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Universidade do Minho Instituto de Ciências Sociais Alexandra Soares Dâmaso de Vasconcelos Cordeiro junho de 2018 Depois da Prisão – A Reintegração Social de Idosos Alexandra Soares Dâmaso de Vasconcelos Cordeiro Depois da Prisão – A Reintegração Social de Idosos UMinho|2018

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Universidade do MinhoInstituto de Ciências Sociais

Alexandra Soares Dâmaso de Vasconcelos Cordeiro

junho de 2018

Depois da Prisão – A Reintegração Social de Idosos

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018

Alexandra Soares Dâmaso de Vasconcelos Cordeiro

junho de 2018

Depois da Prisão – A Reintegração Social de Idosos

Trabalho efetuado sob a orientação doProfessor Doutor José Cunha Machado

Dissertação de Mestrado

Mestrado em Crime, Diferença e Desigualdade

Universidade do MinhoInstituto de Ciências Sociais

Anexo 3

DECLARAÇÃO

Nome: Alexandra Soares Dâmaso de Vasconcelos Cordeiro

Endereço electrónico: [email protected]

Telefone: 927300745

Cartão de Cidadão:1441300

Título dissertação:

Depois da Prisão – A Reintegração Social de Idosos

Orientador:

Professor Doutor José Cunha Machado

Ano de conclusão:

2018

Designação do Mestrado:

Mestrado em Crime, Diferença e Desigualdade

É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO INTEGRAL DESTA TESE/TRABALHO APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE.

Universidade do Minho, 27 de junho de 2018 Assinatura:

iii

Agradecimentos

Ao Professor Doutor José Cunha Machado, pela orientação, sugestões e apoio prestados

durante a elaboração desta dissertação e à Universidade do Minho, pela oportunidade que me

proporcionou de realizar este mestrado.

Aos meus pais, Ana Dâmaso e Paulo Cordeiro, por sempre acreditarem em mim, por

tornarem a continuação dos meus estudos possível e pelo apoio incondicional a que estão sempre

dispostos, mesmo a 2361 quilómetros de distância.

A todos os meus familiares e amigos que, de uma forma ou de outra, me ampararam durante

estes meses de trabalho. Sem o vosso apoio e motivação constantes, a finalização deste trabalho

teria sido, sem dúvida, muito mais difícil.

v

Depois da prisão – A problemática da reintegração social de idosos

Resumo A presente investigação tem como principal objetivo estudar a problemática da reintegração

social de idosos após estarem em reclusão e entender de que forma a sua reabilitação à sociedade

pode tornar-se num processo mais simples e bem-sucedido. O interesse investigativo deste tema

surge devido à pouca informação e estudos representativos sobre a população-alvo deste trabalho.

Para a realização deste estudo, foi empregue uma análise qualitativa, de caráter puramente

documental, para que seja possível analisar e comparar diferentes perspetivas presentes em

inúmeras investigações desenvolvidas a nível mundial.

Em primeiro lugar, estudou-se, de forma aprofundada, a realidade do envelhecimento na

sociedade e na prisão no contexto português, europeu e mundial e, em segunda instância, as

consequências que o encarceramento acarreta aquando da reintegração social destes indivíduos.

Numa fase posterior, foram selecionados alguns países, tais como Portugal, Espanha, Reino

Unido e Estados Unidos da América, com o intuito de entender quais as medidas específicas que

cada um deles adota em relação aos desafios da reinserção social de idosos. Seguidamente e, de

acordo com a informação recolhida em relação à realidade dos diferentes países, foram escolhidas

algumas medidas que poderiam eventualmente ser aplicadas em Portugal de forma a facilitar o

processo de reintegração social.

Em conclusão, pode afirmar-se que apesar do aumento do número de reclusos idosos em

meio prisional, a sua visibilidade e as medidas aplicadas para a sua adaptação social apresentam

ainda inúmeras questões a serem trabalhadas. Contudo, o número de investigações, artigos e

reportagens em relação a esta problemática têm ganho maior visibilidade tanto a nível nacional

como internacional.

vii

After Prison – The Problem of Social Reintegration of the Elderly

Abstract The present investigation has as its main goal to study the problem of social reintegration of

elderly inmates and understand how their rehabilitation into society can become a simpler and

successful process. The investigative interest of this subject emerges due to the lack of information

and representative studies about this population.

To carry out this study, it was applied a qualitative analysis, and a purely documental approach

so it is possible to analyse and compare different perspectives present in several investigations

developed worldwide.

In the first place, we have thoroughly studied the aging reality in society and in prison in the

portuguese, european and world context and, secondly, the consequences that incarceration has

regarding the social reintegration of this population.

At a later stage, there were selected a few countries, such as Portugal, Spain, United Kingdom

and United States of America with the purpose of understanding what specific measures each of

them adopts in relation of the challenges of social reintegration of elderly prisoners. Afterwards,

and according to the information collected within the reality of each country, there were some

measures selected that can eventually be applied in Portugal to facilitate the process of social

reintegration.

In conclusion, it is possible to claim that despite the increasing number of elderly people in

the prison environment, their visibility and measures applied to their social adaptation still have

some questions to be worked on. On the other hand, the number of investigations, articles and

reports about this problem have been gaining more visibility at a national and international level.

ix

Índice

1 – Apresentação e metodologia ............................................................................................... 1

1.1 – Objetivos ..................................................................................................................... 2

1.2 – Métodos e técnicas aplicados ...................................................................................... 2

2 – A realidade do envelhecimento na atualidade e na prisão .................................................... 5

2.1 – Dados estatísticos da população .................................................................................. 7

2.2 – Prisão enquanto instituição total ................................................................................ 10

3 – A vida pós encarceramento............................................................................................... 13

3.1 – Consequências físicas ............................................................................................... 14

3.2 – Consequências psicológicas ...................................................................................... 16

3.3 – Estigma social e spoiled identity ................................................................................ 17

3.4 – Crimes de carácter sexual ......................................................................................... 19

3.5 – Reincidência criminal na população sénior ................................................................. 21

3.6 – Relação entre duração da pena e reintegração social ................................................. 27

4 – Medidas sociais aplicadas durante o processo de reintegração .......................................... 33

4.1 – O caso de Portugal .................................................................................................... 33

4.1.1 – Plano Individual de Reabilitação ......................................................................... 35

4.2 – O caso de Espanha ................................................................................................... 38

4.3 – O caso do Reino Unido .............................................................................................. 41

4.4 – O caso dos Estados Unidos da América ..................................................................... 46

5 – Análise comparativa ......................................................................................................... 49

6 – Considerações finais ......................................................................................................... 53

Bibliografia ............................................................................................................................. 55

Referências online .............................................................................................................. 58

Legislação .......................................................................................................................... 59

x

Outros índices

Índice de Quadros

Quadro 1 – Reclusos com mais de 60 anos em Portugal (2000 a 2016) ………………………………8

Quadro 2 – Percentagem de reclusos com mais 60 de anos em alguns países (dados de 2013) 9

Índice de Figuras

Figura 1 – Modelo da relação entre a motivação e apoio em relação à desistência ao crime ………25

1

1 – Apresentação e metodologia

A escolha da temática da reintegração social de idosos após estarem a cumprir pena de

prisão como foco principal desta investigação torna-se pertinente por inúmeros motivos. O

interesse neste tema surgiu, primeiramente, através de um trabalho realizado no primeiro ano de

mestrado. Através desta breve investigação foi possível constatar que a informação disponível

sobre este grupo e as suas necessidades específicas em Portugal precisam ainda ser estudadas

e a sua investigação continua a ser essencial para que as condições de vida e readaptação social

de reclusos em idade avançada sejam aprimoradas, tendo em consideração as suas

particularidades. Assim, foi decidido estudar este tema também durante esta dissertação de forma

a aprofundar conhecimentos e entender de que modo esta realidade pode ser aperfeiçoada no

nosso país.

Para além disto, a importância deste tema está também associada à afirmação destes

indivíduos enquanto grupo integrante da comunidade prisional, com necessidades específicas,

apesar de não se destacar a nível estatístico. Contudo, o reconhecimento deste grupo como tal

necessita ainda ser discutido e definido no âmbito prático e investigacional. Consequentemente, e

outro motivo que levou à escolha deste tema para esta investigação, consiste na importância em

discutir e estudar esta realidade em Portugal e entender como a reintegração social destes

indivíduos deve ser trabalhada de forma a melhorar este processo tanto para os reclusos que se

encontram nesta situação, como para sociedade onde se irão inserir.

Estes são assim os principais motivos que levaram à escolha deste tema, mas ao longo desta

investigação serão apresentados outros aspetos que igualmente comprovam a pertinência desta

pesquisa e o estudo desta população alvo em específico.

2

1.1 – Objetivos

Antes de qualquer outro esclarecimento sobre esta investigação, considera-se importante

mencionar que toda a metodologia deste trabalho será apresentada antes do enquadramento

teórico, devido ao caráter puramente teórico e documental que apresenta. Torna-se assim

relevante, antes de mais, explicar o sentido da investigação e como esta será desenvolvida.

O principal objetivo desta investigação consiste em estudar a reintegração social de reclusos

em idade avançada. Para isso, é necessário conhecer aprofundadamente esta realidade, que

obstáculos estes indivíduos e instituições enfrentam, que medidas são aplicadas durante este

processo e, finalmente, entender que medidas poderão ser aplicadas de modo a que esta transição

seja realizada de forma eficaz.

A metodologia aplicada numa investigação trata-se assim do percurso criado à sua adaptação

ao fenómeno a ser estudado tendo em consideração os princípios de investigação científica (Quivy

& Campenhoudt, 2005, p. 22). Para o desenvolvimento deste trabalho, foi escolhida uma

investigação inteiramente documental de forma a estudar detalhada e aprofundadamente esta

problemática. O principal motivo pelo qual foi escolhido este tipo de investigação centra-se no facto

de que a informação sobre esta problemática é ainda escassa na realidade portuguesa. Tendo isto

em consideração, foram selecionados os seguintes objetivos:

1. Estudar o fenómeno da reintegração social de idosos após penas de prisão.

2. Entender como estão estes indivíduos preparados para a sua reintegração social.

3. Investigar se existe relação entre a reintegração social e a duração da pena de prisão.

4. Identificar as medidas sociais e as respostas institucionais em vigor.

5. Estudar possíveis novas medidas e a aplicação das mesmas.

1.2 – Métodos e técnicas aplicados

Para o desenvolvimento desta investigação foi aplicada uma metodologia qualitativa de modo

a estudar em profundidade a temática da reintegração social de idosos após estarem

encarcerados. De forma a entender de que forma esta foi realizada, importa agora mencionar os

métodos e técnicas aplicados, incluindo as teorias escolhidas para a sua elaboração e amostragem

selecionada para a mesma.

3

Assim, foi escolhida uma pesquisa intensiva de carácter documental. Na linha de pensamento

de Quivy & Campenhoudt (2005), este tipo de pesquisa “não pretende estudar componentes

estritamente representativas, mas sim características da população escolhida”, onde a análise e

comparação de conteúdo deve ser sempre crucial e constante. A relevância deste tipo de

investigação nesta temática parte da dificuldade em selecionar uma amostra representativa desta

população.

Para que seja possível elaborar uma comparação entre a realidade de diferentes países com

a realidade do nosso país, foram selecionados alguns países de acordo com a sua localização

geográfica e desenvolvimento quanto à temática: Espanha, pela sua proximidade física para com

Portugal; Reino Unido, dada a vasta paleta documental que o país apresenta; e, por fim, os Estados

Unidos da América, de forma a apresentar uma perspetiva intercontinental num dos países cujo

grande número de reclusos se destaca no panorama mundial.

A recolha de informação foi realizada através de obras e artigos disponíveis não só em

Portugal como em outros países da Europa e do Mundo, bases de dados como, por exemplo, a

Pordata, disponível através da Fundação Francisco Manuel dos Santos, de modo a recolher

informação numérica e dados estatísticos sobre estes indivíduos. Não menos importante, foi ter

em atenção a recolha de novos trabalhos e pesquisas que surgiram ao longo da elaboração desta

investigação.

Para dar resposta aos objetivos da investigação acima propostos, foi essencial proceder a

uma vasta e intensiva revisão bibliográfica durante toda a investigação, isto é, na procura e na

análise de informação teórica já existente sobre o tema através da recolha de informação sobre a

realidade da reinserção social, mais especificamente, o caso de reclusos em idade avançada.

Numa última etapa da investigação procedeu-se à análise de toda a informação recolhida em

inúmeras realidades de modo a obter respostas aos objetivos propostos, para que se conheça em

profundidade a temática elegida e entender de que forma a sociedade portuguesa está preparada

e como pode melhorar as suas aptidões para lidar com este tipo de desafio.

A par da recolha informativa sobre esta problemática, foi também elaborada a redação do

relatório final, considerando toda a informação recolhida até então. A elaboração do relatório

ocorre depois da saturação e análise da informação, para que a informação empírica selecionada

seja suficiente para estruturar respostas aos objetivos inicialmente propostos.

A recolha de informação empírica, a coleta, codificação e análise de conteúdo a cima

mencionados, ocorrem em simultâneo e o cruzamento de informação será constante até à sua

4

conclusão. Para isso, serão aplicados os princípios da Grounded Theory desenvolvida por Glaser

e Strauss nos anos sessenta.

Esta teoria não apresenta um método ou técnica específicos que devem ser aplicados durante

o processo investigativo, pelo que esta teoria pode ser aplicada a diversas investigações, de

diversas formas. No entanto, a análise a ser seguida deverá responder a algumas regras. No caso

desta investigação podem apontar-se algumas como a constante comparação de informação.

Esta investigação tem assim por base dados e informação teórica reunidos e publicados por

outros investigadores, técnica conhecida como library research. Durante e após esta recolha,

sucede a análise da informação recolhida de modo a responder aos objetivos acima apresentados.

Tendo em consideração o carácter documental deste trabalho, é importante mencionar que a

recolha de nova informação, se pertinente, é sempre uma possibilidade em qualquer etapa da

investigação (Glaser & Strauss, 1987).

Esta investigação não apresenta uma amostra definida, já que tem por base uma análise

puramente qualitativa e documental realizada através de uma pesquisa bibliográfica. Isto justifica-

se através do facto de que esta investigação terá como base o estudo de características e

particularidades da reinserção social de reclusos em idade avançada, explorando esta realidade

de forma aprofundada.

Para isso, não se pretende estudar componentes estritamente representativas desta

população, mas sim entender, de modo abrangente, de que forma esta realidade é retratada pela

literatura, comparando os dados recolhidos por diversas fontes e de diversas nacionalidades e

perceber de que modo esta problemática e as medidas a ela aplicada podem desenvolver-se (Quivy

& Campenhoudt, 2005).

Assim, a amostra deste trabalho não será definida através de um número exato de indivíduos

ou de uma área geográfica muito específica já que se irá focar em diversas fontes de informação

de diferentes amostras e locais.

5

2 – A realidade do envelhecimento na atualidade e na prisão

“A reintegração em sociedade implica um

conjunto de adaptações práticas que podem

ser vividas ainda mais intensamente por

reclusos em idade avançada” (Davies, 2011).

Esta pode ser considerada uma frase que conduz esta investigação. Quando esta fase da vida

é passada no interior de uma instituição total como a prisão, quais são as consequências que traz

à reintegração social destes indivíduos?

