Além das evidências

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Alana Araji Copyright © 2016 by Novo Século Editora Ltda.

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TALENTOS DA LITERATURA BRASILEIRA

São Paulo, 2016

ALÉM DAS EVIDÊNCIAS

Alana Araji

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Além das evidênciasCopyright © 2016 by Alana ArajiCopyright © 2016 by Novo Século Editora Ltda.

gerente editorial

Lindsay Gois

aquisições

Cleber Vasconcelos

editorial

João Paulo PutiniNair FerrazRebeca LacerdaVitor Donofrio

auxiliar de produção

Emily Reis

preparação

Alessandra Miranda de Sá

diagramação

Nair Ferraz

revisão

Fernanda GuerrieroVãnia Valente

capa

Dimitry Uziel

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)(Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)

Araji, AlanaAlém das evidências/ Alana Araji.Barueri, SP: Novo Século Editora, 2015. (coleção talentos da literatura brasileira)

1. Ficção brasileira I. Título. II. Série.

15-xxxxx cdd-xxx.x

Índice para catálogo sistemático:1. Ficção: Literatura brasileira xxx.x

novo século editora ltda.Alameda Araguaia, 2190 – Bloco A – 11o andar – Conjunto 1111 cep 06455-000 – Alphaville Industrial, Barueri – sp – BrasilTel.: (11) 3699-7107 | Fax: (11) 3699-7323www.novoseculo.com.br | [email protected]

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990), em vigor desde 10 de janeiro de 2009.

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Dedico a uma das pessoas que mais amo nessa vida; além de ser uma guerreira, sempre será minha heroína: minha mãe Silvana.

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AGRADECIMENTOSCerto dia, cheguei ao trabalho toda alegre, dizendo que

iria escrever um livro. Naquele momento, minhas amigas riram de mim e disseram que eu estava louca. Então falei que tive um sonho, e que esse sonho me mostrou a história inteira. Logo que acabei de contar, elas ficaram empolgadas e disseram que poderia dar certo. Comecei a ter ideias de como começar a narrativa e, no ambiente de trabalho mes-mo, passei a escrever em folhas de papel sulfite. Posso dizer que Além das evidências foi escrito quase por completo na lo-térica em que trabalho.

Não posso deixar de agradecer à minha gerente Nury, que nunca fez vista grossa comigo e, em alguns momentos, até tirou algumas dúvidas minhas. Claro que meu patrão também tem muito crédito, pois ele jamais me proibiu de escrever enquanto eu trabalhava. Obrigada, João Paulo.

Tenho que agradecer a muitas pessoas, mas há alguém em especial: meu irmão Ryan. Logo que contei a história a

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ele, nossa, acho que ele ficou mais feliz que eu. Ryan, obriga-da por acreditar tanto em mim.

Agradecer a minha grande amiga Renata, ela me encora-jou muito e sei que estará ao meu lado sempre que eu precisar. Ah, não posso me esquecer, é claro, das duas pessoas que fi-caram sabendo de tudo em primeira mão: Cassia e Franciane, que me encorajaram a escrever. Isso contou muito para mim. Enfim, obrigada a todos que ficaram durante os oito meses de produção me ouvindo falar deste livro. E, desde já, agradeço a vocês que irão ler. Isso é muito importante para mim.

PRIMEIRO ENCONTRO

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PRIMEIRO ENCONTRO

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O relógiO marcava 6h30. Fiquei deitada mais alguns minutos. Com o corpo ainda adormecido, levantei e coloquei a banheira para encher. Depois de um longo banho, renovei minhas forças. Quando cheguei à cozinha, Su já preparava meu café. Vi que ela discutia com alguém ao telefone, mas, ao notar minha presença, desligou rapidamente.

