ALÉM DOS LAUDOS E PARECERES. As possibilidades … · A Psicologia Jurídica, campo do saber ......
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
PÓS GRADUAÇÃO LATO SENSU
ALÉM DOS LAUDOS E PARECERES.
As possibilidades educativas da Psicologia Jurídica na
formação da cidadania.
Orientadora: Profª Ana Paula Ribeiro
Maria Christina Zanio Alkmim
Rio de Janeiro
2010
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
PÓS GRADUAÇÃO LATO SENSU
ALÉM DOS LAUDOS E PARECERES.
As possibilidades educativas da Psicologia Jurídica na
formação da cidadania.
OBJETIVOS
Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do Mestre - Universidade
Candido Mendes como requisito parcial para obtenção do grau de
especialista em Psicologia Jurídica
AGRADECIMENTOS
A meus filhos, que com seus olhares amorosos
e incentivadores me encorajam a caminhada.
DEDICATÓRIA
Dedico este estudo a meus amigos,
antigos e recentes, cujas existências ensinam-
me a beleza das diversidades e estimulam
minha fé na vida.
Maria Christina Zanio Alkmim
RESUMO
A Psicologia Jurídica, campo do saber que se constrói na
interface de dois saberes importantes na organização social, o Direito e a
Psicologia, tem encontrado seu campo de atuação restrito praticamente ao
auxílio do Poder Judiciário com a emissão de laudos e pareceres que
forneçam ao Estado-Juiz respaldo técnico em suas decisões. Ocorre que por
serem documentos que exigem conhecimento específico suas elaborações
devem ser feitas por psicólogos o que exclui, obviamente, a atuação de outros
profissionais especialistas em Psicologia Jurídica notadamente os operadores
do direito cujos lugares de possível atuação buscamos.
Pensando a sociedade como um sistema onde as relações
intersubjetivas não podem prescindir nem da psicologia, nem do direito,
enquanto saberes isolados, vislumbra-se espaços onde a recente disciplina,
nascida dos saberes conjugados, venha a produzir novos paradigmas para o
elemento que interliga as estruturas de sustentação social, o sujeito do direito
e do desejo.
Num sistema de retroalimentação, onde o todo organiza a
parte e a parte, em conjunto, sustenta o todo, o trabalho interdisciplinar do
Direito e da Psicologia importará em construção de uma nova visão social
pelo sujeito cujos frutos lhes retornarão em forma de conquistas coletivas, que
no contexto do sistema social importarão também em benefícios individuais.
Nesse lugar sistêmico da dinâmica social é que se busca o modo de inserção
do operador do direito e especialista na disciplina que ora se ergue.
METODOLOGIA
Escolhemos como metodologia a abordagem sistêmica em
razão do pragmatismo que buscamos. No dizer de Pedro Demo “Ciências
Sociais sistêmicas são, sobretudo úteis”, e é essa utilidade que desejamos.
O sistema pressupõe uma estrutura que se delineia pelas
relações entre os elementos que a compõe. A estrutura é a sustentação do
sistema e sua condição prévia.
Por sua vez a estrutura é também sistêmica, com menor
complexidade do que o sistema a que sustenta. Os elementos que constituem
a estrutura estão interrelacionados. A estabilidade sistêmica é imprescindível,
uma vez que não é possível a simultaneamente a mais de um sistema. Para o
sistemismo o todo é mais que a soma das partes e as organiza. As partes
organizadas e interrelacionadas significam muito mais que a mera adição
destas mesmas partes. O sistema tem então dois pontos de suma importância:
o primeiro é que há um todo interrelacionado e este todo é que organiza as
partes que se interrelacionam compondo e sustentando o todo.
Um outro aspecto importante da metodologia sistêmica
para a condução de nossos estudos é o interesse pelo olhar globalizado.
Busca-se pela síntese ao invés da decomposição analítica. A complexidade
dos sistemas é reduzida a uma só forma geral que é possível de ser aplicada a
qualquer deles.
O sistemismo crê na existência de uma propriedade de
interseção que une a todos os sistemas e que sustenta a esperança da
transdisciplinaridade. Uma só disciplina, por mais ampla que seja sua
abrangencia, não poderá investigar um fato em todos os seus aspectos. Os
fatos sociais tem lugar em muitos saberes.
Modernamente o convívio e entendido como fundamental ao
se analisar um sistema, uma vez que pela síntese é que se chega mais
facilmente aos elementos básicos do sistema.
Todo sistema resiste a mudanças mais do que se abre ao
dinamismo. Entretanto, não há uma rigidez no sistemismo que está baseado
em três conceitos: a contingência, as coerções e graus de liberdade. Estes
conceitos possibilitam que se compreenda o sistema como “sistema aberto”
que não se basta em sua dinâmica interna e que precisa conviver com o
exterior.
Ensina Pedro Demo (1995) que, para sua manutenção, o
poder espera que as ciências sociais deem ao sistema o instrumental para o
controle social. Afirma ainda que apenas o “sistema social e o de
personalidade são sistemas de ação propriamente ditos” sendo que é na
socialização que a personalidade aprende e apreende os valores prevalentes
no sistema social.
SUMÁRIO INTRODUCÃO CAPÍTULO I DIREITO, PSICOLOGIA E SEUS CAMPOS DE SABERES CAPÍTULO II O ELO DA INTERDISCIPLINARIDADE CAPÍTULOIII A PSICOLOGIA JURÍDICA E A MUDANÇA DE PARADIGMA CONCLUSÃO
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INTRODUÇÃO
A idéia deste trabalho vem das inquietações que nasceram
no decorrer do curso de Especialização em Psicologia Jurídica onde todos os
módulos, de algum modo, apontam para o trabalho do Psicólogo atuando como
perito em auxilio às práticas judiciais no Fórum.
À medida que aumentava o interesse pelo campo do saber
considerado fascinante conjunção interdisciplinar, aumentava também a
questão interna de qual seria o lugar de inserção do advogado, do operador do
direito, especialista em Psicologia Jurídica, mas sem conhecimento formal de
psicologia enquanto ramo do conhecimento cientifico, .
A principio parecia impossível conciliar práticas e saberes
uma vez que a ênfase da ação profissional está pautada principalmente na
atuação do psicólogo que tem a tarefa de emitir laudos e pareceres acerca
das condições psicoemocionais de sujeitos de direitos com vistas a afirmar
ou não suas possibilidades de ajustamento comportamental às regras
ditadas pelo Estado objetivamente, por intermédio do poder Legislativo e
subjetivadas pelo Judiciário, respaldando assim as decisões do Estado-Juiz.
Retirando o foco das decisões judiciais e aumentando a
potência da objetiva é possível ver o horizonte e nele reconhecer um novo
campo de novas disciplinas, de novas possibilidades de expressão subjetiva
no mundo fático, de novos modos de intervenção social, além dos tão
apertados modelos de socialização que nos regem.
Fomos buscar, e encontramos, a Psicologia e o Direito num
estado de interação construtiva dos parâmetros de uma ordem social, e com
isso foi possível mais que vislumbrar a possibilidade do operador do direito
trabalhar com fundamentos da psicologia em suas atuações no mundo, foi
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possível mesmo perceber e constatar a necessidade dessa união para uma
construção social onde valores e princípios como a Justiça, Equidade
Liberdade, Dignidade e Solidariedade tornem-se alicerces das relações
humanas.
Assim, sem pretensões de esgotamento do assunto que,
pelo contrario, encontra-se apenas em estado embrionario, pensamos na
possibilidade de contribuição para o nascedouro de novos paradigmas sociais,
de novas reflexões, com vistas ao crescimento e transformação de uma
sociedade composta de seres plurais, sujeitos de desejos e de direitos, cujas
satisfações importam no fortalecimento da estrutura social que, por sua vez,
retornará a cada um como base da sua estrutura psíquica.
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CAPITULO I
DIREITO, PSICOLOGIA E SEUS CAMPOS DE SABERES.
“A maioria das pessoas são subjetivas para consigo
próprias e objetivas para com os demais, por vezes
terrivelmente objetivas – mas o importante é ser-se
objetivo para consigo próprio e subjetivo para com
os outros.” Kierkegaard
Antes de buscarmos os conceitos e limites do Direto e da
Psicologia não será demais fazermos breves reflexões acerca do ser humano,
origem e destino dos saberes, quer individualmente, quer coletivamente, o
homem não pode prescindir dos modos de conhecimento de si mesmo e da
ordenação do convívio.
