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28/10/2015 PARECER%20N.%2000028­2015­DEPCONSU­PGF­AGU.HTML

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ADVOCACIA­GERAL DA UNIÃOPROCURADORIA­GERAL FEDERALDEPARTAMENTO DE CONSULTORIA

PARECER n. 00028/2015/DEPCONSU/PGF/AGU

NUP: 00400.001077/2015­89

INTERESSADOS: UNIÃO ­ MINISTÉRIO DA SAÚDE

ASSUNTOS: CONSULTA E ORIENTAÇÃO DE ATUAÇÃO ­ OUTROS ASSUNTOS

EMENTA: Consulta ministerial. Direito intertemporal. Art. 5º, incisos XXXVI e XL daConstituição Federal de 1988. A retroatividade da lei penal mais benigna não tem, via deregra, aplicação no âmbito do direito administrativo. Sugestão de envio dos autosdigitais à Consultoria­Geral da União/AGU.

Relatório

1. Trata­se de consulta materializada no Aviso Ministerial n.º 537, de 16 de setembro de 2.015,formulada pelo Senhor Ministro da Saúde e dirigida ao Senhor Advogado­Geral da União, nos termos seguintes:

“Com meus cordiais cumprimentos, dirijo­me a Vossa Excelência para consultar sobre apossibilidade ou não de o princípio da retroatividade da norma mais benéfica seraplicado às sanções administrativas já infligidas às operadoras de planos de saúde, commultas cobradas e pagas, nos casos de:

a) adequação dos valores nominais das multas constantes da Resolução Normativa – RNnº 124, de 30 de março de 2006, da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de SaúdeSuplementar/ANS, que dispõe sobre as penalidades relativas às infrações à legislaçãodos planos privados de assistência à saúde,

b) alteração sobre os valores máximos e mínimos da Lei nº 9656, de 03 de junho de1988, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde.

Cabe esclarecer que a Procuradoria Geral junto à Agência Nacional de SaúdeSuplementar – PROGE, órgão dessa Advocacia Geral da União – AGU, já entendeu, pormeio dos Pareceres nº 266/2014/GECOS/PROGE­ANS/PGF,766/2008/PROGE/GEADM, que é aplicável o princípio da retroatividades maisbenéfica às sanções administrativas previstas por aquela Agência.”

2. O Gabinete do Senhor Advogado­Geral da União encaminhou os autos a esta Procuradoria

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Geral Federal e, vindo ao Departamento de Consultoria, foram a mim distribuídos.

3. Juntei aos autos digitais os pareceres acima referidos, assim como o Parecer nº152/2014/GECOS/PROGE­ANS/PGF, subscrito em 21 de março de 2014, o qual, analisando proposta dealteração da Resolução Normativa nº 171/2008, daquela Agência, também professa o mesmo entendimento.

4. O Parecer nº 266/2014/GECOS/PROGE­ANS/PGF, referido no aviso ministerial acimacitado, após reconhecer tratar­se de matéria controversa, firmou entendimento no sentido da possibilidade deretroação da norma administrativa mais benigna, sustentando, em síntese, que:

“Não obstante respeitarmos a linha de raciocínio de Rafael Munhoz de Mello, filiamo­nos àquela defendida por Edison Pereira Nobre Junior e Luis Roberto Barroso, nosentido de que o princípio da retroatividade da norma mais benéfica abarca, semrestrições especiais, as normas administrativas sancionadoras, haja vista que também sãoinstrumentos da atividade punitiva do Estado.

De se ver que esta Procuradoria já vem se manifestando neste sentido, conforme oseguinte excerto do Parecer nº 534/2007/PROGE/GEADM (Processo nº33902.074446/2003­17):

“Impõe­se ressaltar que a operadora/recorrente foi condenada ao pagamento de multacom fundamento em dispositivo da Resolução RDC nº 24/2000, uma vez que ao tempoem que perpetrada as infração este era o instrumento normativo regente da matéria,sendo adequado o enquadramento sancionatório.

Entretanto, entrou em vigor a Resolução Normativa nº 124, de 30 de março de 2006,que revogou a Resolução RDC nº 24/2000, passando o dispor sobre a aplicação desanções para as infrações à legislação de saúde suplementar.

Em suma, queremos destacar que os dispositivos da Resolução RDC nº 24/2000somente poderão incidir sobre a(s) infração(ões) em tela se da aplicação da RN124/2006 não resultar sanção(ões) de conseqüências menos gravosas.

Noutras palavras, verificando­se que a incidência da RDC nº 24/2000 é mais gravosa,deverá ser aplicada a RN nº 124/2006 se da aplicação desta resultar situação maisbenéfica à recorrente, em atendimento ao princípio da retroatividade da norma maisfavorável.

Por oportuno, frise­se que a novel Resolução Normativa nº 124/2006 não traz empeço aque sejam consideradas as situações atenuantes e os fatores multiplicadores de quetratam os seus arts. 8º e 10, ressalvado o disposto no seu art. 11, parágrafo único, o que,a depender de nova avaliação sancionatória, poderá contribuir para beneficiar asituação da recorrente.

Desta forma, levando­se em conta a garantia constitucional da retroatividade danorma penal mais benéfica (art. 5º, XL, CF), opinamos no sentido de que a DiretoriaColegiada, após realizar a dosimetria da pena em conformidade com a novelResolução Normativa nº 124/2006, se couber, abrande a(s) penalidade(s) aplicada(s).”

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5. O Parecer nº 266/2014/GECOS/PROGE­ANS/PGF, aprovado em 10 de julho de 2.014,debruça­se sobre processo administrativo de imposição de multa a sócio administrador de operadora de plano desaúde, por fornecimento de informação falsa, e reverbera esse posicionamento:

“20. Posto isso, cumpre aduzir que esta Procuradoria já assentou o entendimento, pormeio do Parecer nº 766/2008/PROGE/GEADM, de que é possível a aplicação doprincípio da retroatividade da norma mais benéfica às sanções administrativas. Senãovejamos: (...).”

6. Já o Parecer n.º 152/2014/GECOS/PROGE­ANS/PGF, analisou minuta resolução normativa

que alteraria a Resolução Normativa n.º 171/2008, então em vigor. Apreciando, nesse mister, indagação acercada “eventual aplicação retroativa da lei penal mais benéfica”, esclareceu:

“25. No entanto, muito embora essa Procuradoria já tenha se manifestado pela aplicaçãodo princípio da retroatividade da norma mais benéfica na esfera administrativa (Parecernº 766/2008/PROGE/GEADM), não se pode deixar de reiterar o alerta de que se trata deum tema controvertido tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Essa controvérsia serevela ainda mais acentuada diante das peculiaridades da hipótese em exame, em que oreconhecimento da abolitio se dá diante da revogação do complemento de uma normasancionadora em branco. Nessa situação, vale destacar a função pragmática da sançãoadministrativa de compelir efetivamente o infrator a cessa a prática ilegal. Assim, aaplicação retroativa da revogação do complemento da norma sancionadora em brancopode comprometer a efetividade do exercício do poder de polícia da Agência paraassegurar que as obrigações fixadas nos normativos sejam cumpridas pelas operadoras.Nesse sentido é a lição de MOREIRA NETO, segundo o qual “não se aplicarão,estritamente, às penas disciplinares quaisquer dos princípios informativos do DireitoPenal [...], demandando­se sempre uma compatibilização entre ambos os sistemas, comprevalência de sua principiologia própria.

