Alice no país da lingüística: as sutilezas nos jogos de linguagem

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ANNA ARYEL AMARO Alice no país da lingüística: As sutilezas dos jogos de linguagem FACULDADE DEHONIANA Curso de Filosofia Taubaté SP 2009

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Este é um trabalho de conclusão de curso, que discute jogos de linguagem, literatura, problemas de tradução e lógica.

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ANNA ARYEL AMARO

Alice no país da lingüística:

As sutilezas dos jogos de linguagem

FACULDADE DEHONIANA Curso de Filosofia

Taubaté – SP 2009

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ANNA ARYEL AMARO

Alice no país da lingüística:

As sutilezas dos jogos de linguagem

Monografia apresentada como um dos

requisitos para adquirir o título de bacharel em

Filosofia pela Faculdade Dehoniana.

Orientador: Prof. Dr. Maurício Martins Alves.

FACULDADE DEHONIANA Curso de Filosofia

Taubaté – SP 2009

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E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face

do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das

águas.

E disse Deus haja Luz. E houve Luz. Gênesis Cap. 1 V. 2,3

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Dedico essa monografia aos homens da minha vida: meu avô que me lia estórias quando criança, meu pai que sempre enfatizou a importância do estudo e o meu marido que com seu amor enxergou em mim potencial e é meu fiel companheiro de aventuras.

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Agradeço a paciência e boa vontade de meu orientador Maurício, pelos conselhos que tantas vezes me fizeram pensar que a filosofia seria boa para mim, um dia; ao apoio dos meus amigos, Vevê, Valtinho, João e Juliana, e aos ex-colegas, agora amigos que ficarão para sempre no coração, Jiscely, Silmar e Bruno.

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Sumário

Introdução ........................................................................................................................ 1

Capítulo I Estudos acerca da teoria lingüística de Wittgenstein ....................................... 4

1.1 Ludwig Wittgenstein e sua tentativa de uma revolução lógico-filosófica. ................ 5

1.2 O primeiro Wittgenstein ......................................................................................... 6

1.3 O segundo Wittgenstein .......................................................................................... 7

1.4 Os jogos de Linguagem .......................................................................................... 8

Capítulo II ....................................................................................................................... 12

Um estudo sobre a influência das regras do discurso e as sutilezas na tradução ......... 12

2.2 A gramática das cores nos jogos de linguagem. .................................................. 15

2.3 Traduções, um jogo de linguagem ........................................................................ 17

Capítulo III ...................................................................................................................... 21

Alice diz não ................................................................................................................... 21

3.1 Fonética..................................................................................................................23

3.2 Os nomes ............................................................................................................. 24

3.3 Significado ........................................................................................................... 25

3.4 Funcionamento da linguagem ............................................................................... 27

Conclusão ...................................................................................................................... 29

Referências .................................................................................................................... 31

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Introdução

Vivemos em sociedade, falamos, ouvimos, escrevemos, pintamos, digitamos

enfim, nos comunicamos o tempo todo. Sendo que, cada atividade que

desempenhamos envolve outras tantas, o que há em comum e as une num elo frágil e

corruptível, é a comunicação.

A comunicação é fator de suprema importância no viver humano, sendo

impossível nos comunicarmos sem efetiva administração da mesma. Visto que existem

vários discursos dentro de uma intenção de discurso, este trabalho se propõe à

investigação das intencionalidades, vozes e entrelinhas em um discurso. E também,

como podemos entender em nosso grupo social que as palavras representem o que

queremos dizer, tal qual mesa representa uma mesa e não a tomamos por cadeira, ou

qualquer outro objeto, à guisa de exemplo.

Nosso objeto de pesquisa é a teoria dos jogos de linguagem em Wittgenstein, a

qual aplicaremos na obra homônima de Carrol, Alice no País das Maravilhas. A escolha

do material se deu por causa da fantasia criada ao redor de um discurso que foge à

lógica da realidade comum, contrapondo a busca da heroína por fazer aquele todo

fantasioso ter algum sentido racional, mesmo sendo uma criança, Alice questiona os

pontos que acredita serem frouxos à luz de seus estudos e costumes, e por sua

simplicidade e franqueza os questiona claramente, deixando visível a influência dos

valores e costumes que guiam suas escolhas.

No século XIX Lewis Carrol leu seu tempo através dos olhos de uma menina

muito curiosa, Alice, que invade o País das Maravilhas e se encanta com o poder do

estranho que ocorre por lá, pois lá o corriqueiro é extraordinário. Com base nas

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experiências fictícias de Alice e na leitura de textos referentes à reviravolta lingüística,

principalmente Wittgenstein, pretendemos mostrar certas nuances no processo da

comunicação.

De acordo com Ludwig Wittgenstein os jogos de linguagem são processos que

montam as etapas do processo lingüístico, uma palavra pode ter significados diferentes

dependendo do contexto que for utilizada. À guisa de exemplo gostaria de citar o caso

da Rainha de Copas no livro de Carrol, em inglês Heart Queen, uma nobre de

personalidade difícil, autoritária, no texto ela exige que tudo ao seu redor seja

vermelho1, como ela, e por suas próprias ações podemos associar seu comportamento

com a palavra difícil, que em inglês é hard, sendo assim sua pronúncia similar a palavra

heart, que também nos faz associar a cor vermelha, por sua intensidade, com a ânsia

da Rainha de Copas por decapitar os que a rodeiam.

Buscamos levantar conceitos e fundamentos do entendimento da comunicação e

do processo de aquisição de conhecimento lingüístico na convenção social que

chamamos de linguagem, a qual ao adaptarmos à outras línguas, nas traduções,

podemos encontrar certas dificuldades e corromper o sentido original, com certa

ambigüidade que pode ser dissipada com análise de contexto.

No Capítulo I buscamos fazer uma explanação a respeito da vida do filósofo

Wittgenstein, suas duas fases, e finalmente sua teoria sobre os jogos de linguagem.

Já no capitulo II trabalhamos os usos que fazemos da linguagem, seu

convencionalismo, contextualizamos um diálogo de Alice com o Chapeleiro a respeito

do uso que ambos fazem de um mesmo objeto, desenvolvemos idéia da gramática das

cores, cruzamos os jogos de linguagem com o texto de Carrol exemplificando nossas

hipóteses, e finalmente apresentamos ambigüidades e alguns problemas de tradução

que encontramos ao desenvolver nossas traduções do presente romance.

1 No capítulo 8, p. 49, Alice se aproxima do jardim e os jardineiros estão pintando as rosas brancas de

vermelho, pois a Rainha havia ordenado que lhe plantassem flores vermelhas, e como a nobre por muito pouco exigia sangue em suas punições, decapitações a todo momento, os servos estavam tentando resolver o engano.

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No capítulo III trabalhamos com a fonética na entrelinha do discurso, a

similaridade, do som de duas palavras com a intenção que podem exprimir a

designação dos nomes das coisas, a questão do significado das palavras e o

funcionamento da linguagem no contexto que esta se apresenta, como o elo que une

uma palavra a designação que lhe foi conferida.

Assim, nos propomos a uma discussão acerca do entendimento das nuances

que colorem o nosso processo de significação e entendimento dos processos

lingüísticos de forma efetiva a ler as intenções veladas, ambigüidades e suas

corrupções.

