Adorno e a Sociedade de Consumo

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Adorno e a sociedade de consumo Quando as luzes brilham de forma tão intensa, Que chegam a ofuscar todo o resto do ambiente, Os animais para elas voam; carbonizando-se. Eu mesmo. Porque a humanidade está entrando numa nova barbárie apesar das promessas de belos tempos da modernidade esclarecida? “Fascínio por despostas, afinidade auto-destrutiva com a paranoia racista... manifesta a fraqueza do poder de compreensão do pensamento teórico atual”. (P.13) Razão instrumental propõe um conhecimento progressivo, “eliminação do mito no conteúdo explicativo”, que ao deitar-se sobre bases teoricamente sólidas, segue uma marcha para a complexificação. Prometendo o pleno conhecimento de tudo, e legando o homem a possibilidade do viver sem a angústia da dúvida e existência. O esclarecimento cria uma linguagem e uma arcabouço conceitual próprio que se implementa em todas as faces do real como um experimento científico sendo desenvolvido. Depois