Alfredo Moreira - O papel da supervisão numa pedagogia para a autonomia

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O PAPEL DA SUPERVISO NUMA PEDAGOGIA PARA A AUTONOMIA

Maria Alfredo Moreira Universidade do Minho

Resumo O exerccio da superviso numa orientao educativa que privilegia a promoo da autonomia do aluno e um desenvolvimento profissional de natureza reflexiva implica uma redefinio do papel do supervisor. Ao propor um enquadramento comum superviso, formao e ao ensino/aprendizagem assente em ideiais de uma sociedade democrtica e humanista, com finalidades de desenvolvimento da reflexo crtica, de emancipao dos sujeitos, o papel do supervisor no poder mais ser perspectivado como transmissivo e aplicacionista. Partindo de um exemplo de como a superviso pode constituir-se como uma actividade de regulao reflexiva e colaborativa do processo de desenvolvimento profissional do supervisor pela via da investigao-aco, orientada para a promoo da autonomia do aluno e do professor em formao, mostra-se de que modo o papel do supervisor se reconceptualiza, abarcando competncias didcticas e supervisivas, mas tambm investigativas.

IntroduoA ideologia educacional que se defende neste texto radica no desenvolvimento de uma pedagogia para a autonomia (PA), num enquadramento reflexivo crtico da formao de professores e de supervisores. Sendo o processo de formao de professores (FP) aqui entendido como processo de indagao sistemtica sobre os processos de ensino/aprendizagem, conducente autonomizao do aluno, e o processo de formao de supervisores (FS) como teoria e prtica de regulao

reflexiva e colaborativa do processo de desenvolvimento profissional do supervisor,conducente autonomizao do aluno e do professor, verifica-se que ambos os processos se orientam por uma concepo de pedagogia escolar dirigida para a promoo da autonomia do aluno. Os princpios educacionais aplicveis a todos os participantes nestes trs nveis educacionais so transversais e assentes em ideais de uma sociedade democrtica, de orientao humanista, que consagram princpios de igualdade, racionalidade e

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justia social, no pressuposto de que a melhor teoria que poder informar a nossa aco educativa ser necessariamente uma teoria da prtica democrtica:() we cannot let our choice be guided by any theory. The theory to guide our basic choices must fill some criteria beyond claiming to be a theory. But what criteria derived from where? It is the view of this author that ultimately these choices are questions of practice, not of theory. Our first choice has to pertain to what kind of practices we will pursue in our constructive tasks () If our purpose is to build social relationships that can embody a principle of equality for all participants, the choice that offers itself is democracy, taken as a set of historically validated practices that we can enter into and make our own. If there is a need for a foundation, democracy is, as foundations go, as good as any philosophical or scientific one (Gustavsen, 2001: 24/25, nfase do autor).

As implicaes deste enquadramento para as teorias (modelos) e prticas de pedagogia e de superviso so bvias, na medida em que a intencionalidade,

coerncia e carcter desenvolvimentalista, experiencial e reflexivo da construo do conhecimento profissional em educao em lnguas e em superviso tm,necessariamente, de estar alinhadas numa direco crtica e emancipatria para todos os envolvidos (Vieira, 2000; Vieira & Marques, 2002; Paiva, Barbosa & Fernandes, 2003; Moreira, 2004). A superviso pedaggica institui-se como instrumento de

transformao dos sujeitos e das suas prticas, com implicaes nos contextos(i)mediatos da aco pedaggica. Defende-se um processo de educao de todos estes intervenientes assente em processos homolgicos de indagao crtica da aco educativa, de natureza participada, colaborativa, negociada e auto-regulada (Figura 1):

FS FP PA

Princpios: Ideais democrticos e humanistas Finalidades: Reflexo crtica, emancipao, autonomia Meios: Tarefas indagatrias, participadas, colaborativas, negociadas e auto-reguladas

Figura 1 - Princpios, finalidades e meios de uma PA, da FP e da FS

Figura 1 Princpios, finalidades e meios de uma PA, da FP e de FS

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Pedagogia para a autonomia: resistir e agir estrategicamente

