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    Anais do VII Seminrio de Ps-Graduao em Filosofia da UFSCar (2011)

    A noo de Verdade no Sistema Popperiano

    Alexandre Klock Ernzen*

    RESUMO

    O presente trabalho visa demonstrar a importncia do conceito de verdade no sistema

    popperiano. O mtodo hipottico-dedutivo , em Popper, a base lgica fundamental para a

    constituio de sua teoria epistemolgica, baseado em um critrio de demarcao que impe

    ao cientista submeter as teorias incansavelmente a testes buscando false-las. A verdade atua

    como elemento regulador das pesquisas cientficas, dado que a atividade do cientista e do

    filsofo a busca por teorias crescentemente mais prximas verdade. Embora no possa seratingida, a ideia de verdade no sistema popperiano possibilita pensar teorias concorrentes com

    possibilidade de escolha entre teorias que descrevem melhor a realidade, ou que apresentam

    solues interessantes e criativas para a resoluo de problemas tericos ou prticos. A

    verdade enquanto ideia reguladora das pesquisas implica tanto para a metafsica, j que a

    prpria verdade no pode ser verificada, quanto a postura indeterminista do mundo. Portanto,

    a noo de verdade essencial para a instaurao do pensamento de Popper, porm, aps o

    encontro com Tarski que este conceito teve seus argumentos revisados, o que possibilitou ao

    filsofo vienense pensar o cosmosenquanto totalidade, e conceber as pesquisas cientficas e

    filosficas como podendo dizer algo acerca do mundo. Entretanto, a cincia ser compreendidacomo uma atividade pautada pela ideia de busca pela verdade e cujos conhecimentos sero

    sempre conjecturais, a prpria cientificidade tem sempre carter provisrio, sem qualquer

    descrio ltima de como o mundo, o homem e tudo aquilo que se encontra no cosmos

    funciona.

    PALAVRAS-CHAVE: Epistemologia, Verdade, Metafsica.

    Se o conhecimento humano, desde os tempos mais remotos, almejou determinar a

    verdade incondicional sobre a natureza e tudo que nos rodeia, a filosofia de Karl Popper aborda

    o problema da verdade sob uma nova perspectiva. A constituio do conhecimento cientfico

    *Aluno de Mestrado da Unioeste. Bolsista CAPES.

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    aps vinte sculos de pesquisas reinterpretada luz da tese de que a verdade elemento

    regulador de ordem metafsica e abre caminho para o indeterminismo cientfico, alm de

    possibilitar pensar a cincia como sendo de natureza conjectural.

    Explicaes causais e absolutas na tentativa de entender o funcionamento do cosmosetudo que se encontra nele j no so mais plausveis, e nosso argumento segue a ideia de que

    qualquer demonstrao final em se tratando de conhecimento objetivo, no possvel, dado

    que o conhecimento sempre provisrio. Entretanto, no por termos conhecimento

    provisrio que abandonamos a busca da verdade. A ideia de Verdade tem fundamental

    importncia para a cincia, pois, atua como ponto norteador das pesquisas tericas no

    processo de constituio de novos conhecimentos, dado que estamos sempre na busca

    incessante por teorias que nos aproximem mais da verdade.

    O presente artigo visa abordar alguns dentre os argumentos de Popper em favor da

    teoria da Verdade, cuja natureza metafsica exerce influncia na constituio de conhecimento,

    em especial, conhecimento cientfico. Em 1934 com a obra Logik der Forschung, Popper inicia

    sua epistemologia propriamente dita, porm, afirmando seu critrio de demarcao como

    fonte da verdade, mas sem qualquer conotao de que a verdade poderia ser ideal regulativo.

    O critrio de demarcao baseado na ideia de que uma hiptese ou conjectura que pretende

    descrever fatos de um mundo possvel ser verdadeira se, e somente se, corresponder

    efetivamente aos fatos mencionados na teoria. Tal proposio ser falsa quando estiver em

    desacordo com a realidade em questo.

    Minha posio est alicerada numa assimetria entre verificabilidade efalseabilidade, assimetria que decorre da forma lgica dos enunciadosuniversais. Estes enunciados nunca so derivveis de enunciados singulares,mas podem ser contraditos pelos enunciados singulares. Consequentemente,

    possvel, atravs de recurso a inferncias puramente dedutivas, (com o auxliodo modus tollens, da lgica tradicional), concluir acerca da falsidade deenunciados universais a partir da verdade de enunciados singulares (POPPER,1934, pg. 43).