O ser humano é sujeito construtor do conhecimento e que, no
dizer de Foucault (2003) é “fundado e refundado pela história”.
Compreendendo-se que o homem conta história e e contado por ela.
Assim, ao mesmo tempo em que constrói e transforma o
meio em que vive, o ser humano e construído e transformado por esse mesmo
meio.
O homem sempre se viu defrontado por seus desejos e
confrontado pelo desejo de seus semelhantes. Impor-se, submeter-se,
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subjugar e subjugar-se foram, e continuam sendo, as equações a serem
solucionadas com vistas ao alcance da mais íntima aspiração humana: ser
feliz.
Sendo gregário em sua essência, o ser humano necessita,
para sua própria existência interagir com seus semelhantes. As trocas, o
convívio, são essenciais não apenas para a sobrevivência e para a
constatação de sua própria existência.
A existência humana integra à natureza como parte que
constitui o todo. No mundo natural o homem está incorporado, não destacado.
Não obstante ser parte do mundo natural tal e qual os outros integrantes dos
reinos mineral, vegetal e animal, seus atributos biopsíquicos lhe concedem a
possibilidade de construir um outro aspecto de mundo, o mundo cultural. O
ser humano é então a um só tempo elemento integrante do mundo natural e
do mundo cultural, sendo deste tambem construtor a partir de tudo que retira
daquele.
Entretanto, não basta ao ser humano a retirada de matéria do
mundo natural para ter satisfeitas suas necessidade básicas ou obter
satisfação e conforto. É preciso mais. Há a necessidade de cooperação, de
colaboração, de troca, de convívio e este é, para o ser humano, condição de
sobrevivência.
Os fatos naturais, com os quais precisa lidar o ser humano em
sua jornada terrestre podem ou não interessar ao mundo jurídico. O anoitecer,
o amanhecer, a chuva, o sol, o frio, o calor, podem influenciar o psiquismo mas
não influenciam à vida jurídica, a menos que causem modificações no mundo
objetivo com interferência nas relações jurídicas, como é o caso das
catástrofes que tornar-se-ão fatos jurídicos não voluntários. Já o nascimento
ou a morte de um ser humano marcam o inicio e o fim da personalidade jurídica
e são de interesse jurídico.
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Fatos jurídicos são aqueles que criam, modificam ou
extinguem direitos. Fato jurídico propriamente dito é o próprio ato jurídico,
lícito, de acordo com as regras positivas, nascido da vontade humana..
1.1- Direito Positivo
Vê-se todos os dias a sociedade reformar a lei;
nunca se viu a lei reformar a sociedade.” Jean Cruet
Conceitualmente, podemos encontrar diferentes acepções
para o vocábulo “direito”. Podemos dizer, com Aurélio Buarque de Holanda
(2001), que direito é aquilo que é honrado, aquilo que é justo, conforme a lei.
Podemos ainda entender que direito é o que faculta a alguém a exigir que
outrem faça ou deixe de fazer algo. Direito pode ainda ser definido como “o
complexo orgânico de que se derivam todas as normas e obrigações, para
serem cumpridas pelos homens, compondo o conjunto de deveres aos quais
não podem fugir, sem que sintam a ação coercitiva da força social
organizada.” É o que nos ensina De Plácido e Silva (1995).
Para traçar bem os limites desse estudo vamos abstrair o
Direito Natural, filosófico, não por ser de menor importância, pelo contrário,
mas por limites de abrangência do teor da nossa exposição. Vamos nos ater
às construções humanas, especialmente ao Direito Positivo Interno.
Chamamos Direito Positivo às normas que regem a
conduta humana em determinada época e lugar, sejam elas expressas ou
tácitas, consuetudinárias ou legisladas, não importa. O importante é que
tenham por escopo o regramento da convivência humana.
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Direito Interno refere-se às regras vigentes em um
determinado espaço territorial geográfico. Direito Positivo Interno ou Direito
Nacional brasileiro refere-se às regras de convívio que se impõe dentro do
território nacional e, este Direito, o Positivo Interno, que grafaremos sempre
com maiúsculas para diferença-lo do direito do senso comum, é que importa
ao operador do direito.
Transcreveremos, então, o conceito de Direito Positivo
expressado por Dourado de Gusmão, jurista citado em obra de Orlando de
Almeida Secco (2007), por se adequar aos propósitos do momento:
O Direito Positivo é o direito que depende da vontade
humana, seja na forma legislada (lei, estatuto, regulamento, tratado
internacional, etc.) seja na consuetudinaria (costume), em ambas
objetivamente estabelecido (...)razão pela qual o Direito Positivo seria histórico
e válido em espaços geográficos determinados ou determináveis, isto é, para
determinado Estado (direito brasileiro, direito norte-americano, etc.) (...)
podendo perder a sua validade por decisão legislativa do governo...
Finalmente, é importante frisar que por “jurídico”
entende-se tudo aquilo que é conforme o Direito.
1.2- Direito Objetivo e Direito Subjetivo
“A essência do direito e a realização prática. Uma
regra que nunca foi realizada ou que deixou de o ser
não merece esse nome. É uma peça inerte no
mecanismo do direito.” Von Ihering
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Conceituado o Direito Positivo cabe-nos agora
estabelecer as diferentes concepções desse mesmo Direito.
Além de serem apenas dissecções do Direito Positivo
que favorecem o raciocínio e a compreensão, Direito Objetivo e Direito
Subjetivo são visões de diferentes ângulos de um mesmo objeto, as regras de
conduta.
O que se denomina Direito Objetivo é a regra de conduta
e que expressa o próprio Direito Positivo. Direito Objetivo é, portanto, a norma
do ordenamento jurídico. Aquela que gera e garante o direito. A regra objetiva
dirige-se a todos que a ela estão submetidos, indistintamente.
Direito Subjetivo é o poder de agir na defesa de um
direito, concedido pela norma. Situa-se campo das relações humanas.
O Direito Objetivo agrega o conjunto das normas que
vigem no território do Estado, normalmente emanadas do Poder
Legislativo, e que da ação ditam as normas gerais e abstratas. São as
regras de conduta, determinantes, estabelecem modos de agir.
O Direito Subjetivo trata da mesma norma do Direito
Objetivo mas de modo particularizado. É o exame individualizado da norma. É
a interpretação da regra de conduta relação a um comportamento
individualizado. O que vai dar vitalidade à norma é a atitude pessoal do
sujeito. Direito Subjetivo é a faculdade de agir de acordo com a norma, com a
regra de ação, que é o Direito Objetivo.
Direito Objetivo e Direito Subjetivo são as duas fases da
mesma moeda.
1.3 –Estado e Poder
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“O poder afinal é o privilegio de se fazer obedecer”
G. Tarde
Estado, é conceito expresso no dicionário jurídico, é definido
como “o agrupamento de indivíduos, estabelecidos ou fixados em um território
determinado e submetidos à autoridade de um poder publico soberano que lhe
dá autoridade orgânica.” Abrange, no sentido jurídico, o conceito de
sociedade organizada pois, sociedade será sempre qualquer grupamento de
pessoas, organizadas ou não. Já a organização é pressuposto do Estado.
A imprescindível organização estatal é expressão da
decisão de um povo, de um grupamento humano, que decide por sua
constituição. O Estado nasce, portanto da decisão de um povo de constituir-se
como tal.
Ao constituir o Estado o povo lhe concede a soberania, ou
seja, o poder supremo, acima de qualquer outro e, para o exercício desta
supremacia, erige o poder estatal, o poder público, e o distribui, sem o
esfacelar, para que sejam exercidas suas funções política, administrativa e
judicante conforme lhe for cometido por lei. Assim, o poder do Estado é uma
função autorizada pelo povo que o constituiu.
O Estado então, para exercer sua supremacia, espraia o
poder soberano pela administração estatal, para o estabelecimento de
regras, e para a jurisdição. Os Poderes do Estado são: o Poder
Executivo, o Poder Legislativo e o Poder Judiciário. Nosso interesse imediato
volta-se apenas para os dois últimos. O Poder Legislativo porque é a
coletividade, por meio de seus legisladores eleitos, que dita as regras de
convívio. O Poder Judiciário porque é a representação do poder-dever do
Estado para, de acordo com as regras ditadas, dizer a quem pertence o direito
disputado.
