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    AFASIA DE CONDUO:

    SUBSTRATOS ANTOMO-FUNCIONAIS

    Autora: Andreia Filipa Vidal Fernandes

    Afiliao: Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra

    Endereo: Rua Direita, n223, Quints 3810-839 Oliveirinha Aveiro

    E-mail: [email protected]

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    Agradecimentos

    Este trabalho no reflecte apenas o meu esforo mas

    sobretudo o empenho de todos aqueles que, ao longo dos

    ltimos meses, com o seu apoio emocional, tcnico ou

    logstico me deram um suporte estvel. S assim me foi

    possvel trabalhar, de forma a conseguir alcanar os meus

    objectivos. A todos presto a minha homenagem e deixo os

    mais sinceros agradecimentos.

    Sem desmerecer estes amigos, queria dirigir alguns

    agradecimentos especiais:

    Professora Doutora Isabel Santana, a minha tutora

    neste trabalho de Mestrado, por todo o auxlio e incentivos, a

    sabedoria, a experincia e, tambm, pelo tempo e dedicao

    dispendidos.

    minha me, irmos, sobrinha e restante famlia pela

    sua compreenso, tolerncia (interminveis) palavras de

    conforto e segurana que diariamente me transmitiram.

    Yolanda, minha melhor amiga, e aos restantes bons

    amigos por todas as palavras de incentivo e pelos bons

    momentos de descontraco que me permitiram ganhar foras

    para mais um dia de trabalho.

  • 3

    ndice:

    Resumo/Abstract.................................4

    A - Introduo..................

    1. A Linguagem, as suas perturbaes (Afasia) e como tm sido estudadas..........7

    2. Enquadramento Histrico das Afasias e da Afasia de Conduo...... 11

    3. As Afasias Clssicas:

    Afasia de Broca.............18

    Afasia de Wernicke........19

    Afasia Global.............21

    Afasia de Conduo...22

    Afasia Transcortical ..............22

    B1 - A Afasia de Conduo caracterstica clnica definidora....................... 24

    B2 - Bases anatmicas................. 30

    1) Fascculo Arqueado ............................................................................................. 30

    2) Crtex associativo nas regies do girus supramarginal e do primeiro girus

    temporal .................................................................................................................................. 32

    3) nsula .................................................................................................................... 37

    4) Complexo do crtex auditivo ............................................................................... 37

    C O FA com DTI (Diffusion Tensor Imaging) .................................................................... 39

    D - O papel do hemisfrio direito................ 43

    E Casos Especiais ................................................................................................................ 46

    E1 - Afasia de Conduo Cruzada.......................... 46

    E2 - Afasia de Conduo em crianas............................ 47

    F - Concluso................................... 48

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    Resumo:

    Introduo: No contexto das perturbaes da linguagem, a Afasia de Conduo tem

    sido um dos temas mais controversos, quer relativamente sua caracterizao clnica, quer

    localizao das leses que lhe do origem. Ao longo dos ltimos 100 anos vrias foram as

    opinies contraditrias que surgiram, no tendo sido at os dias de hoje encontrado um

    consenso final.

    Objectivos: A realizao deste trabalho tem por objectivo apresentar uma perspectiva

    temporal da evoluo do conceito e uma reviso das diferentes hipteses antomo-funcionais

    e salientar os avanos recentes, sobretudo com as novas tcnicas de Ressonncia Magntica.

    Desenvolvimento: Sugerida pela primeira vez por Wernicke em 1874 como um

    sndroma de desconexo caracterizado por uma alterao marcada da repetio, compreenso

    conservada e discurso fluente rico em parafasias, a Afasia de Conduo, desde cedo se

    demarcou como conceito dinmico e controverso que tem sido ao longo dos tempos modernos

    e recentes alvo de discusso. Este afasiologista, mais tarde apoiado por Geschwind, props

    que as leses afectavam o Fascculo Arqueado, responsvel pela associao entre as reas de

    Broca e de Wernicke. Com o estudo de mais casos, observou-se alguma variao clnica,

    suporte de vrias hipteses antomo-funcionais, e, sobretudo, uma grande heterogeneidade de

    regies cerebrais afectadas, estando o Fascculo Arqueado selectivamente lesado numa

    minoria de doentes.

    Com o surgimentos dos novos mtodos de imagem e funcionais, dos quais se destacam

    o acesso Tomografia de Emisso de Positres (PET), a maior difuso do mapeamento

    funcional cortical (estimulao elctrica cortical per-cirrgica) e, mais recentemente, o

    desenvolvimento da ressonncia magntica funcional e sua associao com a DTI (Diffusion

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    Tensor Imaging), permitiram estabelecer uma correlao anatomo-funcional in vivo e mais

    acessvel.

    Concluses: Os estudos mais recentes por imagem estrutural (tractografia) e funcional

    parecem comprovar a heterogeneidade do substrato anatmico da Afasia de Conduo,

    existindo pelo menos dois padres distintos de leses no hemisfrio esquerdo associados a

    esta forma de afasia: regies supraslvicas, incluindo o crtex parietal inferior, girus

    supramarginal e substncia branca parietal; regies infraslvicas, englobando o crtex e a

    substncia branca temporal. Analisam-se as caractersticas clnicas e as hipteses antomo-

    fisiolgicas associadas s localizaes descritas.

    Palavras-chave: Linguagem; Afasia; Afasia de Conduo; Repetio; Fascculo

    Arqueado

    Abstract:

    Introduction: As a language disorder, Conduction Aphasia has been one of the most

    controversial subjects in most studies, due to its clinical characterization and the location of

    the injuries that rise from it. Over the last 100 years several distinct theories have been

    proposed, but until now no final agreement could be reached.

    Objectives: This project will address the temporal evolution of the concept and will

    review the different anatomic-functional proposals related to the topic, as to the latest

    breakthroughs, especially in magnetic resonance imaging techniques.

    Discussion: This form of aphasia was first suggested by Wernicke in 1874, who

    described it as a syndrome of disconnection characterized by poor speech repetition, good

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    auditory comprehension, fluent speech production and frequent phonemic errors. Soon

    became a dynamic and controversial topic, subject of discussion over the years.

    This aphasiologist, later supported by Geschwind, proposed that this syndrome was

    caused by injuries involving the Arcuate Fascicule found in the insular region, responsible for

    the connection between the Broca and Wernicke areas. As the number of cases analyzed

    increased, clinical variations supported the multiple anatomo-functional theories and specially

    the heterogeneity of the injured regions. Only a few cases reported had the Arcuate Fasciculus

    as the unique lesion site.

    With the access to the recent functional and imaging methods, specially positron

    emission tomography (PET), cortical electrical stimulation and, more recently, functional

    magnetic resonance imaging in association with DTI (Diffusion Tensor Imaging), helped

    establish a greater correlation between the anatomical and functional data in vivo become

    more accessible.

    Conclusions: These new methods of structural (tractograpgy) and functional image

    have demonstrated that the anatomic brain subtracts are heterogeneous and that there are at

    least two distinctive patterns of injuries shown on the left hemisphere associated with this

    form of aphasia: the supra-sylvian regions including the inferior parietal cortex,

    supramarginal gyrus and parietal white matter and the and infra-sylvian regions temporal

    cortex and white matter.

    Well analyse the clinical features and anatomo-clinic hypothesis related to the

    described areas.

    Key-words: Language; Aphasia; Conduction Aphasia; Repetition; Arcuate

    Fasciculus

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    A - Introduo:

    O desenvolvimento de um tema relativamente especfico como a Afasia de Conduo,

    impe, obrigatoriamente, o seu enquadramento no domnio mais lato da linguagem e das suas

    perturbaes. Por outro lado, e como dissemos, a controvrsia suscitada volta das

    caractersticas definidoras e bases lesionais da Afasia de Conduo, acompanha e

    indissocivel da evoluo temporal do conhecimento da linguagem e das afasias. Parece-nos

    por isso fundamental incluir tambm uma breve reviso do enquadramento histrico da

    afasia.

    A1. A Linguagem, as suas perturbaes (Afasia) e como tm sido estudadas:

    A linguagem uma capacidade extraordinria que nos permite, por intermdio de

    smbolos arbitrrios as palavras codificar, elaborar e comunicar pensamentos e

    experincias [Catanni, 2001]. Desde sempre foi o alvo da curiosidade de muitos estudiosos

    que, ao longo de vrios sculos tentaram descobrir a sua relao com o crebro. Investigar

    como utilizamos e combinamos palavras para formar frases e transmitir os conceitos, como

    compreendemos palavras expressas por outros e de que forma o crebro as transforma em

    conceitos, isto , as bases neurolgicas da linguagem ocuparam um papel central na histria

    da neurologia e neurocincias.

    No historial do seu desenvolvimento, o sculo IX demarca-se pelo surgimento dos

    primeiros modelos neurolgicos e cognitivos [De Bleser, 2001]. No incio deste sculo Gall

    postulava que a linguagem residia nos lobos frontais por detrs das rbitas e que os indivduos

    com globos oculares mais protusos eram possuidores de maiores capacidades [De Bleser,

    2001]. Das grandes descobertas da segunda metade deste sculo destacam-se a identificao

    das reas de Broca e de Wernicke como reas essenciais do processamento da linguagem, a

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    definio e caracterizao da afasia e a relao entre a linguagem e a dominncia manual e,

    assim, a sua localizao, na maioria dos indivduos, ao hemisfrio esquerdo.

    Esta perspectiva localizadora, continua a ser til no diagnstico topogrfico das leses

    cerebrais, mas tambm redutora quando se considera a complexidade funcional e anatmica

    associada ao processamento da linguagem. Com efeito, hoje sabemos que esta funo

    depende de conjuntos de estruturas neuronais ligadas em rede (networks), e que o crebro

    humano possuiu reas de convergncia onde se projectam e renem os diferentes constituintes

    duma palavra ou conceito. Os Centros Cerebrais da Linguagem, no hemisfrio esquerdo,

    comportam estruturas que processam as palavras

    e as frases, por um lado, e estruturas que

    asseguram a mediao entre os elementos do

    lxico e a gramtica, por outro. Repartidas pelos

    dois hemisfrios, encontram-se as redes

    neuronais que representam os conceitos,

    envolvendo mltiplas regies sensoriais e

    motoras.

