Aeterni Patris - Leão Xiii

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Aeterni Patris Leão XIII

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  • AETERNI PATRISEncclica

    A TODOS OS PATRIARCAS, PRIMAZES,ARCEBISPOS E BISPOS DE TODO O MUNDOCATLICO EM AO E COMUNHO COM A

    SANTA S APOSTLICAAos Nossos Venerveis Irmos, Patriarcas,

    Primazes, Arcebispos e Bispos de todo o mundoCatlico, em graa e comunho com a Santa, S

    Apostlica.LEAO XIII PAPA

    Venerveis Irmos, sade e Bno Apostlica.SUMARIO DA ENCCLICA

    INTRODUAO (ns. 1-5) 1 - Natureza e funo do Magistrio da Igreja.

    2 - O Magistrio da Igreja atinge tambm a Filosofia e as Cincias. 3 - Finalidade da Encclica: Natureza do estudo filosfico que respeite a F e

    as exigncias das Cincias Humanas. 4 - A causa dos males modernos a difuso das ms idias.

    5 - A inteligncia bem formada a causa de numerosos benefcios.

    I PARTE: RELACIONAMENTO ENTRE A RAZAO E A F (ns. 6-17) 1 - Embora tenha o campo limitado, a Filosofia o mais poderoso subsdio

    para a F. 2 - Para reconduzir a sociedade ordem, a tradio patrstica sempre

    recorreu ao uso da razo bem ordenada. 3 - Subsdios da Filosofia para a F: Aplaina os caminhos da F -Prova a

    existncia de Deus -Fornece os critrios de credibilidade -Ordena a cinciateolgica -Aprofunda os conhecimentos da F - Defende a F.

    4 - Subsdios da F para a Filosofia: Prevalece a F - A F no destri aFilosofia, mas respeita-lhe os princpios, O mtodo e os argumentos - O mal daFilosofia sem a F: O racionalismo -Os bens provenientes da harmonia entre

    F e Filosofia.

    II PARTE: A HARMONIA ENTRE RAZAO E F VIST A ATRAVS DA

  • HIST6RIA DA FILOSOFIA (ns. 18-20) 1 - Realizada pelos apologistas.

    2 - Realizada pelos Padres da Igreja, Escritores Eclesisticos e Doutores,mxime por S. Agostinho.

    3 - Realizada pelos Escolsticos, mxime por S. Boa ventura e S. Toms.

    III PARTE: S. TOMS FOI QUEM COM MAIOR PERFEIO UNIU RAZO EF (ns. 21-27)

    1 - Excelncia e perfeio da doutrina de S. Toms. 2 -Confirmao dessa excelncia: Pelo seu valor intrnseco - Pelas Ordens

    Religiosas -Pelas Academias e Escolas -Pelos Papas - Pelos ConcliosEcumnicos - Pelos no catlicos.

    IV PARTE: EXIGNCIA DE RESTAURAAO DA FILOSOFIA NOS TEMPOSATUAIS (ns. 28-32).

    1 - Conseqncias funestas do abandono da Escolstica. 2 - Louvveis iniciativas para a restaurao da Filosofia Tomista.

    3 - O Papa deseja esta restaurao pelos motivos seguintes: Defesa da Igrejacontra os ataques que lhe fazem as ms filosofias-Restaurao da ordem

    social-Promoo das cincias.

    CONCLUSO (ns. 33-35)1 - Exortao solene no sentido da restaurao da doutrina tomista.

    3 - Bno Apostlica.

    INTRODUO

    1 - O Filho Unignito do Pai Eterno, que apareceu no mundo para trazer aognero humano a salvao e a luz da sabedoria divina, concedeu certamenteao mundo um grande e admirvel benefcio, quando, antes de subir ao cu,mandou aos Apstolos que fossem e ensinassem todas as naes; e deixou aIgreja estabelecida por Ele como mestre comum e supremo dos povos (Mat.28, 19). Pois que os homens, libertados pela verdade, na verdade se deviamconservar; nem seriam muitos duradouros os frutos das doutrinas celestepelos quais o homem alcanara a salvao, se Cristo Nosso Senhor no tivesseestabelecido um magistrio perptuo para instruir os entendimentos na f. A Igreja, porm, j confiando nas promessas do seu divino autor, j imitando-lhe a caridade, de tal sorte cumpriu essas ordens, que sempre teve em vista,sempre desejou ardentemente ensinar as coisas da religio e combaterperpetuamente os erros. A este fim visam os trabalhos esmerados de cada umdos bispos; a este fim, as leis e decretos dos Conclios, e especialmente asolicitude cotidiana dos Pontfices Romanos, os quais, como sucessores noprimado de So Pedro, Prncipe dos Apstolos, tm o direito e o dever deensinar e confirmar seus irmos na f.

    2 - Acontecendo, porm, como diz o Apstolo, que, pela "filosofia e pelos

  • discursos sedutores" (Col. 2,8) as almas dos fiis costumam ser enganadas, e asinceridade da f ser corrompida nos homens, por isso os supremos pastoresda Igreja julgaram sempre ser dever seu promover, quanto pudessem, averdadeira cincia, e ao mesmo tempo providenciar com suma vigilncia, paraque todas as disciplinas humanas, especialmente a filosofia, da qual emgrande parte depende o bom uso das outras cincias, fossem ensinadas emtoda a parte segundo a norma da f catlica. Isso mesmo, em outras coisas jvos lembramos de passagem, Venerveis Irmos, quando pela primeira vez vosfalamos por Cartas Encclicas.

    3 - Agora, porm, em razo da gravidade do assunto e da condio dostempos, somos obrigados a falar-vos de novo a fim de estabelecermos omtodo dos estudos filosficos, que, correspondendo ao bem da f, sejaacomodado mesma dignidade das cincias humanas.

    4 - Se algum atender malcia dos nossos tempos e pensar na razo dascoisas que acontecem pblica ou particularmente, concluir certamente que acausa fecunda dos males, no s daqueles que nos oprimem, mas tambmdaqueles que receamos, consiste nas ms opinies cerca das coisas divinas ehumanas, que, partindo primeiro das escolas dos filsofos, tm invadido todasas ordens da sociedade, acolhidas pelos aplausos de muitos. Porquanto, sendoprprio da natureza humana seguir, na prtica, como guia a razo, se ainteligncia peca em qualquer coisa, a vontade tambm cai facilmente.Acontece, ento, que a malcia das opinies, que tm sede na inteligncia,influi nas aes humanas e as pervete. Pelo contrrio, se for reto o pensar doshomens, e baseado em slidos e verdadeiros princpios, nesse caso h deproduzir muitos benefcios para felicidade social e individual.