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    O modus operandida cincia para nosso autor ser de submeter hipteses de carter

    universal a testes rigorosos de modo a garantir que nossas conjecturas podem dar respostas

    efetivas e resolver problemas tericos ou prticos. Buscam-se teorias de carter universal e

    com melhores respostas, garantindo que o conhecimento de tudo o que nos rodeia possa ser

    cada vez maior. At 1934 parece que, em linhas gerais, esta era a posio de Karl Popper sobre

    a verdade, cujo critrio de demarcao entre teorias cientficas e teorias metafsicas era

    suficiente para diferenciar teorias que descreviam a realidade e postular o conhecimento

    cientfico.

    Ao se contrapor ao mtodo indutivo na constituio do conhecimento cientfico, Popper

    tambm apresenta outro critrio de demarcao entre concepes metafsicas e concepes

    cientficas, e deste modo, reconhece que elementos metafsicos atuem ativamente na

    constituio do conhecimento, mais propriamente na dimenso especulativa, na concepo das

    conjecturas, antes dos testes objetivos. claro que, na medida do possvel, a tarefa do terico

    sempre purificar suas teorias eliminando tais elementos metafsicos das teorias cientficas.

    Porm,

    um fato que as ideias puramente metafsicas e, portanto, as ideias

    filosficastm-se revelado da maior importncia para a Cosmologia. De Talesa Einstein, do atomismo antigo s especulaes de Descartes acerca damatria, das consideraes de Gilbert, Newton, Leibniz e Boscovic, a propsitodas foras, s de Faraday e Einstein, a respeito de campos de foras aMetafsica sempre indicou rumos (POPPER, 1974, p. 540).

    Entretanto, o critrio de correspondncia de uma teoria com a realidade no era to

    claro e preciso a ponto de justificar a busca da verdade no expediente cientfico. Porm, toda a

    formulao da ideia da verdade que para Popper parecia obscura, torna-se clara aps o contato

    com a teoria da verdade de Tarski em 1935. O mrito de Tarski, segundo Popper, foi reabilitar a

    noo de verdade como elemento regulador no mbito das linguagens formais, porm, o autor

    acreditou poder tornar este critrio de verdade perfeitamente aplicvel ao seu sistema de

    constituio do conhecimento cientfico.

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    Ao aceitar a teoria de Tarski1, Popper abre portas para pensarmos que a busca da

    verdade configura um programa metafisico dentro da constituio do conhecimento. O filsofo

    recorre histria da cincia para afirmar que programas metafsicos exerceram grande

    influncia na prpria viso de cincia, e para sua proposta, a busca da verdade, configura o

    papel principal de pesquisa tanto para o filsofo quanto para o cientista propiciando que as

    bases fundamentais de tais pesquisas abram possibilidades de pensamento e fechem outras

    com o intuito de procurar a melhor descrio para o mundo de fatos que se apresentam. A

    posio do autor que,

    (...) tais programas de investigao so indispensveis cincia, ainda quetenham uma natureza de fsica metafsica ou especulativa e no de fsica

    cientfica. Originalmente, eram todos metafsicos, em quase todas as acepesda palavra (embora com o tempo alguns se tenham tornado cientficos). Eramgrandes generalizaes baseadas em diversas ideias intuitivas, a maior partedas quais nos surgem agora como estando erradas. Eram imagens unificadorasdo mundo do mundo real. Eram altamente especulativas. E eramoriginalmente, no-testveis (POPPER, 1989, p. 172-173).

    Segundo Popper, a verdade no pode ser alcanada em sua plenitude, porm, possvel

    t-la como elemento regulador das pesquisas cientficas, ou seja, mesmo que a verdade no

    possa ser reconhecida enquanto tal, ela configura um recurso metodolgico de primordial

    importncia para determinar se teorias cientficas descrevem ou no a realidade existente.