– Bom dia, Beatrice. Dormiu bem?– Bom dia, Su. Havia muito tempo eu não dormia tão bem. Não entrei no assunto do telefonema. Se fosse algo do

meu interesse, ela me diria. Su já trabalhava para minha família havia muito tempo, ela me viu crescer. Quando saí da casa dos meus pais, minha mãe a obrigou a vir comigo e, desde então, ali estava ela. Tomei café e comi algumas torradas. Dei uma folheada no jornal, mas nada me interessou muito, até notar que uma página inteira fora dedicada ao jantar beneficente da família Collyns, que aconteceria naquela noi-te. Doeu meu estômago pensar que havia deixado Samantha me convencer a ir a esse jantar. Com isso, lembrei que tinha

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de buscar meu vestido na Butique do Paul. Mesmo sendo obrigada a ir, não poderia me vestir mal.

– Su, peça para o Adam buscar meu vestido no Paul no fim da tarde. Ele está ajudando minha mãe com alguma coi-sa. Não entrei em detalhes… Você sabe como ela é.

– Claro, Beatrice. Você vai dirigindo para o escritório hoje? – Sim. Pretendo sair mais cedo para ir ao cabeleireiro,

então pode dizer ao Adam que ele está livre de mim – disse a ela sorrindo.

Adam também estava comigo havia muito tempo. Ele era motorista da minha mãe, porém ela o tinha obrigado a vir comigo, mas, qualquer coisa de que ela precisasse, rapida-mente ele estava lá para atendê-la.

Com minha resposta, Su saiu da cozinha e eu continuei ali por mais alguns instantes. Eram quase nove da manhã, e eu tinha uma reunião às 10h30. Terminei meu café, peguei minha bolsa e desci para a garagem. Havia três mensagens no celular. A primeira era de meu irmão dizendo que tinha se apaixonado e queria me apresentar sua futura esposa. Nossa, já era a terceira vez que ele se apaixonava só naquele mês. A outra era da minha mãe informando que Adam iria voltar somente no período da tarde. Isso eu já imaginava. Não entendi a última mensagem: a pessoa apenas respirou fundo, como se quisesse dizer algo, mas não conseguisse. Em seguida, desligou. Estranho.

O trânsito estava bom. Mesmo Santa Monica sendo um pouco longe de Los Angeles, preferia assim. Meus pais já tinham me pedido para mudar, mas eu gostava da tranquilidade dali e passava a maior parte do meu tempo em Los Angeles. Precisava

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de um lugar calmo para esquecer a correria do dia a dia. Logo que apareci no elevador, Nicole veio ao meu encontro.

– Bom dia, Bia. Aqui está um resumo do acordo, se pre-cisar. Todos já estão na sala de reuniões aguardando você.

Eu a contratei havia três anos e, desde então, ela fizera por merecer o cargo de minha assistente. Não via mais aque-le escritório sem sua presença.

– Obrigada, Nicole.Fui em direção à sala de reuniões, onde todos me espera-

vam. Ao entrar, cumprimentei os advogados e lhes entreguei os documentos para que seu cliente assinasse. Não demorou muito. Esse caso pertencia à Samantha, mas ela tinha uma audiência importante naquele dia, então me responsabilizei por fechar o acordo. Logo que assinaram, agradeci a todos e saí da sala. Ao passar pelo corredor, ouvi Nicole desmar-cando algumas reuniões de Samantha. Ela precisava de uma assistente com urgência; já tinha lhe pedido que contratasse alguém, mas não havia adiantado.

Ao entrar na minha sala, vi a mesa lotada com pastas e arquivos. Revisei alguns e coloquei outros de lado. Então, meus pensamentos se voltaram para ele novamente. Mesmo conformada com o término do meu noivado, ainda pensava em como seria se estivéssemos juntos. Já tinham se passa-do três anos desde que ele me deixara; mesmo assim, ainda pensava nos momentos que havíamos passado juntos. Sofri bastante com o rompimento não por ele ter me deixado, mas pelos motivos que o levaram a fazer isso. Assim, minha men-te voltou no tempo, mais precisamente ao último dia que nos vimos e ele me deixou.

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– Beatrice, você é muito controladora. Não quero passar o resto da minha vida com uma mulher assim. Não consigo ver você como a mãe dos meus filhos.