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1.2- Cidadania
“A autoridade e uma força que depende, não da
vontade de quem domina, mas da consciência do
que se submete.” Korkunof
Dentre as significações da palavra cidadania, aquela que
nos importa no momento é a que indica o direito de participação na vida
política do país.
E aqui, antes de prosseguirmos com a cidadania, vamos nos
deter brevemente em dois conceitos importantes para a compreensão e
construção do nosso raciocínio. Os conceitos de política e de país.
Socorremo-nos mais uma vez do Dicionário Jurídico DE De
Plácido e Silva (1998) para trazer as definições que nos importam no
momento. Então vejamos, política tem, juridicamente falando, o mesmo
sentido que lhe é dado pela filosofia que é o de bem governar um povo, com
critérios de justiça tendo por escopo o bem estar social. Logo, o exercício da
arte política pressupõe um governo e este, em sentido amplo significa a
condução, a direção que é dada a alguma coisa. No sentido político, de
organização estatal, é o conjunto dos poderes que compõem o Estado. Para o
senso comum está representado no Poder Executivo.
O conceito de país traz em si a idéia de território. É o
espaço territorial onde o Estado exerce sua soberania, significando que suas
regras e decisões tem supremacia sobre quaisquer outras dentro do espaço
geográfico.
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Postos, ainda que superficialmente, mas suficiente para o
propósito do momento, os conceitos de política e país, prosseguiremos então
com a conceituação de cidadania.
Cidadão, para o senso comum, é aquele que está no gozo
de seus direitos e que pode reivindicá-los. Juridicamente, cidadania é a
qualidade daquele que tem a posse de sua capacidade civil plena, tendo o
uso e gozo de seus direitos políticos, que tanto pode ser o brasileiro natural ou
naturalizado e, na ordem democrática que vige em nosso território nacional,
importa também no cumprimento de deveres. A garantia dos direitos de cada
um importa no cumprimento dos deveres por todos.
Esse entendimento de que o exercício da cidadania implica
em exercer os direitos e cumprir com os deveres estabelece a harmonia
social. Harmonia não quer dizer estagnação. O dinamismo da essência
humana é o dinamismo social. Não se pode falar em democracia em uma
sociedade estagnada onde não haja espaços para se repensar os modos de
convívio. Exercer a cidadania é de certo modo exercitar essa flexibilidade,
alternar-se entre as reivindicações de seus direitos e a submissões ao direito
alheio.
2- A Psicologia – O Mundo de Dentro no Mundo
de Fora
“O homem que compreende a História (o mundo
externo) também compreende a si mesmo (sua
subjetividade), e o homem que compreende a si
mesmo pode compreender o engendramento do
mundo e criar novas rotas e utopias.”
Psicologias - 2004
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A Psicologia tem como norte o estudo do ser humano e
dependendo do foco que se der a expressão do humano no mundo teremos o
seu objeto de estudo.
Se perguntarmos um psicólogo comportamentalista ele nos
dirá que o objeto da psicologia é o comportamento, já o psicanalista dirá que é
o inconsciente; outros nos dirão ainda que, pelo contrário, o objeto da
Psicologia é a consciência (mente) e outros ensinarão que é a personalidade.
Para os fins a que nos propomos consideraremos a
subjetividade como objeto primordial da Psicologia e e a todos os outros
enfoques e conceitos consideraremos como modos de alcançar os fins
almejados.
Assim, o que se tem é que a Psicologia visa ao estudo das
expressões humanas, sejam comportamentais ou emocionais, as gerais ou as
particulares.
Todos os aspectos de todas as expressões humanas
interessam à psicologia e tudo isso junto está contido no termo subjetividade.
2.1– Subjetividade
“O importante e bonito do mundo é isso: que as
pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram
terminadas, mas que elas vão sempre mudando.”
Guimarães Rosa
A maneira singular de cada pessoa de olhar os
acontecimentos da vida é o que constitui a sua subjetividade e que se constrói
de acordo com a
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maneira particular que cada um tem de vivenciar a experiências do mundo
social e cultural, o mundo de fora.
Todos os fatos sociais, os acontecimentos do campo da
objetividade são fatores que afetam a todos de maneira indistinta e uniforme,
mas o que cada pessoa experimenta e vivencia é único e particular e essa
maneira única de sentir é a subjetividade.
Podemos então dizer que a subjetividade é tudo o que se
constroi internamente, no mundo de dentro, de acordo com a bagagem
biológica e existencial. São as idéias, as emoções que cada individuo erige
em resposta aos estímulos sociais e em contrapartida, é o que cada um
externa em seus comportamentos relacionais.
A sociedade e a cultura, o mundo de fora, em que cada ser
humano esta inserido é o que proporciona as experiências e concede os
elementos de construção do mundo interior, o mundo de dentro. Cada
ser, de modo individualizado, vivencia as situações atribuindo um significado e
com ele constituindo-se internamente.
A subjetividade é o modo particular de cada um de sentir, de
vivenciar, de postar-se perante a vida. Esse modo singular de ser é construído
ao longo da vida com as aquisições que faz no mundo social e cultural ao
mesmo tempo que contribui para a criação e transformação deste mesmo
mundo.
Importante que se esclareça que a subjetividade, além de ser
produzida pelo mundo sócio-cultural e também moldada e moldável pela
própria pessoa. Todo ser humano, em qualquer sociedade, em qualquer
cultura, tem a possibilidade de promover outras formas de subjetividade. É
assim que cada pessoa participa na construção de si própria e da sociedade
onde está inserida.
Compreendendo a construção da subjetividade é possível
compreender-se o caminhar da vida humana no contexto social.
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2.2 - Psicologia Social
“Todos os homens do mundo na medida em que se
unem entre si em sociedade, trabalham, lutam e
melhoram a si mesmos." Antonio Gramsci
Entendendo que os fenômenos psíquicos são de natureza
social a Psicologia Social vem superando antigos limites e estabelecendo-se
como área da Psicologia que se aprofunda na investigação destes fenômenos.
Além da investigação dos processos sociais que possam explicar as relações
entre indivíduos e o meio social a mais nova Psicologia Social opta pelo
estudo das possíveis transformações que o homem pode, e deve, operar
socialmente.
Conforme já se afirmou, a subjetividade nasce das relações
sociais que o ser humano experiencia. Para a Psicologia Social o mundo
objetivo, o mundo de fora, faz mais do que influenciar na formação da
subjetividade, o mundo de dentro; o Mundo objetivo é constitutivo dessa
subjetividade. O comportamento é então entendido como expressão do
mundo psíquico e primordial para a compreensão da subjetividade, uma vez
que é observável. A Psicologia Social, então, tanto se interessa pelo
comportamento humano quanto pela subjetividade, buscando a compreensão
do mundo invisível, o mundo de dentro.
Sendo um ser social o homem só se constrói e se
compreende na vida de relações. Aprende e apreende as construções
existentes no mundo que já encontrou pronta pela obra de seus antepassados.
Modifica o mundo que encontrou pronto e o (re)constrói, (re)construindo-se a si
mesmo. Assim, mundo interno e externo são construídos e transformados de
modo conjunto, progressiva e concomitantemente.
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Cada ser humano e único e tem seu modo próprio de se
relacionar com o mundo. Cada um constrói seu mundo interno e a partir dessa
construção estabelece sua relação com o mundo externo.
A subjetividade estabelece uma relação com a objetividade
e a partir dessa relação o ser humano reage ao mundo, compreende-o,
imagina-o, idealiza-o, relaciona as informações e interpreta a realidade.
A consciência e produzida com base na relação com o
mundo objetivo, o mundo externo, a atividade humana e suas relações sociais.
A expressão da consciência está nas representações sociais que, por sua vez,
são as idéias que expressam a subjetividade nas construções (objetivas) da
coletividade.
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CAPITULO II
O ELO DA INTERDISCIPLINARIDADE
Como a ninguém e dado o dom de ver tudo as
observações resultam de escolhas e seleções.
Alberto Oliva
Em busca da compreensão, transformação e controle da
realidade ambiental que o confronta, o ser humano lança-se ao exercício da
intelectualidade e descobre-se sujeito do conhecimento e do saber.
A luta pela sobrevivência lança desafios e impulsiona a
criatividade. De desafio em desafio desenvolve-se o intelecto que irá desaguar
na sistematização do conhecimento.
Os saberes filosóficos que representavam poderes sociais
passaram a domínio sobre a natureza dando ao ser humano novo estado.
Ao explicar os fenômenos naturais passa o ser humano a exercer domínio
sobre eles. A ciência alia explicação e dominação.
