Agatha Christie - Os Elefantes não Esquecem

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os elefantes no esquecem agatha christie

http://groups.google.com/group/digitalsource orelha: os elefantes nO esquecem hercule poirot aguardava a visita de sua grande amiga, a famosa escritora sra. ariadne oliver, que queria lhe fazer uma consulta. poirot se indagava por que ela parecia to apreensiva ao telefone. estaria com algum problema? teria tomado conhecimento de algum crime? o detetive belga sabia que da sra. oliver poderia esperar qualquer coisa, desde a mais corriqueira at a mais extraordinria. que complicaes teria a sra. oliver hoje? um perigo, talvez um dilema... poirot no poderia imaginar que tivesse que solucionar um suicdio duplo ocorrido h doze anos, j arquivado como caso resolvido pela scotland yard. os elefantes no esquecem mais um sucesso de vendagem de agatha christie, mestra da novela policial que a nova fronteira oferece, agora, em 4.a edio aos seus leitores.

os elefantes nO esquecem poirot ficou parado alguns instantes, sacudindo a cabea. retirou-se do cemitrio e se dirigiu, por outro atalho, para o despenhadeiro. parou em frente ao mar. sei agora o que aconteceu e por qu... murmurou para si mesmo. compreendo a dor e a tragdia. precisei recuar tanto no tempo para compreender que no final est o meu comeo, ou melhor, no comeo est escrito o meu trgico final. coleo agatha christie agatha christe

os elefantes nO esquecem

traduo newton goldman

8 edio

ttulo do original em ingls elephants can remember agatha christie limited.,1972 capa rolf gunther braun

reviso a. tavares direitos adquiridos para a lngua portuguesa no brasil pela editora nova fronteira s.a. rua maria anglica, 168 - lagoa - cep 22461 - tel.: 286-7822 endereo telegrfico: neofront rio de janeiro rj. proibida a exportao para portugal e pases africanos de lngua portuguesa.

para molly myers em agradecimento s suas gentilezas. Ndice 1 como despertar um elefante 2 os elefantes entram em cena livro i os elefantes 3 o almanaque do eu sei tudo 4 clia 5 marcas profundas de antigos pecados 6 recordaes de uma velha amiga 7 volta infncia 8 a sra. oliver em campo 9 resultados do safari 10 desmond livro ii marcas profundas 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 o inspetor garroway e hercule poirot trocam informaes celia conhece hercule poirot a sra. burton-cox dr. willoughby eugene e rosentelle cabeleireiros e esteticistas o relatrio do sr. goby poirot anuncia uma viagem interldio maddy e zlie o inqurito final

1 como despertar um elefante a sra. oliver olhou-se no espelho, dando antes uma rpida espiada no relgio, sobre a prateleira que, segundo seus clculos, devia estar pelo menos uns vinte minutos atrasado. em seguida, voltou a ateno para o seu maior problema: os cabelos. h anos a sra. oliver vinha batalhando com diversos penteados: j tinha usado la pompadour; depois estilo ventania, isto , todo puxado para trs, deixando mostra uma testa inteligente, ou pelo menos aparentemente inteligente; depois, todo cacheado e anos depois todo solto. mas hoje resolveu no perder mais tempo nestas conjeturas, uma vez que iria sair de chapu, contrariando ao mesmo tempo dois de seus hbitos: almoar fora e usar chapu. no alto do armrio existiam quatro caixas de chapus. dois deles destinados a casamentos, pois seria inconcebvel aparecer num casamento de cabea descoberta. o primeiro era de plumas, bem justo na nuca, feito para suportar valentemente as intempries londrinas. o segundo, para casamentos mais suntuosos: de flores e

gaze, recoberto por um vu bordado com miostis. os dois outros chapus eram destinados a quase todas as outras ocasies. um, chamado por ela de chapu de fim de semana no campo era de feltro, de aba mole e combinava com quase todos tailleurs, vestido de l, suter de cachmere ou mohair. o quarto e ltimo chapu era o mais caro e o mais antigo. a sra. oliver atribua a durabilidade do mesmo ao preo excessivo que ele custara na poca. era uma espcie de turbante, com vrias faixas de veludo colorido, em tom pastel, e combinava invariavelmente com qualquer vestido. a sra. oliver foi invadida pela dvida. maria chamou, pedindo ajuda. maria, venha c um instante. a empregada, que j estava acostumada a dar palpites na toalete da sra. oliver, entrou. a senhora vai usar seu lindo chapu? vou. quero sua opinio para saber se fica bem... assim ou assim. maria afastou-se para ver melhor. por que a senhora est usando do lado contrrio? de propsito, ora! queria ver se fica melhor assim... e por qu? sei l. para variar um pouco... creio... e a senhora acha que ficou melhor? bem, usado ao contrrio dar oportunidade s pessoas de verem estes tons de azul e marrom que so infinitamente mais bonitos que estas faixas de vermelho e chocolate. a sra. oliver tirou o chapu, colocou-o novamente na cabea, tentou de um lado, depois de outro, sempre sob o olhar de desaprovao de maria. desse jeito impossvel, madame. achata o rosto! no ficaria bem nem na sophia loren! , acho que tem razo... vou coloc-lo como foi feito para ser usado. alm do mais, sempre mais seguro comentou maria. ajudada por maria, a sra. oliver vestiu um vestido de l, e ajeitou o chapu no lugar certo. a senhora est maravilhosa! por isso a sra. oliver gostava tanto da empregada. maria era uma pessoa que menor provocao fazia um elogio. nesse almoo a senhora vai ter que fazer algum discurso? eu? perguntou horrorizada a sra. oliver. claro que no. voc sabe que eu nunca fao discursos! eu pensei que os homenageados fossem obrigados a falar. a senhora no vai ser uma das homenageadas? vou, mas no vou precisar fazer discurso respondeu enftica a sra. oliver. outras pessoas, que acham graa nisso, faro discursos e diro coisas bem mais interessantes do que eu seria capaz de dizer. no acredito. se a senhora quisesse poderia fazer um discurso brilhante... no verdade. sei o que posso e o que no posso fazer. falar em pblico no meu forte. eu ficaria nervosa e certamente comearia a gaguejar e a repetir as mesmas coisas. me sentiria como uma idiota! com a palavra escrita outra coisa. a gente escreve ou dita e elas se encaixam e saem maravilhosas... espero que tudo corra bem. vai ter muita gente? sim respondeu a sra. oliver deprimida. muita gente! e por que, pensou, vou a esse almoo? a sra. oliver pertencia ao tipo de pessoas que gosta de justificar suas aes antes de pratic-las. creio disse alto, para si mesma, uma vez que maria j havia se retirado para cuidar de uma gelia que tinha deixado no fogo que estou curiosa para ver o que acontece. sempre que sou convidada para esses almoos nunca tenho coragem de ir... a sra. oliver estava na sobremesa, suspirando de satisfao, enquanto

saboreava o merengue da torta de limo. ela adorava merengues, principalmente depois de um almoo to maravilhoso. contudo, quando se chega a uma certa idade, deve-se ter cuidado com merengue: por causa dos dentes. os dentes da sra. oliver pareciam bons: tinham a vantagem de no doerem, eram brancos e de excelente aspecto mas no eram verdadeiros. e para a sra. oliver dentes postios no constituam material de primeira qualidade. os ces tm dentes de marfim; ao passo que os dos seres humanos so de osso! e os seus que ainda por cima eram de plstico!... de qualquer forma, todo o cuidado era pouco a fim de evitar um vexame pblico! nada de alfaces escorregadias, castanhas, bombas de chocolate crocantes, balas puxa-puxa e merengues pegajosos, isto , alimentos considerados perigosos pela sra. oliver. portanto, foi com enorme satisfao que ela deu a ltima garfada na deliciosa sobremesa. a sra. oliver sempre fora uma epicurista, e especialmente depois de uma excelente refeio seu bom humor e disposio redobravam, encarando a vida com amor e simpatia. como o almoo era uma homenagem para alguns escritores famosos, os editores convidaram crticos, poetas e interessados em literatura. a sra. oliver foi colocada entre edwyn aubyn e sir wesley kent. o primeiro, cuja poesia a sra. oliver admirava muito, era um homem divertidssimo, muito viajado e grande gastrnomo, de maneira que a conversa versou sobre comida e restaurantes e no, felizmente, sobre literatura. sir walter, um homem muito simptico, elogiou os livros da sra. oliver com suficiente tato e finura, de maneira que ela no se sentiu constrangida ou intimidada. mencionou duas ou trs razes (que eram as certas) por que gostava dos livros dela, o que fez a sra. oliver concluir que os homens sabiam elogiar, enquanto as mulheres, querendo ser agradveis, diziam coisas que a embaraavam terrivelmente! verdade que nem s as mulheres eram incmodas. alguns moos nervosos, as vezes, escreviam cartas que a deixavam envergonhada! lembrou-se de uma que havia recebido na semana anterior. lendo seu livro sei que a senhora deve ser uma grande dama! que significaria este comentrio, depois de ter lido o crime do peixe dourado? na realidade a sra. oliver no era modesta, nem humilde; achava simplesmente que suas novelas policiais eram bem urdidas e (n gnero) bem escritas; algumas eram melhores que outras, porm seria demais concluir delas que a escritora era uma grande dama. simplesmente tinham uma grande aceitao pblica. at esta altura do almoo a sra. oliver achou que tudo ia correndo muito bem. chegara o momento de servir o caf, na sala ao lado, para que os convidados tivessem oportunidade de conversar com outras pessoas. ma sabia que este era o momento perigoso, pois fatalmente seria atacada pelos fs. atacada frontalmente pela torrente de elogios que no saberia como agradecer, nem responder. ex.: preciso lhe dizer quanto aprecio seus livros e qu pessoa maravilhosa a senhora deve ser. resp.: (da autora encabulada): muito obrigada! continuao do ataque: h meses quero conhec-la! resp.: ora, muito obrigada! e assim por diante. como se ningum tivesse coragem de inventar uma outra frase, ou como se a autora fosse incapaz de pensar noutra coisa que no fosse nos seus livros! a sra. oliver invejava os autores que sabiam responder a esses tipos de elogios, mas infelizmente no era o seu caso. uma amiga estrangeira, em casa de quem se hospedara, definiu com maestria a situao. ouo voc falar disse albertina, com seu delicado sotaque estrangeiro como falou h pouco com o reprter, e vejo que voc no se orgulha do seu trabalho. voc devia responder: sim, escrevo maravilhosamente; melhor do que qualquer escritor de histrias policiais! mas no verdade! exclamou a sra. oliver. sei que no sou pssima mas... mas voc no precisa negar. deve dizer que se acha a melhor! gostaria, albertina, que voc recebesse os reprteres em meu lugar. voc sabe sempre o que dizer. um dia voc poderia fazer meu papel e eu ficaria atrs da porta ouvindo. por que no? seria divertido. pena que seu rosto seja muito conhecido, seno daria certo. em todo o caso, a chave para o problema voc se convencer de