Pretendemos levantar em nosso texto questões que elucidem, de acordo com

Wittgeinstein, superstições na linguagem, pois a filosofia tem por dever revelar o que

está oculto sob o véu das intenções de discurso.

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Capítulo I

Estudos acerca da teoria lingüística de Wittgenstein

Um chá bastante louco

[...] It always six o’clock now.

A bright idea came into Alice’s head. “Is that the reason so many tea-things are put

out here?” she asked.

“Yes, that’s it,” said the Hatter with a sigh: “it’s always tea-time, and we’ve no time to

wash the things between whiles.”

“Then you keep moving round, I suppose?” said Alice.

“Exactly so”, said the Hatter: “as things get used up.”

“But what happens when you come to the beginning again?” Alice ventured to ask.

“Suppose we change the subject,” the March Hare interrupted, yawning. “I’m getting

tired of this. I vote the lady tells us a story.”

Lewis Carrol – Alice in Wondeland (1992, p. 46)2

2 [...]Agora é sempre seis horas”.

Uma idéia brilhante surgiu a Alice, “É esta razão de ter tantos paramentos para chá colocados à mesa?”ela perguntou. “Sim, é isto,” disse o Chapeleiro assentindo: “é sempre hora do chá, e assim não temos tempo para lavar as coisas entre um e outro.” “E assim vocês continuavam movendo ao redor, eu imagino?” Disse Alice. “Exatamente,” disse o Chapeleiro: “Quando as coisas ficam usadas.” “Mas, o que acontece quando vocês voltarem ao início da mesa? Alice se aventurou a perguntar. “Eu sugiro que mudemos de assunto,” interrompeu a Lebre de Março, bocejando. “Estou cansada disso. Eu sugiro que a moça nos conte uma história.” (tradução nossa)

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1.1 Ludwig Wittgenstein e sua tentativa de uma revolução lógico-filosófica.

Wittgenstein, filósofo austríaco, nasceu em 1889 na cidade de Viena. Diferente

de todos desde sua infância, tem várias histórias interessantes, como a vez em que

construiu uma máquina de costura sozinho apenas por diversão, aos doze anos, ou de

como o pai, diretor de siderúrgica, afirmou ao filho que este deveria ser a salvação da

família, alguém que fosse fazer algo realmente útil: engenharia.

Ludwig estudou engenharia durante alguns anos, mas acabou se interessando

por estudos sobre matemática e, após ler a obra de Bertrand Russell (1872 – 1970),

Princípios da matemática, dedicou-se à lógica e permaneceu dentro desta área.

Wittgenstein se envolveu tanto com a estrutura de seu principal estudo que chegou até

a submeter-se em sessões de hipnose na busca de resposta para grandes questões

lógicas.

Durante a Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918), Ludwig se alistou como

voluntário e, entre uma batalha e outra, escreveu o que talvez seja a sua obra mais

conhecida, Tratactus Logicus-Philosophicus. Tendo retornado do front de batalha, após

passar alguns meses preso por tropas italianas, Wittgenstein publica esta obra e vai

trabalhar como ajudante de jardineiro em um mosteiro. Após este período, é aprovado

como doutor pela Universidade de Cambridge. Em 1939 assume a cadeira de filosofia,

mas com o início da Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), acaba indo trabalhar

como porteiro em um hospital e em seguida como ajudante em um laboratório. Em 1947

renuncia à cadeira de filosofia e quatro anos depois falece em Cambridge.

Existem duas fases no pensamento de Wittgenstein, na primeira, na qual está

representada principalmente pelo Tratactus, tentou resolver os problemas filosóficos

através da lógica. Ao perceber que não obteve êxito em sua empreitada, começa a sua

segunda fase com o livro Investigações Filosóficas, com o qual tenta fazer o que o

próprio autor considera como uma anti-filosofia, uma vez mais tentando dissolver as

questões filosóficas através da lógica. Ludwig sempre fora influenciado pelas idéias da

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chamada filosofia analítica e projetou em sua reflexão uma revolução na maneira de

pensar e de se questionar em relação ao método filosófico.

1.2 O primeiro Wittgenstein

Wittgenstein escreveu sobre uma forma nova de se pensar o mundo à sua volta,

se preocupando principalmente com a linguagem em sua forma mais prática em meio a

um contexto a ser analisado. Em sua fase conhecida como a primeira, Wittgenstein na

obra Tratactus Logicus-Philosophicus, estruturou seu pensamento em sete proposições

que estavam organizadas em forma crescente da menos complexa para mais complexa

e a antecessora era explicada pela sucessora. Em termos mais amplos, neste período

seus pensamentos estavam todos focados na elaboração de uma teoria lógica que

respondesse aos problemas filosóficos.

O pensador tenta descrever o mundo através de representações criadas pela

linguagem, as proposições. Ora, as proposições são, segundo o filósofo,

representações da realidade enquanto funcionam de maneira a demonstrar situações

elementares. Isto implica afirmar, por exemplo, que a proposição elementar da frase: as

ruas da capital do Brasil seriam simplesmente Brasília, posto que o signo lingüístico que

representa a primeira frase satisfaz completamente o sentido da primeira afirmação.

Entretanto, não se pode postular que as proposições são meras representações

da realidade enquanto analogias, ou seja, dado em como se fosse determinada

situação. Devemos nos lembrar de que as proposições são sentenças que de fato

figuram a realidade e deste modo nome e objeto são na verdade um todo e estão

ligados entre si de tal modo que o todo representa o estado das coisas. O nome por si

só é apenas uma figuração de certo objeto e, portanto, nada afirma com relação a este.

Mas apenas as proposições elementares, ou seja, aquelas que denotam o sentido

simples e claro aos objetos, dão conta de representar da maneira mais correta possível

uma determinada realidade.

Segundo o Wittgenstein da primeira fase, a existência das conhecidas

proposições elementares não é meramente arbitrária, haja vista que são resultantes de

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suas preocupações no que tange a relação entre pensamento e linguagem de um lado

e a própria realidade de outro, assim sendo, teremos que a realidade é afigurada pela

linguagem. Através do pensamento deste primeiro Ludwig, temos que, ao conhecermos

a estrutura interna de duas proposições, saberemos quais são as relações existentes

entre si.

Existe na obra do primeiro Wittgenstein certo limite na aceitação de certas

proposições, ora a tautologia (proposição que é verdadeira em todas as possibilidades)

e a contradição (proposição que será falsa em todas as possibilidades). Segundo o

filósofo, estes dois tipos de proposições mostram o que afirmam, entretanto não

possuem sentido algum, em suma, ambas não são figurações de realidade por não

poderem representar qualquer situação possível dado que a primeira permite a

ocorrência de todas as situações enquanto que a segunda, nada permite. Portanto,

podemos afirmar que de acordo com o Tratactus, os chamados princípios da lógica,

proposições de lógica ou verdades lógicas são todas simples tautologias, não

expressam pensamentos.

1.3 O segundo Wittgenstein

Após muito ponderar acerca de suas teorias na obra Tratactus Logicus-

Philosophicus, Ludwig praticamente encerrou e jogou fora tudo o que antes fora

formulado, Wittgenstein transformou radicalmente a sua orientação filosófica

abandonando a perspectiva lógica e passou a caminhar por um novo caminho, por

entender ser demasiadamente insatisfatório tudo o que postulou com seu Tratactus.