    Posto isto, preciso atentar para a tese de que o conhecimento cientfico ser sempre

    provisrio, de modo que teorias, embora com grande poder de descrio de fatos, sero

    tomadas como prximas verdade, ou seja, verossimilhantes, mas sem qualquer estatuto de

    descrio ltima da realidade. Segundo Popper,

    Uma grande vantagem da teoria da verdade objetiva ou absoluta que ela nospermite dizer que buscamos a verdade, mas podemos no saber quando a

    1A maior realizao de Tarski, o verdadeiro significado de sua teoria para a filosofia das cincias empricas, ter

    reabilitado a teoria da correspondncia da verdade objetiva ou absoluta, que se havia tornado suspeita. Propugnou

    o uso livre da ideia intuitiva da verdade como correspondncia com os fatos. A meu ver, a afirmao de que essa

    teoria s se aplica s linguagens formalizadas errnea. A teoria aplicvel a qualquer linguagem consistente,

    mesmo natural(POPPER, 1963, p. 249).

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    encontramos; que no dispomos de um critrio para reconhec-la, mas quesomos orientados assim mesmo pela ideia da verdade como um princpioregulador; e que, embora no haja critrios gerais para reconhecer a verdadeexceto talvez a verdade tautolgica h sem dvida critrios para definir oprogresso feito na sua a aproximao (POPPER, 1972, p. 251).

    Se a tarefa da cincia a busca da verdade, por meio da crtica racional de teorias e

    com a submisso destas teorias a incansveis testes que poderemos estabelecer quais as

    teorias que fornecem respostas mais adequadas a problemas, ou mesmo que auxiliem no

    conhecimento deste mundo que nos rodeia. Este recurso metodolgico, de apelo verdade

    como elemento regulador, possibilita que o filsofo mantenha sua postura indeterminista 2do

    mundo, porm, com a possibilidade de alcanar conhecimento do mundo, independentemente

    de no termos a verdade em carter absoluto. Se o conhecimento sempre provisrio e, para

    no cairmos em um ceticismo absoluto, esta ideia de verdade como elemento regulador atua

    como ponto-norteador ou como meta da cincia. A constituio do conhecimento cientfico,

    portanto, poder ocorrer com teorias que apresentam melhores descries da realidade.

    A busca da verdade, portanto, torna-se essencial para o entendimento do mundo.

    Porm, para no recair no ceticismo, devemos ter a hiptese de que o mundo se apresenta

    como unitrio. Diante disso, cabe a questo: para a constituio de uma epistemologia

    necessria uma ontologia? A resposta luz da filosofia popperiana que sim. Uma vez que para

    que se possa compreender como ocorrem as mudanas com vistas verdadenecessitamos

    de uma ideia unificada de mundo. possvel pensar em uma ontologia neste sentido, se

    levarmos em conta a possibilidade de pensar o mundo como um todo, da forma como

    Parmnides e Einstein o fizeram. Entretanto, esta ideia de um cosmos ou mundo unificado

    tambm se encontra no mbito da metafsica, pois, somente factvel postular sua existncia,

    sua influncia significativa em todos os ramos do conhecimento objetivo.

    2 Um argumento forte em favor do indeterminismo expresso por Popper este: Mas como no h medida

    absoluta do grau de aproximao alcanado do carter grosseiro ou apurado da nossa rede mas apenas uma

    comparao com aproximaes melhores ou piores, at mesmo os nossos esforos mais bem sucedidos podem

    produzir apenas uma rede cuja malha seja larga de mais para o determinismo. Tentamos examinar exaustivamente

    o mundo atravs das nossas redes, mas a malha h de sempre deixar fugir algum peixe mido: haver sempre

    folga suficiente para o indeterminismo(POPPER, 1988, p. 62).

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    Atravs da ideia de totalidade possvel pensar em teorias que possam descrever em

    carter universal os fatos e assim nos aproximarmos mais da verdade. Nesse caso, uma teoria

    mais verossmil na medida em que melhor descreve os fatos. Mediante a imagem de mundo

    estabelecida, ainda que hipottica, podero ser aceitos ou refutados determinados enunciados,

    luz da teoria em questo. Popper acrescenta a seu arsenal terico com vistas a analisar a

    constituio do conhecimento, a ideia de que por meio das chamadas propenses que

    poderemos conjecturar como o cosmos. Isto , atravs de proposies conjecturais sero

    possveis explicaes sobre o mundo sempre partindo da metafsica rumo a explicaes

    empricas e reais. claro que as propenses se apresentam em carter inicialmente metafsico,

    porm, a inteno de Popper que, atravs deste recurso, seja possvel delinear uma possvel

    explicao de todo o funcionamento do universo.

