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CEDIPRE ONLINE | 35 ALGUMAS REFRACÇÕES PROCESSUAIS MENOS NOTÓRIAS NA EXECUÇÃO DE SENTENÇAS DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA Fábio Pereira da Silva CENTRO DE ESTUDOS DE DIREITO PÚBLICO E REGULAÇÃO FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA NOVEMBRO | 2018

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C E D I P R E O N L I N E | 3 5

ALGUMAS REFRACÇÕES PROCESSUAIS MENOS NOTÓRIAS NA EXECUÇÃO DE SENTENÇAS DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS

PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA

F á b i o P e r e i r a d a S i l v a

CENTRO DE ESTUDOS DE DIREITO PÚBLICO E REGULAÇÃOFACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

NOVEMBRO | 2018

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CENTRO DE ESTUDOS DE DIREITO PÚBLICO E REGULAÇÃOFACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

NOVEMBRO | 2018

ALGUMAS REFRACÇÕES PROCESSUAIS MENOS NOTÓRIAS NA EXECUÇÃO DE SENTENÇAS DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS

PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA

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TÍTULO Algumas refracções processuais menos notórias na execução de sentenças dos tribunais administrativos para pagamento de quantia certa

AUTOR(ES) Fábio Pereira da Silva

IMAGEM

DA CAPA Coimbra Editora

COMPOSIÇÃO

GRÁFICA Ana Paula Silva

EDIÇÃO CEDIPREFaculdade de Direito da Universidade de Coimbra3004-528 COIMBRA | PORTUGALTel.: +351 916 205 574

E-mail: [email protected]

PARA CITAR

ESTE ESTUDO Algumas refracções processuais menos notórias na execução de sentenças dos tribunais administrativos para pagamento de quantia certa, Publicações CEDIPRE Online — 35,

http://www.cedipre.fd.uc.pt, Coimbra, novembro de 2018

coimbra

novembro

2018

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Í N D I C E

1. Introdução .........................................................................................................7

2. Brevíssimasnotassobreaexecuçãoparapagamentodequantiacerta ............8

3. Providências de Execução: um breve aceno .....................................................11

3.1. Oinstitutodacompensação:aproblematizaçãoinicial ..........................12

3.2. Adotaçãoorçamental:aproblematizaçãofinal .....................................15

3.3. Dainconstitucionalidadeporomissãoàresponsabilidadecivil pordanosdecorrentesdoexercíciodafunçãopolítico-legislativa ..........18

4. Uma hipótese merecedora de toda a atenção: uma outra roupagem interpretativaparaasolução possíveldoproblema .........................................21

4.1. Umasegundapropostapossíveldesuperaçãodoproblema ..................24

5.Concluindo ............................................................................................................27

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A L G U M A S R E F R A C Ç Õ E S P R O C E S S U A I S M E N O S N O T Ó R I A S N A E X E C U Ç Ã O

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FábioPereiradaSilva2

Sumário: 1. Introdução; 2. Brevíssimas notas sobre a execução para paga-mentodequantiacerta;3. Providências de Execução: um breve aceno; 3.1. Oinstitutodacompensação:aproblematizaçãoinicial;3.2. A dotação orça-mental:aproblematizaçãofinal;3.3.Dainconstitucionalidadeporomissão àresponsabilidadecivilpordanosdecorrentesdoexercício da funçãopolí-tico-legislativa;4.Umahipótese merecedora de toda a atenção: uma outra roupageminterpretativaparaasolução possíveldoproblema;4.1.Umase-gunda proposta de superaçãodoproblema;5.Concluindo;

1. Introdução

Centradonaspulsõesetensõesqueainconcludênciagarantísticadasposiçõessubjectivasdosparticularesnohemisfério da execução de sentenças que condenem aAdministraçãoaopagamentodequantiacertaconvoca,apresentereflexãoradicanum“idealregulativo”materialmentedensificadopelasnervurasconstitutivasdeumaautênticaeverdaedeiratutelajurisdicionalefectiva.

Énestalinhadeideiasquecircunscreveremosonossodiscurso,esboçando,numprimeiromomento,ascoordenadasgeraisdaquiloquenosdizaleinasuaformamaislímpida,quesecompraznatendencialinstauraçãodeumaordempetrificadageradora

1 OpresenteestudoserviudebaseàobtençãodaPós-GraduaçãoemJustiçaAdministrativaeFiscalnoCentrodeEstudosdeDireitoPúblicoeRegulaçãodaFaculdadedeDireitodaUniversidadedeCoimbra.

2 Advogado.

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da falênciadoprincípioda tutela jurisdicional efectivanoplanoexecutivo,peloque,imbuídosdastensõesdialéticasqueentretecemomundodavida,procuraremosfixarpostuladoscogentes,discernirargumentosmobilizáveis que se ajustem àcomplexaes-truturarelacionalqueentreteceumapraxisobviamenteconstituída por pessoas.

Realizandoonossodiscursonocompromissodescrito,estamoscertosquecon-sigamosaproximar-nosdosnúcleosproblemáticosqueseprojectamnoreferidoinstitu-toe,pormediaçãodestesúltimos,desvelarasnovasdimensõesaxiológicasquenelesepodem reconstituir.Ecompreender-se-àbem a importância da nota acabada de acen-tuar se lembrarmosqueoprocessoexecutivo, constituindo, comoconstitui, aúltimaratio da reparaçãoefectivadeumdireitoviolado, reclama, certamente,oesforço da disquisiçãoaquenospropomos,peloqueserálegítimoasconsequentesexigências que axiologicamentefundamentaremosparaocomentário que teceremos àlei.

Materialmentedensificadoonossodiscurso,omesmoserádizerqueprocu-rar-se-álocalizararetórica numcontextoquevisapretenderacautelarastravesmes-trasdo temaproposto, impedindoquevagueieao sabordas inclinaçõespolíticasedas conjunturas técnicas momentâneas,maispropriamente,quesedoteostribunaisadministrativosdepoderesexecutivoseficazes,ultrapassandoosobstáculos inultra-passáveis que a questão da dotaçãoorçamentaltemcolocado,acrescidadeumoutrocorolário,queseconsubstancianumapropostadeterapêuticahermenêuticaparaoartigo737º,nº1doCPC,ex vi artigo172º,nº6,al.a)enº7,ambosdoCPTA,tentandoformularumaexposiçãoquenãosepretende,demaneiraalguma,farmacológica.

2. Brevíssimas notas sobre a execução para pagamento de quantia certa

A execução para pagamento de quantia certa é, no aspecto sistemático doCPTA, a segunda forma de processo executivo prevista, regulada no Capítulo III doTítuloVII,maispropriamente,nosartigos170ºa172ºdaquelediploma.Àsemelhançadaquiloqueperfilha,entreoutros,RODRIGOESTEVESDEOLIVEIRA3,tambémenten-demos que a matéria da execução das sentenças proferidas contra a Administração apresentaespecialidadesquenãoseverificandonoProcessoCivil,acabamporconsti-tuirumajustificaçãoparaasuaregulaçãoautónomanoCPTAque,consequentemente,dificultaaadmissibilidade,nestamatéria,deumaremissãointegralparaasregraseprincípiosdaqueleramoprocessual.

DaleituradospreceitoscontidosnoCPTAatinentesàexecução para pagamento dequantiacerta,aferimosqueoseuprincipaltimbreousentidointencionalperspec-tiva-senumesforçodeconferiraosparticularesuminstrumentoalternativoàpenho-radebens sobreumaqualquerentidadepúblicaexecutada, istoporque, tendoemmenteoteornormativo-descritivodosartigos736º,alíneab)e737º,nº1,ambosdoCódigodeProcessoCivil—enquantooartigo736ºdizrespeitoàimpenhorabilidade

3Cfr.RODRIGOESTEVESDEOLIVEIRA,“ProcessoExecutivo:AlgumasQuestões”,inBoletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra,StvdiaIvridica,86,Colloquia—15,CoimbraEditora,pág. 241 e segs.

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absolutaetotal(osbensnãopodemserpenhoradossejaqualforadívida),já oartigo737ºapenasexpressaumaimpenhorabilidaderelativa(osbenspodemserpenhora-dos apenas em determinadas circunstâncias)–transcendedestesextractos,deformaperemptória,queaodeclararemcomoimpenhoráveis ou quase impenhoráveis,porrazões de interesse geral, os bens do Estado e demais pessoas colectivas públicas,praticamenteaniquilaapossibilidadedeassegurarocréditoexequendopelaviatradi-cionaldeexecuçãoqueé a penhora de bens4.Logo,perantetalhipérbolenormativa,visouo legislador doCPTA criar uma solução (umaalternativa à via tradicional dodireitocivil)quefossecapazdeinfluirsignificativamentenaconcretização-efectivaçãodo pedido executivo, projectando o seu pensamento em soluções superadoras da-quelahipertrofiagarantísticadeimpenhorabilidadedebenspúblicos5.Ora,éprecisa-menteparafazerfaceaestequadronormativo—embaciadoaindaporumafarisaicainaliebilidadedosbenspúblicos—queoCPTAprevênesteensejoregrasqueregulamaspectosprópriosdasexecuçõesmovidasporparticularescontraaAdministração.Poroutrolado,salientaaindaMÁRIOAROSODEALMEIDAeCARLOSCADILHA6 que é de-sideratodestespreceitos“proporcionaraointeressado,demodoexpedito,omáximodesatisfaçãodoseudireitoexequendoeconferiromínimodeinconvenientesparaofuncionamentodaentidadeexecutada.”Referetambémaqueleprimeiroautorque,“comoaexecução,porestavia,incidedirectamentesobreumaverbaantecipadamen-teretiradadadisponibilidadedoexecutivoe,portanto,desafectadadoexercíciodafunçãoadministrativa,nãopodeserconfrontadacomaslimitaçõesqueseopõemàpenhorabilidadedosbenspúblicos”7.