    5 - Certamente que no atribumos filosofia humana to grande fora eautoridade, que a julguemos capaz de expulsar e arrancar totalmente todos oserros: porque, assim como quando se estabeleceu a religio crist, pelaadmirvel da f difundida "no por palavras persuasivas da sabedoria humana,mas pela demonstrao de esprito e virtude" (Cor. 2,4), o mundo foi restitudo primitiva dignidade; assim agora se deve esperar, principalmente daonipotente virtude e auxlio de Deus que as almas dos homens, dissipadas astrevas dos erros, sigam melhor vida. No se devem desprezar nem desconsiderar, porm, os auxlios naturais, quepor benefcio da sabedoria divina, que tudo dispe forte e suavemente,superabundam ao gnero humano: e entre esses auxlios certo que oprincipal o reto uso da filosofia. Pois que no foi em vo que Deus concedeu alma humana a luz da razo. A luz da f que depois lhe foi acrescida, longede extinguir ou diminuir a fora da inteligncia, antes a aperfeioa e,aumentando-lhe as foras, a habilita para maiores coisas. Pede, pois, a economia da mesma Providncia Divina que, tratando-se dechamar os povos f e Salvao, se aproveite cooperao da cincia

  • humana. Porque esse modo de proceder provado e sbio, fora seguido pelospreclarssimos Padres da Igreja, est confirmando pelos monumentos daantiguidade. Eles, em verdade, atriburam sempre razo muita e nopequena importncia, a qual resumiu suscintamente Santo Agostinho,atribuindo a esta cincia "aquilo por meio do que a f salubrrima... produzida, nutrida, defendida e robustecida (De Trin. lib. XIV,l).

    PRIMEIRA PARTERELACIONAMENTO ENTRE RAZAO E F

    6 - Em primeiro lugar, a filosofia sendo bem compreendida, pode em certomodo aplainar e fortificar o caminho para a verdadeira f, e prepararconvenientemente a inteligncia dos seus discpulos para receberem aRevelao, visto que com razo chamada pelos antigos umas vezes"instituio prvia para a religio crist" (Clem. Alex., Strom. lib. I, 16), outrasvezes "preldio e auxilio do cristianismo" (Orig. ad Greg. Thaum.), e tambm chamada "pedagogo para o Evangelho" (Clem. Alex., Strom. I, 5). Realmente Deus benignssimo, no que diz respeito s coisas divinas, no srevelou com luz da f aquelas verdades que a inteligncia humana no podeatingir, mas tambm manifestou algumas que no so absolutamenteinacessveis razo, para que, com a autoridade de Deus, logo fossemcompreendidas por todos sem receio de errar. Donde resulta que os mesmossbios pagos, s com a luz da razo, conheceram, demonstraram edefenderam com apropriados argumentos certas verdade, que nos sopropostas pela f ou esto estritamente unidas com a doutrina da f. "Pois ascoisas d'Ele, que so invisveis, se vem depois da criao do mundo,considerando-as pelas obras que foram feitas, ainda a Sua virtude sempiternae a Sua divindade" (Rom. 1,20); e os gentios que no "tm lei. ..mostram,todavia, a obra da lei escrita em seus coraes" (Rom. 2,15). muitoconveniente que essas verdades, conhecidas mesmo pelos sbios pagos,sejam convertidas em proveito e utilidade da doutrina revelada, a fim de sedemonstrar que a sabedoria humana e os prprios testemunhos dosadversrios prestam a homenagem f crist.

    7 - coisa sabida que este modo de proceder no novo, mas antigo, e muitousado pelos Santos Padres da Igreja. Alm disso, essas venervis testemunhase guardas das tradies religiosas reconhecem certa forma e, uma espcie defigura desse procedimento no fato dos hebreus, que, tendo de sair do Egito,receberam a ordem de levar consigo os vasos de prata e ouro, bem como osvestidos preciosos dos egpcios, para que essas coisas fossem dedicadas verdadeira divindade, apesar de terem antes servido a ritos vergonhosos echeios de superstio. Gregrio de Neocessaria (Orat. paneg. ad Origen.)louva Orgenes, por isso que, tendo este extrado com engenhosa habilidademuitas verdades dos pagos, considerando-as como armas arrebatadas aosinimigos, serviu-se delas. Com singular engenho para defesa da sabedoria

  • crist e para refutao da superstio. Igualmente Gregrio Nazianzeno (Vit.Moys). E Gregrio Nisseno louva e aprovam o mesmo costume de disputar deBaslio Magno (Carm. I, Iamb. 3); porm So Jernimo encarecidamente orecomenda em Quadrato, discpulo dos Apstolos, em Aristides, em Justino,em Irineu, e em muitssimos outros. (Epist. ad Magn.). E Agostinho diz: "Novemos ns com quanto ouro e prata luxuosamente vestido, saiu do EgitoCipriano, doutor sua vssimo e felicssimo mrtir? E como saiu Lactncio? EVitorino, Optato e Hilrio? E para no enumerar os vivos, como saraminumerveis gregos?" (De doctr. christ. I, II. 40). Ora, se a razo natural produziu essa abundante colheita de doutrina, antesde ser fecundada pela virtude de Cristo, com certeza mais abundante colheitaproduzir depois que a graa do Salvador restabeleceu e aumentou asfaculdades naturais da alma humana. E quem no ver como por esse modode filosofar se abre para a f um caminho plano e fcil?

    SUBDIOS DA FILOSOFIA PARA A F

    8 - Porm, no nesses limites que se circunscreve a utilidade que provmdesse modo de filosofar. Realmente, nas palavras da divina sabedoria serepreende asperamente a loucura desses homens que "por aquelas coisas quese viam serem bens, no puderam compreender Aquele que ; e que, noatendendo s obras, desconheceram quem era o artfice" (Sab. 13, 1).

    9 - Portanto o grande e excelente fruto que em primeiro lugar colhemos darazo humana, demonstrar que Deus existe: "porque pela grandeza daimagem e da criatura pode chegar-se sem dvida ao Criador delas" (Sab. 5, 5).Depois mostra-nos que em Deus se renem singularmente todas as perfeies,sobressaindo sua infinita sabedoria, qual nada pode, ocultar-se, e suasuprema justia, que de nenhum mal afeto pode ser eivada, e que por issoDeus no s verdadeiro, mas a prpria verdade que no pode enganar-se,nem enganar-nos. Donde evidentemente se deduz, que a razo humana presta palavra de Deus plenssima f e autoridade.

