Advérbios aspectuais
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REGINA MARIA VINK
ADVRBIOS ASPECTUAIS
Dissertao apresentada ao Curso de Ps-Graduao em Letras, rea de Concentrao-. Lingstica, do Setor de Cincias Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paran, para a obteno do grau de Mestre em Letras.
Orientadora: Prof.a Dr.a Elena Godoi
CURITIBA 2 0 0 0
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UFPR
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN SETOR DE CINCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES COORDENAO DO CURSO DE PS-GRADUAO EM LETRAS
P A R E C E R
Defesa de dissertao da Mestranda REGINA MARIA VINK, para obteno do ttulo de Mestre em Letras.
Os abaixo assinados Elena Godoi, Eidia Constantino Romn e Jos Borges Neto argram, nesta data, a candidata, a qual apresentou a dissertao:
"ADVERBIOS ASPECTUAIS. " Procedida a argio segundo o protocolo aprovado pelo
Colegiado do Curso, a Banca de parecer que a candidata est apta ao titulo de Mestre em Letras, tendo merecido os conceitos abaixo:
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"Quando estiver em dificuldades e pensar em
desistir, OLHE PARA TRS e lembre-se dos obstculos
que j superou. Se tropear e cair, levante-se. No
fique prostrado, OLHE PARA A FRENTE e esquea o
realizao pessoal, OLHE PARA DENTRO e sonde suas
motivaes. Antes que o egosmo o domine, enquanto
seu corao sensvel, OLHE PARA OS LADOS e
socorra aos que o cercam. Na escalada rumo a altas
posies , no af de concretizar seus passado. Ao
sentir-se orgulhoso por alguma sonhos, OLHE PARA
BAIXO e observe se no est pisando em algum. Em
todos os momentos da vida, seja qual for a sua
atividade, OLHE PARA CIMA e busque a aprovao de
Deus".
Texto extrado do jornal AEC- maio 99.
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w Ser professor um privilgio, ns
no podemos nos esquecer nunca disto.
Nossa formao nunca acaba, est sempre
comeando. S quem perde a capacidade de
se encantar diante do ser humano e da
histria da humanidade no reconhece isso.
O que no se pode perder a perplexidade
perante a vida e o outro".
JLIO AQUINO
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Dedico este trabalho a meu marido
Luiz Eduardo e a meus filhos Antonio
Caos e Joo Guilherme, que partilharam
comigo todos os momentos de angstia
e alegria.
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AGRADECIMENTOS
A Deus, que me deu a vida.
Profa. Dra. Elena Godoi, orientadora.
UNICENTRO , que me liberou para a realizao do Curso de Mestrado.
CAPES pela concesso de boisa de estudo dentro do regime PICDT.
A todos os professores e colegas do Ps-Graduao do Curso de
Mestrado da UFPR , que de uma ou outra forma contriburam para que
este trabalho fosse realizado.
A toda minha famlia e de modo muito especial a meus cunhados e
cunhadas pela compreenso, apoio, incentivo, carinho e pacincia.
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SUMRIO
RESUMO 7
ABSTRACT 8
INTRODUO 11
CAPTULO I
ADVRBIO E ASPECTO NAS GRAMTICAS TRADICIONAIS
1. Advrbios nas gramticas tradicionais 14
1.1. Jernimo Soares Barbosa (1803) 14
1.2. Napoleo Mendes de Almeida ( 1911) 15
1.3. Celso Cunha (1972) 16
1.4. Bechara (1986) 20
1.5. Bonfim (1988) 22
1.6. Perini (1995) 25
2. Aspecto nas gramticas tradicionais
2.1. Jernimo Soares Barbosa (1803) 29
2.2. Napoleo Mendes de Almeida (1911) 30
2.3. Celso Cunha (1985) 30
2.4. Bechara (1989) 32
CAPTULO II
ASPECTO NA LINGSTICA CONTEMPORNEA.
2.1 Comrie (1976) 34
2.2. Castilho (1968) 35
2.3. Travaglia (1985) 42
2.4. Mira Mateus et al(1984) 57
2.5. Godoi (1992) 70
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2.6. Perini (1995) 75
CAPTULO III
TRATAMENTO E ANLISE DOS ADVRBIOS NA LINGSTICA
CONTEMPORNEA.
3.1. Matoso Camara ( 1974) 77
3.2. Mira Mateus et al (1984) 78
3.3. Travaglia (1985) 78
3.4. Ilari (1985) 81
3.5. Costa (1990) 84
CAPTULO IV
ANLISE DA PROPOSTA DOS ADVRBIOS ASPECTUAIS DE CARLOTA
SMITHT(1978) 85
CAPTULO V
APLICAO DA PROPOSTA DE SMITH AOS DADOS DO VARSUL
5.1 Sentenas com um adverbial 116
CONSIDERAES FINAIS 130
REFERENCIAS BIBLIOGRFICAS 133
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RESUMO
Esta dissertao trata da questo da expresso temporal no Portugus e
fundamenta-se na proposta de Carlota Smith (1978), em que so discutidas as
caractersticas aspectuais dos advrbios de tempo. A relao existente entre
aspecto, tempo e advrbio que os adverbiais atuam na expresso do aspecto,
esto sempre relacionados ao tempo e, percebe-se que os adverbiais de uma
maneira geral indicam a conexo de tempo e precedncia, de delimitao e tambm
de incluso com a estrutura seqencial.
Nosso objetivo neste estudo desenvolver o estudo sobre a semntica dos
advrbios que contribuem para a interpretao temporal e aspectual, aplicar a
proposta de Smith aos dados do Portugus e tambm analisar a funo desses
advrbios na semntica de tempo / aspecto na lngua portuguesa.
O estudo composto por cinco captulos: Advrbios e Aspecto na gramtica
tradicional; Aspecto na lingstica contempornea; Tratamento e anlise dos
advrbios na lingstica contempornea; Anlise da proposta dos advrbios
aspectuais de Carlota Smith(1978) e Aplicao da proposta de Smith aos dados do
VARSUL.
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ABSTRACT
This dissertation deals with the matter of the temporal aspect in the
Portuguese language and it's based upon the proposal formulated by Carlota Smith
(1978), in which it's discussed the time adverbiais aspectual features and the
proposition that time and adverb can be regarded as a single class in the structure.
The author emphazises the interaction between adverbs and other elements in the
temporal specification and explains the adverbial within the sintatic configuration in
which it occurs.
The current relation among aspect, time and adverb is the one in which the
adverbiais contribute to the aspect utterance, are always related to time and, it can
be noticed , that in general, they indicate the relation between time and precedence,
of delimitation and also of inclusion with the seqencial structure.
It's our aim in this work to develop the study about the adverbs semantics
which contribute to the temporal and aspectual explanation, as well as to apply
Smith's proposal to the Portuguese language data and also to analyse the function
of these adverbs in its semantics.
As a result of the study performed we notice that the temporal specification
domain surpasses the sentence domains, and that the context plays a crucial role in
this explanation.
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INTRODUO
As classes gramaticais da lngua portuguesa j foram e continuam sendo
estudadas e abordadas sob os mais diferentes prismas. No entanto, algumas
dessas classes receberam um tratamento privilegiado, enquanto outras
categorias foram pouco estudadas e trabalhadas como por exemplo, os
advrbios.
Primeiramente, atendo-nos s definies contidas nas gramticas
tradicionais, observamos grande confuso na elaborao de conceitos em que se
misturam as noes sintticas e semnticas e muitas vezes, os autores ignoram
a existncia da aspecto em Portugus.
Partindo deste fato, buscou-se confrontar definies de vrias gramticas
tradicionais sobre os vrios conceitos dados aos advrbios, mostrar como os
gramticos classificam a categoria, quais as principais questes quanto a esta
classe e principalmente como se comportam os advrbios, quando ligados ao
tempo gramatical das sentenas.
Comeamos nosso trabalho pela descrio do estado de arte, onde
mostramos vrias colocaes de gramticos como Jernimo Soares Barbosa
(1803), de Mattoso Cmara (1974), de Celso Cunha (1985), Napoleo Mendes
de Almeida ( 1987), Evanildo Bechara (1989) , Mrio Perini (1995) e outros.
Destacam-se, neste primeiro captulo, as colocaes de Jernimo Soares
Barbosa (1803), em que o autor cita que o wadvrbio no outra coisa mais do
que uma reduo", ou seja, Barbosa v o advrbio como uma expresso
abreviada de uma preposio e de um complemento. Os outros gramticos
afirmam que o advrbio um modificador, um intensificador ou um qualificador.
Perini (1995) prope que, para afirmar que advrbio modifica determinadas
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classes entre as quais o prprio advrbio, seria necessrio rever o conceito de
"modificao" e interpretou a categoria como um misto de semntica e sintaxe,
pois a significao de um advrbio, para ele, depende de um complemento.
No Captulo II, viu-se a necessidade de aprofundar o estudo sobre
aspecto verbal, bem como a necessidade de se conhecer as diversas teorias e
colocaes para que se pudesse fazer uma anlise ampla da sintaxe e,
principalmente, interpretao semntica da expresso temporal do ingls
proposta por Smith (1978), que sero trabalhados no Captulo IV, para isso,
trabalhamos com textos e gramticas de autores contemporneos, que falam
sobre aspecto verbal, assunto pouco conhecido e pouco abordado pelos
estudiosos da lngua portuguesa e cuja conceituao varia muito, no tratado
como categoria verbal. O aspecto pode ser "a maneira de ser da ao", pode
ser " a indicao da durao do processo" e ainda pode " envolver tempo" e
outros conceitos que veremos no momento oportuno. Tambm veremos os
advrbios aspectuais, classificados pelas gramticas tradicionais como advrbios
de tempo, que aliados aos tempos gramaticais dos verbos nos daro a idia da
significao total da sentena.
Comeamos com o texto de Ataliba Castilho ( 1968), em que o autor
aborda o aspecto na lngua portuguesa, ela foi o pioneiro a abordar o assunto
que serviu de base para outros estudiosos. Depois, veremos o texto de Travaglia
( 1985), que baseado nos estudos de Castilho, apresentou um quadro de noes
aspectuais; Mira Mateus et al ( 1983) apresentam os diversos processos de que
o portugus dispe para a expresso da categoria aspecto como veremos no
Captulo II. Ilari (1985) faz um estudo sobre os advrbios aspectuais partindo de
dados coletados pelo projeto NURC, em que utiliza o portugus falado no Brasil.
Finalmente, trabalharemos com o texto de Godoi (1992) que prope a definio
12
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de duas categorias aspectuais: a perfectividade e a imperfectividade - em
termos da relao entre o tempo de referncia e o tempo de evento.
No Captulo III, trabalhar-se- com as diversas colocaes sobre
advrbios dentro da lingstica contempornea. Mira Mateus et al tm a mesma
posio dos gramticos tradicionais. Travaglia afirma que os adverbiais de
tempo tm bastante a ver com o aspecto, ou melhor, eles indicam o aspecto.
