Agrobacterium sp

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12 Biotecnologia CiŒncia & Desenvolvimento Agrobacterium: Um sistema natural de transferŒncia de genes para plantas Da galha-da-coroa para as plantas transgŒnicas PESQUISA ntre as doenças bacterianas de plantas, a galha-da-co- roa (do inglŒs crown-gall) tem-se destacado nos œlti- mos anos, nªo pela impor- tância econômica dos pre- juízos causados por ela, mas pelo impacto que o estudo dessa doen- ça trouxe para a ciŒncia moderna. Ape- sar de ser conhecida desde a Antigüida- de, somente em 1907, após a primeira descriçªo do seu agente etiológico, essa doença despertou o interesse de cientistas que trabalham nos mais dife- rentes campos da pesquisa. O interesse particular nessa doença deveu-se ao fato de que as galhas vegetais sªo normalmente causadas por microrga- nismos ou por insetos, sendo que a proliferaçªo do tecido vegetal Ø induzi- da por um estímulo externo, de nature- za química ou mecânica. No caso da galha-da-coroa, as cØlulas vegetais in- fectadas pela bactØria adquirem a pro- priedade de se multiplicarem de ma- neira autônoma, sem a necessidade de estímulos externos. Essa doença se traduz assim, pela formaçªo de uma galha na coroa (junçªo entre o tronco e a raiz) ou diretamente nas raízes da planta infectada. Inicialmente, os pes- quisadores associaram o desenvolvi- mento dessas galhas ao câncer animal, o que estimulou numerosas pesquisas visando à elucidaçªo das causas da galha-da-coroa. Esses estudos concluí- ram que o surgimento da galha Ø, na realidade, o resultado de um processo natural de transferŒncia de genes da bactØria para a cØlula vegetal, que passam a sintetizar substâncias que estimulam a divisªo celular no sítio de infecçªo. Os conhecimentos gerados desde entªo culminaram com um en- tendimento bastante aprofundado des- se parasitismo, sendo considerado atu- almente um sistema modelo para estu- dos das interaçıes patógeno-hospe- deiro em plantas. O agente etiológico causal da ga- lha-da-coroa Ø Agrobacterium tume- faciens, uma bactØria tipicamente do solo, do tipo bacilo aeróbico e Gram- negativa. AlØm de A. tumefaciens, o gŒnero Agrobacterium possui outras 4 espØcies que diferem entre si pela patogenicidade e modo de infecçªo em diferentes plantas, principalmente em Angiospermas dicotiledôneas. Des- sa forma, A. tumefaciens Ø o agente etiológico da galha-da-coroa, A. rhizo- genes causa a raiz em cabeleira (do inglŒs hairy root), A. rubi induz galhas especificamente em Rubus spp., A. vitis induz galhas especificamente em videi- ras e A. radiobacter Ø saprófita (nªo- patogŒnica). As agrobactØrias perten- cem à família Rhizobiaceae, que agru- pa, entre outros, os gŒneros Rhizo- bium, Bradyrhizobium e Phyllobacte- rium, que sªo bactØrias fixadoras de nitrogŒnio. Biologia do processo infeccioso No início do processo de infecçªo de uma planta por Agrobacterium, ocor- re o reconhecimento e a ligaçªo da bactØria à cØlula vegetal. As bactØrias sªo atraídas em direçªo ao tecido vege- tal por quimiotactismo em relaçªo às molØculas-sinal (compostos fenólicos, açœcares e aminoÆcidos), que sªo exsu- dadas por cØlulas lesadas em decorrŒn- cia de ferimentos superficiais causados por insetos, geadas ou tratos culturais. Uma vez em contato com as cØlulas vegetais, as bactØrias sintetizam micro- fibrilas de celulose para favorecer a formaçªo de agregados de cØlulas bac- terianas em volta do tecido vegetal ferido. A capacidade de infectar cØlulas vegetais estÆ associada à presença, nas agrobactØrias, de um plasmídio de alto peso molecular (150 a 250 kb), conhe- cido como plasmídio Ti (do inglŒs tu- mor-inducing) (Figura 1). As molØculas-sinal liberadas pela planta irªo tambØm ativar genes que estªo localizados em uma regiªo do plasmídio Ti, chamada de regiªo de virulŒncia (regiªo vir), que Ø um regu- lon composto de seis a oito operons, contendo, aproximadamente, 25 genes no total. As diversas proteínas codifica- das pelos genes da regiªo vir vªo pro- Ana Cristina Miranda Brasileiro, Ph.D., Biologia Molecular e Celular Vegetal [email protected] Cristiano Lacorte, M.Sc., GenØtica - Laboratório de TransferŒncia de Genes Embrapa Recursos GenØticos e Biotecnologia Parque Estaçªo Biológica, Brasília - DF Figura 1: Mapa funcional de um plasmídio Ti do tipo nopalina: T- DNA - corresponde ao segmento de DNA que Ø transferido para a cØlula vegetal; regiªo vir genes responsÆveis pelo corte e transfe- rŒncia do T-DNA; regiªo de transferŒncia conjugativa - genes responsÆveis pela transferŒncia do plasmídio Ti entre linhagens de Agrobacterium; regiªo de replicaçªo - funçıes ligadas a replicaçªo, manutençªo e estabi- lidade do plasmídio Ti dentro da bactØria; regiªo noc - genes responsÆveis pelo catabolismo das opinas Fotos cedidas pelos autores

