Adoum Jorge - Batismo Da Dor

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    Primeira Parte

    CAPTULO I

    O que aconteceu a Adonai?

    Adnis? Adonai?

    Abandonou o pas e se dirigiu para onde o sol se pe.

    ltimas palavras de Eva no livro Adonai

    os primeiros dias do ms de Abril de 1920 zarpava o navio "Provence" de Beirute rumoa Marselha. No meio de sua "cara"! levava na terceira classe uma uantidade de

    pessoas bizarramente vestidas e de aspectos di#erentes! embora todos #alassem o mesmoidioma.

    NNaueles tempos! o via$ante desta cateoria era considerado como se #osse um

    animal! nem mais! nem menos! porue a pobreza % sempre ultra$ada! at% pelos pr&priospobres! e considerada como a#ronta! apesar de ue todos os #il&so#os e con#ormistasadormecem as mentes com suas #rases consoladoras.

    'ue penosa era auela viaem! para um homem ue abandonava a sua casa e sua#am(lia em busca de novos horizontes) Mas! ue valor e intrepidez levava em seu cora*+o,ue con#ian*a em si mesmo! para a#rontar todos os obst-culos e vencer os impedimentos! embusca do triun#o)

    ram muitos/ homens! mulheres! velhos! crian*as e $ovens) A maioria se diriia para aAm%rica! continente da liberdade e do ouro. ntre eles se encontravam s(rios! libaneses epalestinos, poucos e(pcios e irauianos. aviam nascidos! crescidos e vividos sobre omesmo solo e debaio do mesmo c%u! mas n+o pro#essavam o mesmo credo! nem a mesmarelii+o. Nesse navio! estamos entre maometanos! iitas! sunies! cat&licos! ortodoos!nussaries! $udeus! drusos! ismaelitas! azidies! e... 'ue mais3) 4omente 5eus o sabe.

    A vestimenta era uma esp%cie de "Babel" 6devemos seuir a mesma interpreta*+o doeeeta b(blico na compreens+o de "Babel"7! em #ormas e coloridos/ uns vestiam cal*8esmuito laros 6sherual7! mantos talhados 6umbaz7 e outros europ%ia de di#erentes modas eidade. :obriam as cabe*as com #z! i;al bedu(no! com len*os! chap%us! e muitos a levavamdescobertas.

    as mulheres3 Ah) las s+o mais inventivas do ue os homens em mat%ria de vestir.N+o se deve #alar disso! porue seria um tema de nunca acabar.

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    #ilhinhos! m+es ue choravam! $ovens de ambos os seos suspiravam por um amorabandonado ou #racassado. =odos uardavam um silncio sepulcral! como se estivessem emum vel&rio.

    A triste separa*+o espreme os cora*8es! para sanr->los e converter o sanue emotas brancas! ue se derramam pelos olhos. ? a tirana e cruel separa*+o! ue divide a vidaem duas! para lan*->las no caos da desespera*+o e da morte.

    "Provence" seuia! a#astando>se da costa libanesa! e os olhos dos via$antescontinuavam cravados nos velhos cumes das montanhas do @(bano, o #io da vis+o seen#rauecia! paulatinamente! para romper>se! por #im! com o cortante e doloroso Ai)...

    Ai) 4(laba composta de duas letras somente! tem o poder de descrever! com toda aeloncia! o estado interno pleno de tristeza e de anstia. Auele "ai"! lan*ado no espa*opor alumas arantas! era desbordante mani#esta*+o de dor! ue enchia os cora*8estorturados pela tirania nost-lica.

    "Ai"! repetia>se como eco em v-rias bocas... Mas...Nada! permanece uieto nem revoltoso na Natureza. C cora*+o humano se rebela ante

    a desra*a, se desespera! por%m! uando compreende ue o in#ortnio n+o tem rem%dio!busca os lenitivos na #iloso#ia da con#ormidade e do determinismo/ "Assim 5eus o uis", "ste% o destino", "Dsto est- escrito".

    A separa*+o da P-tria % como uma oma el-stica ue! #or*a de se esticar! se tornaetensa. Mas! por #im! desaparecem os cumes nevados! e! como cansados! soltam a ponta daoma! o ue d- uma lambada no nariz do via$ante ue ainda continua esticando>a.

    Ai) Erita. C nariz sanra! os olhos se enchem de l-rimas! e! em seuida! reina osilncio.

    FFFFFF

    4e o leitor n+o so#re de maresia! o convidamos a acompanhar>nos em alto mar."Provence" seuia sua rota! cortando as -uas e deiando atr-s uma linha branca

    espumosa! ual uma #erida ue manava sanue em suas bordas.5esaparecia a terra! e n+o se via sen+o -ua e c%u. Geinava um silncio doloroso uetraduzia muitas l-rimas e lamenta*8es. nuanto isso se desenhava a bombordo a #iura deum $ovem completamente im&vel! como uma est-tua! ue contemplava com toda aten*+o oslon(nuos cumes.

    stava de p% e apoiava o bra*o esuerdo sobre a barra de #erro do navio. ra alto!triueiro e simp-tico. stava impecavelmente vestido com um terno cinza! cuidadosamentealinhado! como se tivesse sa(do recentemente da al#aiataria.

    5esde o come*o da viaem! tomou um luar a#astado dos demais passaeiros, n+o#alava a ninu%m e! enuanto o navio se a#astava da costa! contemplava o pa(s ue sees#umava! com olhar sereno. Nos seus l-bios se desenhava um lieiro sorriso enim-tico.

    4euiu absorto em sua contempla*+o! at% ue o v%u vaporoso das brumas ocultou todoo panorama. 5ir>se>ia ue estava ensimesmado e etasiado.Pensava e olhava o lone! comose em suas retinas estivesse a #iura de um sonho! plasmado nas montanhas. m sua #ronte

    $azia a #or*a da rocha! nos olhos a calma do lao! na tarde de um ver+o caloroso. 5os seusl-bios emanava a #% e do rosto! a con#ian*a do asceta. N+o ouvia e nem prestava aten*+o aoue sucedia ao seu redor. Dsolou>se! como uem uisesse na soledade encontrar a solu*+ode um problema, mas! por #im! voltou em si! precisamente uando aluns dos via$anteslan*avam o doloroso "ai". :ome*ou aprestar aten*+o e a passear o olhar esuadrinhador nospassaeiros! como uem uisesse descobrir o mais oculto de seus cora*8es.

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    - 5izia ue auela nuvem! l- no alto! no c%u! e ue caminha nesta dire*+o! loose dissipar-. A vida talvez n+o se$a uma aralhada cont(nua! mas % umsorriso! pelo menos. As l-rimas s+o epans8es do eo(smo! e o riso %desprendimento e altru(smo) Novamente brilha o sol, olha ue #ormoso) N+olhe parece ue ele % um sorriso de 5eus)

    - Mas...- o$e em dia! ninu%m mais morre de amor! embora possa morrer de ripe!

    empacho ou t%dio. Morrer de amor % um velho costume! mas muito #eio! iual auma pessoa ue veste roupa comprida uando est- em pleno uso a roupacurta. J- sei! $- sei) Cbriaram>na a se casar com um homem rico! por%mvelho! #eio! estpido e avaro. Ioc declarou a rebeldia! derramou toda ternurasobre um $ovem inteliente e aora #oe da $aula! para viver livre neste mundode 5eus. N+o tema pelo seu companheiro ue se acha detido! loo estar- livre!por isto! evita apanhar uma pneumonia.

    - @ivre3 @ivre e vir-3 Eritou a $ovem desesperada...- @ivre sim! e vir-. A maior desra*a n+o est- em apanhar uma pneumonia! mas

    em pedir #elicidade desespera*+o.Auela mulher estava pendente dos l-bios de seu imprevisto companheiro de viaem!

    cu$as palavras a conduziam da indina*+o ao assombro! da admira*+o curiosidade e daesperan*a aleria. mudeceu>se! contemplando o rosto do $ovem! como se visse nele!aluma recorda*+o ou sonho remoto. ! enuanto ele se deleitava! contemplando sua beleza!ela lhe peruntou/

    - Ioc me conhece3- Muito. Nunca olvidei este cabelo -ureo! nem os olhos esmeraldinos!

    incrustados no rosto divino! bem como o corpo escultural. Antiamentedevorava>a com a vista! mas voc nunca #ez caso e seuia seu caminho!olhando muito lone! ou a si mesma.

    - Mas! uem % voc3- 'ue vou! a saber! uem sou eu) 'uem pode saber o ue se %) 5isse isto e se

    inclinou contemplando a -ua do mar.Picada pela curiosidade devido resposta! voltou a peruntar/- 5e onde % voc3- u3 5o alto > respondeu! sem olh->la.- N+o % poss(vel saber seu nome3- Ioc n+o pode reter todos os meus nomes! ue ecedem aos do ato em

    -rabe, mas os poucos #amiliares me chamam "5on".- 5on... 5on... Nunca ouvi este nome.- ue culpa tenho! senhora Nur3 Bem! aora creio ue $- n+o tem vontade de

    tomar um banho de -ua salada. At% a vista.ncaminhou>se em dire*+o escada ue conduzia ao sal+o da seunda classe.Nur! assim e#etivamente chamava>se a mulher, #icou im&vel e estupe#ata. Pensou/

    :omo um homem estranho conhecia sua hist&ria3) le estava enamorado dela con#orme

    con#essou3 :omo sabia ue seu amado ia ser absolvido da tentativa de assassinato contra opr&prio marido! ue o peou em #larante com ela3

    As medita*8es a#astaram de sua mente a id%ia de suic(dio! mas acenderam a chamada curiosidade e da Knsia.

    Nur era a uinta das sete irm+s! cada ual mais bela do ue a outra. 'uatro secasaram em vida dos pais! masela! na idade de dezesseis anos! #icou &r#+. =eve amparo do:ura do povo! como tutor! ue se enamorou dela. Para conserv->la para si! casou>a com umlavrador! velho estpido! por%m! rico. Passaram>se os anos e! Nur se despertou para a vida!mas n+o para o verdadeiro amor. Muito se #alou de sua conduta! at% ue! por #im! se

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    entreou! de corpo e alma! a um $ovem estudante de medicina. Avisado por outros $ovens uen+o conseuiram os #avores de Nur! o marido descobriu a in#idelidade. 'uis vinar a honraimprovisada! mas o amante disparou um tiro de rev&lver! ue lhe #eriu levemente. ouveescKndalo! processo! captura e encarceramento do r%u. C $ovem era sobrinho do bispo! eeste! amio dos #ranceses! e os #ranceses eram os senhores do pa(s... 5e maneira ue oassunto se tornou muito simples. Nur! desesperada pelo escKndalo! abandonou o povoado! aconselho do amante. =omou o primeiro navio! ue a conduziria para a Am%rica.

    A beleza de Nur era incompar-vel! mas sua cultura muito de#iciente, somente sabia lere escrever. A desra*a obriou>a a #uir, mas encontrando>se s&! sem maiores recursos!sentiu ue a desespera*+o a intimidara! pensou em suic(dio, ia lan*ar>se ao mar! uandointerveio o desconhecido.

    Mas! aora $- n+o pensava em morrer. 'ueria saber de seu salvador! uando veria seuamante e como soube ue ia ser libertado.

    Por%m! como poderia chear a ele3 :omo #azer #alar auela es#ine3 'uis seui>lo edet>lo para suplic->lo! no entanto! havia desaparecido.

    Ioltou a olhar a -ua. C mar lhe inspirou horror! avers+o e medo.'ue etraordin-ria % a mente humana) 5e um momento para outro trans#orma o amor

    em &dio! o poder em debilidade e at% o branco em preto.! enuanto Nur analisava o seredo das pr&prias emo*8es! soou a campainha

    anunciando a hora do almo*o.

    FFFFFF

    ram trs horas da tarde. Nosso $ovem! chamado ou ue se #ez chamar 5on! ocupavao mesmo posto a bombordo! aonde o vimos pela manh+. Cs passaeiros iam e vinham muitoperto olhando>o, aluns! baiavam a voz uando aproimava, mas... le estava muito lonede seu corpo, n+o via e nem ouvia nada do ue ocorria em seu redor.

    enuanto os lentos minutos se passavam no rel&io do tempo! e os passaeiroscochilavam entre si! uma mulher! a #ormosa mulher ue conhecemos h- pouco! Nur! saiu deum recanto do navio e diriiu seus passos para onde estava o solit-rio. :heando perto!sorriu! tomou>lhe o bra*o e pediu com voz entrecortada pelo medo! como uem est- obriadoa rir a um doente rave! para dar>lhe Knimo.

    - 4uplicou>lhe...! 4e$a bom e deie>me contar o ue aconteceu, n+o se zanue,est+o nos olhando.