que a melhor escritora policial e sair dizendo isto para quem quiser ouvir. acho horrvel assistir a uma entrevista sua, onde voc passa o tempo todo se desculpando por ser famosa e aceita. no possvel! no fundo, pensou a sra. oliver, era como se ela fosse uma atriz principiante, querendo se ambientar no palco sem a ajuda de um diretor. no almoo, porm, at ento, no haviam surgido grandes problemas. a sra. oliver viu com o rabo dos olhos umas duas senhoras querendo se aproximar dela. como estava de muito bom humor, pensou: no tem importncia. respondo duas ou trs perguntas com a mesma facilidade com que abro um estojo de jias e sigo em frente. seus olhos se voltaram para os outros convidados para ver se encontrava um rosto conhecido. sim, l estava maurine grant, uma mulher to engraada e interessante! a um sinal, todos se levantaram e se dirigiram para a saleta de caf, ocupando os sofs e as poltronas. o momento perigoso, pensou a sra. oliver com seus botes, quando seria abordada por um estranho que a conhecia perfeitamente ou por um conhecido que ela preferiria que fosse um estranho! a primeira possibilidade se materializou na figura de uma enorme e dentua senhora, uma mulher que os franceses chamariam: une femme formidable, com todos os defeitos inerentes ao adjetivo. se ainda no conhecia aquela senhora, seria aquele o momento fatal para faz-lo. sra. oliver! gritou a criatura estridentemente que prazer v-la aqui! sempre quis conhec-la, pois sou fantica pelos seus livros. meu falecido marido nunca viajava sem levar pelo menos dois livros seus... venha sentar-se aqui, pois tenho milhes de coisas para lhe perguntar. j que tem que ser, melhor acontecer logo, pensou a sra. oliver resignadamente, enquanto se deixava arrastar at um sof onde o drago se abancou com uma xcara de caf. acomode-se bem para termos uma longa conversa ameaou a agressora. a senhora ainda no sabe meu nome: sou a sra. burton-cox. pois no! exclamou baixinho a sra. oliver, envergonhada. quem seria afinal de contas esta sra. burton-cox? uma escritora? no, pois com um nome desses a sra. oliver se lembraria dela. quem sabe ento uma ensasta poltica, dessas intelectuais azedas cheias de preconceitos polticos? ao aventar a segunda hiptese a sra. oliver suspirou aliviada, porque se fosse o caso ela se limitaria a ouvir e murmurar de vez em quando: que interessante! a senhora vai se espantar com o que eu vou dizer iniciou a sra. burtoncox mas eu sinto, lendo os seus livros, que a senhora uma mulher muito compreensiva e uma grande conhecedora da alma humana. por isso, se existe uma pessoa que possa me dar uma resposta para o que eu desejo saber, esta pessoa a senhora! eu? ora, minha senhora... balbuciou a sra. oliver timidamente, querendo se esquivar da tremenda responsabilidade que a interlocutora estava tentando lhe atirar s mos. a sra. burton-cox mergulhou um cubo de acar no caf e mordeu-o carnivoramente, como se fosse um pedao de osso. dentes de marfim, pensou a sra. oliver, como dos cachorros, dos elefantes ou dos hipoptamos? a senhora tem uma afilhada chamada celia ravenscroft? perguntou a sra. burton-cox. tenho respondeu a sra. oliver, agradavelmente surpresa. uma afilhada no poderia ser um assunto muito difcil de tratar ainda mais para ela, que possua tantos afilhados que com o correr dos anos j havia esquecido o nome de alguns deles. como madrinha a sra. oliver tinha sido exemplar e cumpridora dos seus deveres: presentear os afilhados no natal; nos aniversrios; visit-los ou ser visitada por eles ocasionalmente, enquanto estavam na fase de crescimento; e finalmente quando atingiam a maioridade presente-los com uma razovel soma de dinheiro que podia ser empregada para os estudos ou para o casamento. depois disso os afilhados, seguiam seu caminho: casando, indo morar noutro pas, enfim, desaparecendo aos poucos no turbilho da vida. se por acaso reapareciam, era necessrio fazer-se um esforo para lembrar de quem eram filhos ou filhas, por que

seus pais a escolheram como madrinha. celia ravenscroft... repetiu a sra. oliver, fingindo lembrar-se. claro, claro... o problema que a sra. oliver se lembrava do batizado de celia, do presente de batismo (um coador de prata queen anne), de grande utilidade na infncia e de grande valia na maioridade, caso a afilhada, um dia, se encontrasse em situao financeira difcil. a sra. oliver se lembrava muito bem do coador queen anne, mark britannia, mas infelizmente no se lembrava bem da afilhada. eu no vejo celia h anos! natural! uma garota to impulsiva, sempre mudando de idia! muito inteligente. fez um curso universitrio brilhante, mas politicamente, bem, politicamente iodos os estudantes so radicais hoje em dia concluiu a sra. burton-cox. eu no entendo nada de poltica! sentenciou a sra. oliver, que tinha horror ao assunto. vou confiar na senhora, pois sei que muito boa e generosa. ser que ela vai me pedir dinheiro? pensou a sra. oliver. um assunto de suma importncia para mim. preciso saber a verdade. celia vai, ou penso que vai, casar com meu filho desmond. mesmo? o que pretendem no momento. o que eu quero saber bastante difcil de perguntar e no posso recorrer a ningum, a no ser a senhora, que para mim como se fosse uma amiga ntima. infelizmente, pensou a sra. oliver, comeando a ficar inquieta. ser que celia tinha um filho ilegtimo e a sra. burton-cox esperava maiores informaes sobre o assunto? que situao! por outro lado, como a sra. oliver no via celia h uns cinco ou seis anos, a melhor sada seria responder que no sabia de nada. a sra. burton-cox inclinou-se para a frente e respirou fundo. quero saber, pois tenho certeza de que a senhora sabe, ou pelo menos tem alguma informao a respeito, se a me dela matou o pai ou se foi o pai quem matou a me? por esta a sra. oliver no esperava! olhou para a sra. burton-cox sem saber o que dizer. mas... eu... no... por qu? a senhora deve saber, minha cara... sei que uma histria antiga, de uns dez ou doze anos atrs mas que foi muito comentada na poca. tenho certeza de que se lembra. uma torrente de pensamentos invadiu a sra. oliver. era verdade! a me de celia... molly preston grey, amiga de infncia da sra. oliver, que se tinha casado com um militar chamado... chamado... sir alguma coisa ravenscroft... ou ser que era um diplomata? ser que ela havia sido demoiselle dhonneur no casamento de molly? tinha sido um casamento fantstico, disso ela tinha certeza, mas os detalhes estavam nublados pelo esquecimento. depois do casamento os noivos viajaram para a ndia, ou para a prsia, ou iraq, ou egito, ou ser que foi para a malsia? de vez em quando vinham Inglaterra e se encontravam, mas com o tempo o casal tornou-se para a sra. oliver como um desses retratos antigos e amarelados em que a gente reconhece vagamente as pessoas, mas no sabe precisar exatamente quem so. ela no se lembrava se sir alguma coisa ravenscroft e a mulher molly tinham sido muito amigos dela... provavelmente no. a sra. burton-cox continuava a olhar fixamente para a sra. oliver, ligeiramente desapontada com a falta de savoir faire da escritora, que insistia em no lembrar uma cause clbre. matou? um acidente talvez? no, no foi um acidente. ocorreu numa casa de praia na cornulia, creio. perto das rochas. eles foram encontrados mortos a tiros num rochedo. a polcia no conseguiu descobrir se a mulher matou o marido e depois, se suicidou ou se foi ao contrrio. nem com o exame dos corpos ou de balstica conseguiram chegar a uma concluso. pensam que foi um pacto de morte... sei l. resultado: no me lembro

qual foi o veredicto da polcia. algum aborrecimento profundo ou coisa parecida! s sabemos que foi proposital, mas ningum sabe por qu. e talvez nunca saibamos aventurou a sra. oliver esperanosa. talvez. s sei que, na poca, comentaram as brigas do casal sobre um possvel namorado ou amante dela. claro que se aventou a hiptese dele ter uma amante... o caso que nada ficou esclarecido e foi eventualmente abafado, devido alta patente do general ravenscroft. disseram tambm que ele j estava muito doente e que no era mais responsvel por seus atos. sinto muito sentenciou firmemente a sra. oliver mas no posso ajudla. lembro-me do caso, dos nomes, das pessoas mas nunca soube o que aconteceu realmente. a sra. oliver ficou tentada a acrescentar que at a impertinncia deveria ter um limite na fronteira da educao. mas eu preciso saber a verdade insistiu a sra. burton-cox, encarando a escritora com seus olhos de bola de gude. preciso porque meu filho quer se casar com celia. infelizmente no posso ajud-la. mas tenho certeza de que a senhora sabe! logo a senhora que escreve histrias to maravilhosas sobre crimes fantsticos... tenho certeza de que as pessoas lhe contam coisas que no dizem nem polcia. no sei de nada retrucou a sra. oliver, perdendo aos poucos a pacincia. a senhora entende meu problema? investiu novamente a sra. burton-cox. no posso ir policia perguntar sobre um crime que ela prpria abafou... preciso saber a verdade por outros caminhos! minha funo escrever livros disse a sra. oliver, friamente. trabalhos de fico. no sei nada sobre crimes ou criminologia. de maneira que no posso ajud-la. mas pode perguntar a sua afilhada celia! perguntar a celia? impossvel, na poca da tragdia ela devia ser uma criana. mas devia saber certas coisas. as crianas sabem de tudo e para a senhora ela contaria... nesse caso, por que a senhora no pergunta diretamente a ela? no possvel respondeu a sra. burton-cox. desmond no gostaria, e poderia se voltar contra mim. no, eu no posso perguntar. mas a senhora pode. infelizmente no posso perguntar uma coisa dessas disse a sra. oliver, olhando para o relgio. ora vejam! quanto tempo demoramos neste delicioso almoo! preciso ir andando, pois tenho um encontro. at logo, senhora... bedleycox, sinto muito no poder ajud-la, mas estes assuntos so muito delicados e, afinal de contas, que diferena faz para a senhora se foi o marido que matou a mulher ou vice-versa? para mim faz muita diferena! neste momento passou uma escritora conhecida da sra. oliver. louise, querida! gritou a sra. oliver, agarrando-a pelo brao. no sabia que voc estava aqui! ariadne, quanto tempo! como voc emagreceu! sempre gentil disse a sra. oliver, dando o brao para a amiga, e afastando-se para outro lado da sala. tenho que sair correndo, pois tenho um encontro. aquele drago monopolizou-a, no ? disse a amiga, indicando a sra. burton-cox. me fazendo as perguntas mais incrveis!, voc no sabia o que responder? no, alm do mais no eram da minha conta, e ainda que fossem eu no poderia respond-las. sobre o que eram as perguntas? sobre um assunto interessante respondeu vagarosamente a sra. oliver,