O processo de desenvolvimento profissional do professor e do supervisor numa pedagogia para a autonomiaPara ilustrar o modo como a superviso se pode desenrolar num enquadramento transformador e emancipatrio da educao, promotor da autonomia dos sujeitos aprendentes (aluno, professor estagirio e supervisor), iremos apresentar um projecto de investigao-aco na superviso, desenvolvido entre a autora, enquanto supervisora da universidade, e um outro elemento do GT-PA, Manuela Malhado, que, altura, desempenhava funes de supervisora da escola1. Este projecto enquadravase nas actividades de um programa de formao de supervisores do estgio integrado de Ingls da Universidade do Minho2, que decorreu no ano lectivo de 1998/99 e que tinha como objectivos:

1. Aprofundar conhecimentos nas reas da superviso pedaggica, investigao e ensino; 2. Analisar/reflectir sobre teorias e prticas de superviso e ensino; 3. Partilhar experincias, conhecimentos, potencialidades e limitaes de prticas supervisivas actuais; 4. Produzir/adaptar materiais de interveno supervisiva;5. Estimular, pela investigao-aco, processos de melhoria da actividade supervisiva.

As estratgias formativas eram variadas, valorizando-se tarefas de consciencializao de teorias, conhecimentos, necessidades, prioridades e dilemas supervisivos, realizadas individual e colaborativamente, a leitura de textos informativos e o desenho de instrumentos de regulao da superviso. Todavia, a estratgia formativa principal consistia no desenvolvimento de pequenos projectos de investigao-aco individuais ou colaborativos, de enfoque na teoria e/ou prtica da superviso dos participantes, conduzidos em contexto profissional. O projecto colaborativo desenvolvido entre a autora e Manuela Malhado partiu de preocupaes evidenciadas por esta, relativas potencializao da observao de1

2

Este projecto de investigao-aco enquadra-se no projecto de doutoramento da autora e j foi apresentado em Malhado & Moreira (1999) e em Moreira (2000, 2002, 2004). Contudo, a anlise da sua articulao com o projecto dos estagirios, que faremos aqui, constitui informao nova, no apresentada noutros textos. O projecto de investigao em que se insere foi financiado pelo Instituto de Inovao Educacional (SIQE, Medida 2, projecto n 52/98), pelo Centro de Estudos em Educao e Psicologia da Universidade do Minho (actual Centro de Investigao em Educao) (registo n 511) e pelo PRODEP (Medida 5/Aco 5.3./N/189.007/00). Unio Europeia Fundo Social Europeu 135

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aulas neste contexto de formao, com destaque para a interveno sobre os papis formativos no mbito de uma formao reflexiva e promotora da autonomia dos professores estagirios. As questes de investigao ento traadas foram as seguintes (v. no Anexo 1 as estratgias desenvolvidas): 1. Como decorre o encontro de pr-observao? 1.1. Que papel assume o professor estagirio? E a supervisora?

2. Como se processa a observao? 2.1. 2.2. Que e como observam a supervisora e os professores estagirios? Que registos fazem?

3. Como decorre o encontro ps-observao? 3.1. 3.2. Como o preparam a supervisora e os professores estagirios? Que papel assumem no decorrer do mesmo?

4. Qual o valor formativo do ciclo de observao?

Embora a escolha da temtica da observao tenha sido da responsabilidade da Manuela, ela foi validada pela autora e pelos estagirios, como se poder verificar pela leitura do registo seguinte, transcrito do dirio de investigao da Manuela e ento comentado pela autora:

Registo do dirio de investigao de Manuela Malhado 1- Data de entrada: 26/01/99 (...) Foi para mim claro, desde o incio, que me interessava investigar A Observao de Aulas como Estratgia de Formao porque: 1. considero que, efectivamente, a observao de aulas a estratgia de formao por excelncia; 2. observo de forma ad hoc e no estou certa de conseguir optimizar as potencialidades da observao; 3. julgo que o modelo de observao clnica pode ser eficaz, mas tenho grande dificuldade em me enquadrar nele, nomeadamente no momento da observao propriamente dita (normalmente no consigo mais do que tirar algumas notas, mistura com comentrios/juzos de valor) e creio que na Ps-observao sou bastante directiva; 4. sei, por experincia, que no fcil separar a observao da avaliao; alis, parece-me mais fcil para mim que para os estagirios. (...) Antes de me decidir por este tema, consultei os estagirios, que o consideraram relevante e se mostraram disponveis para colaborar (...)