Não obstante, no horizonte contextual delineado, o arco hermenêutico queprivilegiamossintetiza-senadescontinuidadeinterpretativadajáprojectadalimitaçãoàpenhorabilidadedebenspúblicos.Comoiremostentardemonstrardetalhadamenteeempormenor, julgamosqueesteúltimoargumentosufragadoporMÁRIOAROSODEALMEIDAnãonosparecerelevanteparasecundarizaremenorizaropapeldape-nhoradebens—principalmentenoâmbitodonº7doartigo172ºdoCPTAeainda,atítulosubsidiário,faceaodispostonoartigo172º,nº6,al.a)doCPTA—,istoporque,segundoumainterpretaçãoquenosparecemaisacertada,aprovadaafectaçãodosbensafinsdeutilidadepúblicanãosebastanemcomaprovadaqualidadedapessoacolectivapúblicaaquepertencem,nemcompresunçõesjudiciaisounaturaissobrea

4Seassimfor,nãosepercebequalateleologiaimanenteàsolução hoje consagrada no nº7 do artigo172ºdoCPTA,vistoqueimprimeumaantinomiaquerentreoartigo2º,nº1doCPTA,quer,fun-damentalmente,entreoartigo20º,nº5e268º,nº4,ambasdaConstituição da RepúblicaPortuguesa.

5NaspalavrasdePABLOGONZÁLEZMARIÑAS, “Ejecución de Sentencias Contencioso Admi-nistrativas en España, inReforma do Contencioso Administrativo, O Debate Universitário (Trabalhos Preparatórios),Vol.I,CoimbraEditora,2003,pág.507,estamosperanteum“asombrosofósilmedievalvivientefueradesumedio”.

6 Cfr. MÁRIOAROSODEALMEIDAECARLOSALBERTOFERNANDESCADILHA,inComentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos,Almedina,2005,pag.973.

7 Cfr. MÁRIOAROSODEALMEIDA,Manual de Processo Administrativo,2ºEdição,Almedina,2016,pag.488esegs.

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afectaçãodeverbasafinsgeraisdeutilidadepública8.Numaconclusãoaindaqueini-cialeperfunctória,diríamosqueocomplexofeixedeexigências àpenhorabilidadedebenspúblicosnãotemrazãodeser,umavezquecontinuaaadiareporcertoaapagarcoroláriosaxiológico-normativosquesetraduzemeprojectamnocompromissoquefoiassumidodeconferiraoparticularumamaiortutelaexecutiva,positivadahojenoartigo2º,nº1doCPTA,decorrentedapossibilidadedefazerexecutar,emtempoútiledeformaefectiva,umaqualquerdecisãojudicial9.

Certamentequemuitosquestionarãoaoportunidadedareflexãoprecedente,partindodopressupostoqueassoluçõesnormativaspositivadasnaleisãoconsiderassuficientementeviabilizadorasdetalexigênciaconstitucional(artigo20º,nº5eartigo268º,nº4,ambosdaCRP)elegal(artigo2º,nº1doCPTA),umavezqueapresentains-titutoscomoacompensaçãoe,acimadetudo,adotaçãoorçamentalqueseencontraàordemdoConselhoSuperiordosTribunaisAdministrativoseFiscais,afectaaopaga-mentodequantiasdevidasatítulodecumprimentodedecisõesjurisdicionais.Somosdaopiniãoqueeste“cosmonormativo”nãotem—aonãotemtido—acapacidadedeiluminarsuficientementeaplenatutelaexecutiva,principalmenteporqueoestadoanoréxicoporquetempassadoadotaçãoorçamentalplasmadanoartigo172º,nº3doCPTA—dizendomesmotratar-sedeumadoençacrónica—imprime,inexoravelmen-te,algumafragilidadeàgarantiadodireitodoexequente10.

8Julgamospoderextrairtalproposiçãodaleituragenerosadoprincípio da não consignação das receitas,queé aregranaelaboração dos orçamentos.Atalpropósito,veja-seoartigo16º,nº1,daLeinº15/2015,de11deSetembro(LeideEnquadramentoOrçamental),bemcomooartigo43º,nº1,daLei73/2013,de3deSetembro,alteradapelaLei51/2018,de16deAgosto(estabeleceoRegimeFinanceirodasAutarquiasLocaisedasentidades intermunicipais).Projectando,emtermosmaterialmenteanálo-gos, argumentos que viabilizamonosso fundamentohermenêutico, veja-se a jurisprudência da Corte Costituzionale,sentença nº138,de1981,comconsultadisponívelemhttp://www.giurcost.org/decision-i/1981/0138s-81.html,,emquerefereque“lameraiscrizione nelbilanciopreventivodelloStatoedeglientipubblicinondeterminavincolididestinazioneeciò in quanto ilbilancio–contemplando tutte leentrateetutteleusciteinunavisioneglobale–nonconsenteinalcunmododi collegaresingoleentrateasingoleuscitee,pertanto,nonpuò essereconsideratocomevincolodidestinazionein senso tecnico”.

9 Ainda neste âmbito,nãosepodeomitirnemprescindirdoapportargumentativoquenosdá ALESSANDROAULETTA,“L’esecuzioneforzataneiconfrontodellaPubblicaAmministrazione:rassegnadellepiùrilevantiquestioniproblematiche”,inRivista Trimestrale di Diritto delle Procedure di Risana-mento dell’impresa e del fallimento, nº 2,2018,pág.6,disponívelemhttp://www.ilcaso.it/articoli/cri.php?id_cont=1000.php,apresentandocomopremissasnamatéria a consideração de que “lasussisten-zadiuncorpus normativospecialesullacontabilitàdi Stato non è idonea,dipersé,adescluderecheilpagamentoimpostodaunasentenzadicondannasiaunattodovutorispettoalqualeall’amministra-zionenonresiduaalcunmarginedivalutazionecomparativaconun(nonbeneidentificato) interessepubblicoadessocontrapposto.Lasituazionequindiè radicalmentediversadaquellapropriadelleipo-tesiincuiipubblicipoterideterminanoipropricomportamentiapprezzandonel’opportunità in vista dell’interessepubblico daperseguire,ma senza il vincolodi una sentenza chequel comportamentoimponga come dovuto”.

10Note-seque,esó a títulodeexemplo,parailustraranossainquietação,lembramosqueadotação inscrita no OrçamentodeEstadode2016afectaaopagamentodequantiasdevidasatítulode cumprimento de decisões jurisdicionais foide0,00€.Por isso, julgamosoportunocontinuaraca-racterizarocontenciosoadministrativocomo“direitoconstitucionalaindaporconcretizar”.Cfr.VASCOPEREIRADASILVA,O Contencioso Administrativo como “Direito Constitucional Concretizados” ou “ainda por Concretizar”?,Almedina,1999,pág. 48.

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Seéverdadequeapinturanormativavertidanatelada leiapresentatraços de um regime crescentemente viabilizador de uma tutela executiva eficaz, não o negamos,nãoémenosverdadequeelaacabapornosdesvelarumanormatividadepovoadadeinúmerasfragilidades,alimentada,diríamos,pelaemergênciadeinterfe-rênciaspolítico-legislativasque,semoutraviadetutelapresente,transformamaquelapeçadeartenumsimplespapelderascunhosemqualquercapacidadedeenformargarantísticamenteaposiçãodoexequente11.

3. Providências de Execução: um breve aceno

Senospredispusermosaseguiroguião,trazemosentãoagoraàretórica um discursomaisdescritivo,glosandoaquiloquealei,nasuaformaa-crítica,nosdesvela.

Prescreveoartigo170ºdoCPTAqueaexecuçãoparapagamentodequantiacertaconfereaointeressado—nocasodeasentença que condene a Administração aopagamentodeumaquantiacertanãoserespontaneamenteexecutadapelaprópria Administração (nº1)—a faculdadederequerer juntodo tribunalcompetenteouacompensação do seu crédito com eventuais dívidas que o onerem para com a mesma pessoacolectivaouomesmoministério(nº2,al.a))ouaexecuçãodoseucrédito nos termosdoartigo172º,nº3eseguintesdoCPTA(nº2,al.b)).

Assim,nestamatéria,oCPTAconfereaointeressadoduasmedidaspossíveis de execução.Porumlado,quandoointeressadotenharequeridoacompensaçãodecré-ditos,arvoradanafaculdadequeoartigo170º,nº2,al.a)doCPTAlheatribui,aquelafunciona como títulodepagamentototalouparcialdadívidaqueointeressado-exe-quentetinhaparacomaAdministração,sendooponívelaeventuaisreclamaçõesfu-turasdo respectivo cumprimento,deacordo comoartigo172º,nº2doCPTA. Por outrolado,ointeressadopodeoptarpelosegundomecanismoprevistodeexecuçãodeobrigaçõesparapagamentodequantiasemdinheiro,queconsistenafaculdadedesolicitaraexecução do seu créditoporcontadadotaçãoorçamentalinscritaàordem doConselhoSuperiordosTribunaisAdministrativoseFiscais,deacordocomoprecei-tuadonoartigo172º,nº4eseguintesdoCPTA.

11Sejulgamosestarcertos,ostribunaisadministrativosaindaseencontramhojenumregimedeparcialdependênciaexecutiva.É queseperspectivarmosonossopensamentoemtornodatendencialsupremaciadopoderexecutivosobreaproduçãonormativadomodernoEstadodeDireito,podemosconcluirqueoprincípiodalegalidadeadministrativaé expressãodeumavontadepolíticadoexecutivo,subvertendoomodelodeheterovinculaçãoadministrativa.Ouseja,ecronologicamentepensando,nonossomodelopolítico,ondeoGovernoseassumecomoprotagonistanoexercício da funçãolegislativa,não é deestranharquenosdeparemoscomainerentedefiniçãooucondicionamentodalegalidadeaque o próprioseresolvevincularenquantopoderexecutivo,peloque,aonão consagrar no Orçamento do Estado a dotaçãoaqueserefereoartigo172º,nº3doCPTA,oGovernoobnubilaotradicionalprin-cípiodalegalidadeadministrativa,autovinculando-seaumdireitoqueeditanaconcretização dos seus própriosinteresses,reiterandoadependênciaexecutivadostribunaisadministrativoseainerenteca-pitis diminutio datutelajurisdicionalefectivanoplanoexecutivo.Paramaioresdesenvolvimentossobrea matéria,asiluminadasobservaçõesdePAULOOTERO,Legalidade e Administração Pública: O sentido da vinculação administrativa à juridicidade,Almedina,2017,pág.106esegs.