deixando sua imaginao voar vontade. creio mesmo que seriam interessantes... ela est se levantando para agarr-la novamente. venha, vou lhe dar uma carona, caso voc esteja sem carro... nunca venho de carro a londres informou a sra. oliver. a gente nunca tem onde estacionar! verdade. a sra. oliver despediu-se dos promotores do almoo efusivamente e em seguida saiu com sua amiga. quer ir para casa? perguntou a dona do carro. no, vou dar um pulo em whitefriars mansions. no me lembro bem a rua mas sei ir l... aquele conjunto de apartamentos modernos? isto mesmo concordou a sra. oliver. 2 os elefantes entram em cena no encontrando seu amigo hercule poirot em casa, a sra. oliver teve que recorrer, mais tarde, ao telefone. por acaso voc vai ficar em casa hoje noite? perguntou ela, tamborilando nervosamente os dedos sobre a mesinha do telefone. ser que estou falando com... ariadne oliver interrompeu surpresa, a sra. oliver, que achava estranho ter que se identificar pelo telefone, pois esperava que seus amigos reconhecessem imediatamente a sua voz. sim, estarei em casa hoje noite. terei, ento, o prazer da sua visita? muito gentil da sua parte disse a sra. oliver s no sei se ser um prazer... sempre um prazer receb-la, chre madame. ser? bem, eu vou aborrec-lo com umas perguntas. preciso tambm saber sua opinio sobre um assunto. estou sempre pronto a dar opinio sobre qualquer assunto interveio poirot. surgiu uma complicao meio aborrecida e eu no sei o que fazer. por isso vir me visitar concluiu poirot, sorrindo. estou encantado! que horas seria melhor para voc? as nove? tomaremos caf ou se preferir um refresco ou sirop de cassis... ah! no! voc no gosta disso... bem... at logo george disse poirot para o mordomo vamos ter o prazer de receber hoje, noite, a visita da sra. oliver. serviremos caf e um licor talvez; se bem que eu no lembre qual o licor de que ela gosta... s vezes ela toma kirsch, ou creme de menthe. mas acho que ela prefere kirsch. est bem concluiu poirot serviremos kirsch. a sra. oliver chegou pontualmente s nove. durante o jantar, poirot se perguntou qual seria a razo da visita e das dvidas da sra. oliver. seria um problema difcil ou a comunicao de um assassinato? como poirot conhecia bem a sra. oliver, sabia que poderia esperar qualquer coisa, desde a mais corriqueira at a mais extraordinria. fosse o que fosse, poirot no estava preocupado pois sabia, e sempre soubera, lidar com a sra. oliver. s vezes ela o irritava mas como gostava muito dela continuavam amigos. juntos tinham vivido muitas experincias. poirot lembrou-se de ter lido algo sobre ela no jornal, mas no sabia bem o qu; assim que a campainha tocou veio-lhe mente a nota do jornal sobre o almoo. quando ela entrou, poirot percebeu que estava preocupada. a sra. oliver

estava despenteada, pois passara o dia correndo os dedos pelos cabelos: um hbito a que recorria sempre que tinha alguma preocupao. poirot recebeu-a efusivamente, acomodou-a na melhor poltrona, serviu caf e um clice de kirsch. ah! suspirou a sra. oliver, aliviada. espero que no me chame de louca. vi hoje no jornal que voc foi uma das homenageadas do almoo para escritores famosos, ou coisa parecida. pensei que no freqentasse esses lugares! no freqento retrucou a sra. oliver, e certamente nunca mais freqentarei. foi atacada pelos fs? poirot conhecia as dificuldades da sra. oliver e o horror que ela sentia quando elogiavam demais os seus livros. com que ento no se divertiu? perguntou poirot. at um certo ponto foi muito agradvel respondeu a sra. oliver. depois aconteceu uma coisa muito aborrecida. por isso veio me visitar? verdade. se bem que eu no saiba explicar por qu! um assunto que no tem relao alguma com voc e talvez nem venha a lhe interessar. gostaria, porm, de saber como voc agiria se estivesse na minha situao. difcil saber. sei como hercule poirot se comportaria em qualquer situao, mas no posso imaginar como ariadne oliver se comportaria, embora eu a conhea bem. mas uma idia pelo menos voc pode ter insistiu a sra. oliver; afinal nos conhecemos h anos... uns... vinte anos, talvez? no sei. no sei calcular datas, nem anos, fico atrapalhada. lembro-me de 1939 porque foi o ano em que comeou a guerra e umas duas ou trs outras datas por razes bastante absurdas. bem, voc compareceu ao tal almoo e no se divertiu. o almoo estava divino interrompeu a sra. oliver. foi depois... quando os fs comearam a falar com voc interveio poirot com a mesma inflexo que um mdico emprega para sondar os sintomas de um paciente. bem, iam comear a falar comigo, quando uma dessas mulheres enormes e mandonas me agarrou. senti-me como uma borboleta presa na rede. s sei que fui empurrada para um sof e interrogada sobre uma afilhada. uma afilhada querida? no vejo a menina h anos. impossvel ver todos os meus afilhados... so tantos! a a criatura me fez uma pergunta inquietante... queria... queria... sei l... to difcil dizer! no no disse poirot, bondosamente, na verdade fcil. todo o mundo me conta coisas com a maior facilidade; atribuo isso ao fato de ser estrangeiro. creio que isto facilita as confisses... na verdade fcil confiar em voc concordou a sra. oliver. pois bem, ela queria saber sobre os pais da menina. queria saber se o pai havia assassinado a me ou se a me havia assassinado o pai! como?! parece incrvel, no ? na hora, eu pensei que estivesse ouvindo vozes. se a me da sua afilhada matou o marido ou se foi o marido quem matou a esposa? isso mesmo disse a sra. oliver triunfante. mas... isso aconteceu realmente? o pai matou a me ou a me matou o pai? bem, ambos foram encontrados mortos, a tiros, num rochedo. no me lembro se foi na cornulia ou na crsega. foi um lugar assim... ento a mulher se baseou em fatos reais para descobrir certos detalhes? evidente! foi uma histria que aconteceu h anos. o que me intriga por que virem perguntar a mim. porque voc escreve romances policiais sorriu poirot. ela certamente

deve ter dito que voc uma especialista em assassinatos! com que ento este crime realmente aconteceu? aconteceu. ela no veio com uma hiptese de que deveria fazer se uma me qualquer assassinasse um pai ou vice-versa. no, ela me trouxe um fato palpvel. vou tentar explicar melhor, se bem que no me lembre de todos os detalhes. aconteceu h uns doze anos, e eu me lembro porque conhecia bem as pessoas envolvidas. uma das vtimas, a mulher, tinha sido minha colega de colgio e ramos amigas. na poca do assassinato falou-se muito sobre o assunto; no se abria um jornal que no tivesse um relato detalhado do caso. o casal, sir alistair ravenscroft e lady ravenscroft pareciam muito felizes. ele era general ou coronel e viviam viajando, at que compraram uma casa... no sei bem onde, mas acho que era no exterior. foi a que se deu o crime; se bem que na poca correram boatos de que eles tinham sido assassinados; depois surgiu a hiptese do pacto de morte, sendo que nunca esclareceram qual dos cnjuges matou o outro. o revlver era do dono da casa e... bom vou tentar explicar melhor. a sra. oliver conseguiu dar a poirot um resumo sobre o crime. est a interrompia, de vez em quando, para pedir maiores detalhes. mas a troco de qu perguntou poirot aquela senhora queria tanto esclarecer esta velha histria? isto o que eu quero saber respondeu a sra. oliver. claro que posso entrar em contato com celia. acho que ela mora em londres ou cambridge, ou talvez em oxford, pois tenho a impresso de que ela formada em alguma coisa e d aulas num desses lugares. sei que muito avanada, do tipo cabelos compridos e roupas curtas, mas no creio que tome txicos ou coisas assim. de vez em quando tenho notcias dela; no natal ela me manda sempre um carto. para ser franca, no penso diariamente em todos os meus afilhados, principalmente se j so adultos como ela... a moa no casada? no, mas creio que pretende casar com o filho desta tal de... como mesmo o nome dela? sra. brittle... no... burton-cox. e a sra. burton-cox no quer que o filho case com esta moa porque o pai dela matou a me ou vice-versa? creio que sim! respondeu surpresa a sra. oliver. s pode ser por isso! mas, no vejo qual a importncia em precisar quem matou quem... a est o ponto crucial da questo interveio poirot. o x do problema. lembro-me vagamente desse crime; ou pode ser de um bem parecido, sei l! o que estranho a curiosidade da sra. burton-cox. ser que ela maluca, ou gosta realmente do filho? minha impresso de que ela contra esse casamento. acreditando talvez que a moa tenha herdado uma predisposio congnita para assassinar o marido, ou coisa parecida? como que eu vou saber? s sei que ela est convencida de que tenho a chave do mistrio. pensando bem a sra. burton-cox no me disse muita coisa... para ser franca, o que me intriga o porque da pergunta dela! seria interessante investigarmos disse poirot. por isso vim falar com voc. sei que adora mistrios, coisas aparentemente ilgicas, que primeira vista parecem totalmente inexplicveis. ser que a sra. burton-cox tem alguma preferncia? perguntou poirot. se ela gostaria de que o marido tivesse sido o assassino e no a mulher? no creio. bem, compreendo seu dilema, chre ariadne. voc vai a uma festa e lhe fazem uma pergunta difcil, quase impossvel de responder; e agora no sabe o que fazer. pois bem, o que devo fazer? no fcil responder disse poirot. no sou uma mulher desconhecida que voc nunca viu antes e que o aborda com uma pergunta estapafrdia. exatamente concordou a sra. oliver. o que ariadne deve fazer nesta situao? imagine se o problema aparecesse num jornal, qual seria a sua resposta?

creio que existem trs sadas: a primeira seria escrever um bilhete Sra. burton-cox dizendo: sinto muito mas no posso ajud-la, ou coisa parecida. a segunda seria entrar em contato com a afilhada, contar o que a me do namorado deseja saber sobre os pais dela; com isso, saber tambm se a moa est interessada no rapaz e se ele tem alguma idia do por que da curiosidade da me sobre o crime. por outro lado, voc ficar sabendo qual a opinio da moa sobre a futura sogra. a terceira sada, que realmente o que eu acho que voc deve tentar ... j sei interrompeu a sra. oliver, resume-se em trs palavras. no faria nada. sei que seria a soluo mais simples e lgica. acho uma impertinncia abordar uma afilhada, contando o que a futura sogra anda perguntando pelas festas. porm... eu sei interrompeu poirot, existe a curiosidade humana. quero saber por que aquela senhora me fez tal pergunta. quando encontrar a resposta para isto ficarei sossegada. enquanto isso no ter um momento de descanso. vai passar as noites em claro e se me lembro bem ter uma ou duas idias extravagantes e extraordinrias que mais tarde usar num livro policial. pode ser concordou a sra. oliver, piscando os olhos. melhor no se meter nesta histria aconselhou poirot. no vai ser fcil desvendar este mistrio e alm do mais no vejo razo para nos envolvermos. gostaria de ter um argumento contundente que me provasse que no existe uma boa razo... a curiosidade humana fantstica disse poirot, suspirando. a ela devemos tantas coisas! curiosidade. no sei quem inventou a curiosidade, mas dizem que ela est associada aos gatos. lembra-se do ditado: a curiosidade matou o gato? contudo, creio que foram os gregos os inventores da curiosidade, porque eles tinham sede de saber. antes deles os outros povos se limitavam a conhecer as leis que regiam o pas em que viviam para no serem castigados. obedeciam ou desobedeciam a lei, mas no queriam saber por qu. do momento em que as pessoas comearam a perguntar por que, veja o que aconteceu: barcos, trens, avies, bombas atmicas, penicilina e a cura para vrias doenas. um garoto observou a tampa da chaleira levantando-se por causa do calor e deu-se o aparecimento da locomotiva a vapor; da foi um passo para as greves dos ferrovirios... seja sincero comigo poirot, voc acha que eu sou uma mulher abelhuda? no, mas uma mulher curiosa. entendo perfeitamente seu problema! vai a um almoo e, preocupada em se defender de uma torrente de fs elogiosos ou superamveis, cai numa armadilha pior, preparada por uma mulher desagradvel. isso verdade! concordou a sra. oliver, pensando na sra. burton-cox. um crime antigo com um casal que aparentemente se dava bem. a verdade que nunca se descobriu a causa real do crime, no ? no. s sabemos que morreram assassinados, a tiros, e que a polcia sups que se tratasse de um pacto de morte. claro que, hoje em dia, seria dificlimo descobrirmos os mveis da tragdia. no creio que seja to difcil assim discordou poirot. voc seria capaz de descobrir alguma coisa ajudado pelos seus fascinantes amigos? eu no os qualificaria de fascinantes admoestou poirot. diria que so curiosos, possuidores de arquivos ou capazes de ter acesso a certos documentos confidenciais. voc poderia descobrir alguma coisa que viesse me esclarecer disse a sra. oliver, esperanosa. creio que poderia, pelo menos, esclarecer melhor os fatos, embora isso possa levar um certo tempo. enquanto isso eu falo com a moa e descubro se ela sabe alguma coisa; se quer que eu faa alguma grosseria com a futura sogra, enfim, se posso ajud-la. gostaria tambm de conhecer o noivo.