A partir do século XX, e associado ao processo de envelhecimento demográfico que hoje

impera em quase todo o mundo, o número de idosos no meio prisional tem vindo a aumentar.

Isto ocorre não só devido à diminuição das taxas de natalidade e mortalidade, mas também aos

longos períodos que estes indivíduos passam em encarceramento (Silva, 2004). Apesar disso, é

ainda pouco comum que os conceitos de idoso e de prisioneiro surjam no mesmo contexto já que,

em geral, os estudos realizados sobre a realidade prisional focam-se nas experiências de grupos

de reclusos de maior dimensão, como por exemplo, jovens adultos.

A população idosa que se apresenta nestas condições, de acordo com a linha de pensamento

de Goetting (1984) e outros, pode dividir-se em três grupos principais: os reclusos com penas de

prisão perpétuas ou longas que foram envelhecendo dentro da instituição; os reclusos que são

reincidentes e que são reclusos continuamente, tendo uma longa carreira institucional; os reclusos

que cometeram crimes relativamente tarde e foram condenados pelo sistema judicial já em idade

avançada. Em qualquer um destes três grupos, estes reclusos representam uma população com

algumas particularidades como padrões criminais, necessidades de saúde específicas, problemas

individuais de integração à prisão e à sociedade e ainda questões no que se refere a laços sociais

e relações familiares (Aday, 1994).

6

Ao longo do tempo, o que se define por um prisioneiro idoso veio a sofrer inúmeras alterações.

Contudo, é a partir dos sessenta e cinco anos que socialmente um indivíduo passa a integrar essa

classe etária na grande maioria dos países, incluindo Portugal. Para além disso, quando se

encontram na casa dos cinquenta anos, a população em análise geralmente não se sente

debilitada nem se considera idosa (Crawley, 2007). Em algumas investigações, incluindo estudos

realizados pelas próprias instituições criminais, após os cinquenta anos de idade estes indivíduos

podem já ser incluídos nesta categoria (Aday, 1994). Assim, conforme a investigação e autor,

indivíduos a partir dos cinquenta anos podem integrar estas pesquisas.

Não só na realidade da reclusão, mas também na sociedade em geral, a população sénior é

muitas vezes vítima de estigma social devido a barreiras não só físicas, mas também psicológicas

que afetam diversas áreas da sua vida. Contudo, no que toca aos que integram o sistema criminal

este conceito ganha um duplo sentido: não só o de ser idoso, mas também ex-recluso (Correa,

2009).

Para Santos & Nogueira (2015), muito associado ao conceito de discriminação, o estigma

social define-se como “uma característica ou atributo que expõe um indivíduo ou um grupo de

indivíduos a reações de descrédito por parte de outros, isto é, a atribuição de uma identidade

severamente desvalorizada” (p. 41). Logo, a prisão como instituição total apresenta também um

carácter estigmatizante para os que por lá passam. A relação entre estes dois conceitos pode

causar consequências árduas para indivíduos que têm agora de reintegrar-se em sociedade.

Apesar de estarem inseridos na mesma classe etária, estes idosos apresentam inúmeras

diferenças, pelo que nem sempre formam um grupo homogéneo. Podem ser provenientes de

classes sociais distintas e assumem backgrounds e histórias de vida muito diferentes.

Consequentemente, as suas expectativas quanto ao seu envolvimento prisional diferem tendo em

conta estes aspetos e na forma como vivem a sua reclusão e, mais tarde, a sua reintegração

social. De qualquer forma, o impacto da realidade prisional que é vivido pela população sénior é

recorrentemente mais intenso do que para qualquer outro recluso (Crawley, 2007).

Nestas condições, os reclusos em idade avançada representam uma população em destaque,

mesmo que numericamente minoritária no panorama prisional. Relativamente a cuidados de

saúde, a problemas familiares e de adaptação à instituição, recorrentemente este grupo demonstra

mais dificuldades do que os restantes presos (Crawley, 2004). Assim, a sua reabilitação e

reintegração social torna-se mais complexa, aspeto que será desenvolvido mais à frente nesta

investigação.

7

Num passado muito recente, as necessidades específicas deste grupo pouco têm sido

identificadas ou estudadas em profundidade, pois muitas vezes estes indivíduos acabam por ser

observados pelo estabelecimento prisional como “velhos e sossegados”, pois não procuram

informar-se sobre os seus direitos na instituição em comparação com reclusos mais jovens. A

invisibilidade deste subgrupo prisional e a falta de atenção às suas especificidades foram assim

rotuladas de institutional thoughtlessness (Centre for Policy on Ageing, 2016). Por este motivo,

torna-se essencial o estudo e valorização desta classe etária não só em sociedade mas também

em âmbito prisional.

2.1 – Dados estatísticos da população

Para a realização desta investigação, importa entender de que forma a população alvo se

insere na realidade do nosso país e do mundo. Para isso, foi decidido começar por apresentar de

forma breve algumas estatísticas referentes a estes indivíduos em inúmeras realidades

geográficas.

No ano de 2015, Portugal foi o quarto país integrante da União Europeia com uma

percentagem mais elevada de indivíduos considerados idosos, isto é, cerca de 20,5%.

Estatisticamente falando, no ano de 2050, estes números poderão aumentar em cerca de 30%

tornando a população do país híper envelhecida (Ferreira, et al., 2017).

A população com mais idade em meio prisional, apresenta-se como o grupo etário com maior

crescimento também no interior da prisão. Quanto mais velhos estes indivíduos são, mais barreiras

existem para conseguirem manter uma vida ativa, maiores são as suas necessidades mentais e

físicas e menor a probabilidade de conseguirem manter-se completamente funcionais e ativos, o

que os difere de qualquer outro grupo etário no mesmo meio. Consequentemente, este é um dos

principais motivos para que investigações centradas na população idosa sejam pertinentes, tendo

em conta as necessidades específicas que este grupo apresenta quando comparados com

reclusos de qualquer outra faixa etária (House of Commons Justice Comittee, 2013).

Através da informação que nos é fornecida pelo Pordata (Quadro 1), podemos afirmar que o

número de indivíduos em idade avançada no meio prisional tem vindo a aumentar visivelmente

em Portugal:

8

Quadro 1 – Reclusos com mais de 60 anos em Portugal (2000 a 2016)

Fontes/Entidades: DGPJ/MJ, PORDATA.

É possível comprovar que no nosso país nos últimos quinze anos o aumento da população

idosa é significativo, pelo que a sua presença nas prisões se torna cada vez mais notória. Isto

ocorre não só em Portugal como em outros países do mundo, como iremos constatar de seguida.

Através dos censos realizados em 2011 na temática das estatísticas prisionais, pode

comprovar-se a evolução da população em análise. Mesmo sendo um grupo minoritário dentro da

prisão, continua a ser importante distingui-lo da restante população dadas as suas particularidades

(Silva, 2014).

Apesar do interesse na população reclusa em idade avançada começar a ganhar maior

afluência em outros países da Europa e Estados Unidos, em Portugal existe ainda pouca

informação sobre o tema. Apesar disso, importa referir que, associado ao aumento da população

idosa nas cadeias, são cada vez mais notórias as referências feitas pela imprensa a esta

problemática (Silva, 2014).

No Quadro 2, pode observar-se onde se encontram alguns países da Europa em relação à

sua população idosa e onde Portugal se encontra em relação a estes.

0

100

200

300

400

500

600

700

800

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

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Quadro 2 – Percentagem de reclusos com mais 60 de anos em alguns países (dados de 2013)

Fontes/Entidades: Council of Europe, Annual Penal Statistics; Federal Bureau of Prisons.

Através da informação disponibilizada no quadro acima, pode afirmar-se que Portugal se

encontra dentro da média europeia no que consta ao número de indivíduos em idade avançada

que estão encarcerados no país (Santos e Nogueira, 2015).

Tal como é possível verificar no contexto português, fatores como a diminuição das taxas de

fecundidade e natalidade, do aumento da esperança de vida e da diminuição da taxa de

mortalidade influenciam o número de reclusos que encontramos em meio prisional. “Este duplo

envelhecimento – na base e no topo da pirâmide etária – vem sendo uma realidade cada vez mais

presente e ilustrativa de uma Europa que precisa de medidas concretas ao nível da promoção de

um envelhecimento que se quer ativo e da promoção da natalidade” (Marques, 2016. cit., Focus

Social, 2013).

Em relação aos Estados Unidos da América, o número de presos acima dos 55 anos de idade

tem também aumentado passando de 8.853 em 1981 para 32.600 indivíduos em 1995 e

124.900 em 2010. Pode assim afirmar-se que prisioneiros em idade avançada passam

recentemente a representar uma proporção substancial da população encarcerada no país. Um

dos motivos que leva a este aumento, resume-se ao facto de que muitas vezes as sentenças são

longas e as oportunidades para a libertação antes da expiração da sentença têm vindo a diminuir

naquela realidade (American Civil Libertie Union, 2012).

5,6

5,13

3,86 3,83,66 3,61 3,53 3,52

1,97

0

1

2

3

4

5

6

Estados Unidos Itália Áustria Reino Unido Portugal Bélgica França Espanha Hungria

10

De acordo com o Departamento de Justiça e Regulação dos Estados Unidos (2015), este

aumento em relação à idade dos prisioneiros ocorre, por um lado, devido à longevidade das

sentenças e, por outro, devido ao aumento pronunciado da idade em que os prisioneiros começam

a sua sentença.

A mesma fonte refere ainda que a mudança para uma população prisional mais idosa se

reflete não só nos Estados Unidos, mas também na Austrália e Europa.

2.2 – Prisão enquanto instituição total

O conceito de instituição total pode ser definido como uma barreira ao comportamento social

com o exterior, muitas vezes delimitada através do seu espaço físico. No caso da prisão, esta

separação ocorre através de portas trancadas, paredes altas, arame farpado, entre outros. A prisão

insere-se assim nesta categoria e define-se como uma instituição que tem como principal objetivo

proteger a comunidade daqueles que se apresentam como perigo intencional para a mesma

(Goffman, 1961).

Este tipo de instituição traduz-se num lugar não só de residência, mas também de trabalho,

onde é possível encontrar um elevado número de indivíduos que partilham a mesma situação,

estando privados do exterior por um período relativamente longo e que levam em conjunto uma

vida reclusa através de atividades minuciosas e reguladas. Isto pode ser exemplificado através da

imposição de horários, regras, novas formas de comunicação, novos estatutos e papéis sociais

através dos quais a vida em meio prisional se rege (Santos e Nogueira, 2014).

Contudo, apesar do peso que as fronteiras físicas produzem, estas não anulam ou substituem

a realidade que o recluso deixa no exterior. A representação de outros papéis sociais como de pai,

marido, profissional, os seus locais de residência, entre outros, continuam a ser parte integrante

do individuo, apesar de não os representar da mesma forma. Pode assim dizer-se que a realidade

prisional e a realidade social não se anulam, mas coexistem, o que se pode definir como uma

“presença na ausência” já que tanto os papéis no exterior da prisão como no interior integram, de

modo diferente, a realidade e a vida do recluso. Com isto, importa realçar a ideia de que a prisão,

apesar de ser uma instituição total, não é completamente totalizante. Apesar de não ser a realidade

atual destes indivíduos, a convivência com as normas e regras sociais já integraram o seu

quotidiano e não desaparecem completamente do conhecimento do recluso (Cunha, 2015).

11

Seguindo a linha de pensamento de Goffman (1961), viver numa instituição desta natureza

transporta consequências para a reabilitação de ex-reclusos à vida em sociedade devido às regras

e ao modo de funcionamento da prisão à qual estão adaptados. Apesar do carácter punitivo da

instituição, as instituições totais devem ter em consideração a importância da reabilitação destes

indivíduos tendo em consideração que a exposição ao meio prisional condiciona diversos aspetos

da vida dos reclusos e fá-los, por vezes, “esquecer” parte da vida no exterior. A sua adaptação à

instituição passa também pelo sentimento de ter como garantido os privilégios sob os quais a vida

na instituição é organizada, o que vêm mais tarde a perder aquando da sua libertação. Alguns

exemplos disto são o apoio à saúde, hábitos rotineiros e outros, cujas consequências na sua

readaptação à sociedade serão exploradas nesta investigação.

Contudo, as diferenças que existem entre o interior e o exterior da prisão devem manter-se

suficientemente definidas de forma a preservar o carácter punitivo que a prisão deve ter na forma

como a restante sociedade a observa (Cunha, 2015., cit. Easton, 2011). A inclusão social dos

reclusos pode também ser realizada através deste processo: além dos seus direitos enquanto

reclusos, estes indivíduos devem ser observados também como cidadãos (Cunha, 2015).

Com o passar do tempo, pode observar-se em grande parte das sociedades europeias

contemporâneas um processo de “normalização” em relação à prisão através da frequência com

que os estabelecimentos prisionais recorrem à sociedade para a prestação de serviços a nível de

saúde, trabalho, ensino, onde a população reclusa acaba por estar envolvida com o exterior. Assim,

a prisão passou a ter uma maior envolvência e a ser controlada não só pelo seu interior e através

das paredes que a delimitam, mas também por instituições e outros apoios que se encontram no

exterior. Mais um motivo pelo qual se pode afirmar que a prisão se tem tornado menos “total” e

totalizante (Cunha, 2015).

O processo de reintegração social resulta muitas vezes em um afastamento para com

sentimentos de injustiça e alienação. Apesar disso, a integração destes indivíduos ocorre numa

realidade que mesmo já sendo familiar ao recluso, inclui agora a estigmatização e a pressão social

que o rótulo de ex-prisioneiro acarreta ao fazer parte da sua identidade pessoal face à comunidade

onde se irão integrar. Importa assim referir que durante a sua reintegração em sociedade, o modo

como estes indivíduos observam e vivem em sociedade difere muito da visão que tinham antes do

seu encarceramento, como consequência do estigma social de que são vítimas (Goffman, 1963).

13

3 – A vida pós encarceramento

Quando a data de libertação se aproxima e se poderia pensar que o maior desafio já foi

ultrapassado, estes indivíduos têm agora de enfrentar o processo de reinserção em sociedade

como ex-reclusos. Como referido anteriormente, a “combinação entre estigma, exclusão social,

reaprendizagem social, tentações, vícios, falta de laços sociais e níveis perigosamente baixos de

capital humano e social” trazem consequências árduas para o processo de reintegração social

(Maruna, 2002., cit. Langan & Levin, 2002, p. 651).

A vida pós encarceramento para indivíduos com mais de sessenta e cinco anos distingue-se

da reintegração social de qualquer outro prisioneiro por inúmeros motivos. Um dos principais,

consiste na consciência que este grupo apresenta de que o tempo restante de vida em liberdade

é escasso, o que gera consequências na forma como observam e lidam com a sua reintegração

em sociedade. Num estudo realizado no Reino Unido por Crawley & Sparks (2006), a maioria dos

entrevistados, considera que não há tempo suficiente para refazer a sua vida.

