fomos reunindo e conversando sobre vários pratos e confecções, como: a marmelada branca de Odivelas, o caldo verde, o sericá, o pastel de molho da Covilhã, entre outros. Fomos tentando encontrar um caminho que eu, ainda, não sabia definir ou realmente limitar. Sabia que gostava de reunir os sabores e as memórias. Queria conhecer as pessoas por detrás das receitas. O caminho foi sendo traçado, mas há vida que acontece em simultâneo e a minha procura passava também por materializar as ideias que foram surgindo ao longo do curso. Um fascínio pelas possibilidades que as técnicas, agora ao dispor, em tudo valorizam, o gesto de transformar os alimentos.

Figura 48. O prato já na mesa e colocação do tomate em pó, CG.

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Nasci na Covilhã, Beira Baixa mas com a presença do Alentejo à mesa, com as açordas que se comiam aos sábados, o sericá em ocasiões especiais ou as azevias no Natal. Desta vivência, de-cidimos limitar as regiões às Beiras e ao Alentejo. O trabalho continuou. Há cerca de quatro anos, quando frequentava o CET em Gestão e Produção de Cozinha, na Escola de Hotelaria e Turismo do Estoril, comprei o documentário, de Paul Lacoste, Entre les Bras [135]. Entre les Bras, abriu um horizonte de histórias dentro mim. Como que recuperei me-mórias perdidas. Um mosaico. Como se a infância, onde recorrentemente regresso, tivesse ga-nho as cores e os cheiros, as pessoas, a mesa, a minha Mãe, que morreu quando eu tinha 14 anos. 14 anos e tanto e a cozinha, ainda agora, é uma forma de consolidar essa ausência.

Em, Entre les Bras, Sébastien Bras, está a desenvolver uma receita a que chamou chemin e, para tal, retoma à memória da torrada que a avó lhe preparava quando ele chegava a casa, depois da escola. Uma torrada com queijo e doce de amora. Aquela imagem despoletou muitas e mais histórias dentro de mim e percebi que havia tanto para contar.

Michel Bras é um chef que muito admiro. Ainda na Índia, recordo ter encontrado, um vídeo, onde ele fala do processo criativo, da sua ligação às paisagens e de como a natureza tanto o inspira. Teve um grande impacto em mim, as viagens que fazia em miúda e as viagens que fiz pela Amé-rica do Sul, o altiplano, onde o silêncio é o som do vento que percorre aquelas montanhas imen-sas. Ou ainda o Vale do Rossim, na Serra da Estrela, que nos obriga a permanecer em deslumbre.

Mais tarde, em 2012, fui convidada por amigos, que sabiam do meu fascínio, para jantar no res-taurante de Michel Bras, em Laguiole. Uma emoção, a antevisão da chegada do biscuit coulant à mesa e eu, por mim própria, poder quebrá-lo. Inesquecível experiência. Os detalhes, a simpa-tia, os sabores, a performance do serviço, o pôr do sol lá fora, a riqueza que nos toca por dentro, tão bem enunciada neste poema de Jorge de Sousa Braga:

acabei agora de comer

um campo de tulipas não sei o que fazer com tanta beleza nas tripas

JORGE DE SOUSA BRAGA [136]

Inicialmente, pensei criar um menu vegetariano porque não como carne desde 2004, mas a pro-ximidade ao mar e a excelência das capturas portuguesas fez-me regressar ao peixe. A sardinha é o meu peixe favorito. Adoro o intenso sabor, a gordura característica que pinga no pão, a pele grelhada estaladiça e o cheiro que embalsama os dias de verão. A partir desta imagem, escrevi a história (ver Anexo IV) que a minha avó contava de uma sardinha para três. E de como eu, em criança, imaginava a sombra de uma sardinha que passava de prato em prato, sempre que ela questionava: "E quando não havia sardinhas?".

Posteriormente, fiz um pequeno vídeo [137] para um Pecha Kucha, na disciplina de Seminários do Mestrado em Ciências Gastronómicas, que acompanhava a montagem que eu, na apresen-tação, fazia do prato.

Depois de construir a história, associei o expoente da sardinha com o quanto me fascina o biscuit coulant de Michel Bras e surgiu a composição: A Sombra de uma Sardinha, num prato de batata, azeite e pimentos.

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Inicialmente, pensei usar apenas a pele da sardinha para panar a batata. Juntei um grupo de amigos e colegas do mestrado e fomos comer sardinhas a Alfama para reunir peles e espinhas. A primeira versão do prato foi como se apresenta na figura seguinte (Figura 49).

Primeiro ardia um ramo de pinheiro e a espinha da sardinha com o cheiro característico. Era entregue uma caixa que tinha, por cima, a espinha desidratada, torricado de broa de milho, to-mate e pickles de cebola e, dentro da caixa, a batata recheada com o puré de pimentos assados e a pele do pimento desidratada. Por baixo, uma folha de gerânio para no final limpar as mãos.

Para Alimento, peguei nesta primeira experiência, alterei a apresentação e retirei alguns compo-nentes.

Do mesmo modo, a batata nova foi cozida, retirado parte do seu interior e coladas as duas partes com o puré, feito das aparas . Depois, a batata é colocada no desidratador por 1h a 60º para que seque o puré. Posteriormente, é pincelada com tinta de choco e, antes de servir, é frita e, com uma seringa, recheada com o puré de pimentos. A batata foi colocada num ramo de zimbro da areia, com uma folha de prata e uma tuile de pain feita com farinha de milho.

CRÍTICA Bastante trabalhoso para ser uma única sombra no prato. A repetir, será servida com três para cada pessoa. Gostava ainda de testar este prato usando algas para criar o cheiro ou sabor a sardinha e em vez de tinta de choco usar azeite negro feito com pó de azeitona negra desidratada.

TÉCNICAS GELIFICAÇÃO INTERNA COM AMIDO [batata] (ver Anexo V)

Figura 49. Primeira apresentação de Sombra de uma Sardinha, PCG.

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___ MOMENTO 7

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AOS SÁBADOS QUANDO HAVIA COENTROS NA PRAÇA OU 4 ESTAÇÕES

SOBRE UM PEDAÇO DE CORTIÇA, EM BRUTO, AS 4 ESTAÇÕES: 1 COQUE MOUILLETE COM ESPUMA DE AÇORDA À ALENTEJANA +

TEMPURA DE XEROVIA 2 FAVA FRESCA + BACALHAU SALGADO + ALHO NEGRO + ALGA NORI

3 CEBOLA MELOSA + TERRINE DE CARAS DE BACALHAU 4 PELE DE BACALHAU DESIDRATADA A CREPITAR NA PEDRA

[VINHAS VELHAS, TINTO, QUINTA DOS TERMOS]

Sobre um pedaço de cortiça, juntaram-se 4 estações centradas no bacalhau. A Primavera, com uma fava verde e fatia finíssima de bacalhau ainda salgado, o Verão, com a terrine de caras de bacalhau e a cebola macia queimada na chapa, o Outono, com um coque mouillete de inspiração na açorda à alentejana (Aos sábados quando havia coentros na praça) e o Inverno, uma pedra aquecida que fazia crepitar a pele do bacalhau (Figura 50).

Primeiro chegou à mesa o menu, que tinha a imagem de um bacalhau e uma história escrita por Paulina Mata (Figura 47).

Figura 50. Aos Sábados Quando Havia Coentros Na Praça Ou 4 Estações, MF.

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Primeiro chegou à mesa o menu, que tinha a imagem de um bacalhau e uma história, original, escrita por Paulina Mata (Figura 51).

Quando o prato foi servido, começou o vídeo da recomposição musical, da Primavera, 4 Estações de Vivaldi, feita por Max Richter [138].

MOTIVAÇÃO E PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO A criação deste prato começou numa apresentação, em vídeo, do meu projecto de tese, que fiz para os alunos que iniciavam o mestrado no ano lectivo de 2015/2016 [139]. Na impossibilidade de estar presente, resolvi pegar num tema e apresentar-me num vídeo onde o foco era a açorda à alentejana.

Figura 51. Menu do momento 7, PM.

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__ 1 COQUE MOUILLETE COM ESPUMA DE AÇORDA À ALENTEJANA + TEMPURA DE XEROVIA

A inspiração do coque mouillete veio do primeiro prato que comi no restaurante de Michel Bras e está também associado a memórias de infância.

Cresci com influência da gastronomia alentejana e, na altura, não era comum encontrar-se coen-tros na Covilhã. Aos sábados, quando ia à praça com a minha mãe e encontrávamos coentros, o almoço era sempre uma açorda à alentejana com ovo escalfado. Não gostava nada, mas, hoje, é um dos meus pratos preferidos. Para este prato, fiz uma espuma de ovo, coentros e alho para consolidar os sabores da açorda à alentejana. Juntei, sobre a espuma, um pouco de azeite de coentros e farofa. Para substituir o pão – coque - usei uma cherovia em tempura, que é característica da Covilhã.

__ 2 FAVA FRESCA + BACALHAU SALGADO + ALHO NEGRO + ALGA NORI 4 PELE DE BACALHAU DESIDRATADA A CREPITAR NA PEDRA

Aos sábados havia um ritual, o meu pai pegava numa posta de bacalhau, passava-a por água e tirava-lhe a pele. A pele era colocada sobre as brasas das braseiras que estavam por baixo da mesa e nos aqueciam no inverno. Enquanto a pele tostava, o meu pai cortava fatias finíssimas de bacalhau que nos dava com um pouco de pão. Mais tarde, numa viagem pela Andaluzia, encontrei uma versão que me encantou. O bacalhau salgado era servido com favas cruas, para acompanhar um copo de vinho. Um naco de bacalhau que se esnocava e para balançar o salgado comiam-se favas verdes, ainda doces.

Aqui, peguei numa fava fresca, enrolei uma fatia finíssima de bacalhau e para a prender coloquei um "fio" de alga nori e juntei ainda um pedaço de alho negro. Inspirado no ritual do meu pai, uma pedra do rio foi aquecida no fogão e no momento de levar os pratos à mesa, depois destes pousados, foi colocada a pedra quente e a pele desidratada por cima. Assim, o calor da pedra faria a pele crepitar, como se vê no final do vídeo que fiz [139].

__ 3 CEBOLA MELOSA + TERRINE DE CARAS DE BACALHAU

As caras de bacalhau são muitas vezes menosprezadas, embora nada dispendiosas, a textura gelatinosa não lhes dá muita audiência. As caras de bacalhau são riquíssimas em colagénio [140]. Decidi fazer uma terrine com elas.

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Depois de dessalgadas, cozeram em sous-vide, com um pouco de salsa e alho, a 45º, durante 2h para, assim, extrair, mais facilmente, o colagénio [140]. Depois deste tempo, desfiei as boche-chas, juntei salsa picada e o líquido que se formou da cozedura, rico em colagénio e coloquei numa forma, no frigorífico, para gelificar.

A cebola foi cozida em sous-vide, com um dashi de konbu, 90º, 2:30h. Antes de servir, a cebola, bastante macia, foi queimada numa grelha e sobre ela colocada uma fatia da terrine.

As fotos seguintes mostram a preparação do prato antes de ir para a mesa (Figura 52).

CRÍTICA A terrine de bacalhau, não solidificou suficientemente, porque na altura de enformar não coube todo o colagénio extraído. Em vez de uma fatia de terrine, em cima da cebola, ficou uma quene-lle. O sabor e a textura estavam bons, mas a consistência não era a pretendida inicialmente. A pele não crepitou como desejado porque a pedra não aqueceu suficientemente.

TÉCNICAS SOUS-VIDE – bacalhau 45º, 2h; cebola 90º, 2:30h

Figura 52. Preparação e prato finalizado antes de ir para a mesa, NF.

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___ MOMENTO 8

ONCE YOU HAD THE FIRST LUXURIANT TASTE OF NOTHING,

NOTHING ELSE WILL DO

// FORTUNE COOKIE DE MAÇÃ CROCANTE + FLORES DE BRÈDE MAFANE +

PIMENTA DE SICHUAN

Para "silenciar" os sabores anteriores, este momento é introduzido por John Cage, com a pro-jecção de um vídeo, onde ele apresenta a composição 4'33'' [141]. Ouvimo-lo dizer: The material of music is sound and silence. Integrating this is composing. I have nothing to say and I am saying it. Antes do vídeo começar, foi pedido a todos que fechassem os olhos por poucos instantes. Depois, foi pedido que os abrissem e à sua frente estava uma peça negra e uns pauzinhos. Dentro, um fortune cookie feito de maçã polvilhado de pimenta de Sichuan (Figura 53).

Figura 53. Momento 8, a. Fortune cookie, NF, b. Empratamento, CG, c,d. Na mesa, MPM.