26. Seguindo­se essa necessidade de compatibilização do princípio da retroatividade dalei penal mais benéfica às peculiaridades do direito administrativo, deve­se analisar seainda persiste a utilidade na punição da operadora que descumpriu a obrigação antes desua revogação.

(...)

27. A revogação prospectiva da obrigação não significa, por si só, o desparecimentodessa utilidade no cumprimento da obrigação. O que deve ser destacado é que amanutenção da punição das condutas anteriores não pode se justificar apenas comomedida de assegurar a autoridade da Agência. Se estiver em jogo apenas a necessidadede reafirmar a autoridade da Agência e o interesse da operadora em não sofrer a aplicaçãoda sanção, a ponderação deve atribuir maior peso relativo ao direito fundamental doadministrado resultando na prevalência do princípio da retroatividade da lei penal maisbenéfica sobre a função pragmática da sanção administrativa

28. No caso presente, mesmo diante da aplicação temperada do princípio de DireitoPenal no âmbito administrativo, verifica­se que o órgão técnico não aponta nenhuma

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razão pragmática que indique ser ainda relevante o cumprimento a destempo daobrigação que se pretende revogar. Ao contrário, o órgão técnico aponta que aobrigação de apresentação da Declaração de Ausência de Reajuste, embora tenha sidoimportante quando de sua implantação, perdeu sua eficácia regulatória (fls. 183/184).Sendo assim, a revogação da obrigação deve operar a extinção da pretensão punitiva emrelação à infração relativa ao não envio de informações periódicas.

29. A fim de afastar dúvidas quanto à aplicação da revogação da obrigação constante doart. 3º e seus parágrafos da RN 171, e uma vez confirmada pela área técnica a intençãoretroativa na revogação em tela, sugere­se o acréscimo do seguinte dispositivo à minuta:

(...)”.

7. Os autos digitais foram a mim distribuídos em 18 de setembro de 2014. Solicitada aapreciação da matéria em regime de urgência.

8. É o relatório.

Fundamentação

9. Embora eu tenha o Parecer nº 766/2008/PROGE/GEADM por bem fundamentado e, por

consequência, respeitáveis os Pareceres nº 152/2014/GECOS/PROGE­ANS/PGF e nº266/2014/GECOS/PROGE­ANS/PGF, peço vênia para deles dissentir.

10. De início, cumpre lembrar que a retroação da norma é, em nosso sistema jurídico, exceção, enão regra. A norma da Constituição Federal de 1988 de caráter geral a regular o direito intertemporal não é aconstante do inciso XL do art. 5.º, e sim, a constante do inciso XXXVI:

“XXXVI ­ a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisajulgada;”

11. Nesse sentido, a lição de MARIA HELENA DINIZ[1]:

“b) (...) Quanto ao âmbito de validade temporal da norma, na teoria kelseniana, deve­sedistinguir o período de tempo posterior e o anterior à promulgação, ou melhor, àpublicação. Em regra, a norma só diz respeito a comportamentos futuros, embora possareferir­se a condutas passadas, tendo, então, força retroativa. É retroativa a norma queatinge os efeitos de atos jurídicos praticados sob o império da revogada, e irretroativa aque não se aplica a qualquer situação jurídica constituída anteriormente. Não se podemaceitar a retroatividade e a irretroatividade como princípios absolutos. O ideal será que alei nova retroaja em alguns casos, e em outros não. Foi o que fez o direito pátrio aoprescrever que a norma em vigor tem efeito imediato e geral, respeitando sempre o atojurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada (...).

(...) A irretroatividade é um preceito de política jurídica, pois, como afirma Kohler, “toda

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cultura requer a firmeza de relações, sem o que o povo seria lançado no braço dadissolução; todo impulso para estabelecer a ordem jurídica e nela viver repousa nacrença de que a criação jurídica deve perdurar. (...) A norma revogada por outra não maisproduzirá efeitos, mas sua incidência, isto é, a configuração de situação subjetivaefetuada, permanece. Embora revogada, seus efeitos permanecem. A norma precedentenão se mantém viva; perderá sua eficácia apenas ex nunc, porque persistes as relações jáconstituídas sob seu império.”

12. Tendo por inequívoco que a retroatividade da norma penal mais benigna foi estabelecida pelaConstituição Federal em caráter excepcional, vem à calha a notória regra hermenêutica que recomenda seinterprete a norma de exceção de maneira restritiva.

13. Acresço que, no âmbito do direito administrativo, a atenção ao princípio da legalidade estrita,

que também tem foro constitucional, demandaria, no mínimo, que a retroação da norma mais benigna fossedeterminada expressamente pela lei, tal como estabelecido no âmbito fiscal, pelo art. 106 do Código TributárioNacional. É a clássica lição do mestre HELY LOPES MEIRELLES[2]:

“Na administração pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto naadministração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na AdministraçãoPública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “podefazer assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim”.

14. Trata­se de lição que, posto antiga, remanesce no escólio dos melhores publicistasbrasileiros, tais como MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO[3] e ALEXANDRE DE MORAES, pois asdécadas de experiência administrativa no setor público que lhe sucederam somente confirmaram sua propriedadee consistência. Do último dos citados colhemos, a título de exemplo[4]:

“O tradicional princípio da legalidade, previsto no art. 5.º, II, da Constituição Federal eanteriormente estudado, aplica­se normalmente na Administração Pública, porém deforma mais rigorosa e especial, pois o administrador público somente poderá fazer o queestiver expressamente autorizado em lei e nas demais espécies normativas, inexistindo,pois, incidência de sua vontade subjetiva, pois na Administração Pública só é permitidofazer o que a lei autoriza, diferentemente da esfera particular, onde será permitida arealização de tudo que a lei não proíba.”

15. No caso da regra de retroatividade da norma penal mais benigna, os dois aspectos principaisque motivaram sua adoção no âmbito penal foram, a meu ver:

a) as características específicas da sanção penal, que via de regra envolvem restrições gravesaos direitos do indivíduo, em especial à liberdade, a suscitarem evidentes preocupações humanitárias; e

b) o reconhecimento de que a valoração negativa da conduta típica, feita pela sociedade, varia

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com o tempo, não fazendo sentido manter uma punição, no momento em que passa a vigorar a norma maisbenigna.

16. Essas circunstâncias remotamente dizem respeito aos interesses administrados pelasagências reguladoras e, além disso, as sanções administrativas repercutem, via de regra, direta ou indiretamente,sobre a esfera patrimonial do administrado. Apesar de ser um aspecto relevante na esfera do direito subjetivo,ninguém, em sã consciência, irá sustentar ser da mesma natureza, ou de valor equiparável, o efeito da supressãoda liberdade individual com a diminuição patrimonial do autuado.