O descrédito na reabilitação e reintegração destes indivíduos não surge apenas por parte de

quem atravessa o processo, mas também é imposta pela sociedade onde o indivíduo se irá integrar

devido a sentimentos que predominam nas sociedades atuais como de desconfiança face a ex-

reclusos, segregação e negativismo de que são vítimas. Apesar da aquisição de conhecimentos

durante a reclusão ser importante para o recluso, não apaga o cadastro criminal que estes

indivíduos agora possuem, o que condiciona a procura e obtenção de um emprego que possibilite

o seu sustento em liberdade (Fernandes, 2016., cit. Silva, 2012)

Além disto, apesar destes esforços que podem facilitar o processo de reintegração, a idade

cronológica é considerada uma condicionante de peso, na medida em que dificulta o acesso a

oportunidades de emprego, habitação, entre outros, sem os quais a sua reintegração não será

exequível (Fernandes, 2016).

Neste capítulo, pretende-se assim abordar e desenvolver quais são os desafios que ex-

reclusos em idade avançada encontram quando necessitam ajustar-se às normas que regem a

sociedade, tanto física como psicologicamente. Por fim, é relevante referir que ambos os fatores

não devem ser observados como dois grupos de consequências isoladas tendo em conta que se

14

influenciam mutuamente já que as condições físicas acarretam consequências na condição

psicológica do indivíduo e vice-versa.

3.1 – Consequências físicas

As necessidades e cuidados específicos que o grupo em análise apresenta, durante e depois

de estarem presos, diferenciam-no de qualquer outro grupo etário que se encontre em meio

prisional. Com isto, o seu processo de reintegração social apresenta alguns desafios que lhes são

particulares como consequência dessa característica (Centre for Policy on Ageing, 2016).

Um dos principais aspetos centra-se na probabilidade que estes indivíduos têm de padecerem

de problemas de saúde, como doenças crónicas ou outras inaptidões devido ao avanço da idade.

Isto é ainda mais notório em reclusos que passaram períodos longos em encarceramento, pois

estão normalmente mais vulneráveis, já que têm de adaptar-se às exigências da vida em meio

prisional, tendo em conta as suas incapacidades físicas ou psicológicas (Davies, 2011 cit.,

Crawley, 2004).

O acesso a cuidados de saúde proporcionado aos reclusos quando se encontram na

instituição é um fator de grande importância, principalmente para a população idosa que se

encontra nesta situação. Muitas vezes portadores de diversos problemas de saúde, o fácil acesso

e a dependência que têm em relação a estes cuidados pode, por sua vez, causar sentimentos de

insegurança em relação à sua libertação, tendo em consideração que possivelmente a obtenção

destes cuidados quando em liberdade não será a mesma. Na prisão, os cuidados que lhes são

providenciados, quer sejam cuidados formais ou cuidados recebidos por outros prisioneiros, são

essenciais para a melhoria da sua qualidade de vida. Assim, o fácil acesso a este tipo de cuidados,

enquanto reclusos, condiciona a forma como estes indivíduos percecionam a sua reentrada na

sociedade (Crawley & Sparks, 2006).

A nível físico, a reintegração social comporta determinadas necessidades que poderão ter um

maior impacto em indivíduos mais velhos. Por exemplo, tarefas como cozinhar, cuidados de

higiene pessoal e de mobilidade, podem tornar-se grandes desafios em liberdade quando não

possuem acesso ao tipo de apoio providenciado pela instituição prisional. Assim, pode afirmar-se

que as consequências que derivam do envelhecimento podem, por vezes, dificultar o processo de

reintegração e a forma como estes reclusos a percecionam (Davies, 2011. cit., Crawley, 2004).

15

Estas características tornam as necessidades desta população muito distintas daquelas que

prisioneiros mais novos apresentam. Para além da atenção que a prisão deve ter em relação às

necessidades específicas desta população quando estão a viver na instituição, as possíveis

incapacidades físicas ou motoras que estes reclusos apresentam, criam obstáculos em relação à

sua participação em atividades que o preparam para o processo de reintegração social (Davies,

2011).

É ainda importante mencionar que estes problemas a nível de saúde criam desafios não só

para o bem-estar e desenvolvimento do próprio recluso, mas também para a instituição, cujos

cuidados devem ter em atenção as inúmeras necessidades específicas que estes reclusos podem

necessitar (Davies, 2011. cit., National Institute of Corrections 1999; Wahidin & Aday 2005;

Reimer 2008).

A título de exemplo, num estudo realizado por Falter em 1999 nos Estados Unidos da

América, o autor observou que apesar de grande parte dos prisioneiros idosos se sentirem

saudáveis, também afirmaram que a sua condição de saúde piorou deste que estão no meio

prisional. As doenças crónicas mais reportadas por este grupo de reclusos foram: artrite (45%),

hipertensão (40%), doença venérea (22%), úlceras (21%), problemas de próstata (20%), enfartes

(19%) e problemas de pulmões (19%). Outras condições de saúde como incontinência, falhas

sensoriais e físicas também foram reportadas. A maior parte dos reclusos afirmaram ainda que

têm hábitos como fumar ou consumir álcool de forma regular, sendo esta uma característica onde

as taxas se apresentam superiores em reclusos mais velhos (Lemieux, et al., 2002. cit., Colsher

et al., 1992).

Por sua vez, num estudo realizado por Moore (1989), foram registadas outras queixas

médicas relacionadas com o facto de que estes indivíduos não acreditam ter acesso aos serviços

e medicação para melhorar ou solucionar problemas de saúde mais exigentes (Lemieux, et al.,

2002).

Resumidamente, reclusos em idade avançada têm normalmente mais exigências médicas e

de saúde do que outros reclusos em qualquer outro grupo etário. O ambiente prisional, programas

especializados e condições de vida são fatores que influenciam o modo como estes indivíduos

conservam ou não a sua condição física que, mais tarde, terá impacto na forma como a sua

reintegração social se sucede (Lemieux, 2002).

16

3.2 – Consequências psicológicas

A aproximação da liberdade, floresce nestes reclusos sentimentos de preocupação,

ansiedade, medo, confusão, entre outros, muitas vezes devido à incerteza que têm em relação ao

que os espera após a sua libertação. Assim, importa primeiro evidenciar a relevância que os laços

familiares e de amizade fora da instituição terão nesta fase. Reclusos cujas relações próximas em

sociedade são inexistentes, apresentam maiores dúvidas e medos em relação à sua reintegração

em sociedade. Para estes indivíduos, isto significa começar do zero, muitas vezes sem qualquer

apoio e com a condicionante da idade, o que torna as suas expectativas em relação à vida em

sociedade menos positivas do que quando este tipo de apoio subsiste durante o período de

encarceramento (Crawley & Sparks, 2006).

É também comum para estes reclusos possuírem sentimentos de que não existe um plano

elaborado para esta nova etapa ou de ansiedade em relação ao planeamento existente para que

beneficiem da sua liberdade. Em alguns casos, consideram que a sua permanência na instituição

seria mais vantajosa do que a sua libertação, dados os cuidados e o hábito que têm quanto às

normas que integram o sistema penitenciário (Crawley & Sparks, 2006).

Contrariamente, reclusos que possuem laços, família e apoio no exterior, observam a sua

reintegração social como algo pelo qual anseiam. É possível identificar, apesar de alguma

incerteza, algum entusiamo e motivação perante esta mudança, e o processo de reintegração

social é observado nestes casos como uma oportunidade para retomar papéis sociais que um dia

deixaram para trás como o de marido, pai, amigo, entre outros (Crawley & Sparks, 2006).

Para além das necessidades sociais e de saúde, as condições e carências da reintegração

social destes indivíduos continuam a ser inadequadas nos dias de hoje. Os ex-reclusos, de acordo

com o estudo realizado por Crawley & Sparks (2006), sentem que as suas dúvidas não são

esclarecidas e o processo através do qual a sua reintegração é feita apresenta muitas falhas. Os

autores afirmam também que, quanto mais idade tiver o recluso, menor é a sua assertividade para

que o processo de reintegração social seja explicado claramente pela instituição, devido à situação

delicada em que muitas vezes se encontram. Um dos primeiros e mais importantes passos para

que este processo seja positivo considera-se ser a comunicação entre as partes interessadas, isto

é, entre o recluso e a prisão, o que nem sempre ocorre. Esta temática será explorada

pormenorizadamente numa fase posterior desta investigação.

17

Outra consequência psicológica é a infantilização do recluso, ou seja, a capacidade que a

instituição prisional apresenta de retirar aos prisioneiros a responsabilidade de tomarem decisões

por si mesmos (Davies, 2011., cit. Pryor, 2001). Isto significa que estes indivíduos estão em risco

de perderem durante o período de reclusão a autonomia e responsabilidade necessárias à vida

em sociedade, o que torna a sua reintegração social complexa e um processo possivelmente mais

traumático (Davies, 2011). Em regime prisional, é a instituição que determina o que o recluso

deve fazer, quando e como, e a sua vontade e o contacto com o exterior ficam extremamente

condicionados neste contexto (Braga, 2008). No caso de reclusos idosos, estas implicações são

ainda mais agravadas devido a determinadas incapacidades – físicas ou psicológicas – que por

vezes possuem.

Alguns investigadores da área têm vindo a criar paralelos entre eventos traumáticos da vida

e do mundo em sociedade e o impacto da experiência de se estar encarcerado em idade avançada.

Por exemplo, Crawley & Sparks (2005), comparam a experiência da vida em reclusão com a de

um sobrevivente de uma catástrofe em relação aos danos psicológicos que nascem através de

ambos os eventos. Já no ponto de vista de Cohen & Taylor (2005), enquanto na vida em sociedade,

apesar do trauma que pode ser causado por determinados eventos, existe a possibilidade de estes

indivíduos se focarem em outros aspetos da sua vida, os quais servem de encorajamento, durante

a reclusão não é possível controlar determinados aspetos da sua vida já que a instituição obstrui

outras fontes de felicidade e orgulho como estar perto da família ou possuir um emprego. A grande

diferença entre um problema, mesmo que de grandes dimensões, e o encarceramento é que no

caso do segundo, não existe solução imediata ou mesmo possível para “resolver” a situação em

que se encontram (Davies, 2011).

3.3 – Estigma social e spoiled identity

Ao explorar a temática da reclusão e reintegração social, importa aprofundar alguns conceitos,

como os de estigma social e spoiled identity, ambos desenvolvidos por Erving Goffman, em 1963.

Nesta fase da investigação, pretende-se entender de que forma estes conceitos se relacionam com

a reintegração social de reclusos em idade avançada. Apesar de já brevemente mencionados,

considera-se pertinente aprofundá-los e entender de que forma é elaborada a ponte entre a

temática e os conceitos.

18

O autor define como vítima de estigma o indivíduo que, apesar de poder integrar-se em

sociedade, possui uma característica para a qual a atenção do outro se volta. Isto é, uma diferença

ou diferenças que não são antecipadas ou previstas pela sociedade, mas que influenciam a forma

como esse indivíduo é percecionado pelos outros. Neste caso, esta diferença consiste no rótulo de

ex-recluso que estes indivíduos terão após serem reinseridos em liberdade.

Pode afirmar-se, assim, que existem inúmeros sinais de descriminação para com pessoas

idosas na nossa sociedade. Apesar de, por vezes, assumirem formas óbvias e flagrantes, a

descriminação destaca-se neste contexto pelas formas mais subtis que assume (Marques, 2016.

cit., Levy & Banaji, 2002). Consequentemente, a sociedade pratica, por vezes, mesmo que

involuntariamente, vários tipos de descriminação a indivíduos que sofrem de algum tipo de

estigma. Assim, algumas oportunidades em diversas áreas para a inclusão, por exemplo, social,

económica, entre outras, podem ser reduzidas. A teoria do estigma de Goffman consiste em uma

ideologia que pretende compreender a “inferioridade” do outro e do possível “perigo” que este

representa, tendo por base diferenças como a sua classe social, ou, neste caso, o facto de ser um

ex-recluso.

Para Goffman (1963), rótulos criados através da estigmatização, condicionam a forma como

estes indivíduos se definem – spoiled identity. O modo como estes indivíduos se reintegram em

sociedade é sempre condicionado, mesmo que a diferentes níveis, pelo modo como estes se

percecionam. Isto ocorre devido ao facto de não se sentirem completamente adaptados à

sociedade em que vivem, por possuírem esse rótulo e pelas consequências que o mesmo

transporta (Davies, 2011).

As consequências que este conceito traz à população reclusa podem ser identificadas

principalmente em indivíduos que cumprem sentenças de longa duração, pois perdem

determinados aspetos da sua identidade, devido ao longo intervalo de tempo que passam na prisão

e pela influência que isso terá no modo como se percecionam no exterior. Desta forma, estes

indivíduos são estigmatizados devido aos rótulos negativos criados pela sociedade em relação ao

fato de serem ex-reclusos (Davies, 2011. cit., Cohen & Taylor 1972; Crawley & Sparks, 2005).

Quando a interação ocorre entre um indivíduo estigmatizado e outro que não o é, neste caso,

entre um ex-recluso e alguém que nunca foi preso, muitas vezes existem sentimentos de ansiedade

e consciência pessoal por parte do recluso: a vergonha torna-se uma grande possibilidade,

surgindo através da perceção do indivíduo devido a um dos seus atributos. Apesar de, por vezes,

um indivíduo não se sentir atacado ou inferiorizado pela estigmatização de que é vítima, na grande

19

maioria dos casos, tendem a aceitar e integrar o rótulo que lhes é atribuído, mesmo que influencie

a sua vida e as oportunidades a que tem acesso em liberdade (Goffman, 1963).

O estigma causa assim o detrimento da autoestima do indivíduo que o possui (Flanagan,

1982) e, consequentemente, gera maior probabilidade de o indivíduo estigmatizado sentir as

consequências do mesmo quando pretende reintegrar-se em sociedade. Trata-se assim do

resultado da sua integração num novo ambiente (Crawley and Sparks, 2005) onde estas ameaças

de identidade se tornam ainda mais pesadas quando se fala de reclusos em idade avançada que

se encontram agora incapacitados de integrarem determinadas atividades devido a essa

característica (Davies, 2011).

3.4 – Crimes de carácter sexual

Durante esta investigação considerou-se pertinente o estudo dos tipos de crimes cometidos

por reclusos em idade avançada e que consequências poderiam causar durante o processo de

reintegração social destes indivíduos. Foi rapidamente visível que o grupo em destaque são os

indivíduos que cometeram crimes contra pessoas, mais especificamente, crimes de carácter

sexual, tendo em consideração os efeitos que o tipo de crime que cometeram terão na sua

reintegração em sociedade. Assim, foi selecionada alguma informação em relação a este tópico

de forma a explicar que consequências estes reclusos sofrem por terem cometido,

especificamente, este tipo de ofensa.

Gonçalves (2002) afirma ainda que reclusos que cometeram crimes contra pessoas, incluindo

de carácter sexual, são os indivíduos que melhor se adaptam â realidade prisional em comparação

com indivíduos que cometeram crimes contra propriedade (Santos e Nogueira, 2014). As ameaças

e o perigo a que estes reclusos estão sujeitos após serem libertos, contribui para a decisão de que

sejam integrados em acomodações localizadas em áreas diferentes de onde são provenientes ou

residiam antes de estarem na prisão. Em muitos casos, isto contribui para que desenvolvam

sentimentos de solidão e isolamento, já característicos de ex-reclusos mais velhos (Davies, 2011).

Tal como é possível observar em reclusos que passaram longos períodos de tempo na prisão,

reclusos que cometeram crimes de carácter sexual, principalmente a menores, demonstram

pouco ou nenhum interesse em regressarem à sociedade (Crawley & Sparks, 2006).