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MOTIVAÇÃO E PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO

Entre os pratos de peixe e o de carne, que se segue, queria que existisse um momento que os separasse, um limpa palato. Desde que provei flores de jambú [142], que a Maria José cultivava no Poial, fiquei fascinada com a sensação e a dormência que provocam. Uma ausência de sabor com umas picadas bem ácidas na ponta da língua. Quase efervescência. Encontrei jambú quando estive a trabalhar em Bali e em Bordéus de visita. Em Bordéus, os meus amigos plantaram um canteiro e davam-lhe o nome de brède mafane, pela influência de Madagáscar, onde viveram e onde se preparam pratos de carne com esta planta. De regresso a Lisboa, trouxe algumas que congelei.

Numa visita à exposição Afinidades Electivas de Julião Sarmento [143], no início de 2016, encon-trei um trabalho de Alexandre Estrela (Figura 54) que acabou por dar o nome a este momento.

Estas duas influências deram início ao processo de criação do limpa palato e à escolha do seu suporte. Pensava num fortune cookie que tivesse uma mensagem dentro, inicialmente seria uma frase que se formaria com cada um dos papéis na mesa, como mais uma forma de partilhar a minha apa-rente ausência. Para fazer um fortune cookie, basta ter uma massa circular, depois dobra-se em meia-lua e no gargalo de um copo faz-se a dobragem, pelo diâmetro. Pretendia que a massa fosse feita de fruta ou de um vegetal, mas facilmente poderia ser feita de massa filo ou semelhante. E eis que surgiu a maçã. Cada fatia cortada seria automaticamente circular, o que facilitaria o processo. Encontrei uma receita de Thomas Keller [144] que segui com pequenas alterações, pela eliminação do açúcar na calda e o processo de a tornar mais crocante colocando no forno. Primeiro cortei a maçã finíssima que cozeu numa calda de vinho verde loureiro, limão e brède mafane. Quando translúcidas, desliga-se o lume e deixam-se arrefecer na calda. Retiram-se, uma a uma, com o maior cuidado, pois são muito frágeis, e colocam-se num tabuleiro no desidratador

Figura 54. Once You Had The Luxuriant Taste Of Nothing, Nothing Else Will Do, Alexandre Estrela.

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a 60º, por 2h, virando a meio do processo. Pelos testes realizados, percebi que não ficavam cro-cantes como eu queria. Decidi colocar no forno depois das 2h de desidratação e, uma por uma, fui tirando e formando o fortune cookie. A sensação da maçã a quebrar na boca, o ácido frutado do vinho, o formigueiro da pimenta de Sichuan, foi para mim uma surpresa que voltarei a repetir.

Depois o suporte. Inicialmente queria uma ilusão óptica ou que chegasse à mesa "flutuando". Procurei tutoriais para construir um suporte com ímanes, que pela sua atracção fariam possível esse efeito. Depois encontrei uma empresa que os fazia e pedi apoio, o preço não era compor-tável e não era possível arranjar 15 peças. Daqui passei para a ilusão óptica com fotografia e surgem os mirascópios [145]. A possibilidade de ter algo assim era surpreendente. Comprei 15 mirascópios para criar a ilusão (Figura 49). Dada a dimensão do mirascópio, percebi que funcionaria melhor se as pessoas não fossem directa-mente com a mão buscar o fortune cookie e coloquei pauzinhos para criar o distanciamento necessário para que ocorresse a ilusão.

CRÍTICA No decorrer do jantar houve bastante dificuldade com a iluminação. Os pontos de luz, que esta-vam inicialmente previstos, não foram colocados, pelo que a iluminação no centro da mesa não era muitas vezes suficiente. Aqui a ilusão aconteceu, mas perdeu a dimensão dada a pouca iluminação.

TÉCNICAS DESIDRATAÇÃO [maçã] (ver Anexo VI)

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MOMENTO 9

// DIAS DE CAÇA

//

PERDIZ A BAIXA TEMPERATURA + DEMI GLACE DE PERDIZ EM ESCABECHE + AVELÃ + ALHO FRANCÊS DAS AZENHAS DO MAR EM TRÊS TEXTURAS +

PURÉ DE MANDIOQUINHA NO PANIPURI + AZEITE DE TRUFA + SÁLVIA CROCANTE + AGULHA DE PINHEIRO +

AR DE ALPEDRINHA Sendo, este, um jantar de afectos, a perdiz tinha que estar presente. Por um lado, a memória dos dias de caça (com o ar de Alpedrinha e as agulhas de pinheiro), por outro, os dias longos a cozinhá-las (a cozedura em sous-vide), a sofisticação da mandioquinha que vinha dentro de um pani-puri e a avelã torrada. Por fim, o alho francês selvagem colhido nas Azenhas do Mar em três texturas: frito, cozido e desidratado (Figura 55).

Figura 55. Dias de Caça, NF.

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Primeiro chegou o menu, uma ilustração da Maria José Elias (Figura 56).

MOTIVAÇÃO E PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO:

Em casa da minha família, as perdizes eram sempre guardadas para os dias especiais. Tudo era preparado com esmero, a perdiz cozinhada em tacho de barro, o fogo lento e o Pantagruel aberto numa página, onde se lê: Perdiz dos Catorze. O molho apurado e a acompanhar um es-parregado e batatas fritas em palitos, bem feitas. O cheiro da perdiz é inconfundível, agridoce, macio.

Subi algumas vezes a serra de Alpedrinha à caça com o meu pai. A caminhada era longa, porque caçar perdizes é segui-las e passar no meio do mato, desviar as estevas e subir às rochas. Era uma grande caminhada sempre com um perdigueiro que as levantava. E o cheiro destes dias, sentia-se na roupa ao chegar a casa. Deixavam-se as perdizes dois dias penduradas na despensa e depois eram depenadas e congeladas até à próxima celebração.

Há dois anos, voltei a provar perdizes caçadas pelo meu pai. Desta vez em escabeche, perdiz de escabeche à moda de Alpedrinha. O sabor é irresistível e o escabeche tão português.

Decidi colocar a perdiz no menu de Alimento. Alterei a confecção fazendo uso das novas técni-cas. Em cru, desossei-as aproveitando os dois peitos e de cada perna fiz outras duas porções. Cada porção foi atada individualmente, para manter a forma, e, posteriormente, cozinhada em sous-vide, a 50º por 12h, com um pouco de caldo (antes da redução com vinagre), sal, azeite e um ramo fresco de segurelha e serpão e uns grãos de zimbro.

Figura 56. Menu Dias de Caça, MJ.

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A textura final é macia, húmida e ainda meio crua para posteriormente ser caramelizada na frigi-deira quente. Com os ossos, fiz um caldo e reduzi num demi-glace, interpretando uma receita de Heston Blumenthal [146]. Para o demi-glace foi adicionado vinagre e cravinho e a cozedura continuou até o vinagre ter perdido a pungência. As perdizes ficaram 8h neste demi-glace, de-pois limpas do molho e guardadas no frio até à hora de servir. O demi-glace foi novamente aquecido e filtrado para ficar na consistência desejada. No final, juntou-se um pouco de goma xantana para não haver separação de fases, gorda e aquosa.

Um mês antes do jantar, num passeio por uma mata, voltei a sentir o cheiro dos dias em que ia à caça e decidi transportá-lo até à mesa. As possibilidades que na altura considerei foram: colocar no prato as ervas e arder um pouco antes de chegarem à mesa ou passar ao redor da mesa antes de servir a perdiz. Entretanto, já estava previsto queimar o pinheiro com o prato da sardinha e surge a ideia de perfumar frascos de vidro transparentes com as ervas que recolhi. Basta introduzir a mistura de ervas em frascos, deixar alguns dias e no dia pretendido, retiram-se as ervas e serve-se um frasco vazio com o Ar de Alpedrinha. Testei e funcionou, os voláteis das ervas ficavam no frasco. Obtive 15 frascos, do tipo usado em farmácias e laboratórios e servi juntamente com a perdiz (Figura 57).

A acompanhar a perdiz, um puré de mandioquinha, suave mas com a personalidade que lhe é característica, um toque de óleo de trufa e uma folha de sálvia crocante. O alho francês foi apanhado numa arriba das Azenhas do Mar. Um dia, de passeio com o Bruno Leite, enquanto lhe mostrava uns verdes que sabem a salicórnia, descobrimos o alho francês selvagem. Nesse momento ele falou-me de uns vitrais que um chef fazia [147]. Depois de alguns testes, consegui fazer os vitrais mantendo intacto o caule do alho francês. Apenas se comiam as folhas verdes.

Do alho francês selvagem, fiz três texturas. Transparência e crocância das folhas, crocância da raiz frita e maciez do caule. O caule foi cozinhado, no seu sumo, a 90º, 2:30h (Figura 58).

Figura 57. Ar de Alpedrinha, PM.

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Juntei umas avelãs tostadas, coloquei o puré dentro de uns pani-puri crocantes, mais uma influ-ência da Índia, e, ao centro, um caminho de agulhas de pinheiro queimadas, que traziam, junto com as avelãs, a resina da serra (Figura 59).

CRÍTICA O método de confecção da perdiz, valoriza bastante a peça. Normalmente, a perdiz fica seca, pela longa cozedura, mesmo que em lume lento e tacho de barro. Considero uma grande me-lhoria de sabor e textura a aplicação da cozedura em sous-vide e apenas caramelizar a carne antes ir para a mesa.

Pelo exíguo espaço e constantes mudanças de posição, na sala de empratamento e nas salas adjacentes, o ar de Alpedrinha só chegou à mesa no final. Não surtiu o efeito pretendido, embora todas as pessoas o tenham recebido.

Poderia ter havido uma explicação que apenas o vidrado do alho francês era para comer. O caule era comestível, mas sem grande interesse para a composição, pois os caules mais longos eram fibrosos.

TÉCNICAS SOUS-VIDE [perdiz, alho francês] DESIDRATAÇÃO

Figura 59. Dias de Caça, NF.

Figura 58. Texturas do alho francês, NF.

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___ MOMENTO 10

//

CALDO VERDE

// CALDO VERDE + COUVE EM NOVELO NO GARFO +

RODELA DE CHOURIÇA DE COCO EM VINHA D' ALHOS DEFUMADA

Primeiro chegou à mesa o menu. Uma placa de acrílico, que continha uma folha de papel vegetal, com uma frase escrita por Maria de Lourdes Modesto, "...um caldo-verde verdinho a fumegar na panela, é concerteza uma casa portuguesa" (Figura 60).

Depois de entregue o menu, começou a projecção de uma tempestade vista de uma janela e nesse momento abriram-se as persianas da sala. Chegou à mesa o caldo verde servido em taças brancas feitas, para este momento, por João Noronha (Figura 61). Brancas, com exterior cru e o relevo da couve. As taças vinham aquecidas e foram entregues em mão.

Figura 60. Menu do Caldo Verde, PM.

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O caldo verde tinha uma apresentação diferente. O caldo feito a preceito, chegou a ferver com um golpe de azeite bom antes de ser servido. A couve, branqueada no caldo, em forma de no-velo num garfo. E sobre a couve, uma rodela de "chouriça" feita com coco (Figura 62).

A chouriça, dado eu não comer carne, era um círculo de coco fresco que tinha passado por um processo semelhante à carne de porco, quando se fazem chouriças. O coco passou por uma vinha d’alhos, depois foi desidratado até ficar crocante e finalmente defumado. Para defumar, usei agulhas de pinheiro, que acabei por usar no prato da perdiz, dado ser tão rico o sabor a pinhão com que ficaram.

Figura 62. Caldo Verde, NF, com colagem.

Figura 61. Taça para Caldo Verde, JPN.

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O caldo verde chegou no final, como muitas vezes acontece à mesa, na Beira Baixa, depois de uma grande refeição. A tradição é feita de hábitos que, sem imposição, se inscrevem no tempo.

O início do processo criativo começou pelo texto que escrevi, Tradição (Anexo VII), e o vídeo que foi apresentado depois da tempestade [148]. Este vídeo mostra o corte do caldo verde feito pela minha avó.

MOTIVAÇÃO E PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO O caldo verde foi tema de conversa num encontro com Maria de Lourdes Modesto. Partilhamos a preferência por esta sopa que, na simplicidade de ingredientes que a compõem, transporta conforto com os sabores vivos da couve branqueada no caldo, antes de servir. Maria de Lourdes Modesto, na sua paixão por esta sopa, contou-me como para ela a couve ga-lega representa uma mulher. Nas suas palavras: "Começa cedo a dar-nos em abundância as suas belas e suculentas folhas despindo o caule e ficando menos bonita à medida que envelhece, chegando aos 14 anos. Deixando as folhas de satisfazer, é-lhe cortado o topo, mas fica na terra, num último esforço, no sítio de onde lhe arrancaram as folhas, os seus filhos, dá os espigos a que os minhotos chamam netos e se reservam para a grande refeição do ano, a Consoada." A origem do caldo-verde não é certa, para Maria de Lourdes Modesto, tem origem no Minho, mas há quem conteste esta origem. Imprescindível é o uso da couve-galega porque o caldo existe na versão com farinha de milho e feijão frade. O caldo verde também ocupa um lugar especial nas minhas memórias gastronómicas. A minha avó é uma excelente cozinheira. Tem a mão grossa do campo, da força de trabalho de toda uma vida e tem um talento de, com substância, nos alimentar. Não há pressa na cozinha. Claro que antes de terminar uma refeição, já quer saber o que queremos comer na próxima. As sopas co-zinhavam durante toda a manhã, porque os afazeres fora da cozinha não permitiam preparações rápidas. O seu caldo-verde é realmente o melhor caldo verde. O caldo é ralo e a couve cabelo de anjo. Há quem use batata, cebola e alho para o fazer, mas eu usei batata e alho, seguindo a receita do caldo verde da minha avó.

