Adriana Biller Aparício-A Nação, Os Povos Indígenas e Os Novos Direitos
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UNIVERISDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSEREVISTA AMICUS CURIAE - DIREITO
Revista Amicus Curiae – Direito – Universidade do Extremo Sul Catarinense.ISSN: 2237-7395. Vol. 12 – N. 1 – Jan./Jun. 2015.
http://periodicos.unesc.net/amicus/about
A NAÇÃO, OS POVOS INDÍGENAS E OS NOVOS DIREITOS
THE NATION, INDIGENOUS PEOPLES AND NEW RIGHTS
Adriana Biller Aparicio
Resumo
As diferenças culturais dentro do território do Estado Moderno sempre existiram, porém foramocultadas no ideário da nação como algo homogeneizado por uma cultura supostamenteamalgamada em uma só língua, um só direito e uma única visão de mundo. No entanto, os povos
indígenas vêm, cada vez mais, ocupando a cena pública com suas demandas pela efetivação dedireitos, ensejando mudanças na perspectiva de construção de uma nação democrática, na qualsejam respeitadas as diferenças culturais, no que se denominou chamar por novos direitosindígenas. Neste artigo propõe-se o percurso de análise crítica da categoria nação, em contexto próprio da modernidade, trazendo a atuação do movimento indígena na perspectiva da realizaçãodas diferenças, para ao final, refletir sobre a construção dos direitos humanos desde a visão críticaque prefere enfocar os processos da construção dos direitos mais do que em sua positivação.
Palavras-chave: Direitos indígenas. Novos Direitos. Direitos Humanos. Nação.
Abstract
Cultural differences within the territory of the Modern State have always existed, but were hiddenin the ideal of nation as a sort of an amalgamated culture related to one language, one law and asingle worldview. However, indigenous peoples have been increasingly occupying the publicscene with its demands for the enforcement of rights, allowing changes in the perspective of theconstruction of a democratic nation, where cultural differences must be respected, and it has beendenominated as indigenous new rights. In this article we propose a critical analysis of nation ascategory in the context of modernity, putting indigenous movement in the perspective ofdifferences, to finally, reflect on the construction of human rights from a critical view that focuson right’s processes rather than its positivation.
Key-words: Indigenous rights. New Rights. Human Rights. Nation.
Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito pela Universidade Federal de SantaCatarina (UFSC). Mestre em Direitos Humanos, Interculturalidade e Desenvolvimento pela Universidade Pablo deOlavide de Sevilha e Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Direito da UFSC. É membro fundador doGrupo de Pesquisa em Antropologia Jurídica (GPAJU/UFSC), coordenado pela Professora Dra. Thais Luzia Colaço.E-mail: [email protected]
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Introdução
A modernidade ocidental pautou-se pela lógica da homogeneidade sociocultural de um
povo dentro do denominado Estado-nação, o que levou a exclusão de grupos sociais da
participação na discussão dos temas afetos aos rumos da sociedade e de suas vidas, desde um ponto de vista coletivo e da diversidade de cosmovisão de mundo.
Apesar da tentativa de assimilação dos diferentes, os povos indígenas, assim como outras
minorias culturais, passaram a demandar pelo respeito às suas diferenças, colocando em cheque o
conceito moderno de nação.
O artigo demonstra, em primeiro plano, que o ideário nacional é uma construção social
questionada pelas ciências sociais e como serve para a afirmação da hegemonia cultural de um
grupo sobre os demais. Em seguida, apresenta o movimento indígena como uma força
transformadora do conceito de nação, situando-o ao lado de outras identidades culturais
contestadoras, tais como o movimento de mulheres, porém, sem invisibilizar suas características
próprias.
Ao final, relaciona a teoria crítica dos direitos humanos – que busca colocar foco nas lutas
sociais emancipatórias – com os direitos indígenas situados no quadro esboçado pela teoria geral
dos novos direitos, que surgem com as diversas crises derivadas do projeto da modernidade.
Desta forma, busca demonstrar que o movimento indígena, enquanto movimento que
questiona o modelo hegemônico cultural vigente, contribui para que seja repensada a democracia
dentro do respeito às diferenças existentes no Estado-nação.
1. A Nação e as diferenças culturais
A Constituição Federal de 1988 reconheceu a multiplicidade de identidades culturais
existentes no Brasil em artigo 216 ao dispor que “o patrimônio cultural brasileiro envolve os bens
de natureza material e imaterial referentes à identidade e memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira, incluindo as formas de expressão, os modos de criar, fazer eviver, dentre outros”.
