Algernon Blackwood - Luzes Antigas [Rev RTS]

9
Algernon Blackwood – Luzes Antigas Algernon Blackwood Luzes Antigas Tradução, formatação, pesquisa e revisão: - RTS – Romance com Tema Sobrenatural (Orkut) 1

Transcript of Algernon Blackwood - Luzes Antigas [Rev RTS]

Page 1: Algernon Blackwood - Luzes Antigas [Rev RTS]

Algernon Blackwood – Luzes Antigas

Algernon BlackwoodLuzes Antigas

Tradução, formatação, pesquisae revisão: - RTS – Romance com Tema Sobrenatural

(Orkut)

1

Page 2: Algernon Blackwood - Luzes Antigas [Rev RTS]

Algernon Blackwood – Luzes Antigas

LUZES ANTIGAS

Algernon Blackwood

Digitalizado por Librodot

Desde Southwater, onde desembarcou do trem, o caminho ia direito para poente. Isso sabia; de resto, confiava na sorte, já que era um desses andarilhos impenitentes que não gostam de perguntar. Tinha esse instinto, e geralmente lhe funcionava bastante bem. «Uma milha ou assim em direção oeste pelo caminho arenoso, até chegar a uma rua, dobra à direita; daí cruza a travessa. Verá o edifício vermelho justo diante de você.» Deu um olhar, outra vez, às instruções da postal, e outra vez tratou de decifrar a frase apagada... em vão. Tinha sido tachada com tanto cuidado que não ficava uma só palavra legível. As frases tachadas em uma carta são sempre fascinantes. Perguntou-se o que seria que apagara com tanto cuidado.

A tarde era tormentosa, com uma ventania que vinha uivando do mar e varria os bosques de Sussex. Nuvens pesadas, de beiras redondas e condensadas, entrechocavam-se nos espaços abertos do céu azul. Ao longe, a linha de colinas percorria o horizonte como uma onda iminente. Chanctonbury Ring parecia sulcar sua crista como um navio veloz com o casco inclinado pelo vento de popa. Ele tirou o chapéu e avivou o passo, aspirando com prazer e satisfação grandes baforadas de ar. O caminho estava deserto: não se viam bicicletas, automóveis, ou cavalos; nem sequer um carro de mercadorias ou um simples viandante. De todo modo, não teria perguntado o caminho. Com o olhar atento à aparição da passagem de perto, caminhava pesadamente, enquanto o vento lhe sacudia a capa contra a cara e frisava os atoleiros azuis do caminho amarelado. As árvores mostravam o branco envés de suas folhas. As samambaias, a erva nova e alta, inclinavam-se em uma única direção. O dia estava cheio de vida, e havia animação e movimento em todas partes. E para um agrimensor de Croydon recém-chegado de seu escritório, isto era como umas férias no mar.

Era um dia de aventuras, e seu coração se elevava para unir-se ao aspecto da Natureza. Seu guarda-chuva com aro de prata devia ter sido uma espada; e seus sapatos marrons, botas altas com esporas. Onde se

2

Page 3: Algernon Blackwood - Luzes Antigas [Rev RTS]

Algernon Blackwood – Luzes Antigas

ocultava o Castelo encantado e a Princesa de cabelos dourados como o sol? Seu cavalo...

De repente apareceu à vista o passo de perto, e acabou a aventura em embrião. Outra vez voltou a lhe aprisionar sua roupa de jornal. Era agrimensor, de meia idade , com um salário de três libras por semana, e vinha de Croydon a estudar as mudanças que um cliente pensava fazer em um bosque... algo que proporcionasse uma melhor vista da janela de seu restaurante. Do outro lado do campo, a uma milha de distância possivelmente, viu cintilar ao sol o vermelho edifício, e enquanto descansava um instante para recuperar fôlego, ficou a observar um bosquezinho de carvalhos e abedules que ficava a sua direita. “Droga!”disse. “Esta deve ser a área que ele quer destruir para melhorar a perspectiva, né? Vamos dar uma olhada.» Havia uma cerca, certamente; mas tinha também um atalho tentador. «Não sou um intruso –disse-: isto forma parte de meu trabalho.» Saltou dificultosamente por cima da porteira e se internou entre as árvores. Uma pequena volta o levaria ao campo outra vez.