    10 - Semelhantemente a razo declara que a doutrina evanglica, logo desde asua origem resplandecera com admirveis milagres, como argumentos certosda verdade certa, e que por isso, todos aqueles que acreditam no Evangelhono acreditam temerariamente, como quem segue engenhosas fbulas (2 Ped.1, 16); mas sujeitam sua inteligncia e juzo autoridade divina por umasubmisso inteiramente racional. O que, porm, no de menso valor, que arazo prova claramente que a Igreja instituda por Cristo (como definiu oConclio Vaticano) "por causa da sua admirvel propagao, exmia santidadee, inexaurvel fecundidade em toda a parte, por causa da unidade catlica efirmeza invencvel, um grande e perptuo motivo de credibilidade, e umtestemunho irrefragvel da sua divina misso" (Const. Dog. de Fid Cath. 3) .

    11 - Lanados destarte, os firmssimos alicerces, ainda se requer um

  • continuado e mltiplo uso da filosofia para que a sagrada teologia admita ereceba a natureza, hbito e engenho da verdadeira cincia. Porque nessanobilssima disciplina grandemente necessrio que muitas e diversas partesdas doutrinas celestes se renam em um corpo, a fim de que,convenientemente dispostas, cada qual em seu lugar, e derivadas de princpiosprprios, permaneam estritamente unidas entre si; e, enfim, que todas e cadauma delas sejam confirmadas com argumentos prprios e irrefutveis.

    12 - No devemos tambm passar em silncio, nem ter em pouco aqueleconhecimento mais esmerado e mais fecundo das coisas que se crm, bemcomo a inteligncia, mais calara que ser possa, dos mesmos mistrios da f,to louvada e seguida por Agostinho e outros Padres, e que o mesmo ConclioVaticano definiu que era frutuosssima. Este conhecimento e inteligncia ,sem dvida, mais plena e facilmente adquirido por aqueles que, integridadeda vida e ao estudo da f, acrescentam um engenho exercitado nas disciplinasfilosficas, principalmente ensinando o mesmo Conclio Vaticano que ainteligncia dos sagrados dogmas convm ser deduzida "ora da analogia dascoisas que se conhecem naturalmente, ora da conexo dos mesmos mistriosentre si e com o fim ltimo do homem" (Const. Dogm. de Fid. Cath. 20).

    13 - Finalmente, pertence tambm filosofia defender religiosamente asverdades divinamente reveladas e resistir aos que ousam opor-se-lhes. Paraisto, de muito serve a filosofia, que considerada como o baluarte da f efirme defesa da religio. A doutrina do Salvador, diz Clemente de Alexandria, perfeita em si e no carece de ningum, porque virtude e sabedoria deDeus. A filosofia humana no faz mais poderosa a verdade; mas,enfraquecendo os argumentos dos sofistas contra ela e pulverizando osmaliciosos estratagemas contra a verdade, com razo chamada sebe eestacada da vinha " (Strom. lib. 1, 20). Na verdade, assim como os inimigos donome catlico, para combater a religio, se servem de armas quase, sempreex- tradas da razo filosfica, assim os defensores da divina cincia tiram dodepsito da filosofia muitos argumentos para defenderem os dogmas daRevelao. Nem se pense que mesquinho triunfo da f crist, por isso que arazo humana rebate vigorosa e facilmente as armas dos adversrios,adquiridas com o auxlio da mesma razo, com o fim de fazer mal. SoJernimo, escrevendo a Magno, diz que essa espcie de combate religioso foraadotado pelo mesmo Apstolo das Gentes: "Paulo, guia do exrcito cristo, e,invencvel orador, combatendo por cristo, aproveita com muita arte, paraargumento da f, uma inscrio casual; porque aprendera do verdadeiro Davia arrancar as armas ao inimigo, e a decepar a cabea do soberbssimo Golias,com sua prpria espada (Epist. ad Magn.). Alm disso, a mesma Igreja exortae manda que os doutores cristos se aproveitem desse auxlio da filosofia. OConclio Lateranense V, tendo definido "que, toda a averso contrria frevelada absolutamente falsa, porque a verdade no pode estar em

  • contradio com a verdade" (Bulla Apostolici Regiminis), manda os doutoresda filosofia que tratem com empenho de refutar os argumentos falsos; poisque, como afirma Santo Agostinho "se a razo se ope autoridade dasEscrituras Divinas, por muito especiosa que seja, engana-se com a semelhanada verdade, porque no pode ser verdadeira (Epist. 143, 7).

    SUBSDIOS DA F PARA A FILOSOFIA

    14 - Para que a filosofia, porm, produza os preciosos frutos que temoslembrado, indispensvel que jamais se afaste da senda, seguida pelosantigos Padres, e aprovada pelo Conclio Vaticano com solene autoridade. Eassim, quando claramente conhecemos que, por motivos sobrenaturais,devemos receber quaisquer verdades, que so muito superiores capacidadede qualquer engenho, a razo humana, conhecendo sua fraqueza, no ousepassar avante, nem negar essas verdades, nem compreend-las, neminterpret-las livremente; mas aceitando-as com absoluta e humilde f, econsiderando como grande honra ser lhe permitido seguir, maneira de servae criada, as doutrinas celestes, e por benefcio de Deus atingi-las de algummodo.

    15 - Naquelas doutrinas, porm, que a inteligncia humana pode compreendernaturalmente, sem dvida justo que, a filosofia empregue o seu mtodo, seusprincpios e argumentos. No, porm, de modo que parea ter a audcia desubtrair-se autoridade divina. Pelo contrrio, como sabido que as coisasque a Revelao ensina se baseiam em verdades inconcussas, e que aquelaque se ope f repugnam igualmente com a reta razo, saiba o filsofocatlico que violar os diretos da f, no menos que os da razo, se adotarconcluses que conhece estarem em contradio com a doutrina revelada.