Comentrio da autora Data de entrada: 30/04/99 (...) Aderi, sem reservas, temtica, pois tambm creio que a formao inicial de professores tem de passar pela auto e hetero-avaliao das prticas de sala de aula. Incluo, na avaliao, a observao de aulas como prtica de avaliao formativa. Penso ser este o mal de todos os observadores no contexto da superviso.

De facto, a observao presta-se formulao de juzos de valor acerca da actuao do professor; da a veiculao avaliao, acentuada pela diferena de estatuto dos observadores.(...)

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Por seu lado, o grupo de trs estagirios com quem trabalhvamos tambm se encontrava a desenvolver um projecto colaborativo de investigao-aco3, com enfoque no desenvolvimento da autonomia dos seus alunos. No incio do ano lectivo, este grupo fundamentou a escolha desta temtica do seguinte modo, numa reflexo comum introdutria ao seu dossier de investigao-aco, intitulada Aprendizagem

para a Autonomia - Porque escolhemos este tema para o nosso projecto?:(...) resolvemo-nos por uma rea que trate de responsabilizar os alunos pelo seu processo de ensino/aprendizagem, de os consciencializar sobre as suas dificuldades, de os fazer despertar para as estratgias que auxiliem o seu trabalho escolar. Este projecto passa tambm por vrias fases de auto-avaliao do aluno que pretende ajud-lo na gesto das suas capacidades. (...) a aprendizagem para a autonomia no um processo em que o aluno trabalha de forma isolada mas em parceria com os colegas auxiliando-se mutuamente e, ao mesmo tempo, libertando o professor. Este ser chamado apenas quando os problemas no encontrarem soluo no seio do grupo de trabalho. (...) Com este projecto pretendemos desenvolver uma atitude de reflexo e introspeco perante a nossa actuao dentro da sala de aula, fugindo assim da imagem de tcnico de ensino.

A fim de ilustrar o modo como o projecto de investigao-aco das supervisoras foi desenvolvido em articulao com o dos estagirios, um exemplo de um ciclo de observao de aulas, referente a um momento final de observao (6 observao), ser aqui brevemente discutido. Dado o volume da informao produzida pelos estagirios no mbito dos seus projectos, tomar-se- apenas a evidncia recolhida junto de uma estagiria (Estagiria A). Comecemos ento pelo momento antecedente, referente ao encontro de psobservao do 5 ciclo de observao. Neste encontro, as tarefas de reflexo sobre as aulas observadas incidiram na anlise das actividades luz de alguns parmetros de definio do potencial de desenvolvimento da competncia de aprendizagem (Anexo 2). Na sequncia desta reflexo, a autora solicitou aos estagirios que a planificao da 6 aula que iria observar integrasse actividades com estas caractersticas. No encontro de pr-observao desta 6 observao, a Estagiria A fundamentou do seguinte modo, no seu dirio de investigao-aco, os objectivos e o enfoque de observao da estratgia pedaggico-investigativa seleccionada:3

O desenvolvimento destes projectos decorre do projecto de superviso intitulado A investigao-aco como estratgia de formao reflexiva de professores estagirios, que dinamizado por Flvia Vieira (coord.), Maria Alfredo Moreira, Isabel Barbosa, Madalena Paiva e Isabel Sandra Fernandes (colaborao de Jlia Amaro) v. Moreira, Vieira & Marques (1999a, b); Marques, Moreira & Vieira

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Estratgia: fornecimento de material de apoio aos alunos para incentivo de um trabalho autnomo Objectivos:1. Desenvolver no aluno a capacidade de trabalhar valendo-se de material de apoio e no do professor; 2. Levar o aluno a aperceber-se das suas capacidades; 3. Dar ao aluno a hiptese de procurar as estratgias de aprendizagem que a ele melhor se adequam; 4. Despertar no aluno o sentido de autonomia.