timo. posso tambm continuou a sra. oliver, falar com umas pessoas... no creio que a soluo esteja a disse poirot. este crime ocorreu h anos, foi uma cause clbre. mas, o que realmente uma cause clbre? a no ser que tivessem chegado a um dnouement estarrecedor; o que no aconteceu. minha opinio que ningum se lembra mais da histria. pode ser concordou a sra. oliver. na poca aparecia diariamente em todos os jornais e de repente esgotou-se o assunto; isso alis acontece freqentemente. lembra-se do caso daquela moa que desapareceu de casa e foi encontrada, seis anos depois, por um menino que estava brincando num monte de areia? lembro-me disse poirot. pois a verdade que fazendo a autpsia e investigando o que havia acontecido, no dia do desaparecimento, que conseguiram chegar at o assassino. no nosso caso ser mais difcil pois temos duas possibilidades: ou o marido odiava a mulher e queria se ver livre dela, ou a mulher odiava o marido e tinha um amante. portanto, pode se tratar de um caso passional. de qualquer maneira, no havia nada para se descobrir, uma vez que a polcia no chegou a concluso alguma. o caso se tornou mais um mistrio e eventualmente foi arquivado. posso procurar a moa; talvez seja isto que aquela mulher deseje, pois acha que celia sabe ou deve saber alguma coisa. as crianas, segundo a sra. burton-cox, sabem coisas fantsticas! que idade teria sua afilhada na poca do crime? no tenho certeza, mas creio que uns nove ou dez anos... talvez um pouco mais. na poca acho que devia estar no colgio interno. mas pode ser que eu esteja conjeturando e confundindo as notcias que li, sobre o caso, nos jornais. voc acha que o desejo da sra. burton-cox era fazer com que voc obtivesse informaes sobre o crime atravs da prpria filha? posso apostar que quando a sra. burton-cox tentou indagar alguma coisa de celia, esta lhe deu um fora, obrigando a mulher a recorrer a voc que, alm de madrinha, uma famosa conhecedora de crimes mas isto no explica a estranha curiosidade da mulher... em relao s pessoas a que voc pretende recorrer, no tenha iluses. quantas sero capazes de se lembrar de alguma coisa til? no concordo com voc. voc me surpreende exclamou poirot, olhando para a sra. oliver. voc acha que as pessoas tm boa memria? as pessoas eu no sei respondeu a sra. oliver. para dizer a verdade eu no estava pensando em pessoas e sim em elefantes. elefantes? repetiu poirot, achando, como sempre achava, a imaginao da sra. oliver algo de extraordinrio. por que elefantes? no almoo eu pensei em elefantes explicou a sra. oliver. e por qu? perguntou poirot curioso. por causa dos dentes, ora! por exemplo: quando se quer comer algo, mas se tem dentes postios advm o medo. com o tempo, a gente aprende o que pode e o que no pode comer! ah! murmurou poirot, aliviado. verdade. os dentistas so capazes de executar maravilhas, mas no so milagrosos. exatamente! por isso pensei nos dentes humanos que so de osso, logo bastante fracos, e imaginei que bom seria se eu fosse um cachorro que tem dentes de marfim. pensei tambm nos hipoptamos e nos elefantes. alis, quando algum pensa em marfim, a primeira coisa que vem cabea o elefante, no ? principalmente aqueles enormes chifres de marfim. bem verdade disse poirot, ainda sem entender aonde a sra. oliver pretendia chegar. por isso pensei que neste caso especfico eu deveria procurar as pessoas que parecem com os elefantes. no existe uma lenda sobre a memria dos elefantes? existe. lembra uma histria sobre um alfaiate indiano que enfiou uma agulha ou

coisa parecida no chifre de um elefante? alis, no foi no chifre e sim na tromba! pois bem, anos depois, quando o elefante viu o alfaiate, encheu a tromba dgua e despejou sobre o homem. isto prova que o animal no tinha esquecido. minha tese: os elefantes no esquecem. portanto, tenho que entrar em contado com alguns elefantes. no sei se entendo bem o que quer dizer interveio poirot. quem voc classificaria de elefante? do jeito que est falando parece que vai buscar informaes no jardim zoolgico! no bem assim sorriu a sra. oliver. no os animais, mas as pessoas que se parecem com os elefantes. pois estas pessoas existem! e tm memria! com um pequeno esforo a gente capaz de lembrar das coisas mais incrveis. eu, por exemplo, me lembro quando fiz cinco anos, por causa de um bolo cor-de-rosa. alis, era um bolo maravilhoso, enfeitado com um pssaro de acar cndi. lembro-me tambm como chorei, no dia em que meu canrio fugiu; do dia em que estava passeando no campo e vi um touro e me avisaram de que ele iria me atacar. isto aconteceu numa tera-feira, veja s! Por que me lembro at do dia, no sei. lembro-me at de um piquenique divino em que samos catando amoras e em que eu voltei para casa coberta de espinhos, mas com meu cestinho repleto! foi maravilhoso! acho que eu no tinha mais que uns nove anos. claro que no vou exigir tanta memria das pessoas a quem vou procurar. a quantos casamentos j fui durante minha vida? mas s consigo me lembrar bem, de dois: num eu era a dama de honra, mas no sei ao certo se a noiva era minha prima, acho que era... s sei que ela queria uma poro de damas de honra e como eu estava disponvel fui aproveitada. o outro casamento foi o de um amigo meu da marinha que quase tinha morrido afogado num submarino. sei que a famlia da noiva se ops ao casamento mas eles seguiram em frente assim mesmo e eu tambm fui convidada para ser dama de honra. est vendo como a gente capaz de se lembrar de uma poro de coisas? percebo seu raciocnio concordou poirot, e acho sua tese muito interessante. vai partir, portanto, a la recherche des lphanls? decididamente. espero poder descobrir a data exata do crime. nisso eu posso ajud-la. em seguida, procurarei me lembrar das pessoas que eu conhecia nesta poca; pessoas que tinham os mesmos amigos que eu e que talvez conhecessem o general; que talvez tivessem alguma ligao com o casal, no exterior, sei l. fcil procurar pessoas a quem no se v h anos! sempre um prazer rever um rosto do passado, embora a pessoa nem sempre se lembre bem de voc. nestes encontros, entre uma conversa e outra, pode aparecer alguma coisa. muito interessante disse poirot. acho que voc tem grandes possibilidades de xito. primeiro, as pessoas que conheciam os ravenscroft bem ou ligeiramente; depois as pessoas que viviam perto deles quando ocorreu a tragdia. esta segunda parte mais complicada, mas no impossvel de se averiguar. o importante incitar as pessoas a falar e dar suas opinies sobre o ocorrido; inquirir sobre os casos amorosos do marido ou da mulher; sobre dinheiro. enfim, cercar o crime por todos os ngulos. em resumo: no esquecer de ser bem abelhuda suspirou a sra. oliver. voc recebeu um encargo de uma pessoa a quem detesta e no deseja servir, mas isto no tem importncia. sua misso saber. para tanto, precisa traar um plano, um caminho. o caminho dos elefantes, pois eles no esquecem. bon voyage concluiu poirot. o qu? estou me despedindo de voc, pois vai partir numa viagem de descobertas disse poirot. a la recherche des lphants. acho que sou doida mesmo concluiu a sra. oliver, estou comeando a escrever uma novela mas no estava indo bem... abandone a novela. concentre-se nos elefantes! livro i

os elefantes 3 o almanaque do eu sei tudo onde estar meu caderno de endereos, srta. livingstone? na sua escrivaninha, sra. oliver. na primeira gaveta do lado esquerdo. no este que eu quero disse a sra. oliver. o que eu estou precisando o do ano passado ou do ano retrasado. ser que foi jogado fora? sugeriu a srta. livingstone. no costumo jogar fora coisas de que vivo precisando. esses caderninhos devem estar enfiados numa gaveta dos armrios. a srta. livingstone era a substituta recente da srta. sedgwick. ariadne oliver sentia falta da sua antiga secretria, pois aquela tinha a capacidade de intuir onde a patroa seria capaz de colocar qualquer objeto; lembrava-se dos nomes das pessoas a quem a sra. oliver escrevia cartas amveis ou malcriadas; enfim, era insubstituvel ou pelo menos tinha sido at ento. era como aquele livro to em voga no comeo do sculo: o almanaque do eu sei tudo. por incrvel que possa parecer esta descrio correspondia realidade, suspirou pensativamente a sra. oliver. sabia tirar manchas de ferro das roupas de linho; salvar uma maionese desandada; escrever uma carta a um bispo etc. etc. j a srta. livingstone no era a mesma coisa. ficava parada num canto com seu rosto de cavalo, fingindo ser eficiente. cada ruga do seu rosto parecia transpirar: eu sou eficiente! mas no era verdade. a nica coisa que ela sabia era repetir onde os antigos patres (tambm escritores) costumavam guardar suas coisas, sugerindo, portanto, que a sra. oliver deveria imit-los. o que eu quero enfatizou a sra. oliver, com a firmeza de uma criana mimada, o meu livrinho de endereos de 1970, e o de 1969 tambm. por favor procure-os imediatamente. pois no, pois no disse a srta. livingstone com um ar de quem no entendeu nada, mas com a certeza de que a eficincia lhe iluminaria o caminho. se sedgwick no voltar eu enlouquecerei, pensou a sra. oliver. no vou ser capaz de investigar este crime sem a ajuda dela. enquanto isso, a srta. livingstone abria e fechava varias gavetas dos armrios do pseudo-escritrio da sra. oliver. aqui tem o do ano passado! exclamou a secretaria exultante. o de 1971 lhe dever ser mais til ainda, no? mas eu no quero o de 1971! uma lembrana vaga e nebulosa passou pela mente da sra. oliver. olhe na mesinha de ch disse. a srta. livingstone reagiu com espanto. aquela ali apontou a sra. oliver. um livrinho de endereos no estaria naquela mesinha sentenciou a srta. livingstone, explicando patroa as noes mais gerais sobre bom senso. no sei por qu! faa. o favor de olhar insistiu a sra. oliver, afastando a srta. livingstone para o lado e encaminhando-se para a mesa de ch. levantou a tampa e puxou de dentro o caderninho. c est! no disse? perguntou triunfante. mas este o de 1968 sra. oliver. j tem quatro anos. o que eu quero. por enquanto s, Srta. livingstone, a no ser que queira procurar meu lbum de aniversrios... eu no sabia... eu no o uso mais, mas tenho um perdido por ai. uma espcie de lbum que eu tenho desde criana. deve estar no sto, onde as vezes eu hospedo os meninos nas frias. este lbum ou est no armrio ou numa mesinha de cabeceira perto da cama beliche.