Ao dizer isso, meu mundo desabou. Eu me senti impo-tente por não conseguir atacá-lo, e ele continuou:

– Bia, você não tem noção de espaço. Ou as coisas são do seu jeito, ou não servem. A vida a dois não é assim. Preciso do meu espaço. Ficamos esses nove anos juntos, mas foi um relacionamento unilateral.

– Depois de nove anos, só agora você notou isso? Jhona-tan, você sabe que o amo além dos limites. Tudo o que faço é por nós dois; não vamos terminar nossa história por isso. Prometo que vou melhorar; se isso o incomoda, eu mudo meu jeito para ficar ao seu lado.

– Não é assim tão fácil. Infelizmente, o tempo desgastou nosso relacionamento e com isso acabei me envolvendo com outra pessoa. Ela começou a me oferecer o que eu não tinha com você.

Enquanto ele dizia essas palavras, lágrimas escorriam pelo meu rosto, sem que eu conseguisse contê-las. Mesmo assim, ele continuava a falar sobre essa pessoa que o estava levando de mim; quanto mais ele me dizia, mais meu peito apertava e mais lágrimas caíam. Depois disso, Jhonatan me deixou, e nunca mais o vi nem mesmo ouvi falar seu nome.

Abandonei meus pensamentos quando Samantha inva-diu minha sala toda extasiada. Vi que ela tinha ganhado o caso. Éramos amigas desde a faculdade de Direito. Depois que nos formamos, decidimos virar sócias e abrir nosso próprio escritório. Começamos em uma pequena sala no subúrbio e

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aos poucos fomos conquistando território. Defendíamos ca-sos que ninguém aceitava, pois já os consideravam perdidos; assim, nossa credibilidade foi aumentando e, oito anos de-pois, com muito esforço e força de vontade, montamos nosso escritório no centro de Los Angeles. E havíamos nos tornado um dos maiores escritórios de advocacia daqui.

– Bia, eu venci! Acabei com eles na primeira oportunida-de. O advogado de acusação não teve nenhuma ação contra meus argumentos. Eu o esmaguei como se fosse uma formi-ga. – Assim ela foi detalhando cada parte do julgamento. A cada palavra, seus olhos brilhavam de orgulho. – Temos que comemorar minha vitória. Que tal irmos àquela boate nova? Não aceito uma recusa!

– Por acaso não temos compromisso para hoje? Com certeza, ela tinha se esquecido do jantar. Havia me

perturbado o mês todo por causa desse jantar e esquecera o dia dele. Eu não podia acreditar…

– Nossa, Bia, é verdade. Eu tinha me esquecido do jantar nos Collyns. Não tem problema, não faltarão oportunidades para comemorar. Como tive uma bela vitória, estou me dan-do o resto do dia de folga. Vou ao shopping comprar um belo vestido para hoje. Vamos juntas?

– Não, obrigada. Tenho que terminar de revisar essas apelações. Alguém nesta empresa tem que trabalhar. – Nós duas sorrimos. – E também já encomendei meu vestido com o Paul. – Ela fez uma careta logo que terminou de pronunciar o nome dele.

Paul, ex-namorado de Samantha, a deixara para assu-mir que era gay. Ela tinha ficado muito abalada com o fim do namoro, ainda mais pelo motivo que levou ao fim do

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relacionamento. Depois que terminaram, ela nunca mais ha-via falado com ele. Eu não fiquei do lado de nenhum dos dois e fui honesta em dizer que a amizade dele seria a mesma para mim. Além do mais, ele era dono de umas das maiores butiques de Los Angeles. Se quiser um vestido único, sofisti-cado e ao mesmo tempo delicado, lá é o lugar certo para ir.

– Tudo bem, fique aí trabalhando que eu vou às compras. Até mais tarde!

Ela deixou minha sala toda saltitante. Com certeza iria passar o resto do dia no shopping. Voltei ao trabalho e con-tinuei revisando os contratos. Quando dei por mim, já eram cinco da tarde. Peguei minha bolsa e saí da sala.

– Nicole, estou indo embora. Quero ver se consigo um horário com a Amy para arrumar meu cabelo. Qualquer coi-sa, estou com o celular ligado.