Este é também um dos grupos que mais dificuldade tem, por exemplo, durante o processo

de obtenção de habitação. A aprovação destes reclusos nestas premissas é, em muitos casos,

20

limitada ao serem considerados indivíduos de alto risco. Em oposição, reclusos que não possuem

este rótulo, sentem menos dificuldade para serem aceites em instituições de acolhimento.

Contudo, muitas vezes é difícil reclusos idosos em geral encontrarem residência, caso não tenham

familiares ou amigos que os possam acolher, como consequência das dificuldades físicas ou

psicológicas que, em geral, possuem. Cabe assim aos responsáveis das instituições envolvidas

durante o período de liberdade condicional dar determinados passos de forma a garantir que os

locais onde estes indivíduos são colocados têm as condições necessárias para que,

independentemente do tipo de deficiência ou problema de saúde que possuam, sejam

devidamente acolhidos (The Justice Committee, 2013).

Um dos contributos para a forte estigmatização e consequentes dificuldades que estes

indivíduos encontram consiste no enfoque que os media e a atenção pública atribuem a este tipo

de crime, muitas vezes através da exposição de detalhes sobre a identidade do agressor e do

crime que cometeu (Davies, 2011 cit., Maguire and Kemshall 2004; Kemshall 2008; BBC News

2010). Como resultado, os problemas práticos e psicológicos que este grupo de reclusos tem

aquando da sua reintegração agravam-se devido ao rótulo de predador sexual que lhes é atribuído

socialmente (Davies, 2011).

Apesar da fragilidade física ou mental muitas vezes atribuída à população idosa, indivíduos

que se inserem neste subgrupo são muitas vezes observados pela sociedade como uma ameaça

equivalente a reclusos mais novos. Mais uma vez, indivíduos que cometeram crimes violentos ou

sexuais estão inseridos neste grupo (Davies, 2011. cit., Smyer & Burbank, 2009).

Num estudo realizado por Cohen e Taylor em 1972, foi possível observar a distinção realizada

pelos próprios reclusos em relação a indivíduos que cometeram crimes de carácter sexual, que se

encontram na prisão, sendo muitas vezes descritos como “monstros” ou “animais”. Esta pode ser

considerada também uma condicionante que reclusos idosos podem enfrentar ao tentarem

integrar-se inicialmente no meio prisional e, mais tarde, em sociedade. Normalmente, a

reintegração em sociedade de reclusos cujos crimes são de carácter sexual será mais problemática

em relação à hostilidade que se pode encontrar em relação não só a ex-reclusos, mas

principalmente a predadores sexuais.

21

3.5 – Reincidência criminal na população sénior

Na linha de pensamento de Visher & Travis (2011), o processo de reintegração social tem-se

tornado, devido ao crescente número de reclusos, cada vez mais frequente. Porém, sem suporte

ativo da comunidade onde serão reinseridos e sem a existência de serviços de apoio aos mesmos,

este processo pode tornar-se num labirinto de barreiras legais para os ex-reclusos, o que torna

uma reintegração social bem-sucedida difícil de alcançar.

O processo no qual um ex-recluso não volta a cometer um comportamento criminal (Laub

and Sampson, 2003; Maruna, 2001), apesar de ser uma das componentes do processo de

reintegração social, não é o único fator relevante para serem bem-sucedidos. Existem outras

componentes que terão peso neste processo, visto que subsistem outros elementos aos quais ex-

reclusos terão de se ajustar para viver em liberdade. No entanto, a sua reintegração está também

dependente deste fator, pelo que se torna pertinente o seu desenvolvimento (Davis, Bahr & Ward,

2012., cit., LeBel t al., 2008; Mc Neill, 2006).

Assim, são vários os motivos que podem influenciar um indivíduo a voltar a cometer um crime

depois da sua libertação. Os mais comuns passam por fatores como o abuso de substâncias,

emprego, família, amigos, motivação e idade. Porém, tentar-se-á desenvolver neste capítulo a

relação entre a idade do recluso e a probabilidade de reincidir criminalmente (Davis, Bahr & Ward,

2012).

Para efetuar esta comparação, torna-se pertinente referir duas teorias, já que ambas estão

diretamente relacionadas com a população deste estudo.

Teoria do Curso de Vida

De acordo com esta teoria, a desistência do crime depende de duas condicionantes: fatores

subjetivos e influências sociais. Nos fatores subjetivos inserem-se características internas, como

atitudes, autoestima, identidade e motivação do próprio indivíduo. Por sua vez, influências sociais

incluem aspetos como o emprego, casamento, parentalidade, amigos e possíveis tratamentos

(Davis, Bahr & Ward, 2012).

Aspetos como falta de conexão social e de estruturas caraterizam indivíduos que tendem a

recair na vida criminal após a sua libertação. Laub e Sampson (2001, 2003) focam a importância

que uma ressocialização estruturada com atividades rotineiras tem para a reintegração social e

afirmam que para a concretização deste processo é necessária a existência de fatores relacionados

22

com a vontade pessoal em relação à mudança e reintegração. Para isso, mais uma vez, é referida

a importância de laços com familiares e amigos cujo apoio é fundamental neste processo.

Contrariamente, a convivência com indivíduos que têm comportamentos desviantes e criminosos

pode, por vezes, atrair o ex-recluso para praticar este tipo de comportamento no caso de indivíduos

cujo nível de determinação não é suficiente para que não o façam (Davis, et al., 2012., cit., Gideon,

2010).

Por sua vez, outros autores defendem que a motivação para não reincidir, não é por si só

suficiente para a sua reinserção, pois existem outros fatores externos (acima descritos) que serão

igualmente importantes (Laub and Sampson, 2001). Por sua vez, a combinação subjetivo-social é

a fonte mais efetiva para uma reinserção social adequada (Davis, Bahr & Ward, 2012., cit, LeBel

et al. 2008).

Teoria da Transformação Cognitiva

A teoria da transformação cognitiva de Giordano et al. (2002) defende que existem quatro

elementos fundamentais para a desistência do ex-recluso a cometer comportamentos criminosos.

O primeiro elemento consiste na hipótese de que estes indivíduos começam a observar a sua

mudança de comportamentos como uma realidade à qual a sua adaptação é possível. Esta pode

ser considerada uma possibilidade que muitos reclusos não aceitam, mas exequível por outros,

apesar dos desafios a que se propõem. A título de exemplo, num estudo realizado por Healy &

O’Donnell (2008) com 73 inquiridos, 95% dos reclusos entrevistados afirmam que desejam mudar

e 85% desses indivíduos dizem ser capazes de o fazer. Similarmente, num estudo realizado por

Burnett (2004), 80% dizem que querem recuperar, mas apenas 25% acreditam que o

conseguiriam fazer (Davis, Bahr & Ward, 2012).

Em segundo lugar, a teoria define que a exposição destes indivíduos às suas circunstâncias

de vida pode contribuir para que seja possível modificar e adaptar os seus comportamentos à

realidade social onde pretendem inserir-se. Para isso, existem apoios criados por instituições

formais e não formais que condicionam a sua realidade, como condições de trabalho ou

programas de tratamento que colaboram para a sua reinserção, tal como instituições familiares e

sociais.

Um exemplo da aplicação deste princípio no estudo do processo de reintegração social de

idosos realizado por Kamigaki & Yokotani (2014), foi através do desenvolvimento de um Modelo

de Desenvolvimento Social no Japão com o objetivo de reduzir a reincidência criminal. Através

23

deste método foi possível comprovar que, quando existe uma rotina de atividades proporcionada,

por exemplo, por centros de dia, a tentativa de reincidir no crime e a sua exposição ao mesmo é

menor. Ou seja, o apoio institucional proporcionado funciona não só como uma ajuda às

dificuldades consequentes da idade, mas também como uma monitorização destes indivíduos e

do seu ajuste à sociedade. A influência da comunidade é também referida nesta investigação e foi

observada pelos autores como uma medida, muitas vezes, mais eficaz do que a introdução de

sentenças pesadas para a redução da reincidência.

Contudo, os autores afirmam que a reincidência está muitas vezes relacionada com as

dificuldades em conseguirem suportar as despesas em comunidade. Isto é, quando não

conseguem suportar gastos financeiros, a prisão apresenta uma realidade mais favorável para

estes indivíduos, o que os pode levar a reincidir em comportamentos criminais (Kamiagaki &

Yokotani, 2014)

O terceiro elemento desta teoria consiste no progresso da mudança psicológica dos

indivíduos, isto é, quando o indivíduo se considera capaz e pretende ajustar-se à sua nova

realidade. Shapland and Bottoms (2011) afirmam que reclusos que têm interesse nesta mudança

observam-se de modo diferente, ou seja, como indivíduos que não pertencem nem tencionam

estar no mundo do crime (Davis, Bahr & Ward, 2012).

Por último, a teoria foca a importância da reinterpretação do comportamento ilegal

anteriormente praticado pelo recluso, ou seja, o recluso reinterpreta e considera o comportamento

criminal como prejudicial, não só para si como para outros indivíduos. Esta é uma característica

especialmente visível em indivíduos em idade avançada. A esta consciencialização, em relação a

comportamentos passados, foi atribuída a denominação de life review (Davis, Bahr & Ward, 2012).

Para Crawley & Sparks, 2006, o conceito de life review pode definir-se como a tendência que

indivíduos, principalmente numa fase tardia da vida, têm de analisar o seu passado, o que pode

ser compreendido como um sucesso ou um fracasso. Como resultado, uma avaliação positiva

pode causar sentimentos positivos perante as suas perspetivas de futuro e uma avaliação negativa

pode causar sentimentos de arrependimento, ansiedade e desespero que podem alterar por

completo a forma como a sua reintegração social é vista e vivida pelos mesmos, tornando o

processo mais ou menos favorável.

24

“O reconhecimento de que o tempo é cada

vez mais reduzido faz com que a experiência

de vida na prisão e perspetivas de reinserção

social de indivíduos em idade avançada seja

muito diferente da experiência de prisioneiros

mais novos” (Crawley & Sparks, 2006. p. 70).

O processo de retrospetiva e análise torna este processo significativamente mais difícil para

indivíduos com mais idade (Davies, 2011., cit., Crawley & Sparks, 2005). As visões apresentadas

em ambas as teorias podem assim ser interligadas à realidade vivida por reclusos aquando da sua

libertação. Contudo, existem ainda aspetos específicos a reclusos em idade avançada a ser

desenvolvidos, tendo em conta os princípios e fatores explorados acima.

O processo de envelhecimento pode diminuir a motivação e habilidade destes indivíduos para

continuarem a praticar atividades ilegais, principalmente quando grandes mudanças de vida, como

a sua libertação e reintegração em sociedade, se aproximam. De qualquer forma, é difícil

comprovar a probabilidade exata destes acontecimentos (Davis, Bahr & Ward, 2012). Contudo, é

possível afirmar que o fator idade está diretamente relacionado com a desistência do crime no

sentido em que, na maior parte dos casos, quanto mais avançada a idade, maior a probabilidade

de desistência à prática de comportamentos criminosos (Davis, Bahr & Ward, 2012).

A pertinência em relação ao estudo desta classe etária nasce também devido ao facto de que

alguns dos motivos pelos quais estes indivíduos desistem de comportamento ilegais apenas fazem

sentido devido à classe etária onde se inserem. Em primeiro lugar, isto ocorre devido ao declínio

das suas capacidades físicas e mentais, onde determinadas doenças contribuem para que se

apercebam das suas limitações, onde um estilo de vida criminal não seria possível. Em segundo,

o impacto que o crime pode causar no seu núcleo familiar (e a si próprio). Por último, o processo

de reinserção social pode apresentar-se difícil e stressante por si só, onde a reincidência é vista

como uma agravante ao processo (Davis, Bahr & Ward, 2012).

Em alguns casos, a reincidência criminal destes indivíduos tem como motivação as

dificuldades económicas em liberdade. Deste modo, programas de reinserção social colaboram

para que a sobrevivência de ex-reclusos em idade avançada no exterior não envolva uma carreira

criminal (K, Kamigaki & K, Yokotani., 2014).

25

Davis, Bahr & Ward (2012) apresentam um modo simples de entender como a reincidência

criminal pode ser explicada, tendo em consideração o que foi acima descrito sobre o fator idade

(Figura 1).

Figura 1 – Modelo da relação entre a motivação e apoio em relação à desistência ao crime

Família Amigos Emprego Programas

O desejo de mudança e motivação interna do recluso para a sua adaptação em sociedade

são alguns dos elementos chave para a desistência a comportamentos criminais. Contudo, o

tempo despendido em reclusão, a relação com familiares, amigos, entre outros, são fatores

igualmente importantes (Davis, Bahr & Ward, 2012., cit., Bottoms & Shapland, 2011). Como foi

já possível comprovar, o apoio à reintegração será essencial, mas a motivação por si só pode não

ser suficiente para serem bem-sucedidos, sem que existam programas de apoio ou relações e

laços sociais no exterior.

Estas componentes não só estão relacionadas, como também se influenciam mutuamente.

Alguns exemplos de fatores cruciais para a sua reintegração e abandono de comportamentos

criminosos são: o apoio a ex-reclusos que integram programas de tratamento contra o consumo

de drogas, o apoio familiar, essencial para que este seja bem-sucedido ou inserção num meio de

trabalho, que exija estrutura e compromissos: razões para que o indivíduo não reincida no crime.

O significado que ex-reclusos atribuem a estas variáveis são componentes importantes para uma

experiência positiva ou não durante a sua reintegração em liberdade.

Apesar de o comportamento criminal poder encontrar-se mais facilmente em adolescentes

ou recém-adultos do que em indivíduos com idades superiores aos quarenta anos, foi comprovado

através de estudos sobre carreiras criminais, em que cerca de 85% dos mesmos desistem da vida

criminal quando alcançam os 28 anos (Maruna, 2004., cit., Blumstein & Cohen, 1987).

Motivação

Apoio

Desistência do crime

26

Estudos recentes comprovam que programas de reabilitação social podem reduzir entre 10

e 20 por cento da reincidência criminal, dependendo do programa implementado (Aos, Miller, &

Drake, 2006; Lipsey & Cullen 2007; MacKenzie, 2006; National Research Council, 2007;

Petersilia, 2004; Seiter & Kadela, 2003). Quanto mais estes programas se iniciarem desde a fase

de encarceramento como, por exemplo, tratamento para drogas, terapia comportamental,

programas educacionais e de treino, maior a probabilidade da sua reinserção ser positiva (Visher

& Travis, 2011). Estes autores defendem ainda que existem intervenções que não têm obtido

resultados positivos. Por exemplo, colocar estes indivíduos sob supervisão após serem libertos não

significa que a percentagem de reincidência será reduzida. Neste grupo, podem ser incluídas

intervenções como tratamentos para ofensores sexuais, monitorização eletrónica, entre outros.

Importa também referir que prisioneiros mais velhos que servem sentenças inferiores a doze

meses têm uma menor probabilidade de voltar a reincidir. Apesar disso, as necessidades de

reintegração social destes indivíduos não se focam apenas na reincidência ao crime e devem

também incluir acesso a serviços comunitários e de reintegração em sociedade. O governo deve

assim ter em consideração as limitações que as medidas relacionadas com a reincidência

apresentam. O sucesso da reintegração de indivíduos mais velhos deve ser medido não só por

isto, mas também pela forma como o indivíduo está em harmonia e bem integrado na sociedade

onde agora se insere (The Justice Committee, 2013).

