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    REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA V. 19, N 40: 273-288 OUT. 2011

    RESUMO

    A SOCIOLOGIA POLTICA BRASILEIRA EM ANLISE:QUATRO VISES SOBRE O FUNCIONAMENTO

    ADMINISTRATIVO DO ESTADO NOVO

    Rev. Sociol. Polt., Curitiba, v. 19, n. 40, p. 273-288, out. 2011Recebido em 15 de agosto de 2011.Aprovado em 30 de agosto de 2011.

    Adriano Codato

    I. INTRODUO

    Os departamentos administrativos oudaspinhos, como se convencionou chamar foram criados pelo Decreto-Lei n. 1 202 em 8 deabril de 1939 (BRASIL, 1939) e comearam afuncionar j no segundo semestre desse ano. Qua-tro anos mais tarde eles passaram a chamar-seConselhos Administrativos (cf. o Decreto-Lein. 5 511, de 21 de maio de 1943 (BRASIL, 1943)).Esses departamentos foram projetados para ser,ao lado das interventorias federais nos estados,um dos dois rgos da administrao pblica,consertando o vazio burocrtico que havia, ou quese imaginava haver, na rea poltica e burocrticadesde a imposio da Constituio de 1937. No

    caso de Reale estar certo, essa criao engenho-sa de Francisco Campos uma das peas mes-tras do regime, sendo assim um elemento es-sencial compreenso do sistema estadonovista(REALE, 1986, vol. 1, p. 165).

    O decreto-lei, que previa sua instituio, esti-pulava duas coisas: sua composio e suas atri-buies. Constitudos por uns poucos membros(de acordo com o texto legal, no mnimo quatro eno mximo dez indivduos, a depender do esta-do), eles seriam indicados, assim como o

    Nos estudos de Sociologia Poltica brasileira, h quatro maneiras diferentes de considerar os departamentos

    administrativos dos estados, aparelhos criados pela ditadura de Vargas em 1939 como rgos

    complementares ao sistema de interventorias federais. Na base dessas interpretaes, h tambm quatro

    modos diferentes de considerar o prprio regime do Estado Novo (1937-1945). As concepes sobre os

    departamentos administrativos divergem tanto em funo das convices do observador diante da forma de

    funcionamento do sistema poltico autoritrio, quanto do papel (poltico, econmico ou burocrtico)dessas agncias que o analista julga mais relevante destacar. Analiso neste ensaio as interpretaes

    disponveis sobre o assunto e enfatizo o que me parecem ser as principais dificuldades e limitaes para

    explicar a relao entre as antigas elites polticas estaduais e as novas instituies polticas federais na

    dcada de 1940 no Brasil.

    PALAVRAS-CHAVE:Estado Novo; Getlio Vargas; ditadura; departamentos administrativos dos estados;Sociologia Poltica brasileira.

    Interventor, pelo Presidente da Repblica em pes-soa e deveriam superintender todo o processodecisrio estadual, vigiando de perto as decises

    do delegado federal.Esses departamentos, conforme a letra do de-

    creto, teriam de desempenhar trs funes dife-rentes: umafuno poltica tal qual uma cma-ra revisora, tinham de examinar (e poderiam ve-tar, diga-se) todos os projetos de decretos-leisbaixados pelo Interventor e pelos prefeitos muni-cipais; umafuno econmica as propostas deoramento e a execuo oramentria do estado ede todos os municpios do estado estavam condi-cionadas sua anlise prvia e aprovao; umafuno burocrtica eles poderiam, se fosse o

    caso, propor medidas de readequao da estrutu-ra administrativa dos rgos estaduais, racionali-zando suas rotinas internas, alm de redesenhar oorganograma do governo do ponto de vista daeconomia e eficincia (BRASIL, 1939, art. 17,alnea e).

    Alm dessa enumerao, baseada exclusiva-mente no texto da legislao, preciso compre-ender que diferena essas atribuies tm entresi, quais seus alcances respectivos e o que carac-teriza mais a agncia no contexto da poltica dita-

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    torial. Na reviso da literatura a seguir, discuto astrs tarefas apoltica, a econmica e a burocr-tica. As anlises disponveis at aqui privilegiaramuma ou outra funo que (conforme o analista)definia o papel dos departamentos administrati-vos e, por meio dele, seu perfil institucional. Tra-to ento neste ensaio das verses disponveis daSociologia Poltica brasileira sobre o assunto (edas verses de alguns idelogos do autoritarismonacional), enfatizando o que me parecem ser suasprincipais dificuldades e limitaes para explicar aafinidade entre as antigas elites polticas estaduaise as novas instituies polticas federais sob oEstado Novo. Os objetivos aqui so discutir deti-damente os diagnsticos que tomam explcita ouimplicitamente os departamentos administrativosdos estados como objeto e fazer um balano dassuas dificuldades e, em menor medida, de seusacertos.

    II. FAMLIAS DE ARGUMENTOS

    H quatro maneiras diferentes de consideraros departamentos administrativos dos estados(DAEs). Na base delas, h tambm quatro manei-ras diferentes de considerar o prprio Estado Novo.As concepes sobre esse aparelho divergem tantoem funo das convices do observador diantedo modo de funcionamento do regime varguista,quanto do papel do Departamento que julga mais

    relevante destacar, papel quase sempre firmadocom base apenas nos 56 artigos do Decreto-Lein. 1 202. Os departamentos so por isso mais ailustrao de uma tese que se quer demonstrar(mesmo que no elaborada explicitamente, comoveremos) do que uma questo por si mesma. Naverdade, conforme minha hiptese de leitura, pa-rece contar mais a compreenso global que o ana-lista tem do processo poltico brasileiro depois de1930, ou a compreenso especfica do sistemapoltico estadonovista (i. e., de seus mecanismosde operao e legitimao), do que a percepo de

    trs problemas histricos interligados e que meparecem mais decisivos para entender o sentidoda introduo, no organograma do Estado, dosDAEs: i) a nova conformao do espao polticonacional e a repartio do poder entre as diferen-tes faces das oligarquias; ii) a organizao dotrabalho burocrtico no interior do sistema esta-tal e a diviso dasprerrogativas decisrias entreseus aparelhos e ramos; iii) as diferentes modali-dades de representao de interesses que o EstadoNovo imps, aliadas essas modalidades aos tiposde interesses que se pretendia representar (polti-

    cos, econmicos etc.) com as inmeras agnciascriadas pelo regime ditatorial.

    A explanao mais conhecida e repetida pelaliteratura sobre os DAEs a administrativa. Es-

    ses departamentos no seriam nada mais que umasucursal do Departamento Administrativo do Ser-vio Pblico (DASP) uma espcie de daspinhosestaduais e teriam o mesmo perfil burocrticodos conselhos da rea econmica, exceto a re-presentao corporativa que caracterizava essesltimos. Como a finalidade alegada de qualqueraparelho originado do Estado Novo era raciona-lizar a administrao pblica, segundo a expres-so da moda, os daspinhos nos estados deveri-am ter esse emprego tambm. Da seu papel pu-ramente tcnico, sua composio profissional, seu

    perfil superespecializado e sua misso saneadorados costumes polticos nacionais.

    A segunda linha de interpretao, que o opostoda primeira, de naturezapoltica. Ela subdivide-se em duas explicaes diferentes. Conforme umaargumentao, os departamentos administrativos,situados no mesmo nvel hierrquico daInterventoria Federal, eram rgos de fiscaliza-o e seu propsito seria, justamente, controlaro Interventor. A segunda explicao dessa mesmafamlia sustenta que esses departamentos prin-cipal inovao da Lei Orgnica dos Estados e

    Municpios, o nome pomposo do Decreto-Lei n.1 202 representavam, juntamente com aInterventoria e em colaborao com ela, o meioburocrtico para concretizar, na ponta do sistemapoltico, nada menos que a vontade pessoal doChefe do Estado nacional.

    A terceira linha de interpretao presume quea agncia inventada em 1939 pelo Ministro da Jus-tia e Negcios Interiores era um instrumento paraa integrao econmica das unidades regionais.Seu propsito ttico era vencer as resistncias dospoderes locais, sempre dispostos a lutar pela va-lorizao dos seus produtos (fossem eles volta-dos para o comrcio externo, fossem para o co-mrcio interno); seu alvo estratgico era a criaode um mercado nacional sob a tutela de um Esta-do centralizado, do ponto de vista administrativo,e forte, do ponto de vista poltico.

