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AJES - INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DO VALE DO JURUENA ESPECIALIZAÇÃO EM INTERDISCIPLINARIDADE E METODOLOGIA DO ENSINO SUPERIOR A CONDIÇÃO FEMININA: LINGUAGEM SIMBÓLICA E MITOLÓGICA NA OBRA A ASA ESQUERDA DO ANJO DE LYA LUFT Autora: Lediane Manfé de Souza Orientadora: Profa.Ma.Marina Silveira Lopes SORRISO/2011

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AJES - INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DO VALE DO JURUENA

ESPECIALIZAÇÃO EM INTERDISCIPLINARIDADE E METODOLOGIA DO

ENSINO SUPERIOR

A CONDIÇÃO FEMININA: LINGUAGEM SIMBÓLICA E MITOLÓGICA NA OBRA A

ASA ESQUERDA DO ANJO DE LYA LUFT

Autora: Lediane Manfé de Souza

Orientadora: Profa.Ma.Marina Silveira Lopes

SORRISO/2011

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AJES - INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DO VALE DO JURUENA

ESPECIALIZAÇÃO EM INTERDISCIPLINARIDADE E METODOLOGIA DO

ENSINO SUPERIOR

A CONDIÇÃO FEMININA: LINGUAGEM SIMBÓLICA E MITOLÓGICA NA OBRA A

ASA ESQUERDA DO ANJO DE LYA LUFT

Autora: Lediane Manfé de Souza

Orientadora: Profa.Ma.Marina Silveira Lopes

Trabalho apresentado como exigência parcial para obtenção do título de Especialização em Interdisciplinaridade e Metodologia do Ensino Superior.

SORRISO/2011

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AJES - INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DO VALE DO JURUENA

ESPECIALIZAÇÃO EM INTERDISCIPLINARIDADE E METODOLOGIA DO

ENSINO SUPERIOR

BANCA EXAMINADORA

____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

ORIENTADORA

Profª.Ma. Marina Silveira Lopes

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pela incondicional presença.

A meus pais Dalvino e Gersi, pelo exemplo de vida, luta e honestidade .

A meus irmãos Mariéle e Eduardo, por encherem minha vida de alegria.

A meu esposo Fernando, pela cumplicidade e apoio irrestrito.

A meus amigos, pela certeza de que sempre estarão comigo.

À profª Marina, por suas considerações sempre relevantes.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a todas as mulheres que com delicadeza e força

escreveram sua história através dos tempos e continuam escrevendo.

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EPÍGRAFE

Minha literatura não emerge de águas tranquilas: fala de minhas perplexidades

enquanto ser humano, escorre de fendas onde se move algo que, inalcançável, me

desafia. Escrevo quase sempre sobre o que não sei.

(LYA LUFT, O Rio do Meio, 1996,p.14)

RESUMO

Na sociedade contemporânea emergiu a literatura feminina, escrita por mulheres que

potencializam sua escrita no ser feminino, na sua condição reprimida, porém,

resistente perante o masculino e a sociedade. Este trabalho tem como intuito

desvendar a riqueza semântica e mitológica utilizada por Lya Luft no romance A asa

esquerda do anjo, notável representante desse momento. Com uma escrita feminina

intimista repleta de simbologia, a autora aborda nas entrelinhas o ser feminino

fragmentado em uma época de incertezas com relação à sua condição. Pelo estudo

dos símbolos e do mito de Lilith, a presente monografia enfoca os contornos dados

pela autora aos dogmas familiares e sociais ocultos nas famílias tradicionais e na

sociedade opressora e castradora, tendo como pano de fundo a condição feminina e

seus percalços perante uma sociedade patriarcal. Assim, pelas abordagens

relacionadas ao universo feminino, simbólico e enigmático dessa obra buscou-se a

compreensão do papel social da mulher desde a gênese de sua existência até a

contemporaneidade.

Palavras-chave: Condição Feminina, Linguagem Simbólica e Mitológica, Sociedade

Patriarcal, Lilith

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................06

CAPÍTULO I: A ESCRITA INTIMISTA FEMININA DE UMA ESCRITORA PÓS-

MODERNA..................................................................................................................09

CAPÍTULO II: : GISELA: A CONDIÇÃO FEMINA EM A ASA ESQUERDA DO ANJO

2.1. Contexto histórico no qual a obra foi escrita........................................................12

2.2. O mundo patriarcal: preconceitos, medos e tabus.............................................13

CAPÍTULO III LITERATURA CONTEMPORÂNEA: MITOS, SÍMBOLOS E

METÁFORAS..............................................................................................................18

3.1. Lilith: as mil faces de um feminino

demoníaco..................................................................................................................20

CAPÍTULO IV: LINGUAGEM SIMBÓLICA: A AMBIGUIDADE ANGELICAL..............26

4.1. Lilith e a transformação da identidade

feminina..................................................................................................................... 26

4.2. O anjo petrificado, o verme inquilino e outros símbolos: metáforas e

ressignificações......................................................................................................... 31

CONCLUSÃO.............................................................................................................37

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..........................................................................38

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INTRODUÇÃO

Após a revolução cultural e social proveniente de novas descobertas,

sobretudo pelas conquistas realizadas no campo da ciência positivista, que

reapresenta conceitos já há tanto tempo arraigados ao espírito humano, como a

existência de um deus absoluto e criador, dá-se lugar à ideia do evolucionismo da

matéria. Assim, alguns conceitos impregnados na esfera social cristã sofrem

mudanças com relação ao que era considerado pecado, como o sexo.

Nesse contexto inicial de mudança, no qual o ser humano ainda não tem

noção do que está para vir, surge a escrita feminina através de obras de autoras

como Adélia Prado, Ana Cristina César, Astrid Cabral, Helena Parente Cunha,

Heloneida Studart, Hilda Hilst, Lya Luft, Márcia Denser, Marly de Oliveira, Myriam

Fraga, Nélida Piñon, Patrícia Bins, Sônia Coutinho e outras. Até então, a literatura

escrita por mulheres se moldava de acordo com o cânone literário, seguindo os

moldes vigentes. Algumas mulheres, como Clarice Lispector, escreviam, mas ainda

sob os moldes da escrita masculina.

A partir da década de 1970, o termo “feminismo” começa a ser visto e

apresentado como uma problemática contemporânea, deixando para trás o

significado pejorativo que carregava até então.

A partir disso, a literatura feminina passa a ser instrumento de

conscientização opondo-se ao discurso falocêntrico. Tenta-se escrever sobre a

condição feminina – sem a carga semântica antes atribuída ao termo ‘feminino’: a

passividade, delicadeza e fraqueza - neste novo momento histórico, no qual se

reforçam as distinções sociais e éticas com relação ao papel do homem e da mulher.

O segundo sexo, assim chamado por Simone de Beauvoir, tenta encontrar seu lugar,

sair da condição subordinação da qual vinha sendo refém por toda a história da

humanidade.

Seguindo a sequência de mudanças tão profundas, a escrita feminina

caminha ainda sem propor qualquer inovação, mas direciona para um pensar a

condição feminina pelos olhos da vivência.

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A escrita feminina emerge numa época em que começa a desmoronar a

sociedade patriarcal. Essa nova literatura se mostra ainda de maneira condizente

com a cultura contraditória e fragmentada do mundo pós-moderno. É uma

representação da situação da mulher vislumbrada sob a ótica feminina,

consolidando-se como um questionamento dos papéis atribuídos a homem e mulher,

inseridos numa sociedade em transição. Dessa forma, a condição feminina é o

elemento estruturante na narrativa e não o tema literário.

Afinal, a contemporaneidade instaura nesta situação de transição uma

reflexão acerca da existência do ser, que deixa de fazer parte de um passado ainda

muito próximo e presente, mas tem um pé num futuro incerto. A condição feminina

começa a ser denunciada por uma literatura escrita por mulheres. A voz feminina

encontra espaço depois de tanto tempo calada, sem ser sujeito de sua própria

história. É a busca pela reconstrução da própria identidade pela representação

artística, antes negada a elas.

Na obra em análise, encontramos uma personagem estigmatizada pelo

patriarcado, em Gisela é possível enxergar todas as mulheres, sua sina é

semelhante à de mulheres históricas, míticas e atuais.

A pesquisa bibliográfica foi feita com o intuito de estudar o campo simbólico e

mítico, buscando, no romance, desvendar as agruras de um ser humano pisoteado

pelas convenções sociais, analisado pela ótica da linguagem simbólica, da posição

feminina, e da atualização do mito. Para que isso fosse possível foram de essencial

valia algumas obras como: Aspectos do Mito e Mito e realidade , de Mircea Eliade, A

mulher na literatura, de Ana Lúcia Almeida, A poética do Espaço, de Gastón

Bachelard, A poética do mito, de Melietinsky, Lilith: A Lua Negra, de Roberto Sicuteri,

Dicionário de Símbolos, de Chevalier e Cheerbrant.