    Em todo este complexo processo podem

    surgir distrbios do processamento da

    linguagem, sendo a afasia o mais dramtico. A

    afasia pode definir-se como a alterao da compreenso e/ou formulao da linguagem,

    secundria a uma disfuno de regies cerebrais especficas, responsveis por esta funo

    cognitiva [Damsio, 1992; Damsio e Damsio, 2000]. As leses que provocam afasia

    localizam-se habitualmente no hemisfrio esquerdo e podem afectar, de forma diferenciada,

    os diversos constituintes funcionais da linguagem: a morfologia da palavra, nomeadamente os

    fonemas (unidade da palavra no discurso oral), ou os morfemas (base da palavra escrita; o

    Figura 1: Centros cerebrais da Linguagem

    Adaptado de: http://www.psiquiatriageral.com.br/cer

    ebro/cerebro_e_a_linguagem.html

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    lxico (coleco de palavras que tem um significado) e a sintaxe (estrutura gramatical).

    Geralmente, mais do que um destes processos est comprometido e, das diferentes

    combinaes, surgem os diferentes tipos de afasia [Damsio e Damsio, 2000].

    De entre as perturbaes adquiridas da linguagem e em particular das afasias, a Afasia

    de Conduo a que tem gerado maior discusso e controvrsia, quer relativamente sua

    fenomenologia, quer localizao anatmica das leses que lhe do origem. De referir que a

    sua aceitao como entidade autnoma representativa de um dado padro lesional chegou a

    ser contestada. Talvez por tudo isto, o seu estudo tem sido mais intenso e dinmico,

    acompanhando todos os desenvolvimentos no mbito do estudo morfolgico e funcional do

    crebro.

    Inicialmente, o modelo lesional ou de correlao antomo-funcional era o nico

    mtodo disponvel para o estudo das funes cerebrais. Consistia basicamente em associar um

    sintoma ou perda de uma capacidade a uma leso documentada por necrpsia. No que se

    refere Afasia de Conduo, esta metodologia contribuiu para consolidar a hiptese

    conceptual (e original) de Wernicke (como um S. de desconexo), mas esteve tambm na

    gnese de outras evidncias e hipteses que a refutaram. [Damsio e Damsio, 1990;

    Damsio, 1989; Damsio et al, 1980; Price, 2000].

    A Tomografia Axial Computorizada (TAC) e a Ressonncia Magntica (RM), ambas

    aquisies do sculo XX, permitiram obter pela primeira vez informaes in vivo e com

    grande resoluo espacial. Como resultado da sua grande difuso e utilizao corrente em

    diagnstico neurolgico, ampliou-se o espectro de localizaes associadas Afasia e em

    especial Afasia de Conduo. A Tomografia de Emisso de Positres (PET) e mais

    recentemente com a Ressonncia Magntica Funcional (RMf) tornaram possvel aliar

    anlise anatmica o estudo da fisiologia cerebral in vivo e, assim, comprovar a grande

    heterogeneidade do substrato anatmico na base da Afasia de Conduo [ Kasai et al, 1996;

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    Brown, 2007; Jones, 2008;]. Estes conhecimentos tm sido confrontados e completados com

    um mtodo de uso restrito mas que representa uma grande mais avalia no conhecimento da

    organizao funcional do crebro que o mapeamento por estimulao elctrica cortical em

    situaes cirrgicas.

    Relativamente a outras tcnicas, a Ressonncia Magntica funcional foi um contributo

    importante para o estudo da linguagem em ambiente clnico. Permitiu, por exemplo,

    estabelecer a lateralizao hemisfrica da linguagem [Rutten et al, 2002; Woermann et al,

    2003] sem recorrer a mtodos invasivos como o teste de Wada ou a estimulao elctrica

    cortical (EEC) per-operatria. Em relao Afasia de Conduo, a sua aplicao tem sido

    mais relevante quando associada DTI como referiremos mais abaixo.

    A Diffusion Tensor Imaging (DTI), permite a visualizao de estruturas complexas

    at agora inacessveis in vivo. Associada DTI, a Tractografia permitiu pela primeira vez

    reconstruir os tractos de fibras que constituem a substncia branca, avaliar a sua posio e

    extenso e estudar a sua integridade [Ciccarelli et al, 2003; Holodny et al, 2005; Burgel, 2006;

    Brown, 2007; Assaf e Pasternak, 2008; Duque et al, 2008; Iturria-Medina et al, 2008;

    Staempfli, 2008]. A conjuno de tcnicas, nomeadamente a DTI acoplada RMf permite

    ainda complementar a informao morfolgica com um mapeamento funcional in vivo do

    crebro humano [Kasai et al, 1996; Catani e Flytech, 2006; Ciccarelli et al, 2006; Catani e

    Mesulam, 2008; Jones, 2008; Upadhyay, 2008]. Assim, no nosso tempo, possvel localizar e

    mapear as principais reas funcionais do crtex, determinar a sua funo mais especfica

    (processos cognitivos) e compreender como estas reas comunicam entre si. Eventualmente,

    estas tcnicas vo permitir descobrir novas vias e formas de conexo e de desconexo

    [Catani e Flytech, 2006; Catani e Mesulam, 2008].

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    A2. Enquadramento Histrico das Afasias e da Afasia de Conduo:

    O estudo organizado das Afasias iniciou-se com Broca, em Frana, em 1881.

    Antecederam-no, no entanto, relatos avulsos de Afasias por leso cerebral e, em especial no

    sculo XVIII, algumas descries de correlao antomo-clnica.

    Broca ao descrever os casos de Tan e de Lelonge, sugeriu que uma regio do lobo

    frontal seria responsvel pela articulao do discurso e que uma leso nesta localizao

    condicionaria uma limitao da linguagem (dficite) - afmia - e uma situao clnica - Afasia

    de Broca [De Bleser, 2001]. O primeiro doente de Broca respondia a todas as questes que lhe

    eram colocadas com a expresso tan e apresentava compromisso da articulao da

    linguagem. O estudo necrpsico demonstrou a existncia de uma leso que Broca props ter-

    se iniciado ao nvel do terceiro girus frontal do hemisfrio esquerdo (passou a chamar-se rea

    de Broca) e ter posteriormente alastrado para a nsula, lobo temporal e estriatum. O doente

    de Delonge apresentava tambm uma alterao grave do discurso e uma leso restrita ao

    girus frontal inferior esquerdo. Broca defendeu que a leso frontal esquerda, nesta

    localizao, seria responsvel pela alterao da linguagem mas, uma vez que a compreenso

    nestes doentes se encontrava inalterada, a rea de Broca no seria isoladamente responsvel

    por esta capacidade. Ao demonstrar a relao entre leses cerebrais de localizao especfica

    e corroborar que as leses se localizariam maioritariamente ao hemisfrio esquerdo Broca foi

    pioneiro no estudo das afasias [Damsio, 1989; Price, 2000].

    O denominado de estudo moderno das afasias iniciou-se em 1874, com Wernicke, com

    a publicao da sua obra The Symptom Complex of Aphasia A Psychological Study on an

    Anatomical Basis; aqui se descreve como se processa a linguagem, o mecanismo subjacente

    ao surgimento das afasias e o seu substrato neuroanatmico. Wernicke era discpulo de

    Meynert, e, tal como ele, um brilhante neuropsiquiatra e neuro-anatomista (considerado por

    alguns o primeiro neuro-anatomista). Com ele desenvolveu a sua hiptese a partir do estudo

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    de dois doentes que apresentavam compromisso da compreenso e discurso fluente permeado

    de palavras incompreensveis; postulou que uma leso nesta regio localizada ao nvel do

    crtex temporal posterior e superior do hemisfrio esquerdo (posteriormente denominada de

    rea de Wernicke) era responsvel pelo defeito; a partir desta observao deduziu e props:

    1) As diferenas entre a Afasia de Broca, que denominou de Afasia Motora e se

    caracterizava por compreenso normal e perda do discurso, e a Afasia de Wernicke

    denominada de Afasia Sensorial caracterizada por discurso normal e compreenso alterada.

    2) Um modelo funcional da linguagem: O primeiro girus frontal teria uma funo

    motora, agindo como centro efector das imagens motoras, enquanto o primeiro girus

    temporal, de natureza sensorial, seria o centro das imagens acsticas; as fibrae propriae ao

    convergir para o crtex insular, formavam o arco reflexo mediador. A produo do discurso

    espontneo, resultava da interaco de reas corticais distantes e dependia da transmisso das

    imagens acsticas para a rea de Broca onde era originado o plano motor1 [ De Bleser, 2001;

    Catani e Mesulam, 2008].

    Propunha-se assim um esquema bsico da organizao da linguagem ainda hoje

    considerado: a rea de Broca seria responsvel pela codificao da linguagem oral na forma

    articulatria e a rea de Wernicke responsvel pelo reconhecimento dos padres da linguagem

    falada. No seguimento dos estudos de Wernicke, Lichtheim associou a este esquema um

    centro de conceitos ou representaes de objectos. Wernicke aceitou algumas das observaes

    de Lichtheim, mas no concordou com o constructo terico de um centro cortical nico.

    1 Segundo o Modelo da Linguagem de Wernicke: .the first frontal gyrus [third frontal circonvolution according to modern nomenclature], which has motor function, acts as center

    for motor imagery; the first temporal gyrus, which is sensory in nature, may be regarded as the centre of acoustic images; the fibrae propriae, converging into the insular cortex, form the

    mediating arc reflex. ... aphasia may be caused by any disruption of this pathway, the clinical picture, however, may vary considerably and is related to the specific segment of the pathway involved. ... production of spontaneous movement, that is, the consciously

    formulated word, would be brought about by the rearousal of the motor image through the associated memory image of the sound..

  • 13

    Props, em alternativa, que os sistemas especficos semntico-sensoriais se distribuam por

    mltiplos locais em todo o crebro e que se encontravam ligados entre si.

    O modelo de Wernicke-Lichtheim est representado no esquema 2:

    A proposta de interpretao a seguinte: uma alterao nos centros A (Centro Verbal

    Auditivo) ou M (Centro de Articulao Verbal) condicionavam a Afasia Sensorial ou Motora,

    respectivamente; se a alterao fosse entre AB ou BM originar-se-iam as Afasias

    Transcorticais Sensorial ou Motora, respectivamente. Uma leso perifrica levava a uma

    Afasia Subcortical - Aa sensorial ou subcortical motora - Bb. Neste esquema a Afasia de

    Conduo era secundria a uma leso entre as reas A e M.

