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    Algumas contribuies marxistas Educao Ambiental (EA) crtico-transformadora

    Some marxist contributions tocritique transformer environmental education

    Jssica do Nascimento RODRIGUES1

    Mauro GUIMARES2

    1 Mestre em Educao pela UFRRJ. Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educao, Ambiente,Diversidade e Sustentabilidade GEAPEADS e do Laboratrio de Investigaes em Educao, Ambientee Sociedade LIEAS. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro/UFRRJ. Rua Santa Ermelinda, n 55,Campo Grande, Rio de Janeiro-RJ. (21)2411-2805 e (21)8764-7300. E-mail: .

    2 Professor Doutor do Programa de Mestrado em Educao UFRRJ. Coordenador do Grupo de Estudose Pesquisa em Educao, Ambiente, Diversidade e Sustentabilidade GEAPEADS. Universidade FederalRural do Rio de Janeiro/UFRRJ. Av. Gov. Roberto Silveira, s/n, Moqueta, Nova Iguau-RJ. (21)8123-2232. E-mail: .

    Resumo

    Intenciona-se ressaltar a atualidade domaterialismo histrico e dialtico e toda umatradio da teoria crtica, para subsidiar a an-lise da atual crise socioambiental. Pretende-secontribuir na consolidao de um movimentode contraposio hegemonizao de postu-ras/vises que, esvaziada de criticidade, impeuma perspectiva conservadora de EducaoAmbiental. Debates sobre Estado e Revolu-o, presentes no Marxismo, ao encontro daideia de transformao no reformista de uma

    Educao Ambiental Crtica, so apropriadosao aprofundamento da reflexo sobre confor-mao social e banalizao da luta de classes.Consideram-se resultados deste trabalho aemergncia dessa discusso e a construo deuma sntese autoral.

    Palavras-chave: Materialismo histricoe dialtico. Crise socioambiental. EducaoAmbiental crtico-transformadora.

    Abstract

    We intend to emphasize the actualityof historical and dialectical materialism anda tradition of critical theory to help analyzethe current socio-environmental crisis. Wewant to contribute to the consolidation of amovement opposed to the hegemony of posi-tions/views that, devoid of criticism, imposea conservative perspective of EnvironmentalEducation. Debates about State and Revolu-tion present in Marxism, reflect the idea oftransformation is not a reformer of Critical

    Environmental Education, are appropriatefor further reflection about social conforma-tion and the trivialization of class struggle.We considerate results of this study the emer-gence of this discussion and the constructionof an authorial overview.

    Keywords:Dialectical and historical ma-terialism. Socio-environmental crisis. Critical-Socio-environmental crisis. Critical--transformative Environmental Education.

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    1 Questes Iniciais

    Entendendo a educao como espao de disputa, evidente que o Marxismo

    entra nesse campo, ganha novos contornos, reafirma outros e, muitas vezes,acaba por ser rechaado como antiquado, ultrapassado, principalmente emvirtude de outras correntes que entram tambm nessa disputa com novosolhares sobre a realidade.

    No entanto, quer queira quer no, essencial o reconhecimento de queMarxismo denuncia o carter contraditrio, inegvel, do modo de produocapitalista e nos alerta para as possibilidades de transformao. Uma vez teoriarevolucionria por si mesma, pensa, portanto, a revoluo como instrumentonecessrio para uma mudana significativa do padro societrio atual. Semsectarismo, entretanto firme quanto ao lugar de onde se fala, traz-se baila umMarxismo que pensa a revoluo - e no as reformas... ingnuase perversas - apartir de autores reconhecidamente marxistas, tais como: Engels, Luxemburgo,Trotsky, Gramsci, alm do prprio Marx.

    Embora a problemtica ambiental no tenha sido uma questo central paraMarx e para os autores supracitados, no se pode olvidar que o tema tratadoem obras clssicas como O Capital (MARX, 1994) ou Manuscritos Econmico-Filosficos(MARX, 2004) e, hoje, amplamente estudado sob o vis marxista,

    a partir de autores, em suas vrias obras, como Foster, Bensaid, Lwy, entreoutros. No entanto, neste trabalho, Loureiro (2005, 2006a-b e 2008), com quemprincipalmente dialogamos, nos lembra ser Marx um dos pioneiros no tema.

    Caminhando por entre essas questes, neste artigo dissertar-se- sumariamenteacerca de algumas categorias, como Estado e Revoluo, para, adiante, buscarcompreender o que seria uma EA imersa na teoria crtica, pautada por referenciaisde bases marxistas, aspirante transformao e se postando de encontro EA decarter conservador, reformista e, dessa forma, mantenedor da ordem capitalista.