Ilari prope que "o aspecto propriedade da sentena e no da enunciao"
(p.154); Ilari ainda situa a classe dos advrbios como imprecisa e faz uma
anlise dos diversos adjuntos adverbiais do ponto de vista lingstico.
No Captulo IV, faremos um estudo da proposta de Carlota Smith
(1978), contida em seu artigo "Temporal Expressions in English", que servir
de base terica para a aplicao do modelo terico proposto pela autora,
modificado para acomodar os dados do portugus, usando entrevistas do
VARSUL. Optou-se por este artigo de 1978, mesmo existindo uma obra mais
recente da prpria Smith escrita em 1995, mas que no acrescenta nada ao
artigo de 1978, por isso, a preferncia pelo trabalho original, embora mais
antigo .
No Captulo V, faremos os mesmos testes que fez Smith para o ingls,
adaptados aos dados do VARSUL, assim como aplicaremos o modelo terico
proposto pela autora.
n
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CAPTULO I
ADVRBIO E ASPECTO NAS GRAMTICAS TRADICIONAIS
1. ADVRBIO NAS GRAMTICAS TRADICIONAIS
O advrbio visto na gramtica tradicional do portugus como uma
categoria modificadora do verbo, do adjetivo e do advrbio.
Partindo do conceito da gramtica tradicional que diz que o advrbio
"modifica" determinadas classes ( entre as quais o prprio advrbio) ,
apresentaremos neste primeiro captulo, o "estado da arte", em que sero
discutidos conceitos referentes aos advrbios inclusos em diversas gramticas
tradicionais da lngua portuguesa, que mostram que a classe de palavras
invarivel, modifica o verbo, um adjetivo, outro advrbio ou todo o enunciado
que expressa circunstncias, assim como apresentaremos os conceitos sobre
aspecto.
1.1. Jernimo Soares Barbosa (1803)
Para Jernimo Soares Barbosa (1803),
o advrbio no outra coisa mais do que uma reduo, ou expresso abreviada da preposio com seu complemento em uma s palavra indeclinvel, ou invarivel. Chama-se advrbio, porque, bem como a preposio com seu complemento se a junta a qualquer palavra de significao ou vaga ou relativa, para a modificar, restringindo-a ou completando-a, o mesmo faz o advrbio com mais conciso e brevidade . (p.234)
Poderamos dizer que se junta a uma preposio um complemento, seja
substantivo, adjetivo ou uma palavra modificada, restringindo ou
14
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complementando seu significado. Para exemplificar o que acabamos de dizer,
temos:
(1) Viver com cautela ( preposio com substantivo).
(2) Viver cautelosamente ( advrbio) .
Barbosa diferencia advrbios e nomes adverbiados, em que o advrbio
pode ser visto como uma reduo de uma palavra com seu complemento numa
s palavra. O autor cita o exemplo do advrbio "aqui" que compreende a
preposio "em" e o seu complemento "este logar" como se dissssemos "n
este logar" que uma palavra invarivel. Os nomes adverbiados so
considerados tambm como redues, mas podem variar, como por exemplo, a
palavra "certo", que pode variar em terminaes genricas como certa, certas,
certos, porm sua terminao masculina e neutra, no singular, adverbiada, e
claro, como prope Smith (1978) no seu artigo Interpretation Temporal
Expressions in English, o significado dessas palavras adverbiadas vai depender
do contexto. Nota-se que uma definio especial para os advrbios, porque se
diferencia de tudo o que aparece nas gramticas tradicionais.
1.2. Napoleo Mendes de Almeida ( 1911)
Napoleo Mendes de Almeida (1911) afirma na sua Gramtica Metdica da
Lngua Portuguesa que "advrbio toda palavra que pode modificar o verbo, o
adjetivo e, at, o prprio advrbio e cita trs aspectos em que se pode
considerar o advrbio que so: quanto circunstncia, quanto funo e quanto
forma "(p.316)
Quanto circunstncia necessrio que se observe a idia que o advrbio
encerra, ou seja, se um advrbio indica lugar ( aqui, ali), outro indica tempo
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( hoje, amanh), outro indica intensidade ( pouco, muito) outros encerram
diversas outras circunstncias.
Quanto funo, a mesma citada por outros autores em gramticas
tradicionais que diz "o advrbio uma palavra que modifica o verbo".(p.318)
Quanto forma, os advrbios dividem-se em advrbios propriamente ditos,
que se apresentam numa s palavra e, as locues adverbiais, que so
advrbios expressos por frases compostas de duas ou mais palavras.
Segundo Napoleo Mendes de Almeida (1911), h algumas palavras que
no podem ser enquadradas na conceituao e classificao do advrbio, nem
em nenhuma outra classe, tero de ser classificadas como palavras que
denotam excluso ( s, somente, unicamente),incluso (outrossim), situao
( quase, casualmente), designao ( eis), retificao ( alis), realce (nada).
1.3. Celso Cunha (1972)
Celso Cunha (1972) define advrbio como " palavras que se juntam a
verbos para exprimir circunstncias em que se desenvolve o processo verbal, e
a adjetivos para intensificar uma qualidade". ( p. 499)
Observa-se, porm, que os advrbios de afirmao, de negao e os
advrbios de dvida no se conciliam com esta proposta, no expressam
circunstncia, no so intensificadores e no dizem respeito ao processo verbal.
V-se que essas palavras, exceto sim e no, bem como as locues adverbiais
do mesmo tipo, revelam ou expressam uma opinio do locutor, ou sua dvida
sobre o enunciado ou parte dele. Observemos os exemplos :
( 3 ) Realmente choveu muito.
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Neste exemplo, h uma afirmao, porm no h denotao de
circunstncia, de uma particularidade que acompanha um fato.
(4) De fato ele se enganou.
De fato, expressa a opinio do locutor, que no diz respeito ao processo
verbal, nem o advrbio pode ser considerado um intensificador.
(5) Provavelmente hoje chover.
Neste exemplo tambm aparece a opinio do emissor e no se relaciona
com o processo verbal, devido ao fato que o verbo chover impessoal.
Celso Cunha ( 1987) diz ainda que "sob a denominao de advrbios
renem-se, tradicionalmente, palavras de natureza nominal e pronominal de
emprego muito diverso", (p.499)
Devido a esta colocao sobre advrbio, notou-se, como veremos adiante,
os lingistas esto reexaminando o conceito de advrbio, seja do ponto de vista
funcional, seja do ponto de vista semntico. Para Celso Cunha, os advrbios
recebem a denominao da circunstncia ou de outra idia acessria que
expressam ( idia de tempo, de lugar, de intensidade, de modo, etc.)
Veja-se ainda que, segundo Celso Cunha ( 1987) :
a) os advrbios chamados de intensidade podem reforar o sentido de
outro advrbio:
(6) A vida no lhes correra nem muito bem nem muito mal.( A. F.
Schimdt G B, 285) ( p.499)
b) certos advrbios aparecem modificando toda a orao:
(7) Os cachorros latiam desesperadamente.(J.L.do Rego,FM 288) (p.502)
Celso Cunha se apropria dos conceitos estabelecidos j pela Nomenclatura
Gramatical Brasileira, que distingue as seguintes espcies de advrbios:
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-
a)advrbios de afirmao: (s/m, certamente, deveras, realmente,
efetivamente, etc);
b)advrbios de intensidade :( muito, pouco, assaz, bastante, mais, menos,
to, meio, todo, demais, nada, quase, bem, mal, etc) ;
c) advrbios de lugar: (abaixo, acima, acol, c, l, aqui, l, a alm,
aqum, atrs, dentro, fora, perto, longe, atravs, etc);
d) advrbios de modo:( bem, mal, assim, depressa, devagar, alerta,
melhor, alis, calmamente, livremente, e quase todos os advrbios terminados
em mente);
e) advrbios de negao: ( no, tampouco = tambm no);
f) advrbios de tempo :( agora, hoje, amanh, depois, ontem, sempre,
nunca, jamais, ainda, logo, antes, cedo, tarde, ora, afinal, outrora, breve,
brevemente, imediatamente, finalmente, diariamente, etc);
Ainda so includos na classe dos advrbios , os interrogativos que indicam
circunstncias da causa, de lugar, de modo e de tempo nas interrogaes diretas
e indiretas:
a) de causa: por qu?
(8) Por que voc veio to triste?
b) De lugar: onde?
(9) Onde voc ps os livros?
c) de modo: como?
(10) Como est o projeto das obras?
d) de tempo : quando?
(11) Quando virs?
Celso Cunha denomina locuo adverbial como o "conjunto de duas ou mais
palavras que tem valor de advrbio e de regra, as locues adverbiais se
is
-
formam da associao de uma preposio com um substantivo, com um adjetivo
ou com um advrbio", (p.501)
(12) Meu pai batia-lhe no ombro em silncio. ( J. Amado)
(13) No, no vou por a! (J. Rgio)
Assim como a NGB divide os advrbios em vrias espcies, Celso Cunha
tambm classifica as locues adverbiais da seguinte forma (p.501):
a) de afirmao ou dvida: com certeza, por certo, sem dvida, etc.
b) de intensidade: de muito, de pouco, de todo, etc.
c) de lugar: direita, esquerda, distncia, ao lado, de dentro, de
cima, de longe, para dentro, por perto, por onde, por ali, por aqui, por fora, em
cima, de perto, etc.
d) de modo: toa, vontade, ao contrrio, ao lu, s claras, em geral,
em silncio, frente a frente.
e) De negao: de forma alguma, de modo algum, etc.
f) De tempo: noite, tardinha, de dia, de vez em quando, etc.
Celso Cunha cita os graus dos advrbios em que alguns deles classificados
como de modo, de tempo, lugar e intensidade so, semelhana dos adjetivos,
suscetveis de grau, conforme apresenta-se abaixo.
O grau comparativo pode ser dividido em: comparativo de igualdade( to
longe, to rapidamente), comparativo de superioridade que se divide em
analtico e sinttico, comparativo de inferioridade ( menos longe, menos
rapidamente), j o grau superlativo absoluto pode ser analtico ou sinttico.
Como analtico cita-se ( muito longe, muito rapidamente) e como sinttico cita-
se ( longssimo, rapidssimo).
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-
Na linguagem familiar, certos advrbios assumem forma diminutiva, mas
com idia de intensidade, a modo de superlativos; agorinha, cedinho, pertinho,
juntinho, devagarinho.
1.4. Evanildo Bechara (1986)
Bechara (1986), ao escrever a Moderna Gramtica Portuguesa, assim
como Celso Cunha tambm acha que "os advrbios denotam circunstncias ( de
lugar, de tempo, de intensidade, de condio, etc) (p.152)
(14) Aqui tudo vai bem. ( Aqui -lugar e bem- modo).