Não que suas teorias estivessem completamente equivocadas, mas não eram capazes

de dar vazão à resposta de todos os problemas que a linguagem possuía nem

tampouco os da filosofia, por serem resultado de uma abordagem considerada

supersticiosa pelo próprio filósofo.

Deste modo nasce o segundo Ludwig Wittgenstein, que afirma que a linguagem

era portadora de certas superstições as quais deveriam ser todas desfeitas, dado que é

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da filosofia a tarefa de esclarecer e neutralizar os efeitos de um possível feitiço da

linguagem por sobre o pensamento. A obstrução realizada pela linguagem encontra-se

localizada nas formas de se descobrir não o que está localizado ocultamente sob a

linguagem, mas consiste em estar atento para desvendar como de fato a linguagem

funciona, ou seja, compreender os jogos de linguagem.

1.4 Os jogos de Linguagem

Aqui temos contato com uma das principais teorias filosóficas de Wittgenstein, os

jogos de linguagem. Para o filósofo toda forma de linguagem deverá ser sempre

analisada em seu contexto e por isso possuirá valor para os fins que se deseja atingir

somente dentro de uma estrutura a ser investigada. Podemos afirmar que todo signo

traz consigo a possibilidade, que lhe é dada ao representar certo objeto, de participar

da construção de uma forma de se entender o caso em um determinado contexto,

temos que:

Assim e de modo mais ou menos semelhante, um nome designa uma coisa, e é dado um nome a uma coisa. – Ser-nos-á freqüentemente útil se dissermos quando filosofamos: denominar algo é semelhante a colocar etiqueta numa coisa. (WITTGENSTEIN, 1999, p.32)

Desta forma, Wittgenstein elucida a idéia de que o signo e o objeto possuem

íntima relação no que tange a forma demonstrativa de certo contexto. Nos jogos de

linguagem, tal tese representa a base para a compreensão de que o uso lingüístico está

diretamente relacionado a uma série de valores; quais sejam: nome, objeto, contexto e

a finalidade que se busca atingir.

Basicamente, não podemos classificar a teoria dos jogos de linguagem como

sendo uma tese acerca do uso da linguagem. Para Wittgenstein não há uma

importância na utilização do nome enquanto desvelado de sentidos, mas se preocupa

com os fins, ou seja, qual a finalidade do uso de certo signo dentro de certo contexto.

Wittgenstein acredita que, desde a infância, os humanos aprendem a fazer uso dos

jogos de linguagem e são manipulados a fazerem determinadas perguntas e não

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outras. A questão gera uma forma distinta de se transformar um determinado

pensamento em outro. Tal afirmação pode ser observada no texto da seguinte maneira:

... somos educados, treinados para perguntar: “Como se chama isso?” – ao que se segue sua denominação. E há também um jogo de linguagem: encontrar um nome para algo. Portanto, dizer: “Isto se chama...”, e então empregar o novo nome. (Assim as crianças denominam, por exemplo, suas bonecas e falam então delas, e para elas. Pense então como é peculiar o uso do nome próprio, com o qual chamamos o denominado!). (Wittgenstein, 1999, p. 37)

Deste modo fica evidente que os jogos de linguagem sempre possuem em sua

natureza um fim para o qual se destinam os signos dentro do contexto determinado

para a análise. Ora, após termos afirmado que o contexto é demasiadamente

importante dentro dos jogos de linguagem, é chegada a hora de refletirmos acerca

desta questão. Por que a conjectura é tão importante na tese de Wittgenstein? Os jogos

de linguagem são aprendidos desde que começamos a adquirir a linguagem e tem por

função nos preparar para o uso da mesma. Mas o que determinará o padrão que será

seguido na análise é justamente onde está empregado o jogo de linguagem.

Já nas primeiras páginas das Investigações Filosóficas, Ludwig cita um exemplo

bastante simples, porém elementar na compreensão do peso do contexto nos jogos de

linguagem. No trecho, Wittgenstein (1999, p. 33) cria um contexto em que um construtor

e seu ajudante estão em uma obra, ao que o primeiro grita: “lajota!” e seu ajudante de

pronto compreende o que seu patrão esta pedindo, pois dentro do contexto o

funcionário identificou no signo lajota o desejo do outro de obter tal objeto sem ter que

dizer “traga-me uma lajota”.

Neste exemplo supracitado, pode-se muito bem fazer uma análise acerca

da conjectura e mais ainda no que vale quanto ao que é frase e o que é palavra

simples. Se o construtor da situação está caminhando na rua e de repente pronuncia a

palavra lajota para algum transeunte que se encontra próximo a ele, esta pessoa não

irá compreender os motivos, ou os fins, que levaram o construtor a mencionar tal

palavra completamente descontextualizada. O jogo de linguagem estará sempre

relacionado a um fim, neste caso o de receber um objeto, e a um contexto, o da

construção. Sem o devido fim e o correspondente contexto, as palavras não possuirão

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qualquer sentido para quem está de fora da situação e não poderá compreender os

fins.

Temos então que os jogos de linguagem possuem em si a validade das regras

que são ditadas pelo meio em que estão inseridas. Mas qual seria então a forma com a

qual estas regras são observadas de modo que a estrutura de contexto permaneça

intacta? Ora, podemos afirmar ao pensarmos nos diversos jogos que encontramos em

nosso dia-a-dia, o padrão de regras de um jogo de cartas por exemplo será igual a uma

brincadeira de roda no que diz respeito a existirem regras, entretanto, muito será

perdido e muito será ganho exatamente por conta da realidade com a qual ambos os

jogos são praticados.

[...] - Considere, por exemplo, os jogos de tabuleiro, com seus múltiplos parentescos. Agora passe para os jogos de cartas: aqui você encontra muitas correspondências com aqueles da primeira classe, mas muitos traços comuns desaparecem e outros surgem [...] Pense agora nos brinquedos de roda: o elemento de divertimento está presente, mas quantos dos outros traços característicos desapareceram! E assim podemos percorrer muitos, muitos outros grupos de jogos e ver semelhanças surgirem e desaparecerem. (Wittgenstein, 1999, p. 39)

Deste modo, conseguimos postular que a linguagem em seu conjunto é um

mapa da realidade e que por isso as proposições simplesmente lançadas ao vento não

são capazes de determinar um determinado uso e motivação daquele signo, posto que

se faz necessário o entendimento do que se está afirmando e onde se está fazendo,

além de como e com quem está se passando determinada mensagem.

Wittgenstein afirmava ser impossível considerar uma função para a linguagem,

de tal modo como também não é possível imaginar a função de uma caixa de

ferramentas, já que nosso mundo está organizado de tal modo que existem inúmeras

formas de expressão e de maneiras para utilizá-las. Indicar certo valor para as

expressões é vão e insensato, pois como afirmarmos o que de fato é importante dentro

dos jogos de linguagem não são os usos, mas sim os fins relacionados em uma certa

conjectura.