17. O distanciamento se revela ainda maior quando se recorda que as sanções administrativas,quando impostas pelas agências reguladoras, incidem, via de regra, sobre pessoas jurídicas ou, no máximo, sobrea esfera profissional da atuação de seus dirigentes, afastando ainda mais a discussão do alcance humanitário daretroação benigna. Dizem respeito ao poder de polícia, e não ao poder disciplinar interno ao serviço público.

18. Observe­se que os precedentes jurisprudenciais elencados nos pareceres da PROGE/ANSem favor da tese da retroação da norma administrativa mais benigna dizem respeito ao direito penal ou aoprocesso administrativo disciplinar, ou seja, a apuração de faltas funcionais de servidores públicos. Neste caso,a afinidade do direito administrativo punitivo com o direito penal é, de fato, maior – e, ainda assim, apossibilidade de aplicação da regra da retroatividade da norma penal mais benigna, como veremos, écontroversa.

19. Essa distinção não deve ser menosprezada, sob o risco de aplicação inadvertida e equivocadado princípio “ubi eadem ratio ibi eadem jus”. O Procurador Federal Bruno César Maciel Braga explica adiferença[5]:

“Poder de polícia e poder disciplinar não confundem. Lição de Célio Rodrigues da Cruzdeixa isso bem claro:

“Não se pode confundir o poder de polícia com o poder disciplinar da Administração,pois o primeiro decorre da supremacia geral e consiste no poder­dever de regular asatividades de particulares, com a finalidade de garantir o interesse público comum dacoletividade; já o segundo tem como fundamento a supremacia especial que o entepúblico exerce sobre aqueles que possuem uma ligação com a Administração Pública econsiste na faculdade de punir internamente os que mantêm um vínculo especial com oPoder Público, seja em decorrência de relação estatutária ou de disposição contratual.”

A partir do excerto acima pode­se extrair ao menos quatro importantes diferenças:

a) destinatário (regime de sujeição): o poder de polícia é aplicado a todos osadministrados que estejam sob o mesmo contexto normativo social, conquanto o poderdisciplinar tem sua aplicação adstrita ao âmbito interno da Administração, alcançandoapenas aqueles que possuam uma relação específica (seja em razão de lei, contrato ouregulamento) com a Administração.

b) finalidade da aplicação: o poder de polícia consiste no poder­dever de regular asatividades de particulares, a fim de garantir o interesse público da coletividade; já

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o poder disciplinar representa a possibilidade de se punir internamente aqueles quemantêm um vínculo especial com o poder público.

c) fundamento de legitimidade: o poder de polícia decorre da supremacia geral,enquanto o poder disciplinar encontra alicerce na supremacia especial[10].

d) campo de atuação: no campo de atuação do poder de polícia o particular atua nainiciativa privada (direito próprio). No poder disciplinar, o particular adentra de algummodo na esfera pública, seja para exercer atividade de titularidade do estado ou utilizar­se de bem ou serviço público".

20. As sanções administrativas afetas ao exercício do poder disciplinar são a minoria naadministração pública, e não dizem respeito à atividade finalística das Agências Reguladoras, que é o móvel daconsulta em comento. As agências reguladoras foram criadas com o objetivo de dotar o Poder Público Federal deinstrumentos mais eficazes de regulação do mercado. EDSON NUNES e outros detalham[6]:

“Agências reguladoras atuam sobre setores vitais da economia, assumindo diferentesestatutos jurídicos, desde sua subordinação à administração pública direta até suaexistência como órgão independente (Noll, 1984). Do ponto de vista teórico, agênciassão instituídas para combater falhas de mercado, tais como assegurar a competitividadede setores da economia, diminuir custos de transação inerentes à provisão de benspúblicos, reduzir assimetrias de informação entre agentes econômicos, combaterexternalidades negativas advindas das interações econômicas, universalizar serviços epromover interesses dos consumidores (Przeworski, 1998).

21. A adoção do instituto jurídico da fixação de penalidades em instrumento infralegal(resolução), solução atípica no direito brasileiro, e que representa, na prática, verdadeira exceção ao art. 5.º ,inciso II da Constituição Federal, é, a meu ver, indicativa da volatilidade e das especificidades das condições doambiente regulado, em que a intervenção estatal exige um marco regulatório mais flexível, e que, eventualmente,uma conduta considerada prejudicial ao interesse público num determinado momento, pode tornar­se, a seguir,inofensiva e vice­versa.

22. Isso não significa, entretanto, como se presumiria na esfera penal, que a valoração social dainfração tenha variado, e sim, que o interesse público, que era efetivamente afetado por aquela conduta, hoje, emrazão das alterações do ambiente negocial, já não o é. Nem por isso, a eventual infração deixou de prejudicarinteresses públicos e privados, que devem ser reparados.

23. É certo que, com o decorrer do tempo, o órgão público pode vir a concluir que os motivostécnicos que fundamentavam a aplicação de sanções aos administrados eram, na verdade insubsistentes e nãoatendiam ao interesse público. Todavia, neste caso, a solução jurídica adequada não é a retroação da normaposterior que já não considera as condutas típicas e sim, a revogação da norma e dos atos administrativospraticados em decorrência dela, por lhes faltarem dois dos requisitos do ato administrativo válido, a motivação ea finalidade.

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24. Assim, os aspectos específicos do exercício do poder de polícia pela administração públicanão guardam correspondência com o âmbito de incidência da norma penal, e afastam, como regra, a retroação danorma administrativa mais benéfica.

25. Analisando a jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema,JOSÉ GALDINO[7] defende:

“A teoria da retroatividade da norma mais benéfica deve ser aplicada com moderação noprocesso administrativo, ante o maior dinamismo dessa seara jurídica e a diferençaontológica entre a sanção administrativa e a penal, bem assim em face da independênciaentre as instâncias. Transportar um princípio de um ramo do direito para outro exige certaponderação.

Não se está a afirmar, todavia, a impossibilidade de transposição dos princípios dodireito penal para o direito administrativo sancionador. Aliás, existe norma de direitonão penal que expressamente determina a aplicabilidade do referido princípio aosilícitos administrativo­tributários (art. 106, II, a e c, do CTN)".

26. Após citar alguns precedentes jurisprudenciais que consideram a retroatividade in bonampartem um princípio geral de direito, ele conclui:

“Os julgados acima retratados alçam a retroatividade benéfica como princípio geral dodireito, de modo que ele poderia ser aplicado no direito administrativo punitivoindependentemente de previsão legal, ao assentar que “A retroatividade in bonampartem é princípio geral de direito que impera independentemente de haver ou não amulta índole tributária. O simples fato de o direito ao tratamento mais benéfico estarpositivado apenas no CTN não afasta a incidência da lei posterior in mellius”.