    A quarta e ltima perspectiva atribui aos de-partamentos concebidos pela poltica autoritriafuno alguma, a no serdecorativa. Em termosobjetivos, o aparelho projetado pelo novo Cdigodos Interventores seria completamente irrelevante

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    para compreender-se o jogo de poder entre asnovas elites federais e as antigas elites estaduais.No tendo modificado a organizao poltica na-cional, mas somente algumas das prticas usuaisda classe poltica, o acrscimo de autoritarismorepresentado pelo Estado Novo estaria resumidoa uma questo de quantidade mais em vez demenos e no de qualidade (j que, nesse cap-tulo, seguiu-se a matriz do compromissocoronelista entre as vrias fraes da classe pol-tica) ou mesmo de forma (pois foi mantido oinformalismo que caracterizava desde sempre osvnculos entre as faces da elite). Vejamos emdetalhe cada uma dessas famlias de argumen-tos ( family meaning, no sentido dado porKaplan1) e os reparos que se pode fazer a elas.

    III. A FUNO DECORATIVAComeo pela quarta interpretao. Ao menos

    em termos empricos, a menos difcil de refu-tar-se, embora, pelas questes que mobiliza, sejaum tanto difcil de ser explicada. Para Martins, asmetas a serem cumpridas pelos departamentosadministrativos dos estados ficaram somente nainteno do legislador. Isso porque a ao desseEstado centralizado e forte no plano nacional [...]iria prescindir no Brasil da edificao dos com-

    plicados mecanismos de controle que a extenso

    territorial do Pas faria prever. exato que a pre-

    sena nos estados dos destacamentos do Exrci-to, sobretudo a partir do controle que ele passou aexercer sobre as foras pblicas estaduais, proje-tou a presena do poder central nas diferentes re-gies do Pas. Mas no menos importantes pare-cem ter sido os mecanismos de lealdades pessoaisque vinculavam os Interventores a Vargas. Tanto assim que ficou praticamente no papel a institui-o dos departamentos administrativos (criadosem abril de 1939), que teriam por funo aprovaratos do Interventor e fiscalizar a execuo dosoramentos estaduais.Tudo se passou, em snte-

    se, como se a fidelidade poltica a Vargas em pla-no nacional tivesse por prmio a autonomia admi-

    nistrativa em plano estadual.No eram muito di-ferentes as prticas polticas vigentes durante a

    Repblica Velha (MARTINS, 1983, p. 1198; semgrifos no original).

    A afirmao segundo a qual os departamentosteriam permanecido praticamente no papel no somente muito vaga. Ela no encontra qualquersustentao documental. Tanto o Departamentode So Paulo quanto os dos demais estados reali-zaram, no perodo de sua existncia, quase umasesso por dia til, tendo emitido milhares de pa-receres sobre os atos de prefeitos e interventores.Em So Paulo, descontado o ano de 1945, houve,de 1939 a 1947, 1 804 reunies, entre sessesordinrias e extraordinrias, e foram votados (ago-ra incluindo o ano de 1945) aproximadamente

    18 mil pareceres2

    . No caso do Rio Grande do Sul,foram examinados entre setembro de 1939 e ou-tubro de 1945 mais de 14 mil projetos de decre-tos-leis e processos administrativos. No Paran,da instituio do Departamento Administrativo atsua extino, em julho de 1947, ocorreram quaseduas mil sesses ordinrias3.

    Reconheo que, assim tomados, esses dadoss desmentem a assertiva segundo a qual os De-partamentos no existiram de fato, mas no di-zem nada sobre o contedo das decises exami-nadas pela agncia, nem sobre o tipo de atividade

    (e seu significado) que eles desempenharam nosistema institucional do Estado ditatorial. TalvezMartins quisesse afirmar que as proposies doDepartamento Administrativo eram incuas ouque, no limite, todas corroboravam os atos doInterventor Federal. Mesmo que fosse verdade,isso no nos dispensa de analisar por que e, prin-cipalmente,para qu uma instituio intil e quecumpria religiosamente e com uma assiduidadenotvel todos os rituais inteis da intil burocra-cia deveria existir. Seja como for, o ponto no esse (se trabalhou ou no, se importou ou no).

    Na verdade, o raciocnio acima apia-se em umapremissa controversa: O Estado Novo imps-see funcionou sem ter de modificar de maneira subs-tancial a organizao poltica do Pas. Areformulao das regras do jogo poltico foi feita,segundo Luciano Martins, no nvel da prticapoltica, pela supresso de direitos (de expresso

    1 Wittgenstein fornece-nos a esclarecedora metfora deuma famlia de significados: semelhana de famlia no uma questo de existirem traos definidos comuns a todosos membros da famlia, mas questo de presena deste oudaquele trao, suficiente para pr em evidncia a semelhan-a, em quaisquer dos dois membros das famlias(KAPLAN, 1969, p. 51). Agradeo aos pareceristas da

    Revista de Sociologia e Poltica por terem chamado a aten-o para essa sugesto de A. Kaplan.

    2 Para ser exato, 17 761 pareceres.

    3 Para as informaes sobre o Rio Grande do Sul, v.Camargo (1983); para o Paran, cf. Hertz (2004, p. 30-31).

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    e de associao polticas). O novo regime, defato, s se incumbiu da aplicao autoritria decontroles institucionais j existentes. Ocoronelismo e sua base econmico-social, o lati-fndio, permaneceram para garantir a reproduodo sistema de dominao rural. O corporativismo,que no foi inventado em 1937 pela ditadura, foimantido para promover a reestruturao do uni-verso [das] elites e, ao mesmo tempo, manter osistema de dominao urbano. E opopulismo que,atravs da manipulao dos smbolos nacionaise, em parte, pela construo da imagem do paidos pobres, ao mesmo tempo em que alimentouo prestgio popular de Vargas, fez dele o repre-sentante das massas urbanas (MARTINS, 1976,p. 114, 115, 117, 118-119, respectivamente; semgrifos no original).

    Esse juzo inverte a surrada frmula segundoa qual preciso que todas as coisas mudem paraque tudo permanea o mesmo. Curiosamente, preciso que quase nada mude para que o mesmo ou seja, o esquema bsico de dominao pos-sa ser aperfeioado.

    Vejo quatro problemas nessa interpretao. Oprimeiro supor que a integrao de um universodisperso regionalmente e heterogneo politicamen-te (cinco regies, vinte estados, seis subsistemaseconmicos diferentes) pudesse ser feita resol-

    vendo a questo social dos coronis (ao conser-var sua fonte de poder a grande propriedade para manter, dessa maneira, a estrutura global dedominao) e a questo econmica dos industri-ais (ao enquadrar as associaes patronais e con-firmar seu acesso privilegiado ao sistemadecisrio), sem contudo enfrentar,institucionalmente, o desafio poltico dos gruposda oligarquia que haviam perdido, ou sido priva-dos da, sua capacidade de auto-representao. Osegundo problema, decorrente do primeiro, atri-buir s negociaes, s transaes interpessoais,

    enfim, conciliao a capacidade de resolverum assunto latente desde 1931, pelo menos: ondepr a oligarquia tradicional, e a de So Paulo emprimeiro lugar, derrotada pela Revoluo de Ou-tubro? O terceiro acreditar que, uma vez decidi-da a questo da representao dos interesses daelite econmica, via corporativismo, estava deci-dida tambm a questo da representao polticada elite poltica, via clientelismo. E o quarto pro- blema a supervalorizao, para compensar adepreciao do valor de face dos departamentos

    administrativos, do mecanismo das interventoriasfederais nos estados. Explico melhor minhas di-vergncias em relao a esses trs ltimos pon-tos.

    Se a deferncia em relao ao Chefe e a lealda-de pessoal que vinculava os polticos ao Presi-dente eram to importantes a ponto de viabilizar acentralizao poltica, os processos de governo emesmo o funcionamento das instituies do Esta-do, ento no h como discordar da conjecturade Bello sobre a sabedoria poltica de GetlioVargas: Os recursos do seu oportunismo e dasua astcia poltica devem ser muito mais varia-dos e muito mais eficientes do que afirmam osseus adversrios e inimigos. Doutro modo, nose lhe explicariam os constantes xitos por quase

    um quarto de sculo no trato com polticos detodas as coloraes, a no ser que se aceite deplano a total incapacidade destes para se acautela-rem e defenderem (BELLO, 1976, p. 287-288).