Dividimos essa monografia em quatro capítulos. No primeiro capítulo: Lya Luft:

a escrita intimista feminina de uma escritora pós moderna, a proposta é de

apresentar e analisar, de forma sintética, a produção da escritora gaúcha que com

maestria escreve sobre a condição feminina; no segundo capítulo: Gisela: a condição

feminina em A asa esquerda do anjo, ocorre a apresentação da personagem

protagonista, o drama pessoal de Gisela, seu conflito existencial é mostrado ao leitor;

no terceiro capítulo: Literatura contemporânea : mitos, símbolos e metáforas, há um

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estudo acerca do mito e sua atualização, bem como, das ocorrências da linguagem

conotativa na obra e sua relevância na análise; no quarto e último capítulo :

Linguagem simbólica: a ambiguidade, é apresentado um estudo comparativo entre

as personagens luftinianas Gisela e Anemarie e a personagem mitológica Lilith, e na

parte subsequente, está a análise dos símbolos que colaboram para o entendimento

da obra e a conclusão.

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CAPÍTULO I : LYA LUFT: A ESCRITA INTIMISTA FEMININA DE UMA

ESCRITORA PÓS-MODERNA

Lya Luft, representante da escrita feminina contemporânea, compõe seus

romances a partir de personagens femininas derrotadas que são impedidas de se

realizarem enquanto sujeitos de sua história, inseridas em um universo melancólico

tornam-se a própria imagem da angústia. São personagens ambíguas, contraditórias,

que trazem na sua essência a problemática da busca por identidade em uma

sociedade marcada pelo poder patriarcal.

Inserida nesse contexto que traz à tona a busca pelo próprio “eu” e enfatiza a

transitoriedade do papel da mulher na sociedade, a escrita luftiniana revela-se

autobiográfica, intimista. A escrita romanesca de Lya Luft, quase que em sua

totalidade, apresenta esse caráter intimista, um olhar fixo para o próprio “eu”, uma

busca incessante pelo “ser”, voltada para as questões psicológicas e os conflitos

existenciais das personagens.

A narrativa em suas obras, é feita por vozes femininas que denunciam e

revelam um ambiente conhecido, íntimo, e, por vezes até escondido, um mundo

feminino. As reflexões levantadas por Lya são atemporais, evidenciam-se em torno

da consciência de suas narradoras, que representam a condição feminina,

mesclando passado e presente num jogo subjetivo que explora os questionamentos,

os amalgamas sociais que circundam o universo feminino. A genialidade dessa

autora está em dialogar com o leitor e com o mundo sem intermediários, sua escrita

possibilita o compartilhamento dos sofrimentos, dos dissabores, das alegrias e das

novas leituras que se pode fazer da vida.

Suas obras, em geral, abordam a questão do patriarcado e da mulher

submissa a essa estrutura. Em sua maioria, seus romances revelam dramas

familiares produzidos pela opressão castradora. Suas personagens-protagonistas,

geralmente personagens femininas, estão em busca de sua identidade, do eu

extraviado, perdido em meio a uma sociedade estritamente falocêntrica.

Em A asa esquerda do anjo, Lya Luft consegue captar, como numa

fotografia, a busca pela identidade feminina. Por meio das personagens Gisela e

Anemarie, o enredo revela dois dos mais importantes tabus femininos: um de ordem

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mais pessoal, representado por Gisela, e o outro, mais social, encontrado em

Anemarie. Os conflitos internos dessas personagens são uma espécie de bússola

que nos guia pelo turbulento universo feminino apresentado na obra.

Nela, a autora denuncia as arbitrariedades do sistema patriarcal no

microcosmo familiar, sistema esse que durante muito tempo serviu de mecanismo

de anulação quase que total da existência do eu feminino. Nas personagens de Lya

Luft é possível identificar o processo de “mitologização” da ficção moderna, tais

personagens estão envolvidas pelo imaginário numa trama inconsciente de

esquemas míticos e psicológicos em busca de respostas que deem significação à

própria existência.

Além da repressão feminina, Lya também reflete em seus textos sobre uma

gama de outros preconceitos como sexualidade e discriminação racial, a qual,

inclusive, fez parte da vida dessa escritora, já que Lya é de descendência alemã.

Assim como em Clarice Lispector, os romances de Lya Luft são de cunho

existencialista, suas protagonistas não são felizes em seus propósitos, embora

busquem constantemente o verdadeiro “eu” feminino, perdem-se em meio à

contradição. Em geral, suas protagonistas rompem com os padrões vigentes ou

negociam com eles. Sua escrita é repleta de símbolos, metáforas e mitos, o que

torna sua narrativa extremamente labiríntica e enigmática. Em seus romances há

sempre uma mulher que busca sua identidade, que expõe suas fraquezas, que se

destrói para se reconstruir. É constante uma profunda ambiguidade na qual temos

sempre dois pólos em contradição.

A escritora Lya Luft se destaca pela não resignação aos estereótipos sociais,

dando voz à parcela marginalizada da sociedade, é porta-voz das milhares de

mulheres que por séculos tiveram sua individualidade anulada por um sistema

extremamente castrador.

Não existe isso de homem escrever com vigor e mulher escrever com fragilidade. Puta que pariu, não é assim. Isso não existe. É um erro pensar assim. Eu sou uma mulher. Faço tudo de mulher, como mulher. Mas não sou uma mulher que necessita de ajuda de um homem. Não necessito de proteção de homem nenhum. Essas mulheres frageizinhas, que fazem esse gênero, querem mesmo é explorar seus maridos. Isso entra também na questão literária. Não existe isso de homens com escrita vigorosa, enquanto as mulheres se perdem na doçura. Eu fico puta da vida com isso. Eu quero escrever com o vigor de uma mulher. Não me interessa escrever como homem. (LUFT, em http://www.releituras.com/lyaluft_bio.asp).

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A autora escreve sobre coisas que a sensibilizam, sobre fantasmas que a

assombram, ela expõe muito bem sua indignação com relação a ser mulher num

sistema patriarcal.

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CAPÍTULO II: GISELA: A CONDIÇÃO FEMINA EM A ASA ESQUERDA DO ANJO

2.1. CONTEXTO HISTÓRICO NO QUAL A OBRA FOI ESCRITA

Em 1970, Lya Luft escreve A Asa Esquerda do Anjo, romance inspirado no

cotidiano das famílias de descendência alemã de Santa Cruz do Sul, interior do Rio

Grande do Sul. Gisela, a personagem principal cresce vigiada pelo olhar autoritário

da matriarca da família. O enredo revela um patriarcado decadente que, nas mãos

da avó ainda revela-se opressor, embora moribundo, e, continue se arrastando nas

relações familiares e sociais.

É na década de 1970 que ressurge o feminismo. Nesse momento o Brasil

estava passando por várias transformações no contexto político-social e cultural: a

implantação de indústrias, a urbanização, o milagre econômico, o golpe militar, a

jovem guarda, o movimento Tropicália, a Bossa Nova, Brasil: ame-o ou deixe-o, o

Brasil campeão da copa do mundo. Esses são alguns elementos transformadores da

sociedade que corroboraram com o fortalecimento do feminismo.

Nesse contexto de mudanças, embora ainda houvesse extrema repressão

política e violência contra a cidadania, destacaram-se o despertar da liberdade

sexual, o surgimento das mini-saias como símbolo das alterações comportamentais

dos jovens, tendo como cenário o movimento hippie, a guerra do Vietnã, a busca

pela liberdade de expressão. O mundo passava por uma enorme transformação e as

mulheres não poderiam ficar aparte tudo isso. O feminismo dessa época ansiava por

um novo olhar sob a mulher; aquela mulher idealizada no início do século havia

ficado para trás, a nova mulher não podia mais ficar reduzida ao lar e às obrigações

estabelecidas pelo patriarcado.

Publicado em 1981, o romance A Asa Esquerda do Anjo revela alguns ranços

do patriarcado. A própria Gisela relata que sua “família era apenas um nome, baile

de máscaras, talvez, sobretudo, uma aflição. Pois esta massa com tantas cabeças,

olhos e bocas e nomes, predestinada a juntar-se paulatinamente no Jazigo,

fragmentou-se em estilhaços.” (LUFT, 1981, p. 67), tudo não passava de convenções

impostas socialmente das quais ela luta durante toda sua vida para se libertar.

Envolta pelos resquícios do patriarcado e de tudo o que ele significava, cresce

Gisela, educada pela avó para ser submissa, puritana e frágil, embora não se

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encaixasse nem aos menos fisicamente naquela família de pele branca e cabelos

dourados se esforçava para ser aceita. A protagonista torna-se adulta e revela o

drama da mulher criada dentro dos preceitos moralistas, que tenta

desesperadamente encontrar sua identidade feminina. O aniquilamento do ser

humano é esmiuçado pela autora, a própria condição humana torna-se objeto de

reflexão.

2.2. O MUNDO PATRIARCAL: PRECONCEITOS, MEDOS E TABUS

Rodeada por preconceitos, medos e tabus cresce Gisela. Luft nos apresenta

os conflitos e as personagens e nos intima a tirar nossas próprias conclusões, mexe

nas feridas da humanidade e desafia o leitor a conviver com elas. Culpadas ou

inocentes? Vítimas ou Cúmplices? Anjos ou demônios? Quem são as mulheres?

