Al-ālmaid , o outeiro, a mesa. · manteve-se na obscuridade ... em toda a Europa e que atingiria o...

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Embora os vestígios de ocupação humana no espaço envolvente à actual vila de Almeida sejam concludentes desde o período romano, a sua importância estratégica apenas será valorizada durante a Idade Média, face às necessidades de defesa da linha de fronteira com o Reino de Castela e Leão. Da presença muçulmana pouco mais resta que a herança toponímica, devendo ao Árabe o seu nome próprio, provavelmente derivado da expressão Al-ālmaidȃ, o outeiro, a mesa. Integrada no território conquistado ao Islão por Fernando Magno (1035-1065), Almeida manteve-se na obscuridade até finais do século XIII, se a compararmos com a importância que os monarcas leoneses atribuíram a algumas vilas vizinhas. Almeida não consta entre as vilas leonesas objecto de doação de foros longos por parte de Afonso IX de Leão, como sucedeu com Alfaiates, Castelo Rodrigo, Castelo Bom e Castelo Melhor, mas a sua existência é confirmada pela presença desse monarca, onde concede uma carta de doação de várias pesqueiras aos monges de Santa Maria de Aguiar. Esta situação viria, no entanto, a alterar-se com a ocupação do Riba-Côa por parte de D. Dinis e a sua integração definitiva no reino de Portugal, formalmente reconhecida pelo Tratado de Alcanices, em 1297. Almeida que recebera o primeiro foral português no ano anterior, vê rapidamente reconhecida a sua importância estratégica pelas obras que D. Dinis manda efectuar no seu castelo e na cerca da vila, que viriam a ser prosseguidas por D. Fernando. A partir dos finais do século XIV, a artilharia de fogo foi substituindo as velhas máquinas de cerco baseadas em alavancas e contrapesos, tornando ineficazes as estruturas medievais de defesa, alicerçadas em muralhas e torreões, impotentes contra os projécteis arremessados por bombardas e morteiros.

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Embora os vestígios de ocupação humana no espaço envolvente à actual vila de Almeida sejam concludentes desde o período romano, a sua importância estratégica apenas será valorizada durante a Idade Média, face às necessidades de defesa da linha de fronteira com o Reino de Castela e Leão. Da presença muçulmana pouco mais resta que a herança toponímica, devendo ao Árabe o seu nome próprio, provavelmente derivado da expressão Al-ālmaidȃ, o outeiro, a mesa. Integrada no território conquistado ao Islão por Fernando Magno (1035-1065), Almeida manteve-se na obscuridade até finais do século XIII, se a compararmos com a importância que os monarcas leoneses atribuíram a algumas vilas vizinhas. Almeida não consta entre as vilas leonesas objecto de doação de foros longos por parte de Afonso IX de Leão, como sucedeu com Alfaiates, Castelo Rodrigo, Castelo Bom e Castelo Melhor, mas a sua existência é confirmada pela presença desse monarca, onde concede uma carta de doação de várias pesqueiras aos monges de Santa Maria de Aguiar. Esta situação viria, no entanto, a alterar-se com a ocupação do Riba-Côa por parte de D. Dinis e a sua integração definitiva no reino de Portugal, formalmente reconhecida pelo Tratado de Alcanices, em 1297. Almeida que recebera o primeiro foral português no ano anterior, vê rapidamente reconhecida a sua importância estratégica pelas obras que D. Dinis manda efectuar no seu castelo e na cerca da vila, que viriam a ser prosseguidas por D. Fernando. A partir dos finais do século XIV, a artilharia de fogo foi substituindo as velhas máquinas de cerco baseadas em alavancas e contrapesos, tornando ineficazes as estruturas medievais de defesa, alicerçadas em muralhas e torreões, impotentes contra os projécteis arremessados por bombardas e morteiros.

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Progressivamente, as velhas cercas foram dando lugar a estruturas angulosas, oferecendo a menor exposição possível ao tiro da artilharia e a protecções auxiliares capazes de proteger as cortinas de muralha e a albergar a artilharia de defesa. É na Itália, onde a artilharia se desenvolvera ao sabor da imaginação florentina e milanesa, (serpentina, colubrina, gerifalco, falconete…) que surgem as primeiras inovações nas estruturas militares de defesa. As velhas muralhas são rebaixadas e reforçadas com terraplenos na sua face interior, enquanto as torres quadrangulares são substituídas por torrões circulares. No entanto, esta evolução dará origem a estruturas construídas de raiz, destacando-se a edificação de baluartes, geralmente pentagonais, ligados por cortinas que, ficando mais expostas ao tiro da artilharia, necessitavam de uma protecção adicional. Para esse efeito, ainda nos finais do século XV, por acção de Piero dei Medici, o revelim foi introduzido no castelo de Sarzanello, dando início a uma reforma das estruturas militares em toda a Europa e que atingiria o seu apogeu com o sistema Vauban durante o reinado de Luís XIV de França. É neste contexto que o sistema abaluartado de Almeida é edificado, assumindo a imagem desenhada pelos seus seis baluartes e revelins e que tão bem a caracteriza na sua forma estrelada. As primeiras intervenções para adaptar o castelo de Almeida aos desafios colocados pela acção da artilharia correspondem à iniciativa de D. Manuel I, ao encarregar o mestre-de-obras biscaínho, Francisco d’Anzilho, de erguer nova muralha no castelo. Corria o ano de 1509. É o reflexo dessas obras que se pode observar no desenho Duarte d’Armas. A política de aproximação entre as coroas ibéricas levada a cabo por D. Manuel e D. João III acabaria por desvalorizar a importância estratégica de Almeida, facto que, naturalmente, se acentuaria durante o período filipino.