Depois há o pingo no nariz. O pingo no nariz que se forma nos dias frios quando a sopa chega a fumegar. O conforto de colher na mão, uma taça bem quente. Esta imagem serviu de inspiração para o contexto que criei para a servir.

Contribuiu, igualmente, para definir a forma como o caldo verde foi servido, o facto de este ano, em Abril, quando decorria o Peixe em Lisboa, o clima ter aquecido e eu, nesse dia, estar menos agasalhada. Traiçoeiro tempo, começou a chover e a trovejar. E apenas pelo som da trovoada e da chuva a cair, fiquei com arrepios de frio e pensei como, tão bem, me saberia uma sopa quente e uma taça aquecida nas mãos.

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A construção deste prato passou por várias fases. Mais uma vez, procurava magia. A mesma magia que se sente, quando num quarto escuro, da folha em branco surge a imagem que foto-grafámos. É impossível não nos rendermos à natureza das coisas. Inicialmente, o plano era ao centro da mesa estar um pano, que tinha sido pintado com tinta foto sensível, que escondia a frase que Maria de Lourdes Modesto disse numa das primeiras conver-sas: "Falar de cozinha é falar de intimidade". Ao acender a luz, a frase revelar-se-ia em frente de todos e depois chegaria o caldo. Mas tantas ideias e tão pouco tempo. Depois para uma apresentação na Faculdade, no âmbito das Jornadas Intercalares dos Mestra-dos do DQ e CV, criei um caldo verde que chegava à mesa branco e com um pincel era pintado de verde, com a clorofila concentrada que extraí da couve galega. O processo de extracção é simples, tritura-se a couve, junta-se um pouco de água e filtra-se o sumo. Depois aquece-se len-tamente e quando atinge 60º a clorofila separa-se da água, coalha como o leite para fazer queijo, e com um passador retira-se a clorofila concentrada. Esta apresentação levou-me até à Covilhã onde filmei a senhora do caldo-verde, a minha avó. Filme esse que usei neste jantar.

CRÍTICA Com o calor que fazia no dia do jantar, o primeiro dia quente depois de bastante chuva, o efeito da trovoada não marcou a diferença. Mas acredito que foi reconfortante comer o caldo verde, bem quente, no final da refeição.

TÉCNICAS

DESIDRATAÇÃO E DEFUMAÇÃO [chouriça de coco]

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___ MOMENTO 11

//

FAST FRUIT OU HÁ LUGARES QUE NÃO TÊM ESPAÇO

NA NOSSA IMAGINAÇÃO, HABITAM-NOS. //

MARACUJÁ + AMENDOIM + COCO + LIMA KAFFIR

A primeira sobremesa chegou no formato de do it yourself. Com o nome escrito no prato: Fast Fruit e como inspiração, para a composição, uma viagem que fiz a Moçambique. No prato esta-vam: um maracujá, com um picotado desenhado com chocolate branco; uma faca; um frasquinho de leite de coco; farinha de amendoim torrado e uma folha de lima Kaffir cristalizada com açúcar de coco. Ao servir, eram lidas, em simultâneo, as instruções de consumo: primeiro cortar pelo picotado, segundo juntar leite de coco q.b., terceiro deitar farinha de amendoim e quarto trincar a lima Kaffir de quando em vez (Figura 63).

Figura 63. Fast Fruit, CG.

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MOTIVAÇÃO E PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO

Em 2010, depois de concluir o mestrado em Matemática Computacional, decidi fazer uma via-gem às minhas origens, Moçambique. A minha mãe nasceu na Beira e veio para Portugal com apenas três anos. O imaginário de Moçambique fez parte dos 14 anos que partilhei com ela. Eram temas recorrentes, o avô Alfredo português e a avô Júlia moçambicana. Uma nostalgia do que não se viveu. Decidi fazer uma viagem de dois meses, aproveitar que o panorama de emprego não se mos-trava promissor. Era a primeira vez que caminhava em África. Passei pela África do Sul, visitei o Adamastor no cabo da Boa esperança e segui para Maputo onde fui recebida pela Alexandra, que conheci na Índia. Uma viagem de emoções. Ao contrário da abundância da Índia, aqui os mercados tinham ban-cadas escassas de alimentos. E as pessoas eram de uma simpatia e acolhimento inesgotáveis. Senti-me em casa. O primeiro impacto desta viagem foi na ilha do Ibo, no norte de Moçambique. Chega-se de barco. Um rudimentar veleiro, de velas feitas com retalhos cozidos, num patchwork gasto pelo sol. Os miúdos recebem-nos no cais e pedem para serem guias da minha visita. Escolhi o Mano-bra, um miúdo de camisa vermelha rasgada e calções desbotados. Em troca de comida e meti-cais caminhei a ilha na sua companhia. Foi impressionante logo na primeira noite. Encontrei sítio para dormir, algo precário, mas possi-bilitava um jantar no melhor hotel da ilha. Depois do jantar, partilhado com uma família espa-nhola, fui para a minha cabana. Tinha que atravessar a rua principal de uma ponta à outra. À saída, o dono do hotel pergunta se tenho lanterna e empresta-me a sua. Não havia luz em toda a ilha. Estava uma lua cheia. Sem acender a lanterna fiz-me ao caminho. O tempo necessário para que a pupila se habitue à escuridão e apenas oiço vozes, não se vê vivalma. E erguem-se a cada lado da rua, as imponentes ruínas das casas portuguesas. Apenas a fachada, mas todo o seu imenso interior iluminado, vazio. As pessoas deitadas nos umbrais da porta, apenas perfis. As vozes sem rosto.

No dia seguinte, às 6 da manhã, tinha o Manobra a bater à porta, começava a nossa expedição. Tomámos o pequeno almoço na rua, pão, peixe frito e chá. Uma passagem no mercado, para comprar água, bananas e maracujás e uns cartuchos de farinha de amendoim e prontos para caminhar. Fomos até à ponta da ilha onde, antes, haviam um farol e um ponto de vigia. Uma caminhada de duas horas. Pelo caminho, uma senhora que apanhara polvos, batia-os com um pau, para amaciarem. À chegada ao farol estávamos bastante cansados. O calor e o caminhar por entre a natureza densa que esculpia o passo. Quando caminhámos em torno do farol, surge a paisagem dos man-gais na baixa maré. Sentámos. E aí ficámos. Tão diferente do que tinha visto até aqui. Tão dife-rente do que eu era, habitava-me. (Figura 64)

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Do farnel que levávamos, começámos pela banana e, depois, o maracujá. Deitei a farinha de amendoim dentro do maracujá e achei que combinavam muito bem. E, a partir daqui, comecei a usar esta combinação. Esta viagem serviu de inspiração para este momento, um momento divertido a contrariar a com-plexa execução de alguns dos outros pratos. A funcionalidade do alimento que serve de recipi-ente e aproveitar a pausa que se faz, na refeição, para, na mão, descascarmos uma peça de fruta. A farinha de amendoim foi torrada previamente e "embalada" em sacos comestíveis feitos de fécula de batata. A folha de lima Kaffir veio do meu terraço, folhas ainda jovens passadas, pri-meiro, numa calda ligeira de açúcar, até quebrarem as membranas e ficarem translúcidas e de-pois desidratadas, polvilhadas de açúcar de coco para ficarem crocantes. Foi projectado o videoclip de Pata Pata [149], cantada por Miriam Makeba e, no final, colocada a fotografia que tirei na Ilha do Ibo, apresentada atrás, com a música Ishmael, de Abdullah Ibrahim, num cover de Nicolas Jaar [150].

CRÍTICA O objectivo era que este fosse um momento simples, em contraponto com a complexidade an-terior e que envolvesse interacção activa dos comensais. Pretendia-se brincar com o Fast Food que está ao nosso dispor com gestos simples. Foi um momento que acredito que resultou. No entanto, poderia ter sabores mais complexos, como o leite de coco com um pouco de carda-momo, mas o objectivo era essencialmente a simplicidade.

TÉCNICAS DESIDRATAÇÃO [lima Kaffir]

Figura 64. Ilha do Ibo, 2010.

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___ MOMENTO 12

//

THE END IS THE BEGINNING, THE BEGINNING IS THE END

// GEMA DE CODORNIZ + AMÊNDOA + BOLO DA MADEIRA + POEJO + OURO +

CEREJA E PHYSALIS SECOS AO SOL + PÊRA + GINJA DE GINGINHA + PÉTALA DE ROSA + MOSCATEL DE SETÚBAL EM COPO DEFUMADO

[ALAMBRE, MOSCATEL, JMF] Para terminar, fui à mesa e contei a história por detrás deste prato. Fazia parte da minha pro-posta, mostrar como o "preparar": envolver a gema na farinha de amêndoa e rapadura e, depois, deixar repousar. Para acompanhar, foi servido um vinho Moscatel, em que os cálices foram de-fumados, na mesa, com pés de cereja e lúcia-lima. O prato era composto de uma gema de codorniz sobre uma mistura de farinha de amêndoa torrada e um pouco de rapadura, um physalis e uma cereja secos ao sol, uma ginja de ginginha, uma folha de rosa, um cubo de bolo da Madeira e pêra que eu própria cozinhei, folhas de poejo e uma pincelada de ouro em pó. Mais uma vez, o caminho era ir pegando no elemento principal e "alimentá-lo" com os outros sabores e texturas (Figura 65).

Figura 65. The End Is The Beginning, The Beginning Is The End, NF.

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MOTIVAÇÃO E PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO

Em criança, sempre que chegava a casa dos meus avós pedia uma gemada. Normalmente ia primeiro chamar o meu avô à quinta, era normal àquela hora ele estar a regar algumas das leiras que plantava. Quando entro na sala, para apresentar este prato e contar a história anterior, passam imagens de um filme de Michel Giacometti, Cava da Manta [151], onde se ouvem os cantos de trabalho e o movimento síncrono da enxada. Quando chegávamos a casa, ele ia buscar um ovo acabado de pôr e fazíamos uma gemada com espuma, de tão bem batida. Eu, em casa dos meus pais, percebi, casualmente, que se em vez de bater apenas envolvesse o açúcar nas gemas e as deixasse repousar, o ovo ficava que nem trouxas de ovos. Hoje sei, que a coagulação acontece em consequência da osmose e que o envolver, permite que os micro grânulos da gema mantenham a sua forma. Para acompanhar a gemada e enquanto deixávamos repousar a gema envolvida no açúcar, pe-guei em pés de cereja e lúcia-lima que coloquei a arder e guardei o fumo numa campânula. Quando deixaram de deitar fumo, coloquei a campânula sobre todos os cálices. Desta forma, o copo fica apenas com um ligeiro cheiro a defumado quando se bebe. Lembra desta forma a fogueira que sempre existia em casa dos meus avós e acrescenta complexidade ao Moscatel, que foi servido a 10º. Neste prato, adicionavam-se ao ovo sabores bem distintos: o perfume da pétala de rosa e a frescura do poejo, as especiarias do bolo da Madeira, a cereja e o physalis secos, a ginja de ginginha com alguma acidez e força de álcool e a pêra que preparei. A pêra foi cozida com flor de hibiscus e um pouco de jindungo, gengibre e raspa de limão e depois desidratada por 2 horas para criar uma camada que permitia preservá-la melhor e lhe dava uma ligeira crocância pelos açúcares da própria fruta. Sendo este o último prato servido no jantar, fechou-se este momento com a projecção de um excerto do documentário, Tributo a Maria de Lourdes Modesto [52], com a seguinte saudação: "A todos quero desejar muitas felicidades para o ano 1959 e para sempre."

CRÍTICA Não alterava este prato. Pode funcionar com elementos sazonais ou conservados, sendo que a variedade é fácil de recriar. Gosto da aparente simplicidade, da riqueza de sabores que é possível conjugar e alguns apenas uma vez.

TÉCNICAS DESIDRATAÇÃO [pêra]

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___ MOMENTO 12 + 1

//

TURN THE TABLE //

DISCO DE CHOCOLATE COM PIMENTA DA JAMAICA CHÁ + CAFÉ

ROLING STONES + DESMENDIANT

Com o chá e o café, chegou um gira-discos portátil (Figura 66), colocado na mesa, e tocava um disco de Amália. A música escolhida foi Gaivota e o disco era feito de chocolate. Depois do disco tocar, passou um videoclip de Gaivota, cantada por Amália [153]. O disco foi partido e partilhado por todos (Figura 67).

