Além do Silêncio

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ALÉM do silêncio Histórias de violência doméstica em Alagoas, cinco anos após a criação da Lei Maria da Penha Gabriela Lapa

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Livro-reportagem apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do título de Bacharel em Comunicação, habilitação em Jornalismo, da Universidade Federal de Alagoas. Com pesquisa documental e trabalho jornalístico, ele faz uma análise das conquistas obtidas com a Lei Maria da Penha em Maceió.

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Histórias de violência doméstica em Alagoas, cinco anos após a criação da Lei Maria da Penha

Gabriela Lapa

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Gabriela Lapa

Além do silêncioHistórias de violência doméstica em Alagoas, cinco

anos após a criação da Lei Maria da Penha

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em jornalismo, pelo Curso de Comunicação social habilitação em jornalismo da Universidade Federal de Alagoas

Orientador: Profª Msc. Magnólia Rejane Andrade dos Santos

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BARBOSA, Gabriela Lapa Teles. Além do Silêncio. Maceió, Alagoas; 2012

1 - Alagoas - violência2 - mulher – Maria da Penha3 - UFAL - conclusão de curso

GABRIELA LAPA TELES BARBOSA

ALÉM DO SILÊNCIO

Defendida dia 23 de março de 2012BANCA EXAMINADORA

Professora Msc. Magnólia Santos - ICHCA Instituto de Ciências Humanas Comunicação e Arte. Curso de Comunicação Social.

Professor Esp. Edson Falcão - ICHCA Instituto de Ciências Huma-nas Comunicação e Arte. Curso de Comunicação Social

Professor Phd Antônio Freitas – ICHCA Instituto de Ciências Hu-manas Comunicação e Arte. Curso de Comunicação Social

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Agradecimentos

A minha família. À professora Magnólia, pela orientação. A Mô-nica e Gilson Monteiro, por terem ajudado a dar forma às mi-nhas ideias. À equipe do 22º Distrito, pela companhia na Central de Polícia. Aos companheiros de turma Ben Hur e Arthur Moura, pela criatividade e disponibilidade para construir o projeto final. Ao professor Edson Falcão, por me apresentar a paixão pelo jor-nalismo literário. À turma 2008.1 de comunicação social da UFAL, por fazer parte disso. À Eulina, por tudo.

A todas as mulheres que, direta ou indiretamente, participaram da construção deste trabalho.

Falar de mulher, em termos de aspiração e projeto, rebeldia e constante busca de transformação, falar de tudo que en-

volva a condição feminina, não é só uma vontade de ver essa mulher reabilitada nos planos econômico, social e cultural. É

compreender que a submissão, por mais sutil que seja, é o resultado de um processo de tal forma brutal, que acaba por

impedir a própria vontade de viver dignamente.

Maria Amélia de Almeida Teles, escritora

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SUMÁRIO

PRÓLOGO

CAPÍTULO UM: A MULHER DO TRAFICANTE

CAPÍTULO DOIS: AMOR QUE MATA

CAPÍTULO TRÊS: QUEM MATA, E POR QUE

CAPÍTULO QUATRO: A LEI É SUFICIENTE?

EPÍLOGO

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PRÓLOGORUA DA BOA VISTA, CENTRO

PRÓLOGO

O corredor da delegacia está cheio de mulheres. Elas se sentam em assentos improvisados, à espera de alguém que indique a sua vez de depor. Por um bom tempo, no meio daquele exercício de paciência, o único som no corredor é o de pés sendo trocados de lugar, por debaixo da cadeira, entre olhares que se cruzam ten-tando adivinhar o problema dos outros. Depois, como ninguém agüenta ficar calado tanto tempo, vem os comentários, as primei-ras perguntas, e com elas, histórias bem parecidas.

“Qual é a sua?”, quer saber uma delas, sentada bem junto da porta do cartório. Com uma mão, ela segura o queixo, sustentando a pergunta. A outra alisa um pedaço do ombro, visivelmente ma-chucado. “Pensão”, alguém responde. “O dia de pagar é hoje, mas o dinheiro não ‘tava’ na conta. Fui na casa do ex-marido reclamar, porque sempre que ele atrasa eu cobro, mas quando cheguei lá ele partiu para a ignorância. Me chamou de vagabunda e me bateu. E você?”

“Fui casada trinta e dois anos. Ele sempre foi meio complicado, mas agora enlouqueceu de vez e começou a falar em me matar. Quando cheguei em casa, do comércio, pegou a primeira coisa que viu e me bateu”, explicou a primeira voz, apontando o om-bro. Depois, olhou para a vizinha. “E a sua?”.

A Lei Maria Penha foi criada em 2006 para dar mais proteção às mulheres vítimas de violência doméstica. Ela obrigou o Estado bra-sileiro a criar mecanismos de suporte para atender essa demanda, e tornou a legislação mais rígida para punir os agressores.

Em 2008, a Organização das Nações Unidas considerou a Maria da Penha uma das três melhores legislações do mundo no comba-te à violência contra a mulher.

No entanto, apesar dessa mudança, os casos continuaram cres-cendo. Entre 1998 e 2008, 40 mil mulheres foram assassinadas no Brasil. No ano passado, a Delegacia da Mulher de Maceió registrou mais de duas mil ocorrências de violência de gênero, entre amea-

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ça, agressão e homicídio. Por que isso acontece? O que realmente mudou com a vigência da Lei?

Talvez, antes de ser uma lei de combate à violência de gênero, a Maria da Penha seja uma nova maneira de perceber a questão. Após anos de silêncio, ela finalmente pôs a violência doméstica contra a mulher ao alcance da Justiça e dos olhos da sociedade. Para combater esse mal, no entanto, é preciso mais que uma nova legislação. É necessário transformar, primeiro, aqueles que estão sujeitos a ele – os homens, que agridem, e as mulheres agredidas. E nesse caso, o caminho é bem mais longo.

CAPÍTULO 1

A MULHER DO TRAFICANTE“Quando Pedro forçou o portão, Ja-naína viu a arma pendurada na cintura e entendeu que ia morrer de verdade. ‘Vi o jeito dele me olhando e vi o diabo. Vi a morte. O diabo tinha vindo me buscar, de arma na mão...”

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JANAÍNA chegou à Central de Polícia com um jeito alvoroçado, e pediu para falar com os policiais de plantão. Na sala, esperando a escrivã começar a redigir o depoimento, ela ajeita os cabelos, mexe as pernas, olha de lado, como quem lembra de uma coisa ruim. Uma coisa chamada Pedro.

“Ele nunca gostou de me ver na casa dos amigos dele, sabe? Dos amigos ele gostava, mas de mim, por lá, não. Mas a gente bri-gou e eu não queria ficar sozinha; fui, mesmo sabendo que ia dar confusão”, começou.