Enfoque de observao: penso ser importante observar o sucesso da actividade, a facilidade comque os alunos consultam o material de apoio e com que realizam as tarefas.

Durante a negociao da estratgia de observao para esta aula, foi apresentada e discutida uma ficha de observao de aulas a ser utilizada por todos os observadores, construda a partir da reflexo feita no encontro anterior (Anexo 3). Este instrumento visava caracterizar a aula com base nalguns parmetros de desenvolvimento da competncia de aprendizagem dos alunos, ajustando-se aos objectivos que presidiam ao projecto de investigao-aco dos estagirios. Seguiu-se a observao das aulas de cada um dos estagirios, onde a ficha foi utilizada por todos os observadores (supervisoras e professores estagirios). No encontro de ps-observao que se seguiu, analisaram-se as actividades desenvolvidas em aula, procurando-se aferir o grau de desenvolvimento da competncia de aprendizagem promovido pelas mesmas. No final deste encontro (tal como tinha sido feito para todos os encontros de ps-observao at a), os estagirios preencheram um questionrio de reflexo sobre o ciclo de observao, enquanto que a autora fez uma anlise do seu discurso nos dois encontros deste ciclo de observao, recorrendo a uma grelha de anlise do discurso, que continha os mesmos itens do questionrio dos estagirios (v. formato do questionrio e resultados no Anexo 4). A anlise comparativa dos resultados do preenchimento destes dois instrumentos revela que as percepes da Estagiria A e da autora relativas ao potencial formativo deste 6 ciclo de observao se aproximam bastante, sendo as da autora mais crticas em relao presena de alguns factores. Na avaliao do impacto da estratgia de investigao-aco desenvolvida neste ciclo de observao, esta estagiria fundamenta o grau de desenvolvimento da competncia de aprendizagem dos alunos na sua aula, integrando conceitos

(2001) e Moreira, Vieira, Marques, Paiva & Branco (2002). Est em curso desde 1995 e financiado pelo Centro de Investigao em Educao da Universidade do Minho. 138

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presentes na ficha de observao utilizada (registo no seu dirio de investigaoaco):Reflexo: (...) eu s era requisitada para ajudar a esclarecer o sentido de alguma frase ou palavraou mtodo a corrigir, para dizer se os exerccios estavam a ser bem realizados (...) Os alunos escolheram o ponto da gramtica sistematizada que queriam praticar. Esta estratgia integra assim o carcter de Autodireco, que implica a aquisio de capacidades operatrias de direco da aprendizagem (Holec, 1997). Logicamente o professor tem que se desprender um pouco da sua posio de autoridade e conceder ao aluno o espao que este necessita para se tornar autnomo. Por fim eu entreguei aos alunos uma fotocpia com a soluo dos exerccios (...) Este carcter de Auto-avaliao implica a identificao de critrios e a sua comparao com desempenhos, estimulando uma abordagem exploratria face a ambos e a adopo de uma estratgia de aprendizagem em profundidade (Vieira, Marques e Moreira, 1999). (...) Outra perspectiva que eu tentei dar a esta aula foi a de Explicitao. Uma das condies do desenvolvimento da competncia de aprendizagem consiste na transparncia das actividades propostas, ou seja, o aluno deve compreender o que faz, como faz e porque faz, para alm de fazer (Vieira, Marques e Moreira, 1999).

Mais tarde, numa reflexo final incidente na apreciao crtica do desenvolvimento global do projecto de investigao-aco (Junho 99), esta estagiria escreve o seguinte:Os meus objectivos [para o projecto de investigao-aco] eram (...) desenvolver a autonomia dos alunos, de os consciencializar das suas capacidades e dificuldades e de os ajudar a Aprender a Aprender. Pretendia que os alunos adquirissem hbitos de trabalho e de estudo e que aprendessem a resolver os seus problemas szinhos. Atravs deste trabalho, eu pretendia, ainda, tornar-me apenas um guia no Processo de Ensino/Aprendizagem dos meus alunos, tornando-os responsveis por este mesmo processo e ensinando-os a geri-lo. Para isso utilizei diversas estratgias [contrato de aprendizagem, atendimento extra-aula, trabalho de grupo/pares em tutoria, questionrios de auto-avaliao, actividades sugeridas pelos alunos...] (...) Este Projecto ajudou-me a reflectir sobre a minha actuao, a consciencializar-me da diversidade de estratgias que existem para tornar as aulas mais interessantes e mais motivadoras para os alunos (...) (...) acredito que criei hbitos de trabalho nos alunos, ensinei-lhes estratgias para realizao de diversas tarefas (...) (...) tentei formar alunos autnomos e responsveis e penso que deixei neles pelo menos a semente deste projecto. (...) (...) gostaria de continuar este Projecto em outros anos, com outras turmas (...) Penso que bastante produtivo e muito compensador quer para mim, como professora, quer para os alunos.