    2 Algo de Marxismo

    Importante delinear, em princpio, algumas afirmaes acerca doMarxismo, para que se possa reconhecer que no se trata de uma panacia, masde uma ordem de pensamento que procura denunciar o carter contraditriodo capitalismo. Trata-se de uma teoria revolucionria, que v o sujeito comoconstrutor de sua prpria histria. Dessa forma, no se quer fazer acreditar que

    exista uma s forma de pensamento, ou que o Marxismo a melhor alternativa,porm neg-lo seria um contra-senso.

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    Logo, entendendo o sujeito como senhor do processo histrico, e sendo esteno-linear e mutvel, no capitalismo, tudo o que a burguesia cria, que pareceto slido, pode se desmanchar. Tal classe instaurou uma ordem que dinmica,apesar de existirem elementos irrevogveis (como, por exemplo, a mais-valia e apropriedade privada) a fim de que no haja a mudana do modo de produo.Ela, a burguesia, transforma, mas apenas no mbito da reforma:

    A transformao contnua da produo, o abalo incessantede todo o sistema social, a insegurana e o movimentopermanentes distinguem a poca burguesa de todas asdemais. As relaes rgidas e enferrujadas, com suasrepresentaes e concepes tradicionais, so dissolvidas,e as mais recentes tornam-se antiquadas antes que seconsolidem. Tudo o que era slido desmancha no ar, tudoo que era sagrado profanado, e as pessoas so finalmenteforadas a encarar com serenidade sua posio social e suasrelaes recprocas. (MARX; ENGELS, 2008, p. 13-14).

    Para Marx, devendo constituir-se como classe distinta da burguesia, oscomunistas so os mais avanados e pregam o pertencimento de classe. Logo, no proletrio3que se v a classe capaz de transformar o modo de produo, assim

    O objetivo imediato dos comunistas o mesmo dos demais partidos proletrios:a constituio do proletariado em classe, a derrubada do domnio da burguesia,a conquista do poder poltico pelo proletariado (MARX; ENGELS, 2008, p.31). Nessa linha, o proletariado - que comea a lutar ao nascer, inicia a lutacom a prpria existncia - que, consoante Marx e Engels (2008, p. 26), Detodas as classes que hoje se contrapem burguesia, [...] constitui uma classeverdadeiramente revolucionria. Todas as demais se arrunam e desaparecem coma grande indstria; o proletariado, ao contrrio, seu produto mais autntico.

    Assim, muitos autores, a partir desse pensamento marxiano, debruaram-sesobre a temtica da luta de classes e a ressignificaram. Um exemplo Gramscique, segundo Carnoy (1987), otimizou o conceito de superestrutura e centralizouem suas discusses o tema hegemonia para uma melhor compreenso acerca docapitalismo. A educao , ento, um mecanismo que pode romper com os valoresburgueses e corroborar com uma mudana significativa nas bases capitalsticas.

    3 Deve-se levar em considerao que o proletariado a que Marx e Engels se referem no o mesmoproletariado de hoje. Sem dvida, a sociedade se complexifcou e tal classe passou a ter outracomposio, porm descrev-la no objetivo neste artigo.

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    De novo, para Marx e Engels (2008), o modo de produo deve ser transformadopelo proletariado em luta contra a classe que domina, a qual, na interpretaode Gramsci (1989a), possui a hegemonia. Mas, para isso, munir-se de contra-hegemonia imprescindvel, o que no se desvincula da necessidade de intelectuais:

    Autoconscincia crtica significa, histrica e politicamente,criao de uma elite de intelectuais: uma massa humanano se distingue e no se torna independente por si, semorganizar-se em sentido lato; e no existe organizao semintelectuais, isto , sem organizadores e dirigentes, semque o aspecto terico da ligao teoria-prtica se distingaconcretamente em um estrato de pessoas especializadasna elaborao conceitual e filosfica. Mas este processo de

    criao dos intelectuais longo, difcil, cheio de contradies[...]. O processo de desenvolvimento est ligado dialticaintelectuais-massa (GRAMSCI, 1989a, p. 21-22).

    No s o processo de criao dessa elite de intelectuais dialtico. AlertaLoureiro (2006a) que, quando se resume o Marxismo luta de classes, simplifica-se o mtodo dialtico que visa compreenso da totalidade das relaes existentesem determinado fato, fenmeno ou situao da realidade, em que a unidade

    movimento (LOUREIRO, 2006a, p. 18). Segundo o autor, a questo de classe sim determinante, entretanto no a negao de outras categorias, e acrescenta queTodas as formas de poder so relevantes para fins de anlise, mas preciso consideraro pesodas relaes de classe no capitalismo e compreender como essa prpria categoriavai se redefinindo na histria, sendo impossvel separar o econmico do cultural nacondio atual em que nos inserimos (LOUREIRO, 2008, p. 65).

    Em suma, o Marxismo uma corrente de pensamento que v na luta declasses, de carter dialtico, o rompimento com a ordem vigente. A apropriaodessa questo por intelectuais diversos diverge muitas vezes, mas no exclui a

    tnica marxiana da transformao.