– Tudo bem. Espero que se divirta, Bia, você está preci-sando. – Ela me lançou um sorriso, e eu retribuí.

– Vou tentar me divertir, mas não garanto nada! Tchau e bom fim de semana!

Fui direto para a garagem, pois não queria demorar. Quando cheguei ao salão, Amy terminava de atender uma cliente, então eu seria a próxima. Conversamos um pouco e ela decidiu fazer uma trança japonesa em meu cabelo – não sei onde ela arruma essas ideias…

Saí do salão às sete da noite e fui para casa. Esqueci-me de ligar para a Su e perguntar se o Adam tinha pegado meu vestido. Deu-me um frio na barriga. Esperava que ele tives-se buscado. Ao entrar no meu quarto, vi o vestido sobre a cama. Nossa, que alívio. Tirei a roupa e entrei no banho. Ao

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desligar o chuveiro, escutei meu celular tocando. Samantha. Não acreditei que já estivesse pronta.

– Samantha, acabei de sair do banho. Em quinze minutos estarei pronta. Não sei para que toda essa pressa. Ligo assim que terminar de me arrumar. Tchau.

Ela era demais. Peguei meu vestido. Era lindo… Mais que isso: perfeito! Longo, de um tom rosa-bebê, com um decote bem destacado; nas costas, todo aberto, com detalhes bor-dados. Simplesmente magnífico. Terminei de me arrumar e, para minha surpresa, escutei a voz de Samantha ecoando lá embaixo. Terminei a maquiagem. Quando desci, Samantha conversava com a Su.

– Beatrice Anne Scott, você está linda. Tenho certeza de que será o centro das atenções no jantar – ela me disse com um sorrisinho malicioso. – Eu mesma já estou apaixonada por você.

Não percebi que Adam estava na sala. Ele me lançou um sorriso. Fiquei sem graça e notei que meu rosto ficou corado.

– Beatrice, você vai dirigindo ou deseja que eu a leve? – ele perguntou.

– Prefiro que me leve; tenho certeza de que, no final, vol-tarei para casa sozinha. Pelo que conheço da Samantha, ela vai se interessar por alguém e me abandonar. – Lancei um sorriso para ela. – E também não quero dirigir.

– Olha, dona Beatrice, me magoa você pensar que vou deixá-la sozinha lá, mas eu a perdoo, pois quem sabe en-contrarei o homem da minha vida hoje. – Ela me lançou um olhar assustador.

Não sei como ela consegue. Samantha foi tagarelando desde quando saímos do meu apartamento até chegarmos a Beverly Hills. Ficamos deslumbradas com o tamanho da

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casa dos Collyns. Eles moravam em um condomínio fechado composto por três mansões e, pelo que percebi, as três per-tenciam a eles. Adam nos deixou na porta e voltou para casa. Assim que eu quisesse ir embora, ele viria me buscar.

As pessoas não paravam de chegar. Acho que vi alguns famosos na festa, mas não fui atrás para saber quem eram. O salão de festas era enorme, composto de várias mesas e um pequeno palco do lado esquerdo, com uma mesa e vários ob-jetos sobre ela: eram os pertences a ser leiloados.

Samantha foi cumprimentar alguns amigos que ela re-conheceu. Eu já estava entediada, mas continuei explorando a mansão. Cheguei, enfim, a um jardim magnífico todo flori-do, com rosas e orquídeas. Acho que nunca vi um lugar tão lindo. Depois de conhecer vários locais, decidi tomar uma bebida. Ao lado do bar estava uma placa com o cardápio a ser servido e os bens a serem leiloados. Dei apenas uma olhada, sem muita atenção, virei-me para o barman e fiz meu pedido:

– Por favor, você tem alguma bebida doce e que não seja muito forte? – perguntei a ele um pouco envergonhada. Não estava acostumada a beber, mas, para aguentar aquela noi-te, eu merecia um drinque. Ele me deu uma bebida colorida. Sorvi um gole e a achei maravilhosa. Sex on the Beach – esse era o nome do drinque.

– Aí está você! Eu a procurei por toda parte! – Ouvi a voz de Samantha.