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Num outro questionrio, sobre concepes de ensino/aprendizagem dos professores estagirios e representaes sobre o seu papel de professores, que preenchido num momento inicial e num momento final do ano e que se destina a recolher informao avaliativa sobre o projecto de superviso da universidade, esta estagiria valida a orientao pedaggico-didctica para o desenvolvimento da autonomia dos seus alunos, explicitada do seguinte modo nesses dois momentos:[Outubro de 1998] (...) Penso que vivemos numa sociedade que requer dos alunos no s conhecimentos, mas tambm uma preparao para enfrentar o mundo de uma forma autnoma e responsvel. Penso ser indispensvel criar na escola a autonomia nos alunos faz-los guiar o seu processo de ensino-aprendizagem sempre com o auxlio e acompanhamento do professor. Eu acredito que o papel do professor no deve ser mais de mestre, mas o de guia (...).

[Maio de 1999] (...) O princpio pedaggico que eu defendo com maior convico que os alunos devem ser preparados para gerir o seu processo de ensino/aprendizagem, devem ser autnomos e responsveis pelo seu trabalho. Penso que este o principal princpio pedaggico a implementar na sala de aula. tambm importante que a opinio do aluno seja tomada em considerao e que este sinta isso (...).

Por seu lado, as supervisoras tambm reflectiram sobre o processo de autonomizao do professor estagirio e sobre o seu prprio desenvolvimento profissional na superviso, promovido pelo processo de indagao sistemtico e cclco caracterstico da investigao-aco que desenvolveram em colaborao. De acordo com a avaliao realizada, a participao mais activa dos estagirios no seu processo de desenvolvimento profissional evidenciou-se na colaborao no ciclo de observao, particularmente nos momentos de tomada de deciso, de negociao das actividades e instrumentos e de anlise e partilha da informao recolhida durante as observaes de aula. Os principais constrangimentos localizaram-se nas dificuldades evidenciadas pelos estagirios em reflectir sistematicamente sobre a aco, assim como na percepo de interferncia da presena dos observadores no normal decorrer das aulas.

Concluses luz da investigao crtica em educao incontornvel a reflexo sobre a misso poltica e social e a responsabilidade tica do investigador. As suas

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competncias, posio acadmica e prestgio social devem ser utilizados para fazer avanar o grau de autonomia, emancipao, justia e igualdade social daqueles que participam nos seus estudos. O princpio de fazer investigao com as pessoas e no apenas sobre elas ento crucial neste enquadramento paradigmtico, em particular o desenvolvimento da investigao-aco participada de tipo emancipatrio que mobilize processos de indagao colaborativa da aco e cujas finalidades, mtodos e resultados possam tambm servir a comunidade, para alm do investigador ou grupo de investigao (Carr & Kemmis, 1986; Heron & Reason, 2001). O processo supervisivo neste enquadramento reflexivo crtico, orientado para a promoo da autonomia do aluno, assume-se como um processo de superviso

dialgica e democrtica (Waite, 1995, 1999), visando promover a comunicao, anegociao de decises e a clarificao de intenes e realizaes, entre supervisores, entre estes e os seus estagirios, e entre os estagirios e os seus alunos. O papel do supervisor torna-se assim mais exigente (Figura 2), no se podendo cingir a uma orientao tradicional excessivamente centrada em si e na avaliao sumativa do trabalho do estagirio, assente em modelos de mestria ou de racionalidade tcnica da formao de professores. Numa pedagogia para a autonomia, o supervisor deve ser um profissional com competncias no apenas na sua rea disciplinar, mas tambm em didctica e em superviso. Deve ainda possuir algumas competncias investigativas que lhe permitam indagar sistemtica e criticamente os contextos de formao, actuando como promotor de uma pedagogia centrada no aluno e conducente sua autonomizao. A indagao dos contextos deve incluir a indagao do prprio processo de desenvolvimento profissional, enquanto professor e supervisor, visando uma maior aproximao e congruncia entre os princpios, finalidades e meios de (auto/hetero)formao, de natureza democrtica e humanista.