A narradora Gisela/Guisela vive, desde sua infância, uma dúvida que paira

entre o desejo e a razão. Suas vontades são bloqueadas pela tradição e pelos

moldes sociais falocêntricos, marcados na figura da avó, que representa na obra o

regime patriarcal, tentando com suas atitudes inibidoras, mantê-lo.

É justamente nesse sentido que a narradora encontra-se em pleno conflito

entre seguir submissa aos moldes ou buscar a sua identidade feminina numa

sociedade que passa por rupturas, dentre elas, a decadência do patriarcado, da qual

Gisela é uma representação concreta, sendo fruto de uma miscigenação: a alemã e

a brasileira e, talvez por isso seja para a avó a menina desajeitada e sem graça. A

própria Gisela internaliza o estigma da mestiçagem quando diz que “Sentia-me

perdida, desarvorada, naquela família robusta, de vitalidade assustadora” (LUFT,

1981, p.33).

Não devemos mais falar alemão, alguém ameaça, uma das empregadas diz que vão nos pôr na prisão. Minha avó afirma que é tudo bobagem, e continua usando a sua língua. Meu pai me tranqüiliza: ‘Somos bons brasileiros’, diz. Também acho que somos, meu verdadeiro nome é Gisela. Gisela Moreira Wolf, no seu exílio particular, na sua guerra secreta”. (LUFT, 1981, p. 27-28).

Em A Asa esquerda do anjo, a personagem-narradora, Gisela/Guísela conta

parte de sua vida. A partir do parto de uma estranha criatura que metaforicamente

habitava dentro dela, certa noite a narradora busca as lembranças de uma vida

recalcada para explicar a criação desse monstro que fora alimentado por muito

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tempo pela opressão e anulação sofrida desde sua infância até a fase adulta,

revelando a forte influência matriarcal da avó Frau Ursula Wolf. A avó era uma

mulher rígida e conservadora que tentava manter a tradição alemã na família. Ela

era a detentora de todas as certezas, não admitia sua fraqueza, nem a dos outros.

Guísela, em alemão, ou Gisela, em português, é a neta fruto do casamento do filho

de Frau Wolf com uma brasileira chamada Maria da Graça Moreira.

Dela herdei os olhos pretos, que em mim ficavam deslocados: não combinavam com o cabelo desbotado, a pele branca. Mas ela não me transmitiu o que eu mais desejava ter: a alegria, a capacidade de adaptação. Era possível que partilhássemos, sem comentar, a sensação de estarmos no lugar errado. Maria da Graça numa família de Helgas e Heidis. E eu, Guísela ou Gisela? Minha mãe pronunciava Gisela; o resto da família dizia Guísela, à maneira alemã que eu achava horrenda. (LUFT, 1981, p.21).

“Eu me sentia outra vez falhada e, ao toque insuficiente da mão morena e

fina, chorava ainda mais, pensando que não me entendiam: não era sol, era tristeza

e raiva de mim mesma.” (LUFT, 1981, p.33). Frau Wolf estava sempre chamando a

atenção de Gisela a respeito de seus modos, seu jeito desajeitado, sua postura, sua

inabilidade com as coisas. A própria Gisela se considerava o desastre da família,

tinha orelhas grandes, era canhota, tocava mal o piano: “Guísela, sente reta, Guísela

use a mão certa, Guísela, a agulha do seu bordado enferrujou mais uma vez!

Guísela, por que não consegue ficar um minuto quieta?” (LUFT, 1981, p.21). As

visitas à casa da avó eram sempre um motivo de insatisfação para a menina, exceto,

quando a prima Anemarie vinha do colégio interno. Anemarie, a moça de madeixas

louras, neta preferida de Frau Wolf, bela, perfeita e delicada, a prima por quem

Gisela tinha grande afeição, pode-se dizer, até, que fosse uma profunda adoração.

Anemarie, a predileta da família, cabelo dourado caindo até os quadris quando os destrançava. (...) Mas quando chegava, a vida em casa de nossa avó se transfigurava, eu acreditava que o mundo podia ser belo” (LUFT, 1981, p. 16) (...)“Eu me sentia exposta, avaliada, reprovada. Os exercícios de piano iam mal; a letra gótica saía mole da mão canhota; as orelhas de abano, e minha avó sempre sugerindo que dormisse com uma touca apertada, para corrigi-las” (LUFT, 1981, p. 52).

Para a narradora, sua vida fora sempre monótona e chata, sempre com a

avó interferindo no curso natural da vida da família. Gisela sente-se deslocada,

impedida de realizar seus desejos mais simples, como o de permanecer com uma

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pomba que encontra no quintal de sua casa. A adolescência é marcada pela forte

repressão por que passa a narradora. O sexo é percebido por ela como algo impuro

e pecaminoso, sinônimo de submissão a um homem que lhe violará com um membro

horrível.

Sinto um prazer animal, primitivo, ao mexer no proibido, sempre me proibiam de pegar em coisas sujas, terra, areia, capim, bichos. (...) Guísela, vá se lavar , depressa, depressa! Garanto que você já está toda cheia de bichinhos imundos! Minha avó fala em alemão, como sempre, suas palavras guturais caem sobre minha alegria, desabam no meu castelo, destroem o parco momento feliz. Levanto-me, tropeço, caio, tenho dificuldade em me livrar do peso da areia molhada nas pernas. Começo a gritar horrorizada, sinto-me invadida por milhares de vermes nojentos que se agitam, está irremediavelmente imunda. (LUFT, 1981, p.60).

Neste período, um acontecimento abala a menina profundamente. Sua prima

Anemarie foge com seu tio Stefan. Essa notícia desestrutura a postura sempre

impecável exigida dos membros da família, causando uma vergonha enorme,

principalmente para Frau Wolf, que a partir de então, não pronuncia mais o nome de

Anemarie que fora, até então, a menina de seus olhos.

Depois disso, Gisela começa a namorar Léo, mas não se deixa ser tomada

por ele, embora se sentisse amada, até as pequenas carícias lhe desagradavam.

Nesse mesmo período, a mãe adoece. Gisela dedica-se inteiramente a ela, Leo acha

que é exagero, que deviam curtir a vida, então, começam os desentendimentos e os

dois terminam o noivado.

Dez anos depois do envolvimento da prima Anemarie com seu tio Stefan, a

família recebe a notícia de que Anemarie precisaria voltar, estava com câncer em

estágio terminal e não suportaria muito tempo. A avó permitiu que voltasse para seu

antigo quarto, porém, nunca foi vê-la, Stefan fora proibido de entrar na casa. Ela

durou apenas dois dias. No enterro, o caixão permaneceu fechado, porém, Frau Wolf

ordenou que abrissem e mostrou a todos qual era seu sentimento atual em relação à

neta: repulsa, vergonha e ódio pelo rompimento das tradições e do mundo perfeito

idealizado pela matriarca.

Ainda esperançoso em casar-se com Gisela Léo morre, vítima de um

acidente de carro. A partir daí, o corpo de Gisela se vê tomado por um ser estranho

que quer vir à tona, como um filho. ”(...) A memória continua ativa, num estertor

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lembro que Leo está morto e que, desde sua morte, esta coisa que estou expelindo

retornou à vida dentro de mim. (LUFT, 1981, p.131).

Figura 01: Capa do livro A Asa Esquerda do Anjo

Fonte: http://www.sitiodolivro.pt/fotos/livros/9789727118298.jpg

Gisela tem sempre a imagem do anjo do jazigo da família Wolf em sua

memória, conforme ilustra a figura 01. Naquele jazigo, ela presenciou o sepultamento

de quase todos os seus. Sua mãe morre antes de Léo, o que serviu de desculpa

para adiar uma possível união com ele, depois a sua avó. Gisela continua solitária,

como também era a matriarca da família Wolf: “Todos achavam que noventa anos de

solidão era boa hora de morrer.” (LUFT, 1981, p.133). Aparentemente tranquila, com

esse pensamento, cuidava do pai e executa as tarefas de uma boa dona de casa,

negando-se a si mesma e assumindo a postura que antes fora da avó

Fecho-me nesta casa e cumpro minhas obrigações. Não encontrarão nada desarrumado. Servirei chá com uma torta de camadas, que faço com perfeição. Tenho na gola do vestido o camafeu que foi de Frau Wolf e que batizei com o nome de Anemarie. Segredo só meu. (LUFT, 1981, p. 124-125).

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Então, a garota, agora mulher, educada dentro de rígidos padrões

moralistas, começa a questionar-se e a refletir sobre sua existência, amargada pelos

ranços familiares que a obrigaram-na a se esconder de si mesma. No fim do

romance, ocorre a ruptura de Gisela com as amarras que a prendiam às raízes de

sua infância, de suas obrigações, da angústia que sentia por não se adequar ao

padrão estabelecido.

Como num círculo vicioso, dá-se o retorno à essência da obra intimista de

Lya Luft, a eterna busca pela identidade feminina. Gisela sofre por pertencer àquele

mundo repleto de autoritarismo e por ser a própria imagem da opressão e do

silêncio, então, ela refaz esse caminho de culpas, medos, tabus e segredos para se

encontrar, encontrar sua identidade perdida.