Quando me virei para olhá-la, meus olhos se distancia-ram da Terra. Meu corpo não respondia às minhas ordens. Ele era lindo. Loiro, de olhos verdes e com um corpo escultu-ral. Vestia um smoking que parecia ter sido feito sob medida, dando ainda mais glamour ao seu corpo.

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– Beatrice, este é Ryan Collyns, e este é Peter Araji, ami-gos de infância.

Nem olhei direito para o tal Peter, mas não consegui ti-rar os olhos de Ryan. Foi quando percebi que estavam espe-rando que eu os cumprimentasse. Fiquei sem graça por estar paralisada na frente deles.

– Olá. Prazer, sou Beatrice Scott – cumprimentei os dois, mas ainda não conseguia desviar o olhar de Ryan.

– Beatrice Scott, advogada? – Ryan me perguntou com uma voz doce e serena.

Será que ele ouviu falar de mim? Ele me conhece? Será que defendi ou acusei alguém de sua família? Meu coração disparou. Tive medo de perguntar e não gostar da resposta dele.

– Sim, eu mesma – afirmei meio apreensiva, pois não sa-bia o que viria a seguir. – Parece surpreso em me conhecer.

– Já ouvi falar muito de você, coisas boas e ruins, mas nunca a tinha visto pessoalmente, nem mesmo por tabloides ou fotos. Acho que imaginava você de outra maneira. Pela sua fama, pensei que fosse mais velha, gorda, e que usasse óculos fundo de garrafa. – Ao terminar de dizer isso, nós quatro sorrimos.

Eu não conseguia me ver dessa maneira. Bom, de óculos até que sim, pois os usei durante toda a minha infância, po-rém consegui fazer uma operação de correção. Mas gorda? Hum… não conseguia me imaginar gorda.

– Desculpe desapontá-lo – respondi sorrindo.– Imagine, gostei de você assim. Ao ouvir isso, meu coração disparou. Estou parecendo uma

estudante do primeiro ano do ensino médio que se encontra com

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o capitão do time de futebol americano. Ele me tirou dos meus pensamentos ao se despedir.

– Beatrice, foi um prazer conhecê-la, mas tenho que ir. Minha mãe deve estar atrás de mim para começar o leilão. Fique à vontade.

– O prazer foi meu e, por favor, me chame de Bia.– Ok, Bia, até mais tarde.Ele saiu pelo salão e se misturou às pessoas, impedin-

do que meus olhos o encontrassem. Samantha. Claro que ela percebeu meu olhar para ele. Pensei que ela deixaria passar esse acontecimento… Engano meu.

– “Por favor, me chame de Bia”? Desde quando você fala isso para os outros? E você acha que não notei como ficou olhando para ele? Amiga, da próxima vez dê uma disfarçada. Ficou na cara que você está caidinha por ele.

– Samantha, não estou caidinha por ninguém. E falo, sim, para todos me chamarem de Bia. Pare com essa para-noia. Não estou a fim dele. Apenas o achei charmoso e boni-to, só isso. – Não fui convincente com minhas palavras, e ela me encarava, me analisando. – E pare com isso. Vamos pegar um drinque e assistir ao leilão.

Mais tarde ela voltaria a tocar nesse assunto, mas por en-quanto deixou de lado e começou a falar de Peter. Não con-segui prestar muita atenção em suas palavras, pois minha cabeça estava nele. Ryan. Aos poucos os convidados foram se sentando. Peter nos convidou para nos sentarmos à mesa dele. Claro que Samantha aceitou na hora. Para cada assento havia um envelope contendo informações de tudo o que acon-teceria no leilão: os itens a serem leiloados e o endereço para o qual devia ser enviado o dinheiro. Nada me chamou muito a

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atenção. Eu já tinha perdido as contas de quantos drinques ha-via tomado e me sentia um pouco mais leve do que o normal.