Olhando assim, inicialmente, quase não dava para perceber qual era o problema. Só depois de meia hora de conversa é que aquele jeito de mexer no cabelo começou a fazer sentido. Janaína tinha apanhado muito, nas costas e na cabeça, e quando tentou fugir, o marido puxou pelo cabelo como se fosse arrancar tudo de uma vez só.

“Ele brigou comigo mais cedo porque não gostava que eu usasse droga. Ele vende, mas não gosta. Coisa de quem vive disso, sabe? Se ele usar também, a gente fica sem ter o que vender. E se eu fico longe dele, não tenho de quem pegar”, ela disse.

A briga começou na casa deles, lá pelas 5h da tarde. Janaína saiu e foi encontrar os amigos do outro lado da cidade, noutra ponta da periferia. Casa grande, muro alto, mas com um portão de ma-deira bem fácil de quebrar.

“A gente estava dançando, cantando, quando fui para o portão olhar o movimento. Vi quando ele chegou com outra pessoa, um boné escondendo o rosto. Não dava para ver quem era, mas eu reconheci pelo jeito meio torto de andar.

Ele me viu, baixou a cabeça e fez que ia entrar. Gritei: “Segura que o Pedro chegou, vai me matar!”. Mas todo mundo correu para dentro de casa e me deixou sozinha no portão. – pausa do barulho do teclado. “E você diz isso, assim, com esse jeito de pena?”, pergunta a escrivã, meio sem entender, meio com pena mesmo. “Eles estavam com medo, o que é que dava para fazer?”, Jana-

ína responde. Sair dali, chamar a polícia, se afastar daquela gente, pensou a delegacia. Mas ninguém disse nada.

Quando Pedro forçou o portão, Janaína viu a arma pendurada na cintura e entendeu que ia morrer de verdade. “Ele já tinha ame-açado antes, mas sabe como são os homens, fazem isso mais por prazer que por outra coisa. Só que dessa vez foi diferente, vi o jeito dele me olhando e vi o diabo. Vi a morte. O diabo tinha vindo me buscar, de arma na mão”, disse a mulher.

Ela correu para dentro da sala e se escondeu atrás da cortina. Ele ficou tentando forçar o portão, e quando conseguiu, foi atrás dela no breu que era casa. Janaína estava imóvel, fazendo força até para não pensar [porque nessas horas, ele escuta tudo!], mas os amigos escondidos, que correram antes do diabo chegar, pensaram mais rápido. Pensaram e gritaram, todos ao mesmo tempo, de dentro do banheiro: ATRÁS DA CORTINA, PEDRO!

E Janaína sentiu a mão do diabo puxar-lhe os cabelos antes de entender que tinha sido delatada.

- Espera. Você diz que eles te entregaram para a pessoa que queria te matar, e diz isso com essa cara de pena? , pergunta, outra vez, a escrivã. Agora ninguém mais tem pena da mulher; a dele-gada e os agentes olham para ela com olhos acostumados, sem surpresa, sem emoção. A história de Pedro e Janaína é tão absurda como as outras que chegam todo dia, no plantão, e lotam as dele-gacias da Central.

“Eles estavam com medo”, defende a mulher, e pede para continuar a história.

Da sala de casa, a briga se arrastou para o quintal e foi parar na calçada da rua de trás. Com uma barra de ferro na mão e a arma na cintura, Pedro acertou Janaína, que tentava escapar, e bateu uma, duas, três vezes. Ela ficou tonta, mas continuou correndo até chegar na casa da vizinha. “Não quero você aqui, não!”, gritou, horrorizada, tratando de correr para dentro.

Pedro puxa Janaína pelo cabelo, puxa com força até quase ar-

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rancar, e prepara o ferro para bater de novo. Ela grita, sacode o corpo, dá um chute nele e consegue correr para a outra vizinha. Pedro não viu, mas ela conseguiu entrar numa casa e sair pelo ou-tro lado a tempo de pegar o transporte para a Central.

Janaína chegou alvoroçada, sem muita conversa, mexendo no cabelo como uma doida. A cabeça doía, as costas doíam, e ela sentou na delegacia, esperando a escrivã redigir o depoimento.

“Você sabe o que vai acontecer agora, não sabe?”, pergunta o agente, meio paternal, meio sem paciência. Ele já viu aquela cena um milhão de vezes, mas sempre se surpreende com a capacida-de das mulheres de aceitar maridos violentos. Janaína reclamava de Pedro, acusava de assassinato, falava de crimes que ele tinha cometido por causa do tráfico, mas era uma dessas mulheres. Ela denunciava como quem dá o troco, bem-feito por ter me ameaça-do!, pensa. Mas lá no fundo, Janaína é uma dessas mulheres.

“Se não sair daqui, se não sumir, se voltar para ele, você morre. Vai estar em um rabecão, a caminho do IML, em menos de um mês”, diz o agente. Janaína ouve, diz que sabe disso, mas não há o que fazer. “Ele quebrou a casa da minha mãe, destruiu tudo, não posso voltar para lá”, justifica. “E não tem mais ninguém?”, insiste o agente. “Nem uma irmã?”.

Bom, isso tinha. Janaína lembra de uma que morava no Sal-vador Lyra. Era longe, a casa era pequena, mas era uma casa. Melhor que dormir na rua, ou pior, na delegacia. “Posso ir para lá”, diz, encolhendo os ombros. “É muito óbvio, não serve”, diz o agente, com mais pena dela do que antes.

Para garantir maior proteção às vítimas de vio-lência doméstica como Janaína, o Governo do Es-

tado de Alagoas criou, em 2007, as Casas-Abrigo: centros de atenção e proteção à mulher, nos quais elas podem ficar a salvo do contato com os seus agressores. Para chegar lá, é preciso ser encaminhada pela Delegacia da Mulher, ou

por um dos Centros de Atendimento às Vítimas de Violência existentes em Maceió (como o Centro Drª Terezinha Ramires ou os Conselhos Estadual ou Municipal de Defesa da Mulher).

Para se manter em segurança, as mulheres que vivem na Casa-Abrigo não podem sair, nem receber visitas. Lá, elas limpam, cozinham, cuidam dos filhos e recebem acompanha-mento psicológico até o momento de voltar para a família. O

tempo máximo de permanência na Casa é de três meses.

Na delegacia, Janaína diz “não” à Casa-Abrigo. Ela sai, toma um copo com água, entra na sala ao lado para conversar com ou-tro policial, e repete o “não”, dessa vez mais decidido. “Vou para a casa da minha irmã, é melhor!”, emenda, e tira umas fotos para registrar a agressão; a segunda da madrugada daquele plan-tão. Depois, pede uma carona na viatura. O “sim” do policial veio junto com a voz de Pedro, trazido por outros dois agentes, e da mãe dele, nervosa, falando alto no corredor.