Ocorre, todavia, que a transposição deve ser feita com reservas e mediante análiseespecífica do caso concreto e da sua norma de regência. Não se pode descurar, apropósito, que o Superior Tribunal de Justiça, em decisão anterior aos julgados acimacitados, proclamou ser inaplicável a disciplina jurídica do Código Tributário,referente à retroatividade da lei mais benéfica, às multas administrativas, porausência de pertinência temática:

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL ­ RECURSO ESPECIAL ­ CONSÓRCIOS ­FUNCIONAMENTO SEM AUTORIZAÇÃO ­ MULTA ADMINISTRATIVA ­PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA LEI TRIBUTÁRIA ­ IMPOSSIBILIDADE ­AUSÊNCIA DE PERTINÊNCIA TEMÁTICA DOS DISPOSITIVOS ­ FUNDAMENTOCONSTITUCIONAL ­ REEXAME DE PROVAS: SÚMULA 7/STJ. 1. Inaplicável adisciplina jurídica do Código Tributário Nacional, referente à retroatividade de leimais benéfica (art. 106 do CTN), às multas de natureza administrativa. Precedentes doSTJ. 2. Não se conhece do recurso especial, no tocante aos dispositivos que nãopossuem pertinência temática com o fundamento do acórdão recorrido, nem temcomando para infirmar o acórdão recorrido. 3. Inviável a reforma de acórdão, emrecurso especial, quanto a fundamento nitidamente constitucional (caráter

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confiscatório da multa administrativa). 4. É inadmissível o recurso especial se a análise

da pretensão da recorrente demanda o reexame de provas. 5. Recurso especialparcialmente conhecido e provido”. (RESP 201000134400, ELIANA CALMON, STJ ­SEGUNDA TURMA, DJE DATA:03/05/2010) – grifos ausentes no original.

Frise­se que o Superior Tribunal de Justiça não afirmou ser impossível a aplicação doreferido princípio da retroatividade benéfica na seara punitiva administrativa. Ainaplicabilidade do art. 106, do CTN, deu­se por impertinência temática, consoante textoda chamada da ementa acima transcrita, diga­se, inexistência de previsão legalespecífica sobre o tema, que determinasse a aplicação retroativa da lei nova maisbenéfica.

É indene de dúvidas, portanto, que, por regra, em matéria de multa administrativa seaplica a lei (lato sensu) vigente na época da ocorrência de seu fato gerador, por força dopostulado do tempus regit actum, adotado pelo art. 6°, do DL 4.657/42. É indene dedúvidas, igualmente, que a lei (latu sensu) não poderá retroagir para prejudicar o direitoadquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (art. 5º, XXXVI, da CF/88 e art. 6º, doDL 4.657/42).

Isso não que dizer, todavia, que uma lei punitiva administrativa não possa determinar suaaplicação retroativa (a fatos anteriores à sua vigência). Mas a norma somente poderáassim o fazer se for para beneficiar o imputado. E a determinação da retroatividadebenéfica deve constar expressamente da norma, que lhe guarde pertinênciatemática. Não cabe ao aplicador do direito o fazer sem que tenha previsão legalespecífica para tanto.

A regra é a aplicação da lei (lato sensu) vigente na data da ocorrência de seu fatogerador. Todavia, por meio de instrumento normativo de equivalente ou de superior grauhierárquico ao da norma vigente por ocasião da ocorrência do fato gerador, pode sobrevirlei nova mais benéfica ao imputado, sobre o mesmo tema, que expressamente determinesua retroatividade aos processos com objetos ainda não exauridos ou pendentes dejulgamento.

Com efeito, a norma de direito punitivo administrativo somente retroage se elaprópria assim determinar e somente para beneficiar o imputado. Não cabe, comoafirmou o STJ, aplicação de norma, como do CTN, fora da pertinência temática. A regraé a aplicação do postulado do tempus regit actum, que somente pode ser afastadoquando norma temática (específica) assim o determinar e somente para beneficiar oimputado.

Obviamente, se, eventualmente, uma lei punitiva administrativa determinar suaaplicabilidade aos processos administrativos em curso, indistintamente, sem qualquermenção quanto à sua incidência implicar ou não benefício ao imputado, deverá ointerprete conformá­la ao preceito constitucional que veda a retroatividade maléfica,fazendo incidir o postulado do tempus regit actum, que a lei somente pode afastar se forpara beneficiar o imputado”.

27. De modo mais enfático, após minudente estudo, conclui o procurador federal Bruno CésarMaciel Braga[8]:

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“Pois bem, estabelecido o pano de fundo necessário, chega­se uma pergunta defundamental relevância para o processo administrativo sancionador: é possível aaplicação retroativa da lei mais benéfica ao acusado de cometer uma infraçãoadministrativa?

Conquanto parte da doutrina aponte para uma resposta positiva ao questionamento oraformulado, isto é, para a possibilidade retroação da lei mais benéfica em favor doacusado de uma infração administrativa, parece mais adequado o entendimento oposto.

Abaixo, elenca­se algumas razões:

Em primeiro lugar, o texto da CR/88 (Art. 5°, inciso XL) contém uma regra geral que é airretroatividade da lei sancionadora penal, contendo uma exceção específica: salvo parabeneficiar o réu. A ressalva constitucional é para a aplicação retroativa mais favorável noâmbito do direito penal. E como norma de exceção deve ser interpretada restritivamente,ela não deve ter sua interpretação ampliada para alcançar o direito administrativo.

Segundo, o direito penal tutela bem jurídico distinto do direito administrativo. Na esferapenal há um gravame mais sério, muitas vezes relacionado à liberdade do indivíduo; jáno âmbito administrativo, as penalidades estão relacionadas, na maioria das vezes, apenalidades de cunho material (econômico). Deste modo, a retroatividade da lei maisbenéfica em material penal tem um viés humanitário que não se repete no campoadministrativo, não justificando igual retroatividade.

Ainda há uma terceira razão, consistente no fato de que o direito administrativo lida comuma realidade social muito dinâmica – diferente inclusive do que ocorre no direito penal–, regulando situações que mudam constantemente (exemplos: vigilância sanitária, meioambiente, saúde suplementar, defesa do consumidor, mercado de capitais, livre iniciativae concorrência no mercado, qualidade de produtos, mercado financeiro etc.[19]) e nãoaplicar a penalidade administrativa àqueles que praticaram conduta proibida, sob a égideda lei anterior, significa premiá­los com uma omissão estatal, que iria na contramão dopretendido caráter pedagógico e preventivo da sanção administrativa[20].

No ponto, bastante oportuna a menção/transcrição de julgado do STJ, o qual traz aindaum quarto argumento, relativo à insegurança jurídica que poderia ser gerada caso fosseadotada a posição que defende a retroação da lei mais benéfica.

“(...)6. A diferença ontológica entre a sanção administrativa e a penal permite atranspor com reservas o princípio da retroatividade. Conforme pondera Fábio MedinaOsório, "se no Brasil não há dúvidas quanto à retroatividade das normas penais maisbenéficas, parece­me prudente sustentar que o Direito Administrativo Sancionador,nesse ponto, não se equipara ao direito criminal, dado seu maior dinamismo".

7. No âmbito administrativo, a sedimentação de decisão proferida em PAD quecondena servidor faltoso (acusado de falta grave consistente na cobrança de custas emarrolamento em valor aproximadamente mil vezes maior) não pode estar sujeita aossabores da superveniente legislação sobre prescrição administrativa sem termo adquem que consolide a situação jurídica. Caso contrário, cria­se hipótese deinstabilidade que afronta diretamente o interesse da administração pública em manterem seus quadros apenas os servidores que respeitem as normas constitucionais e

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infraconstitucionais no exercício de suas funções, respeitadas as garantias do due

process.” (RMS 33.484/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDATURMA, julgado em 11/06/2013, DJe 01/08/2013) (g.n.)