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CAPÍTULO III: LITERATURA CONTEMPORÂNEA: MITOS, SÍMBOLOS E

METÁFORAS

Segundo CAMPBELL (1990, p.5) “mitos são histórias de nossa busca da

verdade, de sentido, de significação através dos tempos”. O mito sobrevive desde os

tempos antigos até a contemporaneidade fazendo parte do inconsciente coletivo.

Todos nós precisamos contar nossa história, compreender nossa história. Todos nós precisamos compreender a morte e enfrentar a morte, e todos nós precisamos da ajuda em nossa passagem do nascimento a vida e depois a morte. Precisamos que a vida tenha significação, precisamos tocar o eterno, compreender o misterioso, descobrir quem somos. (CAMPBELL, 1990, p.5).

O ser humano convive com os mitos a partir da necessidade de encontrar

respostas para os fenômenos da natureza, para o nascimento, para a morte, para a

religião, para o surgimento do universo e a perpetuação da espécie humana sob a

terra. O mítico encontra-se num ponto de equilíbrio entre o sagrado e o profano, é o

limite entre a razão e a loucura.

Os mitos são os reguladores de uma sociedade. Esse processo é constatado

com o seu surgimento na Antiguidade Clássica ou até com as sociedades anteriores

à ela. O mito funciona como “modelo exemplar de todas as atividades humanas”

(ELIADE, 1981, p.12) tendo caráter atemporal, imemoriável, é através dele que o ser

humano tenta explicar o inexplicável, racionalizar as coisas, ordenar o seu próprio

destino e solucionar os conflitos existenciais.

A partir da Idade Média, a teologia ditou os padrões da sociedade e colocou

os mitos num patamar de paganismo. Os mitos que puderam ser absorvidos nas

crenças cristãs, assim, foram feitos, os demais foram relegados ao esquecimento.

Com o racionalismo, a mitologia, caiu ainda mais no descaso, uma vez que só a

razão prevalecia. Do séc. XVIII até o séc. XX ocorreu o abandono dos temas

tradicionais, a sociedade tomou outro prumo e, como a literatura retrata uma época,

ela também se desmitologizou, mas, com o advento da psicanálise as questões

míticas voltam à baila.

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Freud e suas pesquisas sobre o inconsciente influenciam os estudos acerca

do imaginário, definido por La Plantine como a solução fantasiosa das contradições

reais,

O imaginário faz parte da representação como tradução mental de uma realidade exterior percebida, mas apenas ocupa uma fração do campo da representação, à medida que ultrapassa um processo mental que vai além da representação intelectual ou cognitiva”. (LA PLANTINE, 1997, p.8).

Pela psicanálise, o médico austríaco detectou em seus pacientes dramas

existenciais já presentes na mitologia grega. A personagem Édipo, por exemplo,

mais tarde veio a dar nome ao Complexo de Édipo. Essas representações,

identificadas pelo psicanalista como imagens do inconsciente, contribuem para com

a compreensão do espírito humano, para Freud “o inconsciente é a base geral da

vida psíquica. O inconsciente é a esfera mais ampla, que inclui em si a esfera menor

do consciente” (FREUD, 1900, p. 554).

Para MELIETINSKY (1987, p.352), “ a psicologia estritamente individual é ao

mesmo tempo universalmente humana, o que abre o caminho para sua interpretação

em termos simbólico-mitológicos”. O ser humano necessita do mito para explicar

aquilo que todo aparato científico contemporâneo não consegue decifrar, o mito

funciona como elemento organizador do caos. Assim, a literatura contemporânea

propõe um resgate aos mitos buscando respostas para o quê, muitas vezes,

pragmaticamente, é de difícil compreensão. Nesse aspecto, MIELIETINSKY (1987,

p. 239) destaca que “a literatura está geneticamente relacionada com a mitologia”,

desde a Idade Média até a contemporaneidade essa relação mitologia – literatura

torna-se evidente.

A ficção moderna é um grande campo de estudo do pensamento mítico e de

sua atualização, isso não significa que a literatura esteja passando por um período

de escassez de imaginação, mas que trata de problemáticas já levantadas agora

com outras significações. Os traços que compõem as personagens revelam pitadas

de mitologia que são atualizadas pelo próprio enredo, ganham uma nova roupagem

para explicar dramas existenciais que fazem parte do inconsciente coletivo há

milhares de anos.

20

[...] os mitos oferecem modelos de vida. Mas os modelos têm de ser adaptados ao tempo que você está vivendo; acontece que o nosso tempo mudou tão depressa que o quê era aceitável há cinqüenta anos não o é mais, hoje. As virtudes do passado são os vícios de hoje. E muito do quê se julgava serem os vícios do passado são as necessidades de hoje. A ordem moral tem de se harmonizar com as necessidades morais da vida real, no tempo, aqui e agora. (CAMPBELL, 1990, p. 13).

Muitos estudiosos já afirmaram a presença do mito na literatura

contemporânea, seja de maneira explícita ou implícita, a utilização de componentes

míticos é frequente e nos ajuda a entender o espírito humano. Eleazar M. Mieletinski,

em sua obra a A poética do mito (1987) introduz o termo “mitopoética”, que se

caracteriza pela combinação de elementos míticos da antiguidade com o texto

literário, adaptando mitos de outros momentos históricos à realidade atual, uma

espécie de dinamização dos mitos frente às necessidades do romance

contemporâneo.

É esquecer que a vida do homem moderno está cheia de mitos semi-esquecidos, de hierofanias decadentes, de símbolos abandonados. A dessacralização incessante do homem moderno alterou o conteúdo da sua vida espiritual; ela não rompeu com as matrizes da sua imaginação: todo um refugo mitológico sobrevive nas zonas mal controladas. (ELIADE, 1996, p. 14)

A remitologização na literatura surge como manifestação do inconsciente e

do imaginário, a mitologia repaginada da ficção moderna, cheia de criaturas

monstruosas, celestiais, mundos idealizados, histórias criadas a partir dos mitos

antigos que tentam explicar uma nova realidade. É o ser humano tentando explicar

sua existência através do transcendental.

3.1. LILITH: AS MIL FACES DE UM FEMININO DEMONÍACO

A personagem mitológica Lilith fora banida das versões bíblicas judaico-

cristãs, porém, faz parte dos testemunhos orais reunidos em textos rabínicos, em

textos apócrifos, no Alfabeto de Bem-Sirá - uma versão judaica do mito que data os

séculos VI ou VII- e no Torah, uma das partes do Tanakh que constitue o texto

central do judaísmo.

Nesses textos, Lilith aparece como uma mulher feita de pó negro e

excrementos, o mesmo material do qual fora criado Adão. O mito de Lilith é anterior

21

ao de Eva, considerada a primeira mulher de Adão, a trajetória de Lilith é marcada

pela reação aos desígnios do criador e às vontades de seu companheiro. Pode ser

visto como um mito revolucionário, já que levanta a problemática da busca por uma

identidade feminina, a não sujeição ao sistema patriarcal cuja essência está em

anular a existência da mulher.

O grande pecado cometido por Lilith, que custou sua própria existência nas

escrituras sagradas, foi não obedecer o que fora estabelecido por Adão,

representante pioneiro do patriarcado.

O mito de Lilith pertence à grande tradição dos testemunhos orais que estão reunidos nos textos da sabedoria rabínica definida na versão jeovística, que se colocada lado a lado, precedendo-a de alguns séculos, da versão bíblica dos sacerdotes (...) a lenda de Lilith, primeira companheira de Adão, foi perdida ou removida durante a época de transposição da versão jeovística para aquela sacerdotal, que logo após sofre as modificações dos pais da Igreja. (SICUTERI, 1998, p.23).

Embora seu nome não apareça nas escrituras cristãs, ainda há indícios de

sua presença em trechos bíblicos. Na narração do Gênesis consta que Deus criou o

homem e os abençoou, macho e fêmea e mais tarde criou Eva para que Adão não

se sentisse solitário, isso indica a existência de outra mulher, anterior à Eva,

Jehudah em nome de Rabi disse: no princípio a criou, mas quando o homem a viu cheia de saliva e de sangue afastou-se dela, tornou a criá-la uma segunda vez, como está escrito: ‘Desta vez. Esta e aquela da primeira vez’. (BRESIT-RABBÁ apud SICUTERI, 1998, p. 27).

O sangue e a saliva nos remetem à ideia de menstruação e desejo, essa

mulher que não teve limites e causou em Adão o sentimento do medo fora

substituída por outra mais obediente e submissa. Eva fora criada de uma costela de

Adão, o que indica a dependência do homem para sua existência. Mesmo

apresentando características diferentes, Lilith e Eva foram consideradas veículo do

pecado e da transgressão.