    5on despertou de seu letaro! olhou>a com do*ura e lhe disse com muito carinho enaturalidade/

    - C ue sucede3- 4im! assim uero ue me olhe! e suplico mantenha esta atitude! sorridente...

    - st- bem! $ovem.- N+o sei como come*ar... sta ente cr ue tem direito de maltratar a toda

    mulher. Perseuem>me! o#endem>me! diriem>me palavras impudicas.Nur calou>se a#liida pelo desosto. m seus olhos assomou certa umidade como

    press-io de l-rimas.5on observou>a por momentos e #alou em voz baia/- Por ue se admira e #ica t+o indinada3 N+o sabe ue a culpa % sua3 'uantas e

    uantas vezes tem voc eercitado todo estes #ormosos olhos ante o espelho! paraadestr->los ao ataue3 esta boca provocante! uantos dias e noites tem!ensaiado o esto nos l-bios para apanhar a v(tima3 N+o deve culpar estes pobres

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    seres! minha amiuinha, estes seus eerc(cios se converteram! em voc! em umapr&pria e seunda natureza. 4e$a mais severa consio mesma e indulente comeles! e as coisas se mudar+o. N+o sabe ue o eterior % o re#leo do interior3

    Nur ouvia atHnita as #rases e n+o sabia o ue responder ao homem ue lia em seucora*+o, a princ(pio! teve temor! ueria retroceder! mas sentia>se con#usa.

    - nt+o! estou marcada...3- Ioc marcou>se a si mesma, mas % #-cil #azer desaparecer o estima. ? isto tudo o

    ue ueria me dizer3- N+o... 5urante o almo*o me aborreciam com certas insinua*8es e! sem saber

    porue! me lembrei de voc! e lhes disse/ "Aora veremos o ue dir- o meu irm+ocom respeito ao procedimento de vocs para comio)" Aluns #icaramsurpreendidos e peruntaram/ "? seu irm+o auele ue #alava com voc estamanh+3" eu lhes disse ue sim e ue o comandante do navio o convidou aalmo*ar! poru s+o amios (ntimos.

    5on ao ouvir as mentiras t+o bem preparadas! n+o pHde conter uma aralhada! aprinc(pio! mas loo despertou realidade! #ranziu o cenho! para em seuida peruntar/

    - aora! ue pensa #azer3- Mas... calou>se para levantar seu cabelo da #rente e! Nur pensava... :heia de

    ansiedade/ seuiria ele sua #arsa3 A desmentiria3 'ual seria sua situa*+o! secheam a saber ue os havia enanado3

    nuanto isto! o $ovem media a responsabilidade das palavras pronunciadas porauela mulher. 5esmenti>las seria muito doloroso para ele.

    :omo poderia repelir a esta criatura! ue se re#uiava nele e lhe pedia prote*+o3) ue seria dela! se cheassem a descobrir o contr-rio3 N+o era ela a #ilha do melhor amio deseu pa(s3 'uantas vezes! ele crian*a e adolescente! esteve em sua casa e comeu de seup+o3 'uantas vezes o pai de Nur carreava>lhe e acariciava>lhe! dizendo/ ":omo %s bonito einteliente! meu #ilho! ue 5eus te conserve para teus pais)"

    5on rememorava tudo. 5everia proceder como #az todo mundo/ morto o amio!ninu%m viia os #ilhos3 A amizade deve ser como a pele de serpente! ou como uma nuvemde ver+o3

    Amizade) Amizade)

    Mas! se a aceitasse como irm+! como poderia dei->la com os demais! para ue amolestassem durante toda a viaem3) ! como a levaria a viver com ele na mesma cabine3

    le comprou passaem de terceira classe! mas paou mil #rancos pela cama de ummarinheiro e para ue este lhe servisse comida de primeira classe. Paaria outros mil #rancospela cama de outro marinheiro! para ced>la a Nur3

    enuanto buscava a solu*+o do problema! Nur suspirou/- u deveria ter me suicidado. :auso sempre desra*as s pessoas com as uais

    lido.5on olhou>a com ternura mesclada de tristeza e disse/- "spere>me aui! volto num momento.L se #oi em busca do marinheiro. 5ez

    minutos depois peruntou/- =ens baaem! onde est-3la olhou>o surpreendida! e #oi buscar a mala. Cs supostos irm+os se instalaram a s&s!

    na mesma cabine.5epois de uardar silncio por um momento! disse 5on/- Nur... scuta>me... =u n+o podes olhar e nem #alar com ninu%m! a n+o ser em

    minha companhia.- st- bem.- 4e alu%m te diriir a palavra! n+o deves responder! nem prestar aten*+o! se n+o

    #or teu conhecido. ntre os passaeiros eistem os ue s+o amios3

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    - Ninu%m.- Pois! tomo tua palavra e roo obedecer>me para o teu bem. Podes tratar>me por

    "tu"! pois sou teu irm+o.

    Captulo II

    A ss

    auela noite! depois da ceia! os $ovens sa(ram para receber o ar #resco! mas! como #azia#rio! optaram por reressar ao camarote.NEuardavam silncio! e cada ual pensava nos pr&prios assuntos e problemas.5on estava muito inuieto em seu cora*+o! enuanto ue Nur ozava de tranilidade

    interna ue enchia todo o seu ser. le n+o #alava para n+o mani#estar a inuieta*+o! e ela!para n+o a#uentar sua aleria.la recostada na cama! e ele! em #rente! sentado em uma cadeira.5on n+o estava arrependido pelo #avor #eito $ovem! por%m pela maneira ue #oi #eito.

    le buscava soledade e reclus+o! e aora se encontra perto de uma mulher sumamente belae couete. Pensou na #rase de 4+o Paulo/ "u #a*o o ue n+o uero #azer." Mas! uem lheobriou a #azer o ue havia #eito3 st- bem ue se trata de salvar uma mulher desesperada!mas! ue obria*+o tinha de traz>la para seu pr&prio camarote! de cuid->la e de#end>la!para loo carre->la sobre seu cora*+o e em sua mente3 ram oito dias e oito noites uedeveria suportar esta cruz! at% chear a Marselha.

    :onsultando seu cora*+o n+o notou censura, ao contr-rio! sentiu alo de satis#a*+o.

    Nur! por sua parte! estava bem tranila. steve nos bra*os da morte! e livrou>se dela.'ue pesadelo horr(vel era essa lembran*a) neam ue eistem an$os sobre a terra! estehomem era um an$o. @ivrou>a dessa ente t+o m-, mas! porue ele disse ue a m- era ela en+o os outros3 C pensamento a torturou.

    Numa cama macia! depois de uma rica ceia! e ao lado de um amio! estava #eliz. A#elicidade % oposta tristeza em suas mani#esta*8es. A tristeza % soledade e silncio. A#elicidade e a aleria pedem epress+o! sempre tratam de se mani#estar! n+o podem #icarmuito tempo em calma e uietude.

    Nur sentou>se beira da cama! diriiu um daueles olhares ue s& ela sabia mane$ar!e! com um sorriso mais arad-vel do ue uma boa not(cia! peruntou/

    - Aora ue $- somos irm+os! posso saber teu nome3

    C $ovem se #ez absorto em sua medita*+o! e n+o a atendeu.- N+o me ouves3 Dnsistiu Nur.- :omo... 'ue...3:onservou a atitude anterior. Gepetiu a perunta! acrescentando/- Cnde est-s3- Aui estou... 'ue #alta #az saber ou n+o meu nome3 N+o est-s contente3)- stou demasiada #eliz.- Alero>me.- 5isseste! antes! ue me amavas.- Antes te ueria! por%m! aora te amo.

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    A $ovem pensou na resposta para deci#rar o sentido! mas n+o conseuindo! peruntou/- 'ue di#eren*a h- em uerer>me antes e amar>me ho$e3 por u empreas este

    "por%m"3 N+o te entendo.5on pensou para responder com uma #rase clara! mas n+o a encontrando! recorreu a

    uma compara*+o e peruntou/- 'ueres muito a %li3- omem) st-s inteirado de tudo) 'uem %s tu3- Gesponda>me a perunta.la pensou por um momento/- 4im! uero>o muito.- Pois bem! ue sentias uando ele te acariciava! o ue ansiavas! o ue dese$avas3Nur pensou! inclinou seu olhar para #i->lo no tapete! e! loo disse lentamente! como

    uem tratasse de epressar um sentir pro#undo e pint->lo com todos os seus detalhes/- Nauele momento! uisera ue #osse completamente meu, uisera absorv>lo,

    aspir->lo, amarr->lo! encade->lo! prend>lo. 'ue te direi3 'uisera com>lo! masc->lo! tra->lo.

    - timo) timo) 5isse o $ovem! rindo>se. :reia>me ue estiveste admir-vel nestaresposta. Aora vamos ver se podes responder a esta outra/

    - Gecordas uando tua m+e estava en#erma de cKncer3Nur tremeu ante auela lembran*a dolorosa e tr-ica! e as l-rimas invadiram seus

    #ormosos olhos.5on viu ue Nur era muito mais #ormosa na dor do ue na aleria, a mulher se

    convertia em an$o. N+o pHde evitar de acariciar seu rosto e cabelos de ouro com sua m+o e!continuou a perunta/

    - C ue sentias uando tua m+e chorava de dor3 'ue ansiavas3- Ai) Minha pobre e adorada m+e) 'ue ansiava3... Ansiava dar>lhe meu sanue!

    minha sade. Pedi a 5eus ue me levasse! em troca! contanto ue ela vivesse s+.'uantas vezes dese$ei dar minha vida por ela... Nur se desatou em pranto.

    C $ovem sentiu ternura pelas l-rimas repletas de a#li*+o, aproimou sua cadeira ecome*ou a acarici->la silenciosamente! com as m+os! olhando>a detidamente.

    Nur reaiu rapidamente! olhou os olhos do companheiro e sentiu uma esp%cie decorrente el%trica ue invadia todo o seu corpo.

    5on retirou as m+os dizendo/- sta % a di#eren*a entre o uerer e o amar...No momento! a $ovem n+o entendeu! porue auelas recorda*8es haviam #eito es#umar

    de sua mente o ob$eto da conversa/- N+o te entendo.- N+o me havias peruntado a di#eren*a ue eiste entre o uerer e o amar3 Pois! tu

    mesma a descobriste, o uerer pede posse! o amar se d- incondicionalmente.Nur pensou nauelas palavras durante um instante! e suspirando disse/- nt+o! seundo esta de#ini*+o! nunca amei aos ue tenho uerido.- N+o sei! isto depende. =u mesma deve analisar os pr&prios sentimentos... C

    homem pode amar a muitos sem uer>los! e uerer a muitos sem am->los, por%m!estou seuro de ue n+o se pode amar e uerer ao mesmo tempo! sen+o a um s&ser, embora isto se$a muito raro! % uma ece*+o rera.

    - tu tens amado e uerido! aluma vez! a uma s& pessoa3- N+o sei como responder perunta. =enho amado e uerido! mas como meu

    uerer n+o teve realiza*+o! sio duvidando. C amor e o uerer n+o se encontramsen+o entre o homem e a mulher e na uni+o seual santa, mas este milare seproduz somente em cinco uni8es entre cada milh+o de pares.

    > 5izes! a uni+o seual santa3 'ueres dizer! o matrimHnio3

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    - ? o mesmo. Acaso o matrimHnio n+o % a uni+o seual santa! e esta n+o % omatrimHnio3 Cu crs ue isto consiste! tOao somente! na ben*+o do sacerdote3

    - N+o me #a*as rir. N+o %s crist+o3 N+o tens ouvido os sacerdotes ensinar ue omero pensamento no seo % um pecado mortal3

    5on sorriu! tratou de dar sua voz um tom de calma! e peruntou/- 5e uais sacerdotes me peruntas3 5os ue s+o como o Padre Miuel3Nur! ao ouvir a perunta! empalideceu>se! tremeu e bruscamente se pHs de p%.

    Aarrou 5on! ue a observava admirado de sua atitude! sacudindo>lhe os ombros! lhe dissecom voz entrecortada pelo pranto e a c&lera/

    - =u... ?s... =u... ?s! e como n+o encontrava o ad$etivo adeuado para aepress+o! empurrou o $ovem e se lan*ou na cama! para chorar solta.

    FFFFFF

    5on emudeceu>se. 4euramente ela acreditou>se mencionada nesta eplica*+o!embora ele! nunca tivesse a inten*+o de #eri>la. :ome*ou a sentir>se irritado por talprocedimento e peruntava a si mesmo/ 'ue tenho eu ue ver com esta mulher! e porue lhe

    dou tantas eplica*8es sobre coisas ue nunca entender-3 Por u acreditou ela ue ueroo#end>la3 5evo cortar de uma vez estas cenas.

    enuanto! no aposento! seuiam os suspiros e o pranto! 5on se pHs de p% e dissecom voz severa! por%m tranila/

    - scuta>me senhora! por um momento! e depois podes chorar durante toda a noitese uiseres. =u me o#endeste ao crer ue sou capaz de #erir>te e lan*ar>te a pedra,tua sensibilidade chea ao histerismo. N+o me desculparei pelo ue n+o cometi. J-mataste o pouco carinho ue tinha por ti.