    16 - Bem sabemos que no faltam homens que, exaltando demasiadamente asfaculdades da natureza humana, asseveram que a nossa inteligncia, logo quese sujeita autoridade divina, desce da dignidade natural, e como quecurvada debaixo do jugo da escravido de tal sorte sopeada e impedida, queno pode atingir o pice da verdade e da perfeio. Essas palavras, porm,esto repletas de erro de dolo, e o fim a que visam que os homens, comsuma loucura e no sem crime de ingratido, desprezem as verdades maiselevadas e respeitem espontaneamente o divino benefcio da f, da qual tmemanado ainda, sobre a sociedade civil, torrentes de todos os bens. Porque,estando o esprito humano encerrado dentro de certos e muito apertadoslimites, est sujeito a muitos erros e ignorncia de muitas coisas, pelocontrrio, baseada na autoridade de Deus, a f crist mestra segurssima daverdade. Quem a segue, nem envolvido pelo erro, nem agitado nas vagas deopinies incertas.

    17 - Por isso, os que harmonizam o estudo da filosofia com a obedincia fcrist, raciocinam otimamente, at porque o esplendor das verdades divinas,

  • recebido na alma, ajuda a mesma inteligncia, e bem longe de a ofender emsua dignidade, lhe d muita nobreza, penetrao e firmeza. Quando, porm,aplicam a penetrao do esprito a refutar a sentenas que repugnam f e aprovar as coisas que com a f se conformam, exercitam muito digna eutilmente a razo. Porque, nas primeiras, descobrem as causas do erro, econhecem o defeito dos argumentos em que as mesmas se fundam. Nestas,porm, gozam da considerao das razes com que solidamente sodemonstradas e podem ser persuadidas a qualquer homem prudente. Quemnegar que com esse processo e exerccio se aumentam as riquezas doentendimento, e se desenvolvem as suas faculdades, h de necessariamentecair no absurdo de afirmar que a distino do verdadeiro e do falso noconduz de forma alguma ao adiantamento do engenho. Com razo, portanto oConclio Vaticano lembra os grandes benefcios que a f presta razo nasseguintes palavras: A f livra e defende dos erros a razo, e a instrui commuitos ensinamentos" (Const. Dogm. de Fid. Cathol. 4). E por isso o homem,se fosse verdadeiramente sbio, no deveria culpar a f como inimiga da razoe das verdades naturais, mas antes deveria dar graas a Deus e alegrar-segrandemente, porque, entre tantas causas da ignorncia e no meio das vagasdo erro, lhe apareceu rutilante, a santssima luz da f, a qual, como astroamigo, lhe mostra o porto da verdade, sem perigo algum de errar.

    SEGUNDA PARTEHARMONIA ENTRE RAZO E F CONSIDERADA NA HISTRIA DA

    FILOSOFIA

    18 - Se atenderdes, Venerveis Irmos, histria da filosofia, sabereis que narealidade se provam todas as coisas que at aqui temos dito. Na verdade, ainda os mais sbios dos antigos filsofos, que careceram dobenefcio da f, erraram muitssimo e em muitas coisas. Porque, no ignoraisque, entre algumas verdades, ensinaram muitas vezes coisas falsas eerrneas, muitas coisas incertas e duvidosas acerca da verdadeira noo dadivindade, da primitiva origem das coisas, do governo do mundo, doconhecimento divino do futuro, da causa e princpio dos males, do ltimo fimdo homem, da eterna bem-aventurana, das virtudes e vcios: de outrasdoutrinas, cujo conhecimento verdadeiro exato mais que tudo necessrio aognero humano. Porm os primeiros Padres e Doutores da Igreja, que muitobem sabiam, pelo conselho da vontade divina, que o reparador da prpriacincia humana era Cristo, que "virtude e sabedoria de Deus" (I Cor. 1, 24),e "no qual esto encerrados todos os tesouros da sabedora e da cicia" (Col. 2,3) empreenderam investigar os livros dos sbios antigos e confrontar as suasopinies com as doutrinas reveladas; e por uma prudente escolha adotaram oque nelas parecia conforme com a verdade, emendando ou desprezando tudoo mais. Porque Deus providentssimo, assim como suscitou para a defesa daIgreja, e contra a crueldade dos tiranos, mrtires fortssimos e cheios de

  • magnanimidade, assim tambm ops aos falsos filsofos e aos hereges homensextraordinrios em sabedoria, que se valeram do tesouro da verdade, bemcomo do auxlio da razo humana. Assim, desde os princpios da Igreja os ops contra ferrenhos adversrios, quezombando dos dogmas e costumes dos cristos, estabeleciam que haviamuitos deuses, que a matria do mundo no tinha um princpio nem causa,que a ordem das coisas estava numa fora cega e numa necessidade fatal, eque no era dirigida pela divina providncia. Ora, logo a princpio pelejaram, contra tais mestres dessa louca doutrina,homens sbios, a quem damos o nome de Apologistas que, guiando-seprimeiro que tudo pela f, tambm tomaram da sabedoria humanaargumentos pelos quais assentaram que se devia prestar culto a um s Deusrevestido de todas as perfeies; que todas as coisas foram produzidas donada por um poder onipotente, que obram pela sua sabedoria, e que cada umadelas dirigida e movida para seus fins prprios.Merece, entre esses, o primeiro lugar, So Justino, mrtir, que depois de terfreqentado as celebrrimas Academias dos gregos, viu que s das doutrinasreveladas que pde extrair a verdade, como ele mesmo confessa, eabraando-as com todo o ardor da sua alma, as purificou das calnias,defendeu-as veementemente e, eloquentemente diante dos ImperadoresRomanos, e com elas harmonizou grande nmero de opinies dos filsofosgregos. Tambm Quadrato e Aristides, Hermias e Atengoras eminentementebrilharam por esse tempo. Tambm no menor glria adquiriu para si, nadefesa da mesma causa, Irineu, mrtir invicto, Pontfice, da IgrejaLugdemense: o qual tendo valorosamente refutado as perversas opinies dosorientais, espalhadas pelos gnsticos pelos limites do imprio romano,"explicou as origens de cada uma das heresias (como afirma Jernimo), e deque fontes filosficas emanavam" (Epist. ad Magn.). Ningum, porm, ignoraas disputas de Clemente Alexandrino, as quais o prprio Jernimohonrosamente celebra assim: "Que h nelas de ignorncia? E mesmo que h aque no provenha do seio mesmo da filosofia?" (Loc. cit.). O mesmo com umavariedade pasmosa escreveu muitas coisas utilssimas para estabelecer ahistria da filosofia, para exercitar convenientemente a dialtica, paraconciliar a harmonia da razo com a f. Segue-se-lhe Orgenes, insgne mestreda escola de Alexandria, muito instrudo nas doutrinas gregas e orientais, quepublicou muitos e magnficos volumes, utilssimos para explanar as divinasEscrituras e esclarecer os dogmas sagrados. Ainda que esses livros, tais quaisagora existem, no esto totalmetne isentos de erros, contm, todavia, grandecpia de setenas que multiplicam e robustecem as verdades naturais. Aoshereges ope Tertuliano a autoridade das Sagradas Escrituras; aos filsofos,mudando de armas, ope-lhes a filosofia. A estes refuta, com tanta sutileza eerudio, que no teme lanar-lhe em rosto este repto: "No me podeisigualar em cinca nem em doutrina como julgais" (Apologet. 46). Arnbio,