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Agrobacterium:Um sistema natural de transferência de genes para plantas

Da galha-da-coroa para as plantas transgênicas

PESQUISA

ntre as doenças bacterianasde plantas, a galha-da-co-roa (do inglês crown-gall)tem-se destacado nos últi-mos anos, não pela impor-tância econômica dos pre-juízos causados por ela, mas

pelo impacto que o estudo dessa doen-ça trouxe para a ciência moderna. Ape-sar de ser conhecida desde a Antigüida-de, somente em 1907, após a primeiradescrição do seu agente etiológico,essa doença despertou o interesse decientistas que trabalham nos mais dife-rentes campos da pesquisa. O interesseparticular nessa doença deveu-se aofato de que as galhas vegetais sãonormalmente causadas por microrga-nismos ou por insetos, sendo que aproliferação do tecido vegetal é induzi-da por um estímulo externo, de nature-za química ou mecânica. No caso dagalha-da-coroa, as células vegetais in-fectadas pela bactéria adquirem a pro-priedade de se multiplicarem de ma-neira autônoma, sem a necessidade deestímulos externos. Essa doença setraduz assim, pela formação de umagalha na coroa (junção entre o troncoe a raiz) ou diretamente nas raízes daplanta infectada. Inicialmente, os pes-quisadores associaram o desenvolvi-mento dessas galhas ao câncer animal,o que estimulou numerosas pesquisasvisando à elucidação das causas dagalha-da-coroa. Esses estudos concluí-ram que o surgimento da galha é, narealidade, o resultado de um processonatural de transferência de genes dabactéria para a célula vegetal, quepassam a sintetizar substâncias queestimulam a divisão celular no sítio deinfecção. Os conhecimentos geradosdesde então culminaram com um en-tendimento bastante aprofundado des-se parasitismo, sendo considerado atu-

almente um sistema modelo para estu-dos das interações patógeno-hospe-deiro em plantas.

O agente etiológico causal da ga-lha-da-coroa é Agrobacterium tume-

faciens, uma bactéria tipicamente dosolo, do tipo bacilo aeróbico e Gram-negativa. Além de A. tumefaciens, ogênero Agrobacterium possui outras 4espécies que diferem entre si pelapatogenicidade e modo de infecçãoem diferentes plantas, principalmenteem Angiospermas dicotiledôneas. Des-sa forma, A. tumefaciens é o agente

etiológico da galha-da-coroa, A. rhizo-genes causa a raiz em cabeleira (doinglês hairy root), A. rubi induz galhasespecificamente em Rubus spp., A. vitisinduz galhas especificamente em videi-ras e A. radiobacter é saprófita (não-patogênica). As agrobactérias perten-cem à família Rhizobiaceae, que agru-pa, entre outros, os gêneros Rhizo-bium, Bradyrhizobium e Phyllobacte-rium, que são bactérias fixadoras denitrogênio.