    Parece pouco, para dizer o mnimo, apoiar agovernabilidade do sistema e a legitimidade do re-gime na figura mtica do Presidentesuperpoderoso. Igualmente, no se pode enten-der as vrias transformaes do aparelho do Es-tado a criao dos inmeros conselhos, comis-ses e rgos tcnicos, antes e depois de 1937 to-somente em funo do processo de industria-

    lizao e modernizao econmica, idia que pa-rece embasar e complementar o argumento deMartins4. Essa forma de ver a evoluoinstitucional do Estado nacional despreza o jogopoltico intra-elites, que no desaparece graas submisso de boa parte dela liderana de Vargas(ao contrrio, torna-se, por isso mesmo, bem maiscomplicado), e descarta o novo marco institucionalque regular essas disputas, que no est sequerprevisto na Carta Constitucional do Estado Novo.

    Toda a argumentao de boa parte da literatu-ra, nesse caso, parece girar em torno de trs pos-tulados e uma constatao: a expanso do apare-lho central do Estado, resultado de uma srie demedidas de concentrao de funes administra-tivas no poder Executivo federal, ao mesmo tem-po em que aumentou sua capacidade para a in-terveno, estimulou sua autonomia poltica; essaautonomia permitiu grande liberdade de ao di-ante das classes que sustentaram o Estado ditato-

    4 Essa viso mais explcita em Diniz (1991).

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    rial ou foram por ele beneficiadas; a nica formade monitorar as polticas desse Estado autnomoseriam os dispositivos corporativos, isto , co-misses e conselhos governamentais que admiti-am a representao regulada dos interesses pri-vados junto aos decisores pblicos. A atividadepoltica (i. e., a rivalidade e a capacidade de im-por-se e influir sobre os decisores) foi entotransferida para a rbita do aparelho do Estado(MARTINS, 1976, p. 116).

    Entretanto, as formas corporativas de partici-pao das elites econmicas nas decises econ-micas que acompanham as transformaes buro-crticas da dcada de 1930, por mais virtudes quepossussem, no poderiam, por si mesmas, re-solver tambm, ou no lugar de, a questo da re-

    presentao dos interesses polticos no sistemapoltico. Ao que tudo indica, Miceli tem toda ra-zo ao enfatizar que As discusses interminveisa respeito das conseqncias da poltica econ-mica [do] ps-30 para a consolidao do capita-lismo industrial no Pas se eximem de lidar com aquesto crucial das relaes entre os diversos se-tores da classe dirigente e, por isso mesmo, noconseguem nem mesmo indagar acerca das exi-gncias administrativas, ideolgicas e polticas

    que culminaram com a montagem de um sistemamisto de representao e cooptao desde 1930

    at hoje [isto , na dcada de 1970] (MICELI,1991, p. 595; sem grifos no original)5.

    Existe um obstculo poltico, que o poderresidual das oligarquias estaduais, varivel de es-tado para estado e mais significativo no Rio Gran-de do Sul, em So Paulo ou em Minas Gerais, porexemplo. aqui que a conciliao a todo custoencontra seu limite. Ou, melhor, aqui que a idiade conciliao6 encontra seu limite tanto paradescrever como para explicar a soluo para as

    polmicas questes: como criar a Nao? Comoreordenar o universo poltico brasileiro? Comodirigir o capitalismo brasileiro?

    O fato que o sistema de recompensas mtu-

    as em troca do apoio ao regime tem de ser maisequilibrado para no estimular a presso dos pol-ticos profissionais para aumentar (ou mesmo paraconseguir) sua presena no governo estadual e/ou federal. O festejado Manifesto dos mineiros de1943 pode ser lido como um sintoma dessa difi-culdade: a defesa altiva das liberdades pblicas eprivadas ou a crtica tmida centralizao ad-ministrativa e ao governo monocrtico so asenha para compreender-se a necessidade de umsistema poltico mais moderno que o coronelismo(sem ser necessariamente menos oligrquico) e

    menos inflexvel que a ditadura pessoal (sem sernecessariamente mais democrtico)7.

    O quarto e ltimo problema dessa viso sobrea irrelevncia dos departamentos administrativos(na verdade, sobre a irrelevncia de quaisquer dis-positivos institucionais da ditadura de Vargas) estligado no tanto percepo da inoperncia deum lugar destinado exclusivamente aos polticosprofissionais no sistema estatal, mas ignornciada precariedade de existir apenas um lugar dessetipo.

    A mediao da relao entre a elite poltica na-cional e as elites polticas estaduais era uma ques-to tanto burocrtica como poltica. Ou melhor:era uma questo poltica que demandava, haviamuito, uma soluo burocrtica definitiva. A cam-panha de 1932, apesar de derrotada, denunciou aurgncia do combate s fontes de poder e de au-tonomia oligrquicos justamente onde no seriapossvel ou onde no seria seguro simplesmenteativar, como pretende Martins, os mecanismosde lealdades pessoais que vinculavam osInterventores a Vargas. Nesse sentido, o sistema

    de interventorias federais poderia ser ora uma so-luo, ora uma complicao. Ao mesmo tempoem que o Interventor, nomeado pelo Presidentepara cuidar da poltica nos estados, deveria serburocraticamente forte (at para impor as deci-ses do governo central) e politicamente indepen-dente (em relao s elites regionais da, alis, oapelo aos tenentes logo depois da Revoluo,

    5 Para a dicotomia representao versus cooptao, v.Schwartzman (1975).

    6 A verso clssica dessa perspectiva, formulada por JosHonrio Rodrigues, no inclui Getlio Vargas na lista dosconciliadores atvicos. Bem ao contrrio, sustenta que seu

    primeiro governo foi concilivel e inconcilivel.Concilivel com os interesses populares e inconcilivelcom os grupos divergentes da prpria minoria [poltica],os que visavam apenas aos compromissos pessoais e par-tidrios. Ao final, em nome dos princpios do sistemademocrticos, a inconciliao [sic] de Getlio Vargas foiderrotada em 1945 (RODRIGUES, 1965, p. 99).

    7 As expresses so literais. Para a ntegra do documento,v. Melo Franco (1979, p. 363-372).

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    recurso a essa altura j esgotado), deveria ser tam-bm fraco o suficiente para no constituir um novoplo de poder paralelo ou, no limite, contrrio aoExecutivo federal. Logo, nem sempre se poderiapremiar o preposto presidencial com a dose ade-quada de autonomia administrativa em plano es-tadual. Essa autonomia poderia sempre se con-verter em rebeldia. A pergunta fundamental aquiparece, portanto, ser: quem guardaria os guar-das? (CAMPELLO DE SOUZA, 1990 [1976], p.95). Da a necessidade poltica de uma agnciaadministrativa tal como os departamentos ad-ministrativos para regular (isto , filtrar ehierarquizar) a expresso dos interesses dos de-mais grupos polticos estaduais, monitorar oInterventor Federal e garantir Presidncia daRepblica o papel de ltima instncia do sistemadecisrio.

    Essa ltima observao conduz-nos segun-da viso presente na literatura sobre os departa-mentos administrativos.

    IV. A FUNO POLTICA

    Se a argumentao acima faz algum sentido,isto , se a exigncia de um aparelhosuperespecializado, destinado a acomodar as eli-tes estaduais resulta de uma srie de fatores que oinformalismo da relao entre o Presidente e os

    chefes polticos locais no capaz de dar conta,ento a existncia dos departamentos administra-tivos dos estados poderia ser justificada pelopa-pel poltico que ele deveria cumprir.

    Olhando o organograma do governo depois doDecreto-Lei n. 1 202, o novo arranjo parecia emprincpio funcionar como um sistema de freios econtrapesos mtuos. Interventor e prefeitos vi-ram-se controlados pelo Departamento, o Depar-tamento pelo Interventor e todos por Vargas pormeio de um complicado mecanismo de prestaode contas e de recursos administrativos Presi-

    dncia da Repblica via Comisso de Estudos dosNegcios Estaduais e Ministrio da Justia e Ne-gcios Interiores. A questo aqui, todavia, sabero que contava mais: se a relao poltica horizon-tal entre as duas agncias e seus ocupantes (De-partamento e Interventoria) ou se a relao verti-cal que subordinava ambas ao Chefe do Estadonacional.

    A escolha de uma alternativa ou outra implicaenfatizar um objetivo poltico preciso em detri-mento dos demais. Apresento os dois modos de

    interpretao separadamente e comento-os ao fi-nal deste item.

    O primeiro modo destaca a relao de controle(fiscalizao) entre o Departamento Administra-

    tivo e a Interventoria Federal. H duas variantesdo argumento: esse controle deveria ser (i)polti-co (da a novidade desse sistema em relao queleque vigorou na Repblica Velha) ou (ii) meramenteburocrtico (da a continuidade poltica entre opr-1930 e o ps-1930).