Mas no instante em que cruzou as primeiras árvores deixou de uivar o vento e uma quietude se apoderou do mundo. Tão espessa era a vegetação que o sol penetrava só em forma de manchas isoladas. O ar era pesado. Enxugou-se e colocou seu chapéu de feltro verde; mas um ramo baixo o voltou a tirar em seguida de um golpe; e ao inclinar-se, endireitou-se um galhinho dobrado, e lhe deu no rosto. Havia flores dos dois lados do pequeno atalho. De vez em quando se abria um claro a um ou outro lado; as samambaias se curvavam nos rincões úmidos, e era doce e rico o aroma de terra e a folhagem. Fazia mais ar fresco aqui. «Que bosquezinho mais encantador», pensou, descendo para uma pequena clareira onde o sol batia as asas como uma multidão de mariposas chapeadas. Como dançava e palpitava e revoava! Novamente, ao erguer-se, tirou o chapéu de um golpe um ramo de carvalho, derrubando-o por diante dos seus olhos. Esta vez não o voltou a pôr. Balançando o guarda-chuva, prosseguiu seu caminho com a cabeça descoberta, assobiando sonoramente. Mas a espessura das árvores animava pouco a assobiar; e pareceram esfriar-se um pouco sua alegria e seu ânimo. De repente, deu-se conta de que caminhava com cautela. A quietude do bosque era muito singular.

Houve um sussurro entre as samambaias e as folhas; algo saltou de repente ao atalho, a umas dez jardas dele, parou um instante, erguendo a cabeça inclinada para olhar, e logo mergulhou outra vez na maleza à velocidade de uma sombra. Sobressaltou-se como um menino medroso, e um segundo depois riu de que um mero faisão o tivesse assustado. Ouviu um estalo continuado de rodas ao longe, no caminho, e, sem saber por que, foi-lhe grato esse ruído. «O carro do velho açougueiro», disse...

3

Page 4: Algernon Blackwood - Luzes Antigas [Rev RTS]

Algernon Blackwood – Luzes Antigas

Então notou que ia em direção errada e que, não sabia como, tinha dado meia volta. Porque o caminho devia ficar atrás dele, não diante.

De modo que se meteu apressadamente por outro estreito claro que se perdia no verdor à sua direita. “Esta é a direção, claro” - disse. “Devo despistar as árvores... » e de repente descobriu que estava junto à porteira que tinha saltado para entrar. Tinha estado andando em círculos. A surpresa, aqui, converteu-se quase em desconcerto: viu um homem vestido de verde-pardo como os guardas-florestais, apoiado na cerca, dando-se pequenos açoites na perna com uma vara.

«Vou à casa do senhor Lumley -explicou o caminhante-. Este é seu bosque, acredito...», Calou-se de repente; porque ali não havia homem algum, mas sim era um mero efeito de luz e sombra na folhagem.

Retrocedeu para reconstruir a singular ilusão, mas o vento agitava muito os ramos aqui, na beira do bosque, e a folhagem se negou a repetir a imagem. As folhas sussurraram de um modo estranho. Nesse exato momento se ocultou o sol numa nuvem, fazendo com que o bosque adquirisse um aspecto diferente. E então ficou claro com quanta facilidade pode se enganar a mente humana; porque quase lhe pareceu que o homem lhe respondia, falava-lhe ou foi o rumor dos ramos ao esfregar-se uns nos outros? E que assinalava com a vara um letreiro parecido na árvore mais próxima. Ainda lhe soavam no cérebro suas palavras; embora, é claro, tudo fossem representações delas: «Não, este bosque não é dele. É nosso». E além disso, algum engraçadinho do povoado tinha trocado o texto da deteriorada tabela; porque agora lia-se com toda clareza: «Passagem Proibida».

E enquanto o assombrado agrimensor lia o letreiro, e deixava escapar um risinho, disse-se, pensando na história que ia contar mais tarde à sua mulher e seus filhos: «Este bosquezinho danado tentou me enganar”. Mas vou entrar outra vez. Em realidade, ocupa um acre no máximo. Não tenho mais remedio senão sair a campo aberto pelo lado oposto, se seguir em linha reta». Recordou sua posição no escritório. Tinha certa dignidade a conservar.