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Filosofia e ciência diferem no sentido de que esta tem por
escopo a transformação do mundo objetivo e, aquela pretende gerar nas
pessoas visões de mundo, modos de agir, comportamentos.
Inobstante suas diferenças metodológicas filosofia e ciência
interpenetram-se, influenciam-se pois, eis que têm fonte comum, o intelecto
humano.
Os fenômenos naturais desafiam a atividade intelectual
humana, geram reflexões que provocarão comportamentos e, estes
comportamentos influenciarão estes mesmos fenômenos, para transforma-los.
As transformações importarão em novas transformações que irão gerar
novas reflexões sobre o mundo então transformado.
1- A Interdisciplinaridade.
A era das especializações tem deixado brechas na
cientificidade com que se pretende explicar o mundo. Este mesmo mundo
tem clamado por um pensamento integral, não fragmentado, que apresente
soluções abarcadoras de todas as questões humanas. Neste diapasão muito
se tem falado da unificação do saber transcendente às atuais disciplinas.
A destinação social do ser humano dá às ciências sociais a
direção da unificação que se busca. O maior entrave à unificação do saber
são os apegos a mentalidades estruturais dos especialistas, que entravam o
preenchimento dos espaços onde se entrecruzam e sobrepões as disciplinas
por saberes contíguos, tangentes e /ou sobrepostos, que não se excluem
mas ampliam horizontes.
Brilhantemente, como de hábito, Hilton Japiassú (2006) nos
explica que a interdisciplinaridade é mantida pela constante tensão entre o
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desejo de integridade do saber e o reconhecimento da incompletude
disciplinar.
As pesquisas em ciências humanas, pela complexidade de
seus objetos, na podem prescindir de abordagens multidisciplinares,
interdisciplinares e transdisciplinares.
O campo do conhecimento e o campo dos interesses são
extremamente reduzidos quando se trata de especializações. O nível de
compreensão torna-se compartimentado e os pesquisadores já não se
atrevem a experimentar fora dos limites do seu saber especializado. Não
obstante, as complexas e urgentes demandas sociais clamam por novos,
ampliados e integrados saberes.
Quando se extrai de duas ou mais disciplinas recursos que
irão erigir uma representação apropriada de uma situação determinada eis ai
a concretização da interdisciplinaridade.
Ao contrário do que pode parecer ou podemos supor uma
abordagem interdisciplinar não nos dará uma nova ciência, uma ciência mais
completa. A interdisciplinaridade não se propõe a criação de novas disciplinas,
mas tem por escopo conduzir a uma nova abordagem, a um novo paradigma.
A interdisciplinaridade é, na verdade, uma prática, uma nova
abordagem com vistas a atingir soluções às questões reais. Os problemas
reais da vida cotidiana que nos afetam reclamam soluções que abordem
integralmente seus mais diferentes aspectos.
A perspectiva interdisciplinar é verdadeiramente uma prática
de negociação entre diferentes pontos de vista acerca de uma dada situação
para uma ação concertada que abranja os mais diferentes aspectos da
questão.
Tradicionalmente, as diferentes disciplinas apenas se
preocupavam com os fragmentos do saber seus objetos de interesse. A
percepção da interação que há entre todos os elementos de todos os
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fragmentos fez germinar as ciências sistêmicas que reúnem e unem
tudo o que foi objeto de estudo em separado em prol do conhecimento
integral do ser humano.
1- Direito e Psicologia - Intercessão
Tanto o Direito quanto a Psicologia são vertentes da
enciclopédia do saber que estudam o comportamento humano, tendo cada
qual um aspecto da conduta do homem, limites dos quais já tratamos
anteriormente.
Importa-nos agora o ponto de união de intercessão da
interdisciplinaridade que permite que se lance um olhar único, jurídico/psíquico
para os fenômenos sociais. A interdisciplinaridade encontra-se nas margens
e nos pontos onde se contatam as diferentes disciplinas e não se compraz na
promoção da complementaridade entre as disciplinas. A visão interdisciplinar
é ampliada, globalizante, desfaz oposições nucleares valorizando os
pontos fronteiriços.
Para se ter uma visão interdisciplinar de um dado
problema social é necessário verificá-lo culturalmente e encontrar, no interior
das disciplinas escolhidas o paradigma único que orientará a abordagem da
questão de modo não fragmentado, com maior flexibilidade e amplitude.
No espaço social é onde o ser humano se depara com
os enfrentamentos que lhes estimulam tanto a animalidade quanto a
transcendência. Os obstáculos que se lhes apresentam à realização de seus
anseios tanto lhes impulsionam à inteligência e criatividade para a superação,
quanto à ira e a violência destrutiva pela frustração de não obter a
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satisfação almejada. São aspectos paralelos do sujeito do direito e do
desejo.
A inteligência humana procura meios de lidar com suas
faces distintas. Constrói saberes, estabelece limites, estipula regras e sanções
e para conviver pacífica e harmonicamente em seu meio social precisa
compreender verdadeiramente como úteis e necessários os freios impostos
aos seus desejos.
O Direito, essencialmente normativo, regula a vida
objetiva ditando regras de convívio com suas respectivas sanções para o
descumprimento. Seu escopo é o bem estar social. Ao Direito interessa o
aspecto gregário do ser humano e suas ações no meio em que se insere. Ao
Direito não importam as motivações internas mas somente as ações e seus
resultados objetivos. Estas são suas razões primeiras. As condições psíquicas
que podem modificar a incidência normativa serão as razões últimas,
investigadas a posteriori.
As regras de convívio ditadas pelo Direito serão tanto
mais aceitas quanto mais expressem valores sociais éticos historicamente
inseridos na vida cotidiana. Há um Direito escrito que está expresso nas
normas legais, nos códigos e um Direito não escrito que são os costumes de
um povo, de um grupo. Ambos são cogentes, influenciam comportamentos e
impõem sanções.
Para cada norma jurídica temos dois aspectos distintos e
inseparáveis. Temos o aspecto objetivo da norma que é a regra de conduta,
que disciplina a ação, sem particularidades, dirigindo-se a todos que se
encontram em igual situação social e impondo coerção. O aspecto subjetivo
refere-se à norma referida a um sujeito determinado e à sua conduta
especificamente. Todos tem a faculdade de agir conforme a norma e obter os
resultados jurídicos que dela emanam.
Sendo as normas jurídicas reguladoras do convívio
implicarão, necessariamente, em dois aspectos distintos para os sujeitos da
28
ação. Para cada faculdade jurídica, direito de agir, emanada da norma
haverá um dever jurídico contraposto, um dever de ação. Aquele que possui
um direito poderá exercê-lo ou não, mas aquele que tem um dever deverá
cumpri-lo ou será penalizado.
À psicologia interessam todos os aspectos subjetivos
do comportamento humano, compreendido este como uma ação e o seu
resultado na ambiência onde ocorreu. É a interação sujeito/ambiente. O
sujeito age sobre o ambiente que, por sua vez, estimula suas ações ou as
reprime.
Referimo-nos aqui à interação do sujeito com o
ambiente, aos denominados “comportamentos operantes” que no dizer de
Keller in Psicologias (2004) “ têm efeito sobre ou fazem algo ao mundo em
redor. O comportamento operante opera sobre o mundo, por assim dizer, quer
direta, ou indiretamente.”
A ação do sujeito sobre o meio e o resultado dessa
ação, isto é, a satisfação, ou não, de um desejo ou de uma necessidade, é o
que propicia o aprendizado. Este está relacionado com o efeito produzido por
uma determinada ação. Por outro lado, dados de pesquisa demonstram que
a punição como procedimento que pretende suprimir determinado
comportamento nem sempre é eficaz pois não altera as razões que
motivaram a ação punida. Mediante punição as ações poderão ser,
temporariamente, suprimidas, mas a motivação permanece intacta. O que é
proposto pelos behavioristas, é que se substituam as práticas punitivas por
procedimentos que incentivem novos comportamentos.
Cada pessoa possui um conjunto de comportamentos
com os quais lida com o mundo exterior. Há diversos modos de controle do
comportamento alheio sem, entretanto, modificar seus sentimentos. Para
modificar um comportamento é necessário que se modifique o mundo em
que a pessoa vive e que a estimule a transformação dos próprios sentimentos.
29
Sentimentos transformados estimularão, por sua vez, a modificação do
mundo onde se insere.