    Nur se continha para poder escutar essas #rases! acreditando! de in(cio! serem dedesculpas e desaravos, mas uando ouviu as ltimas! levantou>se bruscamente do leito!abra*ou o $ovem e suplicou>lhe/

    - Por 5eus! n+o me maltrates assim)- st- tudo acabado.- Pois eu me lan*o ao mar.5isse isto e! com a rapidez de um pestane$ar! abriu a porta do camarote e se atirou

    para #ora.5on! sem perda de tempo! e visualizando o uadro! correu atr-s dela! e a aarrou

    pelo cabelo! perto da balaustrada. =ravou>se a luta entre os dois! ele ueria reconduzi>la cabine! e ela n+o ueria soltar>se de onde estava a#errada. Por #im! vencida #or*a! #oiarrastada ao camarote.

    No lapso de dez ou uinze seundos! o $ovem 5on havia sentido e vivido o medo detodo um s%culo! cheio de desespera*+o e anstia. le aia mauinalmente! mas sua mente

    #ilmava uma pel(cula de dias e anos.le3 C causador de um suic(dio3 as averiua*8es! o escKndalo e o $u(zo3 'uem oobriou a meter>se como salvador para so#rer semelhante desra*a3 le ue vivia a#astadode todos) ra a voz do cora*+o ou da mente ue o enanou! para sentir a debilidade chamadacaridade! e trans#orma>se em protetor desta mulher hist%rica3 N+o % necess-rio buscar o mal!ele vem por si mesmo...

    No entanto! Nur continuava #or*ando para livrar>se de suas m+os/- 5eia>me... 5eia>me...- scute>me.- N+o uero escutar nada... 5eia>me.

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    - N+o me obriues a te maltratar! roo>te pela mem&ria de teus pais, acalma>te.A $ovem! ao ouvir o con$uro! tremeu um instante! acalmou sua ecita*+o! tratou loo de

    desprender>se dos bra*os ue a envolviam! para sentar>se na cama! #atiada! pensativa etriste.

    5on aproimou dela a cadeira! sentou>se! tomou>lhe as m+os! e olhou>a com censura/- sta % minha recompensa! Nur3 Dsto % o ue mere*o de ti3- 'ue te importa a minha pessoa3 =u me desprezas.- u n+o te desprezo! menina.- Assim me disseste! e eu n+o uero a caridade de um ser ue me odeia.- C ue est-s dizendo. =u podes acreditar ue eu se$a capaz de odiar>te ou de odiar

    a alu%m3- Acabas de dizer ue $- n+o me ueres.- Mas o ue n+o uerer de uma pessoa! n+o sini#ica ue a odeia.- Mas sini#ica indi#eren*a! e isto % pior do ue o &dio.- N+o me %s indi#erente! Nur, do contr-rio n+o te suplicaria tanto.- Mas n+o me ueres.le n+o dese$ando provocar outra cena iual a anterior! respondeu/- 4im! sim! te uero.- nt+o! bei$a>me.- Mas! se isto n+o #or um castio.- Bei$a>me aui na boca.le n+o pHde conter o riso ue se trans#ormou em aralhada. ez um esto para

    bei$->la! por%m os l-bios n+o obedeciam! enuanto ue ela os mantinha estendidos emposi*+o de bei$ar. m poucos seundos! o riso de 5on a contaiou! e se pHs a rircompletamente vontade. 'uando passou o acesso! o $ovem levantou>se! #echou a portacom a chave.

    - Aora! a dormir.- o bei$o3- =oma>o. stamos em paz3- Assim % ue sabes bei$ar3 'ue veronha)le rindo>se/- 'ue culpa tenho! se n+o me ensinaram melhor3- Pois eu te ensino. antes de terminar a #rase! $untou a boca do $ovem! ensinando>lhe praticamente!

    todos os m%todos e eerc(cios do bei$o.5on n+o se movia! deiava>a praticar todas as suas manobras, mas! em poucos

    minutos concebeu um plano de#initivo.N+o se sabe uanto tempo durou a cena! mas uando se separaram! ela ironizou/- Assim se bei$a! peda*o de elo)5on riu/- Iamos dormir ou n+o3- 'ueres dormir em cima ou em baio3 Peruntou ela! brincando, mas! ao ver o olhar

    severo do $ovem! continuou/- Na cama de ima ou nesta3le! com toda a seriedade/- scolhe a ue ostes mais.Nur estava recostada e Adonai sentado ao seu lado. la recebia a luz da lKmpada

    diretamente no rosto! calada e pensativa! recordava! talvez! os sucessos do dia! ou pensavaem seu poder de atra*+o.

    :om a m+o direita apertava a esuerda dele com tanta #or*a! como uem uisesseatrair>lhe e con#undir>se com o $ovem.

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    ... @oo o olhou...

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    - st+o dentro e #ora! como ue desenhados sobre o rosto e #ormam parte domesmo.

    No momento! 5on n+o uis pensar em descobrir o sini#icado destas palavras! paran+o distrair sua aten*+o. Peruntou novamente/

    - Podes ver meu corpo3- 4im.- 5escreva>o.- ? uma rede de tubos muito complicados! rodeada de uma aur%ola de -s! com

    muitas luzes e cores. Ie$o uma ruptura nele... se em cores con#usas.C $ovem recordou uma passaem antia de sua vida e peruntou/- 'ue vs3- me3- 4im! $- sei! $-... Molhei>te a roupa na #onte e me paastes.5on havia se esuecido dauele #ato! mas aora recordou uando os dois eram

    crian*as! e sorriu... Por%m! sua mente estava ocupada em outras coisas. :ontinuaria ainterroa*+o3 N+o a #atiaria demasiado3 Pensou eperimentar alo mais! para certi#icar>sede#initivamente! e! concentrando>se! voltou a peruntar/

    - aora! o ue vs3- C mesmo anci+o de barba branca... Clhos laucos... ronte alta e serena...

    4orriso bondoso... Clhar penetrante... Clhar doce... 4ereno. Aora... stadonatural com cores rosa! viol-cea... Amarela.

    - Podes descrever como se movimentam as luzes3- 4aem como ue de uma lamparina sem mecha! v+o lone e uma parte volta a

    entrar no corpo! e pelo nariz! para brilhar mais e mais.C $ovem permaneceu meditando um pouco! e optou! em terminar a eperincia/- Aora tens ue continuar dormindo tranilamente! e te despertar-s alere e

    satis#eita. Bendita se$as)

    Captulo III

    !ontempla"#o e $edita"#o

    ur3) 5i#(cil descrever a beleza de Nur com palavras) At% seu nome encerra em si umapoesia! um encanto! uma maia) Nur sini#ica "@uz". ra uma Inus de Milo! por%m!

    loura e branca. A tez alva era matizada de rosado, seus olhos! aueles olhos esmeraldinos!t+o #ormosos! brilhavam e saltavam para loo se auietarem! se entristecerem e se encheremde Knsias remotas! passadas e #uturas.

    N

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    A #ronte nobre! $uvenil e ampla, o nariz sim%trico e per#eito! a boca mimosa!perturbadora e #ascinadora. 'ueio #eito especialmente para as car(cias do polear e do(ndice, colo e aranta cinzelados! corpo -il e #le(vel, duas pernas cheias de manetismo! e!rematando>as! dois p%s #eitos por artista amante.

    leKncia sem premedita*+o e ra*a inata. Bendita se$a a Natureza ue pode criarmodelos t+o per#eitos de #ormosura e mestria)

    A sensibilidade de Nur era ecessiva! ue unida sua inorKncia e sua supersti*+o!#ormavam uma personalidade inve$-vel para um homem ue se dedica a provocar estadosps(uicos. ra sumamente #an-tica! estendia sua relii+o tal como lhe havia ensinado seuamio! o sacerdote.

    FFFFFF

    =erminada a eperincia! cu$o come*o #oi t+o natural e o #inal t+o surpreendente! 5onpermaneceu ensimesmado e etasiado por auela indescrit(vel beleza ue tinha muito poucode humano.

    C ue eperimentava 5on em seu interior3 C ue sentia em sua alma3

    Cndas de #oo ue subiam desde o baio ventre! para envolver o cora*+o e estancar>se nele! e o converter em chamas.

    Aora! Nur dorme o sono natural, sua #ace est-! novamente rosada e a respira*+o setornou normal. "5on! $- deves deitar>te tranilamente! muitos problemas te esperam! paraserem resolvidos. 4+o duas horas da manh+! e tu ostas de dormir cedo) st-s bem! maspoder-s dormir3 Dntenta>o)"

    4ubiu! cuidadosamente! cama superior e se deitou de costas. Apaou a luz.:ome*ou a meditar! e a peruntar a si mesmo! s vezes respondia e outras n+o. ...

    'ue mist%rio descobri esta noite3 Minha cabe*a rande e transparente! como uma bolade cristal... Brilha com diversas cores... =udo % natural e conhecido... Mas! nelas se vm#iuras humanas e rostos...

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    nt+o! o homem de pensamentos #irmes! pode esuadrinhar o mist%rio da alma e ospoderes latentes ocultos em si mesmo.

    =odos sentem amor! por%m! cada indiv(duo percebe o ob$eto do amor seundo aimaem #ormada por seus dese$os! na pr&pria mente. =udo aparece de acordo com o cristalpelo ual se olha.

    C c%rebro n+o % o pensamento! mas % o instrumento ue #acilita o ato de pensar.=amb%m n+o % id%ia! mas % o molde ue lhe d- #orma. =+o pouco o c%rebro % o pensador!mas % o seu mecanismo! atrav%s do ual se cria.

    =odo pensamento ue chea a ser uma id%ia #ia! se converte em a*+o no mundomental e se es#or*a por cristalizar>se no mundo #(sico.

    C pensamento no mundo mental! rava primeiro a imaem na bola de luz! con#orme aseplica*8es de Nur. C pensamento mais #orte! persiste! a#astando os mais d%beis! comosucede em todos os mundos! depois com a persistncia e o tempo! modula at% as #ei*8es dohomem e lhe ensina a maneira de ser! porue o homem n+o obra seundo sua #orma! sen+oseundo seus pensamentos.

    5este modo! uando a mente re#letir as imaens dos seres! chear- a conhecer ose#eitos ue produzem na conscincia, da mesma maneira podemos dizer dos pensamentos!dos dese$os e das a*8es! ue s+o mani#esta*8es na mat%ria mental! embora de#iramtotalmente pelo car-ter di#erente das cores. =odo o pensamento a#eta a mente por umacombina*+o de ondas.

    =odos os e#eitos de nossos pensamentos! dese$os e obras passadas! #ormam! em cadaum de n&s! a mente modulada pelo nosso pr&prio uso. 5e modo! ue n+o podemos mud->labruscamente por um es#or*o de vontade! nem prescindir dela! nem a#astar instantaneamentesuas imper#ei*8es, desta rera deduz>se ue! para sermos bons! temos ue pensar bem! etemos ue ter bons dese$os e bons sentimentos.

    =em raz+o o "@ivro dos Preceitos de Curo"! ao dizer/ a mente % o criador da ilus+o... essas luzes ue saem do corpo e voltam a ele novamente3 Dsto con#irma a seuinte

    rera/ "uando o pensamento a#eta a substKncia mental ue a rodeia! cria vibra*8es naconscincia! ainda ue se$a com pensamentos #uazes, atrai -tomos mentais a esta rei+o eao mesmo tempo epele outros. 5e maneira ue a #or*a do pensamento % dual/ centr(peta ecentr(#ua".

    Cs pensamentos baios e vis atraem ao homem materiais rosseiros! adeuados suaepress+o! mas! ao mesmo tempo repelem aos #inos e di-#anos! para ocupar seu posto, damesma maneira sucede com os pensamentos harmHnicos e bons! ue! ao ocupar a atmos#eramental! desalo$am aos rosseiros.

    O %omem aspira os &tomos a'ins aos seus pensamentos.Admitindo estes #atos eatos! se compreende a in#inita responsabilidade ue constitui a

    educa*+o das crian*as e dos maiores e! bem assim! a auto>educa*+o para os seresconscientes de seus deveres! at% inculcar e in#undir na atmos#era mental! pensamentos e atosue! a partir de um momento determinado da vida! eercem neles uma atra*+o ben%#ica.