a senhora quer que eu veja? se no for incmodo sorriu a sra. oliver satisfeita em se ver livre da srta. livingstone. assim que a secretria se retirou, a sra. oliver fechou a porta e passou a examinar o livrinho de endereos. ravenscroft, celia... 14, fishacre mews, sw 3. este era o antigo endereo da afilhada, que depois havia mudado para mardyke grove; a sra. oliver folheou apressadamente mais algumas pginas e encontrou um nmero de telefone meio apagado. dirigiu-se para o aparelho. neste instante abriu-se a porta e a figura da srta. livingstone reapareceu. a senhora no acha que... j encontrei o endereo que eu queria interrompeu a sra. oliver. continue procurando meu lbum de aniversrio. tenho urgncia dele. ser que a senhora no o deixou na outra casa? absolutamente. continue procurando. assim que a srta. livingstone fechou a porta a sra. oliver murmurou para si mesma ... e no se apresse muito! discou o nmero do telefone e lembrou-se de uma ltima recomendao. correu para a porta e gritou para o sto: d uma olhada na arca espanhola, aquela com os puxadores de cobre. na primeira ligao a sra. oliver encontrou uma sra. smith potter que no sabia o paradeiro, nem o telefone da antiga moradora. a sra. oliver voltou a estudar o livrinho e descobriu dois nmeros de telefone rabiscados e ininteligveis. um terceiro nmero, encontrado numa pgina adiante, foi tentado. a pessoa que atendeu disse conhecer clia. s que ela no mora mais aqui h anos. deve estar em newcastle. eu no tenho este endereo disse a sra. oliver. nem eu. acho que ela est trabalhando como assistente de um veterinrio. a sra. oliver desligou, agradecendo a cooperao e, relendo o caderninho de 1967, encontrou um outro telefone. celia, sim, celia ravenscroft... claro que conheo. trabalhou comigo um ano e meio. uma moa muito inteligente! senti muito quando quis ir-se embora. parece que foi trabalhar na harley street... um instantinho s que eu vou tentar localizar o novo endereo. fez-se uma longa pausa enquanto a sra. x procurava o novo endereo de celia. tenho um endereo em islington. ser que serve? qualquer coisa serve respondeu a sra. oliver, anotando o endereo e agradecendo a boa vontade da desconhecida. uma complicao a gente tentar descobrir os endereos das pessoas; geralmente eu perco os cartes... o mesmo acontece comigo murmurou a sra. oliver, desligando o telefone. em seguida, tentou o nmero em islington. uma voz, com forte sotaque estrangeiro, atendeu deseja? sim? o qu? gostaria de falar com a srta. celia ravenscroft. mora aqui sim; tem quarto alugado no segundo andar. saiu e no volta hoje. nem de noite? sim, mas um instante s. Vai trocar de roupa para ir a outra festa. a sra. oliver agradeceu a informao e desligou. francamente! murmurou. essas moas de hoje... tentou se lembrar h quanto tempo no via a afilhada. sorriu, pensando em como na vida a gente perde de vista as pessoas. imaginem, celia em londres! o noivo de celia era londres e certamente a me do noivo em londres! que confuso. o que , srta. livingstone? a srta. livingstone parecia uma rvore de natal decorada de teias de aranha e quilos de poeira. no sei se so estes os lbuns que a senhora deseja sibilou a

secretria, tentando disfarar o mau humor. pelo menos parecem bastante antigos. pode ser. quer que eu procure mais alguma coisa? no. por favor coloque estes lbuns naquele canto; mais tarde vou dar uma olhada neles. antes vou dar uma limpadela neles disse a srta. livingstone. esto imundos! muito obrigada agradeceu a sra. oliver, controlando-se para no rir das teias de aranha. olhou o relgio e ligou novamente para o telefone em islingon. uma voz segura e forte atendeu. a srta. ravenscroft? celia? sim. talvez voc no esteja bem lembrada de mim. aqui quem fala a sra. oliver, ariadne oliver. h anos no nos vemos... e afinal de contas eu sou sua madrinha. claro. realmente no nos vemos h muito tempo. eu gostaria de me encontrar com voc, se fosse possvel. voc poderia vir jantar ou... no momento vai ser difcil pois trabalho at tarde. poderia dar uma passada, em sua casa, l pelas sete e meia ou oito horas. tenho um encontro mais tarde. se fosse possvel eu ficaria encantada. est bem. sei o endereo. at logo. a sra. oliver fez uma anotao no seu caderno de telefones e com certa irritao virou-se para a srta. livingstone, que havia acabado de entrar. seria este o lbum? de maneira alguma. este o de receita de doces. ah! mesmo! em todo o caso deixe-os aqui. mais tarde vou dar uma espiada neles. por favor continue procurando. quem sabe no estaro naquele armrio de toalhas? s vezes, eu costumo guardar uns papis naquele armrio. espere a, eu vou tambm. dez minutos depois a sra. oliver folheava um lbum amarelecido pelos anos. a srta. livingstone, ao seu lado, continuava a expressar dor e sofrimento como uma mrtir crist. agora, por favor d uma busca na mesa da sala de jantar. eu devo ter enfiado uns cadernos de telefone antigos pelas gavetas disse a sra. oliver, irritada diante do ar contrito da secretria. quando encontrar, pode ir pois no vou mais precisar de voc hoje. a srta. livingstone retirou-se. cada vez que ela sai, no sei quem fica mais feliz... ela ou eu? perguntou-se curiosa a sra. oliver. depois da visita de celia vou ter muito que fazer. a sra. oliver resolveu telefonar para hercule poirot. como vai, monsieur? vou bem madame. descobriu alguma coisa? como assim? sobre o que falamos ontem? j comecei minhas investigaes. est aguardando os resultados? perguntou a sra. oliver sempre disposta a provar a ineficincia masculina: e voc? quis saber poirot. estou ocupadssima! fazendo o qu? reunindo elefantes, se que me entende. creio que sim. no fcil examinar o passado continuou a sra. oliver. impressionante o nmero de pessoas que voltam a sua mente enquanto se folheia um

caderno de endereos. sem falar nas bobagens que escrevem nos lbuns de recordaes. tambm no sei para que eu queria que as pessoas escrevessem no meu lbum... obteve resultado nas pesquisas? de certa maneira! sei que estou na trilha certa. j falei, inclusive, com a minha afilhada. e vai v-la? ela vem aqui, hoje, l, pelas oito horas. pelo menos, prometeu que viria. os jovens, hoje em dia, so to imprevisveis! ela gostou de receber seu telefonema? no sei. no ficou triste nem alegre. celia uma pessoa firme... e talvez um pouco assustadora. em que sentido? ela seria capaz de me dominar inteiramente. o que poderia ser uma ameaa ou uma bno! voc acha? veja bem, se uma pessoa resolve no gostar de voc, ou pelo menos pensa que no gosta de voc, certamente advir um certo prazer em demonstrar esta averso, dando a voc mais pistas do que se quisesse ser agradvel e simptica. entendo. pode ser que voc tenha razo. deixe ver se entendi direito: segundo sua teoria, as pessoas contam para a gente as coisas que pensam que gostaramos de ouvir. quando no gostam, dizem coisas que acham que poderiam magoar-nos. ser que celia se encaixaria nesta segunda hiptese? eu me lembro bem dela quando tinha cinco anos. depois no sei... s me lembro que tinha uma bab em quem vivia atirando os sapatos. quem? a bab na menina ou a menina na bab? a menina na bab claro respondeu a sra. oliver, desligando o telefone. em seguida, voltou para os lbuns, examinando os nomes e os endereos do passado marianna josephine pontarlier... imaginem s! Pensei que ela tivesse morrido. anna braceby que morava to longe... ser qu? nestas indagaes o tempo foi passando e a sra. oliver surpreendeu-se quando a campainha tocou. correu para atender a porta. 4 celia a sra. oliver ficou, por um momento, espantada ao encontrar uma moa alta, parada na porta. a impresso de vitalidade e fora que ela transmitia era enorme, e o impacto causado foi grande. a estava, pensou a escritora, uma mulher de personalidade: agressiva, talvez difcil e at mesmo perigosa. uma moa predestinada s grandes causas, capaz at de chegar violncia para conseguir seus intentos. enfim, uma personalidade. entre, celia. faz tanto tempo! acho que a ltima vez foi num casamento onde voc era demoiselle dhonneur. lembra do vestido de gaze chiffon amarelo com aquele enorme bouqu de flores de... trigo? provavelmente... s sei que espirrei sem parar, de alergia, durante uma semana. foi um senhor casamento! nunca vi roupas to feias. eu pelo menos nunca usei um vestido to horrvel! realmente, as roupas estavam desastrosas. mesmo assim, voc era a mais bonita. obrigada agradeceu celia. a sra. oliver indicou uma cadeira e dirigiu-se ao bar. quer beber alguma coisa? sherry? claro. talvez possa parecer estranho eu me ter telefonado depois de tantos anos...

at que no. no sou uma madrinha muito ortodoxa. e eu j sou uma afilhada bem crescidinha... tem razo. a gente se desobriga das pessoas quando elas crescem. no que eu tenha me ocupado tanto com voc... nem sei se fui sua primeira comunho! faz parte das atribuies de uma madrinha ensinar o catecismo, no faz? renunciar o diabo e aquela histria toda... sorriu celia, ligeiramente. embora ela esteja sendo simptica, no posso deixar de notar algo de perigoso nela, pensou a sra. oliver. vou contar porque a procurei disse a sra. oliver. uma histria meio estranha. no costumo freqentar almoos em homenagem a escritores e solenidades parecidas, mas ontem, por acaso, aceitei um convite... li no jornal e at fiquei espantada quando vi seu nome, porque sei que a senhora no dada a este tipo de comemoraes. verdade. alis, me arrependo de ter ido. no estava bom? no bem isso. no comeo foi divertido porque, para mim, era novidade. mas... sempre que apareo em pblico acontece algo de desagradvel. e aconteceu? sim, e por incrvel que parea, relacionado com voc. por isso achei melhor falar-lhe pessoalmente... eu, para dizer a verdade, fiquei furiosa! deve ser algo palpitante comentou celia, bebericando o sherry. uma mulher veio falar comigo, uma mulher que no me conhecia! mas isso deve lhe acontecer sempre. verdade concordou a sra. oliver. so os ossos do ofcio. as pessoas me atacam na rua com os elogios ou os insultos mais disparatados. eu j fui secretria de um escritor, sei bem do que est falando. durante o almoo tudo correu bem. foi durante o caf que uma mulher me disse: acho que a senhora tem uma afilhada chamada celia ravenscroft, no tem? realmente estranho disse celia se aproximar de uma pessoa dessa forma. talvez ela devesse elogiar ou criticar os seus livros. o que ela tem contra mim? que eu saiba, nada respondeu a sra. oliver. uma amiga minha? no sei. fez-se uma pausa. celia bebericou o sherry e olhou com curiosidade para a sra. oliver. no sei aonde, a senhora est querendo chegar. espero que no v ficar zangada comigo preveniu a sra. oliver. por que ficaria zangada? porque o que eu vou dizer, ou melhor, repetir talvez no seja da minha conta. estou morta de curiosidade. o nome desta mulher Burton-cox. ah! exclamou celia. voc a conhece? sim. tive esta impresso pela... como assim? pelas coisas que ela disse. que coisas? no entendo. ela me contou que achava que o filho ia se casar com voc. celia mudou de expresso. arqueou as sobrancelhas e olhou friamente para a sra. oliver. e a senhora quer saber se isto verdade? no, absolutamente. s estou repetindo o comeo da minha conversa com ela. o que ela queria que eu esclarecesse tinha relao com o fato de voc ser minha afilhada. creio que ela pretendia se elucidar atravs de uma conversa entre