Biologia do processo infeccioso

No início do processo de infecçãode uma planta por Agrobacterium, ocor-re o reconhecimento e a ligação dabactéria à célula vegetal. As bactériassão atraídas em direção ao tecido vege-tal por quimiotactismo em relação àsmoléculas-sinal (compostos fenólicos,açúcares e aminoácidos), que são exsu-dadas por células lesadas em decorrên-cia de ferimentos superficiais causadospor insetos, geadas ou tratos culturais.Uma vez em contato com as célulasvegetais, as bactérias sintetizam micro-fibrilas de celulose para favorecer aformação de agregados de células bac-terianas em volta do tecido vegetalferido. A capacidade de infectar célulasvegetais está associada à presença, nasagrobactérias, de um plasmídio de altopeso molecular (150 a 250 kb), conhe-cido como plasmídio Ti (do inglês tu-mor-inducing) (Figura 1).

As moléculas-sinal liberadas pelaplanta irão também ativar genes queestão localizados em uma região doplasmídio Ti, chamada de região devirulência (região vir), que é um regu-lon composto de seis a oito operons,contendo, aproximadamente, 25 genesno total. As diversas proteínas codifica-das pelos genes da região vir vão pro-

Ana Cristina Miranda Brasileiro, Ph.D.,Biologia Molecular e Celular Vegetal

[email protected]

Cristiano Lacorte, M.Sc.,Genética - Laboratório de Transferência de Genes

Embrapa Recursos Genéticos e BiotecnologiaParque Estação Biológica,

Brasília - DF

Figura 1: Mapa funcional de umplasmídio Ti do tipo nopalina: T-DNA - corresponde ao segmentode DNA que é transferido para acélula vegetal; região vir � genesresponsáveis pelo corte e transfe-rência do T-DNA; região detransferência conjugativa - genesresponsáveis pela transferênciado plasmídio Ti entre linhagensde Agrobacterium; região dereplicação - funções ligadas areplicação, manutenção e estabi-lidade do plasmídio Ti dentro dabactéria; região noc - genesresponsáveis pelo catabolismodas opinas

Fotos cedidas pelos autores

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mover a transferência de uma outraregião do plasmídio Ti da bactéria parao núcleo da célula vegetal. Essa região,denominada T-DNA (do inglês trans-ferred DNA), é delimitada por duasseqüências repetidas de 25 pb, conhe-cidas como extremidades direita e es-querda (Figura 1). Uma vez no núcleoda célula, o T-DNA é integrado aogenoma vegetal e aí expresso de formaestável. Apesar de sua origem procario-ta, a expressão dos genes presentes noT-DNA só é possível por serem os sinaisde regulação desses genes reconheci-dos pelo sistema de transcrição eucari-ota vegetal.

O T-DNA de A. tumefaciens contémuma série de genes conhecidos comooncogenes que codificam enzimas en-volvidas na via de biossíntese de hor-mônios vegetais (citocininas e auxinas),causando um desbalanço hormonal nascélulas transformadas. Em A. tumefaci-ens, essa proliferação desordenada dascélulas transformadas leva à formaçãoda galha, enquanto que em A. rhizoge-nes, a expressão dos oncogenes induz aprodução de raízes no local do ferimen-to (Figura 2).

O T-DNA também possui genes quecodificam enzimas responsáveis pelasíntese de opinas, que são aminoácidosou carboidratos modificados. O tipo deopina produzido (nopalina, octopina,agropina, manopina etc.) é utilizadocomo um dos critérios para a classifica-ção de linhagens e espécies de Agro-bacterium.

Como resultado do processo infec-cioso, a linhagem de Agrobacteriumindutora da galha faz com que a célulavegetal parasitada produza um tipo es-pecífico de opina. Somente a linhagemindutora é capaz de catabolizar essaopina como fonte de energia, carbonoe nitrogênio. Desta forma, as célulastransformadas pelo T-DNA continuamdividindo-se incontroladamente devidoà produção de citocininas e auxinas e,quanto mais elas se dividem, mais elasproduzem opinas que vão sendo utili-zadas pela bactéria, formando um nichoextremamente favorável a ela.

Essa pressão seletiva favorece amultiplicação da linhagem indutora dagalha que, por sua vez, irá reinfectar ascélulas vegetais que ainda não foramtransformadas. A síntese de opinas pe-las células vegetais infectadas e seucatabolismo pela bactéria indutora dagalha tiveram provavelmente um papel

muito importante na disseminação doplasmídio Ti na natureza. A teoria quepropõe a atuação das opinas comointermediárias químicas do parasitis-mo, é conhecida como o �conceito deopinas� (Dessaux et al., 1993).