    Alvo de vrias crticas, esta hiptese perdeu a sua grande importncia no incio do

    sculo XX at ter sido revista e corrigida por Geschwind [ Geschwind, 1970; Damsio, 1992]

    que formulou uma nova proposta para a relao crebro- linguagem. Esta envolvia a rea de

    Broca localizada nas regies postero- lateral e orbital do oprculo frontal esquerdo e a rea de

    Wernicke na regio postero- lateral do girus temporal superior esquerdo. Estes dois centros

    mantinham-se ligados pelo Fascculo Arqueado que percorria a regio profunda do girus

    supramarginal e a nsula (Fig 3).

    Figura 2: Modelo da Linguagem segundo

    Lichtheim.

    Legenda: A: Centro Verbal Auditivo; M: Centro da Articulao Verbal; B: Centro de Conceitos;

    aA: Rota de estimulao auditiva; mM: Ligao entre o centro da articulao e os centros motores inferiores; m: sada do discurso; a: entrada do

    discurso 1: Afasia Motora; 2: Afasia Sensorial; 3: Afasia

    de Conduo; 4: Afasia Transcortical Motora; 5: Afasia Subcortical Motora; 6:Afasia Transcortical Sensorial; 7: Afasia Subcortical Sensorial

    Adaptado de Catani e Mesulam, 2008

  • 14

    Para Geschwind, outras regies desempenhavam tambm um papel fundamental nos

    programas da linguagem: os dois crtex auditivos e as vias interhemisfricas que os ligam, o

    tero inferior dos crtex motor e somato-sensorial e o girus angular esquerdo e a sua ligao

    com o lobo temporal lmbico.

    Nas dcadas que se seguiram ocorreu uma profunda alterao na conceptualizao dos

    modelos cognitivos para a linguagem e tambm para a memria. Os sistemas neuronais

    responsveis por estas capacidades deixaram de ser vistos como um pequeno nmero de

    centros mas antes como numerosas rede interligada de muitas regies funcionais no crtex

    cerebral e ncleos subcorticais. Deixou-se de acreditar que o processamento da linguagem

    dependia apenas das reas de Broca e de Wernicke mas tambm de vrias regies corticais do

    hemisfrio esquerdo, nomeadamente da regio temporal, rea motora suplementar, pr-

    frontal, bem como do tlamo e dos gnglios da base [Damsio e Damsio, 2000].

    Passaremos agora a rever e enquadrar o conceito dinmico e controverso que tem sido

    a Afasia de Conduo ao longo dos tempos modernos e recentes. Como ficou subentendido

    na descrio anterior, Wernicke foi o primeiro autor a conceptualizar a Afasia de Conduo.

    Segundo o seu modelo neuroanatmico na sua origem estaria uma disrupo de um tracto de

    fibras que passava atravs da cpsula externa seguindo um trajecto localizado na

    Figura 3: Modelo da Linguagem segundo

    Geschwind

    Aps ouvir uma palavra so activados sucessivamente o crtex auditivo primrio e a rea de Wernicke. Via Fascculo Arqueado a

    informao chega rea de Broca e finalmente ao crtex motor.

    Adaptado de: http://www.medscape.com/content/2000/00/4

    1/08/410865/art-sin2004.01.saff.fig1.gif

  • 15

    profundidade da nsula, ao nvel crtex insular. Este feixe estabelecia a ligao entre o centro

    de imagens acsticas do discurso a rea de Wernicke, e o centro motor da produo do

    discurso a rea de Broca.

    Este constructo terico foi apresentado

    comunidade cientfica como uma hiptese

    antomo-fisiolgica; s alguns anos mais tarde

    surgiram dois casos clnicos que aparentemente o

    corroboravam. Estes doentes apresentavam um

    discurso fluente, com compreenso intacta,

    frequentes parafasias, nomeao alterada e

    repetio severamente perturbada. No foi

    realizada autpsia a estes doentes pelo que

    Wernicke no conseguiu uma evidncia

    anatmica da localizao da leso proposta

    [Geschwind, 1970]. Wernicke considerava que a

    caracterstica definidora desta afasia era a presena de parafasias no discurso espontneo.

    Lichtheim prope, pela primeira vez, que a caracterstica clnica definidora seria a repetio,

    capacidade mediada teoricamente pelo feixe de ligao central hiptese de Wernicke. Esta

    foi aceite pelo autor e at hoje considerada uma proposta vlida pelos afasiologistas [Benson

    et al, 1973]. Ser tambm Lichtheim que em 1885 identificar o modelo de leso ou caso

    clnico que permitiu o suporte anatmico Leitungsaphasie de Wernicke. A leso,

    identificada num doente com as caractersticas clnicas propostas de Afasia de Conduo,

    estava localizada nsula, mais precisamente na regio perisilviana e insular, envolvia o

    oprculo frontal e tinha uma pequena extenso do oprculo temporal e parietal. Este

    envolvimento da nsula seria posto em causa por outros os casos e outros autores, salientando-

    Figura 4: Diagrama da Organizao da

    Linguagem de Wernicke

    a: Ponto de entrada da via acstica no tronco cerebral; a1 Terminao cortical da

    Via Acstica; b: Centro de Imagens Motoras Verbais; b1: Sada para Rotas motoras inferiores: F: Plo Frontal; O:

    Plo Occipital; C: Cisura Central; S: Cisura de Silvius

    Adaptado de Catani e Mesulam, 2008

  • 16

    se os apresentados por Liepmann e Pappenheim nos quais a nsula se encontrava intacta.

    Nesta sequncia, rev a sua hiptese sugerindo que local chave na ocorrncia da Afasia de

    Conduo seria a rea do Fascculo Arqueado localizado na profundidade do oprculo frontal,

    prximo de atingir a rea de Broca na regio pr-motora [Damsio, 1992]

    Esta hiptese foi sendo aceite com alguma controvrsia, sobretudo pela

    impossibilidade de conciliar ou explicar todos os casos que foram surgindo na literatura

    cientfica. Estes trabalhos despertaram o

    interesse de Geschwind que se props

    reavaliar a possibilidade de o Fascculo

    Arqueado ser o responsvel nico pela

    Afasia de Conduo [Geschwind, 1970].

    Para isto seguiu vrios doentes com um

    discurso fluente permeado de abundantes

    parafasias literais e incapacidade total na

    repetio de pequenas palavras, embora

    com capacidade para produzir uma

    associao desta mesma palavra.

    Denominou este fenmeno de

    associativa repetition e, para o explicar,

    props que dependeria duma via de

    conexo alternativa que contornava a ligao directa entre as reas de Wernicke e de Broca.

    Este autor, ao reinterpretar a funo das conexes e reas corticais especializadas alargou o

    paradigma da desconexo para alm da substncia branca, dando relevncia s leses

    localizadas substncia cinzenta. Desta forma, a Afasia de Conduo passou a ser

    considerado como uma sndroma de desconexo que se deveria a uma leso das conexes na

    thebrain.mcgill.ca/.../i_10_cr_lan_1a.jpg

    Figura 5: Processamento da Linguagem

    Modelo de Geschwind

    Aps ouvida a palavra, so activados

    sucessivamente o crtex auditivo primrio, a rea de Wernicke. Via Fascculo Arqueado a informao chega rea de Broca e finalmente

    ao crtex motor.

    Adaptado de: http://www.clas.ufl.edu/users/nholland/seminar/brnpic3.jpg

  • 17

    substncia branca ou do crtex perisilviano (substncia cinzenta), uma vez que de acordo com

    Geschwind as leses do crtex de associao, se extensas, actuam desconectando reas

    receptoras primrias ou reas motoras de outras regies do crtex ou mesmo do hemisfrio

    contralateral [Geschwind, 1970].

    Deste novo modelo Geschwind-Lichtheim-Wernicke faziam parte a rea de Broca

    localizada nas regies postero- lateral e orbital do oprculo frontal e a rea de Wernicke na

    regio postero- lateral do girus temporal superior esquerdo; o Fascculo Arqueado que

    percorria a regio profunda do girus supramarginal e nsula e estabelecia a conexo entre

    estes dois centros; os dois crtex auditivos e as vias interhemisfricas que os ligam; o tero

    inferior dos crtices motor e somato-sensorial; o girus angular esquerdo e a sua ligao com a

    regio lmbica [Geschwind, 1970; Damsio, 1992].

    Estes estudos permitiram estabelecer a individualidade da Afasia de Conduo e a

    teoria da desconexo passou a ser aceite pela comunidade cientfica como a mais consensual.

    Mesmo assim, nos anos subsequentes, foram surgindo exemplos de leses que a colocaram

    em questo. Assim se manteve at ao presente a controvrsia das suas bases antomo-clnicas

    e tambm o incentivo para o seu estudo re-inventado, aplicando as tcnicas inovadoras

    emergentes.

    A3. As Afasias Clssicas:

    As leses corticais localizadas ao hemisfrio esquerdo e que envolvem reas

    vocacionadas para o processamento da linguagem manifestam-se por perturbaes do

    discurso oral, da escrita e da leitura. As caractersticas particulares destes transtornos

    adquiridos da linguagem as Afasias relacionam-se com a localizao da leso e com o

    prejuzo funcional que dela resulta. As funes de linguagem fundamentais na classificao

    (semiolgica) das afasias so: as caractersticas do discurso espontneo e em especial a sua

  • 18

    fluncia, a capacidade de compreenso, de repetio e de nomeao. No quadro 6 apresenta-

    se um esquema bsico das suas caractersticas diferenciadoras e nos pargrafos subsequentes

    uma descrio semiolgica mais pormenorizada e o diagnstico localizador.

    Figura 6: Algoritmo da avaliao diagnstica das Afasias

    AFASIA DE BROCA:

    A Afasia de Broca a manifestao de uma leso que envolve a rea de Broca (girus

    frontal inferior esquerdo) e que corresponde as reas de Brodman 44 e 45, as reas frontais

    adjacentes (poro externa das reas 6 e 8, 9, 10, 47 e 46), a substncia branca subjacente e

    os ncleos da base [Damsio, 1992].

  • 19

    Estes doentes tm um discurso no fluente, aprxico ou disrtrico e lento, limitado a

    palavras ou frases que so repetidas mltiplas vezes como o Tan (estereotipias verbais) e

    permeado de parafasias fonmicas ou literais [De Bleser, 2001]. O agramatismo, uma das

    suas principais caractersticas e manifesta-se pelo

    aspecto telegrfico do discurso. Relativamente a

    funes especficas, a compreenso simples est

    preservadas e a nomeao e a repetio alteradas. Estes

    doentes tm ainda dificuldade em reconhecer o

    significado reversvel passivo de frases como the girl

    was kissed by the boy na qual ambos so igualmente

    passveis de ser o receptor da aco [Damsio, 1992;

    Damsio e Damsio, 2000].