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Perspectivandooraciocínioemtornodasposições antagónicas em que o con-tenciosoadministrativosetemforjado,diríamosqueestesdoisinstitutosforameri-gidospela lei comoosprincipais catalisadoresdedefesadoexequenteeportanto,densificadoresdasmedidasexecutivasqueo legisladorobjectivoucomogarantedatutelajurisdicionalefectivadosparticulares.

Comecemos entãoporcaracterizarasingularidadedecadaumdeles.

3.1. O instituto da compensação: a problematização inicial

In concreto,quantoàprimeiraprescriçãolegislativa,jánoâmbitodasdiscus-sõespreconizadasemrelaçãoaoAnteprojectodoCPTA,MÁRIOAROSODEALMEIDAlhetiravaosazimutes,sugerindo,aexemplodoquesucediacomaLeiEspanholade1998,acontemplaçãodapossibilidadedeseprocederàcompensaçãodocréditoqueoexequentepretendessefazervalercomeventuaisdívidasqueporventuraooneras-semparacomaentidadeadministrativaexecutada12.

Julgamosqueasoluçãoentãopositivadaserevestecomoumadasmais lídi-masexpressõesdoreforçodatutelajurisdicionalefectivadosparticulares,peloquepermite,semgrandesentraves,oacessoindirectoaoseucrédito,resultando,diríamosemtermoscontabilísticos,numacertamentodecontas.Ora,cientedaslimitaçõesàpenhorabilidadedosbensdoEstadoque,apesardeosterespacialmenteaoalcancedealgumaspoucasbraçadas, teimanasua inalcançavelproximidade,bemcomodoestadodequarentenaaqueadotaçãoorçamental temsidosujeita,quernopassa-do,queractualmente,quemaisoumenosdissimuladoepervertidopelopoderpo-lítico-legislativo,dá (deu)origema tutelasexecutivasprecárias,maisnão restouaolegisladordoqueinstituirumautênticodiálogoéticocomoexequenteeconstruiremtermosnormativamentelogradosuminstitutoquesejacapazdesusterasconstantesindiferençasaxiológicasdatutelaexecutivaequecolocam,asmaisdasvezesemriscoatutelajurisdicionalefectivadosparticulares13.

Sejacomofor,somosdaopiniãoqueoinstitutoemanálise,apesardeserumsinaldemudançanatutelaexecutiva,temumcampodeaplicaçãoreduzido,carregan-doconsigoumafrágil tutelaexecutiva.Équeentreaterraeasnuvens,teremosdeescolherqualdoscontrapólosmobilizaremos.Portanto,feitasestasexcogitações,édecertoemhonraàapreensívelempíricarealidadequehaveremosdecolocaroassentotónicoeconferirassimumâmbitoredutordoinstitutoemdecidente.

12 Cfr. MÁRIOAROSODEALMEIDA,“Aexecução de sentenças no anteprojecto de reforma do processonostribunaisadministrativos”, inReforma do Contencioso Administrativo, O Debate Univer-sitário (Trabalhos Preparatórios),Vol.I,MinistériodaJustiça,CoimbraEditora,2003,pág. 517 e 518.

13Nestehorizontecomunicativo,CECÍLIAANACORETACORREIA,A Tutela Executiva dos Parti-culares no Código de Processo nos Tribunais Administrativos(N.º1daColecçãoMonografiasdoIAB),Almedina,2015,pág.399,referequeapossibilidadedecompensação de créditostrata-se,nofundo,deintroduzirnaesferajurídicadosparticularesumapossibilidadedequeaAdministraçãogozanodomínio do procedimento de cobrança coerciva de dívidasdoscontribuintes,aoabrigododispostonosartigos89ºe90ºdoCPPT.Nomesmosentido,PABLOGONZÁLEZMARIÑAS,“Ejecución de Sentencias Conten-ciosoAdministrativasenEspaña”,op. cit.,pág.507.

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É que o esforço da disquisição que haveremos de discernir certamente estará emconsonânciacomosproblemasqueasinterpelaçõesdaexperiênciapráticapode-rãodespertare, consequentemente,estaremosnadisponibilidadedeapreenderasnervurasquedelairradiam.Ora,numarigorosavigilânciacríticadodireitovigente,so-moslevadosaindagarqueacompensaçãodecréditossófazsentidoquandoestejamemcausadívidassupervenientesouconstituídasdepoisdeformadootítuloexecutivo.

O húmus deste entendimento reside no facto de considerarmos possívelpensarodireitoaplicáveldaseguinteforma:julgamosquequandosejapossívelapurar,logonoâmbitodoprocessodeclarativo,daexistênciadecausasque,aonãoseremindagadasneste hemisfério,poderiamviraservircomofundamentodeoposiçãoàexecução no processoexecutivo,deveodemandadoinvocar,logonaacçãoadministrativa,aexistên-ciadeumcréditoperanteodemandante,sobpenadeverprecludidaestapossibilidadenoprocessoexecutivo,umavezqueaentidadeobrigadaapagar,nostermosdoartigo171º,nº1doCPTA,sópodededuziroposiçãoàsentença fundada em facto supervenien-te,modificativoouextintodaobrigação.Nãocaindonumplatonismoingénuo,diríamos queacompensação,pensadanestestermos,temumaaplicaçãopráticaresidual,apesardo inabarcávelalcancequeelaconfereaosadministrados.

Ora,cronologicamentepensando,oquadrode fundamentaçãopré-postoserá sensivelmenteapreendidopelaAdministração,quenaturalmenteoaportará para o seu campodebatalha,ondetodaasuadefesadeverá serdeduzidanacontestação,impos-taçãoestainscritanoartigo83º,nº3doCPTA.Oreferenteintencionalagoramobilizadocumpreumafunção,diríamos,preventiva,umavezqueacompensaçãosófarásentido—noprocessoexecutivo,diga-se—quandoàdatadacontestaçãodaacçãodeclarativaàAdministração ainda não fosse possívelterconhecimentodedívidasexistentes(pornãoestaremaindaconstituídas),poisanãoserassim,ocontracrédito de que é titulardeixadepoderserinvocado,precludindoomomentoàdatadacontestação,peloque,esemquererpreverteroinstituto,estedeixará deter,naturalmente,umcampodeapli-cação tãoextensocomoaquelequenosmostraoa-críticopreceitojurídico.

Nãoficcionemosarealidade. Refugiada nos seus interesses e apavorada com os seustemores,omesmoédizer,aterrorizadacomaproblemáticadacondenaçãoaopa-gamentodequantiasemdinheiro,aAdministraçãolutaránumaesperança de desguar-necer,irremediavelmente,oseuopositor.Acentuandoasnotasacabadasdedeixar,seriaevidentementeutópicoperspectivaracompensaçãodecréditosa favordoparticularcomoumherdeirolegítimonocombateàprecariedadenatutelaexecutiva,umavezqueoseucampodeacçãoficareduzidoapequenasdistrações,poisaexistência de dívidas doexequente,aexistir,certamenteserãoapreciadasnafasedeclarativa,poisomomen-to de arguir a compensação é precisamente esse14,deixandoassimpoucamargemdemanobraparaqueoartigoagoraemsindicância mostre as suas virtudes15.

14Perspectivandoacompensação como uma excepção peremptórianoqualconstituiumónus de reconvir na acçãodeclarativa,JOSÉ LEBREDEFREITAS,A Ação Executiva à luz do Código de Processo civil de 2013,6ºEdição,CoimbraEditora,2014,pág.201.

15 Isto quando o títuloexecutivoseconstituaaoabrigodeumasentençajudicial.Contudo,o

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Aprojecçãodadialécticaprecedenteconfirma-nosaponteentreaterraeasnuvens,poiséaqui,nonossomundodavidaqueomundododireitotemdeserpen-sadoerealizado,subtraindoaodiscursohorizontesque,apesardeapelativos,nãonosconferemaadequadaeplenarealizaçãodatutelajurisdiconalnoforoexecutivo.

Numabrevesuspensãoreflexiva,note-seoseguinte:nãoédeformagratuitaque concretamente fazemos referência à tutela jurisdicional efectiva no plano exe-cutivo,poisé na acçãoexecutivaqueradicaareparaçãoúltimaepossíveldeumdi-reitoviolado.Nasuadensidadematerial,oprocessoexecutivoencerra—ou deverá encerrar —umdispositivonormativoorientadoparaatarefadeacolheroirredutívelnúcleodeexigênciastendentesagarantirum“resultadomaterialtangível”16 dos di-reitossubjectivosviolados.Portanto,dasdimensõesre-constitutivasdosdireitosvio-lados,amaisrelevanteefrequenteconsubstancia,aindaqueporvezesnãoreconhe-cida,napatrimonialidadedasposiçõessubjectivasdosparticulares.Edeparamos-noscomela,porexemplo,nasinúmerasacçõesderesponsabilidadecivilextracontratualcontraentidadespúblicas,bemcomonasubstituição do objecto do processo ao suce-dâneoindemnizatório,previstonosartigo45ºe 45º-A,ambosdoCPTA,ouainda,ejánoâmbitodopróprioprocessoexecutivo,naconversão da execução,previstanoartigo166ºe 178º,ambosdoCPTA.Assim,senospredispusermosaretomaradimensãodoproblema,julgamospoderafirmarquehojeaexecuçãodesentenças para pagamento dequantiacertaé oinstitutoconcretizadordajustiçaadministrativaeque,portanto,de-verá proporcionar e cumprir as exigênciassintetizáveisnoplanoprático-axiológico17,de-corrente do méritonormativopersonificadonasatisfaçãodocrédito exequente.

Retomandonovamenteodiscurso,nãoobstante,asobservaçõesmediatamen-tedeixadasmanifestam,contudo,ténuessinaisdesveladoresdequealgocomeçaamudar. A compensação, apesar do referente exposto precedentemente, apresentaumapequena constelaçãonormativaquepassou a compreender o indivíduo comoportadordeumdireitosubjectivoaumatutela judicialefectivanoplanoexecutivo,vistoqueasuaautonomizaçãocomoprovidênciadeexecuçãopretendesempre,se-gundojulgamos,viabilizar,aindaqueindirectamente,oexercícioplenodoseutítuloexecutivo,atravésdadesintegraçãodocréditodoqualétitularaAdministraçãosobreoparticular-exequente.