    2.1 Estado: espao de disputa

    Consoante Marx e Engels (2008), o Estado atende aos interesses particulares deuma classe, a classe dominante, ou seja, possuidora do poder econmico, e media(sendo um aparelho repressivo da burguesia) a luta de classes no sentido de se

    manter a ordem. O proletariado a classe que, em conjunto, tem plena possibilidadede derrubar a mquina do Estado. Segundo Marx, o Estado o comit poltico

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    da burguesia; dessa forma, descrevem Marx e Engels (2008, p. 46) que O poderpblico propriamente dito o poder organizado de uma classe para dominar aoutra, como estando em mos da burguesia a dominar o proletariado. Ademais,reitera Lenin (2007, p. 25) que Para Marx, o Estado um rgo de dominao declasse, um rgo de submisso de uma classe por outra; a criao de uma ordemque legalize e consolide essa submisso, amortecendo a coliso das classes.

    Lenin (2007) avana na teoria. Diferente de Marx, para o autor, o Estado um espao de disputa. Portanto, transcende a concepo inicial marxiana sobreo Estado, porque o v como um espao que se deve apropriar, e assim o define:

    O Estado o produto e a manifestao do antagonismoinconcilivel das classes. O Estado aparece onde e na

    medida em que os antagonismos de classes no podemobjetivamente ser conciliados. E, reciprocamente, aexistncia do Estado prova que as contradies de classesso inconciliveis (LENIN, 2007, p. 25).

    Luxemburgo (2008) no elabora uma definio de Estado, deixando-aofuscada, mas d pistas sobre o que considera. Assim como Marx, reconheceque o Estado um Estado de classe, no caso, da classe burguesa, ou um Estadocapitalista: [...] J lugar comum dizer que o Estado atual um Estado de

    classe. Todavia, como tudo que diz respeito sociedade capitalista, esta afirmaono deveria, a nosso ver, ser interpretada de um modo rgido, absoluto, e simdialeticamente. (LUXEMBURGO, 2008, p. 50). Como melhor evidencia:

    No conflito entre o desenvolvimento capitalista e osinteresses da classe dominante, coloca-se o Estado dolado desta. Sua poltica, assim como a da burguesia,entra em conflito com o desenvolvimento social.

    Assim, perde cada vez mais o carter de representanteda sociedade em conjunto, para transformar-se, namesma medida, cada vez mais em um puro Estado declasse (LUXEMBURGO,2008, p. 54).

    No entanto, embora o Estado, para Rosa Luxemburgo (2008), seja um Estado daclasse burguesa, isso no anula a dialeticidade e, portanto, a tomada do poder poltico,ou melhor, do Estado, que s possvel pelas mos do proletariado em revoluo.Logo, maneira de Lenin, para Luxemburgo (2008), o Estado um espao de conflito.

    Conflito este que possibilita a derrubada da burguesia como classe dominante e aascensodo proletariado na transformao socialista, no por meio de reformismos.

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    Impossibilitados de exercerem o poder, a burguesia e o proletariado aomesmo tempo, Gramsci (1989b) segue o mesmo pressuposto e entende oEstado como condensao do conflito de classes, como campo de disputa porhegemonia e, apesar de tal processo ter certas particularidades em cada pas, acrise de hegemonia inevitvel:

    E o contedo a crise de hegemonia da classe dirigente, queocorre ou porque a classe dirigente faliu em determinado grandeempreendimento poltico pelo qual pediu ou imps pela fora oconsentimento das grandes massas (como a guerra), ou porqueamplas massas (especialmente de camponeses e de pequenosburgueses intelectuais) passaram de repente da passividadepoltica a certa atividade e apresentaram reivindicaes que,

    no seu complexo desorganizado, constituem uma revoluo.(GRAMSCI, 1989b, p. 55).

    Ainda segundo o autor, a hegemonia procura manter-se pela construo doconsenso, sempre renovada, ou seja, pela conformao das massas. Entretanto, aditadura da burguesia h de ser substituda pela ditadura do proletariado (LENIN,2007), transformando o consenso na busca de uma nova hegemonia (GRAMSCI,1989b), no embalo das locomotivas da histria (TROTSKY, 2007, p. 166).