Figura 66. Turn the table, NF.

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O café foi feito no balão, com café São Tomé, dos Cafés Negrita e o chá, uma bola de chá verde com flor de jasmim que abria quando em infusão (Figura 68). O chá foi feito com água a 70º em infusão 2 minutos [153].

Junto ao café e ao chá, foi entregue um saquinho que continha dois Rolling Stones e um Des-mendiant (Figura 69).

Figura 67. Turn the table em pedaços, NF.

Figura 68. Chá e café I, NF.

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Os Rolling Stones eram umas pequenas "trufas" feitas com farinha de avelã torrada com farinha de arroz (sem glúten) e o Desmendiant, um mendiant invertido, em que o interior continha os frutos secos e o exterior em chocolate com folha de ouro e um pedaço de grão de cacau.

No final, foi altura de agradecer a todos os que fizeram parte desta viagem, nomeadamente: Paulina Mata, Maria de Lourdes Modesto, O Apartamento, João Noronha, Manuel Malfeito, Ca-tarina Prista, Francisco Gabriel, António Abernú, Bruno Campos, Clara Cymbron, Cristina Ganân-cio, Cuca Raposo, Esteban González, Glória Rabanea, Joana Pereira, Júlia Garcia, Luísa Jun-queiro, Marco Semitaio, Marcos Barbosa, Maria José Elias, Maria José Macedo, Maria Pires, Mi-riam Santos, Pedro Cruz Gomes, Shivam Vicente, Sofia Medeiros, Sónia Oliveira, Teresa Pinto, Zoar Isenberg, Cafés Negrita, Fruta Feia, Herdade do Freixo do Meio, José Maria da Fonseca, Quinta dos Termos, Pico Wines, Marmoraria de Alvalade, Martinheiras.

Figura 64. Chá e café II, NF.

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MOTIVAÇÃO E PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO A ideia inicial, começou pela imagem de uma "roda de oleiro" que continha um cubo de choco-late, que nem barro, e que percorreria a mesa de uma ponta à outra, lentamente. Há medida que fosse passando e, cada pessoa com uma colher tirasse uma porção, a peça de chocolate chegaria ao extremo oposto da mesa como uma escultura. Uma escultura partilhada. Depois, pensei substituir o chocolate por manteiga, pela facilidade de a moldar à passagem. Tentei perceber como contruir uma roda de oleiro, teria que ter alguma força a rotação, mas a odisseia Alimento já ia longa e não houve possibilidade de a executar. Demasiadas ideias. De-masiadas despesas. Quando em 2009 trabalhei em Barcelona, vi que a marca Xocoa tinha uns discos de chocolate que tocavam e quando surgiu a ideia do movimento da roda surgiu a possibilidade do disco. Primeiro um disco de manteiga com uma fina camada de torricado na base. Queria que existisse um momento pão com manteiga que é uma das combinações que me é mais reconfortante. Recorda-me sempre a ceia nas noites tardias em que há chá com torradas ou o pão da minha avó ainda quente, a sair do forno a lenha, onde derretia a manteiga Primor. Encontrei um gira-discos portátil e um vinil de Amália e comecei os testes com manteiga de azeite. Testes sem sucesso pois a agulha deslizava no disco, sem tocar, pelo que acabei por testar com chocolate. A melhor combinação foi com chocolate 70% e 55% da Callebaut, na proporção 2/3, 1/3, respec-tivamente. Quando o gira-discos chegou à mesa, foi surpreendente observar o entusiasmo e os olhares incrédulos de todos ao verem o disco de chocolate a tocar Amália. E assim foi, a voz de Amália soou no chocolate. Projectaram-se, depois, imagens do documentário The art of Amália, com a música Gaivota [154] e o disco foi partido e partilhado por todos. De seguida, foi servido o chá, o café e os petit fours descritos atrás. E para fechar o jantar, voltou-se a Nina Simone e projectou-se a música Blacklash Blues [155], I´m going to leave you with the blues...

CRÍTICA Correu bem, o disco tal como era aguardado tocou, muito embora as marcas de bloom devido ao calor que se fez sentir nesse dia.

TÉCNICAS MOLDE EM SILICONE [disco de chocolate]

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___ CONCLUSÃO 4

Here I am, where I ought to be.

ISAK DINESEN [156]

Chegar ao fim, neste caso, é terminar uma refeição. É olhar para trás e não apenas ponderar a experiência que foi desenhar este jantar, mas antes olhá-lo no somatório destes dois anos de frequência do Mestrado em Ciências Gastronómicas. Foi uma longa aprendizagem e um constante desafio. O voltar à escola e aprender com os gran-des. A constante exigência de aprender uma nova ciência, a química dos alimentos. O caldo de cultura que se vive pela diversidade de backgrounds dos que frequentam e lecionam este curso. O privilégio da partilha de conhecimentos, em todos os encontros com Maria de Lourdes Mo-desto. A paixão de todos pela cozinha e, como resultado, o entusiasmo e uma maior liberdade na hora de criar. Tudo é possível até provas em contrário. Alimento foi um pouco assim, testar até ao limite as possibilidades e as ideias iniciais. Uma ulis-seia, como alguém dizia, quando transportávamos quase "uma casa" para O Apartamento. Jun-tos fomos mais e essa foi também a mensagem e o presente de concretizar este jantar. Um apoio incondicional da prof. Paulina Mata, deste o primeiro momento, pelas inúmeras reuniões para pensar e discutir o menu e a disponibilidade em aceitar as contínuas ideias. A paciência para o moroso processo envolvido, de perceber o que não funcionava e o porquê, o encontrar alterna-tivas e festejar os sucessos. Um frenesim de acontecimentos estes dois meses de constante cons-trução, alteração e alguns planos b. É extraordinário quando tudo se conjuga desta forma, um puzzle que se constrói à nossa frente com o ritmo que cada coisa tem e, claro, contando com algum saber adquirido. A presença de todos os que ajudaram a servir e a preparar o jantar, a recolher e limpar as pedras da praia do Abano, a cortiça das Martinheiras, a chegada dos terrários um dia antes do jantar, os apoios de vinhos e o azeite, muitas horas a fazer crescer o que se colocou à mesa.

our intention is to affirm this life, not to bring order out of chaos, nor to suggest improvements in creation, but simply to wake up to the very life we’re living, which is so excellent once one

gets one’s mind and desires out of its way and lets it act of its own accord. JOHN CAGE [157]

Escrever Alimento Quase, levou-me a estudar referências nos vários ramos do saber e perceber como a alimentação, sendo o acto primordial da existência e quase banal para a grande maioria de nós, foi desde sempre estudada como forma de compreender o Homem em todas as suas dimensões sociais, artísticas ou económicas e agora na vertente multissensorial.

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Estamos, hoje, a dar nome às coisas, como que a descobri-las através da linguagem. Voltar à origem e percorrer todo o caminho com novos dados, novos nomes para o que existe mas que ainda não tinha, assim, sido nomeado. Gaudi diz: "A originalidade consiste em regressar às origens, de tal forma que original é simples-mente aquele que volta à simplicidade das primeiras soluções" [158]. Acredito que a gastrono-mia voltou a estar no centro de atenção para que repensemos a evolução, que repensemos a nossa forma de estar no e com o mundo. A necessidade de nos alimentarmos exige a alteração das paisagens, do que nos envolve e não há retrocesso, há, antes, uma constante readequação dos paradigmas perdidos. Há que fazer melhor, corrigir trajectórias, delinear caminhos e exigir o poder de escolha. Não faz muito sentido para mim, que ainda hoje estejamos a gastar recursos para tentar imitar os morangos ou os tomates. A tentar que os morangos que "fazemos" sejam como aqueles morangos que nos retornam a um Verão da nossa infância. Os morangos só o são se forem de Verão, sem que necessitemos de criar uma nova natureza que produza continuamente, que mi-metize sem ser autêntica. A diversidade que procuramos, segundo o dilema omnívoro, está hoje arredada da maior parte dos mercados. Conhecemos talvez duas espécies de tomate, temos laranjas todo o ano, dos morangos a cor, as melancias que chegam de tão longe e toda uma colecção de frutas tropicais que continuam a preencher, durante todo o ano, as bancadas dos supermercados num cromatismo quase sempre igual. Considero falacioso o argumento da fome como incentivo à criação de novos produtos ou à busca de alimentos alternativos que nos sustentem, tendo em conta a média de 30% de alimento desperdiçado um pouco por todo o primeiro Mundo. As Nações Unidas apontam que uma em cada nove pessoas está malnutrida.

what will our descendants blame us for, as we now blame the slave traders? surely that is easy enough. they will say that one half of the world stuffed itself with food

while the other half was hungry. DORIS LESSING

Não sei realmente qual é o futuro, mas acredito que se faça melhor. De Alimento fica a vontade de repetir, talvez noutros moldes, num espaço mais amplo mas numa partilha igual. Sinto que foi uma grande viagem e um ensaio para o que pode vir a ser. Talvez do cansaço final não senti o entusiasmo esperado. Talvez nem mesmo eu estivesse entu-siasmada quando cheguei à mesa, no final do jantar. Ficou alguma frustração pela expectativa que se cria dentro de nós e por tudo o que envolveu. Ao mesmo tempo, acredito que foi um desafio para todos, para os que estavam à mesa e para quem serviu. Ficou uma grande vontade de continuar e procurar novos caminhos de concretização através da cozinha. Houve muita felicidade durante todo o processo. Para alguns complexo. Talvez o que sinto de complexo me seja simples. Uma afinidade no todo que se transforma.

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La vie est variée, l’art est comme le vent. Décrivez-moi le vent.

Quel vent? AGNÉS VARDA [121]

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20. Irigaray, Les femmes, la pornographie et lérotisme, M.-F.Hans e G. Lapouge editora: Paris, 1978; 21. Danto, Arthur, Após o Fim da Arte: A Arte Contemporânea e os Limites da História, Editora USP: São Paulo, 2006; 22. Brillat-Savarin, Jean, Fisiologia do Gosto, Relógio d’Água, 2010; 23. Barthes, Roland, Reading Brillat-Savarin, On Signs, JHU Press, 1985; 24. Berchoux, Joseph, La gastronomie; ou, L'homme des champs à table, pour servir de suite à L'homme des champs, 1803, https://archive.org/details/lagastronomieou00deligoog (Consult. em: 07 Set. 2016); 25. Mintz, Sidney, Sweetness and Power: The place of Sugar in Modern History, Viking Penguin, New York, 1985; 26. Hojlund, Susanne, Taste as a social sense: rethinking taste as a cultural activity, Flavour, 2015, 10.1186/2044-7248-4-6, (Consult. em: 07 Set. 2016); 27. Cleeremans, Axel. The Radical Plasticity Thesis: How the Brain Learns to be Conscious, Frontiers in Psychology, 2011, 10.3389/fpsyg.2011.00086, (Consult. em: 07 Set. 2016); 28. Taylor’s University, Experimental Restaurant of the Future, http://university.taylors.edu.my/news-events/international-research-symposium-2015-experimental-restaurant-of-the-future, (Consult. em: 07 Set. 2016); 29. Rolls, Edmund. Emotion and decision-making explained: A précis, Cortex, 2014, http://dx.doi.org/10.1016/j.cortex.2014.01.020, (Consult. em: 07 Set. 2016); 30. Fischler, Claude. Food, self and identity, Social Science Information June 1988 27: 275-292, doi:10.1177/053901888027002005, (Consult. em: 07 Set. 2016); 31. Chang, Liu. The Garcia Effect: A Tailored Taste for Survival, Berkeley Scientific Journal, 2011, http://escholarship.org/uc/item/2br2k4rv, , (Consult. em: 07 Set. 2016); 32. Mennella, Julie. Ontogeny of taste preferences: basic biology and implications for health, Am J Clin Nutr., 2014, https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3927698/ (Consult. em: 07 Set. 2016); 33. Mennella, Julie; Beauchamp, Gary. Flavor Perception in Human Infants: Development and Functional Significance, Digestion, 2011, http://www.karger.com/Article/FullText/323397 (Consult. em: 07 Set. 2016); 34. Aiello, Leslie; Wheeler, Peter. The Expensive-Tissue Hypothesis: The Brain and the Digestive System in Human and Primate Evolution, Current Anthropology, 1995, https://courses.edx.org/c4x/WellesleyX/ANTH_207x/asset/Aiello95_expensivetissue_.pdf (Consult. em: 07 Set. 2016); 35. Tsuboi, Masahito; et als. Comparative support for the expensive tissue hypothesis: Big brains are correlated with smaller gut and greater parental investment in Lake Tanganyika cichlids, Evolution, 2015, 10.1111/evo.12556, (Consult. em: 07 Set. 2016); 36. Steel, Carolyn. Hungry City. http://www.hungrycitybook.co.uk (Consult. em: 07 Set. 2016); 37. Sullivan, Howard.Expect Your Future Food Entertainment Agenda to be Experiential http://www.psfk.com/2015/03/experiential-food-howard-sullivan-future-of-food-sean-rogg-laura-gottlieb.html (Consult. em: 07 Set. 2016); 38. Kaufmann, Die Sinne, Budapest, 1899. http://www.jewishencyclopedia.com/articles/13428-sensesthe-five (Consult. em: 07 Set. 2016); 39. Cerretani, Jessica. Extra Sensory Perceptions. https://hms.harvard.edu/news/harvard-medicine/extra-sensory-perceptions(Consult. em: 07 Set. 2016); 40. Solomon M.R., Barmossy G., Askegaard S., Hogg M.K., Consumer behaviour: a European perspective. Financial Times/Prentice-Hall, 2006;