No depoimento à delegada, Pedro diz que bateu, mas estava bêbado. Vendia droga, mas não gostava que Janaína usasse. Era coisa de casal, que bobagem, delegada.

A mãe dele também acha besteira, mas como ninguém se ma-nifestou para apoiá-la, resolveu gritar com Janaína. “Você estra-gou meu filho”, acusa. “Bandida, acabou com a vida dele”. Não acabei, a mulher responde, porque não quero que ele seja preso. Ela olha para a delegacia e a delegacia olha de volta, sem acreditar.

Segundo pesquisa do DataSenado 2011, 66% das vítimas de violência doméstica, no Brasil, de-

sistiriam de dar queixa dos agressores nas delegacias, se soubessem que não poderiam desistir de continuar com a ação penal para responsabilizá-los criminalmente. Até fevereiro de 2012, se a agressão cometida contra mulher

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resultasse na prática dos crimes de lesão corporal leve ou ameaça, seria imprescindível a manifestação expressa da ví-tima, em audiência presidida pelo juiz, para que a ação penal fosse adiante . Em outras palavras, se diante do juiz a vítima afirmasse o desejo de não representar contra seu agressor, o Estado nada poderia fazer, sendo obrigado a arquivar o processo. Acontece que o Supremo Tribunal Federal (STF) afastou definitivamente a necessidade de representação da vítima como condição para o prosseguimento da ação pe-nal, assim como já havia se posicionado em março de 2011, no julgamento do Habeas Corpus (HC n° 106212), impetrado por Cedenir Balbe Bertolini,acusado de ter desferido tapas e empurrões em sua companheira, inconformado por lhe ter sido aplicada pena alternativa de prestação de serviços à comunidade, pela Justiça do Mato Grosso do Sul. Declaran-do absolutamente constitucional o art. 41 da Lei Maria da Penha, o STF firmou que não se aplicam aos casos de violên-cia doméstica abrangidos pela referida norma, qualquer be-neficio ou mecanismo despenalizador previsto pela Lei dos Juizados (lei 9.099/05), incluindo o disposto em seu art. 88, que condiciona o prosseguimento da ação penal nos crimes de lesão corporal leve e culposa, a representação da víti-ma. Tais decisões foram fundamentais para garantir que os casos de violência doméstica sejam punidos, independente da manifestação de vítimas como Janaína, que por motivos aparentemente incompreensíveis prefere que o seu agres-sor continue em liberdade. No entanto, o posicionamento da Suprema Corte brasileira ainda parece pouco quando se trata de mudar a cultura acerca da violência doméstica con-tra mulher. A maioria, como Janaína, tem mais medo de fi-car longe dos companheiros do que vê-los cometendo nova agressão. Com isso, o risco diante da nova realidade trazida pelo STF é a diminuição do número de queixas nas delega-

cias, sabendo as mulheres que uma vez noticiada a agressão, a ação penal para responsabilizar e punir o sujeito torna-se inevitável.

Encostado no balcão da Central, o agente que perdeu a pa-ciência mais cedo diz que as mulheres não gostam da ideia de se separar dos companheiros, mesmo após uma agressão. Ele conta que a vontade de levar o caso à Justiça é mais comum quando a violência atinge um ponto extremo. De pé, na frente dele, com a sogra aos berros, Janaína repete que não quer ver o marido preso, e confirma a teoria do rapaz. Ela explica que não quer morrer, “mas na verdade, moço, talvez ele nem seja tão mau assim. Quando tem droga na história, Pedro é o Diabo. Mas quando a gente namorava era bom, era carinhoso”, ela diz, meio que justificando a própria atitude. E sai de carona na viatura, andando torto por causa das costas, passando a mão na cabeça, que ainda dói.

A primeira Delegacia da Mulher de Maceió foi criada durante o governo Suruagy, em 18 de novembro de 1985, no Centro da capital. A segunda, em 2003. No entanto, sem estrutura ou efe-tivo designado, ela foi instalada junto à 1ª unidade, dividindo o mesmo espaço físico - inclusive o cartório. Por causa disso, não há registros específicos de ocorrência, por delegacia, nesse período. O hiato das estatísticas da violência de gênero só acabou em 2008, quando, por pressão da sociedade civil organizada, a 2ª Delegacia Especializada ganhou sede própria e foi transferida para o bairro do Salvador Lyra, onde funciona até hoje.

Após a criação da Lei Maria da Penha, essas delegacias passa-

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ram a ser vistas como referência para o atendimento às mulheres. Como a legislação primava pelo suporte jurídico e psicossocial, a proposta de uma unidade policial voltada exclusivamente para o público feminino representava a possibilidade real de identi-ficar os casos de violência, e consequentemente, combatê-los. Isso porque, ao contrário das delegacias comuns, nas da Mulher os funcionários seriam capacitados para fazer o primeiro aten-dimento da maneira correta, sem causar constrangimento nem ofensas às vítimas.

Parece simples, mas até então, e ainda hoje, muitos policiais de outras delegacias acreditam que a polícia nada tem a ver com “briga de marido e mulher”. No momento do primeiro contato com a vítima, grande parte deles esquece que a sensibilidade e a ausência de pré-julgamentos são fundamentais para garantir um bom atendimento, e para fazer com que a mulher – que já está fi-sicamente e emocionalmente abalada – possa seguir adiante com a queixa, ou a denúncia.

O curioso é que, mesmo com esse diferencial, nem todas as ví-timas de violência, hoje, têm as delegacias especializadas como referência na hora de buscar atendimento. Segundo o DataSena-do, 59% das mulheres que já sofreram algum tipo de agressão, no Brasil, procurariam primeiro a Central de Polícia ou a delegacia mais próxima, contra 28% que dariam preferência ao atendimento personalizado. No Nordeste, essa estatística vai para 56%. Somen-te 26%, em todos os sete estados da nossa região, iriam a uma delegacia da mulher.

Por que isso acontece, se essa estrutura foi criada justamente para dar mais assistência ao público feminino? Analisando os da-dos do DataSenado, pode-se concluir que, se em uma delegacia comum, a própria legislação já dificulta a retirada da queixa, nas especializadas fica bem mais difícil voltar atrás. A própria delegada da Mulher, tendo o treinamento necessário, orienta a vítima a se-guir com a representação judicial.