O sistema de infecção de plantaspelas agrobactérias representa, assim,uma situação única na natureza: atransferência de um elemento genéti-co, o T-DNA, de um organismo proca-riota para um organismo eucariotasuperior, com sua subseqüente inte-gração e expressão no genoma hospe-deiro. A demonstração de que a causada proliferação celular da galha é atransferência de informação genéticada bactéria para a célula vegetal (Chil-ton et al., 1977) foi o ponto de partidapara pesquisas intensivas visando autilização desse sistema natural detransferência de genes para a obten-ção de plantas transgências (Zambryski,1992).

Agrobacterium como vetor detransformação de plantas

A obtenção de uma planta transgê-nica envolve e a transferência e inte-

gração do T-DNA na célula vegetal e acapacidade dessas células transforma-das se diferenciarem em uma planta. Acapacidade de diferenciação, chamadatotipotência, permite a regeneração deplantas por meio de técnicas de culturade tecidos in vitro.

O avanço nos conhecimentos debiologia molecular foi fundamental, tan-to para elucidar de forma aprofundadaas bases moleculares do processo deinteração Agrobacterium-hospedeiro,como para a construção de vetores detransformação baseados no plasmídioTi. Assim, as técnicas de biologia mole-cular em associação com as técnicas decultura de tecidos vegetais in vitroconstituem a base para a obtenção deuma planta transgênica.

A construção de vetores derivadosdo plasmídio Ti para introduzir genesexógenos em plantas só foi possívelgraças a uma particularidade do meca-nismo de transferência do T-DNA: ne-nhum gene presente no T-DNA, excetoos 25 pb de suas extremidades, é neces-sário ao processo de transferência eintegração do T-DNA. Assim sendo,pode-se eliminar partes ou todo o T-DNA, incluindo os oncogenes, sem queisso afete o processo de transferência.A síntese de auxina e citocinina dentrodas células vegetais transformadas como T-DNA interfere no balanço endóge-no de reguladores de crescimento, tor-nando-se incompatível com o cultivode plantas in vitro. Assim, a remoçãodos oncogenes do T-DNA é necessáriapara a diferenciação e regeneração deplantas a partir das células transforma-das. Uma linhagem de Agrobacteriumcujos oncogenes foram eliminados doT-DNA é denominada �desarmada�, poisela não é mais capaz de induzir galhasou raízes em plantas.

A região vir também é essencialpara a transferência do T-DNA, poiscontém genes cujos produtos vão pro-mover a excisão e o transporte do T-DNA para a célula vegetal. Concluiu-se,então, que o desenvolvimento de veto-res baseados no sistema Agrobacte-rium requer que as extremidades direi-ta e esquerda do T-DNA sejam conser-vadas, mantendo também intacta a re-gião vir, e que os oncogenes sejamremovidos. Dessa maneira, qualqueroutra nova seqüência de DNA, inseridaentre as extremidades do T-DNA, podeser transferida e integrada ao genomavegetal sem afetar a regeneração da

Figura 2: Sintomas típicos degalha-da-coroa (A) e de raiz emcabeleira (B) em plantas deKalanchoe sp., induzidas pelainoculação de linhagens patogê-nicas de Agrobacterium tumefa-ciens e A. rhizogenes, respectiva-mente, sob condições controla-das em casa de vegetação

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célula transformada em uma planta.A preparação de uma linhagem de

Agrobacterium para ser utilizada comovetor na transformação de plantas in-clui três etapas distintas. Em uma pri-meira etapa, é necessário obter as li-nhagens desarmadas por meio de umprocesso de dupla recombinação. Numasegunda etapa, é preciso construir umvetor contendo no seu T-DNA os genesde interesse. Por causa do seu tama-nho, o plasmídio Ti não pode ser mani-pulado diretamente. Desta forma, plas-mídios menores, mais fáceis demanipular, foram desenvolvidos.Estes plasmídios, chamados devetores binários, contêm as ex-tremidades do T-DNA, entre asquais os genes de interesse sãoclonados. Em uma última etapa,o vetor binário deverá ser trans-ferido para a linhagem desarma-da de Agrobacterium, o que podeser feito por métodos de conjugaçãotriparental, eletroporação ou choquetérmico (Figura 3).