    'ue rande s-bio % auele ue ensinou/ "N+o se deve pecar pelo pensamento! nempensar mal de ninu%m." le sabia ue pensar mal! % #erir>se a si mesmo... ... ...

    nuanto 5on analisava e meditava estes problemas e se es#or*ava em esclarec>los! notou ue n+o tinha o mesmo estado de antes, n+o dormia! porue estava consciente,n+o estava acordado! pois n+o podia mover o corpo! e ao mesmo tempo viu ue Nur estavacom ele no leito.

    :omo se despertou e atreveu a subir at% ele3 :omo n+o sentiu ele seu movimento! aoescalar at% a sua cama3

    No come*o! invadiu>lhe uma onda de indina*+o e uis reprov->la #ortemente! mas...Ah... Ah... Ah... Giu>se e novamente riu>se... ! em seuida peruntou/

    - C ue ueres3

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    - N+o vs como estou3- :omo est-s3- stou muito #eliz.- Nada mais do ue morta em vida.- Morta! eu3 :omo posso estar morta estando viva3 st-s brincando comio3- Clha teu corpo.la se assustou/- 4ou dupla! meu 5eus) stou sonhando3- 4im! est-s sonhando acordada! como se diz eralmente! em estado de vi(lia, mas!

    est-s morta conscientemente.- Dsto % uma maravilha) 'ue ventura) J- n+o sinto nenhuma a#li*+o! nenhum mal

    estar. stou -il! desembara*ada, livre! livre e #eliz...- :rs isto)- :omo n+o cr>lo! se esta % a realidade3- A realidade... A realidade... 'ue sabes da realidade3- 4e$a o ue #or! uero continuar assim! neste estado.5on recordou um #ato distante! em ue outra mulher no mesmo estado! disse as

    mesmas #rases. :alou>se! pensando melancolicamente e! como n+o respondeu! Nurprosseuiu/

    - C ue tens3 Por ue n+o #alas3- C ue posso dizer3 =u dese$avas morrer! e $- est-s morta, se ueres seuir assim!

    podes #az>lo! mas! deia>me em paz.- :omo posso acreditar ue estou morta! pois! onde est+o o purat&rio e o in#erno!

    dos uais se #ala tanto3- N+o te preocupes! h- de senti>los e! ent+o chorar-s inconsolavelmente! pela perda

    do teu corpo.Nur! ao ouvir essas amea*as! sentiu o e#eito do medo precursor da desra*a! e

    peruntou temerosa/- ? certo ue h- #oo abrasador! demHnios ue torturam! v(boras e outros

    so#rimentos35on pensou um momento! sem saber o ue deveria responder. :omo poderia eplicar

    com palavras simples verdade a uma mente inculta e #an-tica3 N+o seria perda de tempo!tratar de inculcar na mentalidade de uma crian*a um mist%rio ue n+o % compreendido pornoventa e nove por cento da humanidade civilizada e culta3 'ue deve #azer nesse caso3

    5epois de uma rande pausa/- scuta>me! Nur. 4e dio ue eistem o in#erno e o demHnio! tal como o

    concebes! estou mentindo, se dio ue n+o! tamb%m minto. Atente bem/ oin#erno e o demHnio eistem! porue n&s o criamos. C in#erno % o estado daalma ue n+o cumpriu as leis naturais e divinas. C demHnio % o con$unto#ormado pelos maus dese$os! pensamentos! palavras e obras. J- ve$o ue n+oest-s entendendo nada. Mas! de ue maneira te posso #azer entender>me3...

    Pensou um pouco! enuanto a $ovem continuava atenta! escutando! sem atrever>se a

    dizer coisa aluma.5epois! 5on continuou/- J- vais sentir o in#erno.- N+o. =enho medo! ritou ela.- Mas! n+o sentes ue o medo % uma #ase do in#erno3

    A mo*a n+o respondeu! talvez porue n+o tivesse compreendido a perunta. 5oncontinuou/

    - J- o ver-s. Clha/ nestes momentos tens muita sede! muita sede! uma sede uete abrasa! ue te consome...

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    Nur sentiu>se muito perturbada e incomodada! e disse/- #etivamente tenho muita sede. Ai) 'uero -ua) Qua! por 5eus! -ua)- ? simples! vai tomar -ua, ali tem uma arra#a e um copo.Nur se lan*ou para o luar indicado para satis#azes sua necessidade e! ent+o!

    come*ou a se desenrolar uma cena t+o horr(vel! ue causava riso e terror ao mesmo tempo.A $ovem uis aarrar o recipiente! estendeu a m+o e... 'ue horror... 'ue surpresa...

    'ue espanto... 'ue desespero... 4ua m+o #lu(dica atravessou a arra#a! sem poder aarr->la.No princ(pio! se deteve surpreendida... m seuida! repetiu a tentativa! mas! #oi intil,

    novamente ensaiou com as duas m+os, mas! tudo em v+o. Nur! ent+o! teve pavor e peruntoua si mesma, C ue se passa3 C ue me sucede3 Clha! 5on! n+o posso aarrar o copo) Ai!tenho sede) 5on! -ua! por 5eus! -ua! sen+o morro de sede)

    5on a contemplava impass(vel e ela procurava! por todos os meios humanos! beber a-ua encerrada na arra#a. 5ava voltas ao redor do copo! estendia as m+os com desespero,aproimava a boca! tirava a l(nua para #ora a #im de obter! embora! ue #osse! uma ota,mas! assemelhava>se! nauele momento! a um novo "=Kntalo"! como % descrito pelamitoloia.

    - Qua... Morro de sede... Qua... Minha boca est- seca! minha l(nua arde! meucorpo se calcina... Qua! 5on! d>me -ua...

    C $ovem teve compai+o! mas continuou nesse estado de indi#eren*a ou procurouaparent->lo.

    5o corpo #lu(dico de Nur! milhares de anchos et%reos coloridos ue procuravam colhero copo e a arra#a! mas! n+o havia esperan*a de alcan*ar o seu intento! so#ria a mesmadecep*+o de uem procura aarrar a lua ou aluma estrela, dir>se>ia ue suas m+os eram de#uma*a ou de luz ue n+o tocavam em nenhum corpo s&lido.

    nt+o! mudou>se a atitude da mulher. =ornou>se repunante e a c&lera se apoderoudela. :omo uma leoa! ue d- pancadas na v(tima! come*ou a olpear a arra#a e o copo! comas m+os! para derrub->los e despeda*->los. Dnclinava>se sobre eles! e de seu corpo saia umaatmos#era nera avermelhada! e #ormas t+o horrendas! ue assustariam at% ao mais valente.C ambiente se tornava cada vez mais denso! mais #at(dico e! as #ormas ue emanavam delarelampeavam com maior intensidade e! uanto mais impotente se sentia! mais c&leradespendia! cheou ao etremo! ue todo o corpo da mulher se converteu em uma pira

    ardente.'uanto tempo durou auele supl(cio de =Kntalo3 Por%m! uem pode medir o tempo da

    desespera*+o3 Acaso os minutos! neste estado! n+o se eivalem a anos3)'uando Nur! desesperada! eausta por tantos es#or*os inteis! se deu conta de sua

    incapacidade! a$oelhou>se ante 5on e suplicou com uma atitude ue traduzia todadesespera*+o de uma alma condenada/

    - 5on! meu irm+o! salva>me! salva>me.- Por u te ueias! Nur3 Dsto % o ue so#rem os ue se suicidam.- :omo3) Assim so#rem os suicidas3)- Dsto n+o % nem a mil%sima parte dos so#rimentos.- Ai) :omo sou desra*ada)- ue te parece o in#erno3- 4uplico>te! roo>te! salva>me! isto % horr(vel. =enhas compai+o de mim! estou

    arrependida, n+o voltarei nunca mais a pensar nesta loucura. Prometo>te!$uro... =enhas piedade... 'uantos dias estou neste in#erno3

    - 5ias3) st-s louca3 N+o s+o nem dois minutos.- Porue zombas de uma mulher desra*ada! 5on3 Perdeste o sentimento de

    compai+o3 :omo podes dizer ue um s%culo % um minuto3 Meu 5eus) :omosou in#eliz. Meu 5eus! arrependo>me! devolve>me vida! ao para(so! e sereiboa e obediente.

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    Nur chorava e de seu ser se desprendiam raios viol-ceos e azuis. C uadro erasuestivo! os anchos repunantes haviam desaparecido! assim como a densa atmos#erapara tomar luar uma aur%ola di-#ana e transparente! matizada com cores puras e delicadas.

    4eu corpo despendia um cone luminoso! ue se elevava em #orma de luz! iual deum re#letor ue desaparecia na imensidade do espa*o.

    5on! ao contemplar a trans#orma*+o! disse>lhe! em tom a#etuoso/- Mulher padeceste muito e depuraste tua #alta, aora se te pode dizer/ "Perdoado

    est- o teu pecadoL. Iolta a teu corpo e n+o peues mais.'uando terminou de pronunciar estas palavras! Nur se lan*ou com avidez ao seu

    corpo! e a vis+o desapareceu.5on sentiu um en#rauecimento de sua mem&ria e imaina*+o! perdeu a

    concentra*+o das id%ias e caiu inconsciente nos suaves bra*os de Mor#eu.

    FFFFFF

    ram sete horas da manh+ uando 5on despertou! sobressaltado. ndireitou>se nacama e disse/

    - a*a>me o #avor de n+o me despertar assim.Nur! ue estava de p%! retrocedeu espantada/- C ue te passa! 5on3 u continha at% o alento! para n+o te despertar.- Perdoa>me! pois eu n+o posso suportar o olhar de um estranho! uando estou

    dormindo.Nur sorriu tristemente/- eliz %s! porue ninu%m te pode roubar.- 4im! % certo! mas me roubam uando estou acordado.

    FFFFFFNur tinha os olhos inchados de chorar. C $ovem peruntou/- C ue tens3 Por u choras3- N+o sei! tive um sonho horr(vel. 4onhei ue estava morta e ue #ui condenada ao

    in#erno. =u estavas comio! mas n+o so#rias! e zombavas de mim... N+o podesimainar a noite ue passei.

    - N+o te preocupes tanto. Dsto talvez se$a devido aos acontecimentos de ontem. N+osabias ue tudo ue se pensa durante o dia! % repetido durante o sonho3 5isse5on com um sorriso enim-tico.

    -

    N+o #oi sonho! porue eu estava consciente em tudo ue so#ri. 'ue horr(vel deveser o in#erno)- ? verdade... Mas! tudo passou e ho$e % outro dia e estamos no c%u! em vida... :om

    a condi*+o de ue n+o voltes a pensar em suic(dio.- 'ue 5eus me livre, nem atrevo a pensar em minha loucura, roo>te ue n+o me

    recordes! sen+o enlouue*o.

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    Captulo IV

    Outra mul%er

    ez horas da manh+! o mar estava tranilo como a conscincia do $usto e o c%u! claro!se assemelhava ao cora*+o de uma virem.(:ertos passaeiros da primeira classe iam e vinham! conversando no passadi*o,

    outros! de p%! contemplavam o mar, aluns estavam sentados e recostados nas t(picascadeiras preuiceiras de viaem a bordo! enuanto ue outra parte continuava dormindo emluuosas cabines. Poucos! relativamente! por%m su#icientes! eram os ue se reuniam emtorno de uma mesa de po;er! onde anhavam e perdiam duas ou trs mil libras! servia deespectadores a ala inativa! isto %! a ue n+o $oava.

    No corredor havia uma $ovem! paral(tica de ambas as pernas! sentada em uma poltronade rodas! #umando e lendo uma revista #rancesa.

    ra uma bela criatura! a abundante cabeleira nera invadia a maior parte de sua #ronte.A cor deveria ter sido morena! mas a vida sedent-ria! a sombra! deu tez um tom de mar#imtransparente. Aluns diziam ue era &r#+ e outros asseuravam ue era #ilha de um casaldivorciado.

    A m+e! imensamente rica e moderna! havia esotado todos os meios para curar a #ilha!mas sem o resultado dese$ado. Por #im! resolveu leva>la uropa. Nauela noite! $oou at% ascinco da manh+! perdeu mil e duzentas libras! e #oi se deitar s seis. Por este motivo! estavaainda dormindo, enuanto isto! a dama de companhia atendia a en#erma.

    FFFFFF

    5on subiu ao sal+o da primeira classe! tomou ca#%! e saiu. :oincidiu ue! ao chearperto da $ovem paral(tica! deteve>se um instante! para acender seu ciarro, nada mais do ueuns seundos! mas #oram su#icientes para escrever no livro do destino uma rande hist&ria.

    5urante este lapso! 5on ouviu/- 'uer dar>me um #&s#oro! senhor3

    A voz da $ovem era t+o doce e suave! com o acento marcado dos e(pcios.- :om todo o prazer! respondeu ele! com o sorriso dos ue procuram aradar.

    Acendeu um #&s#oro! #ormando com suas m+os uma esp%cie de re#io! para ue ovento n+o apaasse a chama.