Na mesma linha de pensamento, Rafael Munhoz de Mello:

“A regra é a irretroatividade das normas jurídicas, sendo certo que as leis são editadaspara regular situações futuras. O dispositivo constitucional que estabelece aretroatividade da lei penal mais benéfica funda­se em peculiaridades únicas do diretopenal, inexistentes no direito administrativo sancionador.

Com efeito, a retroatividade da lei penal mais benéfica tem por fundamento razõeshumanitárias, relacionadas diretamente à liberdade do criminoso, bem jurídicodiretamente atingido pela pena criminal. [...]

Por tais fundamentos, não se pode transportar para o direito administrativosancionador a norma penal da retroatividade da lei que extingue a infração ou tornamais amena a sanção punitiva. No direito administrativo sancionador aplica­se aoinfrator a lei vigente à época da adoção do comportamento ilícito, ainda que maisgrave que lei posteriormente editada. Diversamente do que ocorre no direito penal,assim, não há no direito administrativo sancionador o princípio da retroatividade dalei mais benéfica ao infrator.[21]”

Portanto, evidencia­se mais adequada e coerente a corrente que entende inaplicável oprincípio da retroatividade da lei mais beneficia no campo do direito administrativosancionador, sendo certo que o Art. 5°, inciso XL, da CR/88, ao estabelecer exceçãorelacionada apenas ao direito penal, traz consigo o chamado “silêncio eloquente”, aonão mencionar o direito administrativo na norma de exceção. ”

28. Nem se alegue, como o faz o Parecer n.º 152/2014/GECOS/PROGE­ANS/PGF (em trechocitado no relatório acima) que basta à retroatividade da norma administrativa mais benéfica a ponderação entreos interesses públicos e privados, sendo que “a ponderação deve atribuir maior peso relativo ao direitofundamental do administrado resultando na prevalência do princípio da retroatividade da lei penal mais benéficasobre a função pragmática da sanção administrativa”.

29. É que, em primeiro lugar, a questão não se resume a uma mera disputa entre os interesses “a

necessidade de reafirmar a autoridade da Agência” e “o interesse da operadora em não sofrer a aplicação dasanção”. Há, também, o interesse público no crédito não tributário representado pela multa fixada na resolução,que compõem o acervo de créditos da União e é necessária à manutenção das atividades regulatórias. Ao aplicara norma posterior mais benigna, a administração pública está abrindo mão de receita sem lei que a autorizeexpressamente.

30. Além disso, quer me parecer, com a devida vênia, que a credibilidade da ação fiscalizatóriado Estado, embora constitua um patrimônio imaterial, não é um bem desprezível e que deva ceder ao merocontraste com o interesse particular da operadora de planos de saúde. Ao contrário. Ela interessa a todos osadministrados, porque significa que a atuação da administração pública é necessária para a regulação domercado e seu aparato repressivo é efetivo.

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31. Essa credibilidade repercute, inclusive, nos servidores públicos encarregados deoperacionalizar essa fiscalização, pois quem valorizará seu trabalho, sabendo que a punição ora imposta amanhãpode, simplesmente, ser inutilizada pela mera alteração da resolução que a sustentava?

32. Analisando a importância da efetividade o aparato normativo das agências reguladoras para oefeito da “captura”, ANDRÉIA CRISTINA BAGATIN sustentou[9]:

“A três, a atuação das agências reguladoras independentes tende a justificar­se a partir deparâmetros estritamente técnicos. Para sua própria manutenção, é fundamental que asnormas por elas editadas sejam respeitadas ou que, pelo menos, não sejamdeliberadamente ignoradas pelos destinatários. Caso isso venha a ocorrer, a autoridadedas agências estará completamente aniquilada.

(...)

Depois, não se pode olvidar que um dos motivos para a criação de agências reguladorasindependentes no Brasil foi, justamente, a tentativa de viabilizar a credibilidadeinstitucional de que o país carecia. Essa “missão” assumida pelas agências reguladorasindependentes torna ainda mais problemáticas as situações em que se ignoram osmandamentos da agência reguladora independente. Afinal, se as agências reguladorasforam criadas com a finalidade de conceder um arcabouço institucional mínimo paraviabilizar os processos de liberalização, desestatização e privatização, sua eventualdesautorização coloca em foco não só as limitações dessas organizações estatais, mastambém põe em xeque o sucesso daqueles processos ”.

33. O simples fato de existirem precedentes jurisprudenciais favoráveis à tese da retroatividadeda norma administrativa mais benigna não autoriza, necessariamente, a adoção administrativa desseentendimento. A uma, a quase que totalidade dos precedentes jurisprudenciais referidos não dizem respeito àretroatividade benigna no ambiente das agências reguladoras. A duas, ainda que fossem específicos, a matérianão estaria pacificada, pois abundam nas diversas cortes federais precedentes contrários à tal retroação, algunsdos quais serão lembrados a seguir.

34. O Supremo Tribunal Federal ­ STF entende que a questão da retroatividade da lei maisbenéfica no campo do Direito Administrativo não é matéria Constitucional, como consta do tema 734 derepercussão geral abaixo reproduzido:

“Tema 734 ­ Retroatividade de lei posterior mais benéfica quanto à sanção de naturezaadministrativa aplicada em decorrência da prática de infração de trânsito.

EMENTA Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Aplicação retroativade lei mais benéfica às infrações de trânsito. Exegese das normas de trânsito.Interpretação realizada à luz das normas do Código Brasileiro de Trânsito revogado e dovigente. Matéria eminentemente infraconstitucional. Ausência de repercussão geral. 1.Não apresenta repercussão geral o recurso extraordinário que discute efeitos de normasde trânsito revogadoras e revogadas. 2. É pacífica a jurisprudência da Corte no sentido de

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que os conceitos dos institutos do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisajulgada não se encontram na Constituição Federal, senão na legislação ordinária, maisespecificamente na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. 3. Ausência derepercussão geral.” (RE 657871 RG, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, julgado em29/05/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe­225 DIVULG 14­11­2014 PUBLIC 17­11­2014 )

35. Mas na seara penal, o STF firmou que a retroatividade não é aplicável para normasprocessuais penais (o que, por si só, já desaconselharia a pretensão de transformar em regra a exceção daretroatividade):

“A Lei 12.403/2011, na parte em que alterou o quantum da pena máxima para concessãode fiança, é nitidamente processual e por isso se aplica o princípio do tempus regitactum, não o da retroatividade da lei penal mais benéfica.” (ARE 644.850‑ED, Rel. Min.Gilmar Mendes, julgamento em 18­10­2011, Segunda Turma, DJE de 4­11­2011.)

“A cláusula constitucional inscrita no art. 5º, XL, da Carta Política – que consagra oprincípio da irretroatividade da lex gravior – incide, no âmbito de sua aplicabilidade,unicamente, sobre as normas de direito penal material, que, no plano da tipificação, ouno da definição das penas aplicáveis, ou no da disciplinação do seu modo de execução,ou, ainda, no do reconhecimento das causas extintivas da punibilidade, agravem asituação jurídico ­penal do indiciado, do réu ou do condenado.” (AI 177.313‑AgR‑ED,Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 18­6­1996, Primeira Turma, DJ de 13­9­1996.)