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41. Chandrashekar, Jayaram; et als, The receptors and cells for mammalian taste, Nature, 2006, http://www.columbia.edu/cu/zukerlab/Publications_files/2006%20Nature%20Chandrashekar.pdf (Consult. em: 07 Set. 2016); 42. Running, Cordelia; et als, Oleogustus: The Unique Taste of Fat, Chemical Senses, 2015, http://chemse.oxfordjournals.org/content/early/2015/07/02/chemse.bjv036.short (Consult. em: 07 Set. 2016); 43. Chen, Xiaoke; et als, A Gustotopic Map of Taste Qualities in the Mammalian Brain, Science, 2011, http://www.columbia.edu/cu/zukerlab/Publications_files/2011%20Science%20Chen.pdf (Consult. em: 07 Set. 2016); 44. Trivedi, Bijal, Neuroscience: Hardwired for taste, Nature, 2012, http://www.nature.com/nature/journal/v486/n7403_supp/full/486S7a.html#ref1 (Consult. em: 07 Set. 2016); 45. The origins of Taste Buds, http://katebassettbiol3500.blogspot.pt/2009/10/assignment-1-where-are-taste-buds-taste.html (Consult. em: 07 Set. 2016); 46. Society for Neuroscience. Taste and Smell. http://www.brainfacts.org/sensing-thinking-behaving/senses-and-perception/articles/2012/taste-and-smell/ (Consult. em: 07 Set. 2016); 47. Lindemann, B., Receptors and transduction in taste, Nature, 2001, https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/11557991 (Consult. em: 07 Set. 2016); 48. Chaudhari, Nirupa; et al, The cell biology of taste. J Cell Biol, 2010, 10.1083/jcb.201003144, (Consult. em: 07 Set. 2016); 49. Yeshurun, Yaara; Sobel, Noam, An Odor is Not Worth a Thousand Words: From Multidimensional Odors to Unidimensional Odor Objects, Annual Review of Psychology, 2010, 10.1146/annurev.psych.60.110707.163639 (Consult. em: 07 Set. 2016); 50. Santos, Mafalda, MSG – A Essência do Sabor, FCT-UNL, 2013; 51. Nelson, G., Hoon, M., Chandrashekar, J., Zhang, Y., Ryba, N. & Zuker, C., Mammalian Sweet Taste Receptors. Cell, 2001; 52. Adams, Paul. Put the science of umami to work for you, 2015, http://www.popsci.com/hidden-secrets-umami (Consult. em: 07 Set. 2016); 53. Hoon, M., Adler, E., Lindemeier, J., Battey, J., Ryba, N. & Zuker, C., Putetive Mammalian Taste Receptors: A Class of Taste-scpecific GPCRs with Distinct Topographic Selectivity. Cell, 1999, p.541-551; 54. Edwards-Stuart, R. (2008). The Sense of Taste. In H. Blumenthal, The Fat Duck Cookbook, London: Bloomsbury, 2008 55. Wooding, S., Bufe, B., Grassi, C., Howard, M. T., Stone, A. C., Vazquez, M. & Bamshad, M. J., Independent Evolution of Bitter-taste Sensitivity, Humans and Chimpanzees. Nature 56. Shi, P. & Zhang, J., Contrasting Modes of Evolution Between Vertebrates Sweet/Umami Receptor Genes and Bitter Genes. Mol. Biol. Evol., 2006; 57. Chandrasherar, J., Muller, K., Hoon, M., Adler, E., Feng, L., Guo, W. & Ryba, N., T2Rs Function as Bitter Taste Receptors. Cell, 2000; 58. Scott, K., The Sweet and Bitter of Mammalian Taste. Current Opinion, Neurobiology, 2004, p.423-427; 59. Duffy, V., Variation in Oral Sensation: Implications for Diet and Health. Current Opinion in Gastroenterology, 2007, p.171-177; 60. Beauchamp, G. Are Flavour Preferences Nature or Nurture? H. Blumenthal, The Fat Duck Cookbook ,London: Bloomsbury, 2008, 61. Shepherd, G. M., Neurogastronomy. New York: Columbia University Press., 2013; 62. Fisher, L., A Sour Taste in the Mouth, H. Blumenthal, The Fat Duck Cookbook London: Bloomsbury, 2008;

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63. Blumenthal, H., The Fat Duck Cookbook. London: Bloomsburry, 2008; 64. McGee, H., On Food and Cooking: An Encyclopedia of Kitchen Science, History and Culture. London: Hodder and Stoughton Ltd., 2004; 65. Finck, Henry, The Aesthetic Value of the Sense of Smell, 1880 66. Spence, Charles, Just how much of what we taste derives from the sense of smell?, Flavour, 2015, 10.1186/s13411-015-0040-2, 163639 (Consult. em: 07 Set. 2016); 67. Stevenson, Richard. Phenomenal and access consciousness in olfaction, 2009, http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1053810009001421 (Consult. em: 07 Set. 2016); 69. Sobel, Noam; Yeshurun, Yaara, An Odor is Not Worth a Thousand Words: From Multidimensional Odors to Unidimensional Odor Objects, Annual Review of Psychology, 2010, 10.1146/annurev.psych.60.110707.163639 (Consult. em: 07 Set. 2016); 70. Bubandt, Nils, The Odour of Things: Smell and the Cultural Elaboration of Disgust in Eastern Indonesia, Ethnos, University Aarhus, 1998; 71. Kang, Nana; Koo, Jae, Olfactory receptors in non-chemosensory tissues, DGIST, Korea, 2012; 72. Bruchez, MS, Artifacts that speak for themselves: Sounds underfoot in Mesoamerica, JAA, 2007; 73. Spence, Charles; Wang, Qian, Wine and music (II): can you taste the music? Modulating the experience of wine through music and sound, Flavour, 2015, 10.1186/s13411-015-0043-z, (Consult. em: 07 Set. 2016); 74. Reinoso. Taste. https://lirias.kuleuven.be/bitstream/123456789/499704/1/FReinoso_RVanEe_TASTE_reformatted.pdf (Consult. em: 07 Set. 2016); 75. Mata, Paulina, Também bebe sumo de tomate nos aviões?, http://assinseassados.blogs.sapo.pt/tambem-bebe-sumo-de-tomate-nos-avioes-37074 (Consult. em: 07 Set. 2016); 76. Spence, Charles. Noise and its impact on the perception of food and drink, Flavour, 2014, 10.1186/2044-7248-3-9 ,(Consult. em: 07 Set. 2016); 77. Spence, Charles; Gallace, Alberto, Tasting shapes and words, F Q preferences, 2011; 78. Shakespeare, William. Romeo and Juliet. http://nfs.sparknotes.com/romeojuliet/page_80.html (Consult. em: 07 Set. 2016); 79. Lindquist, Kristen; et als, Does language do more than communicate emotion?, https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4428906/ (Consult. em: 07 Set. 2016); 80. Lindquist, Kristen; et als, The role of language in emotion: predictions from psychological constructionism, https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4396134/ (Consult. em: 07 Set. 2016); 81. Graber, Cynthia. Gastropod looks at food through the lens of science and history. https://gastropod.com; 82. Ravisankar, A.; Brundha, M.P., Comparative Study of Touch Perception in Normal and Blind People, J.Pharm. Sci, 2016; 83. Spence, Charles; et als, A touch of gastronomy, Flavour, 2013, 10.1186/2044-7248-2-14, (Consult. em: 07 Set. 2016); 84. Slocombe, B.G.; et als, Cross-modal tactile–taste interactions in food evaluations, Neuropsychologia, 2016; 85. Lopes, João, Cor e Luz, 2003, http://disciplinas.ist.utl.pt/leic-cg/textos/livro/Cor.pdf (Consult. em: 07 Set. 2016); 86. Espectro Visível, http://www.climar.pt/pt/info_tec_eng_luz_conc.html, (Consult. em: 07 Set. 2016);

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87. Spence, Charles, On the psychological impact of food colour, Flavour, 2015, 10.1186/s13411-015-0031-3 (Consult. em: 07 Set. 2016); 88. Beetroot and Orange Jelly, https://thebigfatundertaking.files.wordpress.com/2010/11/orange-and-beetroot-jelly-16.jpg (Consult. em: 07 Set. 2016); 89. Spence, Charles; Piqueras-Fiszman, Betina, The Perfect Meal, Wyley Blackwell, 2014; 90. Blake, T., In the Lab: The Science of Food at the Fat Duck. H. Blumenthal, The Fat Duck Cookbook, London: Bloomsbury, 2008; 91. This, H., Molecular Gastronomy Exploring the Science of Flavour, New York: Columbia University Press. 2006; 92. Verhagen, J. V. & Engelen, L., The Neurocognitive Bases of Human Multimodal Food Perception: Sensory Integration. Neuroscience and Biobehavioral Reviews, 2006; 93. Prescott, J. (2008). Flavour Perception and Preference as a Learned Experience, H. Blumenthal, The Fat Duck Cookbook, London: Bloomsbury, 2008; 94. Mennella, J. A., Griffin, C. E. & Beuchamp, G. K., Flavor Programming During Infancy. Pediatrics, 2004; 95. Beauchamp, G. & Mennella, J., Flavor Perception in Human Infants: Development and Functional Significance. Digestion, 2011; 96. Gottfried, J., Smith, A., Fugg, M. & Dolan, R., Rememberance of Odors Past: Human Olfactory Cortex in Cross-modal Recognition Memory. Neuron, 2004; 97. Li, W., Lopez, I., Osher, J., Howard, D., Parrish, T. & Gottfried, J., Right Orbitofrontal Cortex Mediates Conscious Olfactory Perception. Psychological Science, 2010; 98. Rozin, P. & Fallon, A. M., Family Resemblence in Attitudes to Foods. Developmental Psychology, 1984; 99. Prescott, J. (2008). Flavour Perception and Preference as a Learned Experience, H. Blumenthal, The Fat Duck Cookbook, London: Bloomsbury, 2008, p. 488-489; 100. Shepherd, G., Chen, W., Willhite, D., Migliore, M. & Greer, The Olfactory Granule Cell: From Classical Enigma to Central Role in Olfactory Processing. Brain Research Reviews, 2007; 101. Yarmlinsky, D., Zuker, C. & Ryba, N., Common Sense About Taste: From Mammals to Insects. Cell, 2009; 102. Yeomans, M. R. & Chambers, L., Effects of Flavour Expectation on Liking: From Pleasure to Disgust, H. Blumenthal, The Fat Duck Cookbook London: Bloomsbury, 2008; 103. McGlone, F., Pleasure, the Brain and Food. In H. Blumenthal, The Fat Duck Cookbook London: Bloomsbury, 2008; 104. LaBar, K., Nobre, A., Gitelman, D., Parrish, T., Kim, Y.-H. & Mesulam, M.-M., Hunger Selectively Modulates Corticolimbic Activation to Food Stimuli, Humans. Beavioral Neuroscience, 2001; 105. Franken, I., Booij, J. & van den Brink, W., The Role of Dopamine in Human Addiction: From Reward to Motivated Attention. European Journal of Pharmacology, 2005; 106. McGlone, F., Pleasure, the Brain and Food., H. Blumenthal, The Fat Duck Cookbook London: Bloomsbury, 2008; 107. Knoferle, K. & Spence, C., Crossmodal Correspondences Between Sounds and Tastes. Psychon Bull Rev, 2012; 108. Auvray, M. & Spence, C., The Multisensory Perception of Flavor. Cosciousness and Cognition, 2008; 109. Gottfried, J., Smith, A., Fugg, M. & Dolan, R., Rememberance of Odors Past: Human Olfactory Cortex in Cross-modal Recognition Memory. Neuron, 2004, p. 687-695; 110. Youngentob, S., Johnson, B., Leon, M., Sheehe, P. & Kent, P., Predicting Odorant Quality Perceptions From Multidimentional Scaling of Olfactory Bulb Glomerular Activity Patterns. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 2007;