    O segundo tipo de interpretao enfatiza a co-laborao entre os dois aparelhos e sua submis-so estrita vontade pessoal do Chefe: ambos soapenas uma extenso do poder presidencial e umdos meios disponveis para efetivar, na ponta dosistema, o programa poltico arbitrrio do Exe-

    cutivo federal. Seja como for, na base das duasrepresentaes a respeito da configuraoinstitucional do Estado Novo h uma mesma idia:trata-se de uma adaptaosui generis improvi-sada ou planejada, piorada ou melhorada, a de-pender do analista das formas de governo doliberalismo clssico (e do princpio da distribui-o e equilbrio entre os poderes) peloautoritarismo nacional.

    Conforme a viso nativa produzida, siste-matizada e difundida pela coleo de idelogos

    autoritrios das dcadas de 1920 a 1940 ; o regi-me do Estado Novo incumbiu-se de promover aracionalidade tcnica no lugar da odiosa polticatradicional. No entanto, com o Decreto de Abrilde 1939 a poltica tradicional reingressou na es-trutura do regime de duas maneiras, pelo menos:em funo do lugarque o Departamento Admi-nistrativo passou a ocupar no sistema estatal (umaespcie de legislativo estadual, segundo se acre-dita) e dopapelque ele desempenhou, ou que aomenos esperava-se que desempenhasse, no jogointra-elites. Conforme Fausto, A inclinaocentralizadora, revelada desde os primeiros me-ses aps a Revoluo de 1930, realizou-se plena-mente [em novembro de 1937]. Os estados pas-saram a ser governados por Interventores, elesprprios controlados, a partir de um decreto-leide abril de 1939, por um departamento adminis-trativo. Esse departamento era uma espcie desubstituto das Assemblias estaduais , pois o ora-mento e todos os decretos-leis dos Interventoresdependiam de sua aprovao para serem expedi-dos (FAUSTO, 1995, p. 366; sem grifos no ori-ginal).

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    Atuando no lugar das cmaras de represen-tantes e tendo por incumbncia supervisionar todoo processo decisrio estadual, das prefeituras aogoverno, dos decretos mais banais ao oramentoanual, razovel supor que houvesse na prticauma concorrncia poltica entre as duas agncias(luta que se expressava burocraticamente, acres-cento, por meio dos pareceres do Departamentosobre os decretos do Interventor). Se pudsse-mos pr o problema conforme apresentado porFausto nos termos do liberalismo clssico, aInterventoria faria o papel de poder Executivo eo Departamento Administrativo, o papel de po-der Legislativo. Essa verso extravagante da dou-trina da separao dos poderes, note-se, era en-corajada pelo prprio Getlio Vargas. Na visita quefez a Porto Alegre em novembro de 1940, ele dis-cursou para os membros do Departamento Admi-nistrativo do Rio Grande do Sul e sentenciou des-denhoso da ordem liberal-oligrquica e orgulhosoda obra poltica do prprio regime: O Departa-mento Administrativo substitui, na organizaovigente, a antiga Assemblia Legislativa, rgoinoperante, imbudo de esprito individualista, quemascarava a sua atuao estril com a sonoridadeverbal das discusses e quislias [sic] partidrias(VARGAS, 1941, p. 219)8. Poderia ter acrescen-tado: faz isso com o concurso de meia dzia depessoas no lugar das centenas de deputados esta-

    duais e de vereadores municipais.

    A segunda variante da explicao sobre o em-prego poltico dos departamentos administrativosdos estados mais complexa.

    Carone argumentou que essa diviso de traba-lho Executivo-Legislativo, embora parecesse muitonatural e apropriada ao momento, estava na ver-dade a servio de uma medida astuta. Os departa-

    mentos administrativos deveriam ser os lociinstitucionais que, por meio das funes de fisca-lizao que estavam expressamente incumbidosde exercer, impediriam que as lideranas regio-nais se destacassem do controle estrito pretendi-do por Vargas. A atuao poltica das foras locais cujas sedes eram, justamente, a Interventoria eas prefeituras deveria ficar confinada ao mbitolocal. Essa seria, alis, a condio de sobrevivn-cia das prticas coronelistas e do prosseguimentodas velhas formas de poder oligrquico sob a pro-teo (e a retrica, acrescento eu) da racionalidadeadministrativa. Por isso, no seria exatamentecorreto imaginar que o Estado Novo representas-se uma ruptura to grande assim com o regime deprticas da Repblica Velha: as exigncias fede-rais [...] no modificam o essencial, que a exis-tncia dos poderes das oligarquias a terra, ocontrole de cargos administrativos e polticos etc.[...] Pode-se dizer que durante o Estado Novopermanecem e vigoram todas as formas de dom-nio oligrquico, com exceo dos limites impos-tos escolha do chefe do poder Executivo local(CARONE, 1977, p. 150, 151, respectivamente).Concluso: sem alienar suas prerrogativas, o De-partamento Administrativo era, para Carone, maisum rgo de controle poltico-administrativo dasrotinas burocrticas da Interventoria do que decontrole poltico stricto sensu dos recursos

    clientelsticos disposio do Interventor9.

    Francisco Campos jamais cogitou a possibili-dade de haver continuidade, qualquer que fosseela, da I Repblica, ou da II, para a III Repblica.Em vez disso, sublinhou, com a conhecida eufo-ria, as mudanas efetivas operadas na estruturapoltica graas ao decreto-lei de 1939 e as van-tagens evidentes da centralizao do poder de Es-tado no Executivo federal.

    Conforme o Ministro da Justia, o arranjo dosistema estatal disps os trs aparelhos

    (Interventoria Federal, Departamento Administra-

    8 A auto-imagem que um membro do Departamento paulista

    fazia da agncia era bem mais generosa. Os departamentosadministrativos no faziam as vezes das AssembliasLegislativas. Faziam as vezes de qualquer coisa: O De-

    partamento Administrativo substitui a ao legislativa dasAssemblias do Estado, do antigo Senado e da Cmara dosDeputados; substitui as Cmaras Municipais de todo oestado [So Paulo possua poca 271 municpios]; subs-titui o Tribunal de Contas na misso que hoje lhe cabe desuperintender a aplicao das verbas oramentrias e a fielexecuo da lei de meios. Realiza tambm o DepartamentoAdministrativo a misso de um rgo de consulta, de umverdadeiro Departamento de Estado [...] (PAES DE BAR-ROS, s/d, p. 1217; sem grifos no original). Nada disso falso, embora esteja um tanto fora das devidas propores.

    9 A viso de Nunes sobre os departamentos administrati-vos inclassificvel. Para ele, a agncia tanto fiscalizava aao dos interventores quanto constitua-se em um instru-mento da ao centralizadora do governo federal. Atuavaao mesmo tempo como um corpo legislativo e como umaespcie de extenso regional do DASP. O Departamentofoi ora um agente do processo de racionalizao do Esta-do brasileiro, ora uma forma de, por meio da poltica ora-mentria, transferir fundos para a poltica de clientela (cf.

    NUNES, 1997, p. 54-55).

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    tivo e Presidncia da Repblica) hierarquicamen-te. Na base, os dois primeiros; no topo, a ltima.Isso porque o problema a resolver no era comocontrolar o poder do Interventor, dificuldadesolucionvel, como sabemos, com uma simplesdispensa. O problema a resolver era, de fato, comomandar no pas na direo desejada pela nova clas-se dirigente, propsito disfarado sob a retricada manuteno da unidade nacional. Ocircunlquio nunca pretendeu esconder que a so-luo para o problema da integrao das forasvivas da nacionalidade (CAMPOS, 1940e, p. 114)s poderia ser a ditadura pessoal. Em termos maisresumidos: Um chefe, um povo, uma nao(CAMPOS, 1940c, p. 214). O que faltaria, con-tudo, era uma estrutura poltica capaz de tornaresse propsito uma realidade.