    A $ovem #umou! e disse com a mesma do*ura e acento/- Muito aradecida. 5ese$a #umar de meus ciarros3 4+o e(pcios puros.5isse isto! e lhe apresentou a carteira aberta, ele n+o se #ez roado, o ciarro era

    o#erecido por uma dama #ormosa! comunicativa e en#erma! e! ainda! porue a ualidade dotabaco e(pcio % #amosa.

    @an*ou o seu na -ua! colheu o o#erecido e! depois de eaminar a marca! acendeu>osorrindo! e entoou/

    - ouad PrimeiroL! o nome de sua Ma$estade sobre o tabaco, de maneira ueestamos #umando do mesmo tabaco elaborado para o Gei do ito. Dsto me traz

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    mem&ria uma anedota ue sucedeu com o Dmperador da Qustria! ranciscoPrimeiroL.

    - :omo #oi isto3... mas! sente>se. Aui h- uma cadeira. Ioc n+o est- ocupado3- N+o! no momento n+o tenho nada ue #azer! me sento! para relatar>lhe a hist&ria...- :onta>se ue o Dmperador mencionado saiu um dia a ca*ar! mas tarde choveu e

    teve ele ue tomar o primeiro carro ue passava para reressar ao Pal-cio. Nocaminho! encontrou>se com um homem ue andava a p%! nauela chuva e! comotinha um bom cora*+o! convidou>o para leva>lo at% a cidade. C caminhante aceitou!aradecido! e sentou>se ao lado do Dmperador! ue lhe peruntou/

    - 5e onde vem! amio! nesta chuva3C interpelado sorriu e contestou/- o$e passamos um dia memor-vel! no campo! com um almo*o ue pode causar

    inve$a ao pr&prio Dmperador.- :erto3 ue comeu voc3 Peruntou! sorrindo! o Dmperador.- Adivinha.- Presunto3- Adivinha.- Pav+o recheado3- Adivinha.- omem! declaro>me vencido! n+o posso adivinhar.- Pois! ho$e haviam preparado um #ais+o para o almo*o de 4ua Ma$estade! mas!

    como se lhe ocorreu sair ca*a! os a$udantes do cozinheiro me convidaram! eoptamos em comer o #ais+o! em nome do Dmperador! no campo. 'ue almo*o t+odelicioso e ue dia t+o etraordin-rio)

    C Dmperador riu>se a osto! e contestou/- Bom proveito! amio! bom proveito! e lhe dese$o uma esplndida diest+o.5epois de um momento de silncio! o amio dos cozinheiros disse>lhe/- 4ua cara n+o me % desconhecida. 5evo haver>lhe visto em aluma parte.- 4im3 Mussitou com sorriso o Dmperador. Pois! aora! toca>lhe adivinhar.- Adivinha)-

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    - N+o tenho nenhuma ra*a...5e novo! a en#erma riu>se da resposta! e disse/- Ioc % muito sinular.- Ao contr-rio! sou muito plural.la! com um riso voltou a peruntar/- 5e onde voc %3- 5e todas as partes.nt+o a $ovem! com aralhadas #alou/- Aora ue $- lhe conhe*o! permite apresentar>me. u sou Nazli Mohamed

    ddasu;i.- Para mim! % iual o prazer de conhecer>lhe! embora n+o soubesse seu nome.- Ioc % o nico ue n+o tem peruntado meu nome e nem minha en#ermidade.- ? porue n+o sou historiador e nem! tampouco! seu m%dico.Nauele momento! cheou uma bela $ovem e peruntou com suavidade/- Posso servir alo a Nena3- N+o minha amiuinha! respondeu Nazli! podes retirar>te! se uiseres, mas! antes!

    uero te apresentar a um novo amio.m seuida continuou/- sta % 4ohad! minha companheira, n+o % criada, % uma $ovem muito inteliente! ue

    #ala v-rios idiomas e % de &tima #am(lia, sem embaro! aceitou>me como uma cruz!tal como dizem nossos amios! os crist+os, #omos condisc(pulas.

    5on! ao ver a amia da en#erma! mais #ormosa e mais eleante! pHs>se de p%!estendeu a m+o e disse>lhe/

    - Qs suas ordens! senhorita)- Rs suas ordens! senhor! e continuou/ :om sua permiss+o! retiro>me.4ohad encaminhou>se ao camarote acompanhada dos olhares dos dois $ovens.- N+o sei o ue seria de mim sem esta uerida 4ohad, ela % minha companheira!

    minha leitora! minha consoladora, ela % tudo em minha vida intil.Auelas palavras #oram pronunciadas com uma doce amarura! essa amarura ue

    penetra diretamente no cora*+o.C $ovem olhou! surpreendido! e comentou/- As almas nobres! senhorita! uando so#rem! se unem. A $ovem 4ohad leva!

    tamb%m! dentro da alma uma tristeza muda e busca al(vio em remediar o so#rimentoalheio.

    Nazli olhou>o! com aueles olhos neros! surpreendidos durante um instante para loodizer/

    - Ioc % adivinho3 :omo pHde perceber! com um s& olhar! o estado de minhaamia3

    5on sorriu.- N+o se trata de adivinha*+o! e sim! de uma simples observa*+o. =udo o ue est-

    no interior % eatamente iual ao ue est- no eterior e vice>versa. ? a lei! como oue est- em cima % iual ao ue est- embaio. Ninu%m pode so#rer secretamente

    e demonstrar aleria. N+o lhe parece racional esta eplica*+o3- ? curt(ssima! mas nem todos sabem observar isto nas pessoas.- ? porue uase ninu%m se dedica a este estudo. =odos vemos! mas n+o

    percebemos, e se uer acreditar! permita>me ue lhe diri$a uma perunta. Ioc! ueleva este rel&io de ouro no peito! n+o sei h- uanto tempo! pode me dizer se osnmeros de seu pr&prio rel&io s+o romanos ou ar-bicos3

    A $ovem emudeceu>se, pensou um momento e loo deu r%dea solta ao riso! dizendo/- Palavra de honra! n+o me recordo. N+o sei... mas! isto % #ant-stico.

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    - J- se v! senhorita! ue o homem n+o vive mais ue a cent%sima parte de sua vida!e o resto o perde inutilmente.

    A en#erma meditou um pouco! depois voltou a olhar seu companheiro e lhe peruntou/- Ioc pode adivinhar o motivo da tristeza de 4ohad3- Adivinhar! n+o, deduzir! sim. Iamos a ver/ sua amia % bela! simp-tica! inteliente e

    culta por acr%scimo, n+o % m- sua sade. Aora! cabe peruntar/ uais os motivosde seu so#rimento3 5evem ser dois/ o dinheiro ou o amor! ou os dois ao mesmotempo...

    5on contemplava a $ovem e via o e#eito pro#undo ue suas palavras lhe produziam.la parecia uma crian*a! ante o #uncionamento de certos $oos mecKnicos! desconhecidospara ela. 4ua atitude lhe deu mais valor para continuar/

    - Pois! 4ohad deve haver perdido sua #ortuna e! por consencia! seu amor. stoueuivocado3

    No princ(pio! a $ovem n+o respondeu! estava! deveras! assustada. 4ua l(nuaparalisou>se durante um momento, depois disse com um tom s%rio e acre/

    - 4enhor)... voc me causa medo... e! ao dizer isto! tomou novamente sua revista e!com preteto de ler! interiorizou seu pensamento.

    5on pHs>se de p%! despedindo>se/- Perdoa>me senhorita! se lhe aborreci com minha conversa. Muito obriado. Adeus.la levantou a cabe*a! olhou 5on como uem despertasse de um sonho e suplicou/- Perdoa>me! sou muito impulsiva e hipersens(vel. Goo>lhe... volte a tomar assento.

    Eosto e me encanta sua maneira de #alar e de pensar. Goo>lhe... #a*a com ue eutenha mais con#ian*a em voc... continuou. u lhe admiro! porue meimpressiona! $- lhe disse. Minha soledade % pior ue minha en#ermidade. Clha estaente! 6e abaiou a voz para continuar7 n+o sabe #alar sen+o de ne&cios e dedinheiro, % t+o estpida e presumida) N+o acredita voc ue a pior desra*a % vivers&! entre tanta ente3 4ente>se por #avor! e lhe suplico ue almoce ho$e comio!e...n+o pHde continuar! porue as l-rimas a impediram. le! ao ver sua atitudesuplicante! sentiu por ela um carinho t+o pro#undo! ue lhe #ez press-ios de prantonos olhos. 5ominou>se e! com voz cheia de ternura! disse>lhe/

    - N+o % para tanto! senhorita Nazli, voc ue % t+o sens(vel! n+o adivinha ue meumaior prazer % servi>la3

    - Aradecida! mussitou ela! por%m! auela palavra saiu de seus l-bios cheia deavidez! de ratid+o! de Knsia e de carinho. Dmediatamente estendeu>lhe a m+o eroando/

    - Almo*ar- comio3...C $ovem ue se sentiu assustado pela troca de atitude! peruntou>lhe/- C ue se passa! senhorita3 4im! ser- para mim um rande prazer almo*ar contio.- u sou assim/ a#ei*Ho>me - primeira vista e odeio de iual maneira. 'uero corriir

    este de#eito! mas n+o posso. 'uando me a#ei*Ho a uma pessoa! come*o a so#rerantecipadamente! pelo dia da separa*+o. 'ue lhe parece3 N+o % isto um sintomade loucura3

    - N+o! por certo, eu tamb%m sinto o mesmo e n+o me creio louco.- 4ente>se! pe*o>lhe. 'ue manh+ t+o #eliz eu passei ho$e) Iir- me ver todos os dias

    durante a viaem3- Prometo>lhe #azer o poss(vel.- Ioc n+o via$a aui conosco3- Iia$o com todos vocs! mas n+o aui.la calou>se por um momento e disse loo em tom baio/- Iia$a de seunda classe3- N+o! de terceira.

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    la olhou>lhe! pensativa! e vieram sua mente muitas peruntas! mas as conteve.5epois! sem nenhum preKmbulo #alou/

    - Pois sim, o pai de 4ohad perdeu toda a sua #ortuna e #aliu, o noivo! ue era deestirpe nobre e de car-ter d%bil! a abandonou devido - pobreza e in#luenciado porseus parentes. Ioc acertou nas dedu*8es at% no mais m(nimo detalhe. Ao ter#icado &r#+ e desamparada! a chamei para ue me acompanhasse! e somos comoduas irm+s.

    5on seuia o relato com todo o interesse e nada ob$etou. la! por sua vez! n+o uiscontinuar com o tema e peruntou/

    - Para onde voc via$a3C $ovem uis dar uma resposta brincalhona! mas teve temor de provocar outro

    ressentimento com ela! e respondeu/- Iou ran*a.- :reio ue $- somos amios e voc $- sabe muita coisa de mim e de minha #am(lia!

    embora ainda inore seu nome. C ue pretende #azer na ran*a3 Pois n+o creioue voc se$a um comerciante via$ando a ne&cios.

    - Ie$o ue voc tamb%m sabe adivinhar! disse ele para aler->la, pois! vou estudarcertas en#ermidades ps(uicas.

    - Ioc % m%dico3- M%dico3 Gespondeu com mo#a, uem se pode intitular m%dico3 N+o basta ter uma

    autoriza*+o para subtrair parte da en#ermidade! n+o basta adormecer a dor, %necess-rio uitar o pecado da doen*a! para se tornar m%dico curador.

    As palavras deiaram a $ovem atHnita. N+o soube ela o ue dizer! de in(cio, por%m!depois! raciocinou e! com perpleidade eclamou/

    - Mas! por Alah) Ioc % invular) 'uem % voc3le! em tom de amarura e brincadeira! disse/- u tamb%m creio>me assim. 'uem sou eu3 u n+o sei uem sou. Mas! dia>me/

    porue a humanidade busca tanto conhecer o nome de uma pessoa! para esuece>lo t+o depressa3

    - voc! poru procura tanto ocult->lo3 =em! por acaso! veronha do seu nome! ou% um #uitivo3

    5epois ela! reconsiderando por um momento! continuou/- Perdoa>me! doutor! n+o sei o ue me passou. Ioc me inspirou tanta con#ian*a!

    como ninu%m at% ho$e. u sou uma menina mimada e! -s vezes! vou al%m doslimites. Ioc! como m%dico! saber- desculpar os caprichos dos en#ermos e!sobretudo! de uma incur-vel.

    - Cu*a senhorita Nazli, voc est- $oando com minhas emo*8es a seu osto. C seuolhar chea at% o mais (ntimo do cora*+o! para descobrir suas #rauezas. scuta>me! pois/

    Meus amios me chamam 5on, n+o pro#esso nenhuma relii+o, n+o uero ter p-tria!e nem perten*o a nenhum partido pol(tico, sou solteiro dispon(vel! e ainda n+o encontrei amulher innua ue ueira casar>se comio, estou s& na vida entre muitos irm+os e parentes!

    estudo medicina! mas ainda n+o matei ninu%m, tenho via$ado muito, #alo trs idiomas!enamorei>me trs vezes e! nas trs #racassei. 'u mais3 - alo mais a dizer3 4im! % uevoc me % muito simp-tica.