A nuvem se separou de diante do sol, e a luz salpicou de repente toda classe de lugares insuspeitados. Ele, enquanto isso, seguia caminhando em linha reta. Sentia uma espécie de estranha confusão: esta forma em que as árvores trocavam as luzes em sombras lhe confundia evidentemente a vista. Para seu alívio, surgiu ao fim um novo claro entre as árvores, lhe revelando o campo, e divisou o edifício vermelho ao longe, ao outro extremo. Mas tinha que saltar primeiro uma pequena porteira que havia no caminho; e ao subir trabalhosamente a ela -dado que não quis abirse-, teve a assombrosa sensação de que, devido a seu peso, deslocava-se lateralmente em direção ao bosque. Ao igual às escadas rolantes do Harrod's e Earl's Court, começou a deslizar-se com ele. Era horrível. Fez um esforço desonesto para saltar, antes de

4

Page 5: Algernon Blackwood - Luzes Antigas [Rev RTS]

Algernon Blackwood – Luzes Antigas

que lhe internasse nas árvores; mas lhe enredou o pé entre os barrotes e o guarda-chuva, com tal fortuna que caiu ao outro lado com os braços abertos, em meio da maleza e as urtigas, e os sapatos travados entre os dois primeiros paus. ficou um momento na postura de um crucificado de barriga para baixo, e enquanto lutava para desembaraçar-se -os pés, os barrotes e o guarda-chuva formavam um verdadeiro matagal-, viu passar pelo bosque, a toda pressa, ao homenzinho de verde pardo. Ia rendo. Cruzou o claro, a umas cinqüenta jardas dele; esta vez não estava sozinho. A seu lado ia um companheiro igual a ele. O agrimensor, novamente de pé, viu-lhes desaparecer na penumbra esverdeada. «São vagabundos, não guarda-florestal», disse-se, médio mortificado, médio furioso. Mas o coração lhe pulsava terrivelmente, e não se atreveu a expressar tudo o que pensava.

Examinou a porteira, convencido de que tinha algum truque; a seguir voltou a encarapitar-se nela a toda pressa, extremamente inquieto ao ver que a clareira já não se abria para o campo, mas sim virava à direita. Que diabos ocorria? Não andava tão mal da vista. De novo apareceu o sol de repente com todo seu esplendor, e semeou o chão do bosque de atoleiros chapeados; e nesse mesmo instante cruzou uivando uma furiosa rajada de vento. Começaram a cair gotas em todas partes, sobre as folhas, produzindo um tamborilar como de multidão de pegadas. O bosquezinho inteiro estremeceu e começou a agitar-se.

«Valha-me Deus, agora começa a chover!!», pensou o agrimensor; e ao ir tomar do guarda-chuva, descobriu que o tinha perdido. Voltou para a porteira e viu que lhe tinha cansado ao outro lado. Para seu assombro, descobriu o campo no outro extremo da clareira, e também a casa vermelha, iluminada pelo sol do entardecer. Pôs-se a rir, então. Porque, naturalmente, em sua resistência com os barrotes deu a volta, tinha voltado para trás e não para frente. Saltou a porteira, com toda facilidade desta vez, e correu. Descobriu que o guarda-chuva tinha perdido seu aro de prata. Certamente tinha enganchado em um pé, um prego ou o que fosse, e o tinha arrancado. O agrimensor pôs-se a correr: Estava tremendamente nervoso.

Mas enquanto corria, o bosque inteiro corria com ele, em torno dele, de um lado para outro, deslocando árvores como se fossem criaturas móveis, pregando e desdobrando as folhas, agitando seus troncos adiante e atrás, descobrindo espaços vazios seus ramos enormes, e voltando-os para ocultar antes que ele pudesse vê-los com clareza. Havia ruído de pegadas por todos os lados, e risadas, e vozes que gritavam, e uma multidão de figuras congregadas às suas costas, ao extremo de que a clareira fervia de movimento e de vida. Naturalmente, era o vento, que produzia em seus ouvidos o efeito de vozes e risadas, o sol e as nuvens, ao sumir o bosque alternativamente em sombras e em cegadora luz, geravam figuras. Mas não gostava de tudo isto, e pôs-se a

5

Page 6: Algernon Blackwood - Luzes Antigas [Rev RTS]

Algernon Blackwood – Luzes Antigas

correr o mais que pode, que suas vigorosas pernas podiam. Agora estava assustado. Já não lhe parecia um percalço apropriado para contá-lo a sua mulher e seus filhos. Corria como o vento. Entretanto, seus pés não faziam ruído na erva macia e musgosa.