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111. Paul Rozin at MAD2: The Psychology of a Meal and How To Make a Meal Memorable. https://www.youtube.com/watch?v=5jv2WNrnS0c (Consult. em: 07 Set. 2016); 112. BBC News. Music to enhance taste of the sea. http://news.bbc.co.uk/2/hi/uk_news/england/berkshire/6562519.stm (Consult. em: 07 Set. 2016); 113. El Somni. http://www.elsomni.cat/en/ (Consult. em: 07 Set. 2016); 114. Proust, Marcel, À la recherche du temps perdu, Edition Humanis – 2014; 115. O Apartamento, http://www.oapartamento.com/pt/pt/; 116. Lispector, Clarice, A Hora da Estrela, Digital Source; 117. Exemplos de anúncios publicados: http://www.lifecooler.com/artigos/jantar-uma-tese-em-cima-da-mesa/21359/ https://lifestyle.sapo.pt/sabores/noticias-sabores/artigos/o-apartamento-recebe-o-jantar-mais-inusitado-do-ano-uma-tese-de-mestrado-em-12-pratos http://www.oapartamento.com/pt/blog/project/a-l-i-m-e-n-t-opor-patricia-gabriel/ http://www.maxima.pt/lifestyle/novidades/detalhe/vamos_comer_uma_tese_de_mestrado_no_apartamento.html http://marketeer.pt/2016/05/05/o-apartamento-apresenta-tese-que-se-come/ http://www.luxwoman.pt/alimento-improvavel/ http://turistacidental.com/news/2016/05/14/alimento-um-jantar-tese-em-12-pratos/ http://www.delas.pt/o-que-e-o-jantar-no-o-apartamento-uma-tese-de-mestrado/ https://issuu.com/magazineimobiliario/docs/magimobissuu017 118. Nina Simone-Live in Montreux 1976. https://vimeo.com/36880003 (Consult. em: 07 Set. 2016); 119. Juniperus Phoenicea. Jardim Botânico UTAD. http://jb.utad.pt/especie/juniperus_phoenicea (Consult. em: 07 Set. 2016); 120. Les glaneurs et la glaneuse.Agnès Varda. http://www.imdb.com/title/tt0247380/ (Consult. em: 07 Set. 2016); 121. Varda, Agnès, Y'a Pas Que la Mer, 2011; 122. UChicago Arts. Patatutopia. https://arts.uchicago.edu/sites/arts.uchicago.edu/files/styles/main-image-gallery/public/uploads/large_slideshow/Website-Agnès%20Varda,%20Patatutopia,%202003,%20Courtesy%20of%20the%20artist.jpg?itok=nubOTNkI (Consult. em: 07 Set. 2016); 123. Gabriel, Patrícia. Alimento. https://vimeo.com/168212975; 124. Gale, Cengage Language; A Study Guide for Marguerite Duras's "India Song, 1993; 125. Michel Giacometti. Povo que Canta. http://www.michelgiacometti.com/coleccao.html; 126. Ginsberg, Allen, Footnote to Howl. https://www.poetryfoundation.org/poems-and-poets/poems/detail/54163; 127. Patti Smith, Dream of Life. http://www.imdb.com/title/tt0940620/; 128. No man is an island. https://web.cs.dal.ca/~johnston/poetry/island.html; 129. Diable. http://www.poterie-doublet.com/index.php?option=com_hikashop&ctrl=product&task=show&cid=33&name=diable-charentais&Itemid=317; 130. Tantaoui-ElarakiA, A; El Marrakchi, Study of Moroccan dairy products: Iben and smen, 1987, 10.1007/BF00933574 (Consult. em: 07 Set. 2016); 131. Ilha Sabrina. https://pt.wikipedia.org/wiki/Ilha_Sabrina; 132. Geosmina. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12568567 (Consult. em: 07 Set. 2016); 133. Mantero, Vera. Comer o Coração. http://www.orumodofumo.com/pt/em-circulacao/pecas/comer-o-coracao-de-r_3 (Consult. em: 07 Set. 2016); 134. Manufactured Landscapes. http://www.imdb.com/title/tt0832903/;

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135. Lacoste, Paul. Entre les Bras. http://www.imdb.com/title/tt2141717/; 136. Braga, Jorge de Sousa, Poeta Nu, Assírio & Alvim, 2014; 137. Gabriel, Patrícia. Sardinha. https://vimeo.com/135759004; 138. Richter, Max. Vivaldi recomposed. https://www.youtube.com/watch?v=WaCib0B8T24 139. Gabriel, Patrícia. Açorda. https://vimeo.com/158635003 pass: coentros 140. Kołodziejska, Ilona; et als, Effect of extracting time and temperature on yield of gelatin from different fish offal, Food Chemistry, 2008; 141. John Cage. 4’33’’. https://www.youtube.com/watch?v=HypmW4Yd7SY; 142. Jambú. https://pt.wikipedia.org/wiki/Jambu 143. Afinidades Electivas. http://www.fundacaoedp.pt/exposicoes/afinidades-electivas/197; 144. Keller, Thomas, The French Laundry Cookbook, Artisan, 1999; 145. Mirascópio. http://www.real-world-physics-problems.com/mirascope.html; 146. Blumenthal, Heston, Heston Blumenthal at Home, Bloomsbury Publishing, 2011; 147. Vitral Alho Francês. http://chefsimon.lemonde.fr/gourmets/chef-simon/recettes/vitrail-de-poireaux; 148. Caldo Verde. https://vimeo.com/170895493/settings/privacy.password: caldoverde; 149. Miriam Makeba. https://www.youtube.com/watch?v=iktKbIKZh9I; 150. Jaar. Abdullah Ibrahim. https://www.youtube.com/watch?v=i6DyTZaTLRY; 151. Cava da Manta. Michel Giacometti. https://www.youtube.com/watch?v=-cShTnRAXwk; 152. Tributo a Maria de Lourdes Modesto. http://www.rtp.pt/rtpmemoria/tributo/maria-de-lourdes-modesto_114; 153. Sharpe, Erica; et als, Effects of brewing conditions on the antioxidant capacity of twenty-four commercial green tea varieties, Food Chem, 2016; 154. The Art of Amalia. https://www.youtube.com/watch?v=gNf02ZDzouI&index=4&list=PLD94330715C96BC22; 155. Nina Simone.Blacklash. https://www.youtube.com/watch?v=SxX6pYrvGy4; 156. Dinesen, Isak, Letters from Africa, 1914-1931, University of Chicago Press, 1984; 157. Larson, Kay, Where the Heart Beats: John Cage, Zen Buddhism, and the Inner Life of Artists, Penguin Books, 2013; 158. Valagão, Maria M., Tradição e Inovação Alimentar, Edições Colibri, 2006; 159. Sizemore, Christine, The Evolution of Doris Lessing’s Critique of Global Hunger in, In Pursuit of The English, The Summer Before The Dark, and Alfred and Emily, Taylor&Francis, 2016;

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___ ANEXOS 6

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__ ANEXO I

EXEMPLOS DE ANÚNCIOS DO JANTAR ALIMENTO

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https://lifestyle.sapo.pt/sabores/noticias-sabores/artigos/o-apartamento-recebe-o-jantar-mais-inusitado-do-ano-uma-tese-de-mestrado-em-12-pratos

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http://www.delas.pt/o-que-e-o-jantar-no-o-apartamento-uma-tese-de-mestrado/

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OUTROS ANÚNCIOS: http://assinseassados.blogs.sapo.pt/alimento-mais-do-que-um-jantar-uma-32134 http://www.lifecooler.com/artigos/jantar-uma-tese-em-cima-da-mesa/21359/ http://www.oapartamento.com/pt/blog/project/a-l-i-m-e-n-t-opor-patricia-gabriel/ http://www.maxima.pt/lifestyle/novidades/detalhe/vamos_comer_uma_tese_de_mestrado_no_apartamento.html http://marketeer.pt/2016/05/05/o-apartamento-apresenta-tese-que-se-come/ http://www.luxwoman.pt/alimento-improvavel/ http://turistacidental.com/news/2016/05/14/alimento-um-jantar-tese-em-12-pratos/https://issuu.com/magazineimobiliario/docs/magimobissuu017

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__ ANEXO II

ORGANIZAÇÃO ALIMENTO

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// A L I M E N T O | O APARTAMENTO | 20.MAIO.16 _ 19:30 | 15 PAX NOTA :: SILENCE IS THE NEW WORD | LET THEM SMELL | NO RINGS NO BELLS _COZINHA LUÍSA PATRÍCIA SHIVAM

_EMPRATAMENTO _ AJUDAM A SERVIR, MAS NÃO LEVANTAM PRATOS _ NÃO ABRIR NADA SEM PERGUNTAR BRUNO ESTEBAN GLÓRIA MIRIAM SÓNIA TERESA

_MESA _ ATRIBUIR CLIENTE _ ENTREGAR E RETIRAR O MENU AO MESMO CLIENTE DEPOIS DE TER SIDO LEVANTADO O PRATO ANTERIOR _ SERVIR SEMPRE O MESMO CLIENTE, MAS RETIRAM PRATO DE DOIS CLIENTES _ MARCO E SOFIA FICAM RESPONSÁVEIS DE CADA UM DOS GRUPOS _ OLHAM TODOS PARA O MARCO QUANDO FOR PARA POUSAR EM SIMULTANEO _ NÃO RETIRAR O TALHER ANTES DO FIM, PEDIR PARA COLOCAREM NA BATATA CLARA CUCA JOANA MARIA MARCO SOFIA ZOE

_VINHOS MARCOS

_ VINHOS + SACA ROLHAS NA SALA _ ABRIR TINTOS PARA RESPIRAR _ FRAPPÉ COM VINHO BRANCO _ MOSCATEL NO FRIGORÍFICO _ SERVIR SÓ DEPOIS DE TODOS OS PRATOS ESTAREM NA MESA

_PROJECÇÃO ANTÓNIO _ SEGUIR ROTEIRO E QUANDO TERMINA VÍDEO IR À PLAYLIST _ COMEÇAR VÍDEOS SEMPRE SÓ DEPOIS DE TODOS ESTAREM SERVIDOS

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# 1 EVOCAÇÃO O C’HOUVER

COUVE DAS AZENHAS DO MAR DESIDRATA + AZEITE + FLOR DE SAL COM PIMENTÃO CRACKERS DE SEMENTES + SALSA + SALICÓRNIA SHOTS CANA DE AÇÚCAR EMPREGNADAS COM SUMO DE LARANJA DO ALGARVE + AZAHAR + AGUARDENTE DE MEDRONHO ÁGUA AROMATIZADA COM LIMÃO E ALFAZEMA AMÊNDOA LAMINADA TORRADA

MESA LIMPA APENAS COUVERT __EMPRATAMENTO _MESA COUVE DESIDRATADA COM AZEITE E FLOR DE SAL COM PIMENTÃO + MÁRMORE CRACKERS DE SALSA, SEMENTES, SALICÓRNIA + MÁRMORE ÁRVORE COM SHOTS + GUARDANAPOS ORIGAMI(VASCO) / SHOTS DE CANA DE AÇÚCAR + MEL DE INCENSO + SUMO DE LARANJA + VIDRADO LARANJA / METADE COM AGUARDENTE DE MEDRONHO, METADE SEM_ COLOCAR LEGENDA / AMÊNDOA TORRADA LAMINADA SOBRE A MESA ÁGUA AROMATIZADA ALFAZEMA + LIMÃO + COPOS ÁGUA _PROJECÇÃO NINA SIMONE MONTREUX 76 _VINHOS JARRA ÁGUA AROMATIZADA + GELO COPOS ÁGUA

# 0.5 LIMPAR MESA __EMPRATAMENTO _MESA TALHER SOBRE BATATA DOCE GERMINADA / GARFO + FACA + COLHER PRATA LUGARES MARCADOS 4 COPOS VINHO POR PAX GUARDANAPO DE TECIDO A MEIO

# 0.6 LOGO DEPOIS DAS PESSOAS SENTAREM _VINHOS BAIXAR AS PERSIANAS

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# 2 INDIA SONG EU – MENU INDIA SONG LIMPA MÃO COM ÁGUA MORNA DE PÉTALAS DE ROSA E CARDAMOMO ESFERA DE ÁGUA + TERRA DESTILADA DO POIAL + FOLHA DE OURO + CASSIS DO POIAL + FLOR DE JASMIM _COZINHA ÁGUA MORNA AROMATIZADA PÉTALAS DE ROSA E CARDAMOMO _PROJECÇÃO QUANDO CUCA + ZOE ENTRAM NA SALA \VÍDEO HOCKNEY + INDIASONG + ÁGUA _ DEIXAR ATÉ TERMINAR _ CUCA + ZOE \ QUANDO TERMINA O HOCKNEY COLOCAM-SE EM FRENTE À PROJECÇÃO, NO EXTREMO DA MESA \ DEITAR ÁGUA SOBRE LENÇOS E ENTREGAR A CADA PESSOA \ RECOLHER LENÇOS \ DAR ESFERA DE ÁGUA EM MÃO PAPOILAS + MÁRMORE + FOLHA BORDALO(LUÍSA) ÁGUA MORNA AROMATIZADA DE ROSAS E CARDAMOMO LENÇOS COMPRIMIDOS ESFERAS DE ÁGUA FLOR DE LARANJEIRA + AQUÁRIO