    Ao explicar didaticamente (e justificar ideolo-gicamente) a Lei Orgnica dos Estados e Munic-pios, o Ministro advertiu a audincia que o Decre-to-Lei n. 1 202 apenas regulamentava o artigo 176da Constituio de 1937, organizando de ma-neira mais eficiente a interveno poltica em to-das as unidades da federao. Partindo da pre-missa de que o Presidente da Repblica era ocentro da nova organizao estatal, os instrumen-tos para consolidar a unidade nacional eram osdois aparelhos (Interventoria e Departamento),

    juntos. Se o golpe de novembro restituiu o siste-ma de interventorias, aposentado provisoriamen-te durante a desajeitada fase dita constitucional(1934-1937), o decreto de abril instituiu, comocontinuao daquela medida saneadora, o Depar-tamento Administrativo. Esse peculiar sistema degoverno, em que o Presidente elegia todo mun-do, poderia ser compreendido de dois pontos devista. Do ponto de vista doutrinrio, Departamen-to Administrativo e Interventoria Federal eram,conforme a orao de Francisco Campos, aencarnao institucional do esprito da Carta de

    1937: meros instrumentos polticos de que o Es-tado Novo dispunha para fazer chegar a vontadepessoal do Chefe do Estado nacional a todos ospontos do Pas. Do ponto de vista organizacional,o Departamento era, segundo seu criador, apenasum instrumento de colaborao legislativa e defiscalizao oramentria da Interventoria Fede-ral. No se pretendia, conforme esclarece o Mi-nistro, conter ou superintender o Interventor, quecontinuava sendo o principal delegado da Uniopara a administrao local. De fato, a bipartiode atribuies era uma simples diviso de traba-

    lho e no a expresso da existncia de dois pode-res, uma vez que, como ensinava Campos, nesseregime s h um Poder, que o do Presidente daRepblica e que rene as trs funes executivae legislativa e judiciria. Portanto, com poderesdelimitados, essas reparties exerciam s fun-es delegadas pelo Poder Central10.

    A maior virtude dessas explicaes (CAMPOS,1940a; FAUSTO, 1972; 1995; CARONE, 1977;LEVINE, 1980) introduzir, na anlise, a funopoltica das instituies polticas, ou mais exata-mente, dar o peso devido estrutura poltico-institucional do regime ditatorial e dar o peso de-vido a seus efeitos sobre as prticas polticas. Omaior defeito dessas explicaes que elas fazemisso a partir das disposies legais e no da din-

    mica poltica efetiva, dos conflitos que porventurapudesse haver entre o Presidente, o Interventor eos conselheiros do Departamento Administrativo.Elas so, antes de qualquer coisa, interpretaesdo decreto-lei e de suas finalidades anunciadas (ou,no caso do Ministro, comemoraes da prpriaclarividncia poltica), no descries do proces-so poltico ou do sistema decisrio resultante doCdigo dos Interventores, o outro nome doDecreto-Lei n. 1 202.

    A primeira explicao (Fausto, Carone) deduzdo lugar formalmente estipulado para a agncia

    no organograma seu papel efetivo na poltica es-tadual. Ainda que o Departamento Administrativotivesse cumprido a ao delegada de superinten-dente institucional da Interventoria, por meio darecepo incompleta dos papis e funes de umaassemblia legislativa melhorada e depurada dosvcios da era liberal, faltaria determinar comoisso foi, de fato, feito. Conforme a lgicasimplificada que rege essa viso do processo po-

    10 Todas as expresses entre aspas so de Francisco Cam-pos (cf. CAMPOS, 1940c, p. 117, 97, 114-115). Compi-lei-as e ordenei o argumento. Levine tem a mesma opiniode Campos: a aparelhagem institucional nos estados estavaa servio da centralizao do poder no nvel federal. [...] ocontrole do governo dos municpios e dos estados ficoucom os interventores e com toda uma teia de rgos buro-crticos, como a Comisso Federal de Negcios Munici-

    pais [o Departamento das Municipalidades] e os departa-mentos de servio pblico dos diversos estados [os depar-tamentos administrativos]. Vargas conseguiu, assim, porreorganizao administrativa, em 1939, o que em vo ten-tara impor politicamente de 1930 a 1937 (LEVINE, 1980,

    p. 262).

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    ltico (dividir para governar), preciso indagar:tratava-se de um controle burocrtico em que,nessa relao, o Departamento exercia seu poderde veto diante das iniciativas da Interventoria, de-sempenhando, dessa maneira, sua funolegislativa (o que nos conduz ao estudo do seuprocesso decisrio)? Ou o controle era de outrotipo (poltico, por exemplo), pois o que havia erauma separao, e uma concorrncia, entre umafaco da elite, alojada na Interventoria, e outrafaco, diferente e inimiga, alojada no Departa-mento (o que nos conduz ao estudo dos diversosgrupos de polticos profissionais)? Em resumo:instituies diferentes ou elites diferentes?

    A segunda dificuldade dessa mesma viso (eesse , a meu ver, o ponto mais contestvel) que

    ela parece aceitar, sem se questionar, o pressu-posto segundo o qual os departamentos adminis-trativos, por terem ocupado o lugardos legislativosestaduais, tinham as funes de um poderLegislativo tpico. Penso que os assimilar aoslegislativos , no caso, aceitar a publicidade ofici-al do regime (representada, por exemplo, pela de-clarao do prprio Vargas reproduzida mais aci-ma) e a ideologia antiparlamentar da poca. emoutra dimenso que se deve buscar sua importn-cia: em sua composio (CODATO, 2008)11. Suaformao, referida de passagem na seo seguin-

    te, sugere ao menos uma coisa: tratava-se de umaagncia para a representao e a expresso dosinteresses polticos da elitepoltica. Essa funo,frise-se, no se realizava sob a forma parlamentar(seja porque os membros dos departamentos ad-ministrativos no eram eleitos, seja porque essaestranha assemblia no tinha nem sequer opoder de propor leis), mas sob a forma burocr-tica. O que, no caso, faz toda a diferena.

    Por fim, a logomaquia autoritria de Francis-co Campos revela mais um desejo (no caso, o seu

    prprio) do que uma avaliao cientfica do de-sempenho efetivo e da eficincia do sistemainstitucional dos aparelhos do Estado ditatorial.Como ele foi o inventor do negcio, seu arrazoa-do conta mais como sintoma do que como diag-nstico. Na equao prosaica que o Ministro mon-tou contra os antigos imperialismosregionalistas seria preciso fortalecer a unidadeda ptria; a soluo seria mudar toda a fisionomiaadministrativa do pas; a obra havia comeadocom o regime de interveno nos estados, aben-oado pela Constituio de 1937; agora ela deve-ria ser coroada pelas disposies burocrticas doCdigo dos Interventores que criou os departa-mentos dos estados carecemos de saber o prin-cipal: esse negcio funcionou? De acordo comsua lgica falaciosa, o Departamento Administra-tivo deveria promover a centralizao administra-tiva. Ora, no porque o resultado final da IIIRepblica foi a centralizao administrativa queseu agente foi o Departamento.

    Feitas as contas, ou os departamentos admi-nistrativos no tinham funo poltica alguma, ousua funo poltica decorria de outras razes queno as apresentadas nesta seo. Para quem dis-corda em outorgar aos departamentos adminis-trativos dos estados um papel poltico efetivo,sobram outras alternativas. E a grande tentao

    dos analistas foi imputar agncia o privilgio deser um dos muitos conselhos do Estado cuja in-cumbncia era racionalizar o processo decisrio.Dessa perspectiva, os daspinhos seriam menosum complemento do que um aperfeioamento doregime de interveno federal.

    Vejamos a seguir a prxima famlia de argu-mentos.

    V. A FUNO BUROCRTICA

    A interpretao mais elaborada e que de fatoreconhece a singularidade e a autoridade dos de-

    partamentos para a poltica ditatorial tambm amais problemtica, justamente por que reala suanatureza apenas administrativa.

    Foi Loewenstein (1944), em seu estudo pio-neiro de sobre o Estado Novo, quem primeirodestacou a funo tcnica dos departamentos ad-ministrativos. Aps ter louvado suas virtudes ine-rentes the ingenious system successfully actsas check and control of Interventor while for theindividual citizen it fulfills a welcome function asthe guarantee of the rule of law against arbitrariness

    11 Os estudos de elites revelam certos aspectos daestratificao social e da dinmica poltica de uma dadacomunidade, associando o poder (sua posse, sua prtica)s propriedades scio-profissionais (procedncia, forma-o, ocupao, treinamento, experincia etc.) daqueles queesto autorizados a exerc-lo. possvel postular, ao me-nos como ponto de partida para sua demonstrao, a exis-tncia de uma relao de mo dupla entre as caractersticaspessoais da elite e as caractersticas institucionais dosistema poltico a includos o Estado e seus aparelhos, oregime e suas regras e a prpria frmula poltica (a ideolo-gia dominante).