Entre o estímulo behaviorista e a ação (resposta) da
pessoas, ensina-nos os teóricos da Gestalt, há o processo de percepção.
Para os gestaltistas, o comportamento do ser humano decorre do modo como
este percebe o mundo e o que ele percebe no mundo. Tal assertiva justifica
portanto a razão de a resposta a um estímulo determinado ser diversa do
esperado. Isto se deve à percepção daquele a que se pretende estimular. Os
comportamentos são determinados pela percepção que se tem do ambiente
em que se vive.
O Direito reconhece a importância da percepção como
determinante da ação quando reconhece a putatividade, ou seja, a qualidade
daquilo que é putativo, termo originário do latim putativus , que significa
imaginário. Para o direito é putativa a atitude do agente que julgou ter atitude
legítima por erro de percepção. Não é incomum a legítima defesa putativa, ou
seja, a resposta a uma suposta agressão cuja percepção equivocada é
justificável.
Deste modo parece-nos bastante acertada a Gestalt
quando afirma que o comportamento deve ser analisado levando-se em
conta o contexto onde ocorre. Considerando a unidade universal, onde a
parte está sempre relacionado com o todo, a percepção tende a buscar a
simetria e a regularidade. O modo de percepção do estímulo desencadeará
o comportamento humano. Aos estímulos que desencadeiam os
comportamentos denomina-se meio.
A Psicologia, especialmente a Gestalt, chama de
“meio geográfico”, o meio físico, objetivo, e de “meio comportamental” a
interpretação do meio geográfico a partir da percepção e do modo de interação
individual com ele, que é a busca pela “boa forma”. Boa forma é a
denominação dada pela Gestalt para a harmonia que a percepção busca.
30
Kurt Lewin, referido em Psicologias (2004), embora não
considerado gestaltista, partiu desse referencial teórico e contribui com a
Teoria de Campo. Conceituou Espaço Vital como “ a totalidade dos fatos que
determinam o comportamento o indivíduo num certo momento.” Define ainda
Campo Psicológico como o sendo o meio, o espaço onde se vive,
considerado em sua dinâmica, não em sua constituição física. Explica Garcia-
Roza, também citado em Psicologias (2004), que campo deve ser
compreendido como realidade fenomênica, dizendo ainda que: O campo deve
ser representado tal como ele existe para o individuo em questão, num
determinado momento, e não como ele e em si. Para a constituição desse
campo, as amizades, os objetos, conscientes e inconscientes, os sonhos e os
medos são tão essenciais como qualquer ambiente físico.
Realidade Fenomênica, descrita por Lewin, conforme
mencionado in Psicologias (2004) é o meio comportamental gestaltiano. É
como se dá a interpretação subjetiva de cada acontecimento dependente das
características individuais, componentes emocionais vinculados ao grupo, bem
como as situações, presente e pretérita, relacionadas ao acontecimento.
O Campo Psicológico, com a dinâmica de vida individual
é o que dá significado à percepção. Espaço Vital é a situação imediata, o
acontecimento que determina a ação comportamental. Com base nestas
compreensões chegou-se à conceituação de grupo e campo social. Os
acontecimentos da vida de cada um acontecem no interior dos grupos e estes,
somados ao ambiente dão nascimento ao campo social.
Direito e Psicologia encontram-se no ser humano, em
sua natureza histórico-social. O ser humano, sendo gregário vive,
compreende o mundo e a si mesmo, de acordo com as relações que
estabelece com seus semelhantes.
O Direito estabelece as normas do convívio, das
relações intersubjetivas. Interessa ao Direito a “realidade fenomênica” que
Lewin referido in Psicologias(2004), descreve como o meio onde se dá o
31
comportamento individual, e o campo social pois, é nesse meio, nessa
realidade objetiva, que o Direito vem interferir com suas regras de
comportamento.
A psicologia trata da percepção social, que é o modo
como se dá a relação do indivíduo com o mundo a partir de informações
previamente organizadas e que propiciam a compreensão e organização de
fatos novos.
Assim, em nosso contato com o outro, utilizamo-nos da
nossa cognição, nossos conhecimentos conscientizados, e com esses dados
procuramos compreender o mundo dos fatos. Então, podemos entender a
percepção como um processo que se desencadeia desde que se percebe um
acontecimento fático até o significado que lhe é dado a partir das
informações previas que se tem armazenadas.
De acordo com a sua particular percepção do meio e dos
outros indivíduos cada um vai organizando as informações armazenadas e
relacionando-as com suas percepções, seus afetos positivos ou negativos,
diante de novas situações e estabelecendo seu pendor para ação nas
situações que se apresentam. As informações que vem carreadas pela
afetividade, positiva ou negativa, denominam-se atitudes. Explica-nos a
Psicologia Social que atitudes são as crenças, os valores, que são
desenvolvidos em relação ao meio social.
Por meio das atitudes, isto é, das informações, dos
entendimentos a priori que se tem do mundo, é que se estabelece uma
regularidade das ações em relação ao meio em que se vive. Pessoas
desenvolvem atitudes em relação a situações, objetos, e se é positiva a atitude
desenvolvida a tendência é de seja positiva a ação em relação à percepção
de situações e objetos que se lhes assemelham. Sempre que se edificam
atitudes positivas acerca de algo tende-se à ações positivas em relação que
às novas situações que a ele remetem. Então, as ações serão determinadas
pela percepção do fato e pela atitude que se desenvolveu a respeito dele.
32
As situações que se apresentam cotidianamente são
compreendidas de acordo com as necessidades, os interesses e os motivos
de cada um e unidas às atitudes determinam o comportamento. Denomina-
se de socialização esse conjunto de fatores que determinam as crenças,
valores e, consequentemente, o comportamento. Pelo processo de
socialização é que cada um passa a pertencer a determinados conjuntos
sociais com suas próprias regras comportamentais.
Cada pessoa desenvolve o seu modo particular de
relacionar-se com o mundo objetivo, o mundo de fora. Esse modo próprio
denomina-se consciência que se forma de acordo coma as relações sociais
estabelecidas por cada um e está em constante transformação. Nesse
perene transformar-se o ser humano vai construindo sua síntese, seu
entendimento sobre si mesmo e, aliado aos dados externos, identificação
física, vai formando sua identidade. Dá a idéia de individualização.
Para o mundo jurídico, identidade é aquilo que tem a
qualidade de ser a mesma coisa, não obstante tenha forma diversa ou seja
demonstrado diversamente. No sentido técnico, que mais se aproxima do
sentido psicológico, usa-se o vocábulo identidade para “designar o conjunto
de sinais particulares ou propriedades singulares, que caracterizam um
indivíduo entre muitos, ou mostram as coisas, distinguindo-as entre várias.
Identidade possui então, também um sentido de identificação, de referencia a
sinais particulares e característicos”, de acordo com o Dicionario Jurídico de
De Plácido e Silva (1998)
O que importa, e muito, para nossas ilações é a
identidade individual que está em constante adaptação ao mundo externo, pois
este a medida que é transformado contribui para a transformação individual.
Assim, cada transformação nas relações sociais importa em transformações
individuais e, consequentemente, no modo de ver a si mesmo uma vez que a
busca da singularidade acontece no confronto com o outro e com os
fenômenos que do mundo social.
33
A título de esclarecimento convem que se fale dos
diferentes enfoques que a Psicologia, enquanto ramo do saber social, da à
Psicologia Social. Ambos tem o ser humano e suas interações sociais como
foco sendo que, um o concebe como alguém inserido no espaço social e que
reage aos estímulos externos atribuindo-lhes significação dando origem a
comportamentos; o outro concebe o ser humano como tendo natureza social
que se constrói no seio da sociedade ao mesmo tempo que a constrói. São
concebidas duas maneiras de se tratar do mesmo assunto.
Ousamos nos utilizar de ambos os enfoques por
entender que podem ser complementares e não excludentes. Um é mais
pragmático o outro busca estabelecer uma compreensão do mundo social e a
possibilidade de transformá-lo. Embora nosso principal interesse seja nesse
aspecto de transformação entendemos a importância da descrição de
processos psicológicos.
Cremos que todos os conceitos são importantes e
que podemos retirar, de cada um, sentidos que poderão nos fornecer dados
que facilitarão nossa compreensão da construção humana em sociedade. A
Psicologia Social mais tradicional tem seu foco na explicação do
comportamento humano em sua relação social. A Psicologia Social mais
recente volta-se para o entendimento do ser humano como construtor de si
mesmo e do ambiente social.