“Em outros tempos, se não houvesse essa orientação, muitas delas desistiriam”, conta a delegada Maria Angelita de Souza, titular da II Delegacia da Mulher. Ela diz que o trabalho diferen-ciado tem contribuído bastante para punir quem pratica violência contra a mulher, mas ainda não é suficiente. “Muitos advogados aconselham as mulheres a desistirem dos processos. Chega ao ponto de eles dizerem a mim que elas estão doentes, que via-jaram, ou que por outro motivo, não vão poder comparecer às audiências”, conta Angelita. “Para elas, eles dizem que os ma-ridos vão melhorar, vão mudar. A pior parte é que o discurso fun-ciona, e as vítimas acabam desistindo. Nós precisamos conversar bastante e insistir no contrário para isso não virar uma regra”, observa.

Conversar com uma vítima de violência é muito difícil. Primeiro, porque nem todas estão dispostas a abrir a memória e a vida para um estranho – mesmo se tratando de um(a) delegado(a). Depois, porque as experiências delas são realmente complicadas de com-preender. Ver a maneira como as mulheres enxergam a própria si-tuação, ou quanta brutalidade um homem é capaz de cometer – e é muita - impressiona.

Por isso, no Centro de Apoio às Vítimas de Crime (CAV Crime), hoje transformado em Centro de Referência e Assistência Social (CRAS), a equipe de atendimento diz que o segredo é não se en-volver. “Nós estamos aqui para ajudar, encaminhar, e não para julgar. Não podemos fazer nenhum juízo de valor sobre a pessoa que vem procurar ajuda, pois se você faz isso, prejudica o acompa-nhamento, até porque elas chegam com um desgaste emocional muito grande, e é preciso saber lidar. Seja nos Centros de Refe-rência ou nas delegacias, a imparcialidade é a característica mais importante na conduta de quem atende uma vítima de violência”, conta a ex-coordenadora técnica do CAV, e assistente social, Ma-ricelly Costa.

Quando o CAV ainda funcionava exclusivamente para as vítimas

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de crimes, uma equipe de vários profissionais, entre psicólogos e advogados, era a responsável pelo atendimento. Em se tratando de vítimas de violência, as mulheres em situações mais difíceis eram encaminhadas para uma casa-abrigo, como aquela que Janaína re-cusou na Central de Polícia. O CAV atuava principalmente como mediador entre esse refúgio secreto e as mulheres que precisavam de ajuda. Ele funcionou por 10 anos em Maceió, sendo 9 em um prédio no bairro do Poço, e o último ano na sede do antigo hotel Beiriz, na Rua do Sol. O prédio ainda existe, mas desde o dia 27 de novembro de 2011, tem apenas salas vazias no primeiro andar.

Segundo a Superintendência de Promoção de Políticas para a Cidadania e Direitos Humanos, o espaço está sendo preparado para abrigar um Centro de Referência Social, que deve atender também vitimas de crime. “Também” porque, como centro de referência, ele vai prestar assistência a todos os casos de violação de direitos. A decisão de tansformar o CAV em CRAS, de acordo com a Superintendência, foi da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, e não deve prejudicar o atendimento às vítimas de violência, como as mulheres.

“Todos os casos de violência doméstica que vinham sendo acompanhados até março do ano passado (2010), quando a Se-cretaria de Direitos Humanos anunciou o fechamento do Centro, foram encerrados ou transferidos para os outros pontos de aten-dimento, como o Centro de Referência Dra Terezinha Ramires, ou o Núcleo de Combate à Violência Doméstica da OAB. Nenhuma vítima ficou desassistida”, garantiu a superintendente Hélia Paz.

Para o movimento feminista, a transformação do CAV em Cen-tro de referência é um retrocesso, mesmo com as promessas de que não vai haver prejuízos para as vítimas atendidas. Extraoficial-mente, o que se diz é que o fechamento aconteceu por falta de interesse do Governo do Estado, que não deu a contrapartida para manter a estrutura do antigo hotel Beiriz.

CAPÍTULO 2

AMOR QUEMATA“Ele puxou a arma da sacola e atirou em mim; veja bem, a sacola que car-reguei o caminho todo, sem saber o que tinha dentro. Atirou e voltou para o lugar.

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AMOR QUE MATA

O MOVIMENTO na rua era quase normal quando a polícia dei-xou a casa 103, em cima da padaria. Quase, porque ainda havia gente na calçada comentando o que aconteceu. Dentro da casa, irmãs, cunhados, primos, filhos e sobrinhos se espremiam no sofá, em silêncio, tentando decidir o que fazer.

“Não dá para acreditar, sabe. A gente tenta entender o que aconteceu e não consegue, não faz sentido”, diz o filho mais ve-lho, como quem pede desculpas pelo silêncio. A coisa toda come-çou com ele, bem cedinho naquele dia, na hora em que costumava chegar à casa da mãe para abrir a padaria.

A família vivia no número 103 há uns 30 anos. Andréia e Geraldo haviam comprado a casa com a padaria e tudo, para facilitar as coisas. “Assim ninguém precisava ficar longe dos filhos”, conta o mais velho de quatro homens. Ele só conhece 20 dos 30 anos de casamento dos pais, mas diz que as brigas existiram desde sempre, geralmente por causa de álcool. “Aquelas coisas de marido que bebe e acha tudo ruim. Quando estava sóbrio, ele não tinha por que brigar. Aliás, motivo, mesmo, não tinha nem quando estava bêbado. Mas bêbado briga por tudo, não é?”, diz o menino, ten-tando explicar.

Naquela semana, Geraldo tinha bebido mais do que devia. Os vizinhos sabiam dizer exatamente a hora e o motivo, porque quan-do o homem gritava, não havia discrição – a rua inteira participava da briga. “Mas ninguém imaginava que fosse acabar em alguma coisa séria, já que volta e meia ele fazia isso”, diz o filho mais ve-lho. “Eles brigavam, mas no outro dia faziam as pazes. Até men-sagem de celular ele mandava para ela, dizendo que a amava, que não queria mal. A gente via e achava que vida de casal era assim mesmo”.

Mas não era. Quando chegou para abrir a padaria, às 5h da ma-nhã, o menino encontrou o pai desmaiado na escada, uma garrafa de cachaça na mão e uma poça de sangue na calça. “Pensei que fosse dele, pensei que tinha morrido, e corri para o quarto para

chamar minha mãe. Aí entendi de onde vinha o sangue”.No jornal do sábado, a família não deixou publicar foto de An-

dréia. “É uma falta de respeito”, disse uma tia. “Mal dá para ver que é ela”. Os jornalistas disseram que Geraldo foi interna-do em coma alcoólico, e quando acordou, não sabia explicar o que tinha feito. Na verdade, nem a família sabia, porque apesar da agressividade da briga do dia anterior, ele havia mandado uma das mensagens de texto habituais com declarações de amor, pedidos de desculpa, “aquelas coisas de casal que faz as pazes”, como contou uma irmã.