Tal reconhecimento representa uma mudança de paradigma para se pensar os diversos
povos e comunidades tradicionais existentes no território nacional, uma vez que o conceito
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moderno de nação foi forjado a partir de uma narrativa que busca o esquecimento de um passado,
visando uma totalidade (HOMI BHABHA, 1990, p.310).
A ideia de nação enquanto um povo dotado de uma identidade cultural, com um conjunto
de símbolos, condutas, expectativas partilhados por aqueles que vivem em seu território é umaconstrução moderna que está longe de ser pacífica, de acordo com Renato Ortiz (1999, p.79):
[...] não devemos imaginar a construção das nações como algo natural, uma necessidadeteleológica [...]. Ela é conflitiva, envolve interesses contraditórios, disputas edominações. Neste sentido, a diversidade aqui seria uma somatória dos encontros edesventuras das culturas nacionais diversificadas.
De acordo com Crossman (2003, p.21-22) em obra intitulada A Biografia do Estado
Moderno, “nação” e “Estado” são dois aspectos interligados na ordem social ocidental, sendo que
um não pode ser entendido sem o outro.As ciências sociais já demonstraram como as nações contemporâneas são construídas por
meio de ações bélicas e políticas e pela narrativa que procura forjar esta identidade comum.
(COSTA, 2002, p.115)
É assim que Thais Colaço (2003, p.93), ao criticar a política integracionista adotada pelo
Estado-nação, que busca suprimir a diversidade étnico-cultural dos povos indígenas reflete:
À criação do Estado associou-se a ideia de Nação, que reconhece apenas a existência deuma cultura nacional, na igualdade de direitos de todos, indistintamente, sem levar em
conta as diferenças entre etnias e culturas existentes num determinado país.
A “memória nacional” situa-se no campo ideológico que busca uma concepção de mundo
visando à totalidade, objetivando a cimentação das diferenças, de acordo com Renato Ortiz
(1986, p.137), com apoio no pensamento gramsciano. De acordo com o pensador italiano,
(GRAMSCI 1989, p.10) os intelectuais tem um papel fundamental na formação do senso comum.
A hegemonia de uma determinada classe social, além da coerção, também pode ser exercida pelo
consenso que se obtém graças ao controle da sociedade civil representando uma hegemonia
“democrática”.
Neste sentido, o direito moderno, serviu de instrumento aos interesses da burguesia
consolidando a junção entre legalidade estatal e centralização burocrática, impondo o modelo do
monismo jurídico (WOLKMER, 2006, p.108). Este modelo único de juridicidade estatal buscou
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excluir as diversas juridicidades existentes, assim como a ideia de nação exclui as demais
identidades culturais, que não a identidade hegemônica.
Carlos Frederico Marés (1999, p. 62-63) aponta que a cultura liberal-individualista reinante
na independência dos Estados latino-americanos não reconheceu os povos indígenas, tratando osindivíduos como formalmente iguais. Esclarece que na criação dos Estados nacionais na América
Latina constituiu-se um Estado e direito único que reprimia as diferenças étnico-culturais.
Se a cultura liberal do início do século XIX influenciou nas relações do Estado com os
povos, sendo que o ideário marcava-se pela igualdade jurídica formal, é importante considerar-se
que o paradigma evolucionista reinava também nas ciências do Homem, a Antropologia.
Segundo Omar Ribeiro Thomaz (1995, p.437), a Antropologia “nasce no século XIX, sob a égide
de Evolucionismo Cultural, que supunha a existência de uma única marcha no progresso, à qual
todos os povos estariam condenados”.
No entanto, na década de 1990, diversas constituições latino-americanas passaram a
reconhecer a diversidade étnico-cultural existente em seus territórios, rompendo com o
paradigma do assimilacionismo cultural. Além da brasileira, de acordo com Santillli (2005, p.83)
passaram a reconhecer a multiplicidade étnico-cultural existente em seu território, a constituição
colombiana (1991), a constituição mexicana, com as reformas de 1992, a constituição paraguaia
(1992), a constituição reformada da Bolívia (1994) e a constituição peruana.
Isto ocorrerá, dentre outras razões, pela inserção reinvidicativa do movimento indígena na
cena política, o que será, a seguir, objeto de análise.
2. O movimento indígena e o diferencial da cultura
A irrupção do movimento indígena na cena pública, trazendo centralidade de suas
demandas para a diversidade cultural, ocorre no final das últimas décadas do século XX e é
tratada por diversos autores.
Caleffi (2003, p.180) aponta as duas Reuniões de Barbados – a primeira realizada somente
entre antropólogos e indigenistas em 1971 e a segunda, em 1977, já com lideranças indígenas –
como importantes momentos na afirmação dos povos indígenas como os verdadeiros
protagonistas de seus direitos.