(15) Hoje no irei l. ( Hoje -tempo, no- negao e l- lugar)
Para Bechara, o advrbio constitudo por palavra de natureza nominal ou
pronominal e se refere geralmente ao verbo ou a um adjetivo, a um advrbio
ou a uma declarao inteira:
(16) Jos escreve bem. ( Advrbio em referncia ao verbo escreve)
(17) Jos muito bom escritor. (Advrbio em referncia ao adjetivo bom)
(18) Jos escreve muito bem. ( Advrbio em referncia ao advrbio bem).
(19)Felizmente Jos chegou. (Advrbio em referncia a toda declarao)
O advrbio estabelece a transio de vocbulos variveis para
invariveis; a rigor no tem flexo, porm h advrbios que admitem graus de
qualidade como os nomes.
Como circunstncias adverbiais expressas por advrbios ou locues
adverbiais, Bechara cita nas pginas 152-153 :
1) Assunto: Conversar sobre msica.
2) Causa: Morrer de fome.
3) Companhia: Sair com os amigos.
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4) Concesso ; Voltaram apesar do escuro.
5) Condio: S entrar com autorizao. No sair sem licena.
6) Conformidade; Fez a casa conforme a planta.
7) Dvida.- Talvez melhore o tempo.
8) Fim; Preparou-se para o baile.
9) Instrumento: Escrever com o lpis.
10) Intensidade; Andou mais depressa.
11) Lugar: Estuda aqui.
12) Modo: Falou muito devagar com o policial.
13) Referncia: O que nos sobra em glria de ousados e venturosos
navegantes, mingua-nos em fama de enrgicos e previdentes colonizadores.
(Latino Coelho)
14) Tempo: Visitaram-nos hoje.
15) Afirmao; Sim, eles viro.
16) Negao: No conseguir 1er sem os culos.
Como observao, Bechara cita que a NGB pe ainda os denotadores de
p.153 :
D Incluso: At o professor riu.
2) Excluso: S Deus imortal.
3) Situao: Mas que felicidade.
4) Retificao: Comprei cinco livros, alis seis.
5) Designao; Eis o homem.
6) Realce: No que somos brasileiros.
7) Expletivo: Vejam s que coisa horrvel!
8) Explicao; Eram trs irmos a saber: Pedro, Gilberto e Antonio.
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1.5. Bomfim (1988)
Observou-se que alguns gramticos tratam de forma especial os advrbios
de tempo e de lugar , que, embora possam parecer primeira vista os menos
problemticos, merecem comentrios especiais. No pacfico considerar que os
advrbios de tempo e lugar esto relacionados ao verbo, h um comportamento
diferenciado dos elementos integrantes dos grupos. Essa diferena prende-se a
fatores de ordem pragmtica que lida com os aspectos do contexto. Costuma-se
dizer que os advrbios de tempo respondem pergunta quando?
De acordo com Bomfim ( 1988), necessrio constituir subgrupos com
base numa afinidade semntica entre os componentes. Segundo os exemplos
que a autora cita, observamos que o advrbio se liga ao processo verbal.
Vejamos os exemplos (p.27):
(20) Joo dorme cedo/tarde.
(21) Joo falou cedo/tarde.
(22) Joo comeou a trabalhar cedo/tarde.
Com estes exemplos, a autora prope que no se pode afirmar que o
advrbio indica posio no tempo em relao ao momento em que se fala, a no
ser que esse seja entendido como um ponto neutro convencional, impreciso,
subjetivo, com relao ao qual houvesse uma anterioridade {cedo) ou
posterioridade (tarde). No entanto, do ponto de vista lingstico cedo/ tarde
podem coocorrer com outros indicadores de tempo (p. 28).
(23) Chegou hoje cedo.
(24) Vir amanh cedo.
Cedo/ tarde podem ser intensificados, mesmo que ocorram com outros
indicadores de tempo (p. 29):
22
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(25) O padeiro costuma passar bem cedo.
(26) O carteiro passou bem cedo hoje.
Se observamos outro advrbio de tempo hoje, notaremos que este indica
uma coincidncia entre o tempo do enunciado e o momento de sua emisso,
pois toma como ponto de referncia uma extenso definida, ou seja, o dia em
curso.
Hoje, indica o espao de 24 horas onde est inserido o momento da
enunciao.
Ontem e amanh indicam, respectivamente, o dia anterior ao de hoje e o
dia depois de hoje, ligados ao passado ou ao futuro. A posio dos advrbios
no interfere na interpretao na sentena. Vejamos os exemplos de Bomfin
(1988) (p.30):
(27) Joo chegou da Europa hoje.
(28) Hoje Joo chegou da Europa.
Percebe-se que ontem/hoje/amanh e similares se diferenciam do
subgrupo anterior cedo/tarde por: no serem passveis de intensificao; terem
um ponto de referncia no contexto lingstico do mesmo modo que os
pronomes. necessrio refletir sobre a pertinncia da incluso desses elementos
na classe dos advrbios. Observa-se que partilham com os advrbios a noo de
tempo e respondem quela pergunta (quando ?) mas, por outro lado, partilham
com os pronomes a dixis, a referncia e a possibilidade de exercer a funo de
sujeito.
Os advrbios antes/depois so passveis de intensificao, coocorrem com
outros indicadores de tempo, podem juntar-se a uma preposio para formar
uma locuo prepositiva e respondem pergunta: Quando? Exemplos de
Bomfin (1988) (p.32)
23
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(29) Venha depois do jantar.
(30) Chegou antes de mim.
Outro grupo de advrbios de tempo observado foi: nunca/sempre/ s
vezes, que, embora respondendo pergunta quando?, indicam freqncia,
hbito, repetio e esto mais ligados categoria de aspecto. Vejamos os
exemplos de Bomfin (1988) (p.34)
(31) Eu durmo sempre bem.
(32) Eu durmo bem sempre.
(33) Eu durmo sempre cedo.
(34) Eu durmo cedo sempre.
Observa-se que em (31) e (33) a freqncia pode incidir no modificador do
verbo e em (32) e (34) modifica toda a orao.
Nunca indica freqncia reduzida a zero, segundo Bomfim ( 1988) e por
isso, pode confundir-se com o tempo, ou seja, corresponde a tempo nenhum e
pode ser comprovado pela oposio nunca e sempre, onde nunca aparece como
freqncia negativa e sempre aparece como freqncia positiva.
Para concluir as colocaes sobre os advrbios de tempo, Bomfim cita o
advrbio agora que, para ela, est inserido no espao de 24 horas no momento
da enunciao, convencionalmente designado por hoje, ontem ( anterior),
amanh (posterior).
Porm, entendemos que os significados dos advrbios agora e hoje no se
restringem ao espao de 24 horas, podem significar um perodo de tempo bem
maior. Observemos os exemplos abaixo:
(35) Agora as lojas esto liquidando toda a mercadoria.
(36) Hoje as pessoas no se respeitam mais.
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-
Tanto no exemplo (35) como em (36), observamos claramente que os
advrbios agora e hoje no delimitam um espao de 24 horas, representam um
intervalo bem maior, um perodo de tempo.
1.6. Perini (1995)
Perini (1995) em sua " Gramtica descritiva do portugus" define o uso
do advrbio como um misto entre sintaxe e semntica, por entender que
"modificao" uma noo muito obscura. Quando usa o termo "obscura" ,
Perini est se referindo a todas as definies e conceitos existentes em
gramticas de autores consagrados e que precisam ser revistos, ou melhor, cada
palavra enquadrada como advrbio precisa ser analisada separadamente,
observando suas funes sintticas e semnticas na orao e nunca em conjunto
ou espcies como cita a gramtica tradicional.
As gramticas so repetitivas, na opinio de Perini, e ele prope que
"o estudo da gramtica de uma lngua no pode dispensar o estudo da teoria e
da metodologia lingstica", (p.35)
Quanto classe dos advrbios, Perini ( 1995), questiona a palavra
"modifica" que, segundo ele, inviabiliza a definio, pois sintaticamente a noo
de modificao parece referir-se ocorrncia dentro do constituinte. O autor
trabalha com um nmero reduzido de palavras que so tradicionalmente
chamadas de advrbios. Utiliza no, rapidamente, completamente, muito e
francamente, classificadas respectivamente como advrbios de negao, de
modo, de intensidade, de modo, de intensidade, de modo, classificao esta
interessante dentro da semntica , mas que dentro de um estudo sinttico
25
-
esta classificao no seria suficiente, visto que pode ocorrer uma modificao
quando observado dentro do contexto.
Perini coloca os advrbios citados em diversas funes sintticas como
veremos a seguir nos seus exemplos (339):
Negao verbal:
(37) Seu tio no apareceu na estao.
Intensificador:
(38) Almeida muito magro.
(39) Almeida estava completamente bbado.
Adjunto circunstancial:
(40) Ela ri muito.
Atributo:
(41) Terminamos a pintura rapidamente.
(42) Ela me revelou tudo francamente.
Adjunto adverbial:
(43) Ela decorou o apartamento completamente.
Adjunto oracional:
(44) Francamente,acho que ele nos enganou.
Atravs desses exemplos, observa-se que essas palavras podem ocupar
pelo menos seis funes e algumas delas podem ocupar mais de uma funo.
Partindo desta colocao, notamos que a classificao em advrbio " de modo",
"de intensidade" , no corresponde classificao sinttica encontrada e nota-
se que ser difcil estabelecer uma classe que englobe a totalidade ou quem
sabe a maioria das palavras denominadas "advrbios". Perini afirma nque neste
ponto a gramtica tradicional claramente inadequada", (p.340)
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-
Do ponto de vista semntico, a noo de modificao significa que um
. advrbio teria seu significado preso ao de um outro elemento, formando um todo
integrado semnticamente. Perini cita um exemplo: Quando dizemos corremos,
est se falando em ao; se dissermos corremos depressa exprime a mesma
ao, s que acrescida de algum ingrediente de significado de modo. ( p.340)
Do ponto de vista sinttico, Perini afirma que " a noo de modificao,
parece referir-se ocorrncia conjunta dentro de um constituinte: o que se
chama em sintaxe estar em construo com", (p.340)
Assim usando o mesmo exemplo corremos depressa, Perini diz que h
formao de um constituinte ( corremos est em construo com depressa).
Ns entendemos que no basta este argumento, pois se o advrbio fosse
definido como um elemento que est na construo com o verbo, qualquer
complemento que acompanhasse o verbo deveria ser adverbial. Se tivssemos
um exemplo como:
(45) Comi uma peixada. (p.340)
No poderamos aceitar a colocao acima, visto que "uma peixada" no
exemplo citado, est na construo com o verbo e, no entanto, no adverbial,
e sim um complemento verbal, um objeto.
Perini (1995) ainda critica em sua gramtica os autores no- tradicionais
que colocam a classe dos advrbios como elemento modificador do verbo,
talvez por no vislumbrarem outra alternativa.