Das interacçõesquediscernimosanteriormente,é possívelaindaconjugá-lascomumaoutraimpostação.Ouseja,atendendoaofactodequeoexequente,apesar

pensamento posto pode servir de sustento a outros títulos executivos, como sejamos documentosparticulares,comoporexemploosautosdeconciliaca odevidamentehomologados,queconstituemtituloexequivel,sendo-lhesigualmentededuzidasoposicões baseadas nos mesmos fundamentos que servem de oposic a o a execuc a o da sentenc a.Veja-se,aestepropósito,oAcordãodoSupremoTribunalAdministrativode05.02.2013,processonº0961/12.

16Cfr.VICENZOCAIANIELLO,Manuale di Diritto Processuale Amministrativo,3ºEdizione,UTET,Torino,2003,pág. 981.

17Emsentidopróximo,VICENZOCAIANIELLO,Manuale di Diritto Processuale Amministrativo, op. cit., pág.981,afirmandoque“leazioniesecutivetendonoalraggiungimentodeunrisultadopratico,tangibile,(…)unaattivitàintesaatradurrenellarealtàilcomandogiurisdizionale”.

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dasconsideraçõesmencionadasacercadoreduzidoâmbitodeaplicabilidade,consigaainda socorrer-sedacompensação, somosconfrontadoscomumaproblematizaçãonaqualaleinãonosforneceumarespostadirecta.Sublinhamosque,seporventuraescolhendo o particular executar o seu crédito através da compensação e,mesmonesta circunstância,resultaraindaumcréditoaseufavor,poderá eleprosseguircomainstância para poder cobrar o créditorestante,ou,será porventura,levadoainstaurarumanovaacção?Paraqueoinstituoserevelenobreemvezdeplebeu,assevera-seque,atendendoàinserçãosistemáticadoprincípiodacumulaçãodepedidos,positiva-donoartigo4ºdoCPTA,quetemcomoreferentenormativooseucarácter enforma-dor de direcçãodetodaaordeminstituídapeloCPTA18,somoslevadosareconhecerqueomesmoseestendeatodasasformasdeprocessodocontenciosoadministrati-vo,sejanoplanodeclarativo,sejanoplanoexecutivo.

Faceaestatecitutaargumentativa,erespondendoàquestão por nós suscita-da,entendemosque,não executando espontaneamente a Administração a sentença condenatória,deveointeressado,napetiçãoexecutivaespecificarostermosemqueentendequeaexecuçãodeveconsistir,pedindoparaoefeito,paraalém da compen-sação do seu débito perante o seu crédito,aposteriorexecuçãodocrédito restante nostermosdoartigo172º,nº3eseguintesdoCPTA.Otribunal,dandoprovimentoàpretensãoexecutiva,decretaacompensaçãodecréditos,nostermosdoartigo172º,nº2 do CPTA e prossegueaexecuçãodocréditonostermosdonº3eseguintesdoar-tigo172ºdoCPTA.

3.2. A dotação orçamental: a problematização final

Passaremosagoraàanálisedosegundoincisoprevistonoartigo170ºdoCPTA.Pelaviadaexecuçãodocréditonostermosdoartigo172º,nº3eseguintesdoCPTA,quandonãotenhasidorequeridaacompensaçãoeoptandopelopagamentoatravés dadotação,oexequentesolicita-oaotribunalcompetenteparaaexecução,quedá conhecimento da sentença e da situação de inexecuçãoaoCSTAFafimdeseremitidaarespectivaordemdepagamento (artigo172ºnº4doCPTA).Porsuavez,enocasodeinsuficiênciadadotação,oPresidentedoCSTAFsurge,nalei,comooúnico inter-locutor do Presidente da Assembleia da República e do PrimeiroMinistro, a quemoficia,nostermosdalei,paraquesepromovaaberturadecréditos extraordinários. ConstatadapeloCSTAFainsuficiênciadadotação,enotificadaaoexequente,estetemodireitoderequererqueotribunaldêseguimentoàexecução,aplicandooregimedaexecuçãodepagamentodequantiacertaprevistonaleiprocessualcivil,conformeseinferedoartigo172º,nº6,al.a)doCPTAou,odireitoderequererafixaçãoàentidadeobrigadadeumprazo limiteparaprocederaopagamento, com imposiçãodeumasançãopecuniáriacompulsóriaaostitularesdoorgãocompetenteparadeterminartal

18 Cfr. CECÍLIAANACORETACORREIA,A Tutela Executiva dos Particulares no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, op. cit.,pág. 399.

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pagamento,segundooprevistonoartigo172º,nº6,al.b)doCPTA19. Mas vamospor partes. Arrumandoesquematicamenteo preceito e o nosso

discurso,ocaminhaagoraapercorrercentra-senaquestãodaexecuçãodocréditoatravésdadotaçãoorçamentalinscritaàordemdoCSTAF.

Dogmaticamentesituado,reconhecemosaoinstitutoumcarácterpertinente-mente orientador, tal como consagrado no CPTA, para estabelecer um catálogo defacilidadesao pagamentodequantiacertadevida,disponibilizandoaoexequenteummecanismoalternativoparaobteropagamentocoercivodoseucrédito,conferindo--lhe,genuinamente,umatutelasementravesdemaiorecomaceleridadedesejável,atravésdasatisfação,porvia“subrogatória”,doseucrédito20,atravésdamobilizaçãodeumaverbaqueseencontraàordemdoCSTAF,obstando,nestasenda,aojámencio-nadopostuladodeimpenhorabilidadequeelaestariasujeita,casonãofossedesafectaaoexercíciodafunçãoadministrativa.

Semprejuízodoméritoobtidonaconstruçãodo instituto,convém,contudo,nãodesmobilizarodiscursocrítico,queconfluiria,certamente,naausênciaderespos-tasasituaçõesqueaindahojecarecemdetutelaefectivaequeoinstitutoagoraemsindicâncianãoconseguecobrir,sobretudopelainércianocumprimentocabaldopre-ceitonormativoemquestão.NãohaviaproblemasdetomocasoadotaçãoàordemdoCSTAFfosseefectivamentecumprida.Averdadeéque,ecomonosrelataCECÍLIAANACORETA CORREIA21,oOrçamentodeEstadodesde2004até2013nãoinscreveuqualquerdotaçãoàordemdaqueleConselhoafectoaopagamentodeobrigaçõespe-cuniárias,indoassimaoarrepiododispostononº3doartigo172ºdoCPTA22. Mas tam-

19Denotarque, segundooartigo171º,nº5doCPTA,a inexistência de verba ao cabimento orçamentalquepermitaopagamentoimediatodaquantiadevidanãoconstituifundamentodeopo-sição àexecução, semprejuízo, contudo,depoder ser causadeexclusãoda ilicitudeda inexecução espontânea da sentença,paraosefeitosdodispostonoartigo159ºdo CPTA. Cumpre tambémadvertiroseguinte.Umavezrecebidaapetição de execução,aentidadeobrigadaé notificadaparacumpriroudeduziroposição àexecução,nostermosdoartigo171º,nº1 do CPTA. A dedução de oposição abre um incidente declarativo, podendo neste particular, a Administração invocar factos supervenientes que obstem àrealização da execuçãonostermosdefinidospelotítuloexecutivo,visando,fundamentalmen-te,reconhecerainexistênciaactualdodireitoexequendo.Contudo,adedução de oposiçãoimplicaaimediata suspensão da execução(artigo171º,nº2doCPTA).Nestedomínioverificamos,pois,importan-tesdesviosaoregimeaplicávelemprocessocivil,ondeaoposição não integra a tramitação do processo executivo,masquecorreporapensoeque,eé isto que queremos chamar àcolação,não suspende a execução(artigo733º,nº1doCPC).Assim,parece-nosquestionávelaparalisação da execução para a realizaçãodeumafasedeclarativa.Pronunciando-senomesmosentido,CECÍLIAANACORETACORREIA,A Tutela Executiva dos Particulares no CPTA, op. cit.,pág. 331 e 332. É queaexequibilidadedapreten-são é autónomarelativamenteàexistênciadodireitoaqueserefere,peloque,diversamentedoqueacontece na acçãodeclarativa,não é necessária àprocedência da acçãoexecutivaaverificação da ocor-rênciadofactoconstitutivododireito,queporém é presumida,comalgumamargemdeilidibilidade,pelaapresentação de um títuloexecutivodoqualconsteodeverdeprestar.Nestesentido,JÓSE LEBRE DEFREITAS,A Acção Executiva, op. cit.,pág.22.Nestestermos,consideramosaparalisação da execução comoquestionável,umavezquetalopçãoignoraanaturezadotítuloexecutivo.

20 Cfr. MÁRIOAROSODEALMEIDA,Manual de Processo Administrativo, op. cit.,pág. 48821 Cfr. CECÍLIAANACORETACORREIA,A Tutela Executiva dos Particulares no CPTA, op. cit.,pág.

401esegs.22 No âmbitodestainvestigação,remetemosumofício ao Exº. Senhor Presidente do CSTAF a

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bémnãosedigaquesejahojeumasurpresaaqueleritocomportamental.Talcomoaconteceu no passado23,tambémopresentenosrevelaumasoluçãonaufragada,semgrandemargemparaoseusalvamento,istoporqueefundamentalmente,cumpreterpresentequeoCPTAnãoéumaleidevalorreforçado24.Oartigo173º,nº3doCPTAnãotemocondãodevincularoseudestinatário,ouseja,olegisladorouaAssembleiadaRepública,poissãoestesaquemcumpreaprovaroOrçamentodeEstadoparacadaano.Conclui-se,portanto,queasoluçãolegaltemresultadoemletramorta25. É pre-cisamente radicada nesta força segregadora que o nosso posterior discurso ganhará maioracuidade,robustecendoanossaposiçãocomoumaforçalegitimante.