36. Estabeleceu o STF, também, que tal retroatividade não é cabível na hipótese de exaurimentodos efeitos condenatórios

“Não retroatividade da lei mais benigna para alcançar pena já cumprida.” (RE395.269AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 10­2­2004, Segunda Turma, DJde 5­3­2004.)

37. No âmbito do Superior Tribunal de Justiça ­ STJ a corrente majoritária[10] é no sentido dainaplicabilidade da retroatividade de norma mais benéfica no âmbito do direito administrativo, conforme constaabaixo:

“DIREITO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃORETROATIVA DA REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 11.334/2006 AO ART. 218, III,DO CTB. A redação dada pela Lei n. 11.334/2006 ao art. 218, III, do CTB não pode seraplicada às infrações cometidas antes da vigência daquela lei, ainda que a nova redaçãoseja mais benéfica ao infrator do que a anterior. A regra constante no art. 218, III, doCódigo de Trânsito Brasileiro – CTB diz respeito a infração que não esteja tipificadacomo crime, mas apenas como infração de cunho administrativo consistente na

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direção em velocidade superior à máxima permitida. Assim, como não se trata de 11norma de natureza penal, não há como aplicar a retroatividade da norma maisbenéfica.” AgRg nos EDcl no REsp 1.281.027­SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques,julgado em 18/12/2012 (Informativo nº 0516. Destaquei).

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL ­ RECURSO ESPECIAL ­CONSÓRCIOS ­ FUNCIONAMENTO SEM AUTORIZAÇÃO ­ MULTAADMINISTRATIVA ­ PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA LEI TRIBUTÁRIA ­IMPOSSIBILIDADE ­ AUSÊNCIA DE PERTINÊNCIA TEMÁTICA DOSDISPOSITIVOS ­ FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL ­ REEXAME DE PROVAS:SÚMULA 7/STJ.

1. Inaplicável a disciplina jurídica do Código Tributário Nacional, referente àretroatividade de lei mais benéfica (art. 106 do CTN), às multas de naturezaadministrativa. Precedentes do STJ.

2. Não se conhece do recurso especial, no tocante aos dispositivos que não possuempertinência temática com o fundamento do acórdão recorrido, nem tem comando parainfirmar o acórdão recorrido.

3. Inviável a reforma de acórdão, em recurso especial, quanto a fundamento nitidamenteconstitucional (caráter confiscatório da multa administrativa).

4. É inadmissível o recurso especial se a análise da pretensão da recorrente demanda oreexame de provas.

5. Recurso especial parcialmente conhecido e provido.” (REsp 1176900/SP, Rel.Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/04/2010, DJe03/05/2010. Destaquei)

38. Mesmo na seara tributária, onde existe previsão de retroatividade benigna expressa, o STJ

julgou:

“PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DESCAMINHO.PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. VALOR DO TRIBUTO ILUDIDO.PARÂMETRO DE R$ 10.000,00. ELEVAÇÃO DO TETO, POR MEIO DE PORTARIADO MINISTÉRIO DA FAZENDA, PARA R$ 20.000,00. INSTRUMENTONORMATIVO INDEVIDO. FRAGMENTARIEDADE E SUBSIDIARIEDADE DODIREITO PENAL. INAPLICABILIDADE. LEI PENAL MAIS BENIGNA. NÃOINCIDÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Soa imponderável,contrária à razão e avessa ao senso comum tese jurídica que, apoiada em mera opção depolítica administrativo­fiscal, movida por interesses estatais conectados à conveniência,à economicidade e à eficiência administrativas, acaba por subordinar o exercício dajurisdição penal à iniciativa da autoridade fazendária. Sobrelevam, assim, asconveniências administrativo­fiscais do Procurador da Fazenda Nacional, que, aopromover o arquivamento, sem baixa na distribuição, dos autos das execuções fiscais dedébitos inscritos como Dívida Ativa da União, de valor consolidado igual ou inferior aR$ 10.000,00, determina, mercê da elástica interpretação dada pela jurisprudência dos

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tribunais superiores, o que a Polícia pode investigar, o que o Ministério Público pode

acusar e, o que é mais grave, o que o Judiciário pode julgar. 2. Semelhante esforçointerpretativo, a par de materializar, entre os jurisdicionados, tratamento penal desigual edesproporcional se considerada a jurisprudência usualmente aplicável aos autores decrimes contra o patrimônio, consubstancia, na prática, sistemática impunidade de autoresde crimes graves, decorrentes de burla ao pagamento de tributos devidos em virtude deimportação clandestina de mercadorias, amiúde associada a outras ilicitudes graves(como corrupção, ativa e passiva, e prevaricação) e que importam em considerávelprejuízo ao erário e, indiretamente, à coletividade. 3. Sem embargo, o Superior Tribunalde Justiça, ao julgar o Recurso Especial Representativo de Controvérsia n.1.112.748/TO, rendeu­se ao entendimento firmado no Supremo Tribunal Federal nosentido de que incide o princípio da insignificância no crime de descaminho quando ovalor do tributo iludido não ultrapassar o montante de R$ 10.000,00, de acordo com odisposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002. Ressalva pessoal do relator. 4. A partir da Lein. 10.522/2002, o Ministro da Fazenda não tem mais autorização para, por meio desimples portaria, alterar o valor definido como teto para o arquivamento deexecução fiscal sem baixa na distribuição. E o novo valor ­ R$ 20.000,00 ­ para talfim estabelecido pela Portaria MF n. 75/2012 do Ministério da Fazenda ­ que acentuaainda mais a absurdidade da incidência do princípio da insignificância penal,mormente se considerados os critérios usualmente invocados pela jurisprudência doSTF para regular hipóteses de crimes contra o patrimônio ­ não retroage paraalcançar delitos de descaminho praticados em data anterior à vigência da referidaportaria, porquanto não é equiparada a lei penal, em sentido estrito, que pudesse, sobtal natureza, reclamar a retroatividade benéfica, conforme disposto no art. 2º,parágrafo único, do CPP. 5. Agravo regimental não provido.” (AGRESP201202078439, ROGERIO SCHIETTI CRUZ, STJ ­ SEXTA TURMA, DJEDATA:09/02/2015. Destaquei)

39. Apreciando a temática da retroação, na seara ambiental (muito mais próxima do ambienteregulatório que o direito administrativo disciplinar), da norma de direito administrativo mais benéfica, aegrégia Segunda Turma do STJ julgou:

"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. NOVO CÓDIGO FLORESTAL (LEI12.651/2012). REQUERIMENTO. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO CONTRAACÓRDÃO. INVIABILIDADE. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. RECEBIMENTOCOMO EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC NÃOAPONTADA. AUTO DE INFRAÇÃO. IRRETROATIVIDADE DA LEI NOVA. ATOJURÍDICO PERFEITO. DIREITO ADQUIRIDO. ART. 6º, CAPUT, DA LEI DEINTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO.