    Em termos de sintomas associados, a maioria

    dos doentes apresenta um dfice de fora no hemicorpo

    direito, que afecta essencialmente a face e o membro

    superior/mo.

    Foi tambm descrita outra variante da Afasia de

    Broca - ligeira ou transitria - que surge quando a

    leso se restringe rea de Broca ou substncia branca subjacente, e que se caracteriza-se

    por afmia e no afasia, isto , ocorre um distrbio do discurso mas no da linguagem.

    AFASIA DE WERNICKE:

    Este tipo de afasia causado mais frequentemente por uma leso da regio posterior

    do crtex auditivo de associao esquerdo (A22) mas, pode ter tambm origem ao nvel das

    reas 37, 39 ou 40 isoladas ou em associao.

    Figura 7: Afasia de Broca

    Em destaque leso localizada

    rea de Broca

    Adaptado de: The anatomy of

    language, Sydney Almb Rice, Houston University

  • 20

    Define-se por uma alterao severa da compreenso do discurso. So doentes que

    apresentam para alm desta alterao e, tal como na Afasia de Broca, dificuldades na

    recepo de frases, organizao de fonemas e na nomeao. O discurso fluente, meldico,

    com contedo geralmente imperceptvel devido a erros frequentes na escolha de fonemas e

    palavras.

    Ainda que sem dificuldade na produo de sons individuais ocorre frequentemente

    alterao na sua ordem, adio ou eliminao originando as parafasia fonmicas: trable em

    vez de table [Damsio e Damsio, 2000] e tambm produo de palavras no passveis de

    compreenso - neologismos.

    Apesar da dificuldade na nomeao, devido alterao na seleco de palavras que

    transmitam correctamente as suas ideias, as palavras que usam substituir tm muitas vezes um

    significado relacionado com a pretendida como por exemplo headmen em vez de president

    parafasias semnticas.

    Figura 8: Afasia de Wernicke

    Em destaque leses localizadas s reas 22, 37, 39 e 40

    Adaptado de: The anatomy of language, Sydney Almb Rice, Houston University

  • 21

    Raramente esto presentes alteraes motoras mas, alguns doentes devido

    incapacidade de compreender o seu discurso e o que lhes dito podem tornar-se ansiosos ou

    mesmo paranicos, especialmente se tm j subjacente patologia psiquitrica.

    AFASIA GLOBAL:

    Cursa com uma perda quase total da

    capacidade de formulao de discurso e da sua

    compreenso, combinando caractersticas presentes

    nas Afasias de Broca e de Wernicke.

    O discurso espontneo no fluente, est

    diminudo e constitudo por um pequeno nmero

    de palavras ou frases, enquanto o discurso no

    deliberado automtico est preservado. Numa

    tentativa desesperada de comunicar a mesma palavra

    pode ser usada repetidamente correcta ou

    incorrectamente e apenas algumas palavras como expresses usadas para praguejar possuem

    estrutura fontica, fonmica e infleccional correctas.

    A compreenso muito limitada, assim como a repetio.

    Este tipo de afasia geralmente acompanhado de hemiplegia direita e fraqueza da

    regio direita da face. Estas alteraes motoras so importantes para a localizao da leso

    uma vez que, quando a hemiplegia direita est presente na afasia global clssica indicia que a

    leso ocorreu na regio anterior da linguagem, na totalidade dos gnglios basais, nsula e

    crtex auditivo e tambm na regio posterior devendo-se a um enfarte de grandes propores

    na artria cerebral mdia. Se estiverem ausentes a leso ocorreu na regio frontal ou na

    temporo-parietal o que sugere a possibilidade dum enfarte emblico ou metstases cerebrais.

    Figura 9: Afasia Global

    Leso perisilviana extensa envolvendo

    as reas de Broca e Wernicke e substncia branca subjacente.

    Adaptado de: www.neuropsicol.org/Np/afglo1.gif

  • 22

    AFASIA DE CONDUO:

    Distinta das Afasias de Broca e Wernicke pela produo de discurso fluente e

    compreenso normal, das caractersticas definidoras desta afasia destacam-se a alterao da

    repetio e o discurso rico em parafasias fonmicas.

    frequente a tentativa de correco do discurso pelos doentes que acabam por

    cometer um maior nmero de erros medida que se tentam aproximar da palavra alvo

    conduite dapproche [Kohn et al, 1991].

    Tambm a nomeao se encontra alterada, o que se pode dever presena de

    parafasias de uma ou mais slabas ou mesmo incapacidade de escolher a palavra adequada.

    Escrita e leitura encontram-se tambm comprometidas. O doente no consegue ler alto

    mas compreende tudo ou grande parte do que l.

    Na maioria dos casos est presente apraxia da face e membros e, pode existir alguma

    fraqueza facial direita assim como diminuio da sensibilidade dor contra lateral.

    AFASIA TRANSCORTICAL:

    Exitem duas variantes de Afasia Transcortical.

    Na variante motora a leso ocorre no crtex frontal esquerdo acima e anterior rea

    de Broca, com ou sem leso desta rea. Na variante sensorial existem leses parietais ou

    temporais prximas da rea de Wernicke.

    A variante Motora no fluente, semelhante de Broca e caracteriza-se pela

    dificuldade em iniciar uma conversa e discurso difcil e telegrfico.

    www.neuropsicol.org/Np/afglo1.gif

  • 23

    Na Afasia Transcortical Sensorial o discurso bem articulado, fluente e com

    parafasias e, existe compromisso da compreenso. Em ambas surgem dificuldades na

    nomeao e capacidade de repetio intacta.

    Discurso Compreenso Repetio Nomeao

    Broca no fluente normal pobre pobre Wernicke fluente pobre pobre pobre

    Conduo fluente normal pobre pobre Global no fluente pobre pobre pobre

    T. motora pouca normal normal alterada

    T. sensorial fluente pobre normal alterada

    Tabela I: Principais caractersticas dos diferentes tipos de Afasia

    Figura 10: Afasia Transcortical Sensorial e Motora.

    Leses envolvendo as reas parietotemporais sem afectar a rea de Wernicke (direita

    Afasia Transcortical Sensorial) e envolvendo a conexo entre a rea motora suplementar e a rea de Broca (esquerda Afasia Transcortical Sensorial).

    Adaptado de: www.neuropsicol.org/Np/afglo1.gif

  • 24

    B1. Afasia de Conduo: a caracterstica clnica definidora

    O diagnstico da Afasia de Conduo semiolgico e foi bastante facilitado pelo

    aparecimento de baterias de linguagem compreensivas, como a Boston Diagnostic Aphasia

    Examination (BDAE) [Damsio, 1992; Damsio e Damsio, 2000]. Consiste essencialmente

    num conjunto estandardizado e validado de testes que avaliam o discurso espontneo e serial,

    de provas de nomeao visual, repetio de frases, compreenso oral e compreenso de leitura

    e ainda de capacidade prxica. Permite descrever as capacidades e caractersticas do discurso

    e da linguagem, estabelecendo perfis de alterao que permitem categorizar os diferentes tipos

    de afasia [Damsio e Damsio, 2000]. Com esta bateria, e outras menos referidas na literatura

    da Afasia de Conduo mas tambm de uso difundido (Western Aphasia Battery, por

    exemplo) foi possvel obter resultados reprodutveis e classificaes consensuais ou pelo

    menos comparveis.

    Enquanto entidade clnica, a Afasia de Conduo caracteriza-se por um cluster de

    sinais e sintomas que permitem sugerir o seu diagnstico. No entanto, existem discrepncias

    de opinio entre os autores relativamente (s) caracterstica(s) considerada(s) como

    definidora(s) (ver figura 11 em cima). Ainda que classicamente tenha sido dado um maior

    Caracterstica Clnica

    definidora

    Repetio:

    Wernicke

    Parafasias:

    Goodglass

    Ambos:

    Shallice &

    Warrington

    Figura 11: Principais Caractersticas Clnicas definidoras

  • 25

    destaque ao compromisso da repetio, para outros, so as parafasias literais (fonmicas)

    que a definem [Goodglass, 1992]. Deve salientar-se que esta discordncia surgiu muito cedo,

    j que o prprio Wernicke inicialmente descreveu esta sndroma valorizando a presena de

    parafasias e s mais tarde a caracterizou baseando-se no compromisso da repetio.

    Goodglass no seu trabalho "Understanding Aphasia" descreveu a Afasia de Conduo como

    uma afasia fluente com parafasias fonmicas que afectavam preferencialmente os nomes e em

    que existia, caracteristicamente, tentativa de auto-correco compensatria. A repetio

    estava alterada (associadamente), sobretudo nas palavras polissilbicas, enquanto a

    compreenso se encontrava relativamente poupada. [Goodglass, 1992]

    Outros autores como Shallice & Warrington consideram ainda que ambas so

    importantes, embora proponham que estes dois sintomas possam definir dois diferentes tipos

    de afasia [Shallice e Warrington, 1977]. Estas duas variantes seriam as Afasia de Conduo

    de Repetio e Afasia de Conduo de Reproduo. Neste caso (Reproduo)

    propunham que seria a produo de palavras que se encontrava comprometida devido a um

    distrbio na formulao e planeamento dos constituintes sonoros das palavras; estas

    condicionariam alteraes evidentes no discurso espontneo, na repetio, nomeao e na

    leitura. Na variante de Repetio os doentes manifestavam uma alterao selectiva no span

    de material apresentado verbalmente por compromisso selectivo da memria de curto prazo,

    mas apresentavam um discurso espontneo normal e mantinham a capacidade para repetir

    palavras isoladas. A grande diferena entre os dois tipos de Afasia de Conduo residiria no

    output fonolgico do discurso espontneo. De acordo com esta hiptese, os doentes com a

    variante de Reproduo exibem uma preponderncia de parafasias fonmicas em todas as

    tarefas de produo de discurso incluindo a repetio. Alm disso, quando se tentam corrigir

    (conduite dapproche) produzem palavras que se vo tornando cada vez mais parecidas com o

    alvo podendo mesmo ser iguais a este. Na variante da Repetio existe um nmero menor

  • 26

    de parafasias e a repetio de palavra nica, como dissemos, est geralmente intacta. A

    perturbao (erros) aumenta de acordo com a extenso do item ou com o intervalo de tempo

    entre a audio do item e o momento para repetir (de acordo com o tpico de uma perturbao

    da memria imediata ou de trabalho).