  • em seus livros publicados contra os gentios, e Lactncio, principalmente emsuas Instituies divinas, empregam igual eloquncia e valor para persuadiraos homens os dogmas e preceitos da sabedoria catlica; e longe detranstornar a filosofia, como costumam fazer os Acadmicos, servem-se, paraos convencer: (Inst. VII, 7) ora das suas armas, ora as que se deduzem dasquestes intestinas dos filfofos (De Opif. Dei, 21).

    19 - Os escritos que, acerca da alma humana, dos atriutos divinos e de outrasquestes de gravssima considerao, deixaram o grande Atansio eCrisstomo, prncipe dos oradores, so to excelentes que, na opinio comum,parece que nada se pode acrescentar sua profundidade e abundncia. Epara no alongar demais esta lista de grandes talentos, ajuntaremos aos quetemos mencionado Baslio Magno, bem como os dois Gregrios, os quaissaram de Atenas, domiclio de toda a humanidade, abundantementeinstrudos em todos os recursos da filosofia; e estes tesouros de cincia quecada um deles adquiria, ardentemente os empregaram em refutar os heregese em ensinar os cristos. Parece, porm, que a primazia pertence, entre todos a Santo Agostinho,poderoso gnio, que penetrou profundamente em todas as cincias divinas ehumanas, armado de uma f suma e igual doutrina, combatendo sem descansotodos os erros de seu tempo. Que ponto da filosofia no tocou e noaprofundou? Descrevendo aos fiis os mais altos mistrios da f, prevenindo-os sempre contra os agressivos ataques de seus adversrios; pulverizando asfices dos acadmicos e dos Maniqueus, assentou e consolidou osfundamentos da cincia humana. Com que riqueza e penetrao tratou dosanjos, da alma, da inteligncia humana, a vontade e livre arbtrio, da religio,da vida futura, do tempo, da eternidade e at da mesma natureza dos corpossujeitos a mudanas! Mais tarde, no Oriente, Joo Damasceno, seguindo os passos de GregrioNazianzeno, e no Ocidente, Bocio e Anselmo, seguindo os de Agostinho,enriqueceram grandemente o patrimnio da filosofia.

    20 - Finalmente, os Doutores da Idade Mdia, conhecidos pelo nome deEscolsticos, empreendem a obra colossal de recolher com cuidado aqui e alia abundante messe da doutrina disseminada nas inumerveis obras dosSantos Padres reduzindo-as a uma s obra, para uso e comodidade dasgeraes futuras. E agora, Venerveis Irmos, podemos repetir as palavras com que Sixto V,Nosso Predecessor, explica com extenso a origem, o carter e a excelncia dadoutrina escolstica: "Pela divina munificncia d'Aquele que o nico a dar oesprito de cincia, de sabedoria e, de, inteligncia, e que no decurso dossculos, e segundo as necessidades, no cessa de enriquecer a sua Igreja comnovos benefcios, de prov-la de novas e seguras defesa, nossos antecessores,homens de profunda cincia, inventaram a teologia escolstica.

  • Principalmente, porm, dois gloriosos doutores, o Anglico So Toms e oSerfico So Boaventura, ambos professores ilustres nesta faculdade, so osque, com seu incomparvel talento, com seu assduo zelo, com seus trabalhose viglias, cultivaram esta cincia, enriquecendo-a e transmitindo-a a seusdescendentes, disposta em uma ordem perfeita e explicada de mutos modos. Ecertamente o conhecimento de uma cincia to saudvel que dimana dofecundssimo manancial das Escrituras, dos Sumos Pontfices, dos Santos:Padres e dos Conclios, tem sido em todos os tempos de grande, vantagempara a Igreja, j para a boa inteligncia e verdadeira interpretao dasEscrituras, j para ler e explicar os Padres com mais segurana e utilidade, jpara desmarcarar os variados erros e as heresias. Nesses ltimos tempos,porm, que nos tm trazido os dias profetizados pelo Apstolo, em que oshomens blasfemos, orgulhosos, sedutores, fazem progresso no mal, errandoeles e induzindo os outros ao erro, certamente que, para confirmar os dogmasda f catlica e refutar as heresias, mais que nunca nece,ssria a cincia deque tratamos" (Bulla Triumphantis, 1588) . Essas palavras, ainda que parece que atingem somente a teologia escolstica,estendem-se, todavia, prpria filosofia. Com efeito, as eminentes qualidadesque tornam a teologia escolstica to temvel aos inimigos da verdade, asaber, continua o mesmo Pontfice: " Aquela coerncia to estreita e perfeitados efeitos e das causas, aquela ordem e simetria semelhante s de umexrcito em campanha, aquelas luminosas definies e distines, aquelasolidez de argumetnao e sutileza de controvrsia, coisas todas por meio dasquais se separa a luz das trevas, se distingue o verdadeiro do falso e asmentiras da heresia, despojadas do prestgio e das fices que as rodeiam,aparecem a descoberto"; todas essas brilhantes qualidades, dizemos, sedevem unicamente ao bom uso da filosofia que os doutores escolsticosadotaram, geralmente ainda nas controvrsias teolgicas. Alm disso, como o carter prprio e distintivo dos telogos escolsticos unir com o mais estreito lao a cincia divina e humana, a teologia em que sedistinguiram no poderia certamente ter adquirido tanta honra e estima naopnio dos homens, se esses doutores tivessem pregado uma filosofiaincompleta, truncada e superficial.