Os nomes designam apenas aquilo que é elemento da realidade. Aquilo que não se deixa destruir; o que permanece o mesmo em toda

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mudança. – Mas o que é isso? – Enquanto dizíamos a frase, já tínhamos uma certa idéia disso! Já experimentamos uma representação perfeitamente determinada. Uma determinada imagem que queremos empregar. Pois a experiência na verdade não nos mostra estes elementos. Vemos partes de algo composto. (WITTGENSTEIN, 1999, p.50).

Nesta afirmação de Ludwig encontramos exatamente a problematização do

contexto e do uso das proposições. Sabemos que os jogos de linguagem possuem

intrínseca relação com os fins e o contexto, mas muitas vezes por termos as regras já

memorizadas, praticamos tudo com tamanha mecânica que não somos capazes de

perceber que existe um todo e um meio. Analisando um caso em que uma pessoa com

seu idioma e sua cultura é capaz de formar proposições utilizando-se de signos e das

regras dos jogos de linguagem, não temos a real dimensão do todo que este caso

forma, temos apenas a noção de que cada etapa deverá ser cumprida para que se

chegue ao resultado desejado, ou seja, a compreensão de uma segunda pessoa ao

entrar em contato com a primeira. Em outras palavras podemos afirmar, portanto, que

os jogos de linguagem são decorrência de uma atividade social.

Para o filósofo a linguagem é uma atividade genuinamente humana e intrínseca

ao homem, “onde há o homem há linguagem, mas a linguagem de nenhum modo é

algo já pronto, de antemão, uma espécie de destino, mas fruto da capacidade de

criação e invenção humanas.” (OLIVEIRA, 2006 p. 144) Gerada dessa capacidade

humana de inventar que vem a idéia de jogo, visto que este não é uma fatalidade

natural, mas um aglomerado de regras reconhecidas e aceitas pela comunidade

envolvida.

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Capítulo II Um estudo sobre a influência das regras do discurso e as sutilezas na tradução

Estava gramaticalmente correto

[...] “_What a funny watch!” she remarked. “It tells you the day of the month, but doesn‟t tell what o‟clock it is!”

“Why should it?” muttered the Hatter. “Does your watch tell you what year it is?”

“Of course not,” Alice replied very readily: “but that‟s because it stays the same year for such a long time together.”

“Which is the case with mine,” said the Hatter.

Alice felt dreadfully puzzled. The Hatter‟s remark seemed to her to have no sort of meaning in it, and yet was certainly in English. […] (CARROL, 1992, 44)

2.1 Usos designativos do objeto e da linguagem

As práticas lingüísticas propostas por Wittgenstein quanto aos jogos de

linguagem em cada contexto condizem com a teoria acerca das intenções da linguagem

em cada forma de uso. Como podemos verificar no diálogo de Alice e do Chapeleiro

Maluco acerca do tempo, no qual o relógio tem, para ambos, funções diferentes, sendo

para cada um deles absolutamente normal o uso que cada qual faz do mesmo.

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Nossa tradução: “Que relógio engraçado!” Ela comentou. “Ele mostra o dia do

mês, mas não as horas!”

“Por que deveria? Respondeu o Chapeleiro. “O seu mostra que ano estamos?

“Claro que não,” Alice replicou prontamente: “mas é porque passamos muito

tempo no mesmo ano.”

“O que é o mesmo caso,” respondeu o Chapeleiro.

Alice se sentiu profundamente confusa. O apontamento do Chapeleiro pareceu

não ter sentido algum para ela, mas estava definitivamente gramaticalmente correto.

A afirmação do Chapeleiro “não fez sentido algum para ela, mas estava

gramaticamente correta”. O que a deixou confusa, pois parecia ser um absurdo um

relógio que marcasse apenas o dia do mês e não as horas, todavia a explicação que

ela encontrou também não se faz tão verdadeira quanto à afirmação do Chapeleiro, de

forma que as justificativas de ambas são gramaticalmente corretas e desprovidas de

fundamento.

Podemos notar que a confusão de Alice se dá por causa do uso comum que

fazemos de relógios, todavia para o Chapeleiro este poderia funcionar como um

calendário. Entretanto, Alice bem familiarizada com a função convencionada de um

relógio toma a proposição do Chapeleiro como inverídica, entretanto fica consternada,

pois parecia correta, afinal estava gramaticalmente perfeita.

No final do capítulo I citamos Oliveira3 para afirmar que a linguagem é inerente

ao homem, e que esta é uma construção humana, que através de usos e costumes

convencionamos os nomes das coisas e assim se dá o jogo de linguagem. Dessa

forma, torna-se plausível tamanho estranhamento em Alice, pois a menina havia

3 Repetimos aqui a citação: “onde há o homem há linguagem, mas a linguagem de nenhum modo é algo

já pronto, de antemão, uma espécie de destino, mas fruto da capacidade de criação e invenção

humanas.” (OLIVEIRA, 2006 p. 144)

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conhecido apenas um tipo de relógio, com a função de mostrar as horas e não dias ou

meses.

A forma como o argumento se apresenta, nesse caso, é o fator determinante no

entendimento da questão, pois no âmbito gramatical não há erro, os relógios poderiam

marcar o dia e não as horas, todavia o constituinte de confusão, na fala do Chapeleiro é

o convencionalismo, Alice nunca vira ou ouvira a respeito de um relógio que ao invés de

expor as horas o fizesse com dias, ou seja, encontramos aqui uma situação a qual

fazemos um paralelo com Schopenhauer (no livro “a arte de ter razão”), pois o intuito do

Chapeleiro é ter razão, mesmo usando de argumentos irrelevantes este fundamenta

seus argumentos mais em sua forma, tanto expressão quanto gramatical, e não se

preocupa com a validade do mesmo.

Muitas vezes nos deixamos confundir ou refutar por argumentações apenas aparentes, quando na verdade temos razão, ou o inverso: quem sai vencedor de um litígio deve-o freqüentemente muito menos à exatidão da sua capacidade de julgar ao expor a própria tese do que a esperteza e à habilidade com que a defendeu. (Schopenhauer apud ALVES, 2003, p. 158)

Dessa forma, mais uma vez fundamentados em Schopenhauer podemos dizer

que o Chapeleiro se serviu do estratagema 7, o qual afirma que ao fazer perguntas de

uma só vez, e expor a própria argumentação a partir do que já foi aceito pelo

interlocutor, pode confundir pessoas que sejam lentas de compreensão, deixando

algumas falhas e lacunas na exposição encobertas pela forma que a proposição foi

desvelada.

O relógio mostrar as horas e não os dias, ou talvez anos, é um fato comum aos

relógios conhecidos por Alice, ou seja, os relógios que a menina conhece têm por

característica principal mostrar as horas e nãos os dias, todavia o relógio do Chapeleiro

exibe uma característica diferenciada, ele mostra os dias e não as horas, sendo,

portanto um fator possivelmente excludente da qualidade de relógio na opinião de Alice,

“Sendo uma coisa, não pode ser outra. Também não pode ser simultaneamente (ao

mesmo tempo no mesmo aspecto) duas coisas. Não há meio termo: é ou não é.”