Assim, começou o leilão. Primeiro foi um quadro de Da Vinci não muito conhecido, mas bonito. O último lance para ele foi de cem mil dólares. Depois foram leiloados alguns va-sos e porcelanas requintados. Samantha não parava de con-versar com Peter e, pelo que percebi, ele prestava atenção em todas as palavras que saíam da boca dela. O senhor que estava no palco era muito simpático; acho que muitos davam lances não pelo objeto, mas mais pela forma como ele o anunciava. Depois de quarenta minutos, restava o último item do leilão: uma hospedagem para duas pessoas em um resort em Miami. Interessei-me. O lance já estava em 10 mil dólares. Não sei o que aconteceu, apenas me vi levantando-me e dando um lance:

– Trinta mil dólares. No momento em que eu falei, todos olharam para mim,

deixando-me corada. Não sei como isso aconteceu. Havia um instante eu estava sentada; no outro, comprava uma viagem para Miami. Bom, eu não estaria ajudando somente as crian-ças do Haiti, mas me ajudando também. Estava precisando descansar, e nunca tinha ido a Miami. Seria perfeito. Escutei o senhor anunciar minha compra:

– Ninguém mais? Certeza? Trata-se de uma hospeda-gem em um dos resorts mais famosos de Miami. Oportunida-de única. Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três. Vendido para a linda moça de vestido rosa.

A esse anúncio, sentei-me à mesa e, ao encarar Saman-tha, vi seu olhar de dúvida. Apenas lancei-lhe um sorriso e voltei a beber meu drinque. Ficamos sentados mais alguns minutos, e depois ela me avisou que estaria indo embora.

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Claro, com Peter. Eu já sabia que isso iria acontecer. Ela se des-pediu de mim e saiu de braços dados com ele. Legal. Estava em uma mansão onde não conhecia ninguém e tinha certeza de que Adam iria demorar pelo menos uma hora para chegar. Tudo bem. Pedi mais uma bebida e andei em direção ao jar-dim. Foi então que senti alguém me tocando nos ombros. Um toque suave e macio. Até que sua voz entrou novamente em minha cabeça como uma música lenta. Era ele, Ryan.

– Olá novamente, Beatrice – ele me disse sorrindo. Antes que eu respondesse que era para me chamar de Bia, auto-maticamente ele se corrigiu: – Desculpe, Bia. Vejo que sua amiga foi embora e levou meu amigo com ela. Não o encon-tro em lugar nenhum; se o conheço bem, ela não resistiu aos encantos dele. – Não conseguimos controlar o riso.

– Sim, eles saíram juntos e me abandonaram aqui – res-pondi com uma voz alegre. – Acho que bebi demais.

– Você veio como? Quer que eu a leve para casa? Não consegui processar de pronto suas palavras. Minha

vontade era responder que sim, pois levá-lo para o meu apar-tamento não me parecia uma má ideia, mas meus instintos me trouxeram para a realidade e respondi o que era correto:

– Não, obrigada, meu motorista já deve estar chegando – expliquei com uma pontada de decepção. Queria que ele me levasse.

– Tudo bem. Posso lhe fazer companhia até que ele chegue? – Claro, vou adorar.Assim, começamos a conversar e ele me contou um pouco

de sua vida. Ryan era um famoso cirurgião plástico, e sua mãe chamava-se Stella Collyns, pediatra renomada e casada com John Collyns, também cirurgião plástico. Dali viera a inspiração

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para sua carreira. Ele tinha dois irmãos: Michelle, que estava estudando em Paris, e Alexander, que participava de uma con-venção no Brasil. Ali, a seu lado, descobri muito sobre ele. Nun-ca me senti tão à vontade ao conversar com um estranho como fora com ele. Por um instante, queria parar o tempo para poder ficar ali o resto da noite, apenas ouvindo tudo sobre ele. Meu celular tocou. Adam. Infelizmente, tinha que deixá-lo.

– Obrigada por me fazer companhia. Adorei nosso papo – eu disse enquanto me levantava e me direcionava para a saída.

– Não tem o que agradecer, e vamos deixar bem claro que somente eu falei, o que não está certo. – Sorrimos. – No-vamente, foi um prazer conhecê-la, senhorita Scott.

Fiquei paralisada com o modo como ele falou meu so-brenome. Nunca me senti tão viva como naquele momento.