Observamos tambm que se nos prendermos concepo informal de
advrbio como membro de uma lista de palavras, logo perceberemos que estas
listas no dizem muita coisa, a no ser a incoerncia de alguns professores de
Portugus que insistem a todo custo que seus alunos as decorem.
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Perini conclui dizendo que, para ele no h uma definio adequada
classe dos advrbios, e que, tal definio, deveria ser formulada em termos de
funes que estes desempenham quando esto em construo com o verbo. No
entanto, o autor insiste na idia de que sob o rtulo de advrbio se esconde uma
variedade irredutvel de classes.
Hoje, em algumas gramticas encontramos conceitos e observaes sobre
a estrutura e classificao dos advrbios que parecem ser uma retomada do que
Jernimo Soares Barbosa (1803) em sua Grammatica Philosophica da Lngua
Portuguesa em que, como vimos, prope que advrbio seria uma reduo ou
uma expresso abreviada de uma preposio com seu complemento em uma s
palavra e invarivel; pensa-se que uma s palavra seria entender o conjunto
entre preposies mais substantivos, ou ento, um grupo de palavras que do
idia de modificar, restringir ou completar o sentido de um verbo, de um
adjetivo ou de outro advrbio.
Percebe-se que dentro do estudo feito pelas gramticas tradicionais sobre
os advrbios, h grande confuso de conceitos dentro da morfologa, da sintaxe,
da semntica . Quanto s listas elaboradas pelos gramticos, h muito o que
questionar, pois muitos dos advrbios que encontramos nas oraes no fazem
parte de lista alguma.
(46) Estou em Curitiba.
Em Curitiba sem dvida um advrbio de lugar e no consta em lista
nenhuma.
Ao observar algumas gramticas tradicionais como a de Rocha Lima
(1946), de Silveira Bueno ( 1960), de Macambira (1970), verificou-se que
elas no diferem em nada, ou melhor, no acrescentam nada a mais do que as
outras gramticas normativas existentes no Brasil.
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1. 2. ASPECTO NAS GRAMTICAS TRADICIONAIS
At agora, analisamos alguns conceitos que as gramticas tradicionais
trazem sobre os advrbios que o objeto do nosso trabalho, porm achamos
conveniente observar o que as gramticos tradicionais falam sobre aspecto,
visto que nosso objetivo, como j dissemos desenvolver o estudo sobre a
semntica dos advrbios que contribuem para a interpretao temporal e
aspectual, pois, ao 1er sobre o assunto, notamos que alguns autores no fazem
qualquer referncia categoria, ou ento, quando se referem ao assunto o
fazem de forma complexa, pouco esclarecedora, tornando o tema ASPECTO mais
confuso ainda. Vejamos, ento, a posio de alguns gramticos:
2.1 Jernimo Soares Barbosa (1803)
Ao tomar conhecimento da Grammatica Philosophica da Lngua Portuguesa,
escrita em 1803, por Jernimo Soares Barbosa, observou-se que j naquela
poca, o autor ponderou que deveria existir algo mais que o tempo gramatical,
porm ele no utiliza o termo aspecto, mas mostrou-se preocupado em
correlacionar trs momentos distintos (p.150).
Ilari cita o autor1 quando escreve "A expresso do tempo em Portugus"
(1997 :p.l3), em que Soares Barbosa observa, no final do sculo XVIII, (p.150)
que no deveria ser algo to simples a relao de temporal e mostrou-se
preocupado com a necessidade de analisar cronologicamente trs momentos
distintos: o momento da fala, o momento em que a ao se realiza e um outro
1- Jernimo Soares Barbosa (1803)Grammatica Philosophica da Lngua Portuguesa.
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momento tomado como ponto de referncia suprido pelo texto que
corresponderia a ME-> MR -> MF, colocaes que mais tarde seriam usadas por
Reichenbach (1947) e adotadas por Smith (1978).
2.2 Napoleo Mendes de Almeida ( 1911)
Napoleo Mendes de Almeida (1911) no faz qualquer referncia
categoria aspecto em sua gramtica, tem como grande preocupao somente o
tempo gramatical que expresso e pode ser praticado em pocas diferentes e
assim nasce a flexo temporal, que visa indicar a poca, o tempo em que se
realiza a ao verbal, pode-se at dizer que se no houver flexo no ter-se-
tempo ( tempo semntico).
2.3. Celso Cunha (1985)
Cunha ( 1985) define aspecto " como uma categoria gramatical que
manifesta o ponto de vista do qual o locutor considera a ao expressa pelo
verbo". ( p.370)
Postula que o falante pode considerar a ao como concluda ou no
observada na sua durao, na sua repetio e que significa que so os verbos
auxiliares que transmitem ao contexto muitas vezes os diversos sentidos que
a sentena possa ter.
Celso Cunha admite assim, que os sentidos so determinados pelo verbo
auxiliar, visto que estes verbos fazem parte de locues verbais e que o verbo
principal pode aparecer ou no gerundio, ou no participio, ou no infinitivo .
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Vejamos os exemplos em que o autor mostra as oposies aspectuais
(p.370):
(47) Acabo de 1er Os Lusadas.{ pontual)
(48) Continuo a 1er Os Lusadas. ( durativo)
(49) Vou lendo Os Lusadas. ( contnuo)
(50) Voltei a 1er Os Lusadas, (descontnuo)
(51) Comecei a 1er Os Lusadas. ( incoativo)
(52) Acabei de 1er Os Lusadas. ( conclusivo)
Quanto aos exemplos (48) e (49) em que Cunha cita como aspectos
durativo e contnuo respectivamente, discordamos dessa classificao, visto que
para ns no h diferena aspectual, pois tanto num exemplo, quanto em outro
a ao contnua e limitada s questo de uso de nomes diferentes.
Em relao ao exemplo (47) e (52), o autor tambm usa termos
diferentes, mas que a nosso ver representam a mesma coisa, exceto pelo verbo
que no aspecto pontual apresenta-se no presente do indicativo e no conclusivo o
verbo est no pretrito perfeito, dando o aspecto perfectivo.
Cunha faz ainda oposies aspectuais entre a forma simples e a perfrase
durativa leio/ estou lendo, mas no especifica qual o aspecto nesse caso e,
ao se referir categoria o faz num sentido bem geral, no como categoria
verbal e tambm no se preocupa em sistematiz-la. Trata dos modos de ao
como aspecto, porm no consegue deixar claro suas colocaes, que ficam
confusas, reconhece a categoria aspecto nos verbos do portugus e tenta
incorporar sua gramtica, porm falta-lhe fundamentao terica.
-
2.4. Bechara (1989)
Bechara (1989) refere-se categoria aspecto, quando trabalha com os
verbos auxiliares, afirmando que o verbo auxiliar combinado com o infinitivo ou
com o gerndio determina os aspectos do momento da ao verbal. Baseados
nesta colocao de Bechara, notamos que no podemos citar a ao verbal
como aspecto e sim, como modos de ao verbal. Observa-se que o autor no
tem posio definida quanto categoria e que usou a definio de
Aktionsarten, ao dizer que "so aspectos do momento da ao verbal".
Ao compararmos as posies de Bechara e Celso Cunha, percebeu-se que
o primeiro no faz uma definio de aspecto a no ser indiretamente ao dizer
que so aspectos do momento de ao verbal o que nos leva mais para a
categoria tempo do que para o que chamamos de aspecto, que, como postulado
por Dowty (1979,1986) e posteriormente por Godoi (1992), concordamos que o
aspecto a relao estabelecida entre tempo de evento TE e tempo de
referncia TR. Celso Cunha se refere categoria aspecto, mas no a trata como
uma categoria verbal, no busca conceituar aspecto ou estabelecer um quadro
aspectual.
O que se observa a utilizao do termo aspecto sem qualquer
preocupao de sistematizar algo sobre o assunto.
Percebe-se que alguns autores como Mattoso Cmara, Celso Cunha,
Bechara deram os primeiros passos em direo categoria aspecto como uma
categoria lingstica, ou seja, j observavam que havia muito mais elementos
nos processos verbais e que poderiam mudar o rumo dos estudos gramaticais.
Outros autores como Rocha Lima, Silveira Bueno, Napoleo Mendes de Almeida
32
-
no fazem nenhuma referncia ao aspecto verbal em suas gramticas,
trabalham somente com voz, tempo e modo verbal.
Observamos que mesmo depois de vrios estudos feitos sobre a
categoria Aspecto Verbal por gramticos e lingistas, muitas dvidas
continuam, muitas teorias so levantadas e devido complexidade do assunto,
faz-se necessrio estudos exaustivos e detalhados sobre a categoria para que
se possa compreender as posies e colocaes, que continuam contraditrias e
confusas entre gramticos, lingistas e todos os estudiosos da lngua
portuguesa.
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-
CAPTULO II
ASPECTO NA LINGSTICA CONTEMPORNEA
Neste captulo, viu-se a necessidade de um estudo mais aprofundado sobre
a categoria aspecto, visto que, para realizar nosso trabalho, precisvamos deste
embasamento terico sem o qual no teramos fundamentao para elaborar
nossas argumentaes sobre o uso dos advrbios aspectuais no Portugus , bem
como para questionar seus empregos nos esquemas do Ingls elaborados por
Smith (1978), mesmo aps observar os estudos em que os advrbios aparecem
com a mesma conceituao das gramticas tradicionais, quanto ao aspecto,
pode-se dizer que os estudos esto mais avanados.
2.1 Com rie (1976)
Apesar da nossa preocupao com o aspecto em Portugus e , por isso,
trabalhar somente com lingistas brasileiros e portugueses, achamos que no
poderamos deixar de citar o trabalho de Comrie, por se tratar de um trabalho
clssico, antolgico dentro da lingstica contempornea.
Comrie (1976) afirma que alguns advrbios servem especificamente para
localizar uma situao ao momento presente, por exemplo, hoje (o dia incluindo
o momento presente), ontem ( o dia precedente ao dia incluindo o momento
presente), amanh ( o dia seguinte seguindo o dia incluindo o momento
presente) e Comrie considera estes tempos que na verdade so diticos como
referncia absoluta.
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-
Entendemos que h alguns advrbios que localizam uma situao
relacionada a algum ponto de referncia dado pelo contexto, como por exemplo,
um dia antes ou no dia seguinte. Percebe-se tambm que estas colocaes
dizem respeito comunicao interpessoal ( momento de fala) e tm
correspondentes na narrativa, ou seja, os advrbios de tempo podem, como
veremos adiante, segundo PERINI (1995) ser interpretados num misto de
sintaxe e semntica. Semnticamente, modificao significa que o advrbio teria
seu significado ligado a outro elemento, formando um todo integrado.
2.2 Castilho (1968)
Em Introduo ao Aspecto Verbal na Lngua Portuguesa (1968 ), Ataliba
Castilho analisa os recursos lexicais (o semantema do verbo) e os
morfossintticos ( a flexo temporal, os sufixos), os adjuntos adverbiais, as
perfrases, o complemento do verbo e tambm os tipos oracionais.