Mas o menino mais velho lembrava-se de tudo muito bem. Logo cedo, às 5h da manhã, ele deveria ter subido na casa da mãe, apa-nhado a chave da padaria, subido as telas de proteção, ligado as fornalhas e separado as bandejas de pão para assar. Mas quando subiu, encontrou o pai desmaiado na escada, e a cama da mãe cheia de sangue, no quarto. “O sangue da calça dele era dela. O sangue e a orelha, que ele guardou sabe Deus por quê”, ele con-ta, sacudindo um arrepio do corpo.

As irmãs que se espremiam no sofá também não entendiam o que tinha acontecido. “Ele mandou uma mensagem para ela, ontem, falando de amor”, repetiam. Todo mundo relembrava as brigas assistidas semana por semana, procurando uma explicação, mas a verdade, que ficou escondida no silêncio da sala, não tinha nada de lógica. Ninguém disse, mas Geraldo provavelmente acha-va que tinha cometido um excesso. Como em quase todos os casos de violência contra a mulher, o homem fez o que fez para “dar uma lição”, “um susto”, “um corretivo”. “Eram só uns ta-pas”, disse ele aos enfermeiros, depois que acordou no hospital.

Andréia também achava que os tapas seriam os últimos. Tan-to que, como explicou a família, ainda espremida no sofá, nunca pensou em colocar o marido para fora de casa. “Quando a gente ama, é assim mesmo, aceita tudo, esquece as brigas, porque bom é ficar perto da pessoa amada”, diz uma irmã. Ela também lamenta

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a morte da outra, mas a sua tristeza é quase um gesto de solida-riedade. No meio da sala, naquele silêncio sem explicação e sem lógica, ela conta que também apanhava do companheiro, e por pouco não acabou como a irmã.

“A gente tinha ido à praia, tomar sol, e estava deitado na areia quando ele puxou a arma da sacola para atirar em mim. Eu não sa-bia que tinha uma arma na sacola; carreguei ela de casa até a praia sem imaginar o que tinha dentro”, diz a mulher. “Levei um tiro no braço porque não queria ter relações com ele, ali, na areia. Eu disse “espera pelo menos a gente chegar em casa”, mas ele não ouviu. Tirou a arma da sacola e atirou; depois guardou de novo e voltou pro lugar. Eu carreguei a sacola o caminho inteiro, veja bem, e nem sabia o que tinha dentro”.

Em 2010, situações como essa se repetiram quase cinco mil vezes nas delegacias especiali-

zadas, por todo o Estado. Na sua sala, no Salva-dor Lyra, a delegada Maria Angelita diz que elas acontecem, principalmente, porque as vítimas são extremamente depen-dentes dos agressores, tanto no plano emocional quanto no econômico. “São situações muito delicadas. Há mulheres que se habituaram a ver o marido sustentando a família, e não se imaginam ou não conseguem assumir esse papel; e há aquelas que se submetem à violência por medo dos filhos – é quando a situação é ainda mais delicada, porque mesmo fragilizadas, elas têm medo de desestruturar a família se o homem for preso, e acabam suportando as agressões por vários anos”, explica Angelita.

Mas nem só com amor e dinheiro se explica o problema da violência doméstica. Em 1832, o Código Penal Brasileiro che-gou a despenalizar os crimes de homicídio cometidos contra mulheres adúlteras. Mais tarde, nos anos 1980, o movimento feminista de São Paulo passou a defender a cultura de sub-

missão, e não a dependência econômica ou emocional, como causa do silêncio das vítimas agredidas.

O primeiro caso de violência contra a mulher com grande repercussão, no Brasil, mostrou exatamente isso. Aconteceu em São Paulo, em meados dos anos 1980. Ela era uma mulher de classe média alta. Ele, um professor universitário. Quan-do as agressões chegaram ao extremo, a mulher usou uma carta aberta para denunciar o caso à sociedade, e abriu uma janela até então muito bem lacrada no cotidiano das famílias brasileiras. Depois desse episódio, o então recém-criado SOS Mulher, que atendia as vítimas de violência na capital paulis-ta, recebeu 700 denúncias em menos de um ano.

A partir desse dia, a violência doméstica contra a mulher passou a ser vista como resultado de anos de opressão cul-tural e social. As agressões saíram do plano econômico que as restringiam às classes sociais mais baixas, para ocupar os lugares mais distintos da pirâmide social. Hoje, se sabe que a violência doméstica não escolhe endereço nem conta ban-cária, e é ainda pior quando acontece entre a “alta socieda-de”, porque nela, as vítimas têm ainda mais motivos para ter medo de ir à delegacia. Nesses casos, para elas, revelar a agressão é se expor além do permitido.

Outro fato que vai além da dependência financeira como explicação para os índices de violência é a ascensão da mu-lher no mercado de trabalho. Hoje, mais do que nunca, elas estão deixando a posição de mães-esposas para assumir seu

“A história da condição da mulher brasileira não foge à regra universal de opressão da população feminina ao longo dos tempos. No Brasil Colônia, índias, brancas e negras já exploradas pela população masculina, obriga-das a servir ao pai, ao patrão e ao marido, manipuladas pela Igreja”. (TELES, 1993, p.10)

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AMOR QUE MATA

fez igual? É coisa de amor, moça. E de amor, só entende quem ama”.

lugar nas grandes empresas e corporações, portanto, perfei-tamente capazes de sustentar a própria família, e de se liber-tarem do convívio com o agressor.

Levando em consideração todos os investimentos que vêm sendo feitos nesse tipo de mão de obra, é pou-co provável que a maioria das mulheres ainda tenha medo de não conseguir arcar com o próprio sustento se os companheiros forem presos ou obrigados a deixar a família. Ainda assim, elas continuam ca-ladas, e continuam, acima de tudo, ligadas aos agressores por algum tipo de dependência.

No sofá da casa de Andreia e Geraldo, a família chama essa dependência de amor; por isso diz que não consegue explicar o assassinato. Em certo momento, depois de muito discutir, alguns sobrinhos arriscam um palpite diferente, e vêem as mensagens de celular enviadas na véspera do crime como prova de preme-ditação. “Ele estava preparando o terreno, para ela pensar que não ia acontecer nada demais, e deixá-lo dormir em casa naquela noite”, acusa uma das sobrinhas mais novas.