Esta realidade pode ser apresentada como um problema global, onde o fator idade e o

historial de prisão premeditam dificuldades ao processo de reintegração em liberdade. Neste

sentido, pode então concluir-se que um dos principais fatores para que este seja um processo

bem-sucedido é a introdução de apoio contínuo por parte da comunidade (K. Kamigaki & K.

Yokotani., 2014).

Quando implementados programas que efetivamente contribuem para uma reintegração

social bem-sucedida, pode esperar-se uma redução de 15 a 20% de reincidência no crime.

Contudo, a literatura apresenta ainda falhas metodológicas para que este processo tenha

resultados positivos. Atualmente, torna-se fundamental o investimento em novas ideias e

avaliação, de modo a determinar que intervenções são eficazes de forma a promover segurança

pública e a reintegração social destes indivíduos (Visher & Travis, 2011).

27

3.6 – Relação entre duração da pena e reintegração social

A experiência pela qual estes indivíduos atravessam durante o seu encarceramento acarreta

consequências nos seus hábitos e na sua tomada de decisões, já que durante a sua presença

numa instituição total, estão sujeitos ao chamado de processo de “prisionização”. É, por isso,

importante desenvolver este conceito tendo em consideração que está diretamente relacionado

com a influência que a duração da pena terá na reintegração social destes indivíduos em

sociedade.

O conceito de prisionização, desenvolvido por Clemmer (1940), consiste “num processo de

socialização e aculturação em valores da cadeia ou na cultura prisional”. Quanto mais longo for o

período em contacto com estes valores, menor será a conformidade com outros valores ou normas

aos quais se teriam de adaptar quando estiverem em liberdade (Cunha 2008, p.194).

Consequentemente, o tempo despendido em encarceramento coloca estes indivíduos em

risco de perder a habilidade de funcionar como ser autónomo e responsável. Se um prisioneiro é

liberto com determinadas preocupações como estas, muito provavelmente enfrentará maiores

dificuldades para reintegra-se em sociedade (Davies, 2011).

No início desta investigação, a população alvo foi dividida em três principais grupos: reclusos

com penas de prisão perpétua que foram envelhecendo dentro da instituição, reclusos que são

reincidentes e que são reclusos continuamente, tendo uma longa carreira institucional, e reclusos

que cometeram crimes já em idade avançada, integrando a prisão numa fase tardia da vida (Silva,

2014., cit. Aday, 1994). É com base nesta divisão que muitos investigadores se baseiam para a

execução do seu estudo. Assim, o modo como estes grupos se diferenciam aquando da sua

reintegração social será explorado tendo por base a mesma divisão.

Reclusos com penas longas ou perpétuas

Reclusos que enfrentam longas penas ou penas perpétuas, muitas vezes acabam por falecer

na própria prisão sem que tenham a possibilidade de voltar a integrar-se em sociedade. Muitas

vezes, a prisão é vista como a sua própria casa, visto que têm conhecimento prévio deste facto.

Com o processo de envelhecimento, são inúmeras as dificuldades que se apresentam à reinserção

social de reclusos mais velhos, não só para o próprio indivíduo, mas também para a instituição. O

processo de institucionalização, perda de capacidade social, problemas graves de saúde, a

28

manifestação da idade avançada através da perda de mobilidade e coordenação, são algumas

destas dificuldades. Estes problemas trazem consequências à vida do recluso, como a

necessidade de que exista um apoio diário na execução de tarefas quotidianas (Dawes & Dawes,

2002., cit., Dawes, 2012).

Casos de demência, doenças terminais e outras condições de saúde que causem grande

dependência, tornam esta população candidata à sua integração em lares ou hospícios de forma

a que sejam asseguradas as suas necessidades (Dawes & Dawes, 2002., cit., Dawes, 2012).

Por sua vez, quando é possível que estes reclusos abandonem a instituição e tenham de

integrar a sociedade, existem alguns fatores que influenciarão este processo. Para a maior parte

destes prisioneiros, o contacto com familiares torna-se cada vez mais escasso e as relações que

desenvolvem dentro da instituição tornam-se as únicas que conhecem e que integram o seu dia-

a-dia. A perda da família, falta de apoio económico e social e o choque cultural, são algumas das

consequências que a sociedade e a vida no exterior da prisão apresentam, tornando a reintegração

social um processo muito problemático para estes indivíduos (Dawes, 2012).

Cralwey & Sparks (2005) enfatizam também que o interesse que estes reclusos têm na sua

libertação poderá eventualmente ser limitado em situações onde a vida na prisão consiste na única

realidade que conhecem. O estudo realizado por estes autores mostra que, apesar de reclusos

que se encontrem nesta situação não desejarem a sua permanência na prisão, são inúmeras as

reticências quanto à sua reintegração social e não a consideram executável.

A perda de contacto com o exterior, particularmente neste grupo, é acentuada devido às

dificuldades que existem para que se mantenham as relações no exterior. Muitas vezes, é possível

notar que existe um declínio na relação entre o envolvimento com o mundo no exterior e o tempo

de pena a cumprir. Na grande maioria dos casos, o passar do tempo diminui o número de cartas

trocadas com familiares, de visitas ao estabelecimento e de contacto com o exterior e são inúmeros

os motivos para que isso aconteça. Para uns, isto pode ocorrer devido à crescente pressão

existente nas relações entre o recluso e os familiares/amigos (Davies, 2011., cit., Sapsford, 1978),

para outros, componentes distintos como a idade dos familiares ou a localização geográfica podem

ser condicionantes para que o contacto seja mais ou menos frequente (Davies, 2011., cit., Kerbs,

2000). Uma terceira possibilidade centra-se na ideia de que esta perda de contacto com o exterior

consista num mecanismo de defesa criado pelo recluso para que consiga lidar com a situação em

que se encontra, o que se define como “decadência de relacionamentos”. Para alguns prisioneiros,

manter relações com indivíduos no exterior torna-se muito difícil (Davies, 2011., cit., Toch, 1972).

29

O processo de institucionalização está diretamente associado com a duração da pena

cumprida, na medida em que pode ser considerado um efeito psicológico causado devido a penas

de longa duração. Ou seja, indivíduos que passam maiores períodos de tempo encarcerados

apresentam menores expectativas para se integrarem novamente em sociedade. Novamente,

importa referir que isto está também associado ao fator família, vínculos sociais e apoio que terão

no exterior para a sua reintegração (Crawley & Sparks, 2006).

Reclusos com carreiras institucionais

No caso de reclusos que possuem uma carreira institucional, chamados também de reclusos

crónicos por alguns autores, desenvolvem uma história criminal e, consequentemente, uma

carreira de compromisso para com a prisão devido à continuidade com que reintegram a

instituição devido ao seu historial (Dawes, 2012, Moran, 2012). Passam a integrar esta categoria

reclusos que já foram condenados seis ou mais vezes durante a sua vida (Laub & Sampson, 2011).

De acordo com a American Civil Liberties Union (2012), estes indivíduos estão normalmente em

reclusão devido a crimes como roubos, dívidas ou ainda crimes relacionados com o consumo ou

venda de substâncias ilícitas.

Este tipo de aprisionamento pode levar o recluso a distanciar-se ou mesmo a acabar por

perder alguns aspetos da sua identidade enquanto membro de uma sociedade devido ao estigma

e aos rótulos de que é vítima que lhes são atribuídos dentro e fora do contexto prisional. Este

distanciamento consiste numa “spoiled identity”, conceito já explorado neste capítulo (Davies,

2011., cit., Cohen and Taylor 1972; Crawley & Sparks 2005). Isto é particularmente prejudicial

para a autoestima e segurança destes indivíduos, principalmente para reclusos mais velhos devido

às consequências que a sua constante entrada/saída na prisão pode causar na sua integração

tanto dentro como fora da instituição. Em consequência, a dedicação e interesse destes reclusos

em programas de reintegração estão muitas vezes condicionados (Davies, 2011).

Apesar de alguns destes indivíduos desistirem da vida criminal e se reintegrarem em

comunidade, muitos não desistem deste tipo de comportamento pelo que continuam a voltar à

instituição prisional até se tornarem idosos. Contudo, importa referir que nos casos em que estes

reclusos pretendem reintegrar-se em liberdade, as dificuldades que este processo apresenta são

acentuadas devido à regularidade com que recorrem a comportamentos criminais depois da sua

libertação (Dawes, 2012).

30

Reclusos presos em idade avançada

Entre os reclusos que integram a prisão numa fase tardia da vida, é possível realizar uma

divisão em dois grupos: os que são novos em meio prisional e que terão de permanecer por

períodos consideráveis de tempo na instituição e os que têm de ficar por pouco tempo a cumprir

pena. No caso do primeiro grupo, para a maioria destes indivíduos, a transição para a prisão é

extremamente difícil, podendo mesmo levar a sérios riscos de automutilação e suicídio. A sua

condenação representa a última e dramática mudança das suas vidas, onde são muitas vezes

deixados sem qualquer tipo de esperança em relação a uma vida futura em liberdade. No caso do

segundo grupo, muitas vezes são-lhes atribuídas penas reduzidas devido às consequências que

indivíduos em idade avançada apresentam para a prisão, tendo em consideração que o apoio

necessário em relação às suas condições de saúde pode criar desafios específicos deste grupo

etário quanto à sua posição em contexto prisional e na comunidade (Dawes, 2009).

Em qualquer um dos casos, o facto de não estarem familiarizados com a cultura e rotinas da

prisão, faz com que muitas vezes desenvolvam sentimentos depressivos e de stress. Em alguns

casos, acabam por desenvolver um estado psicológico de carácter traumático devido a esta

mudança drástica nas suas vidas (Crawley, 2007).

Reclusos cuja entrada em meio prisional ocorre apenas depois de atingirem uma idade

avançada, apresentam alguns padrões em relação ao tipo de crime que cometeram. Na maior

parte dos casos, a sua reclusão dá-se devido a crimes que se inserem normalmente num destes

quatro grupos: reclusos que apresentam comportamentos violentos contra membros da família;

reclusos que cometeram crime de colarinho branco, como fraude depois de anos de experiência

empresarial bem-sucedida; crimes de venda de substâncias ilícitas, sem possuírem qualquer

cadastro relacionado ao consumo ou venda; crimes relacionados ao consumo de álcool como, por

exemplo, condução sob o seu efeito tendo como resultado homicídio (Davies, 2011).

No estudo realizado por Aday (2011), a maioria dos reclusos que cometeram crimes pela

primeira vez já em idade avançada e que foram encarcerados, cometeram crimes contra outros

indivíduos. Neste grupo, existe uma maior probabilidade de cometerem crimes como homicídios

contra uma pessoa com a qual têm uma relação próxima, como é caso do parceiro. Por outro

lado, é também recorrente cometerem ofensas sexuais quando entram na meia-idade ou mais

tarde (Aday, 2011., cit., Cromier, 1971).

A probabilidade de indivíduos em idade avançada sentirem o poder da instituição e das suas

regras é maior do que em outros grupos prisionais, visto que muitas vezes dependem da prisão

31

para terem acesso a apoio de saúde, entre outros, sem os quais são conseguem garantir as suas

necessidades básicas (Davies, 2011). Logo, quanto maior o tempo de encarceramento e mais

velho o indivíduo for, mais dificuldade este encontrará aquando da rua reentrada numa sociedade

livre (Kamiagaki & Yokotani, 2014).

Por último, importa também referir que é particularmente visível o estigma associado a este

tipo de reclusos, isto é, prisioneiros que cometeram crimes pela primeira vez já em idade avançada

e que passaram grande parte da sua vida com as suas famílias e a estabelecer uma carreira. A

sua identidade pessoal é enraizada durante a sua vida numa sociedade dita normal, tornando a

vida no sistema prisional muito traumática, tendo em consideração que geralmente deixam de

representar, num curto espaço de tempo, os papéis a que estão habituados a desempenhar para

agora integrarem outro, o de recluso (Davies, 2011).

33

4 – Medidas sociais aplicadas durante o processo de reintegração

Para que o processo de envelhecimento seja devidamente analisado no seu todo, este deve

compreender três componentes: a biológica, já que com o passar do tempo a suscetibilidade do

ser humano aumenta tendo em conta o declínio da saúde; a social, devido aos diferentes papéis

sociais que indivíduos deste grupo são esperados desempenhar; e, a psicológica, pois cada

indivíduo tem um nível de capacidade diferente quanto à gestão do avançar da idade (Silva, 2014).

Assim, para uma reintegração social bem-sucedida, há que ter em consideração a incorporação

de medidas que englobem estas três áreas durante o processo.

O grupo formado por reclusos em idade avançada deve ser reconhecido e incorporado nos

programas de reabilitação. É necessário estudar, por exemplo, as necessidades, características e

os problemas deste subgrupo, no interior e exterior da prisão, mas não só. Importa também refletir

sobre se estes reclusos estão preparados para isso, tendo em consideração a sua idade, já que

muitas vezes são colocados num ambiente como o da prisão, ao mesmo tempo que a sua

condição física e psicológica começa a regredir (Aday, 1994 cit., Vito & Wilson, 1985).

Que medidas tomam as instituições prisionais e associações adjacentes para que seja

possível reintegrar devidamente este grupo de reclusos na sociedade?

4.1 – O caso de Portugal

A reintegração social, processo que se define pela transição da reclusão para a comunidade

e adaptação à mesma, apresenta inúmeros desafios para a população reclusa. Questões como o

acesso ao mercado de trabalho e às condições de vida, são algumas das preocupações em relação

à reintegração desta população em específico (Silva, 2016., cit., Antunes, 2010). Em muitos

casos, o sentimento de insegurança que é vivido por estes reclusos e o facto de muitas vezes,

preferirem ficar na instituição devido ao tempo de vida em que estiveram sob as regras e

34

funcionamento da mesma face à sua libertação, torna esta readaptação um processo complexo,

maioritariamente para indivíduos em idade avançada (Silva, 2016., cit., Crawley & Sparks, 2006).

O Sistema Prisional Português, parte da Direcção-Geral de Reinserção e dos Serviços

Prisionais (DGRSP), consiste “num conjunto de órgãos funcionais com a competência da execução

de penas e medidas privativas de liberdade, garantindo o cumprimento da pena e a criação de

condições para a reinserção social dos reclusos dando um veemente contributo para a defesa da

ordem pública e da paz social. Trata-se de um serviço da administração pública direta do Estado,

integrado no Ministério da Justiça, tendo sido a orgânica da DGRSP estabelecida pelo Decreto-lei

n.º 215/2012 de 28 de Setembro, publicada no DR nº 189 Iª série p. 5470“ (Pontes, 2015. p.

17). Assim, é da responsabilidade do Sistema Prisional Português que a população reclusa tenha

acesso e meios que lhe possibilite preparar e proceder devidamente à sua reintegração social.

Para que esta preparação seja realizada entre o sistema prisional e o recluso, importa

também referir o conceito de tratamento penitenciário, através do qual este processo é executado.

Este consiste na “ação levada a cabo junto do delinquente, com vista a tentar modelar a sua

personalidade com o objetivo de o afastar da reincidência e favorecer o seu enquadramento social”

(Fernandes, 2016, p. 102., cit., Pinatel in Barroso & Abrunhosa, 1992). No caso de um recluso

mais velho, o seu acompanhamento deve ser especializado tendo em conta as suas necessidades

específicas e para que seja possível promover as suas competências que possam simplificar a sua

reintegração social (Fernandes, 2016).