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    and infringement of legal rights by the politicalofficial of the state12 (idem, p. 63-64) , o autorderiva da anlise da composio do Departamen-to Administrativo do Estado de So Paulo (o temade seu comentrio) a eficincia e sensatez dessainveno: [...] the Administrative Department isa team of hard-hitting, hard-working, thoroughlyefficient professional bureaucrats mostly younglawyers, but also technicians such as accountants,civil engineers, agricultural experts, statisticians while in the Interventors office the efficiencyof the staff is vitiated by ineradicable patronage13

    (idem, p. 64; sem grifos no original).

    Tudo passar-se-ia, nessa concepo, da se-guinte forma: The Interventor acts as the politicalcoordinator of the state, under instructions from

    Vargas himself, while the AdministrativeDepartment, run by bureaucrats, is the legislativebody of the state14 (LOEWENSTEIN, 1944, p.65; sem grifos no original). Sola (1990 [1968]15),em sua sntese sobre o Estado Novo, aceitou essainformao e, repetindo a interpretao propostapor Loewenstein, decidiu que os departamentosadministrativos representariam, alm do meio peloqual as atividades do Interventor ficariam subor-dinadas aos programas e s ordens federais, umcaptulo adicional do programa de racionalizaoda administrao pblica, j que ele deveria pro-

    mover a introduo de novos padres de eficin-cia e de um novo agente social, o burocrata de

    formao tcnica. Esse tipo de organizao, quetambm implicava em hierarquia e dependncias,era basicamente diferente daquela que se orien-

    tava por critrios predominantemente polticos,

    de patronagem e de formao de clientela, carac-

    terstica da instituio da Interventoria.No eramalternativas exclusivas, entretanto, mascorrespondiam a diferentes tcnicas de ao, deinterveno e de controle que o governo Vargascombinaria habilmente no plano da administraofederal (idem, p. 268-269; sem grifos no origi-nal).

    Esse tipo de entendimento foi reforado e am-plificado pelo estudo de Campello de Souza (1990[1976]), sobre a formao das instituies polti-cas brasileiras aps 1945, e tornou-se a interpre-

    tao mais aceita da estrutura poltica do EstadoNovo e de seu modo de funcionamento. Ela re- produziu, nesse particular, a incompreenso deGraham (1968) diante da repartio do trabalhotanto poltico como burocrtico no primeiro go-verno Vargas. Graham, inadvertidamente, assimi-lou os departamentos administrativos a uma meradiviso regional do DASP. Eles tornaram-se, apartir da, os daspinhos. Vale citar aqui a passa-gem inteira: Os daspinhos departamentos es-taduais funcionavam ao mesmo tempo comouma espcie de legislativo estadual e como corpo

    supervisor para o Interventor e o Ministrio daJustia: os Prefeitos municipais tinham que sesubmeter no s ao Interventor, mas tambm aoDepartamento Estadual de Servio Pblico [sic].Embora o Interventor fosse o responsvel peloestudo, aprovao e declarao de todos os de-cretos e leis estaduais, observa ainda Graham,[...] esses s eram vlidos quando sancionadospelo presidente do daspinho. Se este se opuses-se a algum ato ou decreto executado peloInterventor, dois teros dos votos do departamentoeram suficientes para suspender a ao at que

    uma deciso fosse tomada pelo chefe do Executi-vo federal [...]. [Assim,] no difcil entenderporque [...] o presidente do daspinho era usual-mente mais poderoso que o Interventor. Comouma engrenagem, a Interventoria, o Departamen-to Administrativo e o Ministrio da Justia coope-ravam na administrao dos Estados, sob o con-trole geral do Presidente da Repblica. Enquantoo Interventor agia como coordenador poltico, sobinstrues diretas de Vargas, o Departamento Ad-ministrativo, dirigido por burocratas e integrados por engenheiros, agrnomos, estatsticos etc.

    12 O engenhoso sistema atua com sucesso como peso econtrole sobre o Interventor, enquanto para o cidado indi-vidual ele preenche uma bem-vinda funo como garantiado imprio da lei contra a arbitrariedade e o desrespeito aosdireitos legais pelos agentes polticos do Estado (traduodo revisor).

    13 [...] O Departamento Administrativo uma equipe deeficientes, esforados, inteiramente eficientes burocratas

    profissionais em sua maior parte jovens advogados, mas

    tambm tcnicos como contadores, engenheiros civis, es-pecialistas em agricultura, estatsticos , ao passo que nogabinete do Interventor a eficincia da equipe viciada pelainerradicvel patronagem (T. R.).

    14 O Interventor age como se fosse o coordenador pol-tico do estado, sob as instrues do prprio Vargas, en-quanto o Departamento Administrativo, comandado porburocratas, o corpo legislativo do estado (T. R.).

    15 Julguei necessrio dar a essa e s prximas refernciasas datas originais de publicao dos textos para se ter umaidia da evoluo do argumento.

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    indivduos que se consideravam e eram considera-dos imunes a presses clientelsticas funcionavacomo um corpo legislativo (idem, p. 96-97)16.

    provvel que a melhor refutao dessa in-

    terpretao do aparelho como aparelho burocr-tico tenha vindo do prprio criador dos departa-mentos estaduais.

    Provocado a falar sobre a republicao, comalgumas modificaes, da Lei Orgnica dos Esta-dos e Municpios em junho de 1939, e indagadose o regime de Vargas no estaria substituindo agesto poltica dos assuntos governamentais porexpedientes puramente administrativos, expulsandoassim a poltica do territrio nacional, FranciscoCampos, com a sinceridade habitual e com a sem-cerimnia com que justificava os atos mais dis-

    cricionrios, saiu-se com esta: Poltica? Novida-des polticas? Mas o que eu lhe disse j no poltica? poltica dotar o Brasil de leis claras ejustas. poltica aperfeioar a administrao. poltica realizar obras produtivas. poltica apa-relhar as foras armadas. poltica fomentar aharmonia nacional. poltica desenvolver o esp-rito da unidade da Ptria. Tudo isto poltica, amelhor poltica, e essa poltica a que vem prati-cando todos os rgos do governo, sob a claradireo do Presidente Getlio Vargas (CAMPOS,1940b, p. 17117).

    Sem precisar estender demais a argumenta-o, parece o caso de retificar o ponto de vistaburocrtico expresso acima e repetido porincontveis autores18, em trs dimenses: emprica(determinao dos fatos investigados), analtica

    (ou seja, a anlise a partir dos dados empricos) einterpretativa (ou seja, a anlise sobre o significa-do do objeto). suficiente mencionar apenas aprimeira dimenso e listar minhas discordnciasprincipais.

    Para ficarmos no nvel superficial da diver-gncia: a prpria expresso daspinhos, escolhi-da por Graham (1968) e difundida pela literaturadesde ento, equivocada tanto pelo que tratacomo pelo que deixa de tratar. Ela desvirtua a na-tureza, descaracteriza a funo e falsifica a com-posio de cada um dos dois aparelhos estatais.

    A causa mais evidente dessa incompreenso um erro factual. Os departamentos administrati-vos dos estados (mais tarde, Conselhos Admi-nistrativos dos estados) no eram divises esta-duais do DASP19. Trata-se de duas estruturasburocrticas em tudo diferentes. Uma dizia res-peito ao servio civil, outra, gesto dos negci-os polticos; uma deveria ser uma superassessoriaincumbida de reorganizar a administrao pblicapor meio de uma poltica oramentria eficiente,outra pretendia funcionar como uma entidadefiscalizadora ou colaboradora das interventorias.Alm de tudo, a composio de um e outro apare-lho eram bastante distintas. Se o DASP reunia tc-nicos concursados e era comandado, como sesabe, por um poltico que deveria gerar uma bu-

    rocracia profissional , os daspinhos, por suavez, eram integrados por outros inquilinos: ospolticos profissionais (CODATO, 2008). Toman-do, como exemplo, todos os conselheiros que passaram pelo Departamento Administrativopaulista entre 1939 e 1947, v-se que no se tra-tava de notrios especialistas em administraopblica, embora quase todos fossem bacharis emDireito. Eram representantes dos partidosoligrquicos (extintos em dezembro de 1939) quese acomodaram mal ou no encontram um lugarno sistema de interventorias federais e esse

    um padro que se repetia em todos os estadosdos Estados Unidos do Brasil20.

    16 A passagem entre aspas simples do estudo de Grahamsobre o DASP (cf. GRAHAM, 1968, p. 27-28). Para amesma viso, cf. Diniz (1991, p. 110).

