Noticia 4Alm dos jovens desempregados, h ainda os que trabalham e vivem na pobrezaOs jovens tm de ter empregos que respeitem as necessidades do mercado, mas tambm os seus sonhos, recomendaram participantes no 13 Encontro de Pessoas em Situao de Pobreza, que decorre em BruxelasAna Magalhes esforava-se para calar o embarao de falar em pblico, ainda por cima em ingls. No podia ficar calada. O assunto no lhe podia interessar mais. H mais de 5,3 milhes de jovens sem trabalho na Unio Europeia. E quando estaro como ela, a fazer o que calha, espera de fazer o que sonham? Percebe o cansao, o alheamento, a necessidade de recuperar esperana.No Museu Auto World, no Parque do Cinquentenrio, em Bruxelas, delegados do 13. Encontro de Pessoas em Situao de Pobreza, organizado pela Rede Europeia Antipobreza, EAPN, com o patrocnio da Comisso Europeia, dividiam-se por cinco oficinas temticas: pobreza juvenil, habitao e sem-abrigo, pobreza e excluso de imigrantes, riqueza e desigualdade, rendimento mnimo garantido. Todos a trocar experincias e a extrair recomendaes para fazer comisso.Naquela sala, na tera-feira tarde, ao ouvir falar de gente de tantos lugares mais ou menos distantes, Ana sentia um estranho conforto. No me sinto to sozinha. As pessoas tm os mesmos problemas, as mesmas dvidas, a mesma vontade de os ultrapassar. Tive necessidade de partilhar a minha experincia. importante fazermos ouvir a nossa voz. Ningum melhor do que ns pode dizer o que estamos a viver.A rapariga, de 24 anos, cresceu nos arredores de Vila Real. Sabe o que pobreza, embora s tenha tomado conscincia dela depois de comear a participar nas reunies da EAPN Portugal. A me no sabe escrever nem ler, ganhava a vida a trabalhar jorna, no campo. E o pai, lixeiro na Sua, pouco contribua. Foi ganhar dinheiro na Sua para arranjar a casa, mas a casa nunca chegou a ser arranjada e ele para l ficou. Os quatro membros da delegao portuguesa sentaram-se a um canto na oficina de pobreza juvenil. Por causa de Ana, licenciada em Servio Social pela Universidade de Trs-os-Montes e Alto Douro a trabalhar numa loja de gomas, mas tambm por causa de Marina Ferreira, 22 anos, sada do curso de Educao Ambiental da Escola Superior de Educao de Viseu, a tentar entrar no mercado de trabalho e a sentir-se impedida de sonhar com mais do que um estgio profissional.Apesar do problema ser europeu, a desigualdade, dentro do espao comunitrio, evidente. Em Portugal, Ana s ouve falar em partir. A irm dela, um ano e meio mais nova, partiu. Faz limpezas e cuida de crianas em Zurique. Ela d-se com o pai. Ana nunca engoliu os anos de abandono, de privao. E ia sentir-se um bocadinho mal por deixar a me, que tanto se esforou para fazer dela doutora, a primeira na famlia, e at o Estado, que lhe deu uma bolsa.Sobra gente da idade dela numa teia de estgios, cursos, subempregos, aprendizagens, desempregos, retornos escola na Unio Europeia inteira e em particular nos pases mais afectados pela crise, como Portugal. O Instituto Nacional de Estatstica vai actualizando o retrato: pobreza juvenil a rondar os 30%; salrio juvenil a ficar 23% abaixo do praticado entre trabalhadores por contra de outrem; taxa de desemprego entre menores de 30 a ultrapassar os 26%.O assunto est na ordem do dia, at porque muitos jovens deixaram de acreditar na Unio Europeia. Ainda em Junho o Parlamento Europeu aprovou um reforo da dotao oramental da Garantia Jovem 2020, programa destinada a assegurar que todos os jovens com menos de 25 recebem proposta de emprego, formao contnua ou estgio profissional no prazo de quatro meses aps terem terminado os estudos ou ficado desempregados. Recomendou normas mnimas de qualidade dos estgios, remuneraes dignas, medidas adicionais para incentivar o empreendedorismo.Na manh desta quarta-feira, Ana estava agradada com a mensagem que o seu grupo apresentou na Comisso Europeia, Zoltn Kazatsay, director adjunto da Direco Geral do Emprego, dos Assuntos Sociais e da Incluso, e Thomas Dominique, presidente do Comit da Proteco Social. Temos de dar esperana aos jovens. Os jovens tm de ser capacitados e de participar, de ter um emprego que respeite as necessidades do mercado, mas tambm os seus sonhos, leu um rapaz. No basta olhar para o desemprego. preciso ter um olhar mais abrangente, que abarque a precaridade, o nvel salarial. H cada vez mais jovens que trabalham e vivem em situao de pobreza e excluso.Pblico, ANA CRISTINA PEREIRA, 24 de Setembro 2014 1