Quanto aos estudos sobre Aspecto em Portugus, Castilho pode ser
considerado o pioneiro, porque suas concluses serviram de base para que
outros lingistas pudessem se aprofundar no assunto. O autor faz um breve
histrico em que, alm das referncias ao estudo de aspecto por estudiosos de
vrios pases, anota algumas referncias de autores de Lngua Portuguesa como
Simes Ventura( 1921), que publicou "Reflexes sobre o Aspecto Verbal" em
Coimbra e Cludio Brando (1963) que publicou "Sintaxe Clssica Portuguesa"
tambm em Coimbra, sendo o assunto relevante dos dois autores a categoria
aspectual.
Castilho destaca tambm a contribuio de diferentes escolas lingsticas
ao estudo do aspecto, procura fazer distino entre aspecto e modo de ao,
35
-
explica que o objetivo do seu trabalho o estudo do quadro dos aspectos de
que a lngua dispe para sua expresso.
Para o autor, o aspecto indica "a durao da ao ou o desenvolvimento do
processo e do estado expressos pelo verbo, que significa dizer que o aspecto
consiste na representao espacial do processo" (p.41), ou seja, a categoria
que se reporta aos graus de realizao da ao. Castilho considera ainda os
adjuntos adverbiais como provocadores da noo aspectual. A representao
espacial seria a utilizao da categoria que permite a visualizao do processo
ou do estado como uma frao de tempo que dura, que ocupa uma parte na
linha do tempo. Esses adjuntos so sempre temporais e, na verdade, esto
envolvidos com os modos de ao, com o aspecto e a propriedade de telicidade
e atelicidade.
Ao usar a expresso telicidade, o autor se reporta aos verbos tlicos, que
so aqueles verbos em que a ao tende a um final ( morrer, cair, engolir,
nascer, explodir, etc.), se usssemos o exemplo :
(53) Joo caiu, teremos um verbo tlico, porm no uma ao que tende
a um final e sim um processo que terminou. Por outro lado, a noo de
atelicidade designa a ao que no tende a um final , representando o processo
em sua durao, da qual no se exige complemento para admitir sua existncia
( cantar, 1er, chover, mastigar, viver, escrever, etc).
Como exemplo, teramos:
(54) Joo est escrevendo .
No exemplo (54) observa-se que Joo comeou a escrever no se sabe
h quanto tempo ele est escrevendo e nem o quanto falta para que ele acabe
de escrever.
36
-
Os verbos tlicos atualizam o aspecto perfectivo e os verbos atlicos
atualizam o aspecto imperfectivo, porm existe a possibilidade de mudana de
classe atravs da flexo, dos adverbiais e dos complementos.
Partindo dessas noes, Castilho apresenta quatro valores aspectuais
bsicos; a durao, o complemento, a repetio e a neutralidade, que levam
o autor a estabelecer quatro aspectos em portugus: o imperfectivo, o
perfectivo, o iterativo e o indeterminado.
VALOR
Durao
Completamento
Repetio
Neutralidade
ASPECTO
Imperfectivo
Perfectivo
Iterativo
Indeterminado
O aspecto imperfectivo tem trs subtipos de acordo com o matiz da
durao presente. So os seguintes:
a) aspecto imperfectivo inceptivo que marca a "durao de que se
conhecem claramente os primeiros momentos, pressentindo-se o seguimento do
processo". Este aspecto apresenta duas subdivises:
o aspecto inceptivo ( comeo da ao puro e simples).
(55) Comea a, nesses primeiros meses invernosos de 22, a sua poca
de rapariga solteira, (p.62)
Com este exemplo, percebe-se que a orao comea, reforada pelo
advrbio a.
aspecto inceptivo incoativo que marca o comeo da ao e
conseqente mudana de estado:
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-
(56) Mas um dia (... ) a casa do velho amanheceu em polvorosa, (p.68)
Neste exemplo, intui-se que a conjuno adversativa faz com que se
perceba uma alterao do estado anterior.
b) aspecto imperfectivo cursivo que marca a "durao de que no se
reconhece o princpio nem o fim, apresentando o processo em seu pleno
desenvolvimento". Este aspecto tem duas variantes: o aspecto cursivo e o
cursivo progressivo que insiste num desenvolvimento gradual do processo e
indica a durao da qual se desconhece os limites.
( 57) A amizade entre os dois polticos estreitava-se, e disto alguns
tiraram o melhor proveito, (p. 76)
c) aspecto imperfectivo terminativo indica o trmino da ao aps ter
tido um perodo de durao.
(58) Terminada a festa, retiraram-se os candidatos, (p.79)
O aspecto perfectivo implica na indicao precisa do comeo e do fim
do processo, separados por um lapso de tempo extremamente curto e no
significativo. Castilho dividiu o perfectivo em trs tipos:
a) perfectivo pontuai que seria o perfectivo por excelncia
representado grficamente por um ponto; indica um processo que
acabado to logo comeado.
( 59) Fecho os olhos para no ver. (p.81)
Para Castilho (1967) o presente do verbo fechar - fecho- recebe o nome
de presente momentneo.
b) perfectivo resultativo que indica o resultado conseqente ao
acabamento da ao;
(60) Vim para me despedir, (p.88)
38
-
c) perfectivo cessativo onde se depreende da ao expressa pelo verbo
uma noo de negao que se reporta ao presente;
(61) O povo acreditou na revoluo pelos propsitos que alegadamente a
animaram e que, sem dvida, so aqueles a que nos refermos.(p.90)
O aspecto iterativo que surge da noo aspectual repetida considerada
como um verdadeiro coletivo de aes que podem ser durativas ou pontuais.
Muitas vezes, o iterativo se equipara ao freqentativo. Para Castilho, este
aspecto intermedirio entre o perfectivo e o imperfectivo, e o hbito surge
quando a repetio se faz inconsciente.
Aspecto iterativo imperfectivo:
(62) Eu sei que falam de mim. (p. 93)
Aspecto iterativo perfectivo:
(63) A todos que me procuravam para informar-se sobre o que estava
acontecendo, respondia que nada sabia. (p. 96)
O aspecto indeterminado se caracteriza por no ser nem imperfectivo
nem perfectivo e avesso no s expresso de aspecto, mas tambm
expresso de tempo, ou seja, expresso no marcada para o aspecto.
( 64) A Terra gira em torno do Sol. (p.103)
O iterativo pode ser tanto perfectivo como imperfectivo. Os verbos que
apresentam aspecto indeterminado so categorizados por Castilho como nem
perfectivo, nem imperfectivo, sendo avessos no s expresso aspecto, mas
tambm de tempo, neste tipo de aspecto so expressas frases que designam
verdades gerais, tambm chamadas gnmicas que se encontram, por exemplo,
em provrbios e aforismos.
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Para Castilho (1968/' a categoria tempo situa o processo num dado
momento e a partir de trs pontos de referncia: o prprio falante, o momento
em que se desenvolve outro processo e o momento em que se situa o falante,
deslocando-se, em pensamento, para o passado ou para o futuro" (p.15),
quando h desvio do ponto de referncia, h uma oscilao no sistema e
podemos subdividir o tempo em: tempos absolutos ( presente, passado e
futuro); tempos relativos ( imperfeito, mais que perfeito, futuro do subjuntivo e
futuro do presente) e ainda os tempos histricos (em que o sujeito se inclui na
histria, ou ento, assume a verdade de suas palavras.
(65) Napoleo desembainha sua espada, (p.16)
(66) Esta foi a deciso que mudar a histria do mundo, (p.16)
Castilho ainda prope que as categorias tempo e aspecto no so
exclusivas e, s vezes, coexistem na mesma forma, assim "pedia" pode tanto
indicar tempo passado, quanto aspecto durativo.
(67) O mendigo pedia esmola todos os dias. ( durativo + passado)
O autor atenta para o fato que o aspecto uma categoria verbal, mas
admite que outros elementos interajam na sua expresso, entre esses
elementos esto os adjuntos adverbiais, que, para Castilho, indicam que o
aspecto mais uma propriedade das sentenas ( enunciados) do que do verbo.
Outro fator que exerce grande influncia sobre o aspecto o contexto.
Castilho considera que a flexo verbal indeterminada, porque no
explicita seu papel na expresso das categorias tempo, aspecto e modo (modo
indica a atividade do sujeito em relao ao processo verbal, que pode ser
encarado como algo real (indicativo), eventual (subjuntivo) ou necessrio
(imperativo) e entende que uma forma temporal tambm pode assumir valores
no temporais, caso dos tempos de funo modal.
40
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(68) Se eu peo, ela me atende, (presente)
(69) Caiu. (pretrito)
(70) S lhe fao um pedido: Venha logo. (presente pelo futuro)
A noo aspectual "parece" concentrar-se na flexo. Assim, o autor adota
a classificao tradicional dos tempos verbais como veremos adiante. Travaglia,
em Aspecto Verbal do Portugus (1985), no entanto, pondera que a flexo
temporal indica aspecto, vinculando tempos flexionais a ele.
Quando se refere expresso do aspecto pela flexo verbal, Castilho
considera apenas os casos em que a noo aspectual no decorre da natureza
semntica do verbo, dos adjuntos adverbiais e do tipo oracional, mas parece
concentrar-se na flexo. Para o autor, os tempos do passado so os que mais
alteram a inclinao aspectual do verbo; o imperfeito e o perfeito se conjugados
com um verbo tlico o tornam iterativo: entretanto, se conjugados com um
verbo atlico confirmam-lhe a tendncia aspectual. Para Castilho, o contexto
exerce grande influncia sobre tudo e tambm sobre o aspecto.
(71) O que eu senti, (p.61)
Entende-se com o exemplo acima que a durao comea no passado, (
tenho sentido) lanando-se no presente.
(72) A velha Josefina chorou de alegria, (p.61)
O autor, em seus estudos, destaca a fonte da noo aspectual, sem
vincular aspectos a tempos.
O estudo feito por Castilho destaca-se por ser talvez um dos mais
detalhados realizado no Brasil. sem dvida, uma leitura indispensvel a todos
que necessitam conhecer o assunto com mais profundidade .
41
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2.3 Travaglia (1985)
Travaglia (1985) faz um estudo detalhado sobre o aspecto verbal no
portugus contemporneo no Brasil da perspectiva da competncia lingstica ,
com o objetivo de estabelecer o conjunto de possibilidades existentes no cdigo
lingstico do portugus baseado em inmeros exemplos e, muitas vezes,
apoiado em suas admirveis intuies. Travaglia prope "o estudo que faz se
coloca basicamente dentro da Semntica, utilizando elementos da Sintaxe, da
Morfologa e at da Fonologa", (p.22)
Procurou determinar os meios de expresso do aspecto, estudou como este
se manifesta, visto que o aspecto sofre influncia dos diversos elementos da
frase; observou os tipos de situaes indicadas pelos verbos que afetam a
atualizao da categoria de aspecto e como o fazem; observou a relao do
aspecto com as categorias verbais de tempo, modo e voz ; estabeleceu um
quadro das noes aspectuais que se expressam no Portugus e um quadro
correspondente de aspectos; verificou se o aspecto uma categoria
exclusivamente verbal ou se aparece tambm nos nomes e, finalmente registrou
influncias do aspecto na estruturao da frase, inclusive casos de
agramaticalidade devidos violao de restries ligadas ao aspecto.