ns. e o que seria...? no se ofenda, por favor pediu a sra. oliver. eu, para dizer a verdade, fiquei bastante chocada com a audcia da criatura. uma mulher sem a menor compostura! ela me disse o seguinte: a senhora no poderia descobrir se foi o pai dela que matou a me ou se foi a me que matou o pai? ela disse isto?! pediu para a senhora me perguntar isto?! sim. sem mesmo conhec-la? s porque a senhora uma escritora e estava na festa? ela nunca tinha me visto na vida. nem eu a ela! no fantstico? no sei... na hora achei a pergunta... e a criatura to odiosa que fiquei sem ao. ela realmente uma mulher odiosa concordou celia. e voc pretende casar com o filho dela? bom, j aventamos esta possibilidade. no sei. a senhora sabia a que ela estava se referindo? sei o que qualquer pessoa relacionada com sua famlia deve saber. isto , que meus pais, depois que ele se aposentou, compraram uma casa no campo. um belo dia, foram dar uma volta perto dos rochedos e foram encontrados, mais tarde, mortos a tiros. ao lado, um revlver que pertencia ao meu pai. parece que existiam dois revlveres. no se podia depreender se foi um pacto de morte ou se meu pai matou minha me e depois se suicidou, ou se foi minha me que matou meu pai e depois se suicidou. mas acho que tudo isso a senhora j sabia. de certa forma disse a sra. oliver; afinal uma histria que aconteceu h doze anos! verdade. voc devia ter uns doze ou treze anos... sim. para dizer a verdade disse a sra. oliver eu nem estava na inglaterra naquela poca. estava fazendo umas conferncias nos estados unidos. li a notcia nos jornais, que fizeram um grande estardalhao, porque a tragdia vinha cercada de mistrio. seus pais sempre se deram bem, segundo as informaes. eu me interessei pelo caso, porque conheci os dois quando ramos jovens; especialmente sua me, que foi minha colega de colgio. depois tomamos outros rumos, eu me casei, mudei para longe e ela tambm; soube que tinha ido para a malaia ou coisa parecida com o marido, que era militar. mais tarde, fui convidada para ser sua madrinha. depois nossos contatos foram escasseando devido distncia. s vezes a senhora ia me visitar, na escola, e me levava para jantar fora. lembro-me das comidas, que eram deliciosas... voc foi uma criana excepcional. gostava de caviar... ainda gosto, embora no o coma to freqentemente. fiquei chocada com o noticirio. no esclarecia nada... e finalmente o veredicto: um fato sem razo aparente, sem briga e nem mesmo a possibilidade de ser um assalto a mo armada. foi um choque que com o correr dos anos foi passando. s vezes, eu me perguntava o porqu da tragdia, mas como estava sempre viajando acabei esquecendo... quando encontrei voc no casamento, naturalmente, no quis tocar no assunto. fiquei muito agradecida por isso disse celia. pela vida deparamos com coisas bem estranhas que acontecem com nossos amigos ou conhecidos. com os amigos... a gente sempre tem uma idia das causas... seja l qual for o incidente. mas, quando acontece algo com pessoas com quem voc perdeu contato, a gente fica sem entender nada. o pior que no se tem nem a quem perguntar... a senhora sempre foi muito atenciosa comigo. sempre me presenteou. nunca esqueci o presente que me deu quando completei vinte e um anos. quando uma mulher est mais necessitada de dinheiro. precisa de tantas

coisas. sempre achei a senhora uma pessoa muito compreensiva e discreta. nunca me fazia perguntas quando me levava para jantar ou ir ao teatro e me tratava como se nada tivesse acontecido. to diferente das abelhudas que eu encontrei pela vida! so pessoas inevitveis. por isso, entenda como me senti naquele almoo. imagine uma desconhecida, como a sra. burton-cox, fazendo esse tipo de perguntas! e o que mais me intriga o motivo pelo qual ela precisava tanto saber. a no ser que... a no ser que eu me case com desmond, o filho dela. mesmo assim no vejo relao. ela curiosa por natureza. se mete em tudo. em suma, uma mulher odiosa acrescentou celia. o filho diferente, espero. eu gosto dele e ele de mim. a me que insuportvel. ele gosta da me? no sei respondeu celia. pode ser; tudo possvel. o fato que, no momento, no estou pretendendo me casar. ainda no est na hora. existem tantos prs e contras... a senhora deve ter ficado intrigada com a pergunta! imaginem uma comadre pedindo para a senhora arrancar informaes! a senhora tambm est querendo me fazer a mesma pergunta? se eu estou perguntando se voc sabe o que realmente ocorreu entre seus pais? sim. e se pretende transmitir o que acha que eu sei para a sra. burtoncox. no, decididamente no. jamais diria quela vbora qualquer coisa. se me encontrar com ela novamente s direi que, como estou ocupada, cuidando da minha vida, aconselho-a a fazer o mesmo. eu sabia disse celia, sabia que podia contar com a senhora. no me importo de contar o pouco que sei a respeito de meus pais... mas, no preciso. no custa nada, pois o que eu sei resume-se numa s palavra: nada. nada repetiu a sra. oliver pensativa. exatamente. eu no morava com eles na poca, ou estava na escola, na sua, ou passando as frias na casa de alguma colega. realmente no me lembro bem. imagino tambm disse a sra. oliver que na idade em que voc estava, mesmo que morasse com seus pais, no poderia saber de muita coisa. a senhora acha? voc mesma disse que no estava em casa. se estivesse, talvez poderia saber algo. as crianas e os adolescentes sabem e ouvem coisas que no comentam com os adultos e muito menos com a polcia. acho que verdade. eu no sabia de nada, nem imaginava coisa alguma. qual a opinio da polcia? no me importo de conversar sobre este assunto com a senhora porque at hoje ainda estou no ar. no li o veredicto da polcia, nem sei maiores detalhes sobre o caso. a polcia acha que foi um suicdio duplo mas no sabe o motivo. a senhora quer minha opinio? se voc quiser me dar... sei que a senhora est interessada no caso; escreve histrias policiais sobre crimes e suicdios... e os motivos que conduzem a isto. realmente concordou a sra. oliver mas a ltima coisa que desejo magoar voc para satisfazer minha curiosidade. eu sempre me perguntei o por que, como e para que da morte, dos meus pais. no soube de nada por estar sempre fora de casa. antes de morrer eles tinham estado comigo, por pouco tempo, uma ou duas vezes, na sua. pareciam os mesmos de sempre, porm um pouco mais velhos. meu pai estava com a fisionomia um tanto abatida, talvez estivesse sofrendo do corao ou coisa parecida. na poca no prestei muita ateno. minha me parecia nervosa, preocupada com a sade. pareciam

bem, um com o outro, portanto no percebi nada que pudesse dar uma pista do que iria acontecer. s vezes, porm, quando penso no caso me vm umas idias... acho que devemos esquecer este caso disse a sra. oliver. no h necessidade de sabermos. uma histria passada; a polcia j deu o veredicto, ou seja, um laudo constatando morte por suicdio, sem motivo aparente. s no sabem quem matou o parceiro e se suicidou depois. eu acharia mais provvel que meu pai fosse o autor. acho um homem mais capaz de disparar uma arma de fogo, seja l qual for o motivo. no creio que minha me fosse capaz disso. se ela quisesse mat-lo, certamente teria escolhido outra maneira. s no acho que eles fossem capazes de se matar. acha que foi outra pessoa? sim, mas quem seria? perguntou celia. quem mais morava na casa? uma governanta velha, meio cega e meio surda; uma moa estrangeira que tinha sido minha governanta mas que tinha voltado para casa para tratar de mame quando ela esteve no hospital; e uma tia de quem eu no gostava muito. nenhuma delas, acho, seria capaz, de matar meus pais, mesmo porque no lucrariam nada com a morte deles. meu irmo e eu fomos os nicos herdeiros e, alm ao mais, meu pai no era to rico assim! sinto muito faz-la voltar a este assunto. no tem a menor importncia, pois eu mesma gostaria de saber a verdade; e apesar de gostar dos meus pais, como todo o mundo, sei, hoje em dia, que na realidade nunca os conheci. no soube como eram na intimidade nem o que pensavam. ficou tudo muito vago e eu queria a verdade para poder esquecer tudo. por que, voc pensa sempre nisso? celia olhou para a sra. oliver como se estivesse tomando uma deciso. sim respondeu por fim. penso sempre neles. quase uma obsesso. e desmond j est ficando preocupado. 5 marcas profundas de antigos pecados hercule poirot entrou no pequeno restaurante, que estava quase vazio, pois no era hora de grande movimento, e no teve, portanto, a menor dificuldade em divisar o corpanzil do inspetor spence. que prazer disse ele. no teve dificuldade em encontrar o local? absolutamente, suas indicaes foram bastante precisas. este aqui o comissrio-chefe garroway disse o inspetor, apontando para um senhor alto, magro, cujo ar de beatitude era acentuado por uma coroinha de cabelos cinzentos. muito prazer disse poirot. j estou aposentado preveniu o comissrio mas certas coisas no se esquecem. mesmo aquelas mais antigas das quais todo o mundo j se esqueceu. hercule poirot quase disse: os elefantes no esquecem; mas resolveu calarse. a frase tinha-se associado indelevelmente Sra. oliver, de forma que, s vezes, era difcil no pronunci-la quando se apresentava a oportunidade. sente-se por favor convidou o comissrio. os trs se acomodaram em volta da mesa, enquanto o garom lhes entregava o cardpio. o inspetor, assduo freqentador, sugeriu alguns pratos. garroway e poirot fizeram seus pedidos. depois, bebericando um delicioso sherry, ficaram alguns instantes em silncio. acho que devo pedir desculpas por incomod-los com um assunto dado por encerrado h tantos anos. gostaria de saber por que o senhor est interessado disse spence; no sabia que gostava de esmiuar o passado. diga-me, sua curiosidade foi despertada por algo que est ocorrendo no momento, ou simplesmente com o intuito diletante de resolver um caso misterioso? garroway, que na poca era inspetor, foi o encarregado da investigao do caso ravenscroft. somos velhos amigos, de maneira