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No entanto, a partir da revolta que colocaria no trono o Duque de Bragança, Almeida volta a desempenhar um papel fundamental na defesa da fronteira da Beira. O reconhecimento dessa importância traduziu-se, logo em 1641, com a renovação da fortificação ordenada pelo seu governador, D. Álvaro de Abranches. Em 1645 inicia-se a edificação das Portas de S. Francisco, sob a direcção de Pierre Garsin, mas só a partir de 1657, sob a regência de D. Luísa de Gusmão, as obras recebem o impulso que a situação exige e criando as condições para que possa resistir ao cerco das tropas do Duque de Ossuna em 2 de Julho de 1663. A destruição da torre de menagem dionisina, em 23 de Agosto de 1695, devida à queda de um raio, permitiu a adaptação do castelo às novas técnicas de engenharia, sendo construído um paiol à prova de bomba no espaço interior deixado vago pela torre. Mas a praça de Almeida não se encontrava, ainda, totalmente protegida, apesar de as obras prosseguirem sob a direcção do Engenheiro Miguel Luís Jacob, após 1759. Reflexo dessa insegurança é a tomada da vila, após dez dias de cerco, em 25 de Agosto de 1762, pelas tropas espanholas de Carlos III com o apoio do exército francês de Luís XV de França, sob comando do Marquês de Sarriá, no âmbito da Guerra dos Sete Anos. A libertação da vila só ocorreria em resultado do Tratado de Paris de 1763, momento em que foi possível analisar as falhas que haviam permitido a tomada da praça. Em Julho de 1764, o Marechal de Campo Francisco Maclean ordena a Miguel Luís Jacob que faça o levantamento das necessidades da fortaleza de Almeida de modo a torná-la uma praça bem defendida. Durante quatro anos, auxiliado por vários outros elementos, como ele formados na Academia de Fortificação de Lisboa, desenha um conjunto de projectos de engenharia, entre os quais se destacam o Quartel de Cavalaria do Baluarte de Santa Bárbara, o Quartel de Artilharia do Baluarte de Santo António, o Hospital Militar e a Fábrica do Pão. Simultaneamente, a pedido do Marquês de Pombal, o engenheiro sueco Jacques Funck elabora o Plano Geral das Obras Adicionais Necessárias à Defesa da Cidade de Almeida, no qual descreve pormenorizadamente as falhas existentes nos diversos baluartes e revelins e propõe a edificação de um novo hospital e de umas latrinas.

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Em resultado desse trabalho, Almeida é objecto de grandes obras de reforço defensivo que lhe darão as características que tinha à data da terceira invasão francesa, comandada por Massena. A sua forma poligonal estrelada de doze vértices, formada pela conjugação de seis baluartes, unidos por cortinas rectas, e seis revelins que as protegiam, abrigava, para além da população da vila, um forte contingente militar que, segundo João Campos1, em 1801, atingia 3000 homens, assim distribuídos: 1599 soldados de Infantaria, 448 de Cavalaria e 100 de Artilharia, sendo os restantes ajudantes. O acesso à praça efectuava-se por duas portas: A Sueste, a de S. Francisco, aberta no Revelim da Cruz que comunicava, através de ponte, com a cortina que ligava os baluartes de S. Pedro e S. Francisco. A Poente, a de Santo António, aberta no revelim do mesmo nome e ligando, através de ponte sobre o fosso á cortina que unia os baluartes do Trem ou de Nª Srª de Brotas ao de S. Pedro. Para além destas portas, existiam ainda três poternas que permitiam a comunicação entre a praça e o fosso. Uma, datada de 1797, ergue-se na face oriental do Baluarte de S. João de Deus (Casamatas) e é vulgarmente designada por «porta falsa». As outras localizam-se no Baluarte de S. Francisco e no extremo da cortina de S. Pedro. Exposto ao Sul ergue-se o Baluarte de S. Pedro que uma cortina em direcção a Leste liga ao Baluarte de S. Francisco. Prosseguindo no mesmo sentido, outra cortina liga este baluarte ao do Chafariz ou de S. João de Deus, em cujo interior se erguem as casamatas. Continuando o circuito, depara-se o Baluarte de Santa Bárbara, com ruínas da capela de sua invocação, que outra cortina une ao Baluarte do Trem ou de Nª Srª de Brotas ou das Abróteas. Deste atinge-se, por nova cortina, o Baluarte de Santo António, completando-se o circuito com a cortina que o liga ao Baluarte de S. Pedro.

1 - Almeida: O castelo de D. Dinis e a fronteira de Portugal, Almeida: Câmara Municipal, 2013, pag. 182.

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Se os baluartes se erguiam intransponíveis, orgulhosos das suas bocas de fogo com que fustigavam quem ousasse penetrar no respectivo fosso, as cortinas ficavam vulneráveis na sua rectilínea fachada, apesar da protecção do fogo de flanco que recebiam da artilharia dos baluartes. Era nos revelins que assentava a sua defesa, protegendo-as de qualquer avanço impetuoso, neles esbarrando qualquer tentativa de escalonamento das cortinas e de entrada na praça. O revelim assume a estrutura base de defesa do elo mais fraco deste tipo de fortificação. Sem ele, as cortinas ficariam desprotegidas, de pouco lhes valendo a acção dos baluartes. Por isso nos revemos na sua função, a de porto de abrigo, onde todo o viajante encontra protecção no repouso de peregrino da vida.

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