Para o desenvolvimento desta temática, torna-se fundamental mencionar dois artigos: de

acordo com o Decreto-lei nº 51/2011, de 11 de abril, que visa a aprovação do Regulamento Geral

dos Estabelecimentos Prisionais, estão descritos os princípios que se pretende implementar no

tratamento dos reclusos. A pena de prisão, que apesar do seu carácter castigador, deve também

colaborar na preparação do recluso à sua reintegração social de modo a que se ajuste às normas

sociais. Por sua vez, o Decreto-Lei nº115/2009, de 12 de outubro, refere-se ao Código de

Execução de Sentenças e Derivação de Liberdade. Ambos os decretos trabalham no contexto

prisional de forma organizada e cooperativa e lidam com a ressocialização do prisioneiro desde o

momento que este integra a prisão até à sua saída em liberdade (Pontes, 2015).

No caso de indivíduos mais velhos, muitos novos ou mulheres gravidas, devem ser

asseguradas as necessidades de cada grupo. De acordo com o artigo 4º do Decreto-Lei

nº115/2009 de doze de outubro: “a execução de sentenças e privação da liberdade a pessoas

com mais de sessenta e cinco anos de idade deve respeitar as suas necessidades específicas e o

35

seu estado de saúde e autonomia, em particular garantindo-lhes com a assistência necessárias

em atividades do dia-a-dia e providenciar-lhes também com acomodação, segurança, atividades e

programas.” No entanto, é reduzida a informação disponibilizada específica à população reclusa

em idade avançada e esta é a única orientação especializada encontrada na legislação de forma

clara e direta em relação à população em análise (Ferreira, et al., 2017).

4.1.1 – Plano Individual de Reabilitação

Depois da admissão do prisioneiro, da avaliação do seu nível de saúde e do contacto com as

instituições necessárias para que sejam asseguradas as suas necessidades, é criado um programa

individual para a sua reeducação profissional que o acompanha durante todo o período da sua

detenção. Este processo intitula-se de Plano Individual de Reabilitação (PIR) e deve ser aplicado a

todo e qualquer prisioneiro aquando da sua detenção. No entanto, há que ter em consideração as

especificidades que alguns grupos como reclusos em idade avançada poderão apresentar

(Ferreira, et al., 2017).

O PIR pode ser definido como uma “base contratual entre o sistema prisional e o indivíduo

recluso” que pretende tornar a duração da pena de prisão não só numa punição, mas também

numa oportunidade para a evolução pessoal do recluso, através do desenvolvimento e ganho de

competências úteis, tanto para o meio prisional como também para a sua vida em liberdade

(Pontes, 2015., cit., Ramos, 2011, p.19).

É no Plano Individual de Reabilitação que é possível encontrar considerações em relação às

necessidades específicas de diferentes grupos populacionais. O artigo 69º do Decreto-Lei

nº51/2011, de 11 de abril, previamente referido, aprova o Regulamento Geral dos

Estabelecimentos Prisionais e tem como objetivo regulamentar o Código de Execução de Penas e

Medidas Privativas da Liberdade, o que significa que é compulsório que cada recluso tenha um

Plano Individual de Reabilitação e deve ser aplicado a todos os indivíduos que tenham sido

condenados a pelo menos um ano de prisão (Ferreira, et al., 2017).

A integração do PIR em estabelecimentos prisionais pretende ser um processo dinâmico.

Apesar de ser instituído no início da pena, de acordo com a Lei nº 115/2009, de 12 de outubro,

aprova o Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade em relação ao PIR, deve

ser reajustado pela primeira vez depois de sessenta dias após o início da sua aplicação e ao longo

da pena para que seja possível integrá-lo na realidade do recluso. Para tal, devem ser considerados

36

aspetos como as necessidades de casa indivíduo (por áreas específicas), e “a perspetiva avaliativa

do recluso, os objetivos a prosseguir, as ações a desenvolver, a estimativa previsível do tempo

para a sua aplicação e os expedientes necessários para a sua efetivação” (Pontes, 2015. p.19).

Este plano pretende ainda criar objetivos a serem cumpridos pelo recluso, definir as atividades

que devem ser desenvolvidas em prol da sua reabilitação, as diferentes fases da sua

implementação e que ações devem ser tomadas pelo estabelecimento prisional de forma a garantir

o suporte e controlo das mesmas. Estas atividades têm como objetivo desenvolver o conhecimento

e a aptidão do recluso em diferentes áreas como educação e treino vocacional, trabalho e

atividades vocacionais, programas, atividades sociais e culturais, saúde, contacto com o exterior

e estratégias de preparação para a liberdade (Ferreira, et al., 2017). Contudo, sem o complemento

de todas as outras medidas que fazem parte do PIR, uma reintegração social bem-sucedida não

seria possível.

A componente da reeducação profissional tem como responsabilidade formalizar o Plano

Individual de Readaptação, a ser aprovado pelo diretor de cada instituição prisional. Depois da sua

aprovação, o plano volta a ser reeditado pelo Tribunal de Execução de Sentenças, quando e se

necessário. Este plano deve então ser executado pelos departamentos responsáveis pela

supervisão da execução da sentença em cooperação com todos os outros serviços prisionais

(Ferreira, et al., 2017).

O PIR não consiste apenas numa medida para o recluso, mas é também um instrumento de

trabalho para os Técnicos Superiores de Reeducação (TSR) e outros profissionais da área. O

objetivo do PIR não pretende apenas responder a possíveis objetivos laborais e a cumprir valores

que a instituição deve alcançar, mas sim torná-lo num instrumento através do qual seja possível

alcançar uma reinserção social positiva (Pontes, 2015., cit., Cunha, 2009). Apesar da aplicação

menos bem-sucedida do PIR num passado recente, perspetiva-se e augura-se que doravante a sua

realização seja efetiva e profícua (Pontes, 2015., cit., Pinto, 2010).

Num estudo realizado por Fernandes (2016), no Estabelecimento Prisional do Porto, muitos

dos reclusos entrevistados evidenciaram estar pouco satisfeitos com os serviços prestados pelos

Técnicos Superiores de Reeducação (TSR) inseridos no programa “Construir um Plano de

Prevenção e de Contingência” da DGRSP, desenvolvido pela equipa de educação da instituição e

tendo como objetivo prevenir a reincidência e a recaída após a liberdade: Neste sentido, faz parte

dos objetivos dos TSR desenvolver este programa junto da população reclusa em fim de

cumprimento de pena.

37

Contudo, as queixas em relação a este tipo de apoio focam-se principalmente num

distanciamento entre o técnico e o recluso e o facto de alguns TSR desvalorizarem a participação

dos reclusos em algumas atividades que para eles são importantes no seu dia-a-dia.

Como já mencionado, não são muitas as especificidades explícitas na lei quando se trata de

reclusos em idade avançada. No entanto, importa notar que, em alguns casos, o recluso tem a

possibilidade de transferência para outro estabelecimento prisional ou para outra unidade, para

que as suas necessidades sejam devidamente honradas no que diz respeito ao seu tratamento

prisional, aproximação geográfica à família e razões de segurança, que facilite a realização do seu

plano individual ou para um melhor acesso a tratamento médico (Pontes, 2015), o que se poderá

aplicar a reclusos mais velhos, tendo em conta as necessidades específicas que o seu grupo etário

geralmente comporta.

Para Pontes (2015), o Plano Individual de Reabilitação apesar da sua complexidade e

consequente dificuldade em atingir um uso prático, está bem elaborado e estruturado. De acordo

com o estudo que realizou, uma percentagem significativa dos inquiridos propôs um maior

envolvimento com outros sectores e serviços, principalmente com os serviços de reintegração e a

individualidade dos planos. Desta forma, uma das mais importantes ideias a retirar deste plano é

a necessidade ainda existente de torná-los cada vez mais individualizados e definir melhor os

objetivos a que se propõem para a sua reintegração social de acordo com as necessidades de

cada recluso (Ferreira, et al., 2017).

Para que o Plano Individual de Reinserção seja aprovado, existem inúmeras fases a serem

cumpridas (Pontes, 2015):

1. De acordo com o artigo 172º, após a receção do plano, a secretaria deve aguardar a

resposta do Ministério Publico.

2. Cabe ao juiz o despacho do plano, aprovando-o ou não. Em casos onde é reprovado, deve

também expor os motivos que o levaram à tomada dessa decisão.

3. O despacho da homologação é notificado ao Ministério Público e ao recluso e depois

comunicada ao estabelecimento prisional onde se insere e aos serviços de reinserção

social através de uma certidão integral do plano. Se o plano não é aprovado, deve ser

então reformulado pelo estabelecimento durantes os 15 dias seguintes e novamente

aplicados estes passos.

De acordo com o artigo 509º, depois da aceitação do PIR, durantes os primeiros 30 dias no

estabelecimento prisional, os técnicos prisionais devem elaborar o plano do recluso inserindo todos

38

os aspetos acima descritos que devem fazer parte do plano. Para tal, devem ser recolhidas as

informações necessárias através de variadas instituições e do próprio indivíduo. Depois da sua

elaboração, é necessário realizar ao longo do tempo uma avaliação do recluso, de forma a garantir

que o programa de tratamento do recluso é adequado às suas necessidades e readaptá-lo caso

não seja (Pontes, 2015).

Em conclusão, com base nesta descrição sobre as principais caraterísticas do contexto

prisional português, existem inúmeros problemas e desafios quando se fala da análise e do estudo

do fenómeno do envelhecimento em contexto prisional. O papel que a reintegração social e as

suas equipas específicas possuem são de grande importância para que seja estabelecida a

articulação entre as famílias dos reclusos e das suas comunidades, quando a flexibilidade das

sentenças é considerada uma possibilidade através de, por exemplo, liberdade condicional ou o

uso de pulseira eletrónica (Ferreira, et al., 2017).

4.2 – O caso de Espanha

Na sociedade espanhola, indivíduos em idade avançada têm vindo a assumir um grupo cada

vez maior em meio prisional num curto período de tempo, tal como tem vindo a acontecer na

maior parte da Europa. Isto ocorre não apenas devido ao envelhecimento demográfico da

sociedade, mas também ao elevado número de reclusos que estão a cumprir penas muito longas

e que ficam na instituição durante longos períodos de tempo (Alonso, 2014).

De acordo com a Constituição Espanhola, o condenado a pena de prisão deve ter acesso aos

direitos penais dos reclusos, assim como os direitos fundamentais de qualquer cidadão, com

exceção da sua limitação de pena de prisão. A possibilidade de melhorar capacidades, de

formação laboral, educativa, cultural, entre outros, deve ser sempre uma possibilidade (Boix,

2014).

Estas medidas atribuem a todo e qualquer recluso no país o direito a participar em programas

de tratamento, responsabilidade da instituição onde estão, para o seu desenvolvimento e

crescimento pessoal, das suas capacidades e habilitações sociais e de trabalho para que seja

possível desenvolver uma convivência normal em sociedade após a sua libertação (Boix, 2014).

Para isso, pretende-se implementar em Espanha um sistema de ressocialização e

reintegração social, através do tratamento dos reclusos, em substituição das ideias correcionais

que têm sido maioritariamente aplicadas no sistema prisional até então. No entanto, a legitimidade

39

desta ideologia tem sido posta em causa pela lei do país, já que está em discordância com a

mesma. A lei espanhola não demonstra que existem diferenças entre reclusos e as suas

necessidades e devido a esta falta de especificidade, surgem questões quanto à reintegração social

de reclusos em idade avançada (Boix, 2014).

O Regulamento Penitenciário (1996) observa a reinserção social como um processo de

formação integral de personalidade através de instrumentos para a sua emancipação. Para tal, foi

criado o Programa Individualizado de Tratamiento, que tem como principal objetivo a modificação

do comportamento do sujeito para que este tenha acesso aos instrumentos necessários aquando

da sua libertação. Estes programas têm em consideração as especificidades de cada recluso e da

sua evolução de forma individual, contínua e dinâmica. A execução destes planos deve ser levada

a cado por diversos técnicos multidisciplinares, de acordo com a sua especialidade. Importa

também referir que este programa é de carácter voluntário e, para a sua elaboração, aspetos como

a sua ocupação laboral, formação, aplicação de medidas de ajuda, entre outros, devem ser tidos

em conta (Boix, 2014).

As atividades que são desenvolvidas pelo programa integram dois diferentes níveis. As

atividades prioritárias, isto é, que ajudam nas suas carências formativas básicas, como o apoio a

analfabetos e atividades complementares, e que incluem o fomento de atividades educativas,

culturais e de trabalho. Para tal, a Administração Penitenciária desenvolveu um conjunto de

programas estruturados que pretendem favorecer a evolução dos reclusos de cada instituição. À

semelhança de Portugal, a eficácia e os resultados obtidos através deste programa são avaliados

periodicamente pela Administração Penitenciária, normalmente acompanhada de outras

instituições que a apoiam em relação à reintegração (Boix, 2014).

Em relação à população idosa nas prisões, no ano de 2011, foi estabelecido o Protocolo de

Atención Integral a las Personas Mayores en el Medio Penitenciário, que consiste num documento

onde são descritas medidas que visam contemplar a melhoria das condições de vida deste grupo

dentro da prisão e também de um programa de intervenção geral e socioeducativo específico de

forma a criar condições à sua reinserção social (Alonso, 2014).

O protocolo pretende ultrapassar o desconhecimento e a invisibilidade que caracteriza esta

população, reforçando que o grupo apresenta vulnerabilidades e necessidades que lhes são

específicas. Os principais objetivos desta medida são: reduzir ao máximo a presença destes

indivíduos num regime normal de prisão, tendo em conta o nível de perigo que o indivíduo

apresenta e a complexidade criminal; criar um estabelecimento que possa acolher reclusos mais

40

velhos que carecem de laços familiares ou que precisam de maior assistência médica; adotar em

todos os estabelecimentos penitenciários um conjunto de medidas específicas de modo a melhorar

a atenção socioeducativa e a qualidade da assistência à população (Secretaría General de

Instituiciones, 2011).

Para a efetividade deste plano, foram definidos quatro pontos de intervenção: medidas de

melhoria das condições de habitação e de atenção para com idosos, um programa de intervenção

geral e socioeducativo, melhoria das redes familiares e comunitárias de forma a promover a sua

reintegração social e o registo de indivíduos mais velhos que sofram de incapacidades e que se

encontrem em meio prisional, para que seja possível aplicar um plano de intervenção (Secretaría

General de Instituiciones, 2011).

Tal como no nosso pais, o sistema penitenciário espanhol parte de uma conceção de

intervenção num sentido amplo, não só através de atividades terapêuticas, mas também

formativas, educativas, recreativas e socioculturais. Para que a reintegração social seja exequível,

é necessária a colaboração das instituições, organismos governamentais, associações públicas e

privadas e também da administração penitenciária (Boix, 2014).

A título de exemplo, na Prisão de Alcazár de San Juan – primeira instituição a acolher o

Protocolo de Atención Integral a las Personas Mayores en el Medio Penitenciário – têm sido levados

a cabo projetos com instituições de geriatria de modo a converter este centro num centro de

cumprimento terapêutico adequado a reclusos em idade avançada que tenham cometido delitos

mais graves (Alonso, 2014).