Aponta Assis, P. 40, ou falamos de um relógio de pulso, ao qual podemos inferir que

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mostrará as horas, como atividade principal, ou talvez de um relógio que também tenha

função de mostrar o dia, todavia, ainda que assim fosse este teria a obrigatoriedade de

cumprir o papel, que dê sentido, como o jogo de linguagem, onde algo tenha sentido

desde que as pessoas o entendam.

2.2 A gramática das cores nos jogos de linguagem.

Pensando em termos claros, a gramática das cores tem por essência as relações

internas e externas entre pigmentos, também são provenientes de relações externas

entre pigmentos, raios luminosos ou processos de absorção através da retina que

deixam a mercê da investigação gramatical a um mero tratamento hipotético, dando

interesse aos princípios físicos, psicológicos ou até mesmo antropológicos.

Através de uma investigação do uso normativo das palavras para as cores,

Wittgenstein pretende por intermédio da descrição gramatical algo que seria dado à

fenomenologia, visto que seu interesse não é a verdadeira percepção, mas as

condições de sentido. Tal reflexão inclina-se, portanto, acerca das coisas que perdem a

cor quando passam a ter uma determinada cor, ou seja, no momento em que ter uma

cor é estar determinado por um padrão para a utilização correta das expressões de

descrição de nossa visão. (SILVA, 1999, p.07)

De certa forma, os jogos de linguagem perpassam por vários pontos da forma

humana de linguagem. Uma das principais teses de contexto dos jogos se relaciona

exatamente com o que Wittgenstein atribui à gramática das cores. Isto equivale a

afirmar que um conjunto de normas prescritas na maneira de interpretar as cores, ou

seja, como temos contato e obtemos as sensações, também é considerado uma das

formas de jogar os jogos de linguagem. Quanto a isto, encontramos em Silva (1999,

p.14) estudos relevantes pertencentes a tal teoria no que tange a utilização da

gramática das cores:

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A rigor, a gramática não seria da cor, senão de sua correspondente expressão lingüística, mas essa distinção é especiosa e nunca se deixar enunciar a contento, porquanto a gramática tampouco supõe alguma coisa que a expressão lingüística mal deixaria entrever ou adivinhar.

Deste modo podemos indicar a presença de um contexto no qual os jogos de

linguagem serão trabalhados. Ora, não é exatamente a cor que estimula o pensar de

Ludwig, mas como é feita a sua expressão, ou ainda, como é utilizado o nome. Por si

só, não é a cor vermelha que será alvo das investigações do filósofo austríaco, mas a

utilização de seu signo lingüístico e seu entorno enquanto finalidade.

Assim como os signos são passíveis de serem misturados para obter certo

resultado dentro de uma determinada conjectura, tal possibilidade é exemplificada no

texto de Silva (1999, p.44), o qual mostra como são formadas as cores conhecidas como

intermediárias:

Em geral, as cores intermediárias se fixam quando, por mistura, aprendemos a produzir um matiz mais claro ou mais escuro, mais próximo ou mais distante de outro. Talvez aprendamos aí na experiência da mistura, na evidência de uma regularidade, a nomear estações do jogo – um verde primário, por exemplo, que pode ser azulado ou amarelado, mas não ambos, e sobretudo pode ser verde sem ser amarelado ou azulado.

Em suma, temos que dentro da gramática das cores, as misturas são possíveis,

porém, muito embora uma cor seja obtida por mistura feita com outras duas ou mais

cores, a nova coloração será diferente das outras ainda que possua algum padrão de

tonalidade.

Conseguimos compreender a definição das novas cores através da experiência

de misturá-las e percebermos o resultado final, ou seja, a nova cor. É justamente o

sentido que dá vazão a sensação do novo, da descoberta.

Deste modo acompanhamos também a linguagem enquanto forma linear, posto

que a mistura de signos e de padrões dentro de diferentes jogos de linguagem,

resultará na formação de novos sentidos que não serão, embora parecidos com os

originais, nenhuma das formas primárias.

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Há outro ponto a ser destacado presente na teoria de Wittgenstein: ainda que

haja padrões para as cores dentro da esfera gramatical, é impossível pensar em algo

que consiga prever resultados e desta forma antecipar qualquer ponto novo ou padrão

a ser lembrado. Ora, se possível fosse chegar a uma previsão de resultados,

encontraríamos o que afirmarmos no início deste tópico, as cores perderiam nomes e

passariam a ser cores.

2.3 Traduções, um jogo de linguagem

Uma corrida de comitê e uma longa história

Fist it marked out a race-course, in a sort of a circle, (“the exact shape didn’t matter”,

it said,) and then all the party were placed along the course, here and there. There

was no “One, two, three and away”, but they began to running when they liked, and

left off when they liked, so that it was not easy to know when the race was over.

However, when they had been running half an hour or so and wee quite dry again,

the Dodo suddenly called out “The race is over!”, and they all crowded round it

painting, and asking “But who has won?”

This is a question the Dodo could not answer without a great deal of thought, and it

stood for a long time with one finger pressed upon its forehead (the position in which

you usually see Shakespeare, in the pictures of him), while the rest waited in silence.

At least the Dodo said “Everybody has won, and all must have prizes.”

Lewis Carrol – Alice in Wonderland (1992, p. 17)

Podemos notar na interpretação particular dos jogos de linguagem que, em se

tratando de tradução, muitas vezes, fazemos versões do texto original, resultando em

equivalências, as quais podem gerar certa ambigüidade de sentido. Introduzimos este

subtítulo com um texto que demonstra bem essa questão: no contexto explorado o

grupo tinha um propósito, se secar, e assim criaram um jogo para realizar esse

propósito, dessa forma, acertaram uma corrida, sem regras pré-definidas, começaram

quando quiseram e terminaram da mesma forma, e todos venceram. Muito embora,

sem que haja verdadeiramente um vencedor poderíamos dizer que a peleja em si se

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torna sem sentido, pois se todos ganham, não há um ranking de vencedores, isso quer

dizer também que ninguém venceu. A frase todos ganharam, ou ninguém ganhou,

mesmo significando coisas distintas querem dizer a mesma coisa nesse contexto, visto

que não houve um vencedor legítimo.

Em nossa tradução que se segue abaixo, é possível observar como a idéia de as

pinturas de Shakespeare fica confusa, a ambigüidade se dá no fato de ser passível de

interpretar que Shakespeare fez as pinturas da mesma forma como ele pode ter sido

objeto das mesmas. Questão que faz sentido se observarmos que o Dodô fica na

posição do poeta, isso quer dizer, na posição que o vemos nas pinturas feitas sobre ele.

Ou seja, é necessário analisar o contexto para que a tradução se torne inteligível, pois

em si mesma fica deveras confusa.

A guisa de exemplo o texto citado na introdução deste capítulo, onde os

participantes da corrida começaram suas investidas do modo que quiseram e

terminaram da mesma forma, quando estavam secos, e sem definições, regras

previamente acordadas, ao final da corrida não se sabia quem ganhou, tampouco quem

seria responsável pelos prêmios.