    17 A partir de uma entrevista concedida imprensa em 28

    de julho de 1939.18 A mesma idia prosseguiu sem refutao. O livro deDArajo trata do DASP no plano estadual em um captu-lo que tem o sugestivo ttulo de Administrao versus po-ltica (cf. DARAJO, 2000, em especial p. 31). Levineafirmou, em estudo mais recente, que Para escapar velha

    burocracia, Vargas criou o Departamento da AdministraoPblica (DASP) [sic], um superministrio federal que sereportava apenas a ele, alm de departamentos semelhantesem nvel estadual. Essa medida permitiu ao governo inovar,criar departamentos regionais capazes de evitar lutas polti-cas entre grupos rivais nos estados [...] (LEVINE, 2001, p.85; sem grifos no original). Cf. igualmente Abreu (2007).

    19 Existiam, de fato, daspinhos em alguns estados, i. e.,instncias regionais do DASP; mas eles faziam parte deoutra estrutura burocrtica. Wahrlich observa que eles fo-ram sendo progressivamente institudos: no Rio de Janeiroem 1939, no Par e na Paraba em 1940, em Alagoas, Goise So Paulo em 1941, na Bahia em 1942, em Sergipe, Ceare Esprito Santo em 1943 (WAHRLICH, 1983, p. 719).

    20 Para um resumo das biografias dos conselheiros doDAESP, ver Codato (2008, p. 373-381). Para suas carrei-

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    O mais importante, todavia, no o formalismodessa anlise. o que esse equvoco pressupe erevela.

    Ao identificar um aparelho com o outro, pre-

    tende-se assimilar os departamentos administrati-vos dos estados no aos conflitos intra-elites, masao projeto e ao processo de modernizao e re-forma do aparelho do Estado tentado aps 1930 em que o DASP, sem dvida, cumpriu um papelde destaque, em especial na poltica de recruta-mento do funcionalismo , perdendo-se o sentidopoltico de sua incluso no organograma do go-verno. Se a interpretao anterior, que chamei depoltica, resumida e comentada acima, arrisca-va-se a importar, por contrabando, a ideologiaantiliberal do regime, ao acreditar que os departa-

    mentos pudessem de fato substituir as assembli-as legislativas, esta interpretao completa eradicaliza aquela, ao assumir, sem a devida reser-va crtica, o discurso ideolgico da racionalizaoda administrao pblica, transferindo-o paraum aparelho que poderia ser qualquer coisa, me-nos apoltico seja por sua funo, seja por suacomposio.

    Se a advertncia de Francisco Campos nofosse suficiente para prevenir os analistas de queo Estado Novo, apesar do discurso oficial dospensadores oficiais, no separava absolutamente

    poltica de administrao (na verdade, sub-metia a segunda primeira, dando a impresso deestar submetendo a primeira segunda), haviasempre porta-vozes disponveis para interpretar,explicar e propagar essa ideologia burocrtica. Eparece ter sido exatamente essa ideologia que foicomprada pela Sociologia brasileira.

    VI. A FUNO ECONMICA

    O argumento bsico da doutrina autoritria bastante conhecido: contra o regime liberal, s oremdio da gesto racional.

    Tendo ento o golpe de 1937 e o sistema pol-tico erigido em nome dele disciplinado os polti-cos profissionais, acabado com a catica rivali-dade partidria, aposentado o caudilhismo regi-onal, controlado a extremao [sic] de conflitos

    ideolgicos, detido a infiltrao comunista eabolido o clientelismo parlamentar21, a questo,enfim, parece ser ento a seguinte: o que faziamesses polticos de carreira abrigados no Departa-mento Administrativo enquanto no faziam su-postamente a poltica partidria do governo?

    Um exegeta comprometido com as idias e asprticas do regime ditatorial, ao comentar o De-creto-Lei n. 1 202, aproveitou a oportunidade paracensurar Jlio de Castilhos, representante do RioGrande do Sul na Assemblia Constituinte de 1891, por pretender uma quimera: a mais completadescentralizao administrativa dentro da concen-trao poltica. Oto Prazeres, funcionrio do Mi-nistrio da Justia do Brasil, publicou um artigoem Cultura Poltica (rgo terico semi-oficial

    do Estado Novo) para ensinar que, apesar da fra-se luminosa do lder gacho, felizmente no sepode fazer administrao sem fazer poltica (PRA-ZERES, 1941). Mais que isso: a administrao apoltica em ao e a verdadeira poltica est emfazer que a administrao seja guiada pelos gran-des e reais interesses do Pas. No caso, a verda-deira poltica resumia-se centralizao de pode-res na Unio Federal (com a licena da extrava-gante expresso empregada pelo autor). Confor-me sua explanao, a Constituio de 10 de No-vembro havia estabelecido uma divisa: deveria

    existir, a partir de ento, uma nica economianacional e em benefcio da qual se movessemtodas as atividades nacionais. O que fez o De-creto de Abril? Fixou dois princpios, um poltico,outro burocrtico, em perfeita harmonia entre si,para cumpriresse propsito. A nova legislao sobrea gesto dos estados e dos municpios visava es-tabelecer uma efetiva cooperao entre os po-deres central e local a fim de conjugar esforospara harmonizar as rotinas da administrao p-blica. A diversidade de mtodos, a multiplicidadede critrios, a disparidade de procedimentos, es-

    pecialmente na questo oramentria (mais de no-vecentas rubricas), impedia que a Presidncia daRepblica impusesse uma orientao financeira aopas. Criando a cooperao, tornando possvelao Poder Central presidir realmente a vida nacio-nal, [...] o decreto-lei de abril de 1939 permitiriaento ao governo intervir e amparar a economia(idem, p. 66, 69, 68, 69, respectivamente).

    ras polticas completas (mandatos eletivos, funes polti-cas e burocrticas e cargos de direo partidria no PartidoRepublicano Paulista, Partido Democrtico, Partido Co-munista e Ao Integralista Brasileira), ver p. 365-368.

    21 Todas as expresses entre aspas so das Disposiestransitrias e finais da Carta de 1937 (cf. PORTO, 1987,

    p. 78-79).

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    Nesse registro, a impraticvel Constituio de1934 (da qual foi um dos redatores) no haviacorrigido os defeitos da Constituio de 1891, per-manecendo o que Oto Prazeres chamou de de-sarmonia na administrao. Essa desarmonia de-via-se ausncia de certos limites ao dosestados e municpios. A soluo desse problema,cujo foco era a poltica oramentria, era maisou menos simples: fixar tais limites na legislao.Todavia, essa racionalizao de procedimentos noera um fim em si mesmo. Respondia, antes, a umpropsito menos abstrato: permitir que a UnioFederal assumisse, enfim, o controle e o coman-do sobre a poltica econmica (idem, p. 63, 68,respectivamente). Os departamentos administra-tivos dos estados deveriam ser assim, para o au-tor, os executores dessa idia.

    O estudo das rotinas decisrias do Departa-mento Administrativo do Estado do Rio Grandedo Sul torna essa formulao mais concreta.Para Camargo (1983), que classificou e anali-sou todos os projetos de decretos-leis e todosos processos recebidos pelo Departamento ga-cho entre 1939 e 1945, a interveno [doEstado nacional] nas unidades regionais refletiaa pretenso de converter todos os nveis da atu-ao do setor pblico na perspectiva das fun-es de integrao econmica e poltica, repre-

    sentadas na criao de um mercado nacionalintegrado, sob tutela de um Estado forte e cen-tralizado (idem, p. 4).

    Nesse caso especfico, a poltica do aparelhoregional do estado (isto , a ao da Interventoriaem colaborao com o Departamento Adminis-trativo) voltou-se para a proteo e a promoodos principais produtos agropecurios do RioGrande do Sul: arroz, carne e bebidas. As medi-das de interveno econmica eram de iniciativada Interventoria Federal. Em seguida, eram regu-lamentadas legalmente (ou melhor: homologa-

    das) pelo Departamento. O contedo das deci-ses estudadas atesta, segundo Camargo, o ali-nhamento das duas agncias entre si e com osinteresses da oligarquia gacha: a defesa dos pro-dutos agropecurios e a tentativa de manter o perfileconmico do estado mesmo no contexto da po-ltica de industrializao por substituio de im-portaes (concluso que, de resto, desmente suahiptese segundo a qual os departamentos admi-nistrativos seriam o veculo de unificao domercado nacional).