    Estas variantes, clinicamente distintas, foram posteriormente associadas a localizaes

    de leso diferenciadas, como proposto por Axer. Os doentes com Afasia de Conduo de

    Reproduo apresentavam leses suprasilvianas e tinham um melhor desempenho na

    repetio e compreenso auditiva (sendo maior a incidncia de parafasias literais). Verificava-

    se o oposto nos doentes com Afasia de Conduo de Repetio e as leses tenham uma

    localizao preferencialmente infrasilviana [Axer et al, 2001].

    Esta definio de Shallice & Warrington foi partilhada por vrios outros autores como

    Axer, Caplan & Waters, Caramazza, Demeurisse e Nadeau [Caplan, 1992; Nadeau, 2001].

    Estes autores defenderam a heterogeneidade clnica desta sndroma por oposio a Goodglass

    e Bartha & Benke que propunham uma entidade homognea. Na opinio de Bartha e Benke

    no se trataria de formas diferenciadas mas sim de perfis clnicos evolutivos: todos os doentes

    apresentariam inicialmente as caractersticas tpicas da variante de Reproduo,

    desenvolvendo mais tarde as alterao tpicas da memria a curto prazo com compromisso da

    repetio [Bartha e Benke, 2003; Bartha e Benke, 2004].

    A incapacidade de repetio uma das caractersticas comum s formas de afasia que

    envolvem as reas primrias da linguagem Global, de Broca e de Wernicke. Est, como

    referido, preservada nas afasias transcorticais e anmica. Na Afasia de Conduo, no entanto,

    a perturbao da repetio tem maior destaque por se encontrar dissociada das restantes

    funes essenciais, uma vez que a fluncia do discurso e compreenso esto conservadas

    [Martin, 2001].

  • 27

    Para explicar o seu compromisso foram admitidas vrias

    hipteses, o que se compreende, atendendo grande

    heterogeneidade de casos descritos e, consequentemente dos

    mecanismos eventualmente envolvidos[Axer et al, 2001; Bartha e

    Benke, 2003].

    Destas destacam-se a hiptese de desconexo de

    Wernicke, a proposta de existir um distrbio do discurso

    interno, de Goldstein (1948), a hiptese da first articulation,

    de Hecaen (1955) ou uma limitao patolgica na capacidade de

    transmitir informao da rea de recepo, de Kinsbourne

    (1972), Mais recentemente foram colocadas as hipteses da

    perturbao da codificao ou descodificao e ainda o

    compromisso da memria verbal de curto prazo, proposta por

    Shallice e Warrington [Hecaen et al, 1955; Kinsbourne, 1972;

    Friedrich et al, 1984; Kohn, SE, 1984; Kohn, 1991;].

    Segundo a teoria da desconexo, a alterao da repetio dever-se- ia dissociao

    dos componentes das palavras devido a uma leso no Fascculo Arqueado. Esta proposta foi

    perdendo o seu significado, primeiro com a demonstrao das mltiplas conexes mono e

    polissinpticas multidireccionais existentes neste fascculo [Brown, 1975]; e, mais

    recentemente, com a DTI, ao evidenciar que as leses neste fascculo produziam

    efectivamente compromisso da repetio, mas tambm da compreenso. Tornou-se tambm

    evidente por esta tcnica que leses do Fascculo Longitudinal Superior poderiam manifestar-

    se exclusivamente por alterao da repetio [Breier et al, 2008].

    A proposta de Goldstein e Marmor, de existir uma desintegrao do discurso

    interno, baseava-se no pressuposto de existir um centro cognitivo da linguagem de nvel

    Figura 12:

    Hipteses

    justificativas da

    alterao da

    repetio

  • 28

    superior que se encontraria conectado com reas primrias de codificao e de descodificao

    do discurso, respectivamente, as reas de Broca e de Wernicke. Denominaram a alterao de

    Afasia Central e o centro cortical cognitivo de Glossopsychic do qual resultaria, por

    leso, a desintegrao do discurso interno [Benson et al, 1973; Mendez e Benson, 1985;

    Metter et al, 1989]. A hiptese da first articulation [Hecaen et al, 1955] reinterpreta a

    hiptese de Goldstein, formulando que a alterao residiria no mecanismo que promove a

    transformao da representao lexical abstracta, nas formas fonolgicas que guiam os

    mecanismos fonticos, articulatrios e grafmicos do output do discurso.

    Segundo Kinsbourne, a alterao da repetio explicar-se- ia pela perda da capacidade

    de transmitir informao atravs do canal responsvel pela transformao dos sistemas de

    compreenso do discurso num programa de resposta [Kinsbourne, 1972].

    Mais recentemente, e tendo tambm por base a hiptese de Goldstein, foram

    apresentadas duas novas hipteses: da codificao e da descodificao. De acordo com a

    primeira (codificao), o doente consegue processar adequadamente o input visual e auditivo

    mas as representaes internas construdas a partir destes dados no so imediatamente

    codificadas de forma a obter o output. Assim, medida que o input se torna mais complexo,

    acabam por ser produzidos erros por omisso e parafasias [Tzortzis e Albert, 1974; Yamadori

    e Ikumura, 1975; Yamadori, 1979].

    O deficite na descodificao, defendido por Strub e Gardner, localizar-se- ia ao nvel

    do local onde as representaes abstractas guiam a seleco das formas fonolgicas, levando

    diminuio da eficincia na descodificao do discurso [ Warrington e Shallice, 1969; Strub

    e Gardner, 1974].

    A diminuio da memria de curto prazo foi proposta por Warrington e Shallice

    [Warrington e Shallice, 1969; Shallice e Warrington, 1977]. Baseados inicialmente no estudo

    de um doente com alterao da repetio e, posteriormente, no estudo comparativo da

  • 29

    memria imediata visual e auditiva de trs outros doentes (vs. controlos), concluram que na

    base da alterao da repetio se encontrava uma diminuio na memria de curto-prazo [

    Peach, 1986; Sullivan, 1986]. Mais tarde, com a realizao de mais estudos, distinguiram a

    repetio que envolve uma srie de palavras, da reproduo de apenas uma palavra

    polissilbica. Com base nesta distino definiram as duas variantes da Afasia de Conduo j

    referidas.

    A curiosidade gerada por esta proposta levou a que vrios autores se propusessem

    test- la. Os achados de Caramazza e de Bartha e Benke suportaram-na [Bartha e Benke, 2003;

    Caramazza et al, 1981; Odell et al, 1995], enquanto Heilman, Scholes e Watson concordaram

    parcialmente, aceitando o seu desenvolvimento em dois tipos de Afasia de Conduo

    [Heilman et al, 1976]. Sakurai e colaboradores compararam o desempenho de doentes com

    Afasia de Conduo e alterao da memria imediata, com o de doentes com alterao isolada

    desta forma de memria. Verificaram que a alterao da memria imediata no parece ser o

    dfice primrio responsvel pelo compromisso da repetio, uma vez que a regio que

    identificaram associada alterao da memria - regio supramarginal - no se encontra

    lesada em todos os doentes com Afasia de Conduo.

    Apesar de no ser aceite por todos, a proposta de Warrington e Shallice aquela que

    tem reunido mais consensos e se encontra mais difundida, nomeadamente como suporte a

    programas de recuperao de doentes com Afasia de Conduo. Peach avaliou um destes

    programas e verificou que o aumento do span auditivo verbal (e consequente melhoria da

    repetio), parece ser funo da recuperao do dfice da memria imediata auditivo-verbal

    (capacidade de sequenciar) [Peach, 1986]. Numa tentativa de associar outra modalidade de

    tratamento, Sullivan e colaboradores testaram um doente com Afasia de Conduo e leitura

    relativamente poupada, no sentido de utilizar a repetio audio-visuo-verbal como facilitadora

    da repetio audio-verbal. Comprovaram a veracidade desta hiptese, e tal como Wernicke

  • 30

    tinha j proposto, confirmou-se que o input visual- lexical desempenha um importante papel

    no processo que conduz capacidade de repetio [Sullivan, 1986].

    B2. Bases anatmicas:

    Como j foi brevemente referido, relativamente s bases anatmicas da Afasia de

    Conduo, foram sendo propostos modelos lesionais centrados ou ao Feixe Arqueado, ou a

    regies/estruturas corticais essenciais nos processos de conectividade. Como veremos,

    provavelmente ambas so correctas, no se excluem mutuamente e podem encontrar-se

    associadas. A abordagem que se segue vai abordar esta controvrsia, de acordo com 4

    perspectivas ou hipteses localizacionistas: 1) Feixe Arqueado; 2) crtex associativo nas

    regies do girus supramarginal e do primeiro girus temporal; 3) regio da nsula; 4) complexo

    do crtex auditivo.

    1) Feixe Arqueado:

    Wernicke props conceptualmente a Afasia de Conduo, que designou por

    Leitungsaphasie. Teoricamente dever-se- ia a uma disrupo de um tracto de fibras que

    passaria atravs da cpsula externa seguindo um trajecto profundamente nsula, ao nvel

    crtex insular.

  • 31

    A comprovao anatmica viria por Lichtheim atravs de um estudo de autpsia, em

    que se observou uma leso regio insular, mais precisamente na regio peri-silviana e

    insular com envolvimento do oprculo frontal e de pequena extenso do oprculo temporal e

    parietal. Este envolvimento estrito da nsula seria questionado por outros autores, salientando-

    se os casos apresentados por Liepmann e Pappenheim cujo estudo anatmico revelou uma

    leso localizada ao nvel da unio parieto-temporal esquerda com atingimento da

    profundidade encontrando-se a nsula intacta, de acordo com o citado [Geschwind, 1965;

    Damasio et al, 1980; Anderson et al, 1999]. Considerando estas evidncias antomo-clnicas,

    Wernicke alterou a sua proposta original. Na hiptese revista, propunha que o Fascculo

    Arqueado, teria origem no crtex auditivo de associao, dirigia-se em direco caudal

    superior junto da Cisura de Silvius at atingir o oprculo parietal abaixo dos crtex

    supramarginal e somato-sensorial e finalmente percorria um trajecto anterior e na

    profundidade do oprculo frontal at atingir a rea de Broca na regio pr-motora. Seria este o

    local chave na produo defeito paradigmtico a alterao da repetio e na ocorrncia da

    Afasia de Conduo [Damasio et al, 1980; Damasio, 1992]. Com a reviso da sua teoria

    Wernicke conseguiu conseguia assim dar explicao grande maioria de casos de Afasia de

    Conduo .