A versão judaica do mito de Lilith, encontrada no Alfabeto de Bem Sirá mostra

que Lilith não aceitava ser submissa à Adão, exigia a igualdade, não queria que

Adão deitasse por cima dela na relação sexual. Adão considerava-se superior, a

22

posição durante a relação sexual demonstrava sua superioridade hierárquica. Por

outro lado, existe a possibilidade de que Lilith queria o sexo só por prazer e não para

procriação, “A mulher não aceita esta imposição e se rebela contra Adão. É a ruptura

do equilíbrio. Qual é a ordem e a regra do equilíbrio? Está escrito: "O homem é

obrigado à reprodução, não a mulher". (SICUTERI, 1998, p.19).

Assim perguntava a Adão: ‘- Por que devo deitar-me embaixo de ti? Por que abrir-me sob teu corpo?’ Talvez aqui houvesse uma resposta feita de silêncio ou perplexidade por parte do companheiro. Mas Lilith insiste: ‘- Por que ser dominada por você? Contudo eu também fui feita do pó e por isto sou tua igual’. Ela pede para inverter as posições sexuais para estabelecer uma paridade, uma harmonia que deve significar a igualdade entre os dois corpos e as duas almas. Malgrado este pedido, ainda úmido de calor súplice, Adão responde com uma recusa seca: Lilith é submetida a ele, ela deve estar simbolicamente sob ele, suportar seu corpo. Portanto: existe um imperativo, uma ordem que não é lícito transgredir. A mulher não aceita esta imposição e se rebela contra Adão. É a ruptura do equilíbrio. Qual é a ordem e a regra do equilíbrio? Está escrito: ‘o homem é obrigado à reprodução, não a mulher. (SICUTERI, 1998, p 35).

Figura 02: Lilith, culpada de tentar Eva a comer a maçã

Fonte: www.google.com/imagens

Na figura 02 vemos Lilith com a serpente induzindo Eva ao pecado. Pois,

segundo SICUTERI (1998, p.33), não aceitando ser submissa ao homem, Lilith foge,

Adão sente-se solitário, abandonado e volta ao Criador: "Procurei em meu leito, à

noite, aquela que é o amor de minha alma; procurei e não a encontrei" (Cant. III, 1).

Lilith não atende ao pedido de Deus para que voltasse ao Paraíso, prefere a

situação marginal, torna-se a mulher-demônio, profana o nome de Deus, opta por

23

ficar junto aos demônios do Mar Vermelho, teria com eles relações sexuais, gerando

cem demônios por dia.

Como posso voltar para junto de meu homem e viver como uma esposa, depois deste meu gesto e de viver aqui? "Mas não há lugar para a dúvida e a hesitação: os anjos proclamam ainda: "Se desobedeces e não voltas, será a morte para ti. (SICUTERI, 1998, p.34).

Os anjos tentam recuperá-la, mas ela se nega, aceita ser a serpente-demônio

encarregada por Deus de vigiar as crianças recém-nascidas homens até o oitavo dia

e das nascidas mulher até o vigésimo ano, porém, Deus a castiga exterminando sua

prole da face da terra. De acordo com Brunel, em seu dicionário de mitos literários, o

Antigo Testamento faz referência à expulsão de Lilith nos

Livros dos profetas, Isaias 34/14, poema apocalíptico sobre o fim de Edom que se transformou, graças à cólera de Jeová, em pez ardente, antes de se converter em deserto, por onde mais ninguém passará, a não ser o pelicano, o ouriço, a coruja e o corvo que farão desse caos sua morada, e “lá também descansará Lilith, achará um pouso para si em companhia dos gatos selvagens, das hienas, dos sátiros, da víbora e dos abutres (BRUNEL, 1988, p. 583).

Essa interpretação demoníaca pode ser vista como uma advertência feita pelo

judaísmo cuja essência patriarcal condenava a mulher que tentou se igualar ao

homem. O mito de Lillith representa a força da mulher que se rebela contra os

padrões pré-estabelecidos, contra a submissão imposta pelo masculino, podendo

também remeter à ideia do poder sexual e da força psíquica presente na mulher que

coloca o patriarcado em risco, questionando suas imposições de modo desafiador.

A força de Lillith foi se modicando, reforçamos a ideia de CAMPBELL (1990)

quando diz que o mito se adequa a cada contexto histórico. Na antiguidade egípcia e

greco-romana Lilith é descrita como divindade e não como demônio, na Idade Média

é considerada bruxa, levando muitas mulheres à inquisição e morte na fogueira.

Outra leitura do mito de Lilith a assemelha ao arquétipo da Grande Mãe,

definido por Neumann (1968, p. 31) como “Tudo o que é grande e envolvente e que

contém, circunda, envolve, protege, preserva e nutre qualquer coisa pequena

pertence ao reino maternal primordial” . Lilith representa o lado escuro da lua, sendo

também conhecida como a Lua Negra, as fases da lua representam o ciclo da fértil

24

da mulher. Desse modo, o mito pode ser considerado símbolo da fertilidade e

capacidade de procriação feminina.

[...] as funções básicas do Feminino – a quem cabe nutrir, dar calor, proteger, amparar, sem mencionar as funções do dar vida e do parir [...]. O Feminino parece ter essa ‘grandeza’ porque aquilo que é contido, protegido e nutrido, que recebe calor e amparo, é sempre o pequenino, o desamparado e o dependente, completamente à mercê do Grande Feminino. (NEUMANN, 1974, p. 49).

No site www.beatrix.pro.br/index.php/lilith (2010), BEATRIX ALGRAVE, traz

uma descrição sistemática do mito de Lilith, comparando-a com o mito da Grande

Mãe. De acordo com o texto, essa deusa, também conhecida como ‘Grande

Serpente’ e ‘Dragão’, era uma figura mitológica predominante no mundo agrário da

antiga Mesopotâmia e do Egito. Vide figura 03.

Figura 03: Imagem de Lilith na Mesopotâmia e Egito Antigo

Fonte: www.google.com/lilith

Por representar a mulher que dá a luz e alimenta seus filhos, o mito dessa

deusa foi associado às atividades agrárias. Contudo, com a mudança social de uma

cultura ligada à agricultura para o mundo relacionado à caça e à criação de

animais, atividades masculinas sofreu uma substituição simbólica do falo e da

fertilidade pela espada e pela morte.

25

Ainda segundo ALGRAVE (2010), entre os anos 3000 e 2500 a. C., os

sumérios passaram a ter contato com culturas patriarcais ocorrendo a transição

da concepção religiosa matriarcal para a patriarcal.1 Os templos dedicados à Deusa

foram postos abaixo e as práticas sexuais foram reprimidas, além disso, com a

passagem da sociedade matriarcal para a patriarcal, a Deusa-Mãe fora substituída

pelo modelo patriarcal de Javé .

O mito de Lilith é paradoxal porque que carrega consigo o estigma da

rebeldia, do prazer, do mistério, da morte, e, ao mesmo tempo, da angústia, do

medo, da perversão. Dependendo da abordagem dada, das interpretações e da

carga cultural incorporada ao mito, Lilith carrega, através dos tempos, a carga da

mulher que não se ajusta aos padrões patriarcais e suas várias facetas, maléficas ou

benéficas.

1 Concepção religiosa matriarcal embasava-se na supremacia política feminina, a mulher tomava as

decisões e ocupava os cargos mais importantes. Já na concepção religiosa patriarcal, o homem exerce direitos absolutos sobre a família e a sociedade. (www.infoescola.com/sociologia/matriarcado ; www.opensadorselvagem.org/ciencia-e-humanidades/demografia/o-patriarcado).

26

CAPÍTULO IV: LINGUAGEM SIMBÓLICA: A AMBIGUIDADE ANGELICAL

A problemática levantada pela escritora, nessa obra, alcança o inconsciente

coletivo e o individual: é a mulher em busca do próprio “eu”, perdido em meio à

repressão do patriarcado. Na obra é possível observar a reconstrução do mito de

Lilith nas personagens Gisela e Anemarie, mulheres que, em uma luta silenciosa, ora

atualizam, ora reconstroem aquela que foi, injustamente ou não, exilada na memória

de um cristianismo patriarcal.

Anemarie apareceu no esplendor de seus cabelos e no horror de sua devastação. No silêncio, ouvi os círios crepitarem. Exclamações abafadas, piedade, medo. Minha avó contemplou a criatura que talvez mais tivesse amado na vida. A mão não tremeu na bengala, os olhos desbotados não pestanejavam. Depois deu um passo para trás e, sem qualquer sinal prévio, cuspiu no chão, diante da caixa negra. (LUFT, 1981, p.117).

A passagem acima mostrou, o preço a ser pago pelas mulheres que

escutassem e ousassem a rebeldia de Lilith. A avó, guardiã das tradições dos

Wolfs2, que zelava de sua família tal qual o lobo-chefe zela a sua matilha, mostrou o

seu escárnio ao ver a neta preferida morta, carcomida pelo câncer.

4.1. LILITH E A TRANSFORMAÇÃO DA IDENTIDADE FEMININA

As trajetórias dessas personagens luftnianas revelam aspectos pertinentes à

atualização do mito judaico-cristão de Lilith. De acordo com MAZUCCHI-SAES

(2005, p.14) “No discurso, os mitos atualizam-se, recebendo nova vestimenta

conforme a situação e a realidade”.