Então, para seu horror, viu que a clareira se ia estreitando, que o invadiam as urtigas, reduzindo-o a um atalho minúsculo, e que terminava umas vinte jardas mais à frente, e desaparecia entre as árvores. O que não tinha obtido a porteira, tinha-o conseguido a complicada clareira: lhe colocar materialmente na espessa multidão de árvores.

Só cabia fazer uma coisa: dar meia volta e retornar de novo, correr com todas suas forças para a vida que vinha às suas costas, que lhe seguia tão de perto que quase lhe tocava e lhe empurrava. E isso foi o que fez com atropelada valentia. Parecia uma temeridade. Voltou-se com uma espécie de salto violento, a cabeça baixa, os ombros baixos e as mãos estendidas diante da cara. Lançou-se: investiu como um ser acossado em direção oposta, por isso agora o vento lhe deu de cara.

Deus meu! O claro que tinha deixado atrás se fechou também: não havia atalho nenhum. Deu a volta outra vez como um animal encurralado, procurou com os olhos uma saída, um modo de escapar; procurou frenético, ofegante, apavorado até o tutano. Mas a folhagem o envolvia, os ramos lhe obstruíam a passagem. As árvores estavam agora imóveis e juntas: não se agitava o mais leve sopro de ar; e o sol, nesse instante, ocultou-se depois de uma grande nuvem negra. O bosque inteiro se tornou escuro e silencioso. Ele observou.

Possivelmente foi este efeito final de súbito negrume o que o impulsionou a agir de maneira insensata, como se tivesse perdido o juízo. O caso é que, sem parar para pensar, lançou-se outra vez para as árvores. Teve a impressão de que o rodeavam e o seguravam de maneira asfixiante, e pensou que devia escapar... escapar, fugir à liberdade do campo e do ar livre. Foi uma reação instintitva; e ao parecer, investiu contra um carvalho que se situou deliberadamente no centro do atalho para detê-lo. Tinha-o visto deslocar-se menos uma jarda; sendo como era um profissional da medição, acostumado ao uso do teodolito e da cadeia, tinha experiência para sabê-lo. Caiu, viu as estrelas, e sentiu que mil dedos minúsculos tocavam suas mãos e seus tornozelos e seu pescoço. Sem dúvida se devia ao ardor das urtigas. É o que pensou mais tarde. Nesse momento lhe pareceu diabólicamente intencional.

Mas houve outra ilusão extraordinária para a qual não encontrou tão fácil explicação. Porque um instante depois, pareceu-lhe, o bosque inteiro desfilava diante dele com um profundo sussurro de folhas e risadas, de milhares de pés e de pequenas, inquietas figuras; dois homens vestidos de verde-pardo o sacudiram energicamente... e abriu os olhos para descobrir que jazia no prado junto à passagem onde tinha começado sua incrível aventura. O bosque estava em seu lugar de

6

Page 7: Algernon Blackwood - Luzes Antigas [Rev RTS]

Algernon Blackwood – Luzes Antigas

sempre, e lhe contemplava ao sol. Em cima dele sorria zombador o deteriorado letreiro: «Passagem Proibida».

Com a mente e o corpo transtornados, e bastante alterada sua alma de empregado, o agrimensor pô-se a andar devagar. Enquanto caminhava, voltou a consultar as intruções do cartão , e descobriu com estupor que podia ler a frase apagada sob os riscos: «Há um atalho que cruza o bosquezinho (que quero destruir), se você preferir». Embora os riscos sobre «se o prefere» faziam que parecesse outra coisa: parecia dizer, extranhamente, «se você se atrever».

-Esse é o bosquezinho que impede a vista das colinas - explicou depois seu cliente, assinalando-o do outro extremo do campo, e consultando o plano que tinha junto a ele-. Quero destrui-lo, e que se faça um caminho assim e assim - indicou a direção no plano, com o dedo. O Bosque Encantado o chamam ainda; é muitíssimo mais antigo que esta casa. Vamos, Sr. Thomas, se estiver você disposto, podemos ir dar uma olhada...

FIM

7