    Figura 13: Localizaes das leses

    dos casos de Lichtheim e Liepmann e

    Pappenheim.

    A seta vermelha localiza a leso de Lichtheim e a verde a localizao

    aproximada das de Liepmann e Pappenheim

  • 32

    De acordo com o citado, Goldstein e Marmor ainda que tenham defendido um

    diferente mecanismo, concordavam com Wernicke em relao com a localizao por este

    prevista [Benson et al, 1973; Mendez e Benson, 1985; Metter et al, 1989].

    Ainda que no sejam em grande nmero os casos relatados na literatura com

    atingimento restrito do Fascculo Arqueado, tal como Ibayash, Poncet [Ibayash, 1997; Poncet,

    1987] e colaboradores utilizando a TC e RM relataram a presena duma leso exclusivamente

    subcortical de pequeno tamanho que atingia o Fascculo Arqueado no seu curso abaixo do

    crtex parietal enquanto Tanabe et al [Tanabe, 1987] descreveram os primeiros trs casos de

    doentes com leses detectadas por TC estritamente localizadas ao Fascculo Arqueado

    resultado de pequenos enfartes ao nvel do oprculo parietal [Poncet, 1987]. Uma outra leso

    de grande extenso da substncia branca subjacente ao girus supramarginal esquerdo foi

    demonstrada por Arnett e colaboradores num doente com Esclerose Mltipla [Arnett et al,

    1996]. Mais recentemente, utilizando a Tractografia demonstrou-se uma leso semelhante

    [Yamada et al, 2007].

    2) Crtex associativo nas regies do girus supramarginal e do primeiro girus

    temporal:

    Geschwind seguiu vrios doentes com um discurso fluente permeado de abundantes

    parafasias literais e incapacidade total na repetio de pequenas palavras mas, que eram

    capazes de produzir uma associao desta mesma palavra. Este autor, ao reinterpretar a

    Figura 14: Leso localizada ao Fascculo

    Arcuato

    Observa-se uma pequena leso exclusivamente

    subcortical que atinge o Fascculo Arqueado no seu curso abaixo do crtex parietal

    Adaptado de Poncet, 1987 Adaptado de Poncet et al, 1987

    Ilustrao 13: Fascculo Arcuato

    DTI

    Adaptado de Catani e Mesulam, (2008)

  • 33

    funo das conexes e reas corticais especializadas2 alargou o paradigma da desconexo

    alm da substncia branca, dando importante relevncia s leses localizadas substncia

    cinzenta. Desta forma, a Afasia de Conduo passou a ser considerado como uma sndroma

    de desconexo que se deveria a uma leso das conexes da substncia branca ou do crtex

    perisilviano, uma vez que de acordo com Geschwind as leses do crtex de associao, se

    extensas, actuam desconectando reas primrias receptoras ou reas motoras doutras regies

    do crtex ou mesmo do hemisfrio contra lateral [Geschwind, 1970].

    Em 1973 Benson e colaboradores debruaram-se mais profundamente na

    caracterizao desta sndroma. Para isto descreveram trs doentes com Afasia de Repetio

    cujas leses formavam dois padres neuroanatmicos d istintos: envolvimento o girus

    supramarginal incluindo o Fascculo Arqueado e crtex adjacente ou envolvimento da

    primeiro girus temporal lesando todo o crtex auditivo de associao e nsula (leses

    infrasilvianas) [ Benson et al, 1973], ambos concordantes com a hiptese da desconexo (ver

    fig. 15). Para distinguir estas duas formas de afasia Benson apoiou-se na presena ou ausncia

    de apraxia sendo nas leses do oprculo parietal presente a apraxia enquanto, a sua ausncia

    se relaciona com a destruio da rea de Wernicke.

    2 lesions of association cortex, if extensive enough, act to disconnect primary receptive or

    motor areas from other regions of the cortex in the same or in the opposite hemisphere.. Thus a disconnexion lesion will be a large lesion either of association cortex or of the white matter

    leading from this association cortex

  • 34

    Damsio e Damsio concluram tambm a existncia de dois padres distintos:

    leses envolvendo o girus supramarginal A40 com afeco do fascculo Arqueado ou,

    envolvendo o crtex auditivo (A41 e 42), insular (A14) e a substncia branca subjacente ou

    ainda, uma associao de ambos os padres (ver fig. 16) [Damsio e Damsio, 2000]. Casos

    clnicos com

    este envolvimento tinham j sido descritos por Sheremata, Andrews e Pandya que, para alm

    destas localizaes surpreenderam a comunidade cientfica ao apresentarem um caso com

    leso limitada ao lobo frontal adjacente rea de Broca o que, excluiu a necessidade

    obrigatria de leses a nvel parietal mas no exclui o envolvimento do Fascculo Arqueado

    [Sheremata et al, 1974].

    Figura 16: Damsio localizaes

    Padro de leses com envolvimento do girus supramarginal, nsula e crtex auditivo.

    Adaptado de Damsio et al. (1980)

    Figura 15: Padres de leso

    definidos por Benson

    Seta azul: girus supramarginal

    incluindo o Fascculo Arqueado e crtex adjacente; Seta Roxa: primeiro girus temporal lesando todo

    o crtex auditivo de associao e nsula

    Adaptado de Benson et al, 1973

  • 35

    Tal como a Benson,

    e Damsio, Axer e

    colaboradores destacaram

    tambm a heterogeneidade

    anatmica que caracteriza

    esta sndroma, concluindo a

    existencia de dois

    principais padres:

    suprasilviano crtex

    parietal inferior, girus supramarginal e substncia branca parietal e infrasilviano crtex e

    substncia branca temporal (temporal posterior e superior) (ver fig. 17) [Axer et al, 2001].

    Bartha e Benke tambm propuseram a existncia de dois padres principais de

    localizaes: girus posterior superior temporal e lobo parietal inferior hemisfrio esquerdo

    [Bartha e Benke, 2003].

    Tal como citado, leses do crtex perisilviano posterior - poro superior do girus

    temporal, o girus supramarginal ou o girus angular ou pores da nsula - foram

    documentadas por Green e Howes [Kertesz e Coates,1979; Kertesz al,1977].

    Dos doentes estudados por Kertesz, a maioria apresentava leses entre as reas de

    Broca e de Wernicke e algumas sobre essas reas com as regies inferiores dos girus pr-

    central, post-central, parietal inferior e supramarginal comuns. Deste conjunto de doentes

    Figura 18: Sobreposio dos vrios padres

    de leso estudados por Kertesz localizao com radionucldeos

    Adaptado de Kertesz et al,1977

    Figura 17: leses supra e infrasilvianas

    Na imagem da direita observa-se o perfil de sobreposio

    do grupo de estudo com leso suprasilvicas puras. esquerda observa-se o correnpondente para o grupo com leses infrasilvicas puras.

    Adaptado de Axer et al, 2001

  • 36

    salientavam-se dois grupos: os com discurso mais fluente que tinham leses mais posteriores,

    e os menos fluentes com leses mais anteriores [ Kertesz et al, 1977;Kertesz e Coates,1979].

    Os estudos de PET realizados por Kempler sugeriram a existncia de dois sub-grupos

    de doentes: um com leso insular significante e assimetria metablica na rea de Broca e o

    outro, semelhante ao denominado por Kertesz como Afasia de Conduo Eferente e de

    leso localizada posteriormente com apenas leve assimetria numa poro da rea de Broca

    [Kempler et al, 1988; Metter et al, 1989]. Ao avaliar estes dois sub-grupos observarou-se a

    existencia de variaes comportamentais presentes consoante a leso fosse mais anterior e

    posterior. Enquanto que as leses mais posteriores condicionavam um quadro semelhante ao

    da Afasia de Wernicke, as leses mais anteriores cursavam com semelhanas com a Afasia de

    Broca.

    Figura 19: Imagens comparativas de TAC e PET

    Na figura da direita observa-se na imagem de TAC leso estrutural nas regies parietal e

    temporal e, em PET hipometabolismo nas mesmas reas. Na figura da esquerda observa-se uma leso estrutural insular, parietal e temporal a

    alteraes do metabolismo nas reas temporal, parietal, frontal (Broca), caudato e tlamo.

    Adaptado de Kempler et al, 1988 A

  • 37

    3) nsula:

    No seu estudo acerca da Afasia de Conduo, Damsio voltou novamente a ateno

    para a regio insular pois o compromisso desta regio poderia estar associado a um dos

    padres base. Esta opinio era tambm partilhada por Goldstein e Kleist.

    At do final dos anos 70 no tinha surgido qualquer evidncia duma via de

    comunicao que percorresse a nsula motivo pelo qual aparentemente Wernicke abandonou a

    sua proposta original onde consagrava esta regio. Em 1979, como dissemos, demonstrou-se a

    existncia de vias auditivo-temporais e motor- frontais que utilizam rotas abaixo do crtex

    insular [Pandya e Seltzer, 1982]. Desta forma uma leso que envolvesse a regio insular

    promovia tambm o surgimento da Afasia de Conduo j que levava ruptura das cone xes

    cortico-corticais temporo-parieto-frontais.

    4) Complexo do crtex auditivo:

    Outra regio frequentemente relatada na

    maioria dos casos descritos na literatura como

    rea lesada era o complexo auditivo, em

    particular o girus temporal na regio superior

    posterior (pSTG). Quigg e Fountain e

    Geldmacher e Elias utilizando estimulao

    elctrica cortical, tcnica selectiva na separao

    do crtex e substncia branca, verificaram que a

    estimulao desta rea condicionava alteraes na repetio e na nomeao similiares s

    presentes nos doentes com Afasia de Conduo [Quigg e Fountain, 1999; Quigg et al, 2006].