Por um momento, os outros sobrinhos, primos e irmãos pa-recem aceitar a ideia, mas a impressão dura pouco. Para a irmã que dividia com Andréia a mesma rotina de tapas e beijos, aquilo ainda era culpa do amor. Não fosse o amor, ela diz, a outra já te-ria colocado o marido para fora há muito tempo. Por causa dele – continua – Geraldo ia dormir em casa de qualquer jeito, com ou sem mensagem de texto. “É culpa do amor”, diz a mulher, se justificando. “Comigo foi a mesma coisa. Botei meu companhei-ro para fora, depois do tiro, mas até hoje espero ele me ligar para dizer que me quer de volta. O que eu vou dizer de alguém que

Em 2011, a rede Wallmart lançou o programa +Mulher360, pelo empoderamento da mão de obra feminina. A meta é, principalmente, valorizar a ima-gem da mulher no mercado

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QUEM MATA E POR QUÊ

CAPÍTULO 3

QUEM MATA E POR QUÊ“Mesmo que ele vá preso, um dia a pena vai ter fim, e a polícia vai deixá-lo voltar para a rua, para nos atormentar. E aí, quando esse dia chegar, o que a gente faz?...”

ERA para ser um susto. Um jeito de mostrar que ele é quem es-tava no comando, mesmo que não fossem mais namorados. “Se não vai ser minha, não vai ser de mais ninguém”, disse o menino, e atirou três vezes contra a ex, na porta do trabalho, no meio do expediente.

Faz dois anos, mas em casa, ninguém diz o nome dele. A história quem conta é a tia, que cuida da menina, porque ela sobreviveu aos tiros, mas o rosto ficou agredido para sempre. As balas que-braram os ossos do maxilar, machucaram o queixo e os lábios, sem falar nas duas perfurações na cabeça. Ela fala, mas não sobre isso. “É ruim demais”, diz a tia, meio explicando, meio pedindo desculpas.

Elaine e o menino se conheceram depois que ela passou em um concurso público e foi trabalhar em Marechal Deodoro (AL). O relacionamento foi ficando sério e agressivo, e sem aguentar a atitude do namorado, ela terminou. A tia conta que as agressões vinham de todo jeito. “Ele era ciumento, não a deixava sair sozi-nha, ou com amigos que ele não gostasse. Controlava até as men-sagens e as ligações do celular”, lembra.

Um dia, no intervalo do almoço, Elaine encontrou o menino esperando por ela. Vamos conversar, ele disse, e a puxou para um canto mais afastado, esperando o vai e vêm da rua ficar menor. Eles discutiram. Ele descobriu que ela estava saindo com outra pessoa, um homem melhor, disparou, que me trata com mais respeito.

Havia um portão de ferro fechado, e um segurança em algum lugar dentro da empresa. Havia gente passando na rua, na outra esquina do prédio, e alguém, em casa, esperando Elaine chegar. Mas não havia ninguém esperando os tiros que saíram do revólver calibre 38, apontado para a boca e a cabeça da ex-namorada. “É para você saber que, se não vai ser minha, não vai ser de mais nin-guém”, ele disse. E saiu.

Elaine ficou ali, no portão. O barulho do tiro chamou a atenção

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do segurança, que correu para a calçada, e da gente que passava na rua, na outra ponta do muro. Falando ao mesmo tempo, per-guntando pela saúde da menina, pelo acontecido, “Por que, Deus do Céu?”, eles chamaram uma ambulância, e ela foi levada para o Hospital Geral do Estado (HGE), em Maceió.

Apesar das balas, a cabeça escapou. A boca levou meses e mui-tas cirurgias para se recuperar. Ainda hoje não está totalmente boa; como a menina, ela talvez nunca volte a ser o que era. “Elai-ne não trabalha mais. Não estuda, não quer sair de casa. Passa o dia todo zanzando de um quarto para o outro”, conta a tia, tris-te, com pena. Pergunto se não pensa em procurar a polícia, e ela diz que tem medo. “Ele é amigo de gente influente de Marechal, você acha que vai ficar preso muito tempo?”, ela me pergunta de volta. Eu não sei, gostaria que sim.

“Ainda que fosse um Zé Ninguém, prisão nenhuma dura a vida toda. Um dia ela vai ter fim, e a polícia vai deixá-lo voltar para a rua, para nos atormentar. E aí, quando esse dia chegar, o que a gente vai fazer?”, continua. Marechal é pequena, todo mundo conhece todo mundo. Em lugares assim, viver escondido é como ganhar na loteria. E depois daquele dia no trabalho, Elai-ne não quer apostar. “Ela poderia viver numa casa-abrigo, pelo menos por um tempo”, eu digo. A tia parece considerar a ideia por um momento, mas logo desiste. “Não dá, sabe. Ela vai estar presa do mesmo jeito, sem poder sair nem se comunicar. Aqui, pelo menos está em casa. E a casa da gente é sempre melhor”.

Explicar o que leva uma mulher a aceitar um relacionamento

violento é complicado, mas não é tão difícil quanto tentar enten-der o que leva um homem a provocar essa violência. À frente do Conselho Municipal da Condição Feminina, a presidente Eulina Neta diz que a culpa é da cultura; da mania que os homens têm de achar que são donos das mulheres, e que podem fazer com elas o que bem quiserem. “É um sentimento de posse muito grande. Eles realmente acreditam naquela história de “se não for minha não vai ser de mais ninguém”, como se as mulheres fossem uma propriedade. E o mais engraçado é que isso transparece nos me-nores gestos, geralmente no início do relacionamento, mas quase ninguém percebe – ou não quer perceber”, conta Eulina.

Pequenos gestos. Quando penso em violência contra a mulher, penso em agressões como as de Pedro e Janaína, ou como a da própria Elaine, de Marechal Deodoro. A ideia envolve quase sem-pre um ato extremo, uma violência física daquelas que fazem a gente pensar “mas por que a situação chegou àquele ponto?”. O problema é que há mais casos de violência escondidos no dia a dia dos relacionamentos do que os nossos olhos querem ver. E é justamente neles que está a resposta.

Palavrões, gritos, beliscões; excesso de controle e de pos-sessividade: isso também é violência. Isso constrói a rotina da violência. E uma mulher que se permite entregar a a ela dificilmente terá condições de transpor essa realidade. “São os pequenos gestos, entende? Um beliscão, uma palavra dita mais alta, com agressividade. Ter raiva, se exaltar durante uma discussão, é normal. Mas fazer disso uma rotina é errado, e se submeter a essa rotina, não perceber ou fechar os olhos para esses sinais, é ainda pior. Infelizmente, é isso o que acontece com muitas mulheres”, diz Eulina, repetindo as frases para reforçar sua teoria.