    Ao chear at% aui, com a narra*+o ue se parecia com uma li*+o de aluno de escola!os dois se puseram a rir com um riso #ranco e alere ao mesmo tempo. inalmente! ela disse/

    - 4abe doutor! ue ! ouvindo>lhe! esue*o>me de minhas penas e! at% de mimmesma3 Ioc tem um n+o sei u em seu olhar, em sua conversa*+o h- alo uealivia. u capto e o sinto! sem analisa>lo... Perto de voc! sinto>me ante um parenteou um amio leal.

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    - Ch)... Dsto % uma honra! demasiado! para mim e! lhe arade*o, mas voc ainda n+oconhece o outro! meu duplo! meu outro eu! terr(vel por suas #uriosas tempestades.

    - Eostaria de conhece>lo.- Asseuro>lhe ue se arrependeria de haver>me conhecido.- N+o me dia) Ioc teme molhar o n-u#rao3 Mas! deiemos este tema e vamos a

    outro. Aora ue $- somos amios! vou diriir>lhe uma perunta, % vital para mim elhe roo ue me responda com toda #ranueza/ A medicina ainda n+o descobriu umrem%dio para a minha en#ermidade3

    5on meditou um momento e disse/- N+o! senhorita! porue! ante a medicina! n+o h- en#ermidades! h- en#ermos. A

    verdadeira medicina n+o cura en#ermidades! sem embaro! cura aos en#ermos.:onuanto a $ovem #osse culta e inteliente! n+o pHde alcan*ar todo o sini#icado da

    #rase e! titubeando peruntou/- A medicina pode curar>me3- ? muito poss(vel.- ual % o seu conceito pessoal3 N+o sei porue tenho #% em sua palavra.- Antes de emitir meu $u(zo! devo saber certos antecedentes.- stou disposta.- nt+o venha a con#iss+o de seus pecados! causadores de sua en#ermidade.- 5outor3... ue tem a ver uma con#iss+o com minha en#ermidade3- Pois este % o verdadeiro sini#icado da con#iss+o! embora voc n+o o creia. 'uando

    Paulo! o ap&stolo dos crist+os disse/ con#essai>vos uns aos outrosL! sabia o ue eledizia! porue! auele ue con#essa! comunica a causa de seus males pessoa uesabe administrar o rem%dio. Mas! para u entrar em detalhes de assuntos uevoc n+o tem vivido! para compreende>los3

    - Ao contr-rio! isto me interessa muito! porue v-rias vezes tenho zombado doscrist+os ue se con#essam ao sacerdote! para obter o perd+o de seus pecados.

    - Por outra vez! n+o dever- zombar de alo ue n+o entende. Aora voltemos aoob$etivo principal de nossa con#iss+o. Gecorda voc alum #ato de sua in#Kncia! uelhe tenha impressionado muito! causando>lhe um #orte medo3 :ometeu vocaluma #alta ue lhe tenha causado remorso3

    A $ovem! mostrou uma indescrit(vel perpleidade e! depois de um momento de silncio!contou/

    - =inha uinze anos, ia ao col%io com minhas companheiras, n+o era m-! por%morulhosa! presumida e atrevida. =alvez #osse pela in#luncia! posi*+o e riueza deminha #am(lia, ostava de #azer o ue os outros n+o se atreviam a #aze>lo, ho$eposso $ular>me! dizendo ue era a mais aloucada de minhas companheiras! asuais n+o me ueriam! e sim! me temiam. Minhas pro#essoras n+o se atreviam arepreender>me por medo de meu pai. :ometia muitas #altas com elas e com minhascondisc(pulas e! depois! me ria! vanloriando>me de meus atos. Mas! para ueestender este assunto3 Iamos ao principal/

    - m meu caminho! em dire*+o ao col%io! via! uando ia a p%! sentada no umbral de

    uma porta! uma velha cea e paral(tica! ue pedia esmolas. Auela mulher me eramuito antip-tica pela sua su$eira e #eira. 5esde ue a vi pela primeira vez! lhetomei avers+o e repunKncia. 4empre ue passava perto dela! a o#endia compalavras duras e #erinas! at% ue...

    Nazli calou>se! por um momento! como ue para reunir as recorda*8es de suamem&ria.

    - At% ue um dia! ao passar perto dela! lhe insultei 6e aui calou>se novamente! comose enveronhasse! mas loo continuou7 / Ielha su$a! bruaL. A pobre doente medisse/

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    - Iai>te! mo*a malcriada e cruel.:ea de c&lera! colhi um punhado de areia e lhe $ouei no rosto! enchendo>lhe os olhos

    de terra... e me detive um momento! alo arrependida! n+o pelo meu ato! sen+o porsupersti*+o. A velha! no princ(pio! procurou limpar os olhos com as manas! depois levantousuas m+os para o c%u e imprecou/

    - Maldita se$as... Cal- tenha esta minha en#ermidade! #ilha do adult%rioL.- N+o sei o ue se me passou nauele instante. =ive um terror indescrit(vel! ue

    penetrava at% meus ossos. 4enti como ue uma corrente el%trica! via$ava por todo omeu corpo e uma #rouid+o nas pernas. 'uase ca( no ch+o! e me sustive na parededa casa, uis ritar! por%m n+o me saia a voz, uis #uir desse luar! mas estavacomo ue cravada no ch+o. A mulher continuava #alando! mas eu n+o entendianada do ue dizia. 'uantos seundos ou minutos estive neste estado3 N+o o sei, apouca ente ue passava n+o reparou em mim.

    Por #im! reai um pouco e seui! temerosa! meu caminho. :heuei ao col%io! p-lidacomo cera. As pro#essoras e as companheiras veri#icaram o poru do meu estado! e eu! pororulho e medo dizia/ n+o tenho nadaL. nviaram um recado minha #am(lia e me mandaramum carro para conduzir>me minha casa.

    stive trs dias de cama! com #ebre. 5iversos m%dicos me eaminaram e n+o atinaramcom minha en#ermidade. =ive ue tomar os consarados purantes! panac%ia da medicina!em seuida! p(lulas! po*8es! e por ltimo! in$e*8es, cada vez ue dormia! sonhava ue estavaparal(tica! e tinha temor de dormir.

    5epois de trs dias de apreens8es em minha casa! e depois de ter chamado m%dicos emuitos #abricantes de talism+s! cu$o nmero se elevou a mais de vinte! comecei a melhorar#isicamente! mas em minha alma estava aninhado o terror! esse terror ue aniuila.

    'uinze dias ap&s! recomecei meus estudos! por%m! eu $- n+o era eu. Parecia>me ueoutro ser havia se metido em meu corpo. =rans#ormei>me em uma criatura silenciosa!medrosa e #uia de minhas companheiras. C riso de outrem era como uma chicotada ue meolpeava o rosto. Cs m%dicos continuavam assistindo>me e n+o encontravam nenhumaen#ermidade.

    5urante as #%rias e! por prescri*+o m%dica! minha m+e levou>me ao @(bano! ondeestive muito #eliz durante trs meses, no entanto! sonhava! constantemente! ue era

    paral(tica.Geressamos novamente ao ito. J- estava bem, recuperei minha sade! mas n+o o

    meu car-ter alere anterior! pois o medo e os #at(dicos pesadelos me perseuiam dia e noite.:ontinuei meus estudos, minhas pro#essoras come*aram a me estimar e admiravam>se

    de minha mudan*a, minhas coleas mostravam vivo interesse em me aradar! porue eu lhespresenteava com muitas coisas e! at% com dinheiro! s mais pobres. Nunca mais voltei apassar por auela rua onde vivia a mulher paral(tica, por%m! alo em meu interior me induzia!ritava em mim! ue eu deveria reparar minha #alta para com a pobre cea! na esperan*a deobter seu perd+o! o ue talvez pudesse eliminar meus medos e sonhos horr(veis. N+o meatrevia a ir s&, um dia insinuei a duas minhas amias! uma delas era 4ohad! para ue meacompanhassem! mas n+o lhes disse onde ir(amos, ao chear casa! tive susto novamente.

    Pedi a 4ohad ue peruntasse pela velha paral(tica, eu ueria v>la e obseuia>la com randeuantidade de dinheiro! para obter seu perd+o e sua bn*+o, mas! ai) A velha havia morrido!deiando em meu cora*+o e em minha mente sua implac-vel maldi*+o...

    A $ovem calou>se novamente! mas sua Knsia! seu temor e sua desespera*+o erammais eloentes ue as palavras.

    C m%dico a olhava em silncio! estudando todas as suas rea*8es! como o u(micoestuda as rea*8es das an-lises.

    la levantou seu olhar ao companheiro e peruntou/- stou lhe cansando com minha hist&ria! n+o % verdade3

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    - :ontinua! por #avor.4uspirou e prosseuiu/- 'uatro anos se passaram, terminei meus estudos e $- estava para me casar.

    Por%m! meus sonhos e o terror viviam em mim. Muitas vezes at% eu mesmaprovocava a lembran*a, e me via paral(tica! insens(vel e intil! em uma cadeiracomo esta. C meu estado era uma obsess+o. N+o me atrevia a conta>lo a ninu%m,para ue n+o me considerassem louca. me a um amio! m%dicode casa e! ele zombou de mim, por certo n+o lhe contei nenhum detalhe, somentelhe relatei os sonhos pavorosos ue tinha. Minha m+e tamb%m me levou a outrascl(nicas! e todos recomendavam distra*8es e veraneios no @(bano e na uropa.

    ra a noite de 10 de novembro de 191S! #ui me deitar mais triste do ue de costume e!nauela noite sonhei com a velha! estava sentada em sua porta! repetindo as maldi*8es.

    Para u descrever>lhe meu susto e minha desespera*+o3 N+o h- palavras su#icientesno idioma para poder dizer tudo o ue senti. 5espertei>me tremendo, n+o uis acordar minham+e! para n+o assusta>la. A noite pareceu>me eterna e ue n+o ia ter #im.

    5e manh+! minha m+e assustou>se ao ver>me t+o p-lida, uis chamar o doutor! no uea impedi! dizendo/

    - 'uero ir distrair>me com 4ohad, isto me #az muito bem.la consentiu e me acompanhou de carro at% a casa de minha amia. =(nhamos

    ue cruzar um p-tio para subir para ao apartamento de 4ohad... Mas! ue ve$o3me conta do ue#azia! dei um rito e desmaiei. 'uando acordei! estava deitada em minha cama....e paral(tica de ambas as pernas...

    M%dicos! curandeiros! charlat8es e eorcistas des#ilavam como caravanas ante minhavista. =odos ensaiavam seus m%todos! cobravam altas somas e desapareciam conscientes deseu #racasso. nt+o! come*-vamos a ocupar os santos maometanos e crist+os! mas! tudo #oiintil. Por #im minha m+e optou em levar>me uropa! em busca de sade.

    sta % minha triste hist&ria! doutor. No princ(pio! uis suicidar>me! mas a esperan*a decurar>me triun#ou sobre minha decis+o, e! por con#ian*a! sio vivendo! se a isto se podechamar vida.

    5on pensou um pouco e loo peruntou/- 4empre lhe perseuem os mesmos sonhos3- Ao contr-rio! desde minha en#ermidade! perdi o medo! e! na maioria das vezes!

    sonho ue estou s+ e andando.No rosto do $ovem m%dico assomou um sorriso satis#at&rio. m seuida! disse/- R noite! uando dorme! voc troca de posi*+o ou continua de um s& lado3Nazli pensou um instante e disse/- Dnconscientemente troco de postura! deito>me do lado esuerdo e me desperto! s

    vezes! do lado direito.C $ovem deiou de peruntar e come*ou a analisar o processo. la! com o olhar cheio

    de desespera*+o! posto no companheiro! esperava a senten*a.

    5on #echou os olhos e sustentou uma luta interna, compreendeu ue a en#ermidadede Nazli n+o era orKnica! e sim ps(uica>mental, e ue sua nica cura estaria no podermental ue a dominasse! pela suest+o ou pelo hipnotismo.

    laL! mas havia outra voz ue ob$etava econtradizia/ se n+o a curasL3

    A voz do cora*+o insistia/ 5eves tentar. C m%dico deve sacri#icar>se pelo seu doenteL,enuanto ue a outra voz lhe repetia/ n+o te eponhas zombariaL.

    - 5eiar-s de socorrer a esta pobre en#erma3L- la tem dinheiro e vai a uropa, l- encontrar- o m%dico ue a curar-L.