    Isto sugeria que este tipo de afasia era originado numa alterao cortical e no da disrupo

    Figura 20: Girus temporal regio

    postero-superior

    Imagens de seces coronais por RMf onde se observa a activao do crtex

    auditivo no plano posterior supratemporal

    Adaptado de Hickok et al, 2000

  • 38

    dum feixe de substncia branca. Facto curioso foi o facto deste mesmo doente apresentar um

    tumor no Fascculo Arqueado sem atingir o crtex e ainda assim no apresentar clnica; o

    mesmo se verificou com o caso descrito dum doente sem alterao da repetio aps a

    resseco de um tumor abrangendo parte do Fascculo Arqueado [ Tanabe et al, 1987; Tanabe

    et al, 1989]. Para Hickok e colaboradores subjacente a esta leso estaria uma desconexo

    entre as reas anterior e posterior da linguagem ao nvel da origem do Fascculo Arqueado no

    pSTG ou uma interrupo de fibras cortico-corticais profundamente nsula [Hickok et al,

    2000; Hickok, 2000]. Uma vez que a activao desta regio modulada pelo output

    fonmico e depende dum perodo de tempo indicativo da fase de codificao fonolgico,

    [Paus et al, 1996] estes autores propuseram que a activao desta regio reflecte parte do

    processo fonmico na produo de discurso, o que explicaria a produo de erros fonmicos

    da Afasia de Conduo, a associao entre esta sndroma e leses aqui localizadas, a

    tendncia para aumento dos erros da repetio com a complexidade fonolgica do estmulo e

    a dificuldade na nomeao.

  • 39

    C. O FA com Diffusion Tensor Imaging (DTI):

    A DTI com tractografia uma nova tcnica de RM com grande potencial no estudo da

    anatomia do crebro humano e que permite, quando associada RMf, um mapea mento

    cerebral funcional in vivo no invasivo. No domnio da linguagem e das Afasias permite

    estudar a conectividade de estruturas corticais responsveis pela linguagem; definir

    assimetrias morfolgicas entre os hemisfrios direito e esquerdo e como estes intervm (ou se

    complementam) no processamento da linguagem; perspectivar como se processa a

    reorganizao da linguagem aps a leso de regies alvo na Afasia. Os sndromas de

    desconexo tm sido amplamente estudadas por estas tcnicas, havendo mesmo autores que

    apostam na possibilidade da desta tcnica vir a mudar ou mesmo revolucionar a forma como

    so vistos actualmente os sndromas de desconexo [Catani, 2005; Catani e Mesulam, 2008].

    A tractografia permitiu definir e estudar pela primeira vez o Fascculo Arqueado.

    Trata-se de uma investigao j abundante, incluindo estudos cujo objectivo avaliar a sua

    evoluo nas espcies, comparando humanos com outros primatas. Estes estudos indicam que

    o FA muito mais desenvolvido nos seres humanos, e que este desenvolvimento se relaciona

    com a evoluo da linguagem [Ghazanfar, 2008; Rilling et al, 2008]

    Ao reconstruir este fascculo com a DTI tem-se verificado que bastante mais

    complexo que o esperado; em primeiro lugar pela sua extenso, pois parece estender-se para

    alm das reas de Broca e Wernicke em direco ao girus frontal pr-central e mdio e

    regio posterior do girus temporal mdio, respectivamente; em segundo porque, para alm do

    componente principal, existe ainda uma via indirecta constituda por dois segmentos: um

    anterior ligando a rea de Broca com o lbulo parietal inferior; e um posterior ligando esta

    regio parietal com a. rea de Wernicke [Catani e Flytech, 2005; Catani e Mesulam, 2008;

    Catani, 2008].

  • 40

    Desde que a lateralizao esquerda cerebral nas propriedades macro e microscpicas

    do processamento da linguagem foi relatada, vrios foram os estudos que reportaram

    assimetrias quantitativas na morgologia e citoarquitectura do hemisfrio esquerdo. Em relao

    ao FA, os estudos de Nucifora revelaram uma importante assimetria na densidade de fibras do

    FA (predomnio esquerda), assimetria no observada no tracto cortico-espinhal ou noutros

    feixes no relacionados com a linguagem [Nucifora et al, 2005]. A contrariar parcialmente

    estes resultados, os trabalhos de Catanni e de Vernooij sugerem que a assimetria relacionada

    com a lateralizao funcional da linguagem no tanto devida a diferenas quantitativas na

    densidade das fibras, mas antes ao seu dimetro axonal [Catani, 2005; Vernooij, 2007; Catani

    e Mesulam, 2008;].

    O

    Figura 21 : Fascculo Arcuato DTI

    Reconstruo do FA onde se observam os

    seus componentes directo e indirecto.

    Adaptado de Catani e Mesulam, 2008

    Figura 22: Fascculo Arqueado - DTI

    Reconstruo dos Fascculos Arqueado esquerdo (a) e direito (b), a vermelho, e do

    tracto corticoespinhal a amarelo. Verifica-se uma evidente assimetria com amior desenvolvimento deste fascculo esquerda.

    Adaptado de Nucifora et al, 2005

  • 41

    Os estudos de Hagmann e colaboradores foram ainda mais longe [Hagmann et al, 2004]. Em

    primeiro lugar confirmaram, utilizando a tractografia, a existncia duma assimetria na ligao

    entre as reas de Broca e de Wernicke. Esta assimetria, j demonstrada em termos da

    conformao, espessura e citoarquitectura do crtex, foi aqui comprovada em relao ao feixe

    que estabelece a conexo entre estas duas reas. Verificou-se ainda, que embora na maioria

    das vezes a ligao entre estas reas se proceda por intermdio deste fascculo, existe uma via

    adicional, provavelmente temporal, atravs do Fascculo Uncinado [Hagmann et al, 2004].

    Glasser avaliou assimetrias morfolgicas e funcionais em de 20 sujeitos dextros e sem

    patologia associando a Ressonncia Magntica Funcional (RMf) DTI. Complementarmente,

    o FA foi reconstrudo por intermdio da tractografia e dividido em dois segmentos diferentes

    hipoteticamente com funes tambm diferenciadas. Um destes segmentos terminava na

    poro posterior do girus temporal superior (GTS), e o outro no girus temporal mdio (GTM)

    [Glasser e Rilling, 2008]. As imagens obtidas foram associadas ao estudo funcional utilizando

    tarefas fonolgicas, de processamento lexico-semntico e de prosdia (expresso emocional

    da linguagem). Estas experincias revelaram que as fibras para o GTS eram bastante mais

    abundantes esquerda e sobreposta nas tarefas fonolgicas, sugerindo que no hemisfrio

    esquerdo (e s neste) o crtex fonolgico se encontra directamente conectado por intermdio

    do FA. Em relao regio GTM, observou-se uma lateralizao esquerda para tarefas lexico-

    semnticas, e uma lateralizao direita para a prosodia.

    No que se refere a funes mais relacionadas com a Afasia de Conduo (repetio,

    por exemplo) Breier e colaboradores avaliaram comparativamente os Fascculos Arqueado e o

    Fascculo Longitudinal e verificaram que existe uma associao entre a alterao da repetio

    e a leso nestes fascculos [Breier et al, 2008]. De salientar que isto se verifica

    independentemente do envolvimento cortical, reafirmando assim a contribuio isolada da

    substncia branca. No entanto, ainda que o dfice da repetio possa surgir em consequncia

  • 42

    de leses restritas do FA, parece que as leses susceptveis de originar a sindroma completa

    da Afasia de Conduo so bastante mais abrangentes. Verificaram ainda que a leso do FL

    apenas se relaciona com alterao estrita da repetio, enquanto que a do FA, sobretudo se

    associado a leso cortical, interfere tambm com a capacidade de compreenso.

  • 43

    D. O papel do hemisfrio direito:

    O papel deste hemisfrio na Afasia de Conduo foi tambm discutido por alguns

    autores como Kleist, Kinsbourne e Benson mas no foi ainda totalmente esclarecido [Mendez

    e Benson, 1985]. Para o primeiro autor, o hemisfrio direito poder assumir em parte as

    funes do hemisfrio esquerdo, sendo responsvel pela manuteno da compreenso quando

    a rea de Wernicke est lesada. Assim, ao contrrio do que seria espectvel uma leso na

    rea de Wernicke no conduziria alterao da compreenso auditiva uma vez que esta

    funo estaria a cargo do hemisfrio direito. A informao transitava, atravs do corpo caloso,

    da rea de Wernicke do hemisfrio direito para a do hemisfrio esquerdo e daqui atravs do

    Fascculo Arqueado para a rea de Broca. Assim sendo, uma leso temporo-parietal esquerda

    condicionaria o surgimento de Afasia de Conduo ao destruir a parte terminal da via do

    corpo caloso. Apesar da maioria dos casos que apresentou estarem de acordo com esta

    hiptese, em um dos casos envolvia apenas uma pequena zona temporal e, aparentemente, a

    substncia branca profunda do lobo do lbulo parietal inferior, o que poderia ser evidncia de

    envolvimento do Fascculo Arqueado. Assim, esta hiptese acabava por incluir o Fascculo

    Figura 23: Modelo de Kleist

    Apesar duma extensa leso na rea de

    Wernicke, de acordo com este modelo, a compreenso no se encontrava comprometida devido rea homloga direita. Segundo Kleist

    a Afasia de Conduo dever-se- ia assim a um compromisso das fibras interhemisfricas que

    passavam atravs do corpo caloso.

    Legenda: M1 : rea Motora esquerda; M2 : rea Motora direita; B: rea de Broca esquerda; W1 :

    rea de Wernicke esquerda; W2 : rea de Wernicke direita

    Adaptado de Mendez e Benson,1985

  • 44

    Arqueado como a via atravs da qual a informao chegava rea de Broca pelo que no se

    poderia excluir que uma leso nesta localizao fosse a responsvel pela patologia; esta

    explicao foi aceite por Kleist, pelo menos no que se refere especificamente aos casos

    descritos.

    Para corroborar a sua proposta Kleist baseou-se parcialmente nos estudos de

    Kinsbourne, Rothi e Zaidel [Benson et al, 1973]. Segundo o citado, Kinsbourne [Benson et al,

    1973; Zaidel, 1976; Kohn et al, 1991] tinha verificado que aps a injeco de amobarbital na

    artria cartida direita de um doente com Afasia de Conduo, a compreenso ficava

    momentaneamente perturbada ao passo que quando o mesmo procedimento era realizado

    esquerda nada se verificava concluindo que o hemisfrio direito assumiria, em parte, as

    funes do hemisfrio esquerdo sendo responsvel pela manuteno da compreenso. Rothi e

    os seus colaboradores, que tambm defenderam estas capacidades do hemisfrio direito,

    concluram, por outro lado, que este no tem capacidade sintctica uma vez que os doentes

    estudados tinham dificuldade na compreenso de frases cujo significado dependia

    maioritariamente desta capacidade [Rothi et al, 1982]. No entanto, Zaidel demonstrou que

    aps o isolamento dum hemisfrio por comissurotomia ou hemisferectomia os indivduos

    apresentavam mesmo assim um surpreendente potencial nas capacidades lexical e de sintaxe,

    para tarefas de compreenso auditiva realizadas direita, sendo esta capacidade

    significativamente menor quando se testava o hemisfrio esquerdo [Zaidel, 1976].