    Descontado o entusiasmo cvico diante da es-trutura legal imposta pela revoluo brasileira(isto , o golpe de Estado), a hiptese de Oto Pra-zeres parece bem adequada, desde que combina-da com os achados do estudo de Camargo, paraexplicar a relao entre interesses sociais, institui-es polticas e poltica econmica nesse contextoinstitucional.

    Como o Estado Novo pretendia regulamentarpraticamente tudo do cinema ao mate, da pro-paganda poltica estatstica, da ortografia le-gislao trabalhista , a questo do mercado in-terno que era, de resto, ao lado da disputa entreas regies pelo controle do aparelho do Estado,uma das questes centrais das disputas intra-oligrquicas que conduziram Revoluo de 1930

    poderia encontrar, graas s mltiplas combina-es polticas entre a Interventoria e o Departa-mento Administrativo em cada unidade dos Es-tados Unidos do Brasil, uma soluo para cadacaso. Essa flexibilidade, resultado de uma polticatambm muito flexvel para escolher interventoresfederais e nomear conselheiros estaduais, foi umdos meios para conquistar e concretizar uma hie-rarquia diferente entre as regies e entre as elitesregionais. Todavia, a comprovao dessa hipte-se depende do estudo comparado dos processosdecisrios dos vrios departamentos, em especial

    nos principais estados, j que o Rio Grande doSul pode ser um caso anmalo.

    Conforme meu entendimento, a ordem jurdi-ca estipulada em 1937 pela Constituio e em 1939pelo decreto-lei, se pensada em termos mais am- plos, seria a via burocrtica para conseguir aomenos trs objetivos: i) impor a centralizao dasdecises, viabilizando o redirecionamento da vo-cao econmica do pas (isto , fazer que apoltica de industrializao, por exemplo, fosseassumida como a poltica principal do Estado bra-sileiro); ii) garantir a marginalizao poltica de

    um determinado subsistema econmico regional(preterir os interesses do complexo aucareirodo Nordeste, por exemplo); iii) aturar algum graude descentralizao, por meio da manuteno doperfil econmico de certos subsistemas regionais,desde que esse perfil fosse funcional para o pri-meiro objetivo. O horizonte do governo de Vargascontinuava sendo a unificao (econmica) domercado nacional, que tinha como precondio aintegrao (poltica) dos diferentes subsistemasregionais, ao recoberta pela retrica (ideolgi-

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    ca) da unidade nacional. Essa tarefa, por suavez, dependia da, isto , tinha comoprecondioa expropriao das fontes de poder das oligarqui-as estaduais e sua transferncia para o poder Exe-cutivo federal (cf. MARTINS, 1976, p. 127). Omodo de fazer isso, a partir da mesma estruturainstitucional estipulada pelo Decreto-Lei n. 1 202, que poderia variar. Eu suponho que variasseconforme os critrios de escolha de interventorese conselheiros e da relao de conflito ou colabo-rao da derivada que poderia estabelecer-se en-tre eles. Esse procedimento estava, possivelmen-te, na base de um projeto poltico maior, emborano muito claro a todos os participantes, dereformulao da posio econmica dossubsistemas regionais.

    VII. CONCLUSESA comprovao das vrias proposies

    esparsas ao longo deste ensaio, construdas a partirdas crticas literatura disponvel sobre os depar-tamentos administrativos e, em especial, s basesque informam suas anlises sobre o Estado Novo(ora percebido como um regime tradicional, orapercebido como um regime racional etc.), exi-ge um estudo mais detalhado das diversas moda-lidades regionais de funcionamento desse apare-lho. Essa investigao caso a caso precisa agre-gar o exame tanto da estrutura decisria do regi-

    me (i. e., suas instituies formais, que no souma mera derivao do personalismo presiden-cial) quanto do processo decisrio dos DAEs um dos lugares em que se fazia efetivamente apoltica do Estado ditatorial. Da que seja insufici-ente derivar as funes desse aparelho das atri-buies que lhe facultava a legislao do regime.Alm disso, precisa agregar uma varivel decisivae que ficou de fora de todas as cogitaes dosanalistas at aqui: o perfil da elite que pilotavaessas agncias.

    A participao controlada das classes dirigen-tes estaduais na vida poltica estadual via Depar-

    tamento Administrativo permite demonstrar duasproposies mais ambiciosas sobre a relao en-tre elites e instituies no Brasil nesse contexto:uma que vincule a estrutura institucional do regi-me (sua histria, seus aparelhos e seus mecanis-mos) ao tipo de elite (sua origem, sua trajetria,seus valores) que integra a agncia inventada porFrancisco Campos; outra que explique a naturezada relao da derivada entre elites regionais e ogoverno central em termos menos estereotipadosdo que aqueles que destacam somente os ato-res, seus discursos ou seus conflitos pesso-ais, como freqentemente acontecem nas anli-ses focadas exclusivamente na cena poltica.

    A utilidade da minha abordagem no consisteem revelar apenas os novos pontos de acesso dos

    polticos profissionais de antigamente arena po-ltica, alm da estrutura institucional mais geralque tornou esse ingresso tanto possvel quantotil administrativamente. Mas, sim, em descre-ver, com base nas biografias coletivas da elite, aconfigurao social e poltica dos grupos dirigen-tes, ao lado da modificao do seu papel e de suarespectiva ideologia no contexto poltico nacio-nal. Trata-se de explicar, enfim, as caractersticasdo regime (seja seu desenho, sejam as instituiesque o integram), a partir das caractersticas daelite.

    A idia central que, mais do que resultado dogrande programa de cooptao federal, a elitepoltica que reina no Estado Novo , de certa for-ma, produzida pelo regime e para o regime. Daque no se trate apenas, embora tambm, da trans-posio de integrantes da elite indivduos deum campo poltico (oligrquico) para outro (au-toritrio), mas da dominao, decapitao e assi-milao das elites adversrias a fim de produziruma nova classe dirigente sob medida para supe-rar as resistncias polticas, sociais e ideolgicasao processo de mudana de uma economia

    agroexportadora para uma economia urbano-in-dustrial, iniciado em 1930.

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    REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA V. 19, N 40: 291-296 OUT. 2011

    BRAZILIAN POLITICAL SOCIOLOGY UNDER ANALYSIS: FOUR PERSPECTIVES ONTHE ADMINISTRATIVE WORKINGS OF THE NEW STATE

    Adriano Codato

    Within Brazilian Political Sociology, there are four different views on state Administrative Departments,

    apparatuses created by the Vargas dictatorship in 1939 as a complement to the system of federalinterventors. On the basis of these interpretations, there are also four different ways of looking at theNew State regime (1937-1945) itself. Views on administrative departments diverge both accordingto observers convictions regarding the way the authoritarian political system functions and accordingto which of these agencies roles (political, economic, bureaucratic) the analyst considers as mostsalient. In this essay I analyze existing interpretations on this issue; I emphasize that which I considerto be their major difficulties and limitations in explaining the relationship between old state politicalelites and the new federal political institutions springing up in the Brazil of the 1940s.

    KEYWORDS: New State; Getlio Vargas; dictatorship; State Administrative Departments; BrazilianPolitical Sociology.

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    REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA V. 19, N 40: 299-305 OUT. 2011

    LA SOCIOLOGIE POLITIQUE BRSILIENNE EN ANALYSE : QUATRE VISIONS SUR LEFONCTIONNEMENT ADMINISTRATIF DU NOUVEL ETAT

    Adriano Codato

    Dans les tudes de Sociologie politique brsilienne, il y a quatre manires diffrentes de considrer

    les Dpartements Administratifs des rgions, des instruments crs par la dictature de Vargas en1939 autant quorganisme complmentaire au systme dinterventions fdrales. Ces interprtationssont appuyes aussi sur quatre faons diffrentes de considrer le rgime du Nouvel Etat (1937-1945) lui-mme. Les conceptions sur les dpartements administratifs divergent par rapport auxconvictions de lobservateur devant la forme de fonctionnement du systme politique autoritaire etaussi par rapport au rle (politique, conomique ou bureaucratique) de ces agences soulignes selonle jugement de lanalyste. Janalyse dans cet essai les interprtations disponibles sur le sujet et jesouligne ce qui me semble tre les principales difficults et limitations pour expliquer la relation entreles anciennes lites politiques rgionales et les nouvelles institutions politiques fdrales dans lesannes 1940 au Brsil.

    MOTS-CLS: le Nouvel Etat ; Getlio Vargas ; la dictature ; les dpartements administratifs des

    rgions ; la Sociologie Politique brsilienne.* * *