que no foi difcil convid-lo para tomar parte neste almoo. muita amabilidade sua, comissrio disse poirot, inclinando a cabea, em aceder curiosidade de um intrometido desocupado. no bem assim disse garroway; todos ns, de vez em quando, nos interessamos por um caso antigo. principalmente se os veredictos no foram suficientemente satisfatrios. garroway olhou para poirot com curiosidade. se no me engano continuou, o senhor j manifestou, uma ou duas vezes, um certo interesse por crimes ocorridos no passado. pelo menos umas trs vezes! disse o inspetor spence. uma vez, se no me falha a memria, a pedido de uma moa canadense... verdade interrompeu poirot, uma moa canadense de muita personalidade que veio a londres para investigar um crime pelo qual sua me tinha sido condenada, embora a pobre senhora tenha falecido antes de ser executada. a moa tinha certeza de que sua me era inocente. e o senhor concordou? quis saber garroway. no a princpio, apesar da veemncia e da certeza da moa. claro que qualquer filha desejaria inocentar a me e salv-la da forca disse spence. mas ela foi mais longe explicou poirot, quando me convenceu que tipo de mulher era sua me. uma mulher incapaz de matar? no sorriu poirot, os senhores concordam comigo que muito difcil achar que uma pessoa incapaz de cometer um crime se a gente no conhece bem a que tipo pertence e quais so suas motivaes internas. neste caso, porm, a me no dizia ser inocente e parecia satisfeita com a condenao. isto j era muito estranho. estaria eu diante de uma derrotista? no era possvel. quando comecei a fazer minhas investigaes tive certeza de que ela no era uma derrotista; pelo contrrio, era uma mulher de grande energia. garroway, interessado na histria, apoiou os cotovelos na mesa enquanto mastigava uma fatia de po preto. ela era inocente? sim, era. e isto o surpreendeu? no respondeu poirot. durante as investigaes comearam a surgir pistas e uma principalmente que provou que ela no poderia ser a culpada. um detalhe mnimo a que ningum tinha prestado ateno, mas que desvendou toda a trama.1 neste instante o garom trouxe um maravilhoso prato de trutas grelhadas. teve um outro caso seu disse garroway em que o senhor teve que recorrer ao passado. uma moa que lhe contou, numa festa, que tinha visto cometerem um crime.2 realmente, foi outra incurso ao passado lembrou-se poirot. e a moa estava dizendo a verdade? no respondeu poirot. a truta est deliciosa! 1 os cinco porquinhos. 2 a festa das bruxas. aqui, todos os pratos de peixe so maravilhosos disse spence, servindose de mais uma colherada de molho. este molho est do outro mundo! os trs ficaram um instante em silncio, saboreando a comida. quando spence veio me falar sobre o caso ravenscroft disse garroway, fiquei intrigado e contente. o senhor ainda se lembra do caso? como se tivesse acontecido ontem. no uma histria fcil de esquecer. concorda comigo disse poirot que existem discrepncias, falta de provas? no bem isso disse garroway. todas as provas foram revistas, casos parecidos estudados e comparados, e mesmo assim...

mesmo assim? repetiu poirot. no me convenceram! ah! exclamou spence, interessado. o senhor teve esta impresso logo que assumiu o caso? perguntou poirot. exatamente como no caso da sra. mcginty interveio spence.3 lembro-me de que spence no ficou convencido da culpa quando prenderam aquele rapaz, to desagradvel, e o acusaram de ser o assassino. todas as provas o acusavam, mas spence sentia que ele no era o assassino. foi ento que me procurou. e voc o ajudou, no foi? ajudei concordou poirot com um suspiro. aqui entre ns, que osso duro de roer era o acusado. se existe algum no mundo que merea ser enforcado por antecipao criminosa eis a um forte candidato. voltando ao caso ravenscroft, comissrio garroway, o senhor sentiu que existia algo que no soava bem? 3 a morte da sra. mcginty. tinha certeza. entendo disse poirot. tenho certeza de que spence tambm entende, pois volta e meia nos deparamos com um caso desses. as provas, o motivo, a oportunidade, as pistas, tudo leva a uma concluso. como se estivssemos olhando para uma planta baixa de um arquiteto, tudo claro e preciso, no entanto existe algo de errado. no pude fazer nada recordou garroway. olhei o caso sob todos os ngulos, entrevistei vrias pessoas... e nada! tudo levava a crer que fora um pacto de morte comandado por qualquer um dos parceiros, isto , o marido ou a mulher. neste caso, porm, ningum podia imaginar por que... porque no havia realmente explicao, no mesmo? perguntou poirot. exatamente. em geral quando se comea a investigar um caso e perguntar coisas, acaba-se tendo uma idia bem definida da vida ntima da vtima. no caso ravenscroft tnhamos um casal de meia-idade, que se amava e vivia feliz; gostavam de passear; jogar tnis ou cartas; os filhos no davam trabalho; o menino estudava na inglaterra e a menina num pensionato na sua. nada de errado ou anormal. quanto questo de sade, segundo as fichas mdicas, tambm no havia motivo de preocupao. o general sofria de presso alta, fazia regime e tomava os remdios prescritos regularmente; a mulher, que era ligeiramente surda, tinha tido um pequeno problema cardaco, mas na poca do suicdio encontrava-se bem. pensamos, como s vezes acontece, que eles tivessem angstia em relao sade... por exemplo, como certas pessoas que vivem convencidas de que esto com cncer e que no vivero mais que um ano. os ravenscroft porm no pareciam ser hipocondracos a este ponto e transmitiam aos conhecidos uma imagem de calma e equilbrio. o que o senhor acredita que realmente aconteceu? perguntou poirot. o problema que eu no podia formar opinio alguma! respondeu garroway. recordando o caso, hoje em dia, digo que foi suicdio. s poderia ser suicdio. por uma razo qualquer eles decidiram acabar com a vida! no era problema de dinheiro, sade ou amor. da por diante eu no podia prosseguir. o caso apresentava todas as caractersticas de suicdio. alis, no acho que possa ter acontecido qualquer outra coisa. o casal foi dar uma volta, levaram um revlver, que mais tarde foi encontrado entre os dois corpos, com a impresso digital de ambos. os dois tinham disparado a arma, mas seria impossvel precisar quem o fez por ltimo. acredita-se que o marido tenha assassinado a esposa e depois se suicidado. passaram-se os anos e sempre que algum fala ou leio sobre um casal encontrado morto, lembro-me do caso ravenscroft e fico me perguntando o por que do suicdio. uma histria de uns doze ou quatorze anos atrs e eu ainda no esqueci! ser que eles se odiavam em silncio? ser que a mulher queria se ver livre do marido? ser que eles chegaram a um ponto de saturao tal que no se suportavam mais? garroway fez uma ligeira pausa, mastigou mais um pedao de po e voltou os olhos para poirot. o senhor tem alguma idia? algum lhe disse algo que despertou seu

interesse? o senhor sabe o por qu? no, mas acho que o senhor deve ter alguma hiptese sobre o caso. na verdade, tenho. cheguei concluso de que no adiantava teorizar sobre o caso, pois no tnhamos suficiente conhecimento da motivao. afinal, o que eu conhecia dos ravenscroft? simplesmente que o general estava com sessenta e cinco anos e a mulher com trinta e cinco! s tnhamos maiores informaes sobre os seis ltimos anos da vida do casal; o general tinha-se aposentado e resolvido voltar Inglaterra. primeiro moraram em bournemouth e depois se mudaram para a casa onde ocorreu a tragdia. viveram os ltimos anos em paz, felizes, recebendo os filhos nas frias escolares. um perodo de paz, coroando uma vida de paz. mas, ai eu comecei a pensar: afinal o que eu sabia da vida deles para concluir isso? sabia que eles no tinham problemas financeiros, nem eram odiados, ou tinham amantes. mas, antes de voltarem Inglaterra, o que teria acontecido? esta parte da vida deles, para mim, era um mistrio. sabia que de vez em quando vinham passar uns meses aqui, que eram queridos pelos amigos, que o general era um militar respeitado. mas, e se houvesse acontecido uma tragdia, uma briga e ningum soubesse? talvez algum erro na mocidade, cometido antes do casamento, ou alguma falta grave ocorrida na malaia? talvez a estivesse a fonte da tragdia. minha av costumava dizer: os pecados antigos deixam marcas profundas. portanto, a causa da morte seria algum pecado, alguma sombra do passado? no fcil descobrir, pois quando se investiga a vida de um sujeito geralmente os pequenos detalhes so omitidos pelos amigos e pelos fichrios. aos poucos, conclu que s poderia descobrir o que realmente motivou a tragdia se pudesse viajar e conhecer os lugares em que eles tinham vivido. talvez, ento, eu encontrasse algo que parecesse esquecido mas que ainda estava vivo. uma marca do passado... ... que talvez no fosse do conhecimento das pessoas ou dos amigos ingleses? concluiu poirot, entendendo o raciocnio de garroway. os amigos ingleses, na sua maioria, eram ligaes recentes. poucos, pouqussimos, os conheciam antes do casamento. e as pessoas acabam esquecendo. , as pessoas esquecem concordou poirot. no so como os elefantes sorriu garroway. dizem que os elefantes no esquecem... que estranho! o que eu disse sobre os pecados? no, o senhor ter falado em elefantes. o comissrio olhou para poirot surpreso, esperando uma explicao. spence limitou-se a sorrir. ser que os ravenscroft tiveram alguma complicao com os elefantes no oriente? sugeriu garroway. afinal, o que os elefantes tm a ver com esta histria? uma amiga falou neles explicou poirot, ou melhor, uma amiga nossa, spence: a sra. oliver. ah! ariadne oliver! muito bem! muito bem por qu? perguntou poirot. ela sabe alguma coisa? ainda no, mas est em vias de descobrir respondeu poirot. ela bastante curiosa e conhece muita gente. verdade concordou spence. e ela tem alguma teoria sobre os ravenscroft? vocs esto falando da escritora? inquiriu garroway. sim respondeu spence. ela sabe alguma coisa sobre o crime? sei que ela escreve romances policiais e sempre me perguntei onde ela arranja tantas idias. as idias ela mesma inventa informou poirot. em que est pensando, poirot? quis saber spence. que eu estraguei uma idia dela. ela tinha criado um enredo policial, envolvendo um vestido de l, com mangas compridas. eu interrompi seu pensamento, telefonando fora de hora. quando ela desligou no conseguiu mais escrever a

histria e at hoje ela me cobra isso! parece uma dona de casa se queixando de que o molho da maionese desandou! comentou spence. ou aquela histria do sherlock holmes e o co de guarda que dormia de noite! eles tinham um co? perguntou poirot. o qu? o general e a esposa tinham um co? tinham e talvez o cachorro os acompanhasse nos passeios respondeu garroway. se fosse uma novela da sra. oliver interveio spence, certamente encontrariam o co uivando sobre os dois cadveres. na realidade isto no aconteceu. garroway concordou com a cabea. onde andar esse cachorro? perguntou poirot. certamente enterrado num jardim respondeu garroway. afinal esse caso j tem quatorze anos. portanto, no podemos interrogar o cachorro! concluiu poirot. surpreendente o que um cachorro pode saber. quem estava na casa no dia do crime? tenho aqui a lista disse garroway. a sra. whittaker, a velha cozinheira que neste dia estava de folga. uma visita, uma senhora que tinha sido governanta dos filhos do casal. a sra. whittaker no pde nos dizer nada de interessante a no ser que a sra. ravenscroft tinha voltado recentemente de um hospital ou uma casa de sade, para tratamento do sistema nervoso. o jardineiro tambm estava na casa. um estranho poderia ter aparecido. no o que o senhor acha, comissrio garroway? provvel. poirot calou-se, lembrando da poca em que lhe pediram para voltar ao passado e examinar a vida de trs pessoas, exatamente como na histria dos trs porquinhos. tinha sido fascinante! e compensador, pois ele descobrira a verdade. 6 recordaes de uma velha amiga na manh seguinte a sra. oliver encontrou a srta. livingstone, esperando por ela, no escritrio. duas pessoas telefonaram para a senhora informou a secretria. quem eram? o estofador, para saber se a senhora j tinha decidido entre o brocado verde-musgo ou o azul-celeste. ainda no resolvi. amanh me lembre de dar a resposta; gostaria de ver os tecidos a luz do dia. o outro telefonema era de um estrangeiro, creio que era francs, o sr. hercule poirot. o que ele queria? queria saber se a senhora poderia encontr-lo hoje tarde. impossvel respondeu a sra. oliver. telefone para ele, explicando que eu vou ter que sair. ele deixou o telefone? sim. timo, assim nos poupa o trabalho de pesquisar nos caderninhos de endereos... diga-lhe que sinto muito, mas tive que sair na pista de um elefante. como? exatamente o que eu disse confirmou a sra. oliver. pois no murmurou a srta. livingstone, confirmando mentalmente a opinio que tinha da sra. oliver, isto , que apesar de ser uma grande escritora era tambm completamente louca. nunca cacei elefantes disse a sra. oliver. um esporte fascinante. em seguida, abriu a gaveta da escrivaninha e copiou alguns endereos de um