Peranteestaestratégiapoliticamenteorientada,quetemgerminadoadventosdeprecariedadeexecutória,poderia-senoentantocolocaraquestão, jáentretantolevantadanoAcordãodoSupremoTribunalAdministrativode23.06.2016,processonº01254/15,seemtermosdeposiçãojurídicasubstantiva,osadministradoscarecemounãododireitosubjectivodeexigiràsentidades—PresidentedaAssembleiadaRepú-blicaePrimeiro-Ministro —quedotassemofundodequeoCSTAFdispõenostermosdoartigo172º,nº3,doCPTA.

Em extrema síntese, segundo o entendimento perfilhado no acordão suprareferido,“ (…)opagamentodocrédito indemnizatório é realizado, (…)pordotaçãoinscrita no próprio Orçamento de Estado. Então, como agora, o despoletar dessepagamento é institucional,ouseja,é «o própriotribunaldaexecução»queseconsti-

solicitaromontantedasquantiasafectasaopagamentodequantiasdevidasatítulodecumprimentode decisõesjurisdicionais.Peloofício nºAD/001,oSenhorAdministradordoSupremoTribunalAdmi-nistrativo informouqueadotação inscrita nos OrçamentosdeEstadode2014,2015e2016,afectasaquelespagamentos,encontra-seprevistanoorçamentodoSTA,narubricadeclassificação económica “060203.B0.00”, cujoosmontantes são, respectivamente,de5.000,00€,30.005.000,00€ede0,00€.Como se vê,anormanãotemsidocumpridaintegralmente,baloiçandoaosabordasconjunturaspolí-ticasmomentâneas.

23Note-sequeestasoluçãoreintroduzumamedidaquejá eraprevistanoartigo12ºdo Decre-to-Leinº256-A/77.Estadotação orçamentalinscrita,naaltura,àordemdoConselhoSuperiordaMagis-tratura,nuncafoiefectivamenteimplementada.Nestesentido,afirmavaRuiManuelMoreiraPinheiroque “ não temos notíciasdequealgumavezestanormafossecumpridaouexigidooseucumprimento”,ou,porsuavez,comoafirmavaAntónioCordeiro,queadisposição nãochegouaserimplementadae,por último,VieiradeAndrade,reportavaque“essemecanismoexecutivopraticamentenãofoiutiliza-do”.Cfr.CECÍLIAANACORETACORREIA,A tutela executiva dos particulares no CPTA, op. cit.,pág. 111.

24Alertandoparaestefacto,MÁRIO AROSO DE ALMEIDA E CARLOS ALBERTO FERNANDES CADI-LHA,inComentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos,op. cit.,pág. 973.

25 Numa notícia avançadapelojornalPúblico,oEstadotinha(àdatade2011)umadívida de cercade16milhões de euros por não ter verba disponívelparapagar20 indemnizações decretadas pelostribunais.Ainformação é doConselhoSuperiordosTribunaisAdministrativoseFiscais(CSTAF),referindoqueestefundoesgotou-seepelomenosdesdeOutubroqueoCSTAFtemvindoaalertaroprimeiro-ministroeopresidentedaAssembleiadaRepúblicaparaesteproblema,semquenadatenhasidofeito.OPresidentedaAssembleiadaRepúblicaconsideraqueoParlamentonão tem competência legislativaorçamentaletemremetidoessesofícios para o Governo e para a Comissão de Orçamento e Finanças. Num e-mail enviado ao PÚBLICO,LuísFerreira,secretáriodoCSTAF,explicaqueesteproblemanão é novo. “O orçamentodoConselhoSuperiordosTribunaisAdministrativoseFiscaisnão tem sido suficienteparapagamentodequantiasdevidasatítulodecumprimentodedecisõesjudiciais”,afirma,precisandoquenestemomentoexisteumvalordecercade16milhões de euros em dívida.

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tuicomointerlocutordoCSTAF,eoPresidentedesteConselhocomointerlocutordoPresidentedaARedoPrimeiro-Ministro.Masagora(…)não é a dotação da entidade devedoraa responderpelopagamentodo crédito indemnizatórioexequendo,mas,antes,adotaçãoinscritanoOrçamentodeEstado,constituídaporentidadeque«não se confunde com a entidade devedora»,antessurgecomo«terceirorelativamenteàs partes»,edequeoPresidentedaARePrimeiro-Ministrosãointerlocutores.Aautoranãoé,assim,titulardeumdireitosubjectivoquelhepermitaexigirdetaisentidadesa provisão bastante do fundo inscrito no OE de modo a poder ser pago o seu crédito indemnizatório,embora,é verdade,lheassistaodireitoaserpagaatravés dessa dota-ção,seelaexistir(…).

Àimagemdarefinadacríticareflexiva,consideramosqueocritériodesoluçãoestabelecidono referidoacordãoé incontornávelmentea-crítico,masapenase tãosónohorizonteestritamentepolítico-institucionalemqueaquestãofoicolocada,ouseja,nãoassiste,defacto,aocidadãocomumlegitimidadeparacompelirolegislador,junto dos tribunais administrativos, pela viabilização de umanormação tendente àsatisfaçãodosseus interesses26,aindaquejustificadamentese lhescompreendaemtermosdejustiçaaquelapositivação27.Nãoobstante,eemobséquioàrealizávelcom-ponentesubjectivadatutelajurisdiconalefectivanoplanoexecutivo,énossodeside-ratosuperaremtermoscientificamentelogradosareduzidaanálise jurídicaemquelaborouoacordãocitado,aindaquenãolhefosseexigidotalempenhamento.Come-cemos,numalógicadiscursiva,porsuperar,paulatinamente,otoposreflexivoemqueseplanificouoacordãodoSTA.

3.3. Da inconstitucionalidade por omissão à responsabilidade civil por da-nos decorrentes do exercício da função político-legislativa

Se insistirmos em reconhecer que a tutela executiva ainda se encontrami-tigada, temos entãoqueorientar o nossodiscurso para umapassível reflexãodosproblemasqueémister resolver,peloque tentaremosde imediato compreendereindagarsobreaconvocaçãoparaonossoobjectodeestudoapremissadapossívelresponsabilidadecivilextracontratualdoEstadopordanosdecorrentesdoexercíciodafunçãopolítico-legislativa,umavezqueoEstadoécivilmenteresponsávelpelosda-

26 Teríamos uma espécie de “acção de condenação àemissãodeactolegislativodevido”,oqueseria,emnossoentender,apócalipto.

27Naverdade,afórmulaadoptadapelonossoCódigo de Processo nos Tribunais Administra-tivospoderiaintroduzirvaloracrescentadoàtutelaexecutiva,bastandoparaoefeitoqueconsagra-seumaregraqueobrigavaatodasasentidadespúblicasaconsignarnosseusorçamentos créditos para pagamento de execuções de sentençasqueeventualmenteviessemasercondenadasapagar,acresci-dadeumoutrocorolário,quetaismontantesestivessemsujeitosaaumentoemcasodeinsuficiência,oqueconferiaaoparticularapossibilidadedepediracondenaçãodasentidadesfaltosasàpraticadeumactodevido,quernocasodeessaconsignação nãofosserespeitada,quer,igualmente,nocasodeessa consignação semostrar insuficiente para satisfazer o seu crédito. Evidenciando esta dimensão dinamizadoranatutelaexecutiva,PABLOGONZÁLEZMARIÑAS,“Ejecución de Sentencias Contencioso AdministrativasenEspaña”,op. cit.,pág.507.

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nosanormaisque,paraosdireitosouinteresseslegalmenteprotegidosdoscidadãos,resultemdaomissãodeprovidências legislativasnecessáriaspara tornarexequíveisnormasconstitucionais,responsabilidadedependente,contudo,dapréviaverificaçãodeinconstitucionalidadeporomissãopeloTribunalConstitucional.

Ora,atendendoaosistemadefiscalizaçãodeinconstitucionalidadeporomis-são,pareceresultarainviabilizaçãopráticadaresponsabilidadecivilatravés de uma insuportáveltentativadeesvaziamentolegaldodireito(constitucional)àindemniza-çãoporviolaçãodosdireitos,liberdadesegarantiasouprejuízoscausadaspeloEstadono exercíciodafunçãolegislativa,consagradonoartigo22ºda CRP28. É que a exigência da préviadeclaraçãodeinconstitucionalidadeporomissão,namedidaemquepodeimpedira instauraçãodaacçãoderesponsabilidadecivil,poderáresvalarparauma angustiantepulverizaçãodatutelajudicial,agredindo,comsuperlativaarrogância,osdireitosdeprimeiríssimoplanodoscidadãos. Quantoàquestão, sustentamosque,na medida em que a exige ncia de um pre vio jui zodoTribunalConstitucionalquantoa omissãoinconstitucionalparaquepossaefectivamenteocorreraresponsabilidadecivildolegisladorporomissaoilícita,épuraesimplesmenteinconstitucional,consti-tuindoumlimiteintoleravelaodireitofundamentalareparaçãodosdanos(art.22ºdaCRP)edodireitodeacessoaostribunais(art.20ºdaCRP),umavezque,nenhumcidada oparticularpodeprovocarafiscalizacãodainconstitucionalidadeporomissao nostermosdoartigo283ºda CRP29.

Aindagaçãodainconstitucionalidadeouilegalidadeporomissãoporpartedolegislador não seria de difícil concreção, uma vez que, e sumariada pelaDoutrina, osignificadoultimoda inconstitucionalidadeporomissaoconsistenoafastamento,poromissa o,porpartedolegisladorordinario,doscriteriosevaloresdanormaconstitucio-nalnao exequi vel,ouseja,existeinconstitucionalidadeporomissãocasofaltem,totalouparcialmente,asmedidaslegislativasparaexecutarasnormasconstitucionaisoucasosejamelasexistentesmasinadequadasouinsuficientes30.Ora,marcadaqueestáaca-dênciadoseupulsar,segundonosparece,nãoéforçosoafirmarqueelaseprojecta,emtermosadequados,àquestãoquetemosvindoadebaternopresenteestudo.

