Adriana Varejão. 1998
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8/3/2019 Adriana Varejão. 1998
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Imagens de Troca: Adriana Varejão
Inaugurado no ano passado, o espaço excelente do Pavilhão Branco, nos jardins do
Museu da Cidade, é um local privilegiado para a exposição de arte contemporânea. O
pavilhão é, agora, dirigido pelo Instituto de Arte Contemporânea que inaugura o seu
ciclo de exposições intitulado Imagens de Troca com uma mostra da obra de Adriana
Varejão, jovem artista brasileira. O título do ciclo em inglês faz passar melhor o sentido
implícito do programa. Trading Images transporta consigo a noção de imagens de
comércio e a troca de imagens que subjacem às diversas formas de mestiçagem cultural
que, de uma forma ou de outra, remetem para histórias de dominação.
O trabalho de Adriana Varejão assenta na construção que a artista faz da sua própria
identidade enauqnto ‘brasileira’. A obra foi cuidadosamente elaborada com base numa
pesquisa, antes do mais sobre os despojos f ísicos da chamada conquista do Brasil e do
projecto colonial europeu. Ou seja, nos vestígios desse projecto ainda presentes em
obras de arte e de arquitectura: azulejos, pinturas, ex votos, artefactos. Varej ão
distancia se de muitos outros artistas que trabalham nesta área de pesquisa — área que
tem vindo a ganhar relevância e legitimidade (na expressão sucinta cunhada por Hal
Foster, ‘o artista enquanto etnógrafo’) — ao ajaezar uma visão política e cultural talvez
um pouco manicheista a um sentido de rigor, de factura, numa acepção quase
tradicional do termo. Pois é verdade, Adriana Varejão pinta.
Fálo com a facilidade mim ética do copista: a sua aptidão para o trompe l'oeil, que por
vezes nos lembra o cuidadoso e depurado realismo de Vija Celmins, é notável, quer na
forma como retrata os motivos decorativos e as irregularidades dos azulejos, as cenas
marinhas ou os retratos tradicionais, quer quando reproduz o estilo 'naï f dos ex votos
ou da pintura colonial. O comércio da artista é o das imagens: a sua obra é
inteiramente construída à volta da circulação e da articulação de imagens readyade das
culturas brasileiras.
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A representação feita por Varejão do Barroco brasileiro, com a sua herança rica de
objectos fabricados, transporta um olhar crítico sobre a constituição da própria
etnicidade brasileira (o domínio europeu, o comércio de escravos): qual o preço dessa
identidade, à custa de quantas vidas humanas. Nalgumas obras, a superf ície lisa dos
azulejos pintados em trompe l'oeil aparece literalmente rasgada. A tela desfaz se para
revelar como que as entranhas do trabalho: uma sub superf ície extraordinária de
impasto em tinta de óleo, em vermelhos e castanhos, um corpo flagelado, esventrado
por detrás da ornamentação dos azulejos.
Este é um conjunto de trabalhos com uma força notável, apesar da abordagem
conceptual do tema ser às vezes excessivamente literal. Sobrepondo à retórica da
Conquista e das das ‘Descobertas’, uma linguagem ornamental e uma corporalidade
dilacerada, Varejão circula entre as representações das diversas etnias do Brasil. O
corpo aparece na sua obra como uma metáfora poderosa e central. O recorte de papel
vegetal, coberto com motivos orientalizantes delicados, tendo como fundo os azulejos
brancos, não é mais nem menos do que pele esfolada. Os olhos lacerados em
Testemunhas Oculares — três auto retratos enquanto caucasiana, índia e chinesa —
dilaceram o quadro através do próprio orgão que lhe dá visibilidade,
problematizando se, assim, o olhar do conquistador sobre o Outro subalterno.
Ruth Rosengarten
Adriana Varejão, Pavilhão Branco, Museu da Cidade, Lisboa.
Visão, (dia?) Maio, 1998.