Em A asa esquerda do anjo, Lya Luft consegue captar como numa

fotografia, a busca pela identidade feminina pelas personagens Gisela e Anemarie,

o enredo revela dois dos mais importantes tabus femininos, um de ordem mais

pessoal, representado por Gisela, e o outro, mais social, encontrado em Anemarie.

Os conflitos internos dessas personagens são uma espécie de bússola que guia o

leitor pelo turbulento universo feminino apresentando na obra.

2 Wolf, palavra inglesa cuja tradução é lobo.

27

Tanto Gisela, quanto Anemarie são transgressoras do modelo da mulher

submissa, Gisela luta internamente contra seus fantasmas e neuroses, Anemarie,

decepciona o modelo patriarcal por suas escolhas que sujam toda a candura com a

qual era vista por todos. Exilada em si mesma, numa dolorosa desconstrução, Gisela

narra sua história, marcada pela busca do autoconhecimento tenta encontrar

respostas em sua memória.

É sob a ótica de Gisela que conhecemos Anemarie, a menina de cabelos

louros, considerada pela narradora e por toda a família a mais pura manifestação da

perfeição, ao contrário da própria Gisela que se considerava desajustada naquela

família de gente loura, já que sua mãe, típica morena brasileira, casara-se com um

descendente de alemães.

É possível identificar a relação das personagens Gisela e Anemarie com o

mito de Lilith, pode-se afirmar que existe um diálogo ao longo do enredo mítico

dessa obra contemporânea que se encontra ora escancarado, ora velado e confere a

essa comparação traços que assemelham-se, outros que diferenciam-se, e uma

nova imagem que oferece uma significação referente ao mito. Assim como Lilith

não se encaixava, não sentia-se pertencente ao paraíso, Gisela também sentia-se

deslocada.

Nenhum deles, exceto talvez minha mãe, suspeitava da extensão da minha dor e do meu medo de jamais pertencer a nada ou a ninguém. (LUFT, 1981, p. 32). Chegava para minha mãe ocupada, atendendo a todos; logo alguém me pegava pelo braço, sempre aqueles apertos decididos, pondo-me no meu lugar – mas onde era mesmo o meu lugar?(LUFT, 1981, p.33)

Muitos dos relatos mitológicos de Eva e também de Lilith relacionam-se à

submissão das mulheres aos homens. Mesmo após a tentativa do cristianismo de

apagar a personagem Lilith da história da humanidade, ela ressurge em textos de

várias culturas, reafirmando sua existência e a força dos elementos míticos

relacionados à figura da mulher que não aceita ser dominada pelo homem e reage

às imposições masculinas.

A personagem luftiniana Gisela, sofre calada, internamente remói velhos

traumas, sentimentos que a afastam das pessoas que ama, ou deveria amar.

Veladamente, ela não aceita, não digere as limitações impostas pela avó Frau Wolf

que durante toda vida repete o bê-a-bá patriarcal, embora decadente. Frau Wolf

28

“não se permitia fraquezas e desprezava as alheias” (LUFT, 1981, p.17), “Frau

Wolf não discutia: suas ideias eram suas ideias e os outros as aceitavam ou

eram desprezados pelo seu silêncio e um leve repuxar da boca” (LUFT, 1981, p.

29),

Mesmo depois de morta a lembrança opressora da avó continua castigando a

personagem protagonista, que se revolta, mas sempre se cala diante da dor.

ORLANDI (1995, p.33) coloca que “O silêncio é. Ele significa. Ou melhor: no silêncio

o sentido é”. Envolta em seus pensamentos, nesse silêncio revelador, Gisela tenta

libertar-se.

Como já fora dito antes, Gisela apresenta uma problemática mais subjetiva, de

ordem mais pessoal, ela tenta lidar com sua rejeição/ repressão, atordoada com um

sentimento que nasce dentro dela substanciado no verme que a acompanha desde a

infância. Como Lillith em seu ostracismo no Mar Vermelho, Gisela corrói-se diante

dos pensamentos libidinosos, porém, impraticados

Sinto um prazer animal, primitivo, ao mexer no proibido, sempre me proibiam de pegar em coisas sujas, terra, areia, capim, bichos.(...) Guísela, vá se lavar , depressa, depressa! Garanto que você já está toda cheia de bichinhos imundos! Minha avó fala em alemão, como sempre, suas palavras guturais caem sobre minha alegria, desabam no meu castelo, destroem o parco momento feliz. Levanto-me, tropeço, caio, tenho dificuldade em me livrar do peso da areia molhada nas pernas. Começo a gritar horrorizada, sinto-me invadida por milhares de vermes nojentos que se agitam, está irremediavelmente imunda. (LUFT, 1981, p.60).

Sem saber direito o que a atormenta ela chama de verme a criatura que ela

mesma cria dentro dela. O verme pode estar relacionado tanto com a vida quanto

com a morte. Na literatura, a imagem do verme aparece frequentemente. Citemos

como exemplo a obra poética de Augusto dos Anjos (2003), em muitos de seus

poemas ele recorre a essa metáfora fazendo referência às transformações, à vida e

à morte. Em sua obra veremos o verme descrito como “o dono maior do inventário

da matéria rica”, “ operário das ruínas”, “fator universal do transformismo”, o verme

que “à vida em geral declara guerra”. O verme está ligado à transformação, à

passagem de um estado a outro.

É mais provável que se trate de uma transformação, da passagem a um estado superior, simbolizado pelo estado larvatório transitório.(...) Símbolo da vida que renasce da podridão e da morte.(CHEVALIER, GHEERBRANT, 1995, p.943 -sic).

29

Era como se esse verme corroesse Gisela viva, seus conflitos, sua

dificuldade em adequar-se à vida, os fantasmas que a assombravam, as culpas e

repressões alimentavam esse verme que se alojara dentro dela. Ela sente que vai

expelir o verme pela boca, o verme é uma imagem polissêmica, metafórica, está

ligada ao prazer como algo sujo, nojento, imoral. Isso é percebido em várias

passagens, nesse processo de luta interior com algo que ela não sabe exatamente o

que é, revela-se a negação do sexo.

Teria existido mesmo a criatura naquele tempo? Ou só agora, depois da morte de Leo, que espatifou o carro contra um muro no meio da noite, pondo fim à solidão em que o deixei, essa coisa começou a viver dentro de mim? (LUFT, 1981,p. 62). Terei coragem de num ritual último abrir a boca como nunca abri as pernas e parir minha purificação? (LUFT, 1981,p. 37-8). Quero me libertar: ser pura, como Anemarie, que morreu e na minha memória continua imaculada.( LUFT, 1981, p.83). Sou uma mulher normal? Sou? Guísela ou Gisela? Ódio ou amor? Fogo ou gelo? Meu lugar ainda é nos braços de Leo, que me ama? Ou nesse campo de neve, eu comigo mesma encastoada no corpo imune a qualquer toque, qualquer afago, incandescido apenas à memória do que poderia ter sido e não foi? (LUFT, 1981, p.100) O fogo do amor de Leo: a pedra de gelo no meu ventre, resistindo, resistindo, ninguém entra nele. (LUFT, 1981, p. 123).

Para Gisela, o sexo torna-se um tabu, algo impuro e pecaminoso, símbolo de

uma violação. A noção de pecado e a negação do prazer são delineados na Idade

Média, período no qual os desejos carnais sofreram repressão por parte do discurso

religioso. O pecado de Adão e Eva deixa de ser o pecado da desobediência e do

orgulho e passa a ser o pecado carnal. Eva foi considerada a causadora de todo o

mal, aquela que convencera Adão a cometer o pecado mortal.

Percebemos relação com o mito de Lilith, no que tange a própria liberdade

sexual, a sexualidade reprimida, Gisela é castrada na infância, Lilith é condenada por

sentir-se mulher e querer usufruir do prazer, a diferença está no fato de que Lilith

repudia essa condição de submissão, sua revolta é contra a opressão do

patriarcado, não aceita a imposição e sentido-se acuada bate as asas para a

liberdade.

30

Ao fugir do paraíso Lilith refugiou-se junto aos demônios e espíritos malignos

no Mar Vermelho onde passou a viver uma vida promíscua, pois, só assim pode

sentir o sabor da liberdade em escolher aquele com quem quisesse deitar-se.

Contudo, essa condição de liberdade e escolha só eram concedidas aos demônios

vis e articuladores do pecado e da maldade. Lilith personificava-se nessa busca por

sua rebeldia contra o estabelecido, e, como não foi aceita como igual a Adão,

resolveu afastar-se dele. Já a personagem Gisela sente-se imobilizada e passa a

vida inteira procurando por respostas, por sua identidade perdida.

De acordo com Stuart Hall (2001, p.38) “a formação da identidade ocorre com

o passar do tempo, fruto do inconsciente, não nasce com a pessoa”. Nesse prisma

delineado por Hall, Lilith também, representa esse sentimento feminino de eterna

adequação. No final, Gisela entra em confronto com seus fantasmas, na

representação do ‘verme’ que cresce dentro dela, pelo seu imaginário.