PAPIS DO SUPERVISOR Tradicionalmente... Numa Pedagogia para a Autonomia... Orientador/perito cientfico e pedaggico- Perito alargado em didctica de... e superviso didctico (e investigao) Gestor da formao Facilitador do ensino e da investigao para uma Observador principal PA: negociador, co-gestor, co-experimentador, Avaliador privilegiado co-observador, co-avaliador... (...) Investigador em superviso (e em pedagogia) (...)

Figura 2 - Os papis do supervisor numa pedagogia para a autonomia

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Anexo 1- Registo do Projecto de Investigao-Aco das SupervisorasUniversidade do Minho - Instituto de Educao e Psicologia Oficina de Formao "A investigao-aco na superviso em ensino do Ingls" Ano Lectivo de 1998/99

Registo dos projectos de investigao-aco em superviso TEMA: A OBSERVAO DE AULAS COMO ESTRATGIA DE FORMAO

SUPERVISORAS: Maria Manuela Malhado Maria Alfredo Moreira

QUESTES DE INVESTIGAO-ACO/ SUPERVISO: 1. Como decorre o encontro de pr-observao? 1.1. Que papel assume o professor estagirio? E a supervisora? 2. Como se processa a observao? 2.1. Que e como observam a supervisora e os professores estagirios? 2.2. Que registos fazem? 3. Como decorre o encontro ps-observao? 3.1. Como o preparam a supervisora e os professores estagirios? 3.2. Que papel assumem no decorrer do mesmo? 4. Qual o valor formativo do ciclo de observao?

ESTRATGIAS DE INVESTIGAO-ACO/SUPERVISO: 1. Preenchimento de guias de preparao dos encontros pr/ps-observao (pelo estagirio observado) 2. Observao sistemtica das aulas (instrumentao diversificada) 3. Videogravao de aulas dos estagirios, com tarefas autoscpicas 4. Resposta a um questionrio de reflexo sobre o ciclo de observao (pelo estagirio observado) 5. Audiogravao de encontros pr e ps-observao 6. Preenchimento de uma grelha de anlise do discurso da superviso 7. Elaborao de um dirio de investigao-aco 8. Resposta a um questionrio final sobre o impacto do projecto (pelos estagirios) 9. Redaco do relatrio final do projecto

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Anexo 2 - Tarefas de Reflexo no 5 Encontro Ps-observaoUNIVERSIDADE DO MINHO - INSTITUTO DE EDUCAO E PSICOLOGIA 5 Encontro ps-observao - 99.04.20 CRITRIOS DE ANLISE DE ACTIVIDADES COM POTENCIAL DE DESENVOLVIMENTO DA COMPETNCIA DE APRENDIZAGEM (PDCA) As actividades com PDCA so actividades que, podendo ter um enfoque lingustico, revelam um enfoque explcito no processo de aprendizagem da lngua so actividades de aprender a aprender: por exemplo, actividades que envolvem o aluno em prticas de monitorao/auto-avaliao do desempenho lingustico; actividades de reflexo sobre a aprendizagem; actividades de consciencializao de atitudes relativas aprendizagem de determinadas "skills".... Aprender a aprender a lngua significa adquirir um saber metaprocessual ou metacognitivo, desenvolver estratgias de aprendizagem e atitudes de iniciativa e responsabilizao pelo processo de aprender. Os critrios de anlise das actividades com PDCA seguintes tm sido utilizados na anlise de manuais de Ingls (Vieira, 1999): 1. 2. 3. 4. 5. 6. Enfoque processual: em que aspectos do processo de aprendizagem da lngua incide a actividade? Explicitao: em que medida e de que forma se encontra explicitado, no texto da actividade, o seu enfoque processual? Integrao: em que medida e de que forma se encontra o enfoque processual articulado com o enfoque lingustico? Autodireco: em que medida e de que forma permitem as actividades propostas que o aluno tome iniciativas ou decises? Monitorao/ Auto-avaliao: em que medida e de que forma permitem as actividades propostas que o aluno faa a regulao da sua aprendizagem? Materiais de consulta: em que medida e de que forma promovem as actividades propostas o recurso a materiais de consulta? ************************************************************************* TAREFAS DE ANLISE/REFLEXO 1. Retomando as actividades de escrita observadas na tua aula (Estagirios A e B), quais os critrios que pensas terem estado presentes? (Usa a seguinte escala: - Sim; X - No; ? - No tenho a certeza) Critrios/Actividades 1. Enf. Processual 2. Explicitao 3. Integrao 4. Autodireco 5. Monitor./Aval. 6. Mater. Consulta Act.________ Act.________ Act.________ Act.________