livrinho bastante surrado pelo tempo. bom, tenho que comear com algum disse a escritora, s espero que julia no esteja completamente senil, pois vai ser meu primeiro elefante. a pobre sempre foi muito imaginativa e conhecia bem aquelas regies. tenho aqui algumas cartas para a senhora assinar disse a srta. livingstone. no posso agora, no tenho um minuto a perder; j estou muito atrasada. adeus. julia carstairs lutou com certa dificuldade para erguer-se da poltrona, num esforo muito comum s pessoas de mais de setenta anos, quando tentam firmar os ps no cho, depois de um demorado repouso ou de um rpido cochilo como era ligeiramente surda, no conseguiu entender bem o nome da visita que havia sido anunciada pelo encarregada da casa de repouso geritrico. sra. gulliver? pensou. como seria possvel se no conhecia pessoa alguma com esse nome? deu alguns passos vacilantes, tentando fixar a vista. creio que a senhora no se lembra mais de mim. no nos vemos h anos. como muitas pessoas idosas, a sra. carstairs reconhecia melhor as vozes do que as fisionomias. oh! exclamou meu deus! ariadne, que prazer rev-la! as duas trocaram beijos e abraos. por acaso estava passando por esta redondeza explicou a sra. oliver, pois vim visitar uma outra amiga, que mora aqui perto, e resolvi lhe fazer uma visitinha. vejo que est muito bem instalada. no nada mau disse a sra. carstairs, mas tambm no o que eles anunciam nos jornais! a moblia a gente quem traz, e as refeies so feitas no restaurante do primeiro andar; caso se queira cozinhar tambm permitido. na verdade no nada mau. voc reparou como os jardins so bonitos e bem conservados? mas, sente-se minha querida. voc est tima! li no jornal que foi homenageada num almoo, mas nunca imaginei que iria encontr-la trs dias depois... mesmo disse a sra. oliver, sentando-se numa poltrona. ainda est morando em londres? a sra. oliver respondeu que sim e em seguida rememorou rapidamente suas aulas de dana, quando criana, com a sra. carstairs: para frente! para trs! d a mo! duas voltas, um corrupio etc.; perguntou pelas filhas da sua antiga professora, sobre os netos, sobre uma outra filha que vivia na nova zelndia, cuja ocupao era bastante vaga para a prpria sra. carstairs, mas que tinha alguma relao com pesquisa social. a sra. carstairs tocou a campainha e pediu que ema servisse o ch. a sra. oliver, no querendo incomodar, recusou polidamente. mas no d trabalho nenhum! imagine, voc sair daqui sem tomar uma xcara de ch! enquanto ema foi providenciar o ch, as duas sorriram e se reclinaram nas poltronas. faz anos que no nos vemos comentou a sra. carstairs. desde o casamento de llewellyn. mesmo. moira, alias, estava um desastre de dama de honra, com aquele vestido cor de abric. na verdade, nenhuma delas estava bem. hoje em dia os casamentos no so mais to bonitos... as noivas usam o que lhes d na telha! h uns dias atrs uma amiga foi a um casamento em que o noivo estava de terno branco de cetim brocado e uma blusa de renda valenciana. possvel? a noiva estava de terno branco, tambm, mas o detalhe eram as aplicaes de pois verde. eu, se fosse o pastor, barrava a entrada dos dois. o ch foi servido e as duas continuaram a conversar. encontrei com minha afilhada celia ravenscroft uns dias atrs. lembra-se dos pais dela?

os ravenscroft? deixe-me ver... ah! sim... uma tragdia meio confusa, no foi? suicdio ou coisa parecida... perto da casa em que moravam. voc sempre teve uma excelente memria, julia! aplaudiu a sra. oliver. sempre concordou a sra. carstairs, embora nunca me lembre do nome das pessoas. foi realmente uma grande tragdia. a sra. oliver assentiu em silncio. eu tinha um primo prosseguiu a sra. carstairs que morava perto dos ravenscroft, quando eles moravam na malaia. lembra-se de roddy foster? o general ravenscroft teve uma brilhante carreira no exrcito! quando se aposentou estava ficando um pouco surdo. voc se lembra bem deles? claro. a gente no esquece os velhos amigos, esquece? ainda mais eles que moraram em overcliffe, uns cinco ou seis anos. como era o primeiro nome dela? margaret, se no me falha a memria. o apelido era molly... ... o nome dela era margaret. naquela poca todo o mundo se chamava margaret. lembro-me tambm de que ela usava sempre uma peruca.. mesmo concordou a sra. oliver. creio mesmo que ela tentou me convencer a comprar uma! dizia que no existia nada mais prtico. tinha uma para viajar; outra para sair noite; e uma outra, veja que estranho, que podia ser usada com chapu, pois no desarrumava o cabelo. eu no os conhecia to bem quanto voc interveio ariadne. quando ocorreu a tragdia eu estava nos estados unidos, fazendo umas conferncias, de maneira que no sei bem os detalhes sobre o suicdio. no fim deu uma grande confuso e ningum ficou entendendo nada. mas houve uma investigao, no houve? o que disseram? claro que houve uma investigao! respondeu a sra. carstairs com impacincia. a polcia fez uma srie de investigaes, para ser precisa, mas infelizmente no conseguiram apurar quem matou o outro, e nem mesmo por qu. tanto possvel que o general tenha assassinado a mulher antes de se suicidar, como seria possvel que molly tivesse assassinado o marido antes de se matar! para mim foi um pacto de morte, porm o veredicto oficial da polcia no chegou a concluso alguma. a hiptese de ser um crime foi afastada? definitivamente, uma vez que no havia marcas de ps ou sinal algum de outra pessoa no local. o casal, como era costume, saiu para dar uma volta, depois do ch. como no voltaram, o jardineiro ou o mordomo, no sei bem, saiu para procur-los e encontrou-os mortos, com um revlver entre os dois. o revlver era dele? era. existiam dois revlveres na casa; dizem que todos os militares aposentados tm esta mania, talvez influenciados pela atual onda de assaltos, sei l! o outro revlver foi encontrado na gaveta da cmoda, o que prova que ele saiu para passear armado. creio que foi ele quem levou o revlver porque francamente no vejo molly, saindo para dar um passeio, carregando um revlver na bolsa. tambm no acho provvel. por outro lado, nada indicava que os dois fossem incompatveis ou estivessem brigados ou mesmo que tivessem um motivo para querer morrer. o certo que a gente nunca sabe as infelicidades ntimas das pessoas. bem verdade concordou a sra. oliver. a gente no sabe, mas, s vezes, tem alguma idia... bem, geralmente quando ocorre uma coisa dessas a gente fica se perguntando! e qual poderia ter sido o motivo? talvez ele estivesse com alguma doena, ou soubesse que ia morrer de cncer, embora o laudo mdico desmentisse esta possibilidade. o general era um homem relativamente saudvel, que tinha um problema cardaco qualquer... parece que teve um enfarte, mas estava totalmente recuperado. molly, por outro lado,

sofria dos nervos, sempre fora neurtica. tenho uma vaga lembrana disse a sra. oliver, mas no a conhecia bem. diga-me, quando ela morreu estava de peruca? bem, no sei. no me lembro. a verdade que ela estava sempre de peruca. foi uma idia que eu tive disse a sra. oliver. veja bem, se eu resolvesse me matar ou matar o meu marido, no lembraria de usar uma peruca. as duas discutiram por uns instantes esta hiptese. na realidade, jlia, o que voc acha que aconteceu? como eu disse: a gente se pergunta e as pessoas dizem coisas... sobre ele ou sobre ela? diziam que havia uma moa que tinha sido secretria dele. parece que o general estava escrevendo sua biografia, que tinha sido encomendada por um editor. diziam que ele andava meio envolvido com esta criatura. para ser precisa, no era muito moa... devia ter uns trinta e poucos anos e nem mesmo era bonita. tambm no houve um escndalo por causa disso, mas diziam que ele tentou matar a mulher para poder casar com essa secretria. pessoalmente no acredito nesta histria. em que voc acredita afinal? acho que a mulher foi a causadora. ser que ela tinha um amante? ouvi comentrios quando eles ainda moravam na malaia. diziam que ela se meteu com um rapaz, bastante jovem, que o marido ficou furioso e que os vizinhos se ocuparam bastante do caso. como foi h anos, no se falou mais nisso! isto , quando eles voltaram para a inglaterra no se soube de caso algum? que eles tivessem brigado ou discutido? parece que no. na poca li tudo que os jornais publicaram e ns que ramos amigos do casal discutimos o caso, achando, que uma tragdia dessas geralmente s podia estar relacionada com um caso amoroso. mas no ficou nada provado? e as crianas? uma delas minha afilhada, voc sabe? sei. o menino era interno num colgio; a menina, que devia ter uns doze anos, estava num pensionato na sua. no existia nenhuma loucura na famlia? como a histria daquele rapaz que matou o pai em newcastle? lembra-se? um menino que andava deprimido e tentou se enforcar. anos depois, j na universidade, um belo dia matou o pai a tiros. at hoje ningum sabe por qu. de qualquer maneira no existe semelhana alguma deste caso com os ravenscroft. disso tenho certeza. o que eu me pergunto ... sim julia? se no existia realmente um outro homem. voc acha que ela...? muito provvel. ainda por cima aquela mania de trocar de perucas. no vejo a relao. para ficar mais jovem, ora! ela devia ter uns trinta e cinco anos, mais ou menos. mais. trinta e seis. lembro-me de que um dia ela me mostrou as perucas. uma, especialmente, lhe ia muito bem. alm disso ela vivia cheia de maquilagem. essa preocupao com a aparncia comeou depois que eles voltaram para a inglaterra. alis ela era uma mulher muito bonita. voc acha que ela tinha conhecido algum homem? acho respondeu a sra. carstairs. alm do mais quando um homem casado comea a namorar, logo todo o mundo descobre; j uma mulher casada sabe ser muito mais discreta.. ento, ser que foi isto, julia? pode ser, se bem que eu no tenha certeza e nunca me tenham dito nada. nem os empregados, nem o jardineiro, nem o motorista do nibus, ou mesmo um vizinho