Portando tais entendimentos, utilizamo-nos ora de
uns conceitos ora de outros para traçar a diretriz das possibilidades de
interação do Direito com a Psicologia com vistas à construção de uma nova
ordem social que possibilitará à transformação dos sujeitos sociais e estes, por
sua vez, engendrarão a evolução social. Assim sucessivamente. Sujeitos
evoluídos propõe regras justas, constroem sociedades evoluídas e justas que
lhes devolvem benefícios sociais superiores.
34
CAPITULO III
A PSICOLOGIA JURÍDICA E A MUDANÇA DE PARADIGMA
“A pessoa e una, inteira e indivisa e como tal
deve ser estudada e compreendida pela
ciência.” Emilio Myra y Lopez
O atual estado da arte da Psicologia Jurídica aponta para
uma vertente da Psicologia que intervem na sistemática jurídica de dois
modos: ou em paralelo ao Direito em auxilio à solução de questões jurídicas,
ou em atuação conjunta na construção da dogmática jurídica. Esta segunda
hipótese proposta e que gostaríamos de ver florescer.
Myra y López (1967) ao definir Psicologia Jurídica diz
que e a Psicologia aplicada ao melhor “exercício” do Direito e a remete a
alguns “problemas legais”: 1)Psicologia do testemunho; 2) obtenção da
evidência delituosa (confissão com provas); 3) compreensão do direito, isto é, a
motivação psicológica do mesmo; 4) informação forense; 5) reforma moral do
delinqüente, prevendo possíveis delitos ulteriores; 6)higiene mental, problema
profilático evitar que o individuo chegue a estar em conflito com as leis
sociais...
35
Alba Abreu Lima (s/d) afirma que o objeto da
Psicologia Jurídica “é atuar no âmbito das relações entre o mundo do Direito
e da Psicologia, (...) colaborar no planejamento e execução da
políticas de cidadania, direitos humanos e prevenção da violência,
centrando sua atuação na orientação do dado psicológico, repassado não so
para os juristas como também aos indivíduos que carecem de tal
intervenção,(...).”
Pontes de Miranda (1912) festejado jurista do século
passado, com sua visão ampliada não so do mundo jurídico como do mundo
psicossocial, afirmava que o Direito e limitação imposta à “liberdade exterior”
ao mesmo tempo que se apresenta como garantidor dessa liberdade
refletindo toda a expressão sociocultural de um povo, sua força e suas
influências deletérias. Os fatos psíquicos, emergentes da natureza social do
ser humano e que dão causa aos fatos jurídicos.
Os fatos apresentam-se com conotações psíquicas e
jurídicas (abstraímos aqui a sociologia). A interdisciplinaridade e o ponto de
atuação do especialista em Psicologia Jurídica. Aqui fazemos uma pausa
para observar que, de certa forma há um paradoxo na expressão “especialista”
significando uma visão única, fragmentada, quando o que se deseja e
justamente um olhar ampliado unido na interface dos fatos psíquicos e
jurídicos. Daí que daqui pra frente vamos nos referir a esse especialista formal
como “operador” da Psicologia Jurídica.
Podemos entender o Direito como um conjunto de
regras que visam ordenar o convívio humano e sua força coercitiva depende
do processo de adaptação psíquica. A vida em sociedade não pode
prescindir do Direito impositor de limites às ações individuais que, ao mesmo
tempo que ordena o convívio, interfere na produção de subjetividades.
36
3.1- Adaptação Psíquica
“ O único fim dos tribunais é o de manter a
sociedade no seu estado atual.” Leon Tolstói
Atualmente estimula-se que as partes de uma demanda
busquem, por si só, a solução para seus conflitos intersubjetivos seja por
meio da conciliação, onde cada uma das partes faz concessões para chegar
a um denominador comum, seja pela escolha de um mediador que apresentará
uma solução para o conflito. Ambos os modos de se terminar o conflito são
avanços nas formas de se alcançar a paz social, mas são ainda ditames do
poder estatal. São soluções dependerão sempre da homologação do Estado
Juiz, a interferência judicial.
Não se tem a ilusão de se exterminar os conflitos
humanos, internos ou externos. Tal pretensão seria mais que utopia, seria a
negação da natureza humana, de seus desejos, de sua necessidade de se
impor perante os fatos. Entretanto, cremos que muito se pode avançar no que
concerne ao bem estar individual e social se cada ator da vida estiver
consciente da repercussão de seus atos, tanto em sua própria esfera
psicojurídica, quanto no corpo social em que vive.
As regras jurídicas intermediam o ser humano a seu
ambiente social, subjugando sua vontade, forçando-lhe uma adaptação,
dando vida ao “eu aparente” que é moldado e polido pela sociedade. Há,
subjacente, as tendências rudes, o “eu personalíssimo”, instituído pelos
fenômenos que fundidos lhe produziram a individualidade.
Esse “eu personalíssimo” constitui-se na lei pessoal de
cada um e que sustenta os atos psíquicos. São as maneiras de sentir e
37
reagir de cada pessoa. Ali residem as convicções, as crenças que governam
consciência e inconsciência das condutas sociais. Os fenômenos sociais
podem ser condicionados pelo Direito que lhes dará o caminho do costume,
da necessidade social, e ainda coexistirem com as questões psicológicas sem
antagonismo aparente.
Myra y Lopez (1964), em Os Quatro Gigantes da Alma,
afirma que o ser humano, consciente ou inconscientemente, manipula a
materia originária de seu sofrimento e a estende ao meio em que vive. Se
temos que o processo de socialização e o de repetição por contagio não será
difícil concluir que sujeito e meio social retroalimentam-se. Transformando-se
o sujeito transformam-se as instituições sociais, que transformadas
estimularão a transformação dos sujeitos.
3.2 – Fatos Psiquicos, Fatos Jurídico e a
(Trans)Formação Social.
Tanto quanto existe uma memória individual, tem-se
uma memória, uma lógica coletiva. O “eu” e constituído pelo processo de
formação social ao mesmo tempo que vai moldando o espaço de convívio.
Será na intimidade desse processo, seja individual,
seja social, que serão operadas as transformações.
O processo de socialização da-se por “repetição
imitativa”. É a reprodução por “contagio”. Assim, para que um novo fato possa
ser denominado de fato social será necessário que se reproduza pois, a
imitação, o contagio, e o próprio processo de existência dos fatos sociais.
Exterioridade e coercitividade são especificidades do
fato social. O fato social e exterior uma vez que, inobstante nasça da
38
pratica individual, antecede ao individuo, e coercitivo porque e imposto,
dispensa o consentimento.
Pontes de Miranda (1912) entende que o termo
“sinergia” adequa-se melhor à formação do fato social do que a palavra
“imitação”. A palavra grega synergia (syn=cooperação + ergon=trabalho)
significa o efeito ativo e retroativo do trabalho ou esforço coordenado com a
finalidade de realizar tarefa complexa.
Citando as teorias de política civil de Petrazycki,
Pontes (1912) afirma que a essencia humana e a luz interna que orienta a
jornada o humano atraves das constantes transformações da mentalidade dos
povos, dizendo ainda que, segundo Gumplowicz, tal farol e a luta. E a luta
depende ainda da força íntima, mutável, o ideal que vive tanto no espírito
individual quanto no coletivo, cristalizado em suas variadas formas.
Os fatos psicojurídicos são mistos de fatos
sociais e fatos mentais onde se constitui o campo da psicologia jurídica. Os
fatos psíquicos, individuais ou coletivos, ao alcançarem a esfera social são a
causa da formação ou da exclusão das relações de direito.
Os institutos jurídicos são analisados com precisão
pela psicologia jurídica que fundamenta suas existências. Os institutos
jurídicos tem seus fundamentos na memória psicológica, na necessidade
individual e coletiva.
Qualquer ato jurídico intencional praticado por um
indivíduo juridicamente capaz e o germe dos fenômenos jurídicos. Os direitos
individuais, políticos ou contratuais, são plasmados psicologicamente. Sem o
plasma psíquico inexistem os atos jurídicos. A vontade é o germe do ato
jurídico, as formalidades legais são a sua manifestação no mundo.
A lei, elemento da sociedade, so será concretizada
com o fator individual. A vontade gera movimentos em obediência a uma
causalidade determinada.