Travaglia ( 1985 ) define o aspecto " como uma categoria verbal de
TEMPO, no ditica, atravs da qual se marca a situao e/ou suas fases, sendo
que estas podem ser consideradas sob diferentes pontos de vista, a saber: o do
desenvolvimento, o do complemento e o da realizao da situao", (p.53)
Quando se refere categoria verbal de TEMPO, Travaglia no esclarece se
est se referindo categoria morfo-sinttica, categoria semntica ou ao
mundo. Assim, o autor no explicita se o "aspecto" um recurso morfo-sinttico
42
-
para marcar a durao da situao ou um ponto de vista do falante sobre a
durao da situao, ou ainda uma possibilidade terica de marcar essa durao.
Assim como Castilho (1967), Travaglia estabelece primeiro o elenco das
noes aspectuais considerando durao, pontualidade e fases de
desenvolvimento da ao para, em seguida, apresentar o quadro de aspectos do
Portugus e aponta como meios de expresso do aspecto as flexes verbais, as
perfrases, o semantema verbal, os adjuntos adverbiais, o tipo oracional, a
repetio do verbo, a nfase entonacional, as preposies e o complemento do
verbo.
Cita , ainda, a atuao dos afixos e do sujeito na expresso do aspecto.
Estabelece tambm, as noes semnticas aspectuais presentes no verbo,
verificando se a noo semntica em questo uma noo temporal no-ditica
indicativa da durao da situao ou de uma de suas fases. A conjugao dos
meios de expresso do aspecto com as noes aspectuais leva o autor a
apresentar uma lista de aspectos que na verdade so modos de ao, e
Travaglia defende uma listagem dos "aspectos" dizendo que " esta permite uma
anlise aspectual melhor, por ser mais simples e completa a anlise com um
menor nmero de elementos( p.86)
A durao a primeira noo semntica aspectual e indica TEMPO de
desenvolvimento da situao. Pode ser qualificada como contnua, quando a
situao apresentada sem nenhuma interrupo no seu tempo de existncia,
ou descontnua, quando a situao se apresenta sofrendo interrupes na sua
durao, que cria a idia de repetio.
(73)Pedro ficar estudando por duas horas. ( durao contnua) (p.57 -
ex: 9a)
43
-
(74) D. Maria vai todos os dias na praia. ( durao descontnua) (p.58 -
ex:20)
Essas duraes podem ser limitadas ou ilimitadas, sendo que a primeira
ocorre quando se indica o seu incio ou fim ou valor de curta durao (1), ou
mesmo sem nenhuma limitao explcita, a situao sentida intuitivamente
pelo falante como de durao finita e na segunda, os limites da durao no so
conhecidos nem sugeridos.
Travaglia afirma que, para determinar o aspecto, necessrio descobrir se
a durao limitada ou ilimitada, porm ele no diz como se faz isto.
As noes aspectuais consideradas por Travaglia so, na verdade, os
traos semnticos aspectuais propostos pela literatura estruturalista sobre
aspecto.
As noes aspectuais durao e no / durao aparecem normalmente em
frases indicativas de situaes "eternas" ou sentidas como tal numa dada poca,
pode acontecer ainda, de uma situao ser atemporal, ou seja, no atualizam a
categoria tempo em que indicam coisas vlidas para o tempo todo e podem ser
representadas, por exemplo, hbitos representados geralmente pelo tempo
presente e que Mira Mateus denomina de gnmico, cujo aspecto o
imperfectivo, por exemplo:
(75) Os ngulos internos do tringulo somem 180 graus. ( A soma dos
ngulos internos 180 graus antes do momento da fala, no tempo da fala e
continua sendo 180 graus), (p.101 - ex:172)
(76) Nunca somos suficientemente prudentes. ( Tanto hoje, como ontem,
como amanh), (p 101- ex: 176)
(77) O ano tem 365 dias. (p.101- ex: 173)
44
-
Pode-se observar que, mesmo tendo nos exemplos (75), (76) e (77) acima,
verbos no presente do indicativo, o perfeito e o futuro do presente como
tempos flexionais, no podemos garantir que a tenhamos a categoria de
tempo atualizada em presente, passado e futuro, visto que so verdades eternas
e estes verbos podem estar em qualquer tempo, que no vai alterar o
significado.
Em oposio durao, ocorre a no-durao ou pontualidade, que o
caso da situao cujo incio e trmino ocorrem no mesmo instante ou separados
por um lapso de TEMPO curto, de tal forma que a situao concebida como
pontual
(78) O menino pega a pedra e a joga no vidro.
Em seguida, Travaglia passa da durao ao tratamento das fases da
situao, que, do ponto de vista da realizao so trs:
a) por comear, a ao ainda no comeou, a situao apresentada
como algo por fazer ou ocorrer:
(79) Seu irmo est para chegar.(p.62 - ex: 36)
A ao no comeou ainda e pode ser que nem venha a comear.
b) no- acabado ou comeado.
(80) Os rapazes continuam jogando futebol apesar da chuva, (p.110 -
ex: 38 )
Em (80), observa-se que a situao est se realizando, apresenta uma
ao j iniciada, se desenvolvendo, portanto, uma situao no acabada.
a) acabado, o desenrolar da ao j acabou, se caracteriza por apresentar
a situao aps seu momento de trmino.
(81) Maria leu o livro, (p.lll- ex:40)
(82) Mame acaba de fazer um bolo.( p.63 - ex:43)
45
-
Nos dois exemplos (81) e (82) a ao comeou e terminou . No exemplo
(84), tem-se a noo aspectual e junto h a expresso temporal de passado
recente devido a presena do verbo no presente do indicativo + de + infinitivo,
a situao tambm vista como acabada.
Do ponto de vista do desenvolvimento, as fases da situao, para
Travaglia, se dividem em incio que chamou de incepo ou inceptividade,
meio que denominou cursividade e fim que chamou de terminatividade. A
incepo aparece quando a situao est em seu ponto inicial; a cursividade se
caracteriza pela situao em pleno desenvolvimento e, finalmente, a
terminatividade quando a situao est em seu ponto de trmino.
O ltimo grupo das noes aspectuais ligadas s fases da situao o das
noes caracterizadas pela fase sob o ponto de vista do completamento. Tem-
se a a situao completa e a incompleta; na primeira, a situao se mostra
em sua totalidade, como um todo indivisvel ( comeo, meio e fim) e, na
segunda a situao se caracteriza pela incompletude.
Depois de estabelecidas as noes aspectuais, Travaglia classifica os
aspectos no Portugus como: perfectivo, imperfectivo, durativo, indeterminado,
iterativo, habitual, pontual, no-comeado, no-acabado ou comeado, acabado,
inceptivo, cursivo, terminativo e no-aspecto ou ausncia de noes aspectuais,
onde no h referncia durao e s fases da situao, como veremos a
seguir:
Perfectivo: caracterizado por apresentar a situao como completa,
isto , em sua totalidade. O todo da situao apresentado como um todo
nico, com comeo, meio e fim englobados juntos.
(83) Antonio ouviu msica o dia todo.(p.96- ex:10)
46
-
(84) Eu estive doente, por isso faltei a duas aulas, (p.96 - ex:82)
H, porm, exemplos do prprio Travaglia que contradizem esta afirmao.
Vejamos:
(85) Maria ficou olhando as fotos durante vrias horas.(p.96-ex:40)
Com este exemplo, no se pode afirmar que a situao est realmente
completa porque "ficou olhando durante vrias horas" , no garante que ela j
acabou de olhar, pode significar que Maria ainda esteja olhando.
(86) O amor dos tios foi transformando aquela criana.(p.100- ex:69)
Pode-se dizer que o amor transformou e pode estar transformando at
hoje.
Imperfectivo: caracterizado por apresentar a situao como incompleta,
isto , no se tem o todo da situao e, por isso, normalmente ela
apresentada em uma de suas fases de desenvolvimento. Isto equivale a dizer
que, normalmente, a noo que caracteriza o aspecto imperfectivo aparece
juntamente com as noes aspectuais representadas pelas fases do
desenvolvimento da situao.
(87) Estou escrevendo h dias e comeo a sentir-me fatigado, (p.98-
ex.161)
A distino perfectivo x imperfectivo, como afirma Comrie (1976), causa
muitas vezes certa dificuldade de entendimento, porque as noes bsicas para
o estabelecimento da oposio no so colocadas adequadamente.
No perfectivo, h a falta de referncia explcita constituio temporal
interna de uma situao. Talvez por isso seja possvel que as formas perfectivas
se usem em situaes que so internamente complexas, tais como aquelas que
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-
perduram por um considervel perodo de tempo ou incluem um nmero de
fases internas distintas desde que o todo da situao seja tratado como um
conjunto nico.
O durativo indica situao de durao contnua e limitada, por exemplo:
(88) Ele estava nadando desde as seis horas da manh, (p.100- ex:
8a)
Quando Travaglia se refere situao durativa, afirma que em algumas
situaes pontuais, s vezes, elas podem ser apresentadas como durativas.
(89) O treinador do time esteve doente, (p.79 - ex:114)
E/ou o trmino de uma situao durativa:
(90) A bomba explodiu ao meio-dia. (p.79 - ex:112)
E ainda afirma na p.79 " que os eventos por serem situaes pontuais
no deveriam ser usados com o aspecto imperfectivo, mas algumas vezes o
so". Nestes casos, o falante apresenta a situao pontual como incompleta e
durativa.
( 91) O rapaz est pulando o muro. (p.79 - ex:114)
Temos a o efeito de cmara lenta.
O indeterminado indica situao de durao contnua e ilimitada, porm
precisa-se notar que ilimitada no quer dizer infinita e sim sem limites
conhecidos, ainda que intuitivamente. Como veremos adiante, o aspecto
indeterminado de Travaglia corresponde ao gnmico de Mira Mateus (p.98).
Segundo Travaglia, as frases que apresentam aspecto indeterminado tm
basicamente as seguintes funes:
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-
a) apresentar verdades eternas ou tidas como tais;
(92) Os ngulos internos do tringulo somam 180 graus. (p.101 - ex:
172)
b) caracterizar seres ou coisas;
(93) A zebra herbvora, (p.102 - ex: 180)
c) definir seres e coisas;
(94) Lmpada - objeto que serve para iluminar, (p.102 -ex: 183)
Para Castilho (1967), o indeterminado no pode ser caracterizado nem
como perfectivo, nem como imperfectivo, pois muitas vezes, os exemplos de
aspecto indeterminado so frases onitemporais que expressam as verdades
gerais ou gnmicas presentes em provrbios ou informaes de carter geral.