Sistema de transformaçãovia Agrobacterium

A partir do desenvolvimento devetores binários e sua introdução emlinhagens desarmadas de Agrobacte-rium, foi possível a transferência degenes exógenos para plantas, utilizan-do esta bactéria como vetor natural detransformação. Os primeiros estudosde transformação genética de plantasenvolveram a inoculação de tecidos defumo (Nicotiana tabacum) com linha-gens engenheiradas de Agrobacterium(Herrera-Estrella et al., 1983; Zambryskiet al., 1983). A partir de então, o sistemade transformação via Agrobacteriumvem sendo utilizado para transformarum grande número de plantas. A altaeficiência de transformação, o baixocusto operacional, assim como a sim-plicidade dos protocolos de transfor-mação e de seleção são as principaisrazões para a universalidade do uso dosistema Agrobacterium.

O princípio da transformação comuma linhagem desarmada de Agrobac-terium está baseado na seleção de umaou mais células transformadas e na suaposterior regeneração em uma plantatransgênica, isto é, as células compe-tentes a transformar deverão ser asmesmas células competentes a regene-rar. Assim, a metodologia ideal de trans-

formação deve combinar, ao mesmotempo, a descontaminação do tecidoinfectado pela bactéria, a seleção dascélulas que foram transformadas e queexpressam o gene marcador de sele-ção, e a regeneração destas células emplantas.

Ao se estabelecer um protocolo detransformação, diferentes fatores de-vem ser levados em consideração. Asetapas de reconhecimento da plantahospedeira, de ligação célula bacteria-na-célula vegetal e de indução da re-

gião vir pelas moléculas-sinal são inte-rações complexas e específicas entre ohospedeiro e o patógeno. Na planta, atransferência do T-DNA é influenciadatanto pela fisiologia (idade, tipo detecido, condições de cultura etc.) quantopelo genótipo. A determinação da com-patibilidade Agrobacterium-hospedei-ro faz-se também necessária antes doestabelecimento de um protocolo detransformação via Agrobacterium paraqualquer espécie vegetal. Para a indu-ção dos genes vir é também importantelevar em consideração três condiçõesbásicas: pH entre 5 e 6, temperaturaentre 27 e 300C e fonte de carbono (emgeral, sacarose) (Godwin et al., 1992).Outro requerimento importante é apresença de compostos que são natu-ralmente produzidos pela planta emresposta à infecção pela bactéria, prin-cipalmente compostos fenólicos, taiscomo acetossiringona e hidroxiacetos-siringona, entre outros (Stachel et al.,1985).

Vários métodos de transformaçãogenética de plantas utilizando Agro-

bacterium como vetor já foram descri-tos, sendo que a maioria deles é, essen-cialmente, uma adaptação do métodode co-cultura de discos foliares de fumo(N. tabacum), descrito em 1985 porHorsch e colaboradores (Horsch et al.,1985). O protocolo básico de co-culturaconsiste no cultivo de um explantevegetal em um meio de cultura líquidoou sólido, juntamente com uma linha-gem desarmada de Agrobacterium con-tendo um vetor binário com o gene aser introduzido na planta (Figura 4). O

tempo de co-cultura pode variarde algumas horas a vários dias. Oexplante a ser utilizado poderá terdiversas origens (discos ou frag-mentos foliares, segmentos de cau-les ou de raízes, tubérculos, pecí-olos, cotilédones, protoplastos, em-briões somáticos etc.), mas o im-portante é que tenha um alto po-tencial de regeneração in vitro.

Deve-se sempre procurar otimizar ascondições de cultura de tecido, visandoas altas taxas de regeneração de plan-tas.

Durante a co-cultura, ocorrerá aligação entre a bactéria e a célula vege-tal, no local de ferimento do explante,e a indução dos genes da região vir,com subseqüente transferência do T-DNA para o genoma vegetal. Posterior-mente, o explante deverá ser transferi-do para um meio de regeneração apro-priado, contendo antibióticos (geral-mente cefotaxima, ampicilina ou carbe-nicilina) para eliminar as células deAgrobacterium que são, a partir dessemomento, indesejáveis no meio de cul-tura. Esse meio deverá conter tambémum agente de seleção que será respon-sável pela inibição do crescimento dascélulas não-transformadas. O efeito no-civo do agente de seleção será anuladopelo produto da expressão do genemarcador de seleção (geralmente umaenzima) nas células transformadas. As-sim, somente estas células serão capa-zes de regenerar em meio seletivo. Osprocessos de seleção e regeneraçãodas células transformadas são de gran-de importância para que se obtenha umprotocolo eficiente. A dose do agentede seleção (geralmente antibiótico ouherbicida), assim como o tempo deexposição dos explantes aos mesmos,são essenciais para inibir a divisão dascélulas não-transformadas, sem, no en-tanto, prejudicar o desenvolvimentodas transformadas.