39
As regras legais possuem uma finalidade
determinada pela vida social, resumem em seu corpo as necessidades do
corpo coletivo. Tanto inserem novos elementos no sistema social quanto
auxiliam seu aperfeiçoamento funcional, cumprindo assim sua real função de
sintetizar verbalmente dos processos sociais de produção da ordem e de
movimentação das energias de progressão.
Na realização dos fins legais de construção de uma
nova ordem social o legislador será impotente se não houver o concurso da
colaboração dos sujeitos sociais. A sociedade harmônica depende da relação
entre os indivíduos e as regras sociais. Quando essa reciprocidade se
rompe dá origem aos estados psicosociopatológicos.
É na transformação e na evolução dos institutos e
nas expressões de solidariedade que se manifesta a dinâmica da intimidade e
a exteriorização da sociedade. As regras jurídicas são a contensão e a
limitação das ações humanas e sua socialização acontece pela reprodução
imitativa, ou contagio. A força psíquica da lei nasce da consciência coletiva e
das necessidades sociais.
Importante que se tenha claro que as regras
sociais não são produzidas pelo saber humano. As leis, como de regra, as
formações sociais, não tem origem na mente humana, não nascem na
imaginação do homem, não são uma criações do legislador, mas resultam
dos fatos sociais manifestados.
Os valores, a cultura, a moral, e a solidariedade
de um povo estão, em parte, refletidas nas regras legais. Os fatos mentais
repetidos que ganham força social. A solidariedade engendra normas de
proceder que serão obedecidas nas relações sociais.
O rudimento da norma social e o sentimento que
antecede o aparecimento da regra, aliados à imitação ou contágio
constituem o psiquismo social que manifestar-se-á por meio de atos na
consciencia coletiva terminando por concretizar-se em comando legal.
40
Numa última análise pode-se afirmar que as leis
são a expressão, no mundo, do que já ia impresso no espírito social. Aquilo
que foi forjado pelas condições e sentimentos sociais e reproduzido pela
memória da sociedade. A lei será a exteriorização verbal dos atos psíquicos.
Toda regra legal deverá ter seu respaldo nos
costumes, e na educação. A identificação das energias será imprescindível à
aceitação e adaptação dos sujeitos sociais às regras legais.
A sociedade mantem-se organizada por meio de
instituições e estas não podem prescindir dos costumes, da etnia, da igualdade
de valores, e da ética. As instituições não podem prescindir da evolução e
da renovação se pretendem persistir na travessia temporal. Para a corrente
sociológica do “funcionalismo”, atribuída a Emile Durkheim, explica Pedro
Demo (1995), cada instituição tem função social definida e singular e o mau
funcionamento institucional gera desregramento social.
As regras sociais, e dentre elas as leis, não
poderão ser transformadas pela vontade unilateral do ser humano. Norma de
comportamento humano que se desvia dos verdadeiros anseios da população
termina inócua, sem função no mundo real. Para que a lei formal exista no
mundo dos fatos é necessário que expresse verdadeiros anseios da população,
ainda que sejam enérgicos seus ditames coercitivos. Uma regra de
comportamento precisa ser compreendida por aqueles que devem suportá-la
em suas vidas de relação.
Para que se alcance a consciência jurídica deve
ser, necessariamente desenvolvida com a consciência individual, particular, de
ética de convívio, de obrigações. Necessário se faz que se desenvolva a
compreensão e a suportabilidade das contrariedades necessárias, não apenas
para a paz do convívio, mas principalmente para a evolução e transcendência
pessoal.
Como prossegue nos ensinado Pontes de
Miranda (1912), tanto o jurista quanto o psicólogo objetivam os
41
acontecimentos a posteriori, contextualiza-os. Atos jurídicos tem,
subjacentes, atos psíquicos. Toda a psicologia de um determinado povo
pode ser conhecida pela expressão verbal de seus desejos, seus
preconceitos, sua forças, contida em suas leis.
3.3 – Resiliência e Novo Paradigma
Resiliencia é termo tomado da física e trazido para aplicação nas ciências sociais, a resiliencia traz novas concepções ao espírito
humano em suas lutas transformações sociais e para sua aposta na
capacidade humana de superar-se.
O aspecto operacional da resiliencia ainda se
constitui como desafio, não havendo, ainda, consenso acerca de sua
conceituação. Como enriquecimento e esclarecimento de nossos estudos não
podemos prescindir do estudo revisional que Mara R. S. da Silva, Ingrig
Elsen e Carl Lacharité (2010), nos oferecem acerca das conceituações do
termo.
O ser humano tem, potencialmente, capacidade
de superação de adversidades e de responder positivamente às questões
adversas que lhe são impostas ao longo da existência.
O termo resiliencia tem sido utilizado pelos
campos da saúde e das ciências sociais para se referir à capacidade de
resposta positiva às adversidades que se lhe apresentam ao longo da
existência e que ofereçam risco à sua saúde ou a seu desenvolvimento
psicosocial.
Reagir às adversidades com respostas positivas
significa ser capaz de mobilizar seus recursos pessoais na direção de
42
construção de modos de vivenciar situações adversas sem sucumbir a elas,
mantendo sua integridade e acrescendo saber, de maneira que desses
momentos resulte fortalecimento, crescimento e transformação pessoal.
Certamente que não são idênticas as
possibilidades individuais de resilição. Há fatores pessoais e ambientais que
favorecem o desenvolvimento da capacidade de organizar-se internamente
para superar situações desfavoráveis a seu desenvolvimento biopsicosocial.
Dentre os mais ressaltados temos os laços afetivos positivos que se
encontram dentro da família principalmente, a segurança e o apoio emocional
tido além dos vínculos familiares, seja com professores, amigos ou quem quer
que ofereça apoio. Dessa forma, pesquisadores há que entendem que a
resiliencia constitui-se da interação entre fatores genéticos e ambientais.
Há pessoas mais ou menos hábeis para lidar com
as adversidades da vida e a autoconfiança, a assimilação experiências
pregressas, são fatores importantes para a composição de suas estratégias.
Há quem apresente respostas positivas, adaptações afirmativas, quando
exposto à agressão. Acrescente-se a esse modo positivo de lidar com
situações adversas, negativas e de risco, a capacidade da criança exposta a
tais contingencias de não repetir, na idade adulta, os desajustes de que foi
vítima.
Também e entendida como resiliencia a
capacidade de recuperar ou de desconstruir um padrão. A primeira hipótese
refere-se à capacidade de retomar o padrão de funcionamento depois de
atravessar a adversidade, situação essa que pressupõe um funcionamento
satisfatório interrompido pela situação desestabilizadora e o estudo de
populações que construíram padrões de comportamento ao longo da vida.
Na revisão que citamos acima e que orienta
nossa exposição, os autores mencionam o entendimento do pesquisador que
considera a resiliencia como um processo constituido pelos acontecimentos
afetivos, sociais e culturais que se entrelaçam no decorrer da vida,
43
constituindo-se portanto, como a própria história individual e reconstruído
coletivamente.
Família resiliente e outro conceito utilizado para
descrever o grupo familiar que se constrói nas relações e experiências vividas
conjuntamente por cada geração e que dá àquela família a capacidade de
reação positiva quando confrontada com situações críticas. Importante a
visão global da família e não o exame do individuo colocado no grupo familiar,
e sem abstrair da resiliencia familiar no momento em que o sujeito e família
deparam-se com a dificuldade.
Uma visão positiva da adversidade será,
justamente, a de incitar reações positivas frente às adversidades o que
favorece o desenvolvimento humano, em especial daqueles grupos
populacionais que suportam condições biopsicosociais adversas.
Ressalte-se que aquele que suportou condições
desfavoráveis e as ultrapassou positivamente, conserva em si as marcas
deixadas pela dor. Estas persistem em suas lembranças, mas a pessoa
encontra suporte que permite a sua recuperação e prosseguimento.
Populações atingidas por catástrofes, guerras, extrema pobreza; indivíduos
submetidos a maus tratos, importantes rupturas, superam e prosseguem mas
não apagam as cicatrizes, apenas transformam seus efeitos.
Há populações submetidas a diversas situações
adversas de modo concomitante e que ainda assim encontram meios de traçar
caminhos positivos. Pesquisadores garantem que a pobreza crônica
estimula o “acúmulo de estressores” que poderão inibir as possibilidades de
respostas positivas ao cotidiano adverso. Má alimentação, deficiência ou
inacessibilidade a serviços médicos, habitação em local insalubre, ausencia
de condições básicas de higiene e de educação formal, baixa escolaridade,
desemprego crônico ou subemprego, com salários insuficientes á garantia de
mínimas condições de subsistência. Temos então um sistema perverso,
carecedor de elementos introdutores de novas diretrizes.