Para Alonso (2014), através de entrevistas realizadas a indivíduos em idade avançada, apenas

cerca de 11,1% fizeram parte do programa individualizado de tratamento. Esta baixa participação

deve-se à falta de meios que sustentam os programas necessários para responder às necessidades

dos reclusos.

As ações deste protocolo visam preservar, de forma organizada, o maior grau possível de

autonomia e independência a que o recluso idoso possa ter acesso, de forma a melhorar a sua

qualidade de vida tal como as suas necessidades básicas. Isto inclui elementos como o sono,

alimentação, necessidades fisiológicas, de mobilidade e cognitivas (Secretaría General de

Instituiciones, 2011).

As necessidades específicas da população em análise tornam imprescindível o apoio dos

técnicos que trabalham na prisão. As instituições devem, então, adaptar-se à realidade do

envelhecimento na prisão, não apenas através de intervenções específicas à população, mas

41

também quando se trata da construção das prisões e da formação dos profissionais que lá

trabalham, tendo em atenção as características que rodeiam um grupo tão específico como a

terceira idade (Alonso, 2014).

4.3 – O caso do Reino Unido

Tal como em grande parte da Europa, o Reino Unido não é exceção ao aumento do número

de idosos em estabelecimentos prisionais. Este é o grupo etário cujo crescimento tem sido mais

rápido, visível através de um aumento populacional de 120% nos últimos quinze anos. Assim, os

cuidados a ter com este grupo de reclusos são, na maior parte dos casos, mais exigentes devido

à sua vulnerabilidade (The Justice Committee, 2013).

Para uma resposta adequada a esta vulnerabilidade, os programas de reinserção social

necessitam reconhecer as necessidades específicas de reclusos em idade avançada. No caso do

Reino Unido, são inúmeras as instituições de carácter governamental e não-governamental que

têm como objetivo dar respostas às necessidades de reclusos em idade avançada.

Através da organização Age UK, a maior instituição de caridade no país e uma das inúmeras

instituições que têm como foco a população idosa em reclusão, torna-se possível para alguns

reclusos deste grupo terem mais fácil acesso a, por exemplo, aconselhamento legal e informação

legislativa, através do acesso que lhes é proporcionado a advogados em relação ao seu processo

de reintegração. O acesso a esta informação torna-se assim fundamental para que estes indivíduos

estejam devidamente informados e preparados para a sua reintegração (Centre for Policy on

Ageing, 2016).

Algumas das propostas da organização destacam-se não só através deste suporte, mas

também de outras medidas como o acesso a um nível de cuidados sociais e de saúde equivalentes

a indivíduos que não estão na prisão, de forma a promover o seu bem-estar, e a criação

governamental de programas específicos para a população (Centre for Policy on Ageing, 2016).

Reclusos que cumpriram penas longas e que, em muitos casos, já não têm contacto ou apoio

no exterior, não expressam vontade ou interesse em serem recolocados em sociedade, visto que

não acreditam estar numa situação favorável em sociedade. Um dos maiores problemas para

estes indivíduos é obterem habitação, o que muitas vezes depende tanto da natureza da sentença

como da natureza do crime. Isto é muito comum ocorrer com prisioneiros idosos, particularmente

42

perto da data da sua libertação, não só devido ao que já foi referido, mas também porque se

sentem pouco preparados para o fazerem (Centre for Policy on Ageing, 2016).

Como resultado de longas sentenças e de envelhecerem no meio prisional, o destino inicial

destes reclusos após serem libertos são as designadas premissas aprovadas, isto é, locais privados

de sujeitos de alto risco onde estes reclusos devem agora residir. Contudo, estes podem, por

vezes, não ser os mais apropriados para esta população. Um exemplo disto, consiste na sua

mudança para hosteis que muitas vezes não estão preparados para dar resposta às necessidades

físicas e psicológicas que estes indivíduos apresentam, tornando a sua adaptação a este tipo de

habitação pouco provável (The Justice Committee, 2013).

Crawley (2004), através do estudo que realizou, constata que, apesar de esta não ser uma

medida muito recorrente, muitos reclusos em idade avançada aparentam ter medo em relação às

condições de acomodação que podem encontrar em liberdade. Um dos cenários menos atrativos

na opinião destes reclusos é exatamente a sua inserção num hostel, aquando do seu período de

liberdade condicionada, principalmente porque neste tipo de habitação se encontram

maioritariamente indivíduos mais novos com interesses e realidades muito diferentes desta

população (Centre for Policy on Ageing, 2016).

Por sua vez, a Prison Reform Trust que tem como foco este grupo populacional, reforça a

mesma ideia, através do seu enfoque nos riscos de vitimização por parte de reclusos mais novos

em relação a este tipo de acomodação e acomodação em geral. Esta organização consiste numa

instituição de caridade independente do Reino Unido que tem como principal objetivo criar um

sistema penal justo, humano e eficiente. Os seus principais objetivos centram-se em reduzir

aprisionamento desnecessário e soluções para o crime, melhorar o tratamento e as condições

para prisioneiros e as suas respetivas famílias, e promover igualdade e direitos humanos no

sistema de justiça (Prison Reform Trust, 2015-2018).

De acordo com a mesma fonte, o facto de muitos destes reclusos serem libertos após

atingirem a idade da reforma, cria maiores restrições quanto à sua reintegração. Este fator,

associado à falta de condições de saúde, antecedentes criminais e uma gama limitada de

competências, torna a probabilidade de conseguirem empregar-se muito reduzida (Fazer, 2003).

Consequentemente, a possibilidade de conseguirem habitação diminui já que depende de uma

renda estável.

Esta organização foca também o fato de que reclusos mais velhos tendem a ficar mais tempo

institucionalizados do que qualquer outro recluso. Crawley & Sparks (2006), através de entrevistas,

43

chegaram à conclusão de que a grande maioria dos reclusos não apresenta a força de vontade

necessária para superar os desafios que a vida em liberdade lhes pode trazer. Outra condicionante

que observaram centra-se em problemas graves de saúde, visto que o acesso que estes indivíduos

têm quando estão encarcerados a cuidados de saúde é providenciado pela instituição. Já em

liberdade, o acesso e ajuda serão de difícil obtenção. Estas possíveis falhas, provocam em muitos

reclusos sentimentos de medo e dificuldade em lidar com a falta de ajuda que terão. Assim, em

muitos casos, os reclusos mostram maior interesse em permanecerem na prisão depois da sua

data de libertação, tendo em conta as melhores condições de vida que a instituição lhes

proporciona (Davies, 2011).

Contudo, Crawley (2004) afirma que é possível constatar que prisioneiros em idade avançada

não possuem muito conhecimento sobre a vida no exterior e o que os espera quando forem

libertos. Isto relaciona-se com falhas existentes durante o período de liberdade condicional, visto

que a prioridade durante esta fase é maioritariamente atribuída a reclusos considerados de alto

risco e que necessitam de maior supervisão em detrimento de reclusos em idade avançada.

Novamente, podemos aqui recorrer ao conceito de institutional thoughtlessness que pode justificar

o porquê deste fenómeno: sendo mais velhos e vulneráveis, esta população tende a conformar-se

com a situação em que se encontra, quando comparada a indivíduos mais jovens que tendem a

fazer-se ouvir mais, já que superam a população idosa numericamente (Davies, 2011).

Este conceito refere-se ao reconhecimento de que a população idosa em meio prisional é um

grupo único com necessidades específicas e transmite a ideia de que as leis prisionais não são

efetuadas tendo em conta as características individuais de cada grupo ou indivíduo (Davies, 2001.,

cit., Crawley & Sparks, 2005).

De acordo com a The Offender Health Research Network, muitas vezes os níveis de ansiedade

destes reclusos baixa aquando da sua libertação ao estarem agradados como as premissas que

lhes foram atribuídas, apesar dos medos e inseguranças que geralmente apresentam na prisão.

As suas necessidades sociais e de saúde são respondidas e este lugar proporciona-lhes segurança

para uma fase de transição entre a prisão e a sociedade (The Justice Committee, 2013).

Apesar dos esforços para que não aconteça, é ainda muito frequente que prisioneiros idosos

sejam libertos sem terem casa fixa, por razões que não são ainda totalmente conhecidas. Muitas

vezes, esta é a consequência inevitável de um pedido atrasado ou inexistente por parte dos

responsáveis. Esta prática afeta principalmente indivíduos em idade avançada pois muitas vezes

já não têm família que os possam apoiar. De acordo com a instituição Resettlement and Care of

44

Older Ex-Offenders (RECOOP), a forma como a libertação é organizada pode criar uma situação

que faz com que os reclusos falhem e qualquer preparação durante a reclusão não seja relevante

após estarem em liberdade (The Justice Committee, 2013).

Esta situação impede estes indivíduos de qualquer oportunidade de trabalho já que são

geralmente mais frágeis e vulneráveis do que outras faixas etárias, para a sua reinserção, não

deveriam ser libertos nestas condições. No entanto, importa realçar que no País de Gales, a

libertação sem que haja uma habitação predefinida não é legal e também em Inglaterra novas

proposta deveriam ser definidas (The Justice Committee, 2013).

Offender Rehabilitation Bill

Esta medida consiste em realizar mudanças em relação ao sistema de liberdade condicional.

Pretende abranger não só reclusos com uma pena inferior ou superior a doze meses e será

realizada por indivíduos do setor privado ou público/voluntário cujos serviços serão pagos

conforme os resultados obtidos através desta medida. O governo do país tem também dado

indicações de que irá reorganizar o período de liberdade condicional para que exista uma só

estrutura nacional (The Justice Committee, 2013).

O impacto desta medida em indivíduos em idade avançada será muito provavelmente

limitado, visto que representam uma percentagem baixa em relação tanto a penas inferiores a

doze meses como a prisioneiros mais velhos como um todo. Contudo, de acordo com o Ministério

da Justiça inglês, estes indivíduos poderão ser beneficiados por esta política (The Justice

Committee, 2013).

Prisioneiros idosos que são libertos depois de sentenças de doze meses ou menos encaixam

normalmente no grupo de idoso com carreira institucional. Apesar de terem uma sentença curta,

não significa que possam sofrer de condições de saúde tanto mentais como físicas encontradas

principalmente em reclusos mais velhos. As necessidades que apresentam podem ser ainda

diferentes das que foram encarcerados em idade avançada pela primeira vez (The Justice

Committee, 2013).

Dar continuidade à atenção social e médica proporcionada nas prisões a estes indivíduos,

apresenta-se ainda como um desafio. Existem falhas de comunicação e de trabalho em equipa

para que a transição destes indivíduos da prisão para a comunidade seja cumprida efetivamente.

Um exemplo disto é o facto de que são, por vezes, libertos sem que estejam registados num GP

– General Practioner, o equivalente a um médico de família em Portugal, sem o qual não têm

45

acesso ao sistema de saúde. Isto significa que as condições de saúde e atenção que tinham

quando presos estão agora restritas, mesmo que muitas vezes sejam pacientes com doenças

crónicas (The Justice Committee, 2013).

A falta de conhecimento e a falta da documentação não lhes permite que estejam registados

numa GP Practice (centro de saúde) sem o apoio da instituição prisional. Assim, para a sua

preparação e adaptação ao exterior, este apoio deveria ser-lhes proporcionado antes da sua

libertação. Quando isto não é possível, esta ação deveria ser realizada pelos serviços de

reintegração social (The Justice Committee, 2013).

Como combate a esta realidade, a Common Assessment Framework Pilot está encarregada

da criação de passaportes sociais destes prisioneiros. Este passaporte possui informações

importantes sobre as suas necessidades tanto básicas como mais complexas que o prisioneiro

possa ter e ainda em detalhes sobre a sua libertação. O mesmo se aplica a possíveis

especificidades em relação à sua saúde como por exemplo, condições de saúde ou tratamentos

que devem ser continuados.

Como já referido, esta informação é também crucial para o GP para que esteja integralmente

informado sobre todo e qualquer problema ou condição de saúde. Esta é uma solução que se tem

provado eficaz para que haja continuidade nos cuidados sociais e de saúde dos prisioneiros. Até

que exista um sistema informático que permita que esta troca de informação seja possível entre

autoridades prisionais e instituições sociais, estes passaportes devem ser entregues a todos os

prisioneiros em idade avançada para garantir que as suas necessidades são respeitadas (The

Justice Committee, 2013).

Outro aspeto importante a referir, é a envolvência das autoridades locais para onde o individuo

será liberto. Estas devem ser informadas da situação e proporcionar apoio, se necessário, para

que o indivíduo possa viajar da prisão para casa. O governo, por sua vez, deve providenciar

clarificação no que toca a que autoridade local será responsável por este apoio (The Justice

Committee, 2013).

46

4.4 – O caso dos Estados Unidos da América

No ano 2000, nos Estados Unidos, a informação recolhida sobre ex-reclusos, o que fazem

durante as suas primeiras semanas e meses em liberdade e como encaram a transição da prisão

para a comunidade era escassa. O Bureau of Justice Statistics, responsável pela coleta de dados

referentes ao sistema de justiça, é uma das instituições que elabora estudos sobre admissões e

libertações nas prisões. Contudo, é necessário ter em atenção que os indivíduos que são libertos

não representam necessariamente a população que está hoje encarcerada (Visher et al., 2008).

Alguns estudos realizados a ex-reclusos não possuem amostras suficientemente grandes para

serem representativos desta população. Outros focam-se apenas em indivíduos cuja adaptação na

sociedade não foi bem-sucedida, muitas vezes retornando ao meio prisional. Devido a esta falha

de informação, o Urban Institute realizou um projeto longitudinal intitulado “The Returning Home

Project” que pretende estudar as experiências dos prisioneiros em quatro estados do país – Illinois,

Ohio, Maryland e Texas – em várias ocasiões durante o seu primeiro ano em liberdade (Visher,

2007; Visher, La Vigne, & Castro, 2003).

Esta investigação destaca-se pelo facto de fornecer mais informação do que qualquer estudo

oficial e também pela sua representatividade, já que transmite informação sobre todos os reclusos

que são libertos e não apenas dos que dependem de instituições sociais para conseguir viver em

liberdade ou que voltam à prisão. Em cada estado foram identificados prisioneiros que estavam

entre trinta a sessenta dias da sua liberdade (Visher et al., 2008).

Os dados existentes sobre o assunto nos Estados Unidos retratam que há uma enorme

variabilidade no que toca ao que o sistema correcional proporciona a reclusos idosos ou com

outras necessidades especiais, quando se fala de condições de habitação, programas

educacionais, vocacionais, ajudas médicas, entre outros. Apesar de ser possível encontrar

inúmeras recomendações políticas sobre programas especializados a algumas necessidades

específicas de alguns reclusos, não é possível encontrar uma resposta orientada para nenhum

tipo de correções baseado num programa de carácter geriátrico (Davis., et al., 2012., cit., Aday,

1994; Duffee, 1984; Goetting, 1985; Vito & Wilson, 1985).

Apesar disso, de acordo com pesquisas realizadas por Kratcoski e Pownal (1989), o Federal

Bureau of Prisons designou algumas instituições com o objetivo de providenciarem cuidados de

saúde a indivíduos que sofram de doenças crónicas ou que tenham alguma deficiência. Estas

instalações poderão ter unidades médicas ou devem poder fornecer o acesso a cuidados médicos

47

especializados na comunidade. É necessário ter também em atenção medidas que foquem

aspetos como a sua segurança e considerações regionais em relação à distribuição de indivíduos

em idade avançada, realizada através do Federal Bureau of Prisons Institutions (Davis, et al.,

2012).