# 3 QUENTES E BOAS LUÍSA – QUENTES E BOAS VAGEM DE ERVILHAS FRESCAS + PURÉ DE CASTANHAS CONFITADAS EM GHEE NOIR + FAROFA DE CASTANHA + BEGÓNIA + PÓLEN DE FUNCHO _COZINHA TIRAS DE COBRE (PAI) PINÇAS LABORATÓRIO (PROF. JOÃO NORONHA) ERVILHAS ABERTAS 2 BIBERONS COM PURÉ DE CASTANHA AQUECER E COLOCAR NO SOUS-VIDE POLÉN DE FUNCHO + FUNCHO SECO BEGÓNIAS FAROFA DE CASTANHA __EMPRATAMENTO GOTA DE PURÉ SOBRE CADA ERVILHA DUAS MINI BEGÓNIAS, UMA EM CADA EXTREMO DA VAGEM FAROFA DE CASTANHA PÓLEN DE FUNCHO RAMO DE FUNCHO SECO _MESA COBRE VERTICAL, PERPENDICULAR À PESSOA PINÇA AO LADO DO COBRE _ VINHOS CAMARATE BRANCO

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# 4 NO MAN IS AN ISLAND OU ILHA SABRINA CLARA – MENU ILHA SABRINA INHAME AO VAPOR + PÉROLA DE AZEITE DE AZEITONA GALEGA DA HERDADE DO FREIXO DO MEIO + CAVIAR DE PIMENTA DA TERRA + BANANA PÃO DESIDRATADA COM QUEIJO DA GRACIOSA RALADO + SMEN DE CHÁ VERDE E ORANGE PEKOE DA GORREANA + PIPOCA COM TAMANOI SUSHINOKO _COZINHA PEDRAS BASALTO PRAIA DO ABANO INHAME VAPOR 1H BIMBY PIPOCAS + VINAGRE EM PÓ PÉROLAS DE AZEITE BANANA DESIDRATADA + QUEIJO DA GRACIOSA RALADO CONCHA DE LAPA + CAVIAR DE PIMENTA DA TERRA COLHER DE CAFÉ DE PRATA 2 MANTEIGAS FERMENTADAS – SMEN CHÁ VERDE E ORANGE PECKOE GORREANA LIGERAMENTE TOSTADOS _ EMPRATAMENTO PEDRA CORTAR INHAME PARA FICAR ESTÁVEL 2 PÉROLAS DE AZEITE 2 PIPOCAS + VINAGRE EM PÓ ENCHER LAPA DE CAVIAR 1 MINI QUENELLE SMEN CHÁ VERDE + CHÁ VERDE TOSTADO EM CIMA 1 MINI QUENELLE SMEN ORANGE PECKOE + ORANGE PECKOE TOSTADO EM CIMA BANANA COM QUEIJO RALADO _ MESA PEDRA BANANA NA MÃO PARA COLOCAR APOIADA NA PEDRA SUGERIR COMER COM COLHER DE CAFÉ _ VINHOS FREI GIGANTE

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# 5 COMER O CORAÇÃO + PAISAGEM HABITADA CUCA – MENU COMER O CORAÇÃO _PASSA DE BETERRABA + MELAÇO DE ROMÃ + CONSERVA DE LIMÃO SÍRIO E GALEGO +PURÉ DE COUVE FLOR DEFUMADO COM CASCA DE COCO + ENDRO + PISTACHIO + FRAMBOESA LIOFILIZADA + MORANGO MARAS DES BOIS + MINI VAGEM DE ERVILHA DE CAVACA + CAMARINHAS _JARDIM TERRA DE AZEITONA GALEGA + COGUMELO + NOZ + FLORES E ESPUMA DE QUEIJO DE ZEITÃO _COZINHA BRUNESA CONSERVA LIMÃO GALEGO E LIMÃO SÍRIO DO SR. JORGE RIBEIRA QUENTE PISTACHIO TOSTADO E GROSSEIRAMENTE PARTIDO FRAMBOESA FLORES (TERRAÇO) CAPUCHINHAS CORTADAS REDONDO AMORES PERFEITOS MINI VAGEM ERVILHA DE CAVACA MORANGO MARAS DES BOIS CORTADO AO MEIO MAS UNIDO NA EXTREMIDADE PURÉ DE COUVE FLOR DEFUMADO – ESPÁTULA PEQUENA BETERRABA CORTADA LONGITUDINAL + ENDRO PICADO MELAÇO DE ROMÃ – PINCEL \ JARDIM ESPUMA QUEIJO DE AZEITÃO SIFÃO TERRA \ PÓ DE AZEITONA GALEGA + COGUMELO DESIDRATADO + NOZ TOSTADA FAZER NA BIMBY EM SEPARADO, NOZ GROSSEIRA DISPOSITIVO DE MÚSICA _EMPRATAMENTO VERIFICAR DISPOSITIVO DE MÚSICA PURÉ COM ESPÁTULA METADE DE BETERRABA + MELAÇO DE ROMÃ + ENDRO FRESCO BRUNESA DE LIMÃO + PISTACHIO + FRAMBOESA + VAGEM + MORANGO REBENTOS JARDIM = TERRA + FLORES + ESPUMA _ MESA OLHAR MARCO ANTES DE POUSAR PRATO EM SEQUÊNCIA PRATO + JARDIM À DIREITA DO PRATO EM CIMA _ PROJECÇÃO DESLIGAR SOM QUANDO ESTIVERAM TODOS OS PRATOS A SERVIR DEIXAR POUSAR OS PRATOS VER REACÇÃO E SÓ DEPOIS COMEÇAR VÍDEO DA MARIA JOSÉ

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# 6 1POR3 OU A SOMBRA DE UMA SARDINHA JOANA – MENU 1POR3 BATATA NEGRA + PURÉ DE SALADA DE PIMENTOS ASSADOS + TORRICADO DE BROA DE MILHO + PÓ DE TOMATE LIOFILIZADO _ COZINHA BATATA NEGRA- FRITAR PURÉ DE PIMENTOS – SERINGA FOLHA DE PRATA – PINÇA FLOR DE MANGERICO TUILE AU PAIN PÓ DE TOMATE GUARDANAPO COM CHEIRO DE SARDINHA PRATO COM PINHEIRO E ESPINHA DE SARDINHA COM ÁLCOOL _ EMPRATAMENTO RAMO DE JUNIPERUS COLOCAR BATATA ESTÁVEL + FOLHA DE PRATA FLOR DE MANGERICO TUILE MUITO FRÁGIL GUARDANAPO _ MESA PASSAR PRATO A ARDER PERTO DA SALA ANTES DE COMEÇAR O SERVIÇO PRIMEIRO GUARDANAPO SOBRE A MESA RAMO COM BATATA NA MESA, LUÍSA E BRUNO COLOCAM PÓ DE TOMATE AO LONGO DO RAMO SOBRE O GUARDANAPO QUANDO LEVANTAM O “PRATO” ENTREGAM UMA FOLHA DE GERÂNIO PARA AS PESSOAS PASSAREM NAS MÃOS _ PROJECÇÃO VÍDEO SARDINHA _ VINHO TOURIGA FRANCESA

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# 7 AOS SÁBADOS QUANDO HAVIA COENTROS NA PRAÇA OU 4 ESTAÇÕES MARCO – MENU AOS SÁBADOS / NA CORTIÇA COQUE MOUILLETE DE AÇORDA À ALENTEJANA + TEMPURA DE XEROVIA FAVA FRESCA + BACALHAU SALGADO + ALHO NEGRO + NORI CEBOLA MELOSA + TERRINE DE CARAS DE BACALHAU PELE DE BACALHAU NA PEDRA _COZINHA PEDRA A AQUECER CEBOLA EM SOUS VIDE QUEIMAR NA FRIGIDEIRA XEROVIA TEMPURA – ÁGUA DAS PEDRAS GELADA + FARINHA + SAL ESPUMA DE AÇORDA – SIFÃO CASCA DE OVO REBENTOS DE COENTRO/ FLORES COENTROS VIETNAMITAS AZEITE DE COENTROS FAVA FATIA DE BACALHAU NORI EM TIRAS FINAS TERRINE DE CARAS DE BACALHAU FIO DE ANJO PELE DO BACALHAU – PINÇA PARA A COLOCAR SOBRE A PEDRA, NA MESA CORTIÇA _ EMPRATAMENTO OVO COM ESPUMA E XEROVIA ENCOSTADA FAVA COM PEDAÇO DE BACALHAU, ALHO NEGRO E FITA DE NORI CEBOLA QUEIMADA E TERRINE SOBRE A CEBOLA _ MESA CORTIÇA / DEPOIS DE TODOS SERVIDOS MARCO E SOFIA / CUCA E ZOE – PEDRA QUENTE + PINÇA PARA COLOCAR PELE SOBRE PEDRA _ PROJECÇÃO 4 ESTAÇÕES _ VINHOS SÓ DEPOIS DA PRIMEIRA GARFADA: VINHAS VELHAS – QUINTA DOS TERMOS

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# 8 ONCE YOU HAVE THE LUXURIANT TASTE OF NOTHING, NOTHING ELSE WILL DO FORTUNE COOKIE DE MAÇA CROCANTE ANTES COZIDA EM VINHO VERDE + FLORES DE BRÈDE MAFANE + PIMENTA DE SHECHUAN _ COZINHA MIRASCÓPIO PAUZINHOS FORTUNE COOKIE – MAÇÃ GRAHAM SMITH PAPEL PALAVRA _ EMPRATAMENTO MIRASCÓPIO COM FORTUNE COOKIE + PAPEL _ MESA _ MARCO _PEDIR PARA AS PESSOAS FECHAREM OS OLHOS ENQUANTO SE COLOCAM OS MIRASCÓPIOS E PEDIR PARA ABRIREM DE IMEDIATO _ ANTES DE COLOCAREM NA MESA BAIXAM-SE À ALTURA DA CABEÇA DOS CLIENTES PARA PERCEBER A MELHOR POSIÇÃO DO MIRASCÓPIO MIRASCÓPIO + PAUZINHOS _ PROJECÇÃO COMEÇAR A PROJECÇÃO JOHN CAGE, QUANDO AS PESSOAS FECHAREM OS OLHOS

# 9 DIAS DE CAÇA MARIA – MENU DIAS DE CAÇA PERDIZ A BAIXA TEMPERATURA + DEMI GLACE DE PERDIZ EM ESCABECHE + AVELÃ + ALHO FRANCÊS DAS AZENHAS DO MAR EM TRÊS TEXTURAS + PURÉ DE MANDIOQUINHA + AZEITE DE TRUFA + SÁLVIA CROCANTE + AGULHA DE PINHEIRO TOSTADA _COZINHA PERDIZ – FRIGIDEIRA QUENTE SELAR CORTAR FATIAS FINAS COMO MAGRET ALHO FRANCÊS – TRONCO SOUS VIDE – QUEIMAR ALHO FRANCÊS – RAIZ – FRITAR PURÉ DE MANDIOQUINHA AQUECER – BIBERÃO SOUS-VIDE AVELÃ TORRADA PARTIDA GROSSEIRA MOLHO ESCABECHE AQUECIDO E REDUZIDO ALHO FRANCÊS CROCANTE AGULHAS DE PINHEIRO + PANI PURI + NOZ MOSCADA + SAL + PIMENTA PRETA + PIMENTA D’ ESPELLETTE + ÓLEO DE TRUFA + FOLHA DE SÁLVIA CROCANTE FRASCO AR DA SERRA _ EMPRATAMENTO ALHO FRANCÊS CROCANTE + FRITO + QUEIMADO + PIMENTA D’ ESPELETTE PERDIZ + MOLHO + AVELÃ + PIMENTA PRETA PANI PURI COM PURÉ + NOZ MOSCADA + ÓLEO DE TRUFA + FOLHA DE SÁLVIA CROCANTE AGULHAS DE PINHEIRO A MEIO DO PRATO FRASCO AR DA SERRA _ MESA PRATO + FRASCO AR DA SERRA

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# 10 CALDO VERDE SOFIA – MENU CALDO VERDE CALDO VERDE + RODELA DE CHOURIÇA DE COCO EM VINHA DE ALHO DEFUMADA _ COZINHA AQUECER AS TIGELAS NO FORNO MÍNIMO CALDO A FERVER COUVE ENROLADA NO GARFO E AQUECIDA NO CALDO ANTES DE LEVAR PARA A MESA CHOURIÇA SOBRE O CALDO VERDE GOLPE DE AZEITE _ EMPRATAMENTO _ MESA PASSAR NA PORTA DA COZINHA UM A UM DAR A TAÇA NA MÃO DAS PESSOAS _VINHO ABRIR AS PERSIANAS QUANDO COMEÇAM A SERVIR _ PROJECÇÃO SOM E IMAGEM DE TEMPESTADE QUANDO COMEÇAM A ABRIR PERSIANAS