    2.2 Pela Revoluo

    Lenin (2007) contrape a democracia do liberalismo clssico ditadura doproletariado, uma democracia de novo tipo, em que Segundo Engels, o Estadoburgus no morre; aniquilado pelo proletariado na revoluo. O que morredepois dessa revoluo o Estado proletrio ou semi-Estado (LENIN, 2007,p. 35). Logo, segundo Marx e Engels (2008), o proletariado revolucionriotem o papel de aniquilar a mquina do Estado, como resume Lenin (2007, p.59): Quebrar essa mquina, demoli-la, tal o objetivo prtico do povo, da suamaioria, dos operrios e dos camponeses mais pobres e do proletariado. Sem essaaliana, no h democracia slida nem transformao social possvel.

    o curso da histria que dir sobre as formas polticas futuras. Nesse sentido,no se pode desconsiderar a construo desse processo pelo prprio sujeito, sendoo sujeito revolucionrio. Ademais, a construo de uma sociedade alternativa aocapitalismo se d no movimento de contradies. Tal modo de produo paga um

    preo para superar as crises, por exemplo, alargando a participao dos trabalhadorese tornando possvel a disputa pela hegemonia a partir de foras polticas distintas.

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    O socialismo, enquanto necessidade histrica, segundo Luxemburgo (2008),s seria possvel pelo martelo de uma revoluo que se daria pressupondo

    [...] uma luta demorada e persistente, sendo de todo provvel

    que, no seu curso, se veja o proletariado mais de uma vezrechaado, e por tal forma a sua ascenso ao poder, da primeiravez, ter sido necessariamente cedo demais, do ponto de vistado resultado final da luta. (LUXEMBURGO, 2008, p. 104).

    Todavia, [...] os prprios ataques prematuros do proletariado contra opoder de Estado so fatores histricos importantes, que contribuem a provocar edeterminar o momento da vitria definitiva. (LUXEMBURGO, 2008, p. 105).

    De acordo com Trotsky (2007), a revoluo socialista a revoluo permanente,uma vez que comea no terreno nacional, alastra-se pelo internacional e s terminacom o triunfo definitivo da nova sociedade em todo o nosso planeta (TROTSKY,2007, p. 208). Isso posto, no se exclui a dialeticidade no movimento histrico.Dessa maneira, Trotsky (2007) descreve a dialtica das etapas histricas darevoluo em expanso etapas estas que podem ser sim saltadas, sobretudo emmomentos crticos - e diferencia a revoluo do desenvolvimento evolucionista aoafirmar: [...] que a capacidade de reconhecer e utilizar esses momentos distingue,antes de tudo, o revolucionrio do evolucionista vulgar (TROTSKY, 2007, p.

    164). Acrescenta ainda que

    H etapas do desenvolvimento histrico que podem se tornarinevitveis em certas condies, sem que o sejam do pontode vista terico. Por outro lado, a dinmica da evoluo podereduzir a zero etapas teoricamente inevitveis, sobretudodurante as revolues [...] (TROTSKY, 2007, p. 166).

    Trotsky (2007) diferencia a revoluo da evoluo barata, enquanto Gramsci

    (1989b) distingue a revoluo da restaurao, no sentido de que [...] na dialticarevoluo-restaurao o elemento revoluo ou o elemento restaurao queprevalece, j que certo que no movimento histrico jamais se volta atrs, e noexistem restauraes in toto (GRAMSCI, 1989b, p. 64)

    Gramsci (1989b) explica como se forma o terreno propcio para atransformao:

    Verifica-se uma crise que, s vezes, prolonga-se pordezenas de anos. Esta durao excepcional quer dizer que

    se revelaram (amadureceram) contradies insanveis naestrutura e que as foras polticas que atuam positivamente

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    para conservar e defender a prpria estrutura esforam-se para san-las dentro de certos limites e super-las.Estes esforos incessantes e perseverantes [] formamo terreno ocasional sobre o qual se organizam as foras

    antagonistas, que tendem a demonstrar [...] que j existemas condies necessrias e suficientes para que determinadosencargos possam e, por conseguinte, devam ser resolvidoshistoricamente [...] (GRAMSCI, 1989b, p. 46).

    Assim, embora existam foras conservadoras que buscam manter inalteradoo modo de produo capitalista, as contradies emergem e a mudana -revolucionria - se torna inevitvel, como deixa entrever Gramsci (1989b, p.11-12), ao dizer que O maquiavelismo serviu para melhorar a tcnica polticatradicional dos grupos dirigentes conservadores, assim como a poltica da filosofiada prxis: isto no deve mascarar o seu carter essencialmente revolucionrio [...].

    3 O Marxismo e a Questo Ambiental: recortes

    Sobrevoou-se um pouco da teoria marxista e se chega, enfim, ao tema que,

    secundrio nessa teoria, fez-se para alguns estudiosos, com o desenvolvimento docapitalismo, tambm central em seus estudos. Segundo Loureiro (2006a, p. 15),A questo ambiental inexistia ou era marginal reflexo intelectual. O fenmeno compreensvel, se levarmos em considerao que no se sofria (sic)as gravesconsequncias da degradao dos espaos naturais e do meio em que se vivia,como na atualidade.