(95) A Terra gira em torno do Sol.( p.57 - ex:12)
O iterativo mostra a situao como de durao descontnua limitada,
segundo a colocao de Travaglia. J, na opinio de Castilho, o iterativo tem
caractersticas durativas e pontuais. O que vai determinar essa quantificao
so os advrbios. Vejamos os exemplos:
(96) Ela me acenou vrias vezes. ( Travaglia p.102 - ex: 187)
(97) Celina anda perguntando por voc. (Travaglia p.231- ex:918)
O modo de repetio normalmente marcado por meios lexicais, a
freqncia da repetio em (96) marcada pelo adjunto adverbial vrias vezes
e, que de certa forma acaba quantificando e dando regularidade repetio. Em
(97), temos o aspecto iterativo marcado pela perfrase.
O habitual o aspecto que apresenta a situao como tendo durao
descontnua ilimitada.
49
-
(98) Eu usava fumar aps as refeies, (p. 104- ex: 198)
(99) Se fica sem dormir ele adoece, (p. 104- ex: 200)
Travaglia ao se referir habitualidade, incoerente, visto que ele
mesmo cita que a distino entre durao limitada e ilimitada como real.
Conforme observa-se na citao abaixo:
Considerando o fato que a habitualidade no uma noo aspectual poder-se-ia propor a reunio dos aspectos iterativo e habitual num s aspecto, j que ambos se caracterizam basicamente pela repetio originada de durao descontnua. Isto, entretanto, esta reunio implicaria em desconsiderar a distino entre durao limitada e ilimitada, que real e representada por duas noes aspectuais distintas, (p.104)
Castilho (p.92) faz tambm uma observao a esse respeito: "pode a
repetio ser ou consciente, intencional ou automtica, rotineira, que o caso
onde teremos o hbito".
(100) Paulo fuma muito, (p.105 - ex: 205)
Para Travaglia, o aspecto pontual caracterizado por apresentar a
situao como pontual, como no tendo durao, porm alguns exemplos seus
no confirmam isto.
(101) Caxias ataca o inimigo e vence-o. ( pontual, sem durao) (p.107-
ex: 219)
(102) Raulzinho pega a bola e atira para Roberto, (p.106- ex: 215 ) .
Neste exemplo temos o fato narrado no instante em que ocorre.
Observa-se no exemplo ( 101) que, por estar no presente do indicativo,
para Travaglia, indica aspecto pontual perfectivo acabado. O pontual no
acabado quando a forma verbal aparece no presente do indicativo e, na
concepo de Travaglia, o aspecto pontual perfectivo aparece nas formas
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-
verbais do presente e do pretrito perfeito e com verbos indicando
instantaneidade.
Na nossa opinio, a situao pontual no existe, pois qualquer situao ter
durao por menor que seja.
Castilho (p.81), quanto ao aspecto pontual, aponta os verbos partir,
descobrir, apagar, fechar como pontuais e tlicos, sendo que, para ele, estes
verbos indicam um processo acabado to logo comeado. Vejamos os
exemplos:
(103) Caxias ataca e vence o inimigo, (p.107 - ex: 219)
(104) Subitamente, os sbios descobriram segredos que os telogos at
aquela data supunham apenas pertencerem a Deus. (p.80 - ex:68)
A presena ou no do aspecto pontual pode ser detectada pela presena ou
no de colocao de uma adjunto adverbial durativo. Esse advrbio serve s
vezes apenas para indicar a mudana da situao e no a pontualidade.
(105) Ele corria h cinco horas. ( p.153 - ex:349 b)
(106) Ricardo estudava h trs dias. ( p.99 - ex:166 b)
Observa-se que, se o adjunto adverbial for tomado como pontual nos
exemplos (105) e (106) , a frase ter valor cursivo e o adjunto adverbial
marcar um momento em que a situao estava ocorrendo.
Tanto Castilho, como Travaglia consideram o aspecto pontual as situaes
com verbos no presente do indicativo ou no pretrito perfeito.
(107) Achei seu anel dentro da gaveta do criado. ( p.107 -ex: 222)
Para marcar aspecto pontual com verbo no pretrito perfeito necessrio
que estes verbos indiquem situaes estritamente pontuais.
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-
O aspecto no-comeado mostra a situao na fase anterior ao inicio de
sua realizao, ou seja, como algo que est por comear.
( 108) Pedro est para emoldurar o quadro, (p. 109 - ex:35)
Entretanto, quando a situao est em realizao, ou seja, aps o seu
momento de incio e antes do seu momento de trmino, tem-se o no-
acabado ou comeado, que, tal como o imperfectivo, apresenta uma situao
em desenvolvimento, uma situao incompleta.
(109) Minha cabea tem dodo muito, (p.110 - ex:llc)
Este exemplo (109), que Travaglia coloca como no-acabado ou comeado,
pode ser visto tambm como inceptivo, cursivo, iterativo e imperfectivo.
O aspecto acabado apresenta a situao aps o seu momento de trmino,
ou seja, como concluda, acabada, terminada.
(110) Mara leu o livro. (p.Ill- ex:40)
(111) Quando eles voltarem, j terei preparado o lanche,
(p.lll- ex:59)
O inceptivo mostra a situao em seu ponto de incio ou seus primeiros
momentos.
( 112) Os marceneiros esto comeando a armar o telhado, (p.112- ex:
44)
So normalmente usadas as perfrases ir + gerundio:
(113) Pedro ia caminhando pelas ruas enquanto pensava em seu problema.
(p.224 - ex: 854)
52
-
Quando o tempo gramatical o pretrito imperfeito para falar de uma
ao na qual s se deu o primeiro passo, mostrando que a ao comeou, est
se desenvolvendo, mas no se realizou.
(114) Jos comeou a falar na segunda aula. (p.112 - ex:106)
O cursivo se caracteriza por apresentar a situao em pleno
desenvolvimento, ou seja, esta concebida como tendo passado seus primeiros
momentos e ainda no tendo atingido seu final. Pensamos que o cursivo
tambm pode ser classificado como imperfectivo, visto que apresenta situao
incompleta.
(115) Os rapazes continuam jogando apesar da chuva. (
p.112- ex:38)
(116) A mistura ia endurecendo lentamente.(p.112- ex:165)
, talvez, estranho falar em pleno desenvolvimento, porm neste sentido
que uma frase indica estado e tem aspecto cursivo. Tambm encontramos
aspecto iterativo, devido durao descontnua, pode parecer estranho falar em
aspecto cursivo. Mas preciso lembrar que estamos falando em cursividade da
situao criada pela repetio e no de cada realizao da situao que se
repete.
( 117) Minha cabea tem dodo muito, (p.110 - ex:l lc)
A situao em (117) est em realizao, aps seu momento de incio e
antes do seu momento de trmino, podemos dizer que temos o aspecto no-
acabado ou comeado.
-
O aspecto terminativo que se caracteriza por apresentar a situao nos
ltimos momentos ou em seu momento de trmino, percebido facilmente no
exemplo:
(118) Raquel terminava de escrever a carta, quando o telefone tocou.
(p.113 - ex:53J
Finalmente, o no aspecto se caracteriza pela ausncia da noo
aspectual na frase, ou seja, no h referncia durao ou s fases da situao,
pois a categoria de aspecto no ter sido atualizada.
(119) Voc tem de prestar ateno, (p.115 - ex: 237)
(120)Se ele pagar a taxa at amanh, no haver problema, (p.115- ex:
241)
No entanto, essa noo no fica clara no decorrer do trabalho em questo,
no sendo explicados os motivos pelos quais o aspecto no atualizado na frase
e entendemos que a noo no-aspecto no faz sentido, partindo do
pressuposto de que a flexo verbal indica aspecto.
Travaglia pondera que as noes aspectuais se combinam para resultar
nos aspectos. Ele faz apenas uma primeira sistematizao dessa relao e trata
a situao tanto do ponto de vista da sua durao quanto as suas fases e vendo,
portanto, os aspectos isoladamente.
Travaglia trata a relao do ASPECTO com as categorias verbais voz, modo
e tempo e considera as categorias tempo e aspecto como categorias de TEMPO
e que ambas se expressam muitas vezes pela flexo verbal. O autor estabelece
a seguinte distino:
54
-
a categoria de tempo situa o momento de ocorrncia da situao a que nos referimos em relao ao momento de fala como anterior ( passado), simultneo (presente) ou posterior (futuro) a esse momento. uma categoria ditica, uma vez que indica o momento da situao relativamente situao da enunciao. Aqui temos uma datao(...) a categoria de aspecto no uma categoria ditica, pois se refere situao em si. Como diz, COMRIE ( 1976) o aspecto so as diferentes maneiras de ver a constituio temporal interna da situao, sua durao(....)(p.53).
Ainda que faa uma distino terica entre as categorias tempo e aspecto,
Travaglia no incisivo sobre o papel dos tempos flexionais gramaticais, a
categoria semntica TEMPO altamente codificada em Portugus, a saber, os
tempos verbais , assim como certas construes com auxiliar mais verbo
principal. Mesmo quando o tempo semntico claramente denotado atravs de
elementos lexicais ( sufixos modo-temporais) ou com os advrbios de tempo
que deixam bem claro o tempo em relao ao momento da enunciao. O
tempo, para Travaglia, " uma categoria verba! que corresponde s pocas
presente, passado e futuro, enquanto os tempos flexionais se referem aos
agrupamentos de flexes da conjugao verbal, na gramtica tradicional
entendida como a categoria tempo", (p. 51)
Como exemplo , Travaglia cita :
(121) Amanh irei a Santos, (p.51)
Tempo: futuro
Tempo gramatical: futuro do presente
(122) Amanh vou a Santos, (p.51)
Tempo: futuro
Tempo gramatical: presente do indicativo
Travaglia no esclarece quais so os elementos que interagem na
expresso de tempo. Portanto, no explicita se a flexo indica TEMPO
55
-
(distino entre tempo x tempo flexionai), ou se o advrbio tem essa funo, ou
ainda, se ambos expressam a categoria TEMPO.
Tanto para Castilho quanto para Travaglia, o aspecto se atualiza no verbo e
influenciado por outros elementos. Os dois autores no realizam a mesma
anlise do aspecto em Portugus, porm se utilizam, aparentemente, da mesma
matriz terica, pois ambos partem de noes semnticas para depois
estabelecerem sua gramaticalizao, na qual os fatores identificados
individualmente se combinam para produzir o aspecto final. Ao trabalhar com a
mesma matriz , Castilho e Travaglia se preocupam com as significaes
semnticas antes de observar sintaxe e morfologa. Tentam estabelecer um
elenco de modos de ao, entendidos como traos semnticos ou parmetros.