Na hora da cobertura policial de rotina, os olhos fechados ren-dem notícias. A agressividade masculina, sem limite e sem razão, vira manchete, choca, surpreende. Como no caso da doméstica

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Simone Santana de Souza, de 23 anos. Em julho do ano passado, ela foi agredida com um botijão de gás, na cabeça, enquanto dormia. O ex-marido descobriu que Simone havia começado um novo relacionamento, e bêbado, foi à casa dela tirar satisfações. Ele não se importou que a ex-mulher estivesse dormindo, que os filhos estivessem com ela, na sala, nem que o novo relaciona-mento não lhe dissesse mais respeito. O homem largou o botijão, mirando bem na cabeça, e fugiu. Desorientada, sangrando muito, e tentando acalmar os filhos, Simone conseguiu caminhar até a rua e pedir socorro. Ela ficou três dias internada na emergência do HGE, mas não resistiu e morreu.

Cinco meses depois, a cabeleireira Priscila Amanda da Sil-

29/02/12 Gazeta de Alagoas - Evoluindo a informação

1/1gazetaweb.globo.com/gazetadealagoas/imprimir.php?c=168540

Edição do dia 31 de julho de 2010

Simone Santos foi atingida na cabeça por um botijão de gás,enquanto Maria Lúcia Soares recebeu marteladas do companheiro

Mulheres são alvo da fúria dos maridosPor: | LÁZARO CALHEIROS * - Estagiário

Duas histórias de violência contra mulheres chocaram os moradores dos bairros daLevada e da Chã da Jaqueira. O primeiro caso aconteceu com a vítima Simone dosSantos de Souza, de 23 anos, que mora no bairro da Levada. Ela foi agredida nacabeça pelo ex-marido com um botijão de gás.

Segundo a polícia, o ex-marido de Simone, José Daniel de Freitas, por ciúmes,arremessou um botijão de gás na cabeça da vítima.

Simone dos Santos sofreu traumatismo craniano e está internada no Hospital Geral doEstado (HGE), em estado de saúde gravíssimo. José Daniel está foragido.

O segundo caso de violência aconteceu com a dona de casa Maria Lúcia Soares dosSantos, que mora na Chã da Jaqueira. Ela foi agredida a marteladas pelo marido, queestava drogado. Maria Lúcia foi levada para o HGE e passa bem.

*Sob supervisão da editoria de Cidades

Leia mais na versão impressa

va, de 21 anos, levou três tiros do ex-marido, José Eurico dos Santos Júnior, depois que ele descobriu seu novo namorado. Priscila estava caminhando em direção ao salão onde traba-lhava, na Avenida Rotary, quando foi surpreendida por José Eurico. Ela morreu na emergência do HGE, duas semanas após o crime. Ele fugiu.

“A verdade é que a revolução sexual aconteceu mais nos livros que na vida real”, diz o psicólogo e professor Franklin Bezerra. “Ainda hoje há uma diferença muito grande, tanto psicológi-ca como emocional, entre homens e mulheres. E eles continuam agindo como se fossem superiores, sufocando a existência femini-na dentro de uma cultura machista e chauvinista, que é a grande

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causa da violência contra a mulher”.Coordenador do laboratório de psicologia do Centro Universitá-

rio Cesmac, Franklin Bezerra é referência no estudo de psicopatas. Chamá-lo para uma entrevista, a princípio, pareceu exagerado, já que estaríamos falando sobre maridos, namorados e ex-compa-nheiros, e sua relação com as mulheres. Mas depois, pensando bem, não tem a violência de gênero um quê de psicopatia? Se não fosse assim, por qual nome deveríamos chamar homens como Pe-dro, Geraldo e José Eurico, capazes de matar por ciúme, ferir para dar o troco?

O professor Franklin diz que eles agem assim para se auto afir-mar como os “donos” da relação. “Quando a mulher está em um mesmo nível de maturidade ou mesmo de intelectualidade que o homem, a convivência pode ser harmoniosa. Mas a partir do momento em que ele percebe que ela evoluiu, que começou a crescer, seja emocionalmente ou economicamente, ele se sente intimidado. É como se a sua posição de controle fosse prejudi-cada, ou mesmo ameaçada, e aí começa a violência. Em outras palavras, os homens agem como se precisassem minimizar as mulheres para se sentirem superiores”, argumenta.

Até 1980, a mulher brasileira se mantinha calada frente à violência doméstica. As feministas falavam

de violência física e sexual, mas não tinham casos concretos para mostrar como exemplo. Por isso, jornalistas e lideranças de esquerda alegavam que elas apenas copiavam as mulheres européias, porque “lá, sim, é que tinha esse tipo de violên-cia” (TELES, 1993, p.131).

“Hoje, no Primeiro Mundo, a igualdade social e emocional en-tre homens e mulheres é bem maior. A posição cultural e econô-mica é quase a mesma, então você realmente vê mulheres agindo como predadoras, donas do próprio corpo e do próprio destino.

Elas competem, literalmente, com o universo masculino, e isso in-comoda tanto ou mais do que em países latino-americanos, como o Brasil, nos quais a revolução sexual aconteceu mais no plano ideológico que no real. Por isso, na Europa, os índices de violência doméstica são bem maiores. Lá, o terror acontece dentro da famí-lia. As mulheres alcançaram a posição igualitária que queriam, mas até hoje pagam um preço alto por isso”, diz o professor Franklin.

“Sabe por que as guardas compartilhadas são problemáticas, e as mulheres com filhos sofrem ainda mais nas mãos dos ex-com-panheiros? É pelo sentimento de posse”, continua o professor, a voz abafada pelo telefone. “Nessas situações, eles pensam mais ou menos assim: ‘se você tem um filho meu, eu tenho direito de lhe infernizar’. Essa cultura é algo extremamente difícil de mudar. Sinceramente, mesmo com todos os avanços do ponto de vista da legislação, ainda acho que a sociedade vai ser assim por um bom tempo”, conclui.

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A LEI É SUFICIENTE?

CAPÍTULO 4

A LEI ÉSUFICIENTE?“Os avanços formais têm encontrado muita resistência à sua efetivação. E as políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres têm apresentado mudanças muito lentas”

A LEI Maria da Penha incluiu a violência contra a mulher na pau-ta de discussões da sociedade e da Justiça. Desde 07 de agosto de 2006, ela possibilitou a criação de juizados especiais, delegacias, centros de referência e de acolhimento às mulheres, além de abrir caminho para uma série de investimentos em programas de forta-lecimento da figura feminina, tanto no mercado de trabalho como

na sociedade em geral.

O QUE DIZ A LEI?

Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura vio-lência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou pa-trimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comu-nidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agres-sor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independen-temente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste ar-tigo independem de orientação sexual.

Art. 6o A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.