Giulio Girardi (1997, p.06) defende como marco histórico continental o antagonismo
protagonizado pelos povos indígenas contra as comemorações do V Centenário da Conquista em
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1992. Bengoa (200, p.23) elenca como pontos expressivos do movimento indígena e de sua
consciência étnica o levantamento indígena do Equador, de maio de 1990 e o levantamento do
Exército Zapatista em Chiapas, em primeiro de janeiro de 1994.
Coloque-se em destaque que não se trata de apresentar aqui a resistência indígena comouma novidade, porém de localizá-la nas análises das novas perspectivas de luta que trazem à cena
pública, em protagonismo único, o aspecto cultural e identitário seus direitos.
As ciências sociais elegeram o adjetivo "novos" para indicar o diferencial dos movimentos
sociais surgidos a partir do final da década de 1960 na Europa, tais como o movimento de
mulheres, pacifistas, ecológicos, minorias étnicas que gerou para os teóricos a necessidade de
uma nova categoria de análise, tradicionalmente centrada no movimento operário clássico.
Touraine (1997, p.100), indica que os atores destes “novos movimentos sociais” colocam no
centro do debate aspectos da dimensão cultural do sujeito histórico.
Ilse Scherer-Warren (2000, p.41) explica que os novos movimentos sociais visam à
afirmação de identidades, o reconhecimento de seus valores, o respeito às diferenças culturais e
conquista de novos direitos. Na sua análise, existe uma interação entre os movimentos clássicos
de reivindicação econômica e os movimentos culturais.
Os “novos sujeitos” ou “novos atores” são expressões que surgem para indicar a
emancipação de sujeitos que passam a ser criadores de sua própria história e se contrapor ao
sujeito individualista, abstrato e universal que, de acordo com Wolkmer (2001, p. 237-238) na
América Latina estes são representados, dentre outros, “por oligarquias agrárias, setores médios
da burguesia nacional, por elites empresariais e por burocracias militares”.
Em razão de sua identidade diferenciada, os povos indígenas, assim como os representantes
dos novos movimentos sociais, opõem resistência às diferentes formas de opressão e dominação
cultural e demandam o direito de vivenciá-la livremente: “Los indígenas han cuestionado las
bases del Estado Republicano Latinoamericano, construido sobre la idea de un solo pueblo, una
sola Nación, un solo Estado” (BENGOA, 2000, p. 27).É importante destacar que o estudo da diversidade indígena não pode ser feito de forma
meramente abstrata, ele deve ser contextualizado com base na história e antropologia,
acautelando-se com que elucida Renato Ortiz (1999, p.82), com a distinção qualitativa das
diferenças pleiteadas pelos movimentos sociais.
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Desta forma, é importante destacar que os povos indígenas possuem uma relação
diferenciada com seus territórios, constituindo os direitos territoriais um elemento crucial na
demanda indígena. De acordo com Rouland (2004, p. 20-22) há diferenças entre as minorias e os
povos indígenas, pois estes, ainda que possam representar "o outro" dentro do Estado-nação, possuem um "elo privilegiado" entre território e história, que envolve processos de conquista e
colonização.
Apesar da forte atuação do movimento indígena na cena pública atual, os conflitos e
problemas gerados pelos processos de exploração e dominação estão ainda longe de serem
superados, uma vez que as práticas coloniais ainda se fazem presentes nos dias atuais.
3. Novos direitos indígenas e a teoria crítica dos direitos humanosA teoria crítica dos direitos humanos, tal como expressada por Herrera Flores, visibiliza
que os direitos positivados não estão “gravados na genética humana”, mas resultam de um
processo ideológico de lutas, ilustrando esta ideia com a omissão do direito das mulheres na
Declaração dos Direitos dos Homens e do Cidadão, apesar da atuação das revolucionárias
francesas (HERRERA FLORES, 2005, p.81-82).
Da mesma forma Andrade (2002, p.55-58), ao narrar a história social dos direitos humanos,
pondera que o jusnaturalismo revolucionário francês elegeu, ideologicamente, os temas que
seriam elevados ao status de direitos naturais para sua positivação, deixando de lado o direito das
mulheres e a liberdade dos escravos em seus territórios coloniais.
Apesar do deslocamento teórico operado por Dussel (1993) do debate sobre os direitos
humanos da Revolução Francesa para a construção dos teológos-juristas sobre a legitimidade da
submissão dos povos indígenas ao domínio espanhol, o discurso dos direitos humanos acabou por
ser forjado sob o ideário liberal, que excluía a identidade coletiva.
É por isso que Bringas (2003, p.13) aponta a disparidade entre os universos semânticos dos
direitos humanos e os direitos indígenas na modernidade: “la pro pia lógica del discurso de losderechos humanos se construirá sin observar ni otogar un espacio a la especificidad indígena”.