Programas de Apoio

Durante a aplicação de um programa terapêutico para reclusos em idade avançada realizada

por Aday (1977), o programa de unidade geriátrica de uma prisão disponibilizou atividades

específicas como arte, trabalhos manuais, reparação de brinquedos, para indivíduos com idade

superior a cinquenta e cinco anos. Através destas atividades, foi possível comprovar que o nível

de satisfação de indivíduos que integraram este processo era comparável com indivíduos em

liberdade. Importa referir estes programas no contexto da sua reintegração social visto que os

preparam para a sua saída e previnem a deterioração física e motora (Lemieux et al., 2002., cit.

Rosefield, 1993).

Recomendações para que estes programas sejam bem-sucedidos, de acordo com diversos

autores, incluem a integração de atividades como: trabalhos apropriados à população idosa

(Goetting, 1984), trabalhos manuais (Aday, 1977), exercício físico e atividades recreativas (Aday,

1994; Falter, 1999), atividades livres (Rosefield, 1993) e oportunidades para receberem visitas e

socialização (Neeley, Addison & Craig-Moreland, 1997; Lemieux et al., 2002).

Apesar de ainda existir pouca informação representativa em relação a este tema, são

inúmeras as investigações realizadas sobre programas de reabilitação. De acordo com o National

Research Council (2007), os programas que apresentam maior sucesso incluem o tratamento de

substâncias, terapia cognitiva e comportamental, educação vocacional, programas de treino e de

emprego e educação para adultos.

É notável a existência de um consenso quanto ao foco na individualidade de cada recluso,

em relação aos aspetos acima referidos. Os resultados neste tipo de programas têm sido mais

produtivos do que os que se focam em mais oportunidades de emprego, reunião com as famílias

e providenciar habitação (Andrews & Bonta, 2006; MacKenzie, 2006). O modo como os programas

de reintegração são desenhados é também extremamente importante. Assim, as estratégias que

melhor funcionam focam-se principalmente nos fatores criminais, no desenvolvimento das

habilidades, em modelos cognitivos e comportamentais que possam ajudar o recluso em mais de

um problema em simultâneo.

49

5 – Análise comparativa

A análise da informação recolhida sobre a reintegração social de reclusos em idade avançada

nos países destacados nesta investigação, permite-nos agora explorar que medidas poderiam

eventualmente ser adotadas em Portugal de forma a desenvolver e melhorar o processo de

reintegração social de reclusos mais velhos no nosso país, tendo por base medidas aplicadas em

outros países que têm como foco o interesse e bem-estar destes reclusos.

Com o intuito de alcançar este objetivo, foi elaborada uma comparação e avaliação entre as

medidas existentes em Espanha, Reino Unido e Estados Unidos, e as medidas que são atualmente

aplicadas em Portugal:

Portugal e Espanha

Entre Portugal e Espanha, é possível encontrar inúmeras semelhanças no modo como ambos

os países agem em relação à reintegração social de reclusos e em específico de idosos. O Plano

Individual de Reabilitação em Portugal e o Programa Individualizado de Tratamiento em Espanha

apresentam algumas analogias, na medida em que ambos pretendem criar condições para uma

reintegração social bem-sucedida através da aplicação de medidas idênticas para os reclusos em

geral.

Em ambos os países, as medidas aplicadas através destes planos têm como foco principal a

criação de um programa a aplicar a cada recluso, tendo em atenção as suas necessidades e

particularidades, com o objetivo de tornar produtivo o período que passam em encarceramento

para que possam aplicar os conhecimentos adquiridos durante a sua reclusão aquando da sua

readaptação em sociedade.

Apesar disso, é possível encontrar mais facilmente em Espanha medidas que têm como foco

principal a inclusão e reintegração de reclusos idosos tendo em conta as suas necessidades

específicas. No nosso país, para além de algumas notas legislativas em relação a grupos de

prisioneiros com determinadas especificidades, onde se inserem os reclusos mais velhos, poucas

são as referências que aludem às especificidades deste grupo e à importância que deve ser

50

atribuída ao processo de reintegração destes indivíduos, mesmo que pertençam a uma

percentagem minoritária dentro da população reclusa.

O desenvolvimento do Protocolo de Atención Integral a las Personas Mayores en el Medio

Penitenciário em Espanha, específico para reclusos mais velhos, tem assim como principal

objetivo ter em atenção as necessidades específicas de reclusos em idade avançada. A aplicação

de uma medida idêntica em Portugal seria pertinente, já que poderia também beneficiar estes

reclusos. Não só os prepararia adequadamente para a sua reinserção social, mas também

contribuiria para a criação das condições necessárias para que as suas possíveis vulnerabilidades

fossem respondidas adequadamente.

Contudo, importa ainda referir que apesar do crescente interesse na população em análise,

descritos por inúmeros autores em ambos os países, Portugal e Espanha, entre os quatro países

em análise nesta investigação, destacam-se pelo facto de apresentarem menos medidas/

instituições cujo foco principal é a população reclusa em idade avançada. Além disto, a quantidade

de estudos e investigações realizados em ambos os países está ainda aquém do que podemos

encontrar no Reino Unido e nos Estados Unidos, pelo que o estudo aprofundado das necessidades

desta população e o desenvolvimento desta temática em ambos os países continua a ser

imprescindível para que o processo de reintegração social destes indivíduos seja executado

adequadamente.

Portugal e Reino Unido

Através desta investigação, é possível comprovar que o tipo e quantidade de informação

disponível sobre esta temática difere muito conforme a realidade de cada país que foi abordado

nesta investigação. A abundância de informação no Reino Unido, por exemplo, difere muito da

quantidade de informação que é possível recolher em Portugal e em Espanha.

No Reino Unido, são inúmeros os artigos e publicações que estão disponíveis sobre o meio

prisional e, especificamente, sobre reclusos em idade avançada. Um dos mais importantes

aspetos em relação a esta realidade no país, consiste na existência de diversas instituições,

caridades e ações governamentais que têm em atenção as particularidades destes reclusos.

Contrariamente, através da informação recolhida no nosso país é possível observar que esta é

uma realidade crescente em Portugal onde é possível encontrar algumas notas em relação a

idosos em meio prisional, mas são ainda muito reduzidas as ações aplicadas de forma a melhorar

a realidade desta população. Neste sentido, o enfoque e dedicação de mais instituições

51

governamentais ou não governamentais em relação às necessidades destes indivíduos não só

enquanto reclusos, mas também enquanto parte ativa de uma comunidade, torna-se crucial para

o desenvolvimento de medidas apropriadas à melhoria desta realidade em Portugal.

Importa também destacar duas outras medidas aplicadas no Reino Unido, que se

complementam e trazem inúmeras vantagens principalmente para reclusos em idade avançada

que apresentem condições físicas ou psicológicas que possam dificultar o seu processo de

reintegração. Em primeiro lugar, a garantia do acesso ao GP e a cuidados de saúde permitem que

estes reclusos não sintam que as suas necessidades não são respondidas de forma eficiente.

Como já mencionado, este é muitas vezes um medo que reclusos idosos apresentam já que muitas

vezes dependem destes cuidados diariamente.

Em segundo, a criação dos denominados passaportes sociais, documentos que permitem a

diversas organizações ter acesso a informações relevantes sobre o estado de saúde ou qualquer

especificidade que o recluso possua que possam ser pertinentes para a garantia de cuidados

quando em liberdade. Esta medida torna-se extremamente importante, principalmente para

reclusos em idade avançada, já que em muitos casos apresentam problemas de saúde, garantindo

assim que toda e qualquer informação relevante será recolhida pelas instituições de modo a

garantir que as suas necessidades continuem a ser convenientemente atendidas mesmo após a

sua libertação. A aplicação desta medida ou de uma medida semelhante na realidade portuguesa

seria vantajosa para o recluso, não só pelo acesso a cuidados aos quais são dependentes, mas

também como uma forma de combate a sentimentos de medo e ansiedade que muitas vezes

impedem o recluso de reintegrar-se socialmente.

Portugal e Estados Unidos

A abundância de investigações e de estatísticas realizadas sobre a população idosa

encarcerada nos Estados Unidos, à semelhança do Reino Unido, é muito mais diversa do que o

que é possível encontrar em Portugal sobre esta temática.

Através dos estudos destacados nesta investigação realizados no país, é possível comprovar

que a integração de atividades específicas para este grupo etário durante o período de reclusão

apresenta inúmeras vantagens não só para a vida do recluso durante o cumprimento de pena,

mas também como modo de preparação para os reclusos em relação aos desafios que

encontrarão depois de serem libertos. São incluídos neste grupo atividades artísticas, de trabalhos

manuais, entre outros que promovem o desenvolvimento e o ganho de novos conhecimentos.

52

Além disto, a aplicação deste tipo de medidas nos Estados Unidos mostra ser muito bem aceite

por parte de reclusos, principalmente em idade avançada, ajudando-os a desenvolver novas

capacidades que podem ser necessárias após a sua libertação e ao seu bem-estar durante o

período de reclusão. Esta é também uma medida que além de preparar o recluso no que consta

às aptidões que o podem ajudar durante a sua reintegração, é também um fator de influência em

relação à autoestima e confiança dos reclusos neste período, já que em muitos casos se sentem

pouco preparados ou inaptos à sua reintegração à vida fora da prisão.

A aplicação desta medida em Portugal traria para esta população inúmeras vantagens,

principalmente para a população idosa, cujos problemas de autoestima e interesse dos próprios

reclusos em relação à sua reintegração se destacam negativamente em meio prisional. Além disto,

atividades que promovam a independência destes indivíduos têm um papel muito importante,

principalmente para reclusos mais velhos já que apresentam maiores dificuldades em relação à

sua adaptação e integração ao mercado laboral no exterior.

Além disto, outra medida em destaque no país, foca a criação de programas como o

tratamento de substâncias, terapia vocacional e comportamental e programas de treino a nível de

emprego e de educação para adultos durante o período de reclusão. Estas medidas

têm assim em atenção a preparação dos reclusos durante o seu encarceramento de forma que

estejam e se sintam melhor preparados quando deixarem a instituição prisional.

Este tipo de preparação e atenção às particularidades de cada recluso seria também benéfica

em Portugal, tendo em conta que em inúmeros estudos realizados no país mencionados nesta

investigação é possível afirmar que grande parte dos reclusos mais velhos não sentem que estas

medidas sejam aplicadas durante a criação do PIR ou em qualquer fase da sua reclusão. Esta

medida visa não só a preparação do recluso, mas também o interesse e participação do mesmo

em relação à sua reintegração social.

53

6 – Considerações finais

Durante as últimas décadas, tem sido possível observar o crescimento no interesse

investigativo sobre o fenómeno da reintegração social, mais especificamente no caso de idosos,

em alguns países como, por exemplo, Reino Unido, Suécia, França, Austrália e Japão. Apesar de

esta população não se destacar numericamente no meio prisional, constitui um grupo específico

como integrante da população reclusa, cujas particularidades necessitam ser estudadas e

devidamente acreditadas (Silva, 2014, cit., Fry, 1988; Goetting, 1983; Kratcoski & Pownall, 1989;

McShane & Williams, 1990).

No caso de Portugal, é possível notar nos últimos anos algum interesse nesta temática por

parte tanto de investigadores como da imprensa, como consequência do aumento do número de

reclusos em idade avançada que integram as prisões no país. Apesar disso, são ainda poucos os

estudos realizados sobre o assunto que permitam compreender a realidade e o perfil de reclusos

em idade avançada, quais as suas expetativas em relação ao processo de reintegração social pelo

qual irão passar, como este processo é planeado e como pode ser melhorado para o interesse

tanto do próprio grupo como para a sociedade em geral (Silva, 2014).

Apesar do interesse que tem florescido em relação a este grupo e ao aumento populacional

destes indivíduos em regime de encarceramento em Portugal, continua a ser necessária a

realização de investigações sobre esta realidade e de estudos representativos da mesma. Contudo,

esta é uma realidade crescente e estes estudos são essenciais para o reconhecimento desde grupo

enquanto integrante da realidade prisional do nosso país e para a melhoria das condições de vida

destes indivíduos. A temática da reinserção social de reclusos considerados idosos será

extremamente pertinente em investigações e estudos a realizar futuramente, tendo em conta que

o processo em questão está ainda pouco explorado politicamente em Portugal e nas sociedades

contemporâneas em geral (Santos e Nogueira, 2014).

O Plano Individual de Reintegração apresenta inúmeras vantagens para a reintegração social

de reclusos, caso a sua aplicação seja devidamente concretizada, visto que possibilita ao recluso

criar e desenvolver algumas das condições necessárias à sua reintegração. Contudo, continua

ainda a ser extremamente necessário atribuir maior ênfase aos reclusos em idade avançada ou

54

idosa e ter em atenção as necessidades específicas e cuidados que, muitas vezes, os distinguem

de outros reclusos. Este fator será assim fulcral para que a sua reintegração social seja realizada

adequadamente.

Para Santos e Nogueira (2015), é possível observar que reclusos mais velhos têm uma

perspetiva negativa quanto às consequências que o seu envelhecimento poderá ter, tanto em meio

prisional como na sua readaptação ao exterior, o que está muitas vezes associado a inseguranças

em relação a possíveis doenças ou incapacidades físicas e motoras que surgem com o avançar

da idade. Muitos dos reclusos entrevistados pelos autores demonstram ter falta de conhecimento

sobre a existência, funcionamento ou modo de acesso de programas para a reintegração. Contudo,

a preparação e motivação do recluso durante este processo é fundamental para que a sua

reintegração seja bem-sucedida. Este é mais um motivo pelo qual estudar e desenvolver esta

problemática em Portugal continua a ser muito necessário.

Torna-se também indispensável que o recluso tenha acesso à informação e saiba como

proceder em relação à sua reintegração em sociedade. Como foi acima descrito, este continua a

ser um dos problemas apresentados no nosso país, pelo que se torna fundamental a

implementação de medidas que permitam ao recluso estar devidamente preparado para este

processo. Associado a este aspeto, importa também referir a importância que a autoestima e

confiança que os reclusos têm durante este período deve também ser fomentada. Em muitos

estudos explorados nesta investigação tanto a nível português como de outros países, é possível

observar a falta de motivação e confiança que este grupo de reclusos apresenta aquando da sua

integração o que poderá, em muitos casos, causar consequências negativas para a sua integração

enquanto membro e integrante ativo da sociedade onde deve inserir-se.

A título de conclusão, importa referir que a realidade da reintegração de reclusos em idade

avançada apresenta inúmeros desafios, não apenas no nosso país como no mundo. Assim, a ideia

mais importante a reter desta investigação consiste na acreditação deste grupo de reclusos como

grupo constituinte da realidade prisional, apesar do seu número reduzido no meio onde se

inserem, e na dedicação ainda muito necessária para o desenvolvimento de medidas que foquem

especialmente o auxílio e respostas pertinentes às necessidades destes reclusos. Como é possível

observar através da análise realizada entre a realidade dos países estudados, são várias as

medidas que podem ser adaptadas à realidade do nosso país de forma a promover, conhecer e

melhorar as condições de vida e o processo de reintegração de reclusos em idade avançada.

55

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