44
No contexto de adversidades onde se
desenvolve a resiliencia há a presença de fatores de proteção do sujeito que
permitem que ela seja construída. Estudos demonstraram que crianças com
temperamento flexível, com confiança em si mesmas e nos outros terão, mais
facilmente, um comportamento resiliente, mas estes fatores pessoais não são
decisivos para que evolua com resiliencia. Crianças em situação de risco,
ainda que possuam temperamento favoráveis à interação psicosocial, poderão
desenvolver a resiliencia em uma coletividade e não em outra.
Em pesquisas envolvendo sujeitos que
nasceram em ambientes adversos, e neles permaneceram, verificou-se que
eles não alteram seus modos de viver quando se deparam com adversidades
uma vez que, a adversidade e parte integrante de seu contexto de vida.
Nestes casos o que se busca são os fatores ambientais que induzam ao sujeito
o desenvolvimento resiliente, ou não.
E muito importante que se tenha em mente que
sujeito resiliente não significa sujeito invulnerável. Não se pode imaginar que
situações de adversidade como guerras, pobreza extrema, doença mental em
família, dentre tantos outros fatores, que sempre trarão prejuízos à vivencia e
deixarão marcas e sentimentos de tristeza, ódio, vergonha, ate muito tempo
depois, alguém fique impassível e intocado. A diferença esta em que o sujeito
resiliente será capaz de construir uma forma de vida onde responderá às
questões surgidas em seu cotidiano inobstante as marcas dos prejuízos
armazenados.
Outro ponto de grande importância e a
definição acerca do que se considera uma “resposta positiva”. A resposta será
considerada como satisfatória de acordo com o contexto social que se observa
e suas expectativas. Mas o fato e que muitas vezes o que se tem como
expectativas sociais são as expectativas do observador do cenário onde se
encontra o sujeito.
45
Tendo-se em conta que o sujeito resiliente
é aquele que após vivenciar situações adversas, assim consideradas do
ponto de vista do próprio sujeito, pode reconstruir-se e ate fortalecer-se,
podemos pensar que há um diferente grau de resiliencia em cada um, como há
diferentes graus de afetação pela situação externa.
Abstraindo-se a idéia de que há situações
extremamente difíceis para qualquer ser humano, tais como situações
catastróficas, de perdas importantes, há uma diferença de valoração das
situações mais corriqueiras que dependem do contexto especifico onde se
inclui a pessoa, sua subjetividade e suas apreensões do mundo.
Lembrando então que o termo “resiliencia”
foi emprestado da física e que se refere à capacidade de um material voltar a
seu estado normal após ser submetido à tensão, será lícito dizer que todas
as pessoas a possuem, em maior ou menor grau, e que o tal estado de tensão
também e variável pois sua intensidade dependerá da estrutura psíquica e dos
padrões emocionais de cada um.
Quando falamos em mudanças de
paradigmas estamos nos referindo aos padrões sociais a que estamos
submetidos. Atualmente usamos o termo resiliencia, principalmente para
respaldar nossas apostas nas superações daquelas pessoas que os poderes
sociais entendem que precisam de estimulo para superação de suas marcas,
estas deixadas pelas situações de tensão. E de modo geral, as tensões de que
falamos são econômicas, situações de pobreza material. Cremos que estas
mesmas pessoas possam ser mais beneficiadas se o foco do investimento em
transformações estiver voltado para aqueles que se entendem capacitados
para promover a mudança alheia.
46
Conclusão
O fato de milhões de criaturas compartilharem a
mesma forma de patologia mental não torna essas
criaturas mentalmente sadias. Erich Fromm
Para falarmos de Psicologia Jurídica e das possibilidades
de modificações no mundo psicojurídico e preciso que se veja o Direito,
enquanto fenômeno de organização social, como um sistema onde a
dogmática e a ficção são as bases de sustentação das quais não podem
prescindir as instituições.
As instituições sociais e, em nosso caso, as instituições
que expressam o poder estatal, são representações de uma verdade que
pode, e deve, ser questionada por quem a elas deve se submeter. O
exercício consciente da cidadania deve ter por escopo o questionamento e a
transformação institucional com vistas ao serviço que o Poder, expresso
institucionalmente, deve à coletividade, ao invés de ser elemento de
manutenção das estruturas desse mesmo Poder.
A elevação do nível sócio-econômico, expresso em
educação formal e poder aquisitivo, são desejáveis e necessários,
imprescindíveis mesmo, mas não bastam para o estabelecimento da
consciência social.
Sentimentos podem ser estimulados em quaisquer
populações, de quaisquer níveis de compreensão E justamente esse
sentimentos, individual e coletivo, de que e possível criar para si proprio outros
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padrões de vida, que impulsionara a elevação dos níveis sociais e estes
engendrarão em cada um e em todos o sentimento de que é possível avançar
um pouco mais.
Nesse diapasão, operadores da Psicologia Jurídica, com
formação em qualquer área, de posse dos liames interdisciplinares, poderão
desenvolver trabalhos educativos, (trans)formadores, em todos os níveis de
educação formal, com vistas a fazer brotar a cidadania como sentimento de
valor de si mesmo e do valor do coletivo que quanto mais desenvolvido maior
o retorno dará em benefícios garantidores do bem-estar individual.
A formação social esta calcada na Psicologia e no Direito
união esta indissociável. Para que as instituições estatais possam atingir
seus objetivos e necessário que todos as pessoas incluídas, aquelas que
fazem a máquina estatal funcionar, estejam verdadeiramente implicadas no
processo, cientes da importância de seus empenhos e desempenhos. Os
programas governamentais não se fazem por si mesmos, e necessaria a
implicação de pessoas transformadas, conscientes de que seus atos
repercutem no todo e que os resultados retornarão como benefícios ou
malefícios sociais, coletivos e individuais, que em ultima análise trarão para
si elas mesmas e suas descendências consequencias inevitaveis.
A Psicologia Jurídica tem muito a oferecer aos
legisladores, aos planejadores de programas sociais e aos executores das
políticas sociais, bem como à população de modo geral, na construção social
humanitaria, solidaria, cidadã no sentido lato. O ser humano muito tem a
aprender com seu semelhante e a psicologia deve ouvir o direito, enquanto
mediador das relações, e o direito deve aprender a escutar para que,
flexibilizando seu dogmatismo, possa melhor compreender.
Como nos ensina Erich Fromm (1961) o homem desenvolve
seu potencial e o transforma conforme suas “próprias possibilidades”. Todo
ser humano torna-se aquilo que e em potencial e a cada pessoa cabe
alcançar a consciencia de seu próprio potencial e colaborar para que seu
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semelhante também o faça para que, juntos, construam uma sociedade
justa, pois que uma sociedade justa é uma sociedade saudável e feliz,
certos de que felicidade, sentimento que é, não se constrói a partir de
determinações legais mas de transformação e crescimento íntimo.
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BIBLIOGRAFIA
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Juridica:implicações conceituais e implicações práticas) acesso em 20/03/010
http://www.oab.org.br/oabeditora/users/revista/1205508971174218181901.pdf
(À Margem do Direito – Ensaio de Psychologia Jurídica – 1º Milheiro, 1912.
RJ, SP, Paris e Lisboa) acesso em 15/03/2010
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ÍNDICE
CAPÍTULO I 11
DIREITO, PSICOLOGIA E SEUS CAMPOS DE SABERES 11
1.1.1 – Direito Positivo 13
1.1.2 - Direito Objetivo e Direito Subjetivo 14
1.1.3 - Estado e Poder 15
1.1.4 - Cidadania 16
A PSICOLOGIA – O MUNDO DE DENTRO NO MUNDO DE FORA 18
1.2.1 – Subjetividade 19
1.2.2 - Psicologia Social 20
CAPÍTULO II
O ELO DA INTERDISCIPLINARIDADE 23
2.1. – A Interdisciplinaridade 24
2.2 – Direito e Psicologia – Intercessão 26
CAPÍTULO III
A PSICOLOGIA JURÍDICA E A MUDANÇA DE PARADIGMA 34
3.1 – Adaptação Psíquica 35
3.2 - Fatos Psiquicos, Fatos Jurídico e a (Trans)Formação Social 37
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3.3 – Resiliencia e Novo Paradigma 41
CONCLUSÃO 46