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    - Por ue n+o se$as tu o m%dico3 LA outra voz calou um instante e loo replicou/- 5eus n+o pede ao homem mais do ue ele pode darL.

    Aui! 5on acreditou triun#ar com o ltimo arumento! e uis sair de seu interior, mas!nauele instante! ouviu um rito mais penetrante ue o raio.

    - Adonai! tu %s covardeL)C $ovem tremeu! e disse! como se #alasse a outra pessoa.- st- bem! obede*oL.- 'ue3 :om uem est- #alando35on! como uem se despertasse de um sonho! olhou atHnito companheira! n+o a

    recordou a princ(pio! em seuida! sorriu! dizendo>lhe/- N+o se preocupe, sua en#ermidade tem cura.Nazli empalideceu>se! ao escutar a not(cia, depois! seus l-bios tremeram! uis dizer

    alo! mas n+o pHde e! chorando! epressou seu desespero.A campainha do barco chamou os via$antes para o almo*o. A en#erma levantou seus

    olhos cheios de l-rimas e peruntou a seu companheiro/- 'uando3- Pronto.- =enho #%.- ser- s+.:heou 4ohad para conduzir sua companheira ao camarote. Nazli disse>lhe/- Crdena outro almo*o para o doutor.

    Captulo V

    )eurgia

    doutor #oi apresentado auzi% ! m+e de Nazli. ra uma mulher #ormosa! moderna!luuosa e inteliente! mas n+o caiu nas ra*as do cora*+o de 5on. =amb%m! #oi ele

    pao com a mesma moeda.O

    - Ah... o senhor % m%dico3 T peruntou em tom de zombaria.C $ovem olhou>a e respondeu somente com um sorriso sarc-stico.Nazli desostou>se com o tom de voz de sua m+e! a ual ao observar ue sua #ilha

    estava a ponto de chorar! ob$etou com toda a naturalidade/- Perdoem>me! $ovens! se n+o posso lhes acompanhar, tenho ue almo*ar com uns

    amios. Adeus! doutor, muito prazer, e olhando>o como se #ora um velho amio!continuou/

    - =rate bem a sua en#erma.5isse isso e saiu do camarote! diriindo>se ao re#eit&rio! com a maior naturalidade.C olhar de Nazli tornou>se suplicante. 5on tomou novamente seu assento e disse!

    sorrindo! e at% com bom humor/> Bem! se voc insiste! #icarei.

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    A re#ei*+o n+o #oi muito alere! no princ(pio, parecia ue o choue com a m+ea#uentou o bom humor. Cs trs comeram pouco e em silncio. :ada um estava concentradoem seus pr&prios pensamentos.

    C $ovem m%dico peruntava a si mesmo. N+o estarei euivocado3 Poderei cura>la3ste tem ue ser o acontecimento da viaem. m seuida! invocou em seu cora*+o/

    - Ch! =u! senhor! 4enhor 4upremo! :riador do me em =eu canal de sade! para curara esta $ovem.L

    4em embaro! naueles momentos $- n+o se sentia com Knimo de air! e resolveudeiar o tratamento para outra ocasi+o.

    Nazli! por sua parte! estava triste e! ao mesmo tempo! indinada pelo choueinesperado.

    Acreditava ue seu amio $- n+o ueria eamina>la. 5on viu>a a#uentar as l-rimas!com movimento de cabe*a! por uma ou duas vezes . uis consola>la com uma promessa!por%m calou>se.

    4ohad comia e! #urtivamente! passeava seu olhar de um a outro e! -s vezes! suatristeza cheava a um tal estado ue se podia palpar.

    ra o temperamento de 5on muito sens(vel, perdoava! mas n+o esuecia, por outrolado! sempre #oi t(mido com o seo #eminino.

    C sarcasmo de uma mulher matava nele toda a aleria por etensos momentos. lepodia perdoar as o#ensas mais #erinas dos homens! por%m! a zombaria de uma mulher $amaisa perdoava. Pro#essava uma esp%cie de adora*+o ao seo d%bil e o considerava como osumo da delicadeza e a #onte da ternura.

    5on nunca diriiu T como muitos o #azem T uma alanteria a uma mulherdesconhecida! por temor de o#end>la e de ouvir o ue n+o dese$ava escutar.

    Cutro de#eito tinha o $ovem/ nesse estado! $- n+o podia pro#erir uma s& #rase e setornava silencioso. 4entia>se descontente porue n+o podia comprazer as suas companheirascom uma palestra alere. Por #im! aborrecido pela pr&pria atitude! chamou o ar*om! e lhepediu/

    - me! vocs! ue eu tome vinho3 J- sei ue est- proibido pelo pro#eta!

    por%m como o pro#eta n+o vai resolver esta situa*+o! seria bom remedia>la com umpouco de -lcool.

    As $ovens sorriram e 4ohad comentou/- #etivamente n+o #oi um almo*o arad-vel)...- Ie$a! #ormosa! disse 5on! aranto>lhe ue muitos almo*os arad-veis lhes est+o

    esperando na mesa do #uturo! e vocs duas haver+o de sabore->los com prazer.C ar*om entrou! abriu a arra#a e encheu o copo do $ovem. ste o tomou at% o #inal e!

    novamente! o encheu, olhou! em seuida! a en#erma e lhe disse/- =omo aora este sua sade! minha amia.

    Ato seuido! ineriu o seundo copo e! ao terminar! pediu um ciarro real) areou/ >

    :hamam a 5avid! Pro#eta, eu por%m! depois de ler a B(blia! n+o encontrei nenhuma pro#eciade 5avid, pelo menos n+o me recordo de nenhuma neste momento! mas! se % verdade ue#oi ele o primeiro a dizer/ lhe pro#eta de todos os s%culos... porue a maior pro#ecia % #ilha da eperincia.

    Cs dois copos de vinhos aleraram o cora*+o de 5on e desataram sua l(nua parapro#erir palavras de consolo! por%m! uando tomou o terceiro! tornou>se mais s%rio! maisimponente e acrescentou/

    - scutem>me! meninas/ aui estamos trs reunidos! e os trs #omos esbo#eteadospela #atalidade! como dizem vocs! e! por nosso merecimento! dio eu. C ser

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    humano! senhorita Nazli! imaina>se como pensa e pensa como sente. =odopensamento ue chea a ser uma id%ia #ia e de#inida na mente do homem!converte>se em #or*a ativa e trata de cristalizar>se no mundo #(sico. A id%ia no planomental de sua mente! modulou sua en#ermidade. Ioc pensou demasiado nocastio ue merecia pelo ato para com a velha. 4eu pensamento criou a pr&priadoen*a atribuiu>a a maldi*+o da velha e ao castio de 5eus.

    Para ue a id%ia se cristalize necessita um per(odo de atividade! relacionado comcertos ciclos determinados. elicidade e in#elicidade! poder e debilidade! s+o id%ias #ias nomundo mental do pr&prio homem! s+o as cria*8es de sua mente! e 5eus n+o tem nada uever nestes resultados. 5eus % sade! e le n+o causa en#ermidade. 5eus % #elicidade e n+omotiva so#rimento. 5eus % aleria e n+o pode entristecer a ninu%m. C homem % uem buscaa en#ermidade e a desra*a! com seu desreramento! para atribu(>las a 5eus. 5eus! ue %#onte de Bn*+os! n+o pode escutar nenhuma maldi*+o. 5e maneira ue a maldi*+o dodoente n+o #oi! nunca! a causa de sua doen*a! sen+o seu pr&prio remorso. 5eus n+o % umser humano para mudar de opini+o cada vez ue se lhe suplica. 5eus % uma lei per#eita! Justae Dmut-vel, uando o homem ae contra a @ei! sua desobedincia provoca seu pr&priocastio! e n+o % 5eus uem o castia. 'uando cumpre a @ei! recebe sua recompensa! e n+o% 5eus uem o premia.

    5e imediato! deve banir de sua mente estes dois erros/1. 5eus n+o a castiou! porue le n+o pode punir. oi voc ue se castiou a si

    mesma pelo remorso interno.2. A maldi*+o da velha s& in#luiu na sua pr&pria conscincia! e n+o porue #oi acolhida

    por 5eus.As duas $ovens estavam admiradas pelas #rases atrevidas! ue! antes! nunca haviam

    escutado de ninu%m. Nazli comentou/- Nunca ouvimos tais conceitos. 'ue relii+o voc pro#essa3- J- lhe disse antes/ nenhuma! s& amo a Ierdade.- Mas como pode voc provar>me ue minha en#ermidade n+o % e#eito da maldi*+o e

    do castio de 5eus3- Primeiro! uero ue sinta a 5eus! e isto % muito di#(cil. 5eus n+o pode castiar

    porue % in#initamente bom e! se cheasse a castiar por uma s& vez! deiaria de

    ser 5eus. 'uando se chea a viver esta verdade! se compreende ue ele n+o podeacolher e nem escutar uma maldi*+o e nem pode ordenar ou permitir seucumprimento. C sol % a melhor semelhan*a de 5eus. 'uando eu cuspo contra o sol!meu cuspe retorna e cai sobre mim! mas o sol nunca se aborrece com o meu ato.N+o lhes parece3

    4ohad abriu desmesuradamente os olhos e clamou/- :omo isto % randioso, e como % l&ico e verdadeiro) No entanto! os homens

    miser-veis predicam um 5eus mais miser-vel do ue eles)- sta % outra verdade! senhorita. Cs homens n+o podem conceber a um 5eus ue

    n+o se$a humano e ue n+o tenha seus pr&prios de#eitos. I+o mais al%m ainda/ d+oa 5eus at% a #orma e a cor de sua pr&pria ra*a, o homem branco adora a um 5eus

    branco! o nero a um 5eus nero.J- est- convencida! senhorita Nazli! de ue 5eus n+o pode acolher a maldi*+o de

    ninu%m para cumpri>la! seundo o capricho e o dese$o da criatura ue a #ormulou3 J-compreendeu ue toda causa tem seu e#eito e cada obra tem o seu nascimento3

    - stou! pouco a pouco! entrando no terreno da compreens+o! respondeu Nazli! masa isto h- uma ob$e*+o.

    - J- sei! > % a perunta seuinte/ os ue nascem en#ermos e desra*ados3 N+o %esta3L

    - ato) 'uem os envia assim vida3

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    - u tamb%m! como voc! diri$o a mesma perunta. 'uem3 4im! uem3 =odossabemos ue 5eus deve ser Cnisciente! Dmut-vel! Dmaterial! Cnipotente!Dn#initamente Bom! $usto e Per#eito. 'uem % ue lan*a vida essas mis%riashumanas3 C in#initamente bom n+o pode realizar uma obra m-, o Per#eito n+ocomete uma imper#ei*+o! a onte da sade n+o administra en#ermidades! oCnisciente n+o euivoca! o Dmut-vel n+o est- su$eito ao capricho e vontade alheiapara modi#icar suas leis. nt+o! de onde procedem tantas desra*as3

    As duas $ovens olhavam estupe#atas! o locutor. 4ua voz tinha alo de autoridade! deconvic*+o e de mando.

    m seuida! mudou o tom de sua voz/- 5eus n+o comete erros. 4omente os homens lhe atribuem seus pr&prios caprichos

    e inorKncias! e as batizam! blas#emam contra o Absoluto, sem embaro! le $amaispensou em castia>los por suas blas#mias. 4omente a pr&pria inorKncia dos ueblas#emam os conduz ao so#rimento e dor.

    - stamos de acordo! mas! at% aora! n+o nos disse a causa das desra*asincompreens(veis dos ue nascem alei$ados.

    5on pensou um momento e respondeu/- Nem tudo o ue se sabe! se pode dizer. C mundo atual eie provas materiais ue

    demonstrem a eistncia de 5eus, uer medir o abstrato com aparelhos #(sicos!uer pesar o esp(rito em balan*as! para poder acreditar na eistncia 5ele. u sei!e estou convencido de ue tenho esp(rito! mas! se alu%m me eiir uma prova! n+oposso dar! porue n+o posso medir! nem pesar! nem #azer com ue o esp(rito possaser palpado ou saboreado.

    Maom%! uando ensinou ue 5eus eiste! n+o deu nenhuma prova tan(vel! e houveente ue acreditou no ensinamento. 5e maneira ue eu n+o blas#emo contra 5eus! dizendo/ue le! por des(nios ocultos! pode enviar todos os horrores e desra*as a seus #ilhos. stouconvencido de ue a inorKncia e o erro do homem s+o os causadores de suas desra*as een#ermidades. stou! tamb%m! convencido do porueL vem certos seres vida! com terr(veisso#rimentos. Por%m! como n+o posso demonstra>lo aos cientistas! pre#iro calar>me! at% ue omundo este$a melhor preparado para receber as verdades abstratas, ou at% ue sedescubram certos aparelhos ue nos #acilitem a comunica*+o com o mais al%m da vida #(sica!

    ou com os mortos.C ob$etivo desta lona e! talvez! cansativa conversa era convencer s senhoritas de

    ue 5eus n+o pode enviar uma en#ermidade a seus #ilhos e esta convic*+o era necess-riapara sua cura! senhorita Nazli.