    TERCEIRA PARTE SO TOMS DE AQUINO CONCILIOU COM MXIMA PERFEIO RAZO E

    F

    21 - Porm, entre todos os doutores escolsticos, brilha, como astrofulgurante, e como prncipe e mestre de todos, Toms de Aquino, o qual, comoobserva o Cardeal Caetano, "por ter venerado profundamente os santosdoutores que o precederam, herdou, de certo modo, a inteligncia de todos"(S. T. II II, 148, 4) . Toms coligiu suas doutrinas, como membros dispersos de um mesmo corpo;

  • reuniu-as, classificou-as com admirvel ordem, e de tal modo as enrique!ceu,que tem sido considerado, com muita razo, como o prprio defensor e ahonra da Igreja. De esprito dcil e penetrante, de fcil e segura memria, de perfeita purezade costumes, levado unicamente pelo amor da verdade, prenhe de cinciadivina e humana, justamente comparado com o sol, aqueceu a terra com airradiao de suas virtudes e encheu-a com o resplendor de sua doutrina. No h um ponto da filosofia que no tratasse com tanta penetrao comosolidez. As leis do raciocnio, Deus e as substncias incorpreas, o homem e asoutras criaturas sensveis, os atos humanos e seus princpios, so objeto dasteses que defende, nas quais nada falta, nem a abundante colheita deinvestigaes, nem a harmoniosa coordenao das partes, nem o excelentemtodo de proceder, nem a solidez dos princpios, nem a fora dosargumentos, nem a lucidez de estilo, nem a propriedade da expresso, nem aprofundidade e gentileza com que resolve pontos mais obscuros.

    22 - Ainda mais: o Doutor Anglico buscou as concluses filosficas nas razese princpios das coisas, que tm grandssima extenso e encerram em seu seioo germe de quase infinitas verdades, para serem desenvolvidas em tempooportuno e com abundantssimo fruto pelos mestres dos tempos posteriores. Empregando o mesmo procedimento na refutao dos erros, o santo Doutorchegou ao seguinte resultado: debelou todos os erros do tempo passado, epropiciou invencveis armas para os que haviam de aparecer nos temposfuturos. Alm disso, ao mesmo tempo que distingue perfeitamente, como convm f e razo, uni-as ambas pelos vnculos de mtua concrdia, conservando a cadauma seus direitos e salvando sua dignidade. Assim que a razo, levada porToms at o pncaro humano, no pode elevar-se a maior altura. E a f quaseno pode esperar que a razo lhe preste mais numerosos e mais valentesargumentos do que aqueles que lhe forneceu Toms de Aquino.

    23 - Por isso, nos sculos passados, homens doutssimos, de grande renomeem teologia e filosofia, procurando com incrvel empenho as obras de Toms,se tm consagrado, no s a cultivar sua anglica sabedoria, mas tambm aimbuir-se inteiramente dela. sabido que quase todos os fundadores elegisladores das Ordens Religiosas tm imposto a seus companheiros o estudoda doutrina de So Toms e a cingirem-se a ela religiosamente, dispondo quea nenhum dele!s seja lcito separar-se impunimente, ainda em coisaspequenas, das pegadas deste grande homem. Para no falarmos da famlia deSo Domingos, que se gloria do direito prprio de o ter por mestre, osBeneditinos, os Carmelitas, os Augustinianos, a Companhia de Jesus emuitasoutras Ordens esto obrigadas a esta lei, como atestam os respectivosestatutos.

    24 - E aqui se levanta jubilosamente o esprito a essas celebrrimas

  • Academias e Escolas, que outrora floresceram na Europa, - de Paris, deSalamanca, de Alcal, de Douai, de Toloa, e Louvaina, de Pdua de Bolonha,de Npoles, de Coimbra e outras muitas. Ningum ignora que as consultasque se lhes faziam, nos mais importantes negcios, gozavam de grandeautoridade em toda a parte. tambm sabido que, naqueles grandes abrigosda sabedoria humana, Toms reinava como um prncipe em seu prprioimprio, que todas as inteligncias, as dos mestres e as dos discpulos, securvavam com admirvel consonncia ao magistrio e autoridade do DoutorAnglico.

    25 - Mas, o que mais, os Pontfices Romanos, Nossos Prede!cessores, tmhonrado a sabedoria de Toms de Aquino com singulares louvores eamplssimas provas. Clemente VI, Nicolau V, Bento XIII e outros, atestam quea Igreja Universal ilustrada pela sua admirvel doutrina. So Pio Vreconhece que a mesma doutrina, dissipando as heresias, as confunde erefuta, e que todos os dias livra o mundo de erros malficos. Outros, comoClemente XII, afirmam que de seus escritos tm nascido abundantssimosbens para a Igreja universal, e que devem ser honrados com o mesmo cultoque prestado aos maiores doutores da Igreja - Gregrio, Ambrsio,Agostinho, Jernimo. Outros, finalmente, no tm duvidado propor So Tomss Academias e Escolas Superiores como modelo e mestre a quem podiamseguir com segurana. E a tal respeito merecem recordar-se aqui as palavrasde So Urbano V Aca- demia de Tolosa: "Queremos, pelo teor das presentesman- damos, que se sigais as doutrinas de So Toms como ve- rdicas ecatlicas e, que envideis todos os esforos para de- denvolv-las" (Cons. 5,3.08.1368). Seguindo o exemplo de Urbano V, Inocncio XII impe as mesmasprescries Universidade de Lovaina, e Bento XIV, ao Colgio Dionisiano deGranada. A fim de pr termo a essas decises dos Sumos Pontfices acerca deS. Toms de Aquino, acrescentaremos o seguinte testemunho de Inocncio VI:"A doutrina de So Toms tem sobre as outras, excetuando a cannica, apropriedade dos termos, o modo de expresso, a verdade das proposies, desorte que os que a seguem nunca se vem surpreendidos fora do caminho daverdade, e quem a combate tem sido sempre suspeito de erro" (Sermo de S.Toms).

    26 - Os prprios Concilios Ecumnicos, em que brilha a flor da sabedoriacolhida em toda a terra, se tm ocupado sempre em prestar a Toms deAquino especial homenagem. Nos Conclios de Lio, de Viena, de Florena, doVaticano, acreditar-se-ia ver Toms tomar parte, presidir de certo modo sdeliberaes e decretos dos Padres Conciliares, e combater com grande vigore com mais feliz xito os erros dos gregos, dos hereges e dos racionalistas. A maior honra, porm, prestada a So Toms, s a ele reservada e quenenhum dos doutores catlicos pode partilhar, provm dos Padres do ConcilioTridentino, quando fizeram que, no meio da santa assemblia, com o livros das

  • Escrituras e com os decretos dos Papas, fosse colocada aberta sobre o mesmoaltar a Suma Teolgica de Toms de Aquino para dela extrair conselhos,razes e decises.