Nessa mesma noite percebi a criatura dentro de mim. Está atolada na minha garganta. Se houvesse alguém para me ajudar a parir, talvez avistasse uma ponta sem rosto. (...) Criei coragem, estou me libertando, (...) acabou-se a encenação (...) Num espasmo de vômito consegui expelir o resto de uma só vez(...) ele veio das entranhas. (LUFT, 1981, p.137-138).

Anemarie representa um conflito de ordem mais social, já que sua atitude

desestrutura a ordem patriarcal por desobedecer a ordem moral. Vasquez (1998)

define Moral como

sistema de normas, princípios e valores, segundo o qual são regulamentadas as relações mútuas entre os indivíduos ou entre estes e a comunidade, de tal maneira que estas normas, dotadas de um caráter histórico e social, sejam acatadas livres e conscientemente, por uma convicção íntima, e não de uma maneira mecânica, externa ou impessoal. (VASQUEZ, 1998, p.84).

Transgredindo a ordem moral ao envolver-se amorosamente com o tio Stefan,

Anemarie recebe o desprezo de Frau Wolf e do resto da família, que devia seguir as

imposições da matriarca. Gisela, em sua admiração doentia pela prima, na infância

já anunciava essa transgressão. “Anemarie toca; apesar do calor parece não

transpirar. Sua beleza ainda me atinge como uma novidade. A música invade a sala,

lamento de anjo, rumor de asas ocultas (...) O violoncelo solta um gemido: sofrimento

ou prazer?” (LUFT, 1981, p. 76-77).

31

Na personagem Anemarie é possível identificar duas facetas de Lilith, a

primeira-representada no incesto com o tio - a da sedução, relacionada à serpente, é

a mulher que seduz e desvia os homens, que se entrega ao prazer sem medir as

consequências – a segunda, representada na ideia de Lilith que é o oposto do

modelo de filha, a mulher que se rebela contra o seu criador, contrariando as ordens,

sendo exilada e amaldiçoada.

Há também a inversão dessa leitura do mito, já que, diferentemente de

Anemarie não existe purificação, Lilith não retorna, não há arrependimento, é

condenada a viver longe do convívio social e prejudicaria a todos que aceitassem

esse contato. O câncer de Anemarie – que parece ter uma função moralizante – é a

sua purificação perante o pecado do incesto. Ela retorna à casa dos Wolf e agoniza

perante a piedade da família e o repúdio da avó.

O mito de Lilith também representa a força sexual e psíquica da mulher,

simboliza a irracionalidade frente as limitações e o impedimento de realização plena.

Quando o modelo de Lilith é desvinculado da eu-feminino a mulher pode tornar-se

fria sexualmente. Sendo assim, é possível relacionar o mito com o namoro de Gisela

e Léo. A moça não se entrega ao namorado, embora com ele se sentisse amada, até

as pequenas carícias lhe desagradavam, começam os desentendimentos e terminam

o relacionamento.

Lilith, Gisela e Anemarie representam esta busca por uma identidade

feminina. Assim como no mito bíblico, as personagens da obra apresentam

características lilitheanas, mulheres anuladas pelo sistema patriarcal que anseiam

por libertação. O mito de Lilith oferece pluralidade de leitura, dualidades e tensões,

representa o ser humano e suas tragédias, revela faces sagradas e profanas, prazer

e dor, vida e morte.

4.2. O ANJO PETRIFICADO, O VERME INQUILINO E OUTROS SÍMBOLOS:

METÁFORAS E RESSIGNIFICAÇÕES

O submundo feminino explorado e escancarado por Lya Luft, é, sutilmente

abordado pelo universo simbólico que percorre todo o texto. Ela fala, para bons

entendedores, através de símbolos que carregam uma profunda carga semântica,

32

são significados que se misturam, que anunciam o labirinto existencial vivido pela

protagonista Gisela.

Em tom memorialístico, Gisela fala sobre o anjo do jazigo da família, essa

referência se faz presente em quase toda a obra. O anjo que zela por todos os vivos

e mortos da família Wolf. O símbolo do anjo faz parte do mundo de repressão no

qual vive Gisela, ela mesma dá vida àquele ser estático por meio de suas

perturbações interiores e seu sofrimento, tornando-o bem mais que uma estátua, um

ser repleto de mistério. “Um Anjo misterioso, concentrado na pesada matéria em que

se imobilizava a eternidade de seu gesto e expressão, os enigmas da vida e da

morte...” (LUFT, 1981, p. 41). O anjo do jazigo é personificado, no texto a palavra

anjo aparece com letra maiúscula, o que dá maior importância ao ser angelical tão

intimo e ao mesmo tempo tão frio e superior relatado por Gisela.

Nos pensamentos mais íntimos da garota, criada dentro de padrões rígidos,

o anjo lhe causava um misto de curiosidade e libido: “Moça ou rapaz? O rosto era de

um belo adolescente, mas os cabelos desciam até os ombros, e debaixo dos

panejamentos de bronze entreviam-se seios redondos. Eu tinha vergonha de olhar,

mas eram seios. (LUFT, 1981, p. 41).

O anjo é um ser andrógino, representa a totalidade, a integração dos

contrários, traduz em termos sexuais a ideia de complementação de opostos. O Anjo

do jazigo representa bem essa junção, ou integração de contrários a partir da

imagem de sua asas e de seus braços. O esquerdo representa o feminino, a asa

esquerda, bem como a mão esquerda apontam para o chão, para as sombras. O

lado masculino é o lado certo, direito, a asa e a mão direta apontam para cima, para

o céu, para a claridade.

A asa esquerda tem um pequeno defeito, uma fenda, ela é responsável pela

coexistência dos contrários, da diferença, pois o bem só existe se o mal existir e

vice-versa, assim também o feminino e o masculino, a luz e as trevas, o céu e terra.

Na asa partida é possível enxergar a rachadura, símbolo que dividiria homens e

mulheres. No Anjo há a coexistência de ambos os sexos, feminino e masculino

estão presentes naquela figura misteriosa e celestial, Gisela percebe isso, sente-se

culpada, envergonhada devido à educação repressora que recebera, devido aos

valores morais patriarcais que ditava os padrões comportamentais de toda a família

Wolf.

33

Em seus devaneios particulares, pensamentos dos quais apenas ela sabia,

que não poderiam ser censurados por Frau Wolf porque eram secretos, estava a

curiosidade em saber o que havia no porão da antiga casa dos Wolf. Esse lugar, que

era para Gisela um verdadeiro enigma, é outro símbolo usado pela autora:

Esta tarde passei pelo edifício que ergueram onde era a casa da minha avó. Lembrei do porão e a portinha misteriosa. Eu era fascinada pelo porão, uma peça velha, de teto abobadado cheirando a mofo. Teias de aranha, móveis quebrados, garrafas empilhadas, uma cadeira de balanço com palhinha furada que pertencera a meu avô, botas de montaria, tachos de cobre azinhavrados. Num canto, a portinha: tão baixa, que por ela só passaria uma criança ou um anão. Ninguém parecia saber para que servia; ninguém se interessava por ela; ninguém possuía a chave. Se eu insistia muito, diziam que eu era intrometida, mas que mania tem essa menina de imaginar mistério em toda a parte! (...) Minha fantasia de criança imaginava alguém aprisionado lá dentro, gritando sem ser ouvido (...) Talvez a salvação de toda a família Wolf tivesse ficado escondida no quartinho do porão. E ninguém possuía a chave”.(LUFT, 1981, p. 57- 58).

Segundo BACHELARD (1993, p.36-37), em A Poética do Espaço, o porão

“é a princípio o ser obscuro da casa, o ser que participa das potências subterrâneas.

Sonhando com ele, concordamos com a irracionalidade das profundezas”. Ele abriga

aquilo que é necessário esconder, o que está no inconsciente. No porão há trevas e

noite. Na obra, o porão assinala a repressão castradora, aquilo que era camuflado, o

lado sombrio escondido pelos Wolf e principalmente por sua matriarca. “O porão é

então a loucura enterrada, dramas murados”. (BACHELARD, 1993, p. 38).

Os fantasmas, que assombravam a personagem Gisela, poderiam, então,

estar escondidos no porão, vestígios de lembranças, os ditames familiares, a

ausência de liberdade, as convenções familiares seguidas como lei, sem

contestações, a repressão quanto à sexualidade – podendo também configurar-se

como um símbolo secundário do corpo fechado para o sexo - enfim, todas as

limitações das quais a menina tentava desvencilhar-se mas não conseguia, descer

ao porão era proibido porque acarretava descer a escada que poderia revelar

memórias soterradas pelo tempo, mas que faziam parte de seus devaneios.

O próprio ato de descer ao porão é descrito por BACHELARD (1993, p. 43)

“A escada que conduz ao porão, descemo-la sempre. É a descida que fixamos em

nossas lembranças, é a descida que caracteriza o seu onirismo”.