No âmbito do contencioso administrativo, ao legislador ordinário compete,particularmente após a revisão constitucional de 1997, criarmecanismos de tuteladirectadepretensõesverdadeiramenteexecutivas,quepermitamimporásentidadespúblicas,noplanodosfactos,ocumprimentoefectivodasposiçõesjurídicasdosparti-culares.Estaconsciênciajurídicageral,apesardeauto-compreendidapelolegislador,é ainda insuficiente,mormente,namencionada faltadedotaçãoorçamental aque

28Nestesentido,GILBERTODIAS,A Responsabilidade Civil por Facto Legislativo inválido na Lei 67/2007, de 31 de Dezembro, Pressupostos e Insuficiências,InstitutodeCiênciasJurídico-Políticas,Fa-culdadedeDireitodaUniversidadedeLisboa,2010,pág. 19.

29Nestestermos,RUIMEDEIROS,“Anotaca oaoartigo283ºdaConstituicao”,inJORGE MIRANDA e RUIMEDEIROS,Constituica o Portuguesa Anotada,TomoIII,CoimbraEditora,2007,pags.866a874.

30Cfr.JORGEMIRANDA,Manual de Direito Constitucional,TomoVI,4ºEdição,Coimbra,2013,pág.376eJORGEBACELARGOUVEIA,“InconstitucionalidadeporOmissão”,inSeparata da Revista “O Direito”,Ano122º,1990,pág. 417.

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temosvindo fazermençãoequecumpresublinhar, comadevidaênfase, se traduznumaincontornáveleangustiantesituaçãoinumanaquetemcolocadoemsérioriscoatutelajurisdicionalefectivanoplanoexecutivo31.Logo,sejaporumoptimismoestra-tégico,ouporumsimpleshorizontefechado,nãopodeoEstado(legislador)serdes-responsabilizadoporumproblemaqueameaçatodaatutelaexecutivadoparticular.

Tudo isto nos mostra que “a omissãona leidoorçamento de transferências oudedotaçõesqueneladevemestar inscritas, em resultadode vinculação consti-tucional, permitirá concluir pela ilegalidade da lei do orçamento, situação emque,porisso,seexigirá,comoé óbvio,queseabandoneareiteradaideiadequealeidoorçamento é umsimplescálculoouprevisão”32.Assim,parece-nosqueumdosme-canismos susceptíveis e pertinentes de arrepiar caminho à assinalada patologia damemória,sustenta-senostermosdonº3doartigo15º do RRCEE33,ondeseinferequearesponsabilidadecivilpordanosdecorrentesdoexercíciodafunçãopolítico-legisla-tivaabrangetambémosdanosemergentesdeomissãolegislativa,quecorrespondeauma inérciadoEstado,quetantosepoderá traduzirnafaltadeelaboração de medidas legislativas,comonainsuficiência,deficiênciaouinadequaçãodemedidaslegislativasanteriormente adoptadas.

Sejacomofor,orecursoaestaacçãoderesponsabilidadecivilextracontratualparece-nosqueautorizaqueelavenhaaserconsideradapertinente,emtermosdetudoounada,umavezquenohemisfériodatutelaexecutiva,ocontinuumesbaterdorigorosocumprimentolegalsubjacenteànormadoartigo172º,nº3doCPTA,densificaaaplicaçãodaquelaacção,concebendo-lhe,segundocremos,umhipotéticocânonecontributivoparaaeliminaçãodasmuitaslimitaçõesàtutelajudicialefectivaquetan-to quanto escrevemos o mostra.

Acrescentemosaindaque,comoúltimocoroláriodafunçãoqueéchamadaadesempenhar,aacçãoderesponsabilidadecivilmostra-seemcoerênciacomodesi-deratoúltimoqueaquialmejamos,ouseja,compelirolegisladoracumpriropreceitosupra mencionado.

31Veja-se,porexemplo,oAcordãodoTribunalCentralAdministrativodoSul,de29.06.2016,processo nº08956/15,disponívelemwww.dgsi.pt.,namedidaemqueperanteapermanência da si-tuação de inexecuçãoe insuficiência orçamentaldadotação durante 2 anos seguidos e mantendo o exequente a pretensãodopagamentodaquantiaemdívida através da dotação orçamentalinscritaàordemdoConselhoSuperiordosTribunaisAdministrativoseFiscais,otribunala quoordenouaextin-ção da instância por o exequente nãoteroptadopeloexercíciododireitoderequererqueotribunaladministrativodê seguimento àexecução,aplicandooregimedaexecuçãoparapagamentodequantiacerta,reguladonaleiprocessualcivil,dandocomodesertaainstância.

32Cfr.JOSÉ JOAQUIMGOMESCANOTILHO,“ALeidoOrçamentonaTeoriadaLei”,inEstudos em Homenagem ao Prof. Doutor J.J. Teixeira Ribeiro,II,Coimbra,1979,pág. 581.

33 Lei nº67/2007de31deDezembro,comasalteraçõesintroduzidaspelaLeinº31/2008,de17deJulho,queaprovaoRegimedaResponsabilidadeCivilExtracontratualdoEstadoeDemaisEntidadesPúblicas.

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4. Uma hipótese merecedora de toda a atenção: uma outra roupa-gem interpretativa para a solução possível do problema

Diríamos que cumprida uma parte da nossa “função de pacemaker do direito vigente,poiselatemmarcadoacadênciadoseupulsar,projecta-oemtermosadequa-dosenãodispensaumarigorosavigilânciacríticasobreoestadodeconservaçãodaspilhasqueosustentam”34,atarefa,contudo,aindavaiameio,peloquesomosagoracompelidosacompletaroestudoaquenospropusemos,peloqueurgedeimediatopartirparaoutrocentroderotaçãoeesboçaremtermossubsistentesumreferentejurídicoquesejasuficientementecapazderecriaratutelaexecutiva,quesetraduzanummovimentoderupturaequepatenteieumanovacomponente,semesquecerofundamentoqueaconstituiu,adeficitáriatutelaexecutivaaquetemostentado,insis-tentemente,chamaràatençãodoleitor.

Partindodestaspremissas,aslinhasqueseseguemconduzem-nosaotambémjáesquematizadopensamentopreviamentetraçado,istoé,cumpredenotarque,umaveznotificadooexequentedainsuficiênciadadotação,assiste-lhe,nestecaso,comooseuúltimorefúgiodenáufrago,odireitoderequererqueotribunaladministrativodêseguimentoàexecução,nostermosdoprocessocivilouodireitoderequererafixaçãoàentidadeobrigadadeumprazolimiteparaprocederaopagamento,comimposiçãodeumasançãopecuniáriacompulsória35.

Opropósitoquetemos,nesteensejo,será,portanto,olharparaonº6doarti-go172ºdoCPTAcomooúltimoredutodarealizaçãoefectivadodireitoaobterumatutelaexecutivaverdadeiramenteeficaz,umavezque,atentooétimodasatrássubli-nhadasimpostações,oempenhodaleiemalcançarumatutelaexecutivaplena—nãoonegamos—careceaindadeumreferentenormativosejacapazderealizarocon-teúdoprático-axiológicodoprincípioconstitucionaldatutelajurisdicionalefectivanohemisfériodoprocessoexecutivo,queaocontráriodoquemuitospensarão,residirá,afinal,naquiloaqueleiealgumadoutrinaconsideraoúltimomeiopossíveldetutelado direito exequendo36,ouseja,aexecuçãoparapagamentodequantiacertaprevisto

34FERNANDOJOSÉ BRONZE,Lições de IntroduçãoaoDireito,2ºEdição,Reimpressão,CoimbraEditora,2010,pág.473.

35SegundoDoutrinaautorizada,oinstrumentoprevistononº3doartigo172ºCPTA,configura--secomoumaferramentadeutilização prioritária,só admitindoatítulosubsidiário,nonº6,apossibili-dade de recurso ao regime da execuçãoparapagamentodequantiacertareguladopelaleiprocessualcivilouà imposição de sanção pecuniáriacompulsória.Nestes termos,MÁRIOAROSODEALMEIDA,Manual de Processo Administrativo, op. cit.,pág.488.Emsentidocrítico,CECÍLIAANACORETACORREIA,A Tutela Executiva dos particulares no CPTA, op. cit.,pág.402.Tambémentendemosque,enquantoseperpetuar o comportamento omissivo a que já fizemosreferência,parece-nosrazoávelqueoparticularpossa requerer de imediato a execuçãoparapagamentodequantiacertanostermosdoprocessocivil,isto é,requererdeimediatoapenhoradebenspúblicos,comadevidaroupageminterpretativaquelhevestimos.

36 Isto quando não esteja em causa uma execuçãomovidacontraumaentidadepertencenteàAdministração indirecta do Estado ou àAdministração autónoma,umavezqueaquiocrédito exequen-

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naleiprocessualcivil.Istoclaro,olhandoopreceitocomumaóptica de inquietação peranteoperpetuardecarênciasdetutelaexecutiva,amputando-lheassiminterpre-taçõesegocêntricas,preferindoantesumaconcepçãocentradanorespeitopelodirei-tosubjectivodoparticularaumatutelaexecutivaidónea,sintetizandoassimanossainquietaçãoaquetemosvindofazeralusão.

Logo,ourgenteproblemapráticodeuma—insista-se—genuínatutelaexecu-tiva,impregnaráonossodiscurso.Assim,aocontráriodaautistainterpretaçãoaqueoartigo737º,nº1doCPCtemsidoobjecto,propomosoutraque,apesardosriscoscorridos,éassumidamentemaisaxiológica,fundamentalmentemaisempenhadaemaprofundarcontinuamenteoshorizontesdedefesadoexequente.

Masantesdeajuizardoméritoaodeméritodavalidadedonossofundamentohermenêutico, importa reflectir sobre o específico sentidomaterial que o preceitomobilizadoconvoca.Nesteconcretohorizonte,podemosafirmarqueabasedosis-tema em matéria de execução forçada do crédito no confronto com a administração pública se sintetiza emduas exigências contrapostas, ou seja, “in questo ambito si contrappongono,daunaparte, l’esigenzadituteladelcredito;dall’altragli interessipubblicichegiustificanol’esistenzastessadellepubblicheamministrazioni”37. Posta a questãonestestermos,parece-nosqueestamosnapresençadecolisãoentredireitos,namedidaemquea“Constituiçãoprotegesimultaneamentedoisvaloresoubensemcontradiçãonumadeterminadasituaçãoconcreta”38,devenientesdasexigênciasma-teriaisdoartigo20º,nº5,emcontraposiçãocomoartigo266º,nº1,ambosdaCRP.