    27 - Finalmente, outra palma parece ter sido reservada a este homemincomparvel: ter sabido granjear dos mesmos inimigos do dogma catlico otributo de suas homenagens, de seus elogios e de sua admirao. Com efeito, sabido que entre os principais promotores de heresias houve alguns quedeclararam, em alta voz, que suprimida a doutrina de So Toms de Aquino secomprometiam a empreender uma luta vantajosa contra todos os doutorescatlicos e aniquilar a Igreja. Infundada esperana, mas no infundadotestemunho.

    QUARTA PARTE RESTAURAAO DA VERDADEIRA FILOSOFIA

    28 - Sendo assim, Venerveis Irmos, todas as vezes que olhamos para abondade, fora e inegvel utilidade dessa disciplina filosfica, to amada denossos pais, intendemos que tem sido uma temeridade o no haver continuadoem todos os e lugares a honra que merece, principalmente tendo a filosofiaescolstica em seu favor o largo uso, a opnio dos homens eminentes e, o que o principal, a aprovao da Igreja.

    Em lugar da doutrina antiga, uma espcie de novo mtodo de filosofia se temintroduzido aqui e ali sem dar os saudveis frutos que a Igreja e a sociedadecivil desejam. Debaixo dos impulsos dos inovadores do sculo XVI, principiou-se a filosofar sem respeito algum pela f, com plena licena para deixar voar opensamento segundo o capricho e critrio de cada um. Resultou naturalmenteque os sistemas de filosofia se multiplicam de modo extraordinrio, e queapareceram opinies diversas e contraditrias at sobre os objetos maisimportantes dos conhecimentos humano. Com a pluralidade de opinies,chega-se facilmente vacilao e duvida; da dvida, porm, ao erro faclimo ao conhecimento humano o chegar, como todos sabem. Os homens deixaram-se facilmente arrastar pelo exemplo, e a paixo danovidade invadiu, segundo parece, em alguns pases, at o esprito dosfilsofos catlicos, os quais, desprezando o patrimnio da antiga sabedoria,preferiram edificar de novo a aperfeioar e acrescentar o antigo edifcio,projeto esse pouco prudente e que causa grandes males cincia. Portanto,estes variados sistemas, fundados unicamente na sua autoridade e no arbtriode cada mestre particular, carecem de base slida, e por conseguinte, emlugar dessa cincia segura, estvel e robusta como a antiga, s podemproduzir uma filosofia vacilante e sem consistncia. E se tal filosofia carece defora para resistir aos assaltos do inimigo, a si mesma deve imputar as causasda sua fraqueza. Ao dizer isso, no intendemos certamente censurar esses sbios avisados, que

  • empregam na cultura filosfica o seu gnio, sua ambio e a riqueza de novasinvenes, e compreendemos muito bem que todos esses elementosconcorrem para o progresso da cincia. Devemos, porm, evitar com o maiorcuidado desse engenho e dessa erudio os nicos ou principais da suaaplicao. O mesmo se deve pensar da teologia sagrada. bom que ela seja ajudada eilustrada pela luz de uma variada erudio. , porm, abolutamentenecessrio trat-la com a seriedade dos escolsticos, a fim de que, com asforas reunidas da Revelao e da razo, no deixe de ser "o inexpugnvelbaluarte da f" (Sixto V, Bulla cit.).

    29 - , pois, feliz aspirao a dos numerosos interessados pela filosofia, que,desejosos de empreender, nestes ltimos anos eficazmente a sua restaurao,se tm consagrado e, consagram ainda a utilizar a admirvel doutrina deToms de Aquino e a devolver-lhe oantigo esplendor. Animados com o mesmoesprito vrios membros de vossa ordem, Venerveis Irmos, tm entrado comardor na mesma tarefa. com alegria que o reconhecemos. Louvando-os comefuso, os exortamos a perseverar em to grande empreendimento. Aosoutros, advertimos que nada mais conforme com o nosso coraao e nadadesejamos tanto seno v-los oferecer ampla e copiosamente juventudeestudiosa as guas purssimas da sabedoria que dimanam em torrentescontnuas do Doutor Anglico.

    30 - Muitas razes provocam em Ns este ardente desejo. Primeiramente,como a f crist se v diariamente, em nossos tempos, combatida pelasmaquinaes e sofismas de um falsa sabedoria, necessrio que todos osjovens, especialmente os que so educados para o servio da Igreja, sejamnutridos com alimento forte dessa doutrina, para, fortes e munidos dessasarmas, maduramente se acostutem a tratar com sabedoria e coragem a causada religio, prontos sempre, como diz o Apstolo, "a dar conta, a quem lhapedir, da esperana que existe em ns" (I Ped. , 5); assim como "a exortar ems doutrina e convencer os que a contradizem " (Tito 1, 9). Alm disso, grandenmero de homens que "afastando o esprito da f, desprezam instituiescatlicas e professam que seu nico mestre guia a razo. Para os curar etrazer graa e ao mesmo tempo f catlica, alm do auxlo sobrenatural deDeus, nada mais vemos mais oportuno do que as slidas douttrinas dos Padrese dos Escolsticos, que pem vista inabalveis bases da f, sua origemdivina, sua verdade certa, seus motivos de persuaso, os benefcios que temfeito ao gnero humano, sua perfeita harmonia com a razo, e isto com tantafora e evidncia, quanta necessria afazer curvar os espritos mais rebeldese mais obstinados.

    31 - Todos vemos em que tristssima situao est a famlia e a sociedade porcausa da peste das opinies perversas. Por certo que ambas gozariam de pazmais perfeita e de maior segurana, se nas Academias e nas escolas se

  • ensinassem doutrinas mais ss e mais conformes com o ensino da Igreja,ensino como se acha nas obras de Toms de Aquino. O que ele ensina acercada verdadeira natureza da liberdade em todos os tempos e, que, em nossos,degenerou em licenciosidade, o que a respeito da origem divina de qualquerautoridade, das leis e da sua fora, do imprio paternal e justo dos grandesprincpios, da obedincia aos poderes superiores, da mtua caridade entretodos, o que acerca dessas coisas e de outras do mesmo gnero tratado porS. Toms, tem a maior e mais invencvel fora para lanar por terra essesprincpios de um novo direito que todos conhecem ser perigoso paz, ordeme ao bem estar social.