Figura 3: Sistema binário: ovetor binário, contendo o genede interesse entre as extremida-des do T-DNA, se mantém emuma linhagem desarmada deAgrobacterium de forma inde-pendente do plasmídio Tidesarmado, cujos oncogenesforam eliminados e a região virmantida

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Durante as semanas seguintes, as cé-lulas transformadas (resistentes ao agentede seleção) crescem e diferenciam-se embrotos que são então isolados e transferi-dos para um meio de indução de raiz.Durante todos os estágios posteriores àco-cultura, uma pressão de seleção deveser mantida pela adição do agente seleti-vo ao meio de cultura, garantindo somen-te a regeneração de plantas transgênicas.Ainda assim, os sistemas de seleção nãosão totalmente eficientes e alguns �esca-pes� (plantas não-transformadas toleran-tes ao agente de seleção) podem ocorrer.

Uma vez enraizadas, as plantas trans-formadas são aclimatadas e transferidaspara casa de vegetação para análisesposteriores. Essas plantas transformadassão, em geral, morfologicamente idênti-cas às plantas não-transformadas, emboraalterações fenotípicas possam ser, algu-mas vezes, observadas devido às varia-ções somaclonais decorrentes do proces-so de cultura de tecidos, ou pela expres-são do próprio transgene. Uma análisemolecular e bioquímica detalhada dessasplantas é necessária para comprovar aintegração do DNA exógeno no genomada planta e a sua expressão. A análise daprogênie e o estudo da segregação tam-bém são fundamentais para demonstrar aestabilidade da expressão dos genes in-troduzidos.

ConclusãoA insensibilidade de certas espécies

vegetais, especialmente Angiospermasmonotiledôneas, à infecção por Agrobac-terium limita a utilização dessa bactériacomo vetor de transformação genética.Assim, sistemas de transformação direta,baseados em métodos químicos ou físi-cos, foram desenvolvidos paralelamenteao sistema Agrobacterium. Entre elas, a

transformação por biobalística (ouaceleração de partículas) tem-se des-tacado pela sua alta eficiência.

Atualmente diferentes característi-cas de interesse sócio-econômico jáforam introduzidas em diferentes es-pécies vegetais por transformação ge-nética, principalmente por intermé-dio do sistema Agrobacterium e dométodo biobalístico. Essas caracterís-ticas visam principalmente o melhora-mento do desempenho em campo dasplantas cultivadas, por meio da resis-tência a estresses bióticos e abióticos.Características relacionadas com o de-senvolvimento da planta e com aqualidade do produto também po-dem ser modificadas em plantas trans-gênicas. A tendência é que cada vezum maior número de característicaspossam ser manipuladas por meio daengenharia genética, aumentando agama de produtos a serem disponibi-lizados para o agricultor e para oconsumidor. Em um futuro próximo,as plantas transgênicas desempenha-rão também o papel de biofábricas,desenvolvidas para a produção deprodutos de interesse para as indústri-as de medicamentos, de alimentos ede rações.

Além de todas as implicações coma agricultura e com outros setores daeconomia, as plantas transgênicasconstituem também um excelente sis-tema para estudos básicos em diferen-tes campos da biologia, como fisiolo-gia, genética, botânica, biologia mole-cular e celular.

Para maiores informações sobretécnicas de transformação genética deplantas e análises moleculares da inte-

gração e expressão de transgenes, con-sulte o �Manual de Transformação Ge-nética de Plantas� (Brasileiro e Carneiro,1998). Nele estão descritas as diferentestécnicas utilizadas na transformação deplantas, assim como metodologias paraa detecção de genes repórteres e marca-dores de seleção, e a análise moleculare bioquímica da integração e expressãode genes em plantas. Para adquirir oManual, acessar via Internet a home pageda Embrapa no endereço: http://www.spi.embrapa.br

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Figura 4: Esquema das principais etapas para obtenção de plantastransgênicas por meio da técnica de co-cultura