# 11 HÁ LUGARES QUE NÃO TÊM ESPAÇO NA NOSSA IMAGINAÇÃO, HABITAM-NOS. IBO, MZ 2010

MARACUJÁ + AMENDOIM + COCO + LIMA KAFFIR _COZINHA MARACUJÁ COM TRACEJADO A MEIO ESCREVER NO PRATO FAST FRUIT : CANETA DE CHOCOLATE BRANCO OBULATO COM FARINHA DE AMENDOIM TORRADO FACA CABO DE MADEIRA FRASCO COM LEITE DE COCO FOLHA DE LIMA KAFFIR “CRISTALIZADA” _ EMPRATAMENTO PRATO BRANCO FAST FRUIT MARACUJÁ + LEITE DE COCO + FARINHA DE AMENDOIM + FOLHA DE LIMA KAFFIR _ MESA MARIA LER AS INSTRUÇÕES QUANDO TERMINAREM DE SERVIR _ PROJECÇÃO FOTO STILL DE ILHA DO IBO

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# 12 THE END IS THE BEGINNING, THE BEGINNING IS THE END GEMADA + AMÊNDOA + BOLO DA MADEIRA + POEJO + OURO + CEREJA E PHYSALIS SECOS AO SOL + PÊRA + GINJA DE GINGINHA + PÉTALA DE ROSA + MOSCATEL DE SETÚBAL EM COPO DEFUMADOS _ COZINHA OVO DE CODORNIZ – CORTAR O TOPO E TIRAR GEMA UMA A UMA SÓ QUANDO JÁ TIVER A AREIA NO PRATO AREIA DE AMÊNDOA TORRADA + RAPADURA RAPAZINHOS CEREJA SECA PÊRA PEQUENINA COZINHADA COM HIBISCUS, GENGIBRE, MEL DE URZE E DESIDRATADA 4 HORAS OURO EM PÓ – PINCELAR PRATO PÉTALA DE ROSA FOLHAS DE POEJO CÁLICES PARA MOSCATEL MÁRMORE ROSA PARA A DEFUMAÇÃO + PÉS DE CEREJA + LÚCIA LIMA + CANELA ÁLCOOL + ISQUEIRO DE COZINHA CAMPANULA PARA 15 CÁLICES COLHER COM ALGODÃO DOCE OU NUM PAUZINHO NO MÁRMORE _ MESA _ EMPRATAMENTO _ COLOCAR NO EXTREMO DA MESA EM FRENTE À PROJECÇÃO: CÁLICES PARA MOSCATEL MÁRMORE ROSA PARA A DEFUMAÇÃO + PÉS DE CEREJA + LÚCIA LIMA + CANELA ÁLCOOL + ISQUEIRO DE COZINHA CAMPANULA PARA 15 CÁLICES POUSAM OS PRATOS COMIGO NA MESA HISTÓRIA DA GEMADA _PROJECÇÃO SOM BAIXO DO ACORDEÃO E IMAGENS DE CAVADORES _ VINHO TRAZER MOSCATEL DO FRIGORÍFICO E DEIXAR JUNTO A MIM

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# 12 + 1 TURN THE TABLE DISCO DE CHOCOLATE COM ESPECIARIAS CAFÉ SÃO TOMÉ EM BALÃO CHÁ VERDE COM JASMIM DISCO DE CHOCOLATE MARCO E ESTEBAN GIRADISCOS NA MESA E QUEBRAR DISCO DEPOIS DE TOCAR E DISTRIBUIR POR TODOS _ PROJECÇÃO COLOCAR VÍDEO DE AMÁLIA EM PAUSE ATÉ TERMINAR DE TOCAR O DISCO DE CHOCOLATE _ CHÁ + CAFÉ BALÃO SAMOVAR CHALEIRA BONAVITA – 70º PARA O CHÁ CHÁVENAS AÇÚCAR CAFÉ SÃO TOMÉ, 100% ARÁBICA_ CAFÉS NEGRITA _ MESA DISTRIBUIR POR TODOS SAQUINHO COM ROLLING STONES_ BOLINHAS DE AVELÃ DESMENDIANT_ CHOCOLATE COM AMEIXA E NOZ

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__ ANEXO III

RECEITA: INDIA SONG

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___

INDIA SONG ESFERAS DE ÁGUA INGREDIENTES QUANTIDADE PERCENTAGEM PROCEDIMENTO

INFUSÃO ÁGUA LUSO 900 g 100 % 1. Aquecer água a 90°.

2. Fazer infusão durante 5 min. 3. Filtrar e reservar.

FLORES DE JASMIM SECAS 18 g 2 %

ESFERAS INFUSÃO DE JASMIM (anterior) 360 g 100% 4. Misturar com varinha mágica até dissolver e

deixar arrefecer. 5. Colocar nas formas de silicone (ver NOTA) e congelar.

GLUCONOLACTATO SOSA 9 g 2.5%

BANHO ÁGUA LUSO 500 g 100% 6. Aquecer sem ferver para eliminar as bolhas de

ar e manter aquecido. 7. Colocar uma esfera congelada numa colher e submergir no banho até formar uma película. Repetir processo, uma a uma.

ALGINATO SOSA 2.5 g 0.5%

INFUSÃO DE JASMIM (anterior) 540 g 8. Colocar a esfera na infusão até descongelar e refrigerar até usar.

NOTA : NA ALTURA DE COLOCAR NA FORMA PODEM-

SE ACRESCENTAR OUTROS COMPONENTES COMO: FOLHA DE OURO, FOLHA DE MENTA, CASSIS...

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__ ANEXO IV

HISTÓRIA: A SOMBRA DE UMA SARDINHA

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1 e assim

contava a minha avó sim… antes!

2

sempre achei que pertencia ao mar, mas cresci rodeada de serras,

de rochas e pinheiros, do zimbro e da urze, do medronho e das ovelhas que ritmam os ventos mais altos

3

só mais tarde percebi que ali houve um glaciar só mais tarde percebi

o que era um glaciar

4 afinal pertencia ao mar

o mar que trazia as sardinhas da figueira, as melhores!

diziam

5 os meses que de r se despem, traziam a corrida para a rua

o sol o acender do fogo o reunir da família.

a corrida para fechar as janelas da casa o tirar a roupa da corda

a caruma que recolhíamos e deixávamos queimar um cheiro a resina, fresco

6

o carvão, que já tinha cozido o pão da avó era arrefecido e guardado em barris acendia rápido

assavam-se os pimentos e só depois as sardinhas

traz a travessa! gritava o meu pai

7

batatas fartas guardadas na adega fartas de um cheiro a vinho

i-ne-bri-an-te

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8 e os mais velhos,

os mais velhos contavam-nos histórias. só eles as sabem contar, ainda hoje.

como se a vida fosse um relato infindável de aventuras

e dificuldades mas de alimento à mesa

onde todos se encontram à mesma hora

ao mesmo ritmo de faina suspendida

9 e assim

contava a minha avó sim… antes!

antes uma sardinha dava para três eu gostava da cabeça, dizia

o chico era sempre o meio e a minha mãe o rabo 10

batatas fartas que as víamos crescer e o azeite que levávamos ao lagar

mas por vezes, sardinhas nem vê-las

11 e eu

sempre imaginei uma sardinha que percorria em sua sombra todos os pratos

eram 7 irmãos e aquele de sorte calhava-lhe dividi-la por três 12

a sombra de uma sardinha que passava de prato em prato prato de batata, de azeite e pimentos

fartos uma categoria.

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__ ANEXO V

RECEITA: A SOMBRA DE UMA SARDINHA

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___ SOMBRA DE UMA SARDINHA

BATATA INGREDIENTES QUANTIDADE PERCENTAGEM PROCEDIMENTO

BATATA NOVA 3 UNID. 1. Lavar, cozer em vapor 20min e deixar arrefecer. 2. Cortar ao meio no sentido da largura e com colher retirar o interior. 3. Fazer puré com as aparas e voltar a unir as metades usando o puré. 4. Colocar no desidratador a 60° por 1h até o puré estar desidratado. 5. Pincelar com tinta de choco e reservar.

FOLHA DE LOURO 1 UNID.

PIMENTO VERMELHO 1 UNID. 6. Assar no bico do fogão até pele ficar negra. 7. Colocar dentro de saco de plástico fechado até arrefecer. 8. Limpar pele e sementes sem lavar.

PIMENTO (ANTERIOR) 100 gr 100 % 9. Emulsionar pimento com restantes ingredientes, reservar.

AZEITE 30 gr 30 % VINAGRE 10 gr 10 % SAL 2 gr 2 %

BATATA 10. Fritar em óleo a 160°. 11. Com uma seringa rechear com puré e servir.

TUILE AU PAIN INGREDIENTES QUANTIDADE PERCENTAGEM PROCEDIMENTO

ÁGUA 160 g 100 % 1. Misturar todos os ingredientes. 2. Numa frigideira antiaderente quente (ver NOTA), deitar uma colher do preparado, mover a frigideira para espalhar e deixar cozinhar até ficar crocante. Retirar cuidadosamente pela fragilidade. 3. Guardar em recipiente hermeticamente fechado ou colocar 1 pastilha de sílica.

ÓLEO 40 g 25%

FARINHA DE MILHO 10 g 6,25 %

FARINHA DE TRIGO 10 g 6,25 %

SAL 2 g 1 %

NOTA: ATENÇÃO AO DEITAR NA FRIGIDEIRA QUENTE, PORQUE O ÓLEO VAI "ESPIRRAR" DEVIDO AO CONTEÚDO DE ÁGUA DO PREPARADO.

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__ ANEXO VI

RECEITA: ONCE YOU HAD THE FIRST LUXURIANT TASTE OF NOTHING, NOTHING ELSE WILL DO

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___ ONCE YOU HAD THE FIRST LUXURIANT TASTE OF NOTHING, NOTHING ELSE WILL DO ADAPTADO THOMAS KELLER

FORTUNE COOKIE INGREDIENTES QUANTIDADE PERCENTAGEM PROCEDIMENTO

CALDA VINHO VERDE 500 g 100 % 1. Juntar, aquecer até ferver e manter em fogo baixo, sem

ferver. ÁGUA 250 g 50 %

AÇUCAR 50 g 10 %

BRÉDE MAFANE 20 g 4 %

MAÇÃ B ESMOLFE 200 g 40% 2. Cortar na mandolina o mais fino possível, no sentido do comprimento (círculos) sobre a calda anterior. 3. Manter na calda em fogo baixo até as fatias de maçã ficarem translúcidas.

SUMO DE LIMÃO 50 g 10 % 4. Desligar fogo, deitar o limão e deixar 8h em infusão. 5. Escorrer e colocar sobre Silpat no desidratador, 50° por 4h, virando ao fim de 2h. 6. Se não ficar crocante colocar 4 a 4 no forno a 120°, por 2 min. 7. Retirar uma a uma e ainda quente, dobrar em meia lua, pressionando apenas o lado circular para colar. Segurando nos vértices, fletir o diâmetro a meio, no gargalo de um copo, para formar o fortune cookie.

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__ ANEXO VII

HISTÓRIA: TRADIÇÃO

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tradição | s. f. 1. Via pela qual os factos ou os dogmas são transmitidos de geração em geração sem mais prova autêntica da sua veracidade que essa transmissão. 2. O facto ou o dogma assim transmitido. 3. Transmissão de uma notícia, boato, rumor. 4. Símbolo, memória, recordação, uso, hábito. 5. Entrega, acto pelo qual se entrega alguma coisa a alguém. 6. Transmissão, transferência de bens ou de direitos.

"tradição", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa

ontem foi o aniversário do meu pai e, como sempre, reunimo-nos todos lá em casa ao jantar. começamos pela sopa: um caldo verde. a leonor e o miguel são os primeiros a sentar-se. são 22:00 e eles têm 4 e 8 anos. escusado será dizer que são lindos os meus sobrinhos porque são mesmo têm aquele olhar sobre a vida que espanta e nos traz a todos um sorriso meio fechado, para não denunciar a constante genialidade das suas expressões. as melhores sopas são as da minha avó, não por ser a minha avó, mas porque são realmente as melhores. o caldo verde é cortado à mão. com a faca já de gume arredondado, dos anos da pedra do tanque a cegar e aguçar. cegar e aguçar. a curva que ganhou é proveitosa. o caldo verde é finíssimo, cabelo de anjo e o que eu gostava, mesmo, era de ver as meadas cair pelo punho fechado, verde a galega couve portuguesa.

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primeiro, um caldo de batata, ralo nada de purés grossos e batatudos, um dente de alho e depois de tudo cozido e passado deixa-se ferver com um golpe de azeite bom e junta-se a couve finíssima. levanta fervura e está pronta a servir.

feita para mim que a canja é de galinha e eu não como carne.

chegou à mesa.

primeiro para a Leonor que afinal também quer. tem 4 anos e diz: ohhh e a chouriça?