    No modelo societrio vigente, a natureza, tendo utilidade para o serhumano, constitui-se mercadoria e passa a ter um valor atribudo socialmente,um valor de troca, e j que as relaes sociais so materializadas nas relaesentre as mercadorias, estas se tornam fetiches que ofuscam tais relaes. E, comonos lembra Loureiro (2006a, p. 16), [...] as relaes sociais envolvem no sinteraes entre indivduos, grupos ou classes, mas compreendem as relaesdesses com a natureza.

    Os sujeitos veem a obra que fazem e no se reconhecem nela, a que Marx(2004, p. 87) se refere quando Todo auto-estranhamento do homem de si eda natureza aparece na relao que ele outorga a si e natureza para com osoutros homens diferenciados de si mesmo. Esse estranhamento, que auto-

    estranhamento, desumaniza e desvaloriza influindo, ademais, a relao serhumano/natureza. Dessa forma, segundo Marx (2004, p. 80),

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    Com a valorizao do mundo das coisas aumenta emproporo direta a desvalorizao do mundo dos homens.O trabalho no produz somente mercadorias; ele produz asi mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e isto na

    medida em que produz, de fato, mercadorias em geral.

    Nessa separao entre o ser humano e o produto de seu prprio trabalho,reflete-se a separao entre aquele e a natureza, at porque a natureza a fonte dosvalores de uso e, mormente, sobre ela e sobre si mesmo que atua o ser humanocom o trabalho. Para Loureiro (2006a, p. 19), [...] a emancipao humana, olivre manisfestar das potencialidades humanas e o enriquecimento espiritual queresulte no reencontro com o natural dependem da emancipao material e do

    fim da alienao.Como consequncia desse estranhamento/alienao, Gramsci (1989b)esclarece sobre a naturalizao das relaes sociais, da conformao dos sujeitoscom a situao em que se inserem, o que, em certa medida,paralisao ser humanodiante das possibilidades de transformao:

    Uma das criaes mais comuns aquela que acredita sernatural que tudo o que existe deve existir, no pode deixarde existir, e que as prprias tentativas de reforma, por pior

    que andem, no interrompero a vida; as foras tradicionaisprosseguiro atuando, e a vida continuar (GRAMSCI,1989b, p. 30-31).

    Entretanto, apesar de o regime burgus ter se tornado a prpria arma daguerra (TROTSKY, 2007), Gramsci (1989a, p. 40) amplia a questo:

    [...] todo indivduo no somente a sntese das relaesexistentes, mas tambm da histria destas relaes, isto

    , o resultado de todo passado. Dir-se- que o que cadaindivduo pode modificar muito pouco, com relao ssuas foras. Isto verdadeiro apenas at um certo ponto, jque o indivduo pode associar-se com todos os que querema mesma modificao; e, se esta modificao racional, oindivduo pode multiplicar-se por um elevado nmero devezes, obtendo uma modificao bem mais radical do que primeira vista parecia possvel.

    Enfim, as relaes que o ser humano estabeleceu com a natureza em virtude domodo de produo capitalista (pode-se ressaltar, por exemplo, a ideia de progresso

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    desenfreado a partir do desenvolvimento tecnolgico e da dominao4 sobre anatureza, o que acaba por privilegiar uma minoria) naturalizaram-se, a ponto de nose reconhecerem ou se pensarem outras formas de se relacionar. Assim, se as relaessociais se materializam nas relaes entre as mercadorias e acabam se materializandonas relaes com a natureza, no h como desvincular a discusso ambiental da anlisecrtica e histrica acerca do modelo atual, o que, consoante Loureiro (2006a), temsido feito por movimentos ambientalistas, mdia, Estado e empresas.

    3.1 Educao Ambiental? Para qu?

    Parte-se do pressuposto de que a educao um campo de disputa que, nas

    palavras de Layrargues (2005, p. 212), se torna palco permanente de conflito entreinteresses conservadores e libertrios. Por conseguinte, fica claro que a educaopode ser um mecanismo de dominao ideolgica para a manuteno da ordemsocial vigente, assim como, em contrapartida, pode ser um mecanismo para a disputadesse campo por meio de foras contra-hegemnicas. Logo, Mszros (2008, p. 52)sintetiza que [...] seja em relao manuteno, seja em relao mudana de umadada concepo de mundo, a questo fundamental a necessidade de modificar, deuma forma duradoura, o modo de internalizao historicamente prevalecente. Essa

    discusso permeia uma outra: a EA. sabido que a contemporaneidade se caracteriza pelo acirramento da crisesocioambiental. Essa crise evidenciada aos quatro cantos e, indubitavelmente,tanto a mdia quanto a escola difundem informaes sobre tal problemtica.Entretanto, sobretudo nas trs ltimas dcadas, no se veem resolues/avanos arespeito disso. Lembra Loureiro (2006a, p. 24):

    As causas da degradao ambiental e da crise narelao sociedade-natureza no emergem apenas

    de fatores conjunturais ou do instinto perverso dahumanidade, e as consequncias de tal degradaono so consequncias apenas do uso indevido dosrecursos naturais; mas sim de um conjunto de variveisinterconexas, derivadas das categorias: capitalismo/modernidade/industrialismo/urbanizao/tecnocracia.Logo, a desejada sociedade sustentvel supe a crtica

    4 Usaram-se as aspas na palavra dominao, visto que, de acordo com Loureiro (2006a p. 21), [...] preciso entender que a humanidade no domina a natureza, mas interage com ela e nela.