Atentoonossopropósito, julgamosqueolegisladorordinário,mormentenoartigo737º,nº1,doCPCvemintervirnamodelaçãohermenêuticadesteconflitodevalores.Vejamos.Estipulaoart.737º,nº1doCPCqueestãoisentosdepenhora,sal-votratando-sedeexecuçãoparapagamentodedívidacomgarantiareal,osbensdoEstadoedasrestantespessoascolectivaspúblicas,deentidadesconcessionárias de obras ou serviçosoudepessoascolectivasdeutilidadepública, que se encontrem es-pecialmenteafectadosàrealizaçãodefinsdeutilidadepública. Verifica-se,portanto,

do só podesersatisfeitoporcontadadotação orçamental,desdequeatravés da préviaaplicação do regime da execuçãoparapagamentodequantiacertareguladonaleiprocessualcivil,não tenha sido possívelobteropagamentodaentidadedevedora,conformeprescreveoartigo172º,nº7 do CPTA. De notar que na anterior redaçãodopreceito,estenúmero nãoexistia.ALei67/2007,de31deDezembro,veioalterarnotoriamenteessemecanismoexecutivodepagamentoatravés da dotação do Orçamento de Estado inscrita àordemdoCSTAF,notocanteaoscréditosexecutivosdenaturezaindemnizatória. Do seuartigo3º,decorrequeemcasodepagamentocoercivodeindemnizações devidas por pessoas co-lectivaspertencentesàadministração indirecta e àadministração autónoma,ocréditoindemnizatório só poderá sersatisfeitoporcontadadotação orçamentalinscritaàordem do CSTAF a títulosubsidiário quando,atravésdaaplicação do regime da execuçãoparapagamentodequantiacertareguladonaleiprocessualcivil,não tenha sido possívelobterorespectivopagamentojuntodaentidaderesponsável.Ora,istovemprecisamentereforçar a nossa tese de ver a execução através da penhora de bens como o meio idóneodetutelaexecutivanajurisdiçãoadministrativa.

37Cfr.GIORGIOCOSTANTINO,“Latuteladelcreditoneiconfrontidellepubblicheamministrazio-ni”,inRivista di Diritto Processuale, Anno LXIX, nº2,2014,pág.302esegs.

38Nestesentido,JOSÉ CARLOSVIEIRADEANDRADE,Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976,5ºEdição,2012,Almedina,pág. 299.

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numahermenêuticade autêntica justiciabilidade, queo legisladornão se limitou aisentardepenhoraosbensdoEstadoedasrestantespessoascolectivaspúblicas.Issopressuponha,concretamente,umapreferência abstracta em termos de hierarquia de valores constitucionais,oque seriamanifestamentecontrárioaos ideaisaxiológica-mentefundamentadoresdaConstituição,poissacrificariaemtermostotaisaprojec-çãoprático-materialdatutelajurisdicionalefectiva.Eportanto,compatibilizadapelareflexivamediaçãodopensamento jurídico jurisdicional edogmático,paraque taisbensestejamisentosdepenhora,julgamosqueénecessário que as referidas pessoas colectivasaleguemeprovemqueosaludidosbensseencontramespecialmenteafec-tados àrealizaçãodefinsdeutilidadepública,não estando isento de penhora todo e qualquerbemdoEstadoedasrestantespessoascolectivas39. E nem se diga que vigora umapresunçãojudicialounaturaldeque,porexemplo,asreceitasfiscaissão afectas àsatisfação do interesse público,justificando-seporisso,combasenosprincípios ge-rais,ainversãodoónusdaprovadetalmaneiraque,peranteaespecíficanaturezadosbensconsideradosédevolvidoaoexequenteoónus de demonstrar que tais bens não estãoespecialmenteafectos àrealizaçãodefinsdeutilidadepública40. Estamos assim convictosdequealeiexigequeafinalidadedeinteressepúblicosejapré-determinadae,sedefactosetratardemontantespecuniários,asuaposteriorconcretaaplicaçãopareceser,àpartida,relevante41.

39 Nestesentido,oAcordãodoTRL,proferidonoprocessonº4399/2005-8,em13-07-2005,queconsiderou penhoráveisossaldosbancáriosdequeeratitularumacâmaramunicipal.NaspalavrasdoTribunal,“ofactodaexecutadasertitulardaquantiapenhoradanãoimplicaquetalquantiasedestineafinsdeutilidadepública,sesempreassimfosse,então seria inútilaestatuição do art. 823ºdoCPC(hoje,artigo737ºCPC).Poroutrolado,“nãobastaqueosbenssejaminstrumentaisdeaplicação de outros bens àutilidadepúblicaparaqueoEstado,ouasoutraspessoascolectivaspúblicas,possambeneficiardaprerrogativadaimpenhorabilidade,cabendoaopróprioexecutadoaprovadetalafectaçãoespecialdosbens”.Nesteúltimosentido,oAcordãodoTRP,proferidonoprocessonº0651458,em22-05-2006.

40 Impostação que pode decorrer do princípio da não consignaçãodasreceitasfiscais,queé aregranaelaboração dos orçamentos,dequenão existe nenhuma presunçãonatural.NestesentidodecidiuoTRL,noseuacordãode21.11.2013,processonº464/12.0TCFUN.L1-2:“Só provaria a seu favor se não houvessem excepções a esse princípio.Havendo-as,comoashá,talsó podesignificarqueé pos-sívelquedeterminadasreceitasfiscaissejamespecialmenteafectadasàrealizaçãodefinsdeutilidadepública.Quandonão exista essa consignação, vale a regradanão consignação,que significaqueasreceitasfiscaisnão estãoespecialmenteafectasàrealizaçãodefinsdeutilidadepública,sendoinócuo para o efeito que está emcausa,quetais receitas,pelasuapróprianatureza,só possam ser afectas àrealizaçãodefinsdeutilidadepública.Desdeomomentoemquetalreceitafiscalnão surge nesse orçamentoconsignadaaopagamentoespecificodecerta(s)despesa(s),nãopodedizer-sequeestejaespecialmenteafectoafinsdeutilidadepública.Deacordocomoquesevemsustentando,ecomoé evidente,nãotemnenhumarazão de ser a presunção hominisaqueaapelanterecorre”.

41SeguindoumexemploapresentadoporCECÍLIAANACORETACORREIA,aLei-QuadrodasPri-vatizações,aprovadopelaLeinº11/90,de5deAbrilerepublicadocomasalteraçõessubsequentespelaLei nº50/2011,de13deSetembro,estabeleceque“AsreceitasdoEstadoprovenientesdasreprivati-zações serãoexclusivamenteutilizadasparaamortização da dívida pública,amortização da dívida do sectorempresarialdoEstado(…).Porforça desta determinaçãolegal,oAcordãodoSTJde09.12.1999,processo nº99A782,considerouimpenhoráveloprodutodaalienaçãodeumloteindivisíveldeacções daTabaqueira—EmpresaIndustrialdeTabacos,E.P.,porconsiderarquetalreceitaeraprovenientedareprivatização da Tabaqueira.

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Inucleada numa permanente ideia de concretização da tutela executiva, apreocupaçãoquenos temvindoaanimarprecipita-senesta terapêutica interpreta-tiva.Naverdade,ecomojáconcretamentededuzimos,nãobasta,pois,queseproveaqualidadedapessoacolectivaaquepertencemosbens,oqueimplicademonstrarqualaconcretautilizaçãodosbensemcausaequalointeressepúblicoespecíficoqueessautilizaçãoconcretiza42,nemtãopoucobastademonstrarqueosbensestãoporleiafectosadeterminadofimdeutilidadepública,devendodemonstrar-se,inconcreto,queessaafectaçãolegaléefectivamenterespeitada43.

Poroutro lado,naexecuçãoparapagamentodequantiacerta,nãohá lugarsequer para indagações sobre a existênciadecausaslegítimasdeinexecução. É possí-velefrutuosopensarquealeiassumequeopagamentodequantiasemdinheiroporpartedeentidadespúblicasé sempre possívelenuncaimplicagravelesãodeinteres-ses públicos.Estamosconvencidosqueaserassim,conseguir-se-à entender com mais acuidadeenãoestranharohorizontequeexcogitamos, constituídoparaadequaràproblematicamenteprecáriatutelaexecutivaexigênciasqueirrompemsobreoplató-nicoeobtusoprivilégiodeimpenhorabilidadedebenspúblicos.

Os afinamentos precedentes, serão prestáveis, ainda commaior premência,quando o créditoexequendoonereumaentidadepertencenteàAdministração Indi-recta ou àAdministraçãoAutónoma,umavezquesó depois de esgotadas as provi-dênciasexecutivasparapagamentodequantiacertaprevistasnaleiprocessualcivil,sem que tenha sido possívelobterdaentidade responsávelopagamentoda quan-tiaindemnizatória exequenda é que pode e deve seremitidaaordemdepagamentodaindemnizaçãoatravésdadotaçãoorçamentalprevistaereguladanoCPTA. Deste modo,justifica-seaindamaistodaaretóricamobilizadaanteriormente.Éque,ecomojádeixámosexposto,ocaminhoposteriormostrar-se-áaindamaisespinhosoetortuo-so,umavezqueadotaçãoorçamentalmove-senomundometajurídico,culminandonumatutelaexecutivadesmaterializada44.

4.1. Uma segunda proposta possível de superação do problema

Para quemquestione a bondade da solução por nós advogada, vale a penamaisumesforçoteoréticoe,numaderradeiratentativadeconferiralgumatutelaexecuti-

42 Cfr.MIGUELTEIXEIRADESOUSA,Acção Executiva Singular, Lex,1998,pag.211eCECÍLIA ANACORETACORREIA,A Tutela Executiva dos Particulares no CPTA, op. cit.,pág. 395.