Nossa tradução: Primeiramente, se alinhou uma linha de partida, um tipo de

círculo, (“o tipo exato de forma não era importante,” ele disse,) e então tomos

começaram a correr o percurso, aqui e lá. Não teve nenhum Um, Dois, Três e já!”, mas

começaram a correr quando quiseram, e pararam quando deu vontade, então não foi

fácil saber quando terminou. Todavia, quando eles tinham corrido mais ou menos meia

hora, e estavam quase secos, o Dodo gritou: “A corrida acabou!”, e todo se

amontoaram ao redor do Dodo perguntando “Quem ganhou?” Essa pergunta o Dodo

não conseguiu responder de pronto, então ficou muito tempo com sua testa apoiada no

dedo, (a posição que geralmente vemos nas pinturas de Shakespeare), enquanto o

resto esperava em silêncio. Até que o Dodô disse “Todos ganharam, e todos merecem

prêmios”.

A frase: todos ganharam, de acordo com a lógica clássica (cf. ALVES, 2003, p.

51) é uma frase tipo A universal afirmativa, a universal negativa correspondente seria

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ninguém ganhou, tipo B, o fato de todos serem ganhadores exclui a ordem de vitória,

exclui o primeiro ganhador, “universaliza-se” o sujeito, dessa maneira negando o

princípio da competição, que em si estabelece uma ordem entre os competidores, para

se saber quem ganhou, pois alguém teria que ganhar, logo, com alguém ganhando, ter-

se-ia uma frase particular afirmativa, visto que nesta competição não seria possível a

eleição de um ganhador se todos ganharam, da mesma forma que é inválida a

afirmação que ninguém ganhou.

A afirmação todos ganharam seria válida se previamente fosse acordado um

benefício em comum, para todos, da seguinte forma: todos que participarem ganharão

prêmios. Na forma negativa, todos que não participaram não ganharam prêmios, ou se

fosse a regra se somente se participarem ganharão prêmios, sendo dessa forma o

benefício do prêmio condicionado apenas a idéia de participação e não de ordem de

chegada. Nessas condições, o resultado independe da ordem de chegada, e sendo

assim todos poderiam ganhar prêmios por participação.

Assim, como na corrida de comitê as regras não estão colocadas de forma clara

e definida, a comunicação se torna parca, tornando muito difícil o entendimento e, com

isso, a noção da forma como a brincadeira se desenrola fica destruída, deixando os

objetivos obscuros, causando prejuízo na forma de como convencionar as palavras,

tornando esfumaçado e falho o entendimento do jogo de linguagem aos envolvidos.

Outro problema que encontramos nesse texto é a ambigüidade na seguinte

sentença “a posição que geralmente vemos nas pinturas de Shakespeare”, esta frase

pode significar duas coisas: vemos o escritor desenhado nessas pinturas ou as pinturas

são feitas por ele? Pois bem, pelo contexto podemos entender que se trata de

Shakespeare enquanto modelo dessas pinturas e não como autor das mesmas, assim

sendo, como a afirmação carece de precisão gramatical, e o contexto acaba por

determinar o sentido da afirmação, e o resultado dessa construção é que chamamos

em lógica anfibolia. A construção da frase precisaria ser mais precisa para evitar que

esta gerasse um sentido duplo, todavia assim seria uma versão da original, por

exemplo: a posição que geralmente vemos Shakespeare desenhado nas pinturas,

certamente não haveria dúvidas em relação ao sentido, todavia seria uma tradução com

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uma organização diferenciada para evitar interpretações errôneas e não a tradução

pura e simples.

Todavia, para a solução dos problemas acima levantados Wittgenstein concebe

a idéia de uma linguagem ideal, que exprima o real de forma perfeita, esta seria artificial

e sem as imperfeições ou ambigüidades de nossa linguagem comum, como levantamos

na tradução acima, esta linguagem ideal seria a base para todas as linguagens “Essa

linguagem ideal seria uma linguagem artificial construída segundo o modelo de um

calculo lógico e constitui, no primeiro período de Wittgenstein, como vimos o centro de

suas considerações”. (OLIVEIRA, 2006, p. 122-123)

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Capítulo III

Alice diz não

“No, no” Said the Queen. “Sentence first – veredict afterwards.”

“Stuff and nonsense!” Said Alice loudly. The idea of having the sentence first!”

“Hold your tongue!” said the Queen, turning purple.

“Iwo’n’t!” said Alice.

“Off with her head! The Queen shouted at the top of her voice. Nobody moved.

“Who cares for you?” said Alice (she had grown up to her full size by this time).

“You’re nothing but a pack of cards!”

Lewis Carrol – Alice in Wondeland (1992, p. 78)

3.1 Fonética

No país das Maravilhas, Alice conhece um personagem muito peculiar, a Rainha

de Copas. Ao analisarmos o diálogo entre Alice e a Rainha é possível notar certa

dificuldade de comunicação entre as duas, pois a primeira, por vir de uma cultura na

qual existem costumes em seu contrato social, tais quais julgamentos, processos

espera que o mesmo protocolo seja seguido em outros lugares principalmente pela

máxima autoridade possível ser a própria Rainha.

A personalidade da Rainha de Copas desperta certa atenção, visto que seu

nome parece-nos conter um sentido velado. Pois bem, em inglês dizemos Heart Queen,

seu nome vem do substantivo heart (hahrt)4, pode ser entendido pelo adjetivo hard

4 http://dictionary.reference.com/browse/heart

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(hahrd)5, pois a pronúncia das duas palavras é similar, e somada a essa semelhança

fonética a Rainha é uma verdadeira tirana histérica, que ameaça seus súditos com

pena de serem decapitados a todo momento. Essa ambigüidade nos parece ser

intencional, inspirada na personalidade da Rainha.

A Rainha desenvolveu o hábito de sentenciar seus súditos à morte mesmo sem

levá-los a julgamento, sem ouvir seus argumentos, sem dar chance alguma de defesa.

Comportamento esse que resulta estranheza e desrespeito em Alice visto que para ela

é importante respeitar as regras, e ter firmeza em seu discurso.

De acordo com Oliveira (2006, p. 141) “as expressões lingüísticas tem sentido

porque há hábitos determinados de manejar com elas, que intersubjetivamente são

válidos”, no caso da tirana em questão, podemos dizer que ela usava a expressão

cortem-lhe a cabeça como uma forma de encerrar um assunto e não necessariamente

como uma sentença de morte.

Entretanto, esse hábito seria na realidade um jogo, pois é sabido que seus

súditos não a obedeciam, os prisioneiros eram soltos, pelo Rei, momentos depois de

serem presos (CARROL, 1992, p. 59). Fato tal que afirma como o hábito de decapitar

pessoas era apenas uma forma de encerrar o assunto sem dar a devida importância.

Portanto, esse hábito da Rainha de Copas de não cumprimento da promessa

feita no calor de sua ira, de decapitar seus súditos, pode ser entendido como falsa, ou

melhor, como argumento falacioso, no Dicionário básico de filosofia de JAPIASSÚ

(2006, p. 102) temos a seguinte definição: “Falácia (do lat. fallax: enganoso) -

Argumento envolvendo uma forma não-válida de raciocínio. Argumento errôneo, que

possui a aparência de válido, podendo isso levar a sua aceitação.” Assim sendo,

podemos entender que a não execução da pena imposta pela Rainha leva a sua

sentença a ser invalidada e ser um exemplo de falsa promessa, onde os outros fingem

que acreditam e ela continua a proferir penas errôneas e tirânicas, pois no final das

contas não passarão de frases soltas sem validade.