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    s relaes sociais e de produo, tanto quanto ao valorconferido dimenso da natureza.

    Sendo o educando e o educador sujeitos fundamentais na tentativa de

    transformao da sociedade atual e o ensino, prxis, a EA vem a acoplar a dimensopoltica revelando, para tanto, as desiguais relaes de poder (GUIMARES,2000) e a servir como um dos mecanismos de mudanas significativas.

    Segundo Loureiro (2005, p. 69):

    A Educao Ambiental uma prxis educativa e socialque tem por finalidade a construo de valores, conceitos,habilidades e atitudes que possibilitem o entendimento darealidade da vida e a atuao lcida e responsvel de atoressociais individuais e coletivos no ambiente. Nesse sentido,contribuir para a tentativa de implementao de um padrocivilizacional e societrio distinto do vigente, pautado numanova tica da relao sociedade-natureza.

    Tal autor deixa claro que, para alm dessa construo de valores, atitudes,conceitos e habilidades, h que se tentar implementar um padro civilizacionale societrio diverso do atual e que ressignifique as relaes entre ser humano e

    natureza. Pensando dessa forma, h de se reconhecer que a crise socioambiental mais do que o reconhecimento de que o modo de produo capitalista tem limites,mas a clareza da urgncia de se pensar outra forma de produo material da vida.

    S para utilizar um exemplo acerca das causas da problemtica ambiental e aurgncia de se implementar um outro modelo societrio, cita-se Santos (2008),em referncia tecnologia, tema imbricado na questo discutida:

    Em sua verso contempornea, a tecnologia se ps aoservio de uma produo escala planetria, onde nem

    os limites dos Estados, nem os dos recursos, nem os dosdireitos humanos so levados em conta. Nada levado emconta, exceto a busca desenfreada pelo lucro, onde querque se encontrem os elementos capazes de permiti-lo.(SANTOS,2008, p. 181).

    Logo, no se trata de retroceder a produo tecnolgica, mas sobretudo nopens-la pelo vis do lucro, espinha dorsal do capitalismo. H de desenvolv-lasim, no entanto levando em considerao as limitaes ambientais e os objetivos

    para os quais serve esse desenvolvimento, se para o capital, se para a emancipaohumana. Eis o mesmo dilema da EA.

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    3.2 A Educao Ambiental Conservadora

    A EA est nas escolas de uma maneira ou de outra (GUIMARES, 2006),

    todavia o que vem a ser questionado que EA essa a que se prope e quais soos seus efeitos. Da, traz-se para o campo de disputa duas formas de se concebere tambm de se praticar a EA: de um lado, a EA Conservadora; e de outro,a EA Crtico-Transformadora. No que sejam dois campos assim to dspares,na verdade utilizam-se essas duas nomenclaturas at por uma questo didtica,porm importante diferenci-las, levando em conta suas aproximaes e atoutras vertentes que delas surgem, ou podem vir a surgir.

    A EA Conservadora aquela que, segundo Guimares (2004), tem estado

    mais presente nas escolas. Em sentido lato, trata-se tanto de concepes quantode prticas ingnuas e/ou equivocadas, uma vez que no propem uma mudanasignificativa do modelo societrio vigente. A vertente ecolgico-preservacionistaest muito presente no discurso ambientalista amplamente reconhecido e que,de acordo com Loureiro (2005, p. 81), [...] no vem conduzindo mobilizaopermanente e ao envolvimento de amplas parcelas da populao, a no ser emsituaes urgentes, concretas e especficas. No que a preservao no sejaimportante, no entanto mais que sabido que essas aes isoladas no resolvem a

    questo maior da crise socioambiental.Da mesma forma, uma vertente individualista-comportamental acusa o sujeitoresponsabilizando-o e corrompendo-o a pensar que o cada um fazer sua parte,alis clich bastante recorrente, o ponto central da problemtica socioambiental.Um exemplo disso o incentivo substancial em funo da reciclagem, no lugar dese pensar primeiro a reutilizao e a reduo do consumo.

    mesma maneira que a questo da reciclagem, Layrargues (2006, p. 81),mais uma vez muito bem ressalta que se fala [...] muito na escassez absoluta degua potvel no planeta, quando se verifica a preciosidade que a gua doce no

    mundo, mas nos esquecemos de debater a escassez relativa da gua no territrio,quando se verifica a desigual distribuio entre os humanos, para as distintasformas de apropriao e os diferentes usos desse recurso.