43Cfr.ALESSANDROAULETTA,“L’esecuzioneforzataneiconfrontodellaPubblicaAmministra-zione:rassegnadellepiùrilevantiquestioniproblematiche”,op. cit.,pág. 8.

44Portanto,julgamosquenumjuízodeponderaçãoentreosvaloresconstitucionaiscolidentes,deveparticiparcomomediadorargumentativoapropostaterapêuticaqueprescrevemos,namedidaemquenospareceasoluçãomaisconformeaoconjuntodosvaloresconstitucionaisqueconcorrementresi.Inclusive,emtermosmetodológicos,não é deestranharumdiscursotendenteaestabelecera preferênciaouaprevalência de um direito sobre o outro. Neste últimosentido,JOSÉ CARLOS VIEIRA DEANDRADE,Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, op. cit., pág.304esegs.

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vadignadeumEstadodedireito,avança-se,contudo,paraumasoluçãodeúltimaratio45.Atentoonossoespecíficohorizonte,sustentamosquepoderá ser ainda possív-

elinstituirummecanismode“substituiçãosubrogatóriaindirectaporoutraentidadeadministrativa”46,vistoqueainfungibilidadeadministrativadaexecuçãoporterceiroparece-nosnãoserdeaplicar.Équeaexecuçãoindirecta,entendidacomoexecuçãosubstitutivaatravésdacolaboraçãosubrogatóriadeoutraentidadeadministrativaquenãoacondenadaafigura-sepossívelàluzdoartigo167º,nº3,infine,doCPTA.

Por outro lado, uma vez que a administração está sempre vinculada a umaobrigaçãoderesultado,emconsequênciadasentençaditadaedoseuefectivocum-primento,vistoqueoresultadofinaldadecisãoestájápredeterminado,parece-nosqueadiscricionariedadeadministrativanãotemaplicaçãonestehemisfério,peloqueopoderdesubstituiçãomostra-sepossíveledesejávelàluzdeumatutelaexecutivaplena.Assim,sendoaliberdadededecisãoedeapreciaçãodaadministraçãonula,namedidaemqueestamosperanteumadecisãoqueapenasestabeleceaobrigaçãodopagamentodeumaquantiapecuniária,umavezconstatadaainexecuçãodasentençae, lançandoprimeiramentemãodosmecanismospostospelo legisladordoCPTA—seguindoumaleituradodireitosegundoanormajurídica,entendidaaquicomooas-pectoformaldadisposiçãolegal,istopararespeitarassoluçõespositivadas—eaindaassimseverificarumaintransponívelexecuçãodasentença,somosentãocompelidosa propor uma construção jurídica assente na substituição da entidade condenada por outra que assegure o efectivopagamentodaquantiapecuniáriapeticionada.Équeainexecuçãodesentençasnãopodecontinuaraserumprivilégiodaadministração.

Feitaestasadvertências,parece-nosoportuno frisarqueao juiz caberáveri-ficarseaAdministraçãoexecutouounãoasentençae,havendoinexecução,mesmoapós a adopção das providências de execução positivadas no CPTA,mormente nosartigos170ºa172º,aplicarefixaroutrosmeiosdeexecuçãoadequadosparaoefeito,socorrendo-sedeoutraentidadeaoorgãoadministrativo(artigo167º,nº3doCPTA),paralevaracaboaactividadematerialejurídicanecessáriaaoefectivocumprimentoda sentença47.

Senospredispusermosaretomarconsideraçõesanteriormente feitas,oquesetrataaquijánãoétantodedemandarolegisladornocontenciosoadministrativoparaquedêaplicaçãopráticaaoartigo172º,nº3e5doCPTA,comopareceterocor-ridonoAcordãodoSTAde23.06.2016,processonº01254/15,masantestransmutaraquelaineliminávelilegitimidadeprocessualnumarealizáveltutelaexecutiva,através

45Acomplexidadedamatéria impõe-nosalgumaprudência,masodesinteresseaxiológico-ma-terialpelarealizaçãoconcretadatutelaexecutivaencoraja-nosamergulhardecabeça. É nestadialécti-caquearespostaaonossoproblemadeverá ser circunscrita.

46Aindaquenoutrocontexto,inspiramo-nosemCOLAÇOANTUNES,A Ciência Jurídica Adminis-trativa, Noções Fundamentais,Almedina,Coimbra,2016,pág.637esegs.

47 Neste últimosentido,VICENZOCAIANIELLO,Manuale di Diritto Processuale Amministrativo, op. cit., pág.981,namedidaemqueafirmaqueoprocessoexecutivosetraduznuma“attivitàvoltaaprocurareattraversol’attuazionedelcontenutodelladecisioneilsoddisfacimentoeffectivodell’interes-sechedeveesseretutelato”.

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doinstituodasubstituiçãosubrogatória.Ouseja,esalvomelhoropinião,parece-nosqueoGoverno,enquantoorgãosuperiordaadministraçãopública,poderia-seapre-sentarnestecontextocomoentidadesubstitutiva48,oquepatenteiaaresponsabilida-desubsidiáriadoEstadopordívidascontraídaspelosseus“entes instrumentais”.Seassimfor,comojulgamosqueé,onossoesquemahermenêuticorevelaigualmenteosuperamentoprático-axiológicodoinservilismodealgumasdassoluçõesconsagradasnoCPTA.Éque,porexemplo,oseuartigo172º,nº9parecepressuporumaseparaçãorígidaentreopatrimóniodasempresaspúblicasedasentidadesqueasdominam,vis-toquetalpreceito“apenasfazreferênciaàspessoascolectivaspúblicastipicamenteintegradas na Administração indirecta,istoé,aosinstitutospúblicos”49.Portanto,éemobséquioàefectivagarantiapatrimonialdosinteressados-exequentesqueedificamosestearcohermenêutico,nosentidodecontemplarumregimederesponsabilidadedoEstadopordívidasqueabrange,igualmente,aqueleuniversodeentidadesgenetica-mentemodificadasquepretendemfrustar-seàaplicaçãoconstitucionaldoartigo22ºdaConstituiçãodaRepúblicaPortuguesa50.

Umanotafinalapenasparaerigirumoutrocoroláriodateseproposta,quesecumprenaaplicaçãoconcretadaal.b),nº6doartigo172ºdoCPTA,namedidaemquetemossériasdúvidasqueopreceitocitadonãoenfermadealgumailegalidade,interpretadonosentidodequeseaentidadeexecutadaeinstadaparaprocederaopagamentonãoofizerporimpossibilidadededotaçãoorçamentalerequerer,aindaassim,oexequente,umprazolimiteparaofazer,sobpenadeimposiçãodeumasan-ção pecuniária compulsória aos titulares do orgão competente para determinar talpagamento,parece-nostudomenosaceitável,porviolaroprincípiodaproporciona-lidadee, inclusive,constituirmesmoum locupletamentodaentidadedemandadaàcustadopatrimóniodosseusagentes.Nãovemospoisquaisasrazõesargumentável-mentesustentáveisquepoderãosererigidaspararesponsabilizarumagentedoorgãoda entidade inadimplente por factos quenãopodem ser imputados a essamesmaentidade.Éque,defacto,aentidadepodeestarmesmonaimpossibilidadedecumpriraobrigaçãopelatiraniadoslimitesaosmontantesorçamentais.

Diferenteserá,portanto,imputaressaresponsabilidadeaosmembrosdoGover-no,enquantoAdministraçãoquepossuitodososelementosemeiosnecessáriosparaaexecuçãodesentenças,semquesepossaaquidiscutirainsuficiênciaorçamental.

48 Em consonânciacomohorizonteprojectado,ofundamentoformuladopretendeinvocaropoder orçamental,ouseja,opoderde,emconcreto,tornardeterminadadespesaefectivamentecon-creta,função que está a cargo da Administração. Na sua imanênciaencontra-seofactode“iprocedi-mentiegliatticheloStatoeglienti pubblicidebbonoseguirepereffettuareipagamentihannorilevanzaesclusivamenteinterna;noncostituiscono,né possonocostituireostacoloallarealizzazionecoattivadeicreditiovveroallaattuazionedeititoliesecutiviatuteladeicreditididanaro”.Nestesentido,GIORGIOCOSTANTINO,“Latuteladelcreditoneiconfrontidellepubblicheamministrazioni”,op. cit.,pág.305.

49Cfr.MIGUELASSISRAIMUNDO,As Empresas Públicas nos Tribunais Administrativos, Contribu-to para a delimitação do âmbito da jurisdição administrativa face às entidades empresariais instrumen-tais da Administração Pública,Almedina,2007,pág.356.

50 Reconhecendo que este princípio deveria ser estendido a todas as empresas públicas,MI-GUELASSISRAIMUNDO,As Empresas Públicas nos Tribunais Administrativos, op. cit., pág. 353.

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5. Concluindo

Atormentadosporumacertainquietudeeangustia,aferimosqueopensamen-totriunfantevertidonoCPTA,apesardeumaintencionalidadeaindanãoperturbadapelopoliticamente legalismo,acabouporacreditarnessamesmaciência,nessedo-míniocomoachavequetudoabre,masàsquaisapretensachavenãopassou,aliás,deuminadequadoreferentenormativo.Atentososmencionadospressupostos,seriainadmissível perfilhar, no âmbito de um Estado deDireito do tipo do nosso, a for-malmenteautorizadaproibiçãodepenhoradebenspúblicos,poiselaprivilegiaclien-telarmenteaAdministração,dispensando-ada subordinaçãoaoutroseporventuramaisperenes referentes axiológicos, semque sedescortine razões suficientementejustificativasdasustentaçãodesteregimeinterpretativo. Empenhados em construirumaordemdedireitoemquesere-vejaoexequentecomosujeitoespecíficodocon-teúdododireito,aconclusãofinalaquechegamoséqueénecessáriotrocaroa-pro-blemáticoterrenosegurodopositivismo-legalista,peloinquietamentechãomovediçodossentidoshumanosaquenospropusemostrilhar.

Page 28: ALGUMAS REFRACÇÕES PROCESSUAIS MENOS NOTÓRIAS NA EXECUÇÃO DE … · 2018-11-10 · Preparatórios), Vol. I, Coimbra Editora, 2003, pág. 507, estamos perante um “asombroso