Ele me acompanhou até onde Adam me esperava. Dei--lhe um beijo no rosto e entrei no carro. Ele sorriu para mim e se virou, voltando novamente para a festa.

– Foi tudo bem na festa, Bia? – Adam perguntou, fazendo que eu afastasse meus pensamentos.

– Foi sim, Adam. Eu me diverti bastante.Ryan não saía da minha cabeça, tanto que nem percebi

quando chegamos. Agradeci Adam por me buscar e lhe de-sejei boa-noite. Fui direto para meu quarto. Coloquei a ba-nheira para encher e, enquanto tirava meu vestido, fui me lembrando de nossa conversa. Assim que a água começou a esfriar, decidi sair e tentar dormir. Sabia que ele iria apare-cer nos meus sonhos. E queria isso.

Acordei com meu celular tocando. Nossa, minha cabeça estava explodindo. Da próxima vez, vou me lembrar de manei-rar com a bebida. O relógio mostrava que eram duas da tarde.

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Meu Deus, tinha dormido demais. Ao encontrar o celular, vi que era minha mãe.

– Oi, mãe. Sim, estava dormindo. Cheguei em casa tarde ontem. O que aconteceu? – A voz dela entrava na minha ca-beça como uma buzina. Precisava com urgência de um remé-dio. – Sim, mãe, daqui a pouco estarei aí. Amo você.

Havia me esquecido: tinha combinado de ir com ela co-nhecer a nova namorada do meu irmão. Já perdera as con-tas de quantas vezes o Eric se apaixonara. Ao levantar, senti uma leve tontura. Procurei nas gavetas algo para minha dor, mas não encontrei. Escovei os dentes e desci para a cozinha. Su devia saber onde estavam os remédios. Ela e Adam esta-vam conversando quando entrei.

– Olá. – Virei-me para os dois, que me lançaram um sorriso e responderam com um assentimento. – Su, você sabe onde tem algum remédio para dor de cabeça? Passei dos limites ontem com a bebida e agora estou sentindo as consequências.

Peguei uma xícara de café enquanto Su foi atrás de um remédio. Adam lia o jornal, sem me dar muita atenção. Meu Deus, como dói. Havia tempos não sabia mais o que era isso. Ao voltar, ela me entregou uma cartela contendo vários Advil. Após tomar um, voltei para meu quarto. O tempo está bonito hoje. Fiquei observando a praia por um momento e me lem-brando da noite passada. Não consigo tirá-lo dos meus pensa-mentos. Ryan Collyns.

Comecei a me arrumar antes que minha mãe me ligas-se novamente. Ao sair, avisei Adam de que iria dirigindo e que ele podia tirar uma folga naquele dia e no seguinte. Sa-bia que ele sentia falta de ficar com sua filha e, como não ia

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precisar mais dele, nada mais justo que deixá-lo passar um tempo com a família.

Su não tinha ninguém ali. Seus filhos moravam fora, então ela dizia que sua felicidade era cuidar de mim. E, claro, minha mãe agradecia. Todo domingo era sagrado a família Scott almoçar junta. Fazendo chuva ou sol, minha mãe dizia que precisava haver um dia para a família. Assim, Su ia todo sábado para a casa da minha mãe e voltava no domingo. Mi-nha mãe não gostava que outra pessoa fizesse o almoço do dia da família que não fosse ela.

Marquei com minha mãe aqui em Los Angeles no The Swan. Era um barzinho muito agradável que servia peixe fri-to com batatas e um purê maravilhoso. Eu comia sempre ali quando estava na faculdade. Escolhi uma mesa do lado de fora enquanto a esperava. Pedi uma água com gás, dando-me conta de que minha cabeça havia parado de doer, mas meu estômago estava enjoado. Alguns minutos depois, minha mãe estacionou o carro. Estranho. Ela ter vindo dirigindo era um milagre. Minha mãe detestava dirigir. Não dava folga um minuto sequer para Chavier.