2. Analisa a prxima unidade do manual que utilizas. Que actividades possuem maior PDCA?

A Supervisora: Maria Alfredo Moreira

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Anexo 3 - Ficha de Observao das Aulas do 6 Ciclo de Observao (Moreira, 1999)FICHA DE OBSERVAO DE AULAS Actividades com Potencial de Desenvolvimento da Competncia de Aprendizagem (PDCA) Ncleo de Estgio: _________________________________________________ Data: _____________ Estagirio/a: _________________________________ Observador/a: __________________________ Actividades Critrios 1. Enfoque Processual Act._____________________ Act._____________________

2. Explicitao

3. Integrao

4. Auto-direco

5. Monitorao/Auto-Avaliao

6. Materiais de Consulta

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Pedagogia para a autonomia: resistir e agir estrategicamente

Anexo 4 - Questionrio de Reflexo sobre o Ciclo de Observao de Aulas (anlise comparativa das percepes da Estagiria A e das da supervisora, para o 6 ciclo de observao)

REFLEXO SOBRE O CICLO DE OBSERVAO (Inspirado em Handal & Lauvs, 1987 e Acheson & Gall, 1997) DATA: 12/05/99 (Estagiria A) O presente questionrio visa aferir do cumprimento dos objectivos delineados para o projecto de investigao-aco em superviso, implementado pelas tuas supervisoras de Ingls, na componente da avaliao do ciclo de observao de aulas. Pedimos-te que sejas o mais honesto/a possvel. Nos vrios momentos do ciclo de observao (pr-observao, aco e ps-observao), quais das seguintes afirmaes foram verdadeiras para ti? Assinala as tuas respostas de acordo com a seguinte escala: Sim X No ? No sei/Tenho dvidas/No Aplicvel No respondeu Pr-observao 1. As minhas preocupaes e prioridades na planificao foram tomadas em considerao 2. Fundamentei as minhas escolhas de ensino/investigao 3. Foram sugeridos procedimentos para melhorar a minha aco 4. As minhas preocupaes e prioridades foram traduzidas num foco de observao 5. A estratgia de observao foi determinada colaborativamente Aco 6. A presena de observadores no interferiu com o normal funcionamento da(s) aula(s) Ps-observao 7. Analisei e interpretei a(s) aula(s) observada(s) por referncia ao foco estabelecido previamente 8. Foi fornecido "feedback" baseado em informao objectiva 9. Foram-me solicitadas percepes, opinies e justificaes relativas s situaes em anlise 10. A discusso esteve centrada na explorao das situaes de ensino 11. Fui encorajado/a a reflectir sobre a minha aco 12. Pude considerar hipteses alternativas de aco 13. Assumi um papel activo na discusso da(s) aula(s) dos meus colegas 14. Durante este ciclo, aprendi algo mais sobre a didctica da disciplina Durante este ciclo, aprendi algo mais sobre processos de for 15. mao/desenvolvimento profissional E S ?

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E: Respostas da estagiria A; S: Respostas da Supervisora da U.M. (no Guia de Reflexo sobre o Discurso nos Encontros Pr/Ps-Observao)

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