1. Trata­se de requerimento apresentado pelo recorrente, proprietário rural, no bojo de"ação de anulação de ato c/c indenizatória", com intuito de ver reconhecida a falta deinteresse de agir superveniente do Ibama, em razão da entrada em vigor da Lei12.651/2012 (novo Código Florestal), que revogou o Código Florestal de 1965 (Lei

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4.771) e a Lei 7.754/1989. Argumenta que a nova legislação "o isentou da punição que oafligia", e que "seu ato não representa mais ilícito algum", estando, pois, "livre daspunições impostas". Numa palavra, afirma que a Lei 12.651/2012 procedera à anistia dosinfratores do Código Florestal de 1965, daí sem valor o auto de infração ambientallavrado contra si e a imposição de multa de R$ 1.500, por ocupação e exploraçãoirregulares, anteriores a julho de 2008, de Área de Preservação Permanente nas margensdo rio Santo Antônio.

2. O requerimento caracteriza, em verdade, pleito de reconsideração da decisão colegiadaproferida pela Segunda Turma, o que não é admitido pelo STJ. Nesse sentido: RCDESPno AgRg no Ag 1.285.896/MS, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Segunda Turma, DJe29.11.2010; AgRg nos EREsp 1.068.838/PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, CorteEspecial, DJe 11.11.2010; PET nos EDcl no AgRg no Ag 658.661/MG, Rel. MinistroAldir Passarinho Junior, Quarta Turma, DJe 17.3.2011; RCDESP no CC 107.155/MT,Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Segunda Seção, DJe 17.9.2010; RCDESP no Ag1.242.195/SP, Rel.

Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 3.9.2010. Por outro lado, impossívelreceber pedido de reconsideração como Embargos de Declaração, sob o manto doprincípio da fungibilidade recursal, pois não se levanta nenhuma das hipóteses do art.535 do CPC.

3. Precedente do STJ que faz valer, no campo ambiental­urbanístico, a norma maisrigorosa vigente à época dos fatos, e não a contemporânea ao julgamento da causa,menos protetora da Natureza: O "direito material aplicável à espécie é o então vigente àépoca dos fatos. In casu, Lei n. 6.766/79, art. 4º, III, que determinava, em sua redaçãooriginal, a 'faixa non aedificandi de 15 (quinze) metros de cada lado' do arroio" (REsp980.709/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 2.12.2008).

4. Ademais, como deixa claro o novo Código Florestal (art. 59), o legislador não anistiougeral e irrestritamente as infrações ou extinguiu a ilicitude de condutas anteriores a 22 dejulho de 2008, de modo a implicar perda superveniente de interesse de agir. Aocontrário, a recuperação do meio ambiente degradado nas chamadas áreas ruraisconsolidadas continua de rigor, agora por meio de procedimento administrativo, noâmbito de Programa de Regularização Ambiental ­ PRA, após a inscrição do imóvel noCadastro Ambiental Rural ­ CAR (§ 2°) e a assinatura de Termo de Compromisso (TC),valendo este como título extrajudicial (§ 3°). Apenas a partir daí "serão suspensas" assanções aplicadas ou aplicáveis (§ 5°, grifo acrescentado). Com o cumprimento dasobrigações previstas no PRA ou no TC, "as multas" (e só elas) "serão consideradasconvertidas em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meioambiente".

5. Ora, se os autos de infração e multas lavrados tivessem sido invalidados pelo novoCódigo ou houvesse sido decretada anistia geral e irrestrita das violações que lhe deramorigem, configuraria patente contradição e ofensa à lógica jurídica a mesma lei referir­sea "suspensão" e "conversão" daquilo que não mais existiria: o legislador não suspende,nem converte o nada jurídico.

Vale dizer, os autos de infração já constituídos permanecem válidos e blindados como

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atos jurídicos perfeitos que são ­ apenas a sua exigibilidade monetária fica suspensa naesfera administrativa, no aguardo do cumprimento integral das obrigações estabelecidasno PRA ou no TC. Tal basta para bem demonstrar que se mantém incólume o interesse deagir nas demandas judiciais em curso, não ocorrendo perda de objeto e extinção doprocesso sem resolução de mérito (CPC, art. 267, VI).

6. Pedido de reconsideração não conhecido." (PET no REsp 1240122/PR, Rel. MinistroHERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/10/2012, DJe19/12/2012)

40. Julgando arguição de inconstitucionalidade acerca da exigibilidade de multa administrativano âmbito do processo tributário, o egrégio Tribunal Regional Federal da 1.ª Região recusou a retroatividade danorma mais benigna, por entender não aplicável o permissivo do Código Tributário Nacional:

"ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE ­ MULTA ADMINISTRATIVA ­SONEGAÇÃO DE COBERTURA CAMBIAL ­ HIPÓTESE PREVISTA NO ART. 3ºDO DECRETO Nº 23.258/33 ­ REDAÇÃO ALTERADA PELO ART. 12, CAPUT, DALEI Nº 11.371/2006, MANTENDO, CONTUDO, NO § 2º, A PENALIDADE PARA OSFATOS OCORRIDOS ATÉ 03/8/2006 ­ DÉBITO DE NATUREZA NÃO­TRIBUTÁRIA ­ RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA ­ DISPOSITIVOS DOCÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL ­ SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, SÚMULANº 654 ­ INAPLICABILIDADE NA ESPÉCIE ­ PROCESSO ADMINISTRATIVOINICIADO EM 1986 E CONCLUÍDO EM 1995, ASSEGURADO À EMBARGANTEDIREITO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL ­ CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 5º,LIV ­ OFENSA NÃO DEMONSTRADA ­ INCONSTITUCIONALIDADEAFASTADA. (...)

(...)11 ­ Não dispondo o Banco Central do Brasil de competência para legislar, NÃO hácomo ser admitida, como ABSOLUTA, no caso, a aplicabilidade da Súmula nº 654 doSupremo Tribunal Federal. 12 ­ Tendo a NORMA LEGAL POSTERIOR MAISFAVORÁVEL ao infrator sua APLICABILIDADE LIMITADA a questões de naturezaCRIMINAL (Código Penal, art. 2º, parágrafo único) e TRIBUTÁRIA (Código TributárioNacional, art. 106, II), não há como estendê­la a questões de NATUREZA NÃO­TRIBUTÁRIA, hipótese destes autos. Logo, não sendo prevista, legal e expressamente, aaplicabilidade de norma posterior mais favorável, envolvendo dívida de NATUREZANÃO­TRIBUTÁRIA, não cabe à autoridade administrativa nem ao Judiciário fazê­lo,pois, ONDE O LEGISLADOR NÃO FEZ DISTINÇÃO, NÃO CABE AO INTÉRPRETEDA NORMA DISTINGUIR. 13 ­ Incabível, no caso, o argumento de que "não há porqueadmitir a retroatividade benéfica no que concerne à infração penal, mas rejeitá­la(sic) noconcernente à infração administrativa. Diante do princípio da unidade do injusto, ambasdevem ser tratadas de igual forma à vista de norma posterior mais benéfica". (Fls. 805.) 14­ Esta Egrégia Corte, em sintonia com jurisprudência dominante no VenerávelSuperior Tribunal de Justiça, tem decidido, reiteradamente, que NÃO SÃOAPLICÁVEIS DISPOSITIVOS DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL aOBRIGAÇÕES DE NATUREZA NÃO­TRIBUTÁRIA, notadamente quando

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resultantes de penalidade administrativa, AINDA QUE se trate de retroatividade de

lei MAIS FAVORÁVEL ao infrator. (...) (INAC 00002719020004013800,DESEMBARGADOR FEDERAL CATÃO ALVES, TRF1 ­ CORTE ESPECIAL, e­DJF1DATA:23/08/2013 PAGINA:24.)