Convm notar tambm que a quantidade de alternativas de aspectos,
consideradas pelos autores para estudo de elementos avaliados somente
intuitivamente e acabam interpretando aspectualidade das mesmas sentenas
de formas diferentes.
Travaglia alerta para que no se confunda situaes referenciais e
situaes narradas, pois se isto ocorrer, faremos anlises falsas e ficaremos
diante de problemas insolveis. ( p.88)
Observa-se que Travaglia se preocupa tanto com os detalhes que suas
colocaes acabam ficando confusas e, isso se deve ao fato de que a sua
anlise e suas concluses como j dissemos, so baseadas em suas
admirveis intuies.
Quanto flexo verbal, Castilho a considera indeterminada, destacando
que em alguns casos, a noo aspectual "parece" concentrar-se na flexo, por
isso, o autor adota a classificao tradicional dos tempos verbais ( flexo, modo-
temporal).
56
-
Travaglia, no entanto, pondera que a flexo temporal indica aspecto,
vinculado tempos flexionais a ele. O autor observa que o presente do indicativo
em si marca os aspectos indeterminado, habitual, no acabado, cursivo e
imperfectivo. J, em conjunto com outros meios ( adjuntos), as sentenas
apresentam aspectos durativo, pontual, acabado e perfectivo, o autor ainda
afirma, que em alguns casos, o presente no atualiza nenhum aspecto, quando
usado com valor de futuro. V-se que Travaglia no deixa claro quais so os
significados veiculados pela flexo verbal do presente e dos demais tempos.
Os autores poderiam estabelecer uma combinatoria dos vrios fatores que
concorrem para a obteno dos aspectos, especificando o papel de cada um,
pois os exemplos apresentados abordam apenas um dos pontos. Seria
necessrio um exemplo "matriz" no qual todos os fatores identificados
individualmente se combinariam para produzir o aspecto final.
2.4 Mira Mateus et al (1984)
Mateus et al analisam em sua Gramtica da Lngua Portuguesa, no
subcaptulo "Categoria Lingstica do Aspecto" (1984) os mecanismos e
processos de natureza semntica e pragmtica. Para os autores, a localizao do
estado de coisas descrito por um predicador que pode pertencer classe dos
estados, relativamente ao momento da enunciao tem a sua expresso
lingstica na categoria tempo que est gramaticalizada nos tempos verbais e se
exprime igualmente atravs de advrbios temporais e de conectores frsicos de
valor temporal.
57
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Mira Mateus et al consideram que a categoria tempo se expressa pelos
tempos verbais. No exemplo abaixo, o verbo indica que a situao anterior ao
momento da enunciao, caracterizando o passado e o advrbio delimita.
(123) A Ana telefonou ontem para o Joo.
O verbo no passado expressa anterioridade do intervalo de tempo.
Intervalo de tempo o espao delimitado entre dois pontos de referncia que
contm o estado de coisas descritos em relao ao momento da enunciao.
Este tempo expresso, geralmente, pelo pretrito perfeito ou imperfeito do
indicativo.
Mira Mateus et al definem aspecto como:
categoria que exprime o modo de ser (interno) de um estado de coisas descrito atravs de expresses de uma lngua natural,(i) por seleo de um predicador pertencente a uma dada classe; ( ii ) por quantificao do intervalo de tempo em que o estado de coisas descrito est localizado, e/ou (iii ) por referncia fronteira inicial ou final desse intervalo, ou a intervalos adjacentes, (p.125).
A definio apresentada deixa transparente que Mira Mateus et al se
baseiam no trabalho de Dowty ( 1977) para distinguir classe aspectual e forma
aspectual. A forma aspectual compreende o conceito de intervalo de tempo,
operaes de quantificao sobre intervalos de tempo, e referncia s fronteiras
inicial e final do intervalo de tempo. O valor aspectual de um dado enunciado
resulta da classe aspectual a que pertence o predicador que nele ocorre da sua
forma aspectual.
Segundo Mira Mateus et al, o Portugus dispe de alguns processos que
podem exprimir a categoria aspecto que so: processos lexicais que
compreendem as classes gramaticais e formao de palavras e processos
55?
-
gramaticais que compreendem as formas verbais, os verbos aspectuais e os
advrbios.
(i) PROCESSOS LEXICAIS
r CLASSE ASPECTUAL
<
V
ESTADOS (inteligente, morar, ter,...) PROCESSOS (comer, estudar, rolar,...) EVENTOS (abrir, chegar, nascer...)
FORMAO DE PALAVRAS
V=>V ( descongelar, saltitar,...) ADJ=>V ( alourar, ensurdecer,...) N=>V ( amanhecer, rolhar,...)
(ii)PROCESSOS GRAMATICAIS
FORMAS VERBAIS ( andou / andava / tem andado...) VERBOS ASPECTUAIS ( acabar, continuar, tornar-se,...) ADVERBIAIS ( freqentemente, sempre,..., j, ainda,...)
Mira Mateus et al distinguem duas possibilidades aspectuais bsicas: valor
aspectual pontual ( em que o valor aspectual caracteriza enunciados que
descrevem eventos de curta durao) e valor aspectual durativo (caracteriza
enunciados que descrevem eventos ou processos) , em que retoma a posio
estruturalista de fundamentar a anlise aspectual em um elenco de parmetros
e traos semnticos. Recorrendo ao conceito de intervalo de tempo, Mateus et
al apresentam, o seguinte esquema, a sistematizao dos valores aspectuais:
59
-
PONTUAL Incoativo Causativo Incorporativo ou Inceptivo Conclusivo Cessativo
DURATIVO
f Cursivo Permansivo Iterativo Freqentativo
<
Habitual
Gnmico V
ACABADO
INACABADO
O valor aspectual PONTUAL caracteriza enunciados que descrevem
eventos: a durao dos eventos a do momento , ou ento, de curta durao
em que ocorre a mudana de estado ou transio sofrida por uma dada
entidade. As autoras fazem uma srie de subdivises com as quais no
concordamos por entender que o valor aspectual pontual deve ser instantneo.
O valor aspectual pontual para Mateus et al pode assumir um dos seguintes
valores (p.96):
I) Valor aspectual INCOATIVO : passagem de um dado estado(~p) para
outro estado (p). este o valor expresso por um grande nmero de verbos
incoativos (p.97). Verbos incoativos seriam, por exemplo, amanhecer,
embranquecer, morrer, etc.
60
-
(124) O dia amanheceu com muito sol.
O valor aspectual incoativo considerado por Castilho ( 1968) como urna
modalidade de inceptivo que significa " o comeo seguido de mudana de
estado", que corresponde ao aspecto imperfectivo. O conceito de mudana
expresso por Castilho usado na definio das classes aspectuais ( no
aspecto) que encerram atividade, accomplishments, achievements e estado
definidos por Vendler ( 1967).
II) Valor aspectual CAUSATIVO ou RESULTATIVO: uma dada entidade x
determina a passagem de uma entidade y de um estado(~p) para outro estado
(p).Os Pev causativos ( como matar, construir, etc.) exprimem este valor
aspectual (p.97).
(125) Os ditadores mataram muitas pessoas.
Travaglia classificaria este exemplo como perfectivo, por apresentar a
situao como completa na sua totalidade, e tambm como acabado por mostrar
a situao aps seu momento de trmino, portanto, concluda, acabada e
terminada.
(III) Valor aspectual INCEPTIVO: um estado de coisas (p) localizado num
dado intervalo It e diferente do que ocorrer no It anterior adjacente a It (p)
apresentado como comeando a ocorrer em It (p.97).
(126) Ele comeou a almoar s duas horas.
Outros verbos que exprimem este valor aspectual so iniciar e partir.
Nota-se que a maneira pela qual Mira Mateus et al diferenciam o incoativo
e o inceptivo est em "comeando a ocorrer ". Assim, este valor no pode ser
pontual. Comparando as colocaes de Mateus et al com Travaglia,
61
-
observamos que este autor nos d um exemplo que dificilmente pode-se
considerar como pontual:
(127) Estou escrevendo h dias e comeo a sentir- me fatigado. ( p.98
- ex:161)
Segundo Vendler (1967), os verbos do tipo comear, principiar, iniciar, etc,
so do tipo achievements e funcionam com os verbos de atividades e os
accomplishments e quase nunca com os achievements.
(128) Maria est comeando a fazer o almoo ( atividade).
Para Almeida ( 1980), a inceptividade uma noo de princpio que se
manifesta na expresso do processo verbal e este processo situa-se apenas na
fase inicial no importando as fases seguintes e, para Travaglia, indica situao
em seu ponto de incio, ou ento, em seus primeiros momentos.
(129) O foguete est partindo para a Lua.
IV) Valor aspectual CONCLUSIVO: um estado de coisas (p) localizado
num dado intervalo It e diferente do que ocorrer no It posterior adjacente a It
(p) apresentado do ponto de vista do trmino da sua ocorrncia em It (p.97).
(130) Marcos acabou de comer um sanduche.
Chegar, concluir e terminar tambm exprimem este valor aspectual e
novamente dentro do conceito vendleriano, so todos verbos achievement e
todos se referem ao trmino de uma situao, porm os achievements so
eventos. Mateus et al se propem a trabalhar com o enunciado que diz que "o
valor aspectual PONTUAL caracteriza enunciados que descrevem eventos", (p.96)
Observa-se novamente que as autoras, apesar da definio apresentada se
preocupam em sua anlise somente com os elementos lexicais.
62
-
Travaglia considera como terminativo o que Mateus et al consideram
conclusivo e ainda pode ser considerado como o oposto ao inceptivo .
(131) Carlos estava chegando, quando a discusso comeou.
Como no caso do inceptivo, o terminativo de Travaglia que equivale ao
conclusivo de Mira Mateus et al, no precisa ser pontual, basta apresentar -se
nos seus ltimos momentos ou em seu momento de trmino. Exemplo de
Travaglia;
(132) Espere um pouco que estou acabando de arrumar seu vestido.
Exemplo que, se considerado nos ltimos momentos, pode ser considerado
"durativo" nos termos de Mira Mateus et al.
V) Valor aspectual CESSATIVO: passagem de um estado de coisas (p) que
ocorrera no It adjacente a It para outro estado(~p) que no ocorre em It
(p.97).
(133) Joo deixou de fumar.
Deixar de + infinitivo.
Para Travaglia, muitas vezes, a noo de situao acabada aparece sob a
forma de cessamento.
(134) O treinador do time esteve doente.
O valor durativo caracteriza enunciados que descrevem estados ou
processos (p.97). Novamente Mira Mateus leva em conta somente os processos
lexicais de expresso do aspecto. Este valor aspectual pode assumir um dos
seguintes valores:
63
-
VI) Valor aspectual CURSIVO: um estado do coisas (