    Benson e colaboradores descrevem tambm dois casos contraditrios de doentes

    esquerdinos com leses temporo-parietais esquerdas envolvendo a rea de Wernicke. Ao

    contrrio do que seria esperado a compreenso no se encontrava comprometida o que,

    segundo este autor se poderia explicar pelo desempenho da rea auditiva de associao direita

    [Mendez e Benson, 1985]. A alterao da repetio presente nestes doentes justificava-se

    pela existncia duma conexo interhemisfrica que estaria lesada.

  • 45

    Apesar destas demonstraes, alguns autores defendem que a actividade residual do

    discurso se deve preservao de reas funcionais do hemisfrio esquerdo.

  • 46

    E. Casos especiais:

    1. Afasia de conduo Cruzada

    A Afasia Cruzada ainda uma situao relativamente rara, mas existem casos bem

    documentados na literatura. definida como um distrbio da linguagem causado por uma

    leso no hemisfrio direito num doente dextro, sem antecedentes familiares de dominncia

    motora esquerda ou histria de prvia leso cerebral ou epilepsia, e com um hemisfrio

    esquerdo intacto [Bartha e Benke, 2004].

    Na literatura existe a descrio feita por Benson de um doente dextro, com Afasia de

    Conduo associada a uma leso temporo-parietal direita. Este autor considerou que nos casos

    de Afasia Cruzada, a compreenso fosse mediada pelo hemisfrio direito e, tal como nos

    outros casos atpicos apresentados por este afasiologista, a leso condicionaria uma

    desconexo entre a recepo da linguagem do hemisfrio direito e uma rea frontal esquerda

    responsvel pela funo motora do discurso [Mendez e Benson, 1985].

    Bartha e Benke [Bartha e Benke, 2004] apresentaram trs doentes com leses no

    hemisfrio direito e com a repetio comprometida. A RM demonstrou a presena de leses

    cortico-subcorticais das regies temporal posterior, parietal inferior e occipital lateral no

    hemisfrio direito e ausncia de leses no hemisfrio contra-lateral. Estas encontravam-se

    portanto nas regies homlogas s consideradas previsveis no hemisfrio esquerdo. A

    avaliao complementar permitiu sugerir que a linguagem bem como a memria de curto

    prazo auditivo-verbal se encontrariam localizadas direita, nestes doentes particulares.

    Na casustica de Kertesz dois doentes tinham tambm leses do hemisfrio direito, o

    mesmo acontecendo no grupo estudado por Puel [Kertesz, et al, 1977; Kertesz e Coates,

    1979; Puel et al, 1982]. Apesar de bastante heterogneos na sua fenomenologia e localizao,

  • 47

    estes casos, em conjunto, permitem confirmar que o quadro tpico de Afasia de Conduo

    pode ser originado por leses em espelho no hemisfrio direito, sendo correcta a classificao

    de Afasia de Conduo Cruzada.

    2. Leses em crianas:

    So tambm pouco numerosos os casos de Afasia de Conduo em crianas. Nass e

    colaboradores relataram o caso de uma criana com esta forma de afasia e um leso

    subcortical que englobava o girus angular, Fascculo Arqueado e corpo caloso. O quadro

    clnico era caracterizado por um discurso fluente, compreenso relativamente preservada,

    disnomia com parafasias e alterao da repetio que foi melhorando medida que as

    parafasias eram mais frequentes [Nass et al, 1998].

    Uma outra criana com 10 anos, desenvolveu um quadro afsico transitrio com

    caractersticas de Conduo aps a resseco de uma malformao arteriovenosa envolvendo

    o girus supramarginal e Fascculo Arqueado. Como explicaes, pode evocar-se uma

    representao bilateral da linguagem ou, mais simplesmente, a plasticidade neuronal tpica

    das crianas [Tanabe et al, 1987].

    Martins e Ferro [Martins e Ferro, 1987] relataram tambm um caso numa criana de

    11 anos que desenvolveu Afasia de Conduo em resultado duma leso traumtica

    envolvendo a rea de Wernicke (crtex auditivo de associao) e girus supramarginal.

  • 48

    F. Concluso:

    1) Como foi exposto ao longo deste trabalho, a Afasia de Conduo um tema

    controverso, quer relativamente sua caracterizao clnica, quer localizao das leses que

    lhe do origem. Questes centrais a esta controvrsia so a localizao lesional que est na

    sua gnese e os mecanismos que conduzem sua fenomenologia mais tpica. Ambos tm sido

    estudados de acordo com os mtodos localizao e de diagnstico acessveis inicialmente

    por estudos necrpsicos, e mais tarde por exames de imagem.

    2) Actualmente a sua heterogeneidade quanto localizao, no est em causa. Parece

    mesmo ser unnime atribuir esta forma de afasia a leses em vrias localizaes,

    nomeadamente ao girus supramarginal, crtex auditivo primrio, crtex insular e matria

    branca adjacente. Estas localizaes, formam dois padres distintos: o suprasilviano,

    incluindo o crtex parietal inferior e o girus supramarginal com a matria branca parietal; o

    infrasilviano relativo ao crtex e matria branca temporal nomeadamente a regio temporal

    superior e posterior; sendo tambm aceites padres clnicos mistos. Estas variantes podero

    determinar padres fenomenolgicos tambm diferentes, aceites por alguns autores como

    duas variantes clnicas de Afasia de Conduo: Afasia de Conduo de Repetio e

    Afasia de Conduo de Reproduo. Na variante de Reproduo encontrava-se

    comprometida a produo de palavras condicionando alteraes evidentes no discurso

    espontneo, na repetio, nomeao e na leitura. Na Afasia de Conduo de Repetio os

    doentes manifestavam uma alterao selectiva no span de material apresentado verbalmente

    por compromisso selectivo da memria de curto prazo, mas apresentavam um discurso

    espontneo normal e mantinham a capacidade para repetir palavras isoladas. Os doentes com

    a variante de Reproduo exibem uma preponderncia de parafasias fonmicas enquanto

    que na variante da Repetio se salienta a perturbao da repetio que aumenta de acordo

  • 49

    com a extenso do item ou com o intervalo de tempo entre a audio do item e o momento

    para repetir.

    Tambm a apraxia foi proposta, por Benson, como caracterstica que permitia

    distinguir os diferentes padres de leso. Nas leses do oprculo parietal esta encontra-se

    presente, encontrando-se ausente na destruio da rea de Wernicke [Benson, 1973].

    3) Estas localizaes coincidem, em parte, com o trajecto do Fascculo Arqueado

    pelo que, o seu envolvimento no pode ser excludo na maioria dos casos. No entanto, deve

    salientar-se que, ao contrrio do proposto por Wernicke, raramente est em causa uma leso

    restrita a este feixe de fibras. Ainda assim s o facto de ter conceptualizado esta hiptese sem

    suporte anatmico objectivo, para alm de todos os seus contributos na rea das Afasias,

    confirma o brilhantismo deste afasiologista. A investigao desenvolvida ao longo dos anos

    permitiu verificar que no existe uma correspondncia clnica obrigatria entre uma leso

    deste feixe e a emergncia de uma Afasia de Conduo [Damsio e Damsio, 1980; Palumbo,

    1992; Shuren et al, 1995] e esto descritos na literatura diversos casos de Afasia de Conduo

    nos quais o Fascculo Arqueado se encontrava poupado [Damasio et al, 1980; Mendez &

    Benson, 1985]. Poder concluir-se que as leso da matria branca restrita ao Fascculo

    Arqueado so pouco numerosas e no forneceram evidncias suficientes para suportar que

    uma leso isolada da matria branca seja responsvel s por si por este sndroma,

    encontrando-se na grande maioria dos casos um compromisso das regies corticais com ele

    conectadas [ Kasai et al, 1996; Anderson et al, 1999; Damasio e Damasio, 2000; Jones, 2008]

    4) As questes inicialmente levantadas em relao ao papel da nsula parecem ter-se

    desvanecido. Inicialmente proposta por Wernicke como uma localizao alvo de leso, foi

    mais tarde rejeitada. Ainda que presente na grande maioria dos casos, o seu envolvimento no

    considerado obrigatrio. Mais recentemente, com os contributos de Damsio e a

    comprovao da existncia de vias cortico-corticais temporo-parietais foi- lhe novamente

  • 50

    atribuda uma importncia, para alguns, equivalente do Fascculo Arqueado, estrutura

    central na hiptese antomo-funcional de Wernicke-Lichtheim-Geschwind

    5) O crtex auditivo tambm uma das reas alvo sugeridas, atendendo elevada

    frequncia do seu envolvimento nos casos de Afasia de Conduo. No entanto, fica por

    explicar a inexistncia de alterao da capacidade compreenso na Afasia de Conduo, dado

    esta regio faz parte integrante do complexo de estruturas responsveis pela percepo do

    discurso oral.

    6) Ser a percepo do discurso mediada bilateralmente? Esta possibilidade remete-

    nos para o papel do hemisfrio direito em todo este processo. Existem dados objectivos que

    suportam o contributo deste hemisfrio para a compreenso do discurso oral; no entanto, e

    mais uma vez, as evidncias so bastante mais tnues e discutveis no que respeita

    capacidade de assegurar a capacidade de repetio funo comprometida na Afasia de

    Conduo.

    7) As novas tcnicas de imagem, e em particular a DTI associada Ressonncia

    funcional, permitem j hoje visualizar os feixes de associao (feixe Arqueado includo) e

    objectivar o seu envolvimento lesional bem como o seu impacto no processamento da

    linguagem. Neste domnio, penso ser um campo promissor de investigao avaliar o

    contributo do hemisfrio direito, e tambm de reas preservadas do hemisfrio esquerdo, na

    superao do dfice adquirido da linguagem [Crosson et al, 2007]. O objectivo desejado ser

    utilizar este conhecimento na recuperao funcional dos doentes afsicos.

  • 51

    G. Referncias Bibliogrficas:

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    Ghazanfar