5 http://dictionary.reference.com/browse/hard

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Existem vários tipos de falácias, e não é nossa intenção discorrer sobre elas,

mas apenas esmiuçar esse trecho. Pois bem, podemos concluir que a intenção da

Rainha é ser temida, e assim encerrar o assunto sem maiores discussões ou

explanações a respeito de suas razões, por causa disso, a nobre apela para seu poder

e força para impor seus veredictos, Argumentum ad Baculum, pois para ela o poder que

possui é o que define seus direitos. E a resposta de Alice vem da mesma forma,

resultando em seu tamanho voltar ao normal, sendo este bem maior que o da Rainha, a

menina a interpela questionando a legitimidade de seu poder. Vejamos os argumentos

apresentados na tradução abaixo:

Tradução nossa. “Não, não!” disse a Rainha. “ Sentença primeiro – veredito

depois.”

“Coisa sem sentido!” disse Alice em erguendo a voz. “A idéia de ter a sentença

primeiro!”

“Segure sua língua!” disse a Rainha, ficando vermelha.

“Não!” disse Alice.

“Tirem sua cabeça!” a Rainha berrou ao máximo que de sua voz. Ninguém se

moveu.

“Quem se importa com você?” Disse Alice (ela já havia crescido ao seu tamanho

normal) “Você não é nada além de um baralho de cartas!”

O abuso de autoridade da Rainha desperta em Alice reação de revolta, a qual é

levantada por La Boétie, em seu discurso quando questiona a razão do poder do tirano

ao subjugar o povo e derramar sobre tantos um jugo tão pesado e desagradável e os

mesmos, que são tantos permanecem obedientes.

Que fenômeno seria esse? O filósofo do século XVI questiona a origem da

autoridade do tirano e o porquê de tantos serem massacrados e continuarem fiéis, se

os mesmos não possuem riquezas a serem confiscadas, e como os abusos do tirano

ultrapassam os limites da moral, do domo particular como não se revoltar?

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Como diremos que isso se chama? Que infortúnio é esse? Que vício, ou antes, que vício infeliz ver um número infinito de pessoas não obedecer mas servir, não serem governadas mas tiranizadas, não tendo nem bens, nem parentes, mulheres nem crianças, nem sua própria vida que lhes pertença; aturando os roubos, os deboches, as crueldades, não de um exército, de um campo bárbaro contra o qual seria preciso despender seu sangue e sua vida futura, mas de um só; não de um Hércules nem de um Sansão, mas de um só homenzinho, no mais das vezes o mais covarde e feminino da nação, não acostumado à pólvora das batalhas mas com muito custo à areia dos torneios, incapaz de comandar os homens pela força mas acanhado para servir vilmente à menor mulherzinha. (LA BOIETIE, 2009, p. 2)

No fim, nossa heroína se sente forte o suficiente para confrontar a Rainha.

Ou seja, quando Alice diz não, e questiona veemente a autoridade indevida, seu

tamanho aumenta e o problema acaba. O jogo de autoridade da Rainha se finda,

e Alice se torna sujeito do poder, por causa de seu tamanho.

3.2 Os nomes

Quando designamos uma coisa, determinamos seu nome e o uso que daremos a

esta coisa, esta tem uma utilidade e assim convencionamos seu uso no grupo social

que fazemos parte de modo que cada qual desde que lhe seja ensinado saiba como

fazer uso do mesmo.

O ponto de partida, o ponto de referência, o cerne da reflexão lingüística de Wittgenstein deixa de ser a linguagem ideal para se tornar a situação na qual o homem usa sua linguagem, então único meio de saber o que é linguagem é olhar para seus diferentes usos. (OLIVEIRA, 2006, P. 132)

Como no caso das crianças, SOUZA comenta Wittgenstein, afirmando que as

crianças de um povo são ensinadas a falar, lhes mostram os objetos e se lhe repetem

os nomes dos mesmos, ou seja, existe um treinamento para que os pequenos de um

povo cresçam com certa unidade lingüística. Aos pequenos é dada a instrução de

regras gramaticais, e usos da língua, jogos de linguagem, que permitem a interação

com a linguagem formal e coloquial.

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São as regras gramaticais que servem de estruturas para um jogo de linguagem.

A partir da observância dessas regras por parte dos usuários, é possível observar na linguagem qual proposição tem sentido ou qual proposição não tem sentido. Essas regras gramaticais, nas Investigações, substituem a ligação antes existente entre a palavra e o objeto defendido pela linguagem ostensiva. (SOUZA, 2007, p. 58)

Dessa forma, podemos entender que as palavras têm uma organização para que

seu significado seja universal6, assim são designadas a significarem uma coisa e não

outra, e os pertencentes ao grupo social do qual determinada palavra pertence

necessariamente compartilham da designação, nome das coisas, seus usos.

A palavra „designar‟ é empregada de modo mais direto lá onde o signo está sobre o objeto que ele designa. Suponha que as ferramentas que a utiliza na construção possuam certos signos. Quando A mostra ao auxiliar um tal signo, este traz a ferramenta que está marcada com esse signo. Assim, de modo mais ou menos semelhante, um nome designa uma coisa, e é dado um nome a uma coisa. Ser-nos-à freqüentemente útil se dissermos quando filosofamos: denominar algo é semelhante a colocar uma etiqueta numa coisa. (SOUZA, 2007, p. 54)

O rótulo, nome, dado a determinado objeto o situa no discurso e o faz objeto de

sentenças, todavia esse lhe é dado por um conjunto de características que o fazem

serem reconhecidos em meio a outros objetos semelhantes, sendo o conceito gerador

do nome independente do objeto, sendo este indestrutível, ao passo que os objetos são

perecíveis.

3.3 Significado

O significado de uma palavra é, de acordo com Wittgenstein, algo para além do

físico. O ter-em-mente desenvolvido em Investigações Filosóficas demonstra que o

sentido é um fenômeno espiritual, sendo um algo mais que físico, visto que a expressão

6 Queremos dizer, de conhecimento comum para um determinado grupo de indivíduos.

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lingüística escolhida é apenas um instrumento de expressão de algo não lingüístico,

subjetivo. (OLIVEIRA, 2006, p. 123)

Quando uma palavra não possui um correspondente, um significado que a

acompanhe, isso caracteriza um uso incorreto. Assim, a veracidade de um signo não

pode ser validada, comprovada por meio de algum experimento, mas, antes, esta se dá

pela veracidade da proposição.

Não há um objeto que possa ser tomado como essência para dar garantia da veracidade de um signo, o que há de fato é o reconhecimento deste signo por parte dos falantes nas circunstâncias possíveis. (OLIVEIRA, 2006, p. 55)

Os objetos carregam em si características comuns que os tornam singulares,

todavia interligados, certa „essência‟, que os faça ser reconhecidos por estas

similaridades, entretanto, o nome em si não pode desaparecer se o objeto se findar,

pois não está em sua manifestação física o ser do objeto, antes é conceitual, visto que

mesmo que todas as canetas azuis despareçam o conceito de caneta azul ficará

presente como uma memória, e as frases elaboradas com base nesse conceito de

caneta azul podem ser verdadeiras, portadoras de sentido. (Oliveira, 2006, p. 129)

No texto de Carrol temos a demonstração da relevância do acordo geral

validando o significado das vozes do discurso, e seu significado em relação aos

falantes, como se pode aplicar o sentido em determinados contextos, mesmo que se

perca o sentido quando levados à luz de outros valores lingüísticos, em relação a

racionalidade comum a outro grupo.