41. Sob outro quadrante, é certo que a busca pelo cumprimento do princípio da legalidade noexercício da atividade de assessoria jurídica ao Poder Executivo Federal não está condicionada à pacificação dajurisprudência na matéria. Entretanto, a prudência e a razoabilidade – às quais a atividade de consultoria tambémdeve prestar homenagem ­ recomendam que, enquanto essa pacificação não ocorre, sejam preservados osinteresses públicos que residem tanto na defesa do ato administrativo cuja validez é inquestionável (como osautos de infração praticados segundo a legislação vigente à época da autuação) quanto a expectativa ou o efetivoingresso de receita decorrente da imposição da multa.

42. Vem à lembrança que, no âmbito do Poder Executivo Federal, a autorização, por excelência,para a renúncia a créditos e interesses de toda a administração pública federal, é formalizada em súmulasadministrativas de responsabilidade do Senhor Advogado­Geral da União. E, da justificativa dos atos que aspublicam constam, via de regra, precedentes que atestam orientação jurisprudencial consolidada e inequívocaem desfavor da administração pública. Trata­se de um zelo para com patrimônio público plenamente justificável,e do qual, s.m.j., se ressente a orientação firmada no âmbito da PROGE/ANS.

43. São esses os motivos que me levam, com a devida vênia, a dissentir do posicionamentofirmado pela Procuradoria Geral da ANS, no que respeita à possibilidade de retroação da norma administrativamais benigna no âmbito da regulação afeta àquela Agência.

44. Estabelecida, como regra geral, a impossibilidade da referida retroação, quer me parecer,s.m.j., prejudicados os demais questionamentos elencados no Aviso Ministerial que inaugurou este procedimento.É que, em se tratando de sanções administrativas já infligidas às operadoras de planos de saúde, com imposiçãode multas cobradas e/ou já pagas, sua revisão, pelos motivos acima expostos, dependeria (respeitado o dispostonos arts. 53 e 54 da Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999):

a) da comprovação da nulidade da autuação e/ou subsequente procedimento administrativo decobrança; ou

b) da existência de norma com status de lei ordinária que expressamente determinasse oafastamento ou minoração das penalidades decorridas anteriormente.

45. Ressalto que, caso se entenda que a plena resposta à consulta formulada no AvisoMinisterial n.º 537/GM/MS dependa, de toda sorte, o enfrentamento específico das questões indicadas nasalíneas “a” e “b” do referido aviso, será necessária a reabertura da instrução probatória, para um exameaprofundado da Resolução Normativa citada e de suas alterações.

46. Finalmente, observo que, em se tratando de consulta dirigida ao Senhor Advogado­Geral da

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União, a manifestação deste Departamento tem, s.m.j. caráter meramente informativo, pois avulta acompetência da Consultoria­Geral da União para assessorar a referida autoridade. Assim, caso aprovado esteparecer, devem os autos serem remetidos àquela repartição.

47. Nada obsta, entretanto, que cópia deste parecer seja enviado, desde logo, à PROGE/ANS,para ciência e as providências que considerar apropriadas.

Conclusão

48. Em razão do exposto, concluo:

a) a retroatividade da norma penal mais benéfica é regra de exceção e, ainda que estabelecidana Constituição Federal, deve ser interpretada restritivamente, haja vista a necessidade de prestigiar a regrageral do nosso sistema jurídico, que é a irretroatividade da lei, com a preservação dos atos jurídicos perfeitos,em especial quando sobre eles pairam a presunção de legalidade e legitimidade que imanta os atosadministrativos;

b) o suporte fático que sustenta a aplicabilidade da retroação da norma penal benigna nãocorresponde, via de regra, ao da seara administrativa e, em especial, àquele em que a administração públicaexercita seu poder de polícia;

c) há interesse público na credibilidade e correção da atividade fiscalizadora das agênciasreguladoras, que deve prevalecer sobre o interesse patrimonial e individual da empresa fiscalizada;

d) as multas decorrentes da ação fiscalizadora do Estado correspondem a um bem públiconecessário à manutenção das atividades finalísticas, e é vedada a renúncia às mesmas, ainda que sob a viainterposta da retroação de critério mais favorável, ressalvada expressa previsão legal; e

e) necessidade de encaminhamento do presente procedimento digital, caso aprovado esteparecer, à Consultoria­Geral da União, para as finalidades de estilo, com cópia à PROGE/ANS.

49. É o parecer, que ora submeto à elevada apreciação de Vossa Senhoria.

Brasília, 25 de setembro de 2015.

PEDRO WANDERLEI VIZÚ

PROCURADOR FEDERAL

De acordo.

À consideração do Senhor Procurador­Geral Federal, nos termos acima expostos.

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Brasília, 25 de setembro de 2015.

ANTONIO CARLOS SOARES MARTINS

Diretor do Departamento de Consultoria/PGF

Aprovo.

À Consultoria­Geral da União, para manifestação, com solicitação de posterior remessa aoSenhor Advogado­Geral da União.

Brasília, 25 de setembro de 2015.

RENATO RODRIGUES VIEIRA

Procurador­Geral Federal

[1] “Lei de Introdução ao Código Civil Interpretada”, 2.ª Edição, 1996, Editora Saraiva, fls.175/7.

[2] “Direito Administrativo Brasileiro”, Malheiros Editores, 17.ª Edição, 1992, fls. 82/3.

[3] “Direito Administrativo”, Editora Atlas S.A., 18.ª Edição, 2005, fls. 67/8.

[4] “Direito Constitucional”, Editora Atlas S.A., São Paulo, 18.ª Edição, 2005, pg. 295.

[5] “(Im)possibilidade de aplicação retroativa da lei mais benéfica no campo do direitoadministrativo sancionador” (http://ambito­juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13658&revista_caderno=4)

[6] “Agências Reguladoras no Brasil”, Edson Nunes, Leandro Molhano Ribeiro e Vitor Peixoto,sítio eletrônico “Observatório Universitário”, emhttp://www.observatoriouniversitario.org.br/documentos_de_trabalho/documentos

_de_trabalho_65.pdf

[7] “A aplicação do princípio da retroatividade benéfica no direito administrativo punitivo à luzda jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça” (http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=14242&revista_caderno=4)

[8] Vide nota 5.

[9] Em “O Problema da Captura das Agências Reguladoras Independentes”, Dissertaçãoapresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito, perante o Programa de Pós­Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Faculdade de Direito de São Paulo, 2010.(“http://www.teses.usp.br/”

[10] Registre­se, por amor à imparcialidade, a existência de precedente recente em sentidocontrário: REsp 1153083/MT, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, Rel. p/ Acórdão Ministra REGINA HELENACOSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/11/2014, DJe 19/11/2014.

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