    Outra vertente conservadora a ideolgico-romantizado-naturalizada emque se enxerga o meio ambiente/a natureza, alm de dominados pelo ser humano,como divinizados. Dessa forma, segundo Loureiro (2005, p. 70), muitoseducadores se restringem sensibilizao ou instrumentalizao, que so [...]mecanismos de promoo de um capitalismo que busca se afirmar como verde

    e universal em seu processo de reproduo, ignorando-se, assim, seus limites eparadoxos na viabilizao de uma sociedade sustentvel.

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    Nesse caminho, ressalta-se ainda a vertente tecnicista que prope mudanasnas relaes tcnicas e instrumentais para com o meio ambiente, da se podetambm direcionar a discusso para a tecnologia, [...] desprezando comoestas (relaes tcnicas e instrumentais) se articulam s relaes sociais e socriadas na histria. Falta a o sentido de complexidade e de entendimentode que a totalidade implica uma unidade natureza-sociedade (LOUREIRO,2006b, p. 120).

    Mais uma vez, recorre-se a Layrargues (2005, p. 180) que, estudando aproblemtica da reciclagem das latinhas de alumnio, traz para o debate que:

    Essa prtica educativa, que se insere na lgica dametodologia da resoluo de problemas ambientais locais

    de modo pragmtico, tornando a reciclagem do lixo umaatividade-fim, em vez de consider-la um tema-geradorpara o questionamento das causas e consequnciasda questo do lixo, remete-nos de forma alienada discusso dos aspectos tcnicos da reciclagem, evadindo-se da questo poltica.

    Assim como esse tipo de tecnicismo desconsidera as discusses polticase ticas, uma vertente de educao bancria largamente reconhecida por

    pesquisas nas escolas, como se simplesmente a [...] difuso da perceposobre a gravidade dos problemas ambientais e suas consequncias para o meioambiente (GUIMARES, 2006 p. 15) fosse dar conta de se resolver a criseque vivemos. De acordo com Guimares (2000, p. 84), no se deve limitar aEA a informar as consequncias da crise, mas desvelar e agir sobre as relaesque originaram os problemas ambientais (suas causas epistemolgicas, tico-polticas, materiais etc.).

    Findando essa sinttica caracterizao da EA Conservadora, volta-se

    vertente fragmentria, fruto do positivismo e do cartesianismo que moveram acincia e que, de certa forma, ainda movem, desmerecendo a complexidade dotema. Segundo Loureiro (2005, p. 180), nas escolas so implementados vriosprogramas, porm de maneira reducionista,

    [] j que em funo da reciclagem, desenvolvem apenas acoleta seletiva de lixo, em detrimento de uma reflexo crticae abrangente a respeito dos valores culturais da sociedade deconsumo, do consumismo, do industrialismo, do modo de

    produo capitalista e dos aspectos polticos e econmicosda questo do lixo.

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    Essa EA Conservadora reformista e serve a lgica do mercado, logo,a lgica do capitalismo. Hegemonicamente, esta a que difundida pelasescolas e pela mdia e acaba por corroborar com a naturalizao do sistema.Da, evidencia Loureiro (2006a, p. 23) que [...] no h ecossistemasimutveis, e a espcie humana, enquanto existir sobre a Terra, atuar neles.O que pode e deve mudar o padro societrio e, consequentemente, a visode mundo que se tem e o tipo de relaes sociais e de produo a inseridos.Fecha-se com uma indagao de Gramsci (1989a, p. 12): O problema oseguinte: qual o tipo histrico do conformismo e do homem-massa doqual fazemos parte?

    3.3 A Educao Ambiental Crtico-Transformadora

    A EA Crtica e Transformadora, no entendida como a salvao, mas comocontribuio para pens-la, , por conseguinte, um instrumento valioso nocampo de disputa atravessado, muitas vezes, pela EA Conservadora embaladapela racionalidade dominante. Essa racionalidade que se apropria do discursohegemnico e se pauta nos paradigmas da sociedade moderna consumista

    traz em seu bojo o que Guimares (2005, p. 123) chama de armadilhaparadigmtica, ou seja, aquilo que:

    [] provoca a limitao compreensiva e a incapacidadediscursiva de forma redundante. Produto e produtorade uma leitura de mundo e um fazer pedaggicoatrelado ao caminho nico, traado pela racionalidadedominante da sociedade moderna e que busca serinquestionvel. esse processo que vem gerando,

    predominantemente, aes educativas reconhecidas nocotidiano escolar como educao ambiental e que, poressa armadilha paradigmtica na qual se aprisionamos professores, apresenta-se fragilizada em sua prticapedaggica.