    32 - Finalmente, todos os conhecimenots humanos devem esperar grandeincremento e grande defesa vindos dessa restaurao dos estudos filosficosque ns temos proposto. Porque da filosofia, como sabedoria moderadora que , costumam as belasartes tomar a s razo e o reto mtodo, e beber dela o seu esprito como defonte comum da vida. De fato, e por uma constante experincia se comprovaque as artes liberais tm florescido principalmente quando tm permanecidoinclumes a sonra e o juzo da filosofia. Contrariamente, tm sido relegadas aoesquecimento e ao desprezo, quando a filosofia tem decado e se temenvolvido em erros e vs sutilezas. As mesmas cincias fsicas que agora so de tanto valor, e que causamsingular admirao em toda aparte com tantas maravilhosas invenes, no snenhum dano ho de sofrer causado pelo restabelecimento da filosofia antiga,mas antes recebero muito auxlio. Pois que para o frutuoso exerccio eincremento delas no basta s a considerao dos fatos e a contemplao danatureza, seno que, verificados os fatos, deve subir-se mais alto e procurarcom todo o cuidado reconhecer a natureza das coisas corpreas, investigar asleis que a obedecem e os princpios donde provm a ordem das mesmas, suaunidade no meio da verdade, e sua afinidade no meio da diversidade. Paracujas investigaes admirvel a fora, luz e auxlio que presta a filosofiaescolstica, se for ensinada com lcida in teligncia. A este respeito, apraz-nos consignar que s com grave injria se pode atribuir mesma filosofia o defeito de opor-se ao adiantamento e progresso dascincias naturais. Os escolsticos, com efeito, seguindo o parecer dos SantosPadres, tendo ensinado a cada povo, na antrologia, que a inte:ligncia s pormeio das coisas sensveis pode elevar-se ao conhecimento de seresincorpreos e imateriais, tm compreendido por si mesmos que nada mais tilpara o filsofo do que investigar atentamente os segredos da natureza, eaplicar-se por largo tempo ao estudo das coisas fsicas. Isso mesmo fizerameles. So Toms, o Bem Aventurado Santo Alberto Magno e outros promotoresda Escolstica, no se entregaram contemplao da filosofia sem quetambm no dessem grande ateno ao conhecimento das coisas naturais.Antes, nessa ordem de conhecimentos, muitas das suas afirmaes e dos seus

  • princpios so aprovados pelos mestres modernos que reconhecem a suaexatido. Alm disso, mesmo neste nosso tempo, muitos e insgnes doutoresdas cincias fsicas tm dado pblico testemunho de que entre as afirmaescertas e verdadeiras da fsica moderna e os princpios filosficos da Escola,no existe contradio.

    CONCLUSO

    33 - Ns, pois, proclamando que preciso receber de boa vontade e comreconhecimento tudo o que for sabidamente dito, ou utilmente descoberto sejapor quem for, vos exor- tamos, Venerveis Irmos, com muito empenho, a que,para defesa e, exaltao da f catlica, para o bem socal e para a promoo detodas as cincias, ponhais em vigor e deis a maior extenso possvel, preciosa doutrina de So Toms. Dizemos doutrina de So Toms, porque sese encontrar nos Escolsticos, alguma questo de:masiado sutil, algumaafirmao inconsiderada, ou alguma coisa que no esteja em harmonia com asdoutrinas experimentadas nos sculos porteriores, ou que seja finalmentedestituida de probabilidade, no intentamos de modo algum prop-la para serrepetida em nossa poca. Quanto ao mais, diligenciem os mestres, cuidadosamente escolhidos por vs,fazer penetrar no esprito dos discpulos a doutrina de So Toms; faam,sobretudo, notar claramente quanto esta superior s outras em solidez eelevao. Que as Academias que tendes institudo ou houverdes de instituirpara o futuro, expliquem esta doutrina a defendam e utilizem para refutaodos erros dominantes. Para evitar, porm, que se aceite como verdadeiro o que apenas hipottico, eque se beba como gua pura o que no , providencial para que a "sabedoria eToms se colha em seus prprios mananciais ou ao menos nos arroios que,saindo do prprio manancial, correm todavia claros e lmpidos conforme otestemunho dos doutores. Dos arroios que se dizem derivar do manancial, masque esto na realidade cheios de guas estagnadas e insalubres, afastai, commuito cuidado, o esprito dos jovens.

    34 - Sabemos, porm, que todos os nossos esforos sero inteis, VenerveisIrmos, se a nossa empresa no for secundada por Aquele que nas Escrituras chamado "Deus das cincias" (I Re!g. 2, 3). Elas nos advertem tambm "quetodo o bem excelente, todo o dom perfeito vem de cima, descendo do Pai dasluzes" (Pacob 1, 17). E mais: "Se algum carece de sabedoria, pea-a a Deus,que a todos d liberalmente, e no o lana em rosto, e ser-Ihe- dada" (I. c. 5,5). Nisto sigamos tambm os conselhos do Doutor Anglico que nunca seentregava ao estudo e ao trabalho sem que antes tivesse recorrido a Deus pormeio da orao, e que ingenuamente confessava que, quanto sabia, o devia,no tanto a seu estudo e trabalho, como ao auxlio divino. Roguemos, pois, a Deus todos juntos com esprito humilde e corao unnime

  • que derrame sobre os filhos da Igreja o esprito de cincia e inteligncia, lhesabre o sentir para entenderem a sabedoria. Para obter, com maior abundncia ainda, os frutos da bondade divina,interpondo para com Deus o onipotente auxlio da Bem Aventurada VirgemMaria, sede da sabedoria, recorrei ao mesmo tempo, intercesso de SoJos, purssimo esposo da Virgem, assim como os grandes Apstolos SoPedro e So Paulo, que renovaro, com a verdade a terra infestada pelocontgio do erro, enchendo-a com o esplendor da luz celeste.

    35 - Enfim, sustentado pela segurana do auxlio divino, confiando em vossopastoral zelo, a todos damos, Venerveis Irmos, do ntimo do corao, assimcomo ao vosso clero e ao povo confiado a vosso cuidado, a Bno Apostlica,como prova dos bens celestes e testemunho do Nosso particular afeto.

    Dado em Roma, junto de So Pedro, aos 4 de agosto de 1879, segundo ano doNosso Pontificado.

    LEO XIII, PAPA

    FONTE: http://www.aquinate.net/portal/Tomismo/Tomistas/papa-leao-XIII-aeterni%20patris.php