CAPÍTULO II - DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

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“Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar con-tra a mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer con-duta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto--estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desen-volvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vi-gilância constante, perseguição contumaz, insulto, chanta-gem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a uti-lizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao ma-trimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas ne-cessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.”

No entanto, quando se fala em combater a violência doméstica e familiar, os avanços alcançados com a vigência da legislação foram bem menos significativos. Parte disso se deve à burocracia e falta de interesse dos Estados, que atrasam ou dificultam a implantação real de políticas públicas para mulheres – o que acaba resultando em um número expressivo de casos de violência, quase sempre assassinatos.

Segundo a presidente da Comissão Mista Parlamentar de Inqué-rito (CPMI) da Violência Contra a Mulher, deputada Jô Moraes, Ala-goas é o estado brasileiro com os maiores indicadores negativos nessa questão. Em termos de ocorrências de violência, ele só perde para o Espírito Santo.

“O principal elemento colocado para a não aplicação da lei é o machismo enraizado na sociedade, e mecanismos como o descrédito na fala da mulher sobre ameaças e vio-lência sofridas. O desespero vira motivo de deboche. Amea-ças são mortes anunciadas” (Secretária de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República. Jornal do Brasil, 08/10/10).

Segundo informações divulgadas pelo Governo Federal em ja-neiro de 2011, as ações para efetivação da Lei Maria da Penha tiveram investimento de R$ 32,3 milhões nos últimos quatro anos, com ações em 23 estados e no Distrito Federal. Os recursos foram usados para criação e ampliação dos juizados de violência domés-tica e familiar contra a mulher, núcleos especializados de aten-dimento à mulher da Defensoria Pública, promotorias e núcleos especializados do Ministério Público.

Levantamentos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) registram que, até junho de 2010, foram abertos mais de 300 mil inquéritos a partir da aplicação da Lei Maria da Penha, em todo o Brasil. (http://leimariadapenha.com.br)

APARECIDA GONÇALVES

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A LEI É SUFICIENTE?

O que se pode concluir é que, mesmo com a aplicação da Lei, o número de casos de agressão que fogem ao alcance da Justiça ainda é muito alto. De acordo com o último censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Alagoas tem pouco mais de três milhões de habitantes, dos quais 1,6 milhão são mulheres. Mas o Estado só possui uma Casa-Abrigo destinada a abrigar vítimas de violência, e no interior, não há delegacias es-pecializadas nesse tipo de atendimento.

Com um suporte legal a seu favor, mas sem meios de chegar até ele, os casos acontecem silenciosamente, todos os dias, e só chegam ao conhecimento público por meio de estatísticas – as mesmas que, nos últimos anos, contribuíram para colocar Alagoas no topo dos piores rankings de indicadores sociais. No interior, a violência faz vítimas que o Estado sabe que existem, mas que não pode contar. Pensar em políticas públicas para elas é como tentar

atender a um público sem rosto.

O que se tem visto é que os avanços formais têm encontrado muitas resistências para sua efetivação, e as

políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres têm apresentado mudanças muito lentas, especialmente em seto-res como a polícia e a Justiça. (Observatório da Lei Maria da Penha, UFBA, 2010).

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EPÍLOGORUA ANTÔNIO DE SOUZA BRAGA, SALVADOR LYRA

EPÍLOGO

A delegacia está cheia de mulheres. Ao contrário da unidade I, que fica no Centro, essa foi instalada em uma casa antiga. De al-gum modo, isso nos faz sentir menos desconfortáveis por estar ali, mas não elimina o mal estar. O que eu ia perguntar àquelas pesso-as? Como eu ia explicar que estava fazendo uma reportagem, que não mostraria o seu rosto, só estava ali pela história? Que direitos, com um gravador na mão e um crachá no pescoço, eu tinha, de in-vadir as histórias daquelas mulheres e tornar tudo público, traduzi-do em uma matéria de domingo, a notícia velha da segunda-feira?

Meu primeiro contato com o tema da violência doméstica foi em janeiro de 2011, quando um release do Hospital Geral do Esta-do, sobre o número crescente de vítimas em Maceió, me chamou a atenção. Na mesma semana, sugeri a pauta para a página de Universidades de O JORNAL, e com a aprovação da edição-geral, comecei minha busca por personagens nas delegacias.

Entrevistar vítimas de violência é difícil; nem sempre elas estão dispostas a contar tudo o que viveram. E nem sempre estamos prontos para ouvir as histórias sem julgar, sem atrapalhar o dis-curso. Durante a semana que passei produzindo a matéria para o domingo, ouvi muitas delas, e até hoje não sei se estava pronta. Na delegacia do bairro Salvador Lyra, a delegada Maria Angelita, e a chefe de serviço, Gilvânia, foram fundamentais para intermediar as conversas com as personagens. Elas próprias, entre um atendi-mento e outro, contaram muitas histórias que foram aproveitadas neste trabalho.

A maior parte das entrevistas foram feitas pessoalmente, ou du-rante a semana de produção, ou durante a cobertura de outros casos de violência, que fiz para O JORNAL. Algumas delas foram extremamente difíceis, como a de Andreia e Geraldo, que ilustram o capítulo dois, mas nenhuma me emocionou mais do que a de Elaine, de Marechal Deodoro, e seu ex-namorado cujo nome ela não diz. Foi a única personagem que entrevistei por telefone, den-tro da redação, porque ela mesma não podia sair de casa, e a tia

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não tinha ninguém para deixar lhe fazendo companhia, enquanto vinha a Maceió conversar comigo. Terminei a entrevista chorando, e percebi que uma única página no jornal de domingo era pouco para tentar entender e traduzir o que era a rotina daquelas mulhe-res vítimas de violência. Foi daí que surgiu a ideia de escrever um livro-reportagem como Trabalho de Conclusão de Curso.

Meu objetivo, quando imaginei o livro, era mostrar o que é vio-lência doméstica, e usar as histórias das personagens para analisar o que realmente mudou para elas, depois da Lei Maria da Penha. Agora, com ele completo, posso dizer que a mudança aconteceu também em mim, na maneira de ver a diferença entre o que as mulheres representam na nossa sociedade, e aquilo que elas foram treinadas para representar. É preciso muito mais que uma nova legislação para fazer minimizar essa diferença, e dar às mulheres o direito sobre a própria liberdade. É preciso mudar, e o primeiro passo para promover essa mudança é falar sobre isso.

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Cinco anos após a criação da Lei Maria da Penha, a mulher de um traficante, uma funcionária pública de Marechal Deodoro e a proprietária de uma padaria, de Ma-ceió, mostram que - apesar dos avanços conquistados a partir da legislação - ain-da há muito o que mudar para combater, de fato, a cultura da violência doméstica em Alagoas.

MACEIÓ . ALAGOAS . 2012