    Assim, a EA Crtica a proposta de um modelo societrio divergente do atual, :

    O desafio para a consolidao de uma cidadania

    substantiva e direta (que) reside na capacidade depublicizar as instituies formais, de estabelecer prticas

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    democrticas cotidianas, de promover uma escolacapaz de levar o aluno a refletir criticamente sobreseu ambiente de vida e de consolidar uma cultura decidadania, nos planos local, regional ou internacional,

    articulada aos processos de transformao sistmica(LOUREIRO, 2005, p. 75).

    Assim como, para Mszros (2008, p. 25), [...] uma reformulaosignificativa da educao inconcebvel sem a correspondente transformaodo quadro social no qual as prticas educacionais da sociedade devem cumpriras suas vitais e historicamente importantes funes de mudana. Para tanto,a crena em que as mudanas substanciais, mesmo acusadas de utopismo, so

    realizveis, uma vez que no se acredite na infinitude de um sistema que fazemergirem, todo o tempo, as suas prprias contradies, imprescindvelpara fortalecer a ideia da prpria transformao.

    A torto e a direito tem sido utilizado o termo EA Crtica, ou EATransformadora, ou mesmo EA Emancipatria, entretanto, indaga-se a quecrtica, a que transformao, a que emancipao se faz referncia nos infindveisestudos da rea. Sabe-se que o pensamento reformista, de acordo com a novasocialdemocracia, lidera nessas produes, no sentido de que se limita ao modo

    de produo vigente e nem sequer faz meno a transcend-lo.A EA, aqui pensada como revolucionria, alia-se ideia da tomada doEstado. Esse Estado - comit poltico da burguesia (MARX; ENGELS,2008), espao de disputa (LENIN, 2007), condensao do conflito declasses (GRAMSCI, 1989b) - lido dialeticamente no processo histrico,acaba por colaborar com a iluso de uma democracia, no realizada, queno interfere na acumulao de capital; entretanto abre a possibilidade dedisputa. E nesse nterim que a contra-hegemonia tem a oportunidade dederrubar o Estado que est posto. A construo de uma sociedade alternativaao capitalismo se d nesse movimento de contradies e, no obstante a suanatureza seja a de manter a hegemonia de uma classe, nessas contradiesque se encontram espaos de disputa pela nova hegemonia.

    Assim, constata-se que a educao sim um mecanismo de luta contra-hegemnica, um campo propcio ao estabelecimento de novas formas depensar a produo material da vida. A EA surge como um brao dessaeducao que, mesmo sendo uma rea recente, datada praticamente dadcada de 70, o que muito bem evidencia as contradies do modo de

    produo capitalista e que pode contribuir com a construo, no reformista,de outro padro societrio.

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    4 Consideraes Finais: reforma ou revoluo5?

    A luta de classes um fato: pode ser escamoteada, romantizada, mas existe.

    O modo de produo capitalista injusto, classista, privilegia os poucos queacumulam capital. A natureza cada vez mais espoliada est merc desse sistemae a crise socioambiental, decorrente do desenvolvimento deste, potencializa-se.

    O Marxismo, acusado da secundarizao da problemtica ambiental, numaatenta releitura,mostra, a comear pelas obras clssicas, as imbricaes do temacom toda a anlise da sociedade capitalista e a supera, a partir da atualizao de suasdiscusses. O que se pretende com este texto ressaltar a importncia do referencialterico do Materialismo Histrico Dialtico e toda uma tradio da teoria crtica,

    para subsidiar uma anlise consistente da atual situao de crise socioambiental.A afirmao deste referencial objetiva se contrapor hegemonizao de posturase vises que, esvaziada de criticidade, impe uma perspectiva conservadora deEA. Sem dvida, os debates sobre Estado e Revoluo serviram de reflexo sobreo que est naturalizado, sobre a conformao social e mesmo banalizao daluta de classes, ao encontro da ideia de transformao sistmica no reformista;desaguam, por conseguinte, na educao como campo de disputa.

    A educao - ato poltico - sim um mecanismo de transformao social,no o nico, no a salvao, mas, pelo fortalecimento dado pela consistncia

    terica, alimenta uma prtica de desvelamento, problematizao, proposioe mobilizao, que impe no movimento histrico dialtico, constituinte darealidade, a consolidao de foras contra-hegemnicas. Foras fundamentaispara que se crie o ambiente fecundo para a gnese do novo, resultante de sntesesdialticas. E a EA Crtico-Transformadora, no falaciosa e que abarca esseMarxismo aqui discutido, de no reformismo, para ns uma contribuio parapotencializar o movimento revolucionrio que se faa permanente na construode uma outra sociedade; essa, socioambientalmente sustentvel.

    5 Reforma ou Revoluo? o ttulo do livro de Luxemburgo (2008) que, embora j citado neste artigo,remete discusso central deste texto.

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    Recebimento em: 09/08/2010.Aceite em: 01/08/2011.