    'uando acabou de #alar! levantou>se! enuanto ue as $ovens seuiam pensativas! en+o se atreviam a a#uentar a vibra*+o das ltimas #rases ue continuavam #lutuando noambiente.

    5e repente! 5on voltou>se bruscamente para a doente e lhe peruntou com n#ase/- Ioc tem #% em mim3

    A $ovem assustou>se! no princ(pio! pelo movimento brusco da perunta. =itubeouprimeiro! e loo disse/

    - Dncondicionalmente.- Clha>me Nazli... Clha>me... Clha>me.5ois minutos transcorreram>se nauela mon&tona ordem/ Clha>meL...5epois! 5on calou>se por um momento e! em seuida! com uma voz de mando!

    ordenou/- @evanta>te)le tomou>lhe a m+o pela ponta do dedo (ndice direito e repetiu a ordem/- @evanta>te! tu podes levantar>te... a $ovem obedeceu com muita #acilidade.

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    - Iem a mim... anda... caminha...A paral(tica caminhava com toda naturalidade.A 5on! lhe tremia o corpo de emo*+o! e se lhe ouvia os batidos do cora*+o atrav%s do

    peito.- :aminha...! sia andando...

    A mo*a atendia indo e vindo pela cabine! v-rias vezes...:ontinuou dando ordens.- =u est-s s+ e deves mover>se sempre! sem nenhuma di#iculdade, aora! desperta>

    te, $-) 5esperta>te alere e #eliz.Nazli voltou a si e! ao ver>se de p%! sem saber o ue #azia! deu um rito! ue n+o se

    pode interpretar se #oi de medo ou aleria! e correu aos bra*os do m%dico.4ohad! por sua vez ritava/ Milare) Milare) correu a abra*ar a amia.ntrou o ar*om! alarmado pelas vozes e! ao ver os trs de p%! a$oelhou>se e! tamb%m!

    come*ou a clamar/ Milare) Milare)m minutos! o camarote da $ovem estava repleto de passaeiros com olhos e bocas

    desmesuradamente abertos.5on! p-lido de emo*+o e etenuado pelo es#or*o! sem chamar a aten*+o de ninu%m!

    escapou>se ao ar livre. Ao chear proa! se meteu em uma espreui*adeira e #echou osolhos.

    Captulo VI

    *istria de Nur

    ram dez horas da noite dauele dia pleno de acontecimentos! uando 5on deitou emseu leito e! entreou>se s suas medita*8es. No princ(pio! Nur n+o se atreveu a cortar o

    #io de seus pensamentos! por%m! como mulher e! de temperamento inuieto! n+o pHde resistirao anustioso silncio e peruntou/

    E- :omo te #oi em cima35on sorriu.- :omo te #oi em baio3

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    la em tom de satis#a*+o/- Almocei muito bem! dormi a sesta! sa( por uns momentos ao conv%s. N+o uis #alar

    com ninu%m! muitos se acercaram de mim! por%m entrei no camarote. @i alodesta novela e ostei. N+o tive disposi*+o para cear! e aora me tens aui! velandoo teu silncio.

    5on #icou silencioso! como se n+o tivesse ouvido o invent-rio dos sucessos de Nur.- Aborreceu>se com minha conversa3- N+o! continue.- 4abes3 o$e pensei muito em ti, e ueres acreditar>me ue tenho por ti um

    sentimento novo! especial e nico3- :omo % isto3 T peruntou ele com indi#eren*a.- ? um sentimento de amor! de adora*+o! respeito e con#ian*a ao mesmo tempo. 5e

    ti! n+o tenho nenhuma veronha! sem embaro! sinto uma necessidade de a$oelhar>me como ante um bispo! para con#essar todas as #altas de minha vida! ou o uechamam de con#iss+o eral. =odos estes sentimentos tenho tido! por%m! nunca parauma s& pessoa. Amava a minha m+e! respeitava a meu pai! ao cura! adorava>o! noprinc(pio! depois o temia, a %li ueria>o, mas! em ti! se renem todos os meussentimentos anteriores e outros! ue n+o havia sentido nunca.

    A conversa atraiu a aten*+o do $ovem! ue replicou/- =u tens uma intelincia natural! como sabes sentir e epor t+o bem tuas emo*8es)

    5eve ter sido o so#rimento ue te ensinou isto)- C so#rimento3 ?s o nico ue tem podido descobrir minha verdadeira

    personalidade. =odos os demais! bestas humanas! me chamavam Nur! a alereLou a mulher alereL.

    - 5eves desculpa>los. Cs olhos miram! mas n+o vem.- 4im! n+o devo culpa>los) T disse ela! com sarcasmo. les pisoteiam a honra de uma

    mulher! arrastam>na lama, a$oelham>se! para esvaziar nela o mais asueroso deseu ser! para! em seuida! dar>lhe uma patada e olha>la como a um ser leproso!imundo! miser-vel e at% indino de compai+o! e depois! dizer #iloso#icamente/ N+ose deve culpa>los) N+o sabem o ue #azem) Ah! ah! ah. Dsso sim ue % crist+o ... ah!ah! ah...L.

    A aralhada #eriu os ouvidos e o cora*+o de 5on! como as mais vis blas#mias dospresidi-rios. A$eitou>se no leito e olhou a $ovem ue ria dauela maneira.

    la continuou/- Aproimam>se com auele estpido e pea$oso sorriso! com palavras a*ucaradas!

    com olhos de carneiro deolado) Juramentos #alsos! #alsas promessas! carinhos deburros, a$oelham e bei$am os sapatos! abra*am e prendem as pernas contra o rosto,s+o escravos! escravos sem nenhuma vontade, eu te adoro! suicido>me por ti...!ueres dinheiro3 'ueres meu sanue3 u me converto em teu escravo, n+o tensmais ue ordenar, ue linda %s! ue preciosa) 5aria minha vida por um bei$o de teusl-bios) Mas! como n+o eruem um altar para ti! para adotar>te. Ah! amor de minhaalma! de minha vida! de meu cora*+o) u sou teu. 4omos um para o outro) Nunca

    uis a ninu%m! como uero a tiL...- Nur) Eritou 5on em tom de reprova*+o.Nur pensou um instante! e continuou/- At% outro dia! uerida, aora tenho ue ir>meL... e vai. No dia seuinte! todos os

    amios dele est+o inteirados e come*am a vir por manadas. Ah! ah!... N+o devoculpa>los! n+o sabem o ue #azem)

    Cs l-bios de 5on tremeram. ra verdade tudo o ue dizia auela desventura. ? asociedade ue perdoa ao homem! porue % mais #orte e castia a mulher! porue % d%bil.

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    - depois! > prosseuiu Nur T $- todos a olham com desprezo! inclusive os mesmosescravos ue bei$avam seus sapatos! ue abra*avam suas pernas e a$oelhavam>sediante dela. At% as mulheres! auelas ue chamam sua corrup*+o uma travessurasecreta! a desprezavam. Por ue3 Porue elas souberam escolher o homem ou oshomens! ue ocultam seus adult%rios ou ent+o certos interesses em $oo.

    Nur calou>se! mas desta vez! sem rir.- Nur T disse>lhe 5on T tu so#res muito! crian*a. Iem c-! d->me tua m+o! levantar>

    te>ei at% mim! senta>te a meu lado.A mo*a! ao acomodar>se perto de 5on! colocou a m+o na #ronte e disse/- 'ue interessante) Gecordo>me de alo distante... alo assim... como um sonho, em

    ue eu estive no teu leito... mas! n+o... % imposs(vel...5on calado! a observava. la continuou/- 'ueres acreditar! 5on! ue minha desra*a #az rir. Iou contar a hist&ria da minha

    vida! para ue te rias de mim e comio. N+o esue*as ue a ninu%m abri meucora*+o! s& a ti vou dar este privil%io.

    - porue mim3 Peruntou o $ovem.- J- te epliuei/ amo>te! adoro>te! venero>te e pela primeira vez em minha vida! me

    alera con#essar>me! por isto! escutes a minha con#iss+o eral/- N+o te conhe*o! ter-s motivos para ocultar>te de mim, deves saber muito de minha

    #am(lia! mas os mist%rios de minha vida! n+o os conhece sen+o 5eus, aora tu vaisconhec>los.L Morreu meu pai, em seuida! minha m+e. u tinha 1U anos e minhasirm+s eram peuenas! o Padre Miuel #oi nosso tutor.

    Meus pais e o Padre eram amios (ntimos, ele comia sempre em casa e eu o serviacom todo prazer e satis#a*+o de minha alma. nsinavam>me como venerar o Padre! comodevia bei$ar>lhe a m+o e como devia a$oelhar>me para pedir sua ben*+o.

    C Padre! > me diziam T % o representante de 5eus na terra. le tem o poder e apotestade de #alar com 5eus. le! durante a missa! trans#orma o p+o em vinho no sanue eno corpo de :risto. le perdoa os pecados! nos obt%m ra*as de 5eus! ele nos livra doin#erno e nos envia para o c%u por meio da con#iss+oL.

    5esde peuena! tive do 4acerdote uma id%ia ue raiava com o sentimento da5ivindade. :omo eu era #eliz! uando deiava bei$ar>lhe a m+o e uando ele acariciava meucabelo/ u bei$ei a m+o de 5eusL! pensava! e acariciou>meL! como sou #elizL! repetia emmeu cora*+o/ muitas vezes! sentiu cimes! uando dava sua m+o a outras crian*as. ? meu5eusL! pensava.

    u n+o concebia ue um $ovem t+o belo e simp-tico como era o Padre Miuel! n+o#osse o dono e senhor de toda a popula*+o. Por u todos n+o se a$oelhavam ante ele! paraadora>lo3

    lhe3le eaminou>me! para penetrar em meu pensamento! e disse>me em seuida/

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    - Ao contr-rio! eu te autorizo a #aze>lo! uando ueiras, eu tamb%m vou te bei$armuito.

    4er- este o c%u ue o catecismo ensinava3u lhe bei$ava o rosto! a boca! com a id%ia de absorver santidade! e ele #azia o mesmo

    comio! n+o sei o ue ele absorvia de mim.le me manuseava os seios! o peito! as costas! as pernas! e eu me deiava acariciar

    pelas suas benditas m+os.C Padre movia>se! retorcia>se! aspirava desesperadamente! abra*ava>me! apertava>

    me! e eu sentia aluma dor, mas uem vai pensar em dor nesses momentos #elizes3Rs vezes! uando me bei$ava na boca! sentia ue me #altava a respira*+o e pensava

    ue os bei$os de 5eus deviam ser assim! #ortes. Cutras vezes! comprimia meus l-bios entreos seus e os molhava com sua saliva..., a primeira sess+o durou uma hora! ue se passoucomo um relKmpao! para n&s dois, tivemos ue suspende>la! porue ouvimos as vozes demeus irm+os! ue cheavam da escola.

    - Nur! disse o Padre! com seriedade! a ninu%m deves contar isso.- Nunca! $amais T lhe disse T e a$oelhei para bei$ar>lhe a m+o. ent+o! ele me convidou para as seis horas! na ire$a.

    FFFFFF4&! no uarto do Padre! eu n+o sabia como mani#estar minha aleria pelo privil%io. 5e

    suas m+os recebi o primeiro! o seundo e o terceiro copo de vinho. 4enti uma aleria #eroz,ele me dava um bei$o! e eu lhe devolvia dois mais #ortes.

    - A uantas pessoas $- bei$aste! Nur3 Peruntou.- :omo3 A uantas3 A meus pais! meus irm+os e ao senhor.- por u me bei$as assim! com tanto a#+3- Porue o senhor me d- esta ventura! e o senhor representa a 5eus.C Padre pensou um momento e disse/- 4im! vou dar>te totalmente esta #elicidade, e nauele instante! come*ou a acariciar>

    me em todo o corpo! deitou>me em sua cama e me despiu.Passaram>se meses e dois anos, 6Nur relatou certos #atos e hist&rias com o Padre! uen+o % poss(vel descreve>los! para n+o escandalizar os leitores7. :ontinuou dizendo/

    - :om o tempo perdi! paulatinamente a id%ia de 5eus e do c%u e me a#errei a amaruem $ulava ser a criatura mais respeitada e uerida do povo e! sobretudo! aoozo ue ele me proporcionava...! at% ue um dia... tive medo,... dois mesesseuidos sem menstrua*+o) le assustou>se, n+o sabia o ue #azer...! n+o seatrevia a pedir conselhos a ninu%m...! tamb%m alumas pessoas do povocome*aram a notar alo em mim e comentar minh