Exatamente isso”, disse Alice.

Então você deveria dizer o que quis dizer. Continuou a Lebre de Março.

“Eu digo,” Alice respondeu asperamente; “ ao menos eu quero dizer o que digo – o que é a mesmo coisa, você sabe.”

“Não é a mesma coisa nem um pouco!” disse o Chapeleiro. “Por que, você poderia bem dizer „ Eu vejo o que como‟ é o mesmo que „Como o que vejo‟!”

“Você poderia também dizer” completou a Lebre de Março, “Eu gosto de tudo que consigo‟ é o mesmo que „Consigo tudo que gosto‟!”

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“Você também poderia dizer,” acrescentou o Leirão, que parecia falar enquanto dormia, „ eu durmo enquanto respiro‟ é a mesma coisa que „respiro quando durmo‟ (CARROL, 1992, p. 44, tradução nossa)7

Podemos ver nesse texto que há certa confusão na relação com que os

envolvidos lidam com as inversões nas frases e a mudança no sentido das mesmas.

Pois enquanto para Alice que achou que tinha dito o que queria dizer e queria explicar

que disse o que pretendia e os ouvintes a interpelaram com suas teorias do quanto o

sentido de uma frase pode mudar ao inverter a ordem das sentenças, alterando a

veracidade das mesmas.

O argumento de Alice afirma que ela diz o que pretende dizer, enquanto a Lebre

discorda, e demonstra à mocinha que seu argumento deriva de afirmações sem

equivalências, uma equivocação, porque dizer o que se pretende, é falar a respeito de

um plano, é diferente de querer dizer o que se disse, que é justificar como intencional

determinada afirmação, um jogo de palavras que confunde o entendimento. Esta teoria

é colocada a prova quando a Lebre de Março exemplifica outras situações onde inverter

os termos de uma proposição altera o sentido da frase.

3.4 Funcionamento da linguagem

Antes da relevância da verdade ou não do signo, é importante ver como este se

torna inteligível no discurso. Isso quer dizer que entre a linguagem e o significado existe

uma conexão, que une o dito, escrito e o entendimento que se tem do mesmo. Um elo

que ata as coisas que as significa no discurso. Como aponta Souza (2007, p. 51):

Wittgenstein pergunta: que relação existe entre um nome e um objeto dentro da imagem da linguagem denominativa? Soa-lhe estranho o fato

7 “Then you should say what you mean,” the March Hare went on.

“I do,” Alice hastily replied; “at least - at least I mean what I say – that‟s the same thing, you know.” “Not the same thing a bit!” said the Hatter. “Why, you might just as well say that I eat what I see!” “You might just as well say, “added the Dormouse, which seemed to be talking in its sleep, “that I breath whem I sleep‟ is the same thing as „ I sleep when I breathe‟!” (CARROL, 1992, p. 44)

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de parecer existir, ou de crer existir uma certa magia, um mistério servindo de elo entre ambos. Enquanto que na sua concepção a linguagem é absolutamente transparente, bastando observar e ver como ela funciona.

O funcionamento da linguagem é apontado por Wittgenstein como parte

substancial do entendimento da mesma. Visto que Souza demonstra acima, nas

palavras do filósofo, como o uso comum da linguagem, seu desenrolar é substancial, de

forma que não torna viável imaginar um elo mágico conector entre palavra e objeto,

dando um sentido místico, subliminar. O filósofo aponta que o funcionamento da

linguagem por si mesma é que a faz passível de entendimento.

O emprego certo das palavras é o que faz com que a comunicação seja fecunda

no processo lingüístico, o uso correto dos termos e a concordância com os costumes da

comunidade lingüística é o que tornam a comunicação possível e válida.

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Conclusão

Como dissemos anteriormente a comunicação é a base para qualquer aspecto

da convivência humana, sendo necessária para cada atividade que desejamos

executar.

Em nosso trabalho procuramos discutir os meandros da comunicação no que

concerne aos jogos de linguagem, a lógica, e vimos como se dá a contextualização de

idéias, como no caso do relógio que marcava o mês e não as horas, enquanto para um

lado da mensagem essa pode estar clara o outro que é acostumado a um diferente tipo

de sinal, e recebe este de forma incompleta, ou deturpada resultando em uma

comunicação falha.

Assim podemos concluir que os jogos de linguagem dependem da correta

interpretação dos termos nas proposições apresentadas para que sejam produtivos e

as informações por estes transmitidas sejam verdadeiras.

Podemos concluir que a linguagem é um objeto volátil, que muda

constantemente. Nosso trabalho buscou levantar os aspectos que relacionam os jogos

de linguagem ao uso da mesma. Procuramos relacionar a obra prima de Carrol e a

teoria dos jogos de linguagem de Wittgeinstein de forma a demonstrar, com diálogos

extraídos do romance, exemplos da teoria apontada pelo filósofo, os quais elucidam

como nos entendemos, e como a funcionalidade da linguagem pode ser compreendida.

Através do estudo do contexto pudemos analisar os meandros que estampam o

tecido lingüístico, as influências da gramática, do convencionalismo, ambigüidades em

traduções, enfim os aspectos que compõem o que entendemos por linguagem.

Expusemos também falácias que resultam em entendimentos confusos ou parciais.

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Pensamos ser de suma importância para essa conclusão afirmar que sendo a

linguagem em si algo em constante mudança, existem reguladores de seu sentido, que

a fazem coesa e assim, tornam possível a sua intelecção e universalização, sendo um

destes a gramática, o conjunto de regras que condicionam a linguagem para que haja

um molde e assim ela possua certo sentido, determinada intenção. Da mesma forma

que em nosso contrato social temos regras que condicionam nosso comportamento,

assim, vimos que a linguagem não é apenas uma facilitadora de conhecimento, uma

ferramenta.

Portanto, concluímos que a linguagem em suas nuances é passível de muitas

interpretações, por ser viva e constituída por seres humanos em seu contexto. Tem-se

a linguagem como dotada de uma “textura aberta”.

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Referências

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ALVES, Maurício Martins. Lógica formal e jurídica: ciência e arte na argumentação. Maurício Martins Alves. São José dos Campos, 2003.

CARROL, Lewis. Alice no país das maravilhas. 3. ed. São Paulo: Summus, 1980.

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JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. 4ª edição. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006.

LA BOÉTIE, Étienne. Discurso da Servidão Voluntária. http://chafic.com.br/chafic/moodle/file.php/1/Biblioteca_Virtual/Filosofia_e_Sociologia/discurso_da_servidao_voluntaria.pdf. Acesso em: 10/11/2009

LOCKE, John. Ensaio acerca do entendimento humano. Editora Nova Cultural, São Paulo: 1999.

OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea. São Paulo: Loyola, 2006.

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VERNANT, Jean-Pierre. Mito e pensamento entre os gregos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.

WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. São Paulo: Editora Nova cultural, 1999. Coleção Os pensadores.