– Oi, mãe – cumprimentei-a com um beijo. Ela usava um vestido florido com sandálias combinando. Não é porque é minha mãe, mas eu a acho linda. Mesmo com seus quase ses-senta anos, ela aparenta bem menos idade. – Onde está o Eric e sua nova paixão?

– Não fale assim de seu irmão, Beatrice. – Ela notou o sar-casmo em minhas palavras. – Você sabe que torço para ele encontrar alguém. Agora que me aposentei quero cuidar dos meus netos, mas, se depender de você, vou ficar só na vontade. Então, estou depositando todas as fichas no seu irmão. – Minha

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mãe era arquiteta. Ela havia cansado de trabalhar e decidira que queria ser avó. – Quem sabe essa realmente é para valer…

– Mãe, eu fico feliz que queira ser avó, mas não vejo a maternidade como uma prioridade na minha vida agora. Te-nho uma firma enorme para cuidar e, antes de pensar em ter filhos, primeiro preciso arrumar um namorado, não acha? – Ela não gostou muito do meu comentário. – E outra: o Eric se apaixona todo dia; tenho certeza de que, quando realmente conhecer a mulher certa, ele não vai nos apresentar como namorada, e sim como esposa. – Quando terminei de falar, meu irmão chegou com a namorada da semana.

Ela aparentava ser da mesma idade dele. Muito bem-ves-tida. Bonita. Pelo menos, ele tinha bom gosto. Minha mãe a observou de cima a baixo antes de eles chegarem à mesa.

– Oi, mãe; oi, mana. Esta é Andreza Montreal.Nós a cumprimentamos e em seguida pedimos o cardápio.

Eric começou a contar como tinham se conhecido. Sim, em uma boate, como sempre. Às vezes, achava que ele frequenta-va a mesma boate só para encontrar namoradas. Todas que ele nos apresentava tinham o mesmo perfil. No entanto, enquanto ele ia narrando como haviam se conhecido, percebi que, desde a hora em que parei o carro, um Porsche preto estava estacio-nado próximo ao restaurante, e reparei que ninguém descera dele. Significava que ou a pessoa estava esperando por alguém, ou vigiando esse alguém. Fiquei encabulada com isso.

– O que você me diz, Bia? – Eric chamou minha atenção. – Dizer sobre o quê? – Não tinha escutado nada do que

ele havia falado.– Beatrice, em que mundo você está? Volte para a Terra,

por favor. Estou dizendo para a mãe que poderíamos ir ao

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teatro hoje. O que acha? Está em cartaz a versão atualizada de O Quebra-Nozes. Essa ainda não vimos. O que me diz?

– Desculpe, Eric, mas hoje não estou no clima para sair. Quero passar a noite em casa, comendo pipoca e assistindo a um filme. Vamos marcar para outro dia.

O que eu disse não o animou muito e, se bem o conhecia, a resposta que me daria não iria me agradar.

– Bia, você está parecendo aquelas velhas cansadas que só pensam em comer e ver TV.

– Obrigada pelo elogio, maninho, mas essas palavras não vão me fazer mudar de ideia. Sua tática de psicologia não funciona comigo.

Ele me lançou um olhar de decepção. Eric era psicólogo e sempre que podia usava seus dons para conseguir o que queria. Ele nunca conseguiu me pegar nas suas artimanhas, diferentemente da minha mãe, para quem era só fazer uma carinha triste, que ela se derretia toda e fazia todas as vonta-des dele. Meu irmão era terrível.

Depois de pedir a conta, minha mãe nos lembrou do al-moço no dia seguinte e se despediu. Cada um foi para o seu lado. Estranho… Agora o Porsche estava indo embora. Devo estar vendo coisas. Preciso da minha cama.

Voltei rapidamente para casa. O trânsito estava calmo, com poucos carros na CA 110. Assim que entrei, vi que Su já devia ter ido para a casa da minha mãe. Adam estava com a família. Então, estou sozinha aqui. Subi para o meu quarto pen-sando em assistir a um filme, mas desisti. Deitei na cama e, aos poucos, fui sentindo meus olhos se fecharem. Adormeci lentamente, até entrar em um sonho profundo com ele. Ryan.

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