    Enfim, tais recursos metodolgicos culminam na tese do mundo 3, o mundo no qual

    reside o conhecimento objetivo, cuja objetividade acontece pelo fato de que ele

    independente de qualquer sujeito, porm, sua manuteno feita pelos indivduos que

    acrescentam novos dados ao conhecimento cientfico. O progresso do conhecimento ocorrer

    porque partimos de problemas abertos e solues propostas presentes no mundo 3, sempre

    avanando rumo a verdade com novas hipteses e conjecturas como respostas a problemas em

    questo. Mesmo que o mundo do conhecimento objetivo seja independente, ele exerce

    influncia nas aes e pensamentos dos indivduos, influenciando certamente as decises

    acerca de escolhas entre teorias concorrentes. Vejamos:

    Compreendi, em primeiro lugar, que o mundo 3, conquanto autnomo, eraobra humana, sendo perfeitamente real visto que podemos agir sobre ele, talcomo ele tambm agia sobre ns, ocorrendo pois uma ao de ddiva erecebimento, uma espcie de efeito de transferncia energtica. Em segundolugar, apercebi-me de que no reino animal existia j um anlogo do mundo 3 eque, portanto, seria possvel estudar a globalidade do problema luz da teoriada evoluo (POPPER, 1994, p. 68).

    Portanto, a proposta popperiana apresenta a cincia como conhecimento provisrio,

    uma tentativa de descrio de um mundo possvel e real, cujos dados so deduzidos de

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    hipteses que atuam como descrio de fatos rumo verdade. Os tericos implicados com o

    crescimento do conhecimento devem estar preocupados e com a busca pela verdade atravs

    da constante substituio de hipteses por teorias melhores e mais fecundas, no sentido de

    que apresentam descries mais ricas e interessantes para a cincia, e, consequentemente

    expandir o conhecimento objetivo. Para que seja possvel o progresso cientfico devemos levar

    em considerao que o mundo se apresenta de modo unificado. Mas isto no basta.

    Necessitamos de conceitos que possibilitem a descrio de fatos com explicaes

    suficientemente interessantes.

    Popper no hesita em afirmar que a metafsica importante para a epistemologia, pois,

    possibilita o surgimento de teorias que possam apresentar tentativas de descrio de tudo

    aquilo que nos rodeia. A verdade, enquanto reconhecida como meta da cincia, ser primordial

    para o desenvolvimento do conhecimento cientfico, e, embora inalcanvel, se apresenta de

    modo a permitir que o homem busque continuamente desvendar o mistrio da constituio

    do mundo e do homem. O mtodo hipottico-dedutivo, portanto, nos possibilita compreender

    a cincia em suas vrias tentativas de explicaes cosmolgicas. Ainda que tenhamos teorias

    que foram abandonadas em prol de outras melhores e com descries mais ricas nada temos

    que possa garantir uma explicao final sobre a realidade, sobre o homem e sua liberdade.

    Mesmo sem qualquer explicao ltima, no hesitamos em novas tentativas de compreenso

    do mundo atravs da atribuio de sentido objetivo a este mundo.

    BIBLIOGRAFIA

    POPPER, Karl.Autobiografia intelectual. Trad. Lenidas Hegenberg e Octanny Silveira da Motta.

    So Paulo: Cultrix, 1 ed., 1977.

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    ed., 1974.

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    ed., 1972.

    POPPER, Karl R. Conhecimento Objetivo. Trad. de Milton Amado. Belo Horizonte, Editora

    Itatiaia, 1975.

    POPPER, Karl R. O conhecimento e o problema corpo-mente.Trad. Joaquim Alberto Ferreira

    Gomes. Lisboa: Edies 70, 1996.

    POPPER, Karl R. Ps-Escritos Lgica da Descoberta Cientfica volume 1. O realismo e o objetivo

    da cincia. Trad. Nuno Ferreira da Fonseca. Lisboa, Publicaes Dom Quixote, 1987.

    POPPER, Karl R. Ps-Escritos Lgica da Descoberta Cientfica volume 2. O Universo Aberto.

    Lisboa: Dom Quixote, 1988.

    POPPER, Karl. Ps-Escritos Lgica da Descoberta Cientfica volume 3.A Teoria Quantica e o

    Cisma na Fsica. Trad. de Nuno Ferreira da Fonseca. Lisboa: Dom Quixote, 1989.