Uma das lições de Herrera Flores (2005, p.265), em sua teoria crítica, é de que os direitos
humanos podem ser considerados produtos culturais próprios do Ocidente que tiveram e ainda
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tem funcionalidade aos interesses hegemônicos, contudo também representam o processo de lutas
pela emancipação social.
Na atualidade, esclarece que os direitos humanos passam por um processo de lutas que
demandam reconfiguração em sua concepção individualista e eurocêntrica, tendo em vista, porexemplo, a demanda de movimentos protagonizados pelos povos indígenas e pelas mulheres
(HERRERA FLORES, 2005, p. 146).
Se por um lado, os direitos humanos devem ser pensados para além de suas formas técnicas
procedimentais (HERRERA FLORES, 2008, p.12), enfocando os processos de luta pela
construção da dignidade humana, por outro, a doutrina nacional tem buscado inserir as
modificações geradas pelas lutas sociais no quadro de uma teoria geral dos novos direitos.
Wolkmer (2003, p.2-3), tratando da crise do projeto liberal individualista da modernidade
europeia, que no direito expressa-se na identificação entre direito e Estado, pondera:
A teoria formalista, instrumental e individualista vem sendo profundamente questionada por meio de seus conceitos, de suas fontes e de seus institutos diante das múltiplastransformações técnico-científicas, das práticas de vida diferenciadas, da complexidadecrescente de bens valorados e de necessidades básicas, bem como da emergência deatores sociais, portadores de novas subjetividades (individuais e coletivas).
Desta forma, os novos direitos derivam não somente em função de novas necessidades
geradas pelos avanços tecnológicos, degradação ambiental e outros, mas também pela
emergência de atores sociais e ainda que as demandas indígenas sejam históricas, é no final doséculo XX, conforme anteriormente apontado, que se deu a emergência dos povos indígenas
como atores sociais coletivos na cena pública.
Colaço (2003, p.88) indica que pela primeira vez, a Constituição Federal de 1988, com base
na atuação dos movimentos indígenas e de seus apoiadores reconheceu o direito à sua
especificidade étnico-cultural. Os direitos indígenas, apesar de já terem um longo histórico de
normatização pelos Estados nacionais, são hoje reconhecidos, no plano formal, dentro de um
paradigma da alteridade.
Tal modificação, ainda que tenha ocorrido apenas no plano formal, impõe ao Estado na
aplicação dos direitos indígenas o que Deborah Duprat Pereira (2002, p.45-46) denomina por
postulado da inteligibilidade, segundo o qual a cosmovisão indígena deve ser observada.
O protagonismo dos povos indígenas na luta por seus direitos vem contribuindo para a
reformulação do conceito de nação e de outros conceitos da modernidade, projetando no debate
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da democracia a necessidade de abrigar os anseios de uma sociedade que é reconhecida, após
anos de constitucionalismo na América Latina, como pluriétnica e multicultural.
ConclusãoA modernidade burguesa buscou encapsular o projeto de emancipação social dentro dos
valores liberais e do ideário de nação homogeneizante cuja ideologia era a formação de uma
identidade nacional com base na unicidade de línguas, povos, costumes e juridicidade.
Por detrás do discurso da nação houve a tentativa de ocultamento das diferenças culturais
existentes no território do Estado sendo a assimilação a finalidade prevista para os povos e
comunidades tradicionais no Brasil.
No entanto, apesar de todo o esforço estatal, expressado por ações e legislações
etnocêntricas, os povos indígenas lograram emergir na cena pública, demandando o respeito por
sua identidade cultural. No contexto de demais demandas identitárias, conseguiram, com apoio de
vários segmentos, terem reconhecidos em plano constitucional o direito à diferença em várias
constituições latino-americanas.
Os direitos humanos, até então dominados pela visão liberal burguesa, em face da teoria
crítica são considerados produtos do Ocidente que tenta impor uma visão hegemônica, mas
também, apresentam uma face de lutas pela emancipação dos povos. Assim é que uma visão
construída com base nas novas necessidades sociais e na emergência de atores na cena pública
indica que os direitos indígenas podem ser considerados como novos direitos.
As mais variadas demandas da cidadania indígena, tais como a histórica demanda por
território, a demanda por educação e saúde, logram hoje estar inseridas no plano discursivo do
paradigma da diferença, desconstruindo o que outrora se buscou consolidar com a ideia de nação
como interesses de uma única visão de mundo.
Apesar disto, ainda há um longo caminho de lutas para que os povos indígenas possam ter
sua voz reconhecida como uma das vozes da cidadania no Brasil.
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