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Gisela, filha de uma mãe ‘brasileira’, e neta de uma avó alemã que cultivava,

ou tentava cultivar no seio de sua família, os princípios da família tradicional, dentro

de um microcosmo impregnado de poder matriarcal sentia-se errada, deslocada por

não encaixa-se a esse ambiente. Num jogo de opostos, a prima Anemarie era a

própria imagem da perfeição.

Nossa protagonista tinha verdadeira adoração pela prima, ela era perfeita, a

preferida de toda a família, principalmente de Frau Wolf, havia nela algo sagrado,

intocável. Tão grande era sua veneração à prima que Gisela pensa: “De repente,

acho Anemarie parecida com nosso Anjo.”(LUFT, 1981, p.77), a prima lhe parecia

pura como o anjo do jazigo, talvez pelo fato do anjo ser visto como um ser

assexuado, livre da podridão que era a sexualidade para Gisela, mal sabia ela que

sua prima escondia um segredo que abalaria as estruturas do clã Wolf.

Anemarie, em toda sua beleza e perfeição é ainda mais perfeita quando

tocava seu violoncelo, pois, os anjos se regozijavam ao som de harpas, e como a um

anjo Anemarie também tocava “(..) apesar do calor parece não transpirar. Sua beleza

ainda me atinge como uma novidade. A música invade a sala, lamento de anjo,

rumor de asas ocultas (...) O violoncelo solta um gemido: sofrimento ou prazer?”

(LUFT, 1981, p. 76-77).

O violoncelo entre as pernas de Anemarie é um símbolo fálico que

representa o segredo do incesto praticado por ela e ao mesmo tempo, a sexualidade

reprimida. Mais tarde, descobrem que tio Stefan tinha um romance com Anemarie,

os dois haviam fugido e ninguém sabia muita coisa sobre a vida deles. Longe, era

como se os dois, principalmente Anemarie nunca tivessem existido. Frau Wolf

proibira que se falasse nela naquela casa. Até que recebem a notícia que Anemarie

está muito doente, a matriarca permite que ela retorne à casa da família, mas se

quer vai vê-la.

Doente, fraca, sofrida, Anemarie é um resto de gente, de antes só lhe restou

a beleza dos cabelos loiros, o câncer tomara conta de seu corpo e a morte era

inevitável. O triste fim de Anemarie representa a punição pelo incesto. O câncer

começara pelo útero, órgão que dá a vida, como uma espécie de castigo de Deus

por ter rompido um tabu. O ato da prima Anemarie é, na verdade, a destruição dos

princípios civilizatórios instituídos pela avó, o tabu do incesto é violado, a prima

perfeita torna-se impura deixando-se dominar por seus desejos, o relacionamento

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amoroso com o marido de sua tia é o rompimento do pacto familiar com aquilo que

era proibido.

Lya Luft explora a sexualidade por meio de outro símbolo falocêntrico -

entendendo-se ‘falo’ como a perpetuação do poder masculino - na ausência do avô,

é a bengala de Frau Wolf, que representa a figura do patriarca, num aspecto mais

amplo, toda a sociedade patriarcal que a rigidez da avó de Gisela representa ao lhe

corrigir e mostrar-se sempre como um ser sem sentimentos.

Para mim, estudos e escalas eram um tormento, acompanhado pelas pancadinhas da mão ossuda de Frau Wolf se meus dedos entortavam, e o toque de sua bengala entre minhas omoplatas quando me encurvava demais. Minha avó, ‘a verdadeira Frau Wolf’,como gostava de dizer, morreu aos noventa anos, e até o fim sentou-se ereta na beira da poltrona. (LUFT, 1981, p. 16-17).

Outro símbolo importante que acompanham o processo de libertação de Gisela, é o

de um verme que a protagonista sente crescer dentro dela. A partir do único relacionamento

afetivo de Gisela, seu namoro com Leo, ela sente a presença de um inquilino indesejado. O

namoro não é retomado porque Léo morre em um acidente de carro. A partir daí,

Gisela sente-se ainda mais perturbada com a sensação de que algo estranho cresce

dentro dela (...)” A memória continua ativa, num estertor lembro que Leo está morto e

que, desde sua morte, esta coisa que estou expelindo retornou à vida dentro de

mim.” (LUFT, 1981, p. 131)

A semente do verme que Gisela sente estar dentro dela : “à noite quando

me angustio, enovela-se no meu estômago, sobe pelo esôfago (LUFT, 1981,p. 62)” é

a materialização dos traumas e medos que levara por toda sua vida, a criatura

repugnante que se cria em seu corpo representa a transição, a busca pela libertação,

é no parto às avessas que isso se concretiza. “Vem maldito, chamo em silêncio. E

começo a sofrer convulsões alongadas como num parto (...) Sem olhos. Sem nariz.

Sem identidade, arrasta-se pelo meu estômago (...) não agüento, fecho a boca”

(LUFT, 1981,p.130).

Ao acompanhar a trajetória de Gisela por uma vida marcada por recalques

e traumas, nos deparamos com o parto simbólico dessa criatura, desse feto horrendo

ao qual Gisela chama de verme. É o momento final, uma espécie de transição e

ruptura com toda a carga psíquica contida na personagem e na imagem do verme. O

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parto carrega uma relação com o inconsciente da personagem, sua vida, as relações

familiares, a trágica saga dos Wolf, afunilam-se no final, resultando nesse doloroso

parto.

A metáfora luftiana do verme aproxima o ser humano do grotesco, do animal.

Gisela sente que há algo errado, mas não consegue definir de que se trata, então,

cria a imagem do verme, considerando toda a carga semântica presente nessa

palavra. O parto dessa criatura traz para o enredo todos aqueles elementos

instintivos e inconscientes que transgridem a existência humana, que evidenciam a

essência animal de todos nós.

O parto é a metáfora da libertação de toda a repressão vivida por Gisela, da

expulsão de todos os recalques nela internalizados. O momento do parto é para

Gisela o ato de dar a luz, não a um filho, pois não se deixou ser tomada por homem

algum, mas a um verme que é parte de si, é o lado sem rosto de todas as suas

culpas e repressões. “Até que, em seu quarto, o parto ocorre e ela dá a luz a um

verme gerado pela boca, já que ela não se permite abrir as pernas, se entregar. “Não

tive um filho de Leo, não abri minhas pernas, mas pari esta criatura que, enrodilhada,

bebe o leite.” (LUFT, 1981, p. 140).

Devagar, meu habitante se vira, o leite acabou, mas ele ainda está faminto, vira-se na minha direção, balançando pesadamente a parte erguida do corpo. Vira-se mais, sei que vai me encarar. Minha identidade – qual é a minha identidade? Ele vai me fitar, sem olhos, sem nariz, sem feições. Sem identidade como eu – qual é o meu nome? Onde fica o meu lugar? Como se deve amar? Neve ou fogo? (LUFT, 1981, p.140-141).

Esse ser, que busca o leite colocado à beira da cama, não tem rosto, nem

identidade, a encara de frente e a faz perguntar a si mesma: Quem sou eu? Qual a

minha identidade? Indagações frequentes as questões mais profundas do ser,

características da sobreposição do Ter no mundo capitalista que se descortinou tão

vorazmente após a década de 1970.

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CONCLUSÃO

Depois da realização de uma retrospectiva do contexto na qual a obra “A

asa esquerda do Anjo” fora pensada e escrita, percebemos a influência que o olhar

feminino e a posição intimista de Lya Luft produziram. A literatura feminina, em

particular a escritura luftiniana, é fruto da conscientização da situação social da

mulher. É uma produção questionadora, subjetiva, psicológica que se solidifica pelo

viés do ser humano fragmentado, pelo sentimento corrosivo de angústia trazido pela

narradora.

Lya Luft escreve sobre personagens femininas que em seus dramas

particulares representam todas as mulheres. Na personagem protagonista Gisela e

em sua prima Anemarie, a autora traz a tona dois estereótipos femininos que

atualizam o mito de Lilith. Sob a perspectiva mitológica a obra revela quão presente

o arquétipo de Lilith ainda se faz no mundo feminino, Gisela representa a mulher que

se encolhe e se culpa perante os tabus patriarcais, já Anelise, nega esses valores,

porém, é vencida por eles. Nas faces lilitheanas das personagens do romance A asa

esquerda do Anjo é possível identificar a figura da mulher histórica, refém de uma

força patriarcal que se inicia junto com a história da humanidade.

Na literatura luftiniana tem-se uma visão panorâmica da condição feminina

no mundo pós-moderno. Em A asa esquerda do Anjo, muito dessa visão é

possibilitada graças à escolha e à utilização de uma linguagem enigmática, criada a

partir da simbologia escolhida. A linguagem simbólica é sedutora, proporciona o

encontro do real com o imaginário, do possível com o impossível, do que é permitido

e do que precisamos esconder, é o que torna possível transcender nossa existência.

De maneira implacável, Lya faz o que propõe sua literatura, desnuda os

ranços de uma sociedade de valores controversos, de uma moral falida. Para isso,

escolhe a família como microcosmo no qual tudo acontece. A autoridade despótica

exercida pela avó é o ponto de partida para o sofrimento da personagem principal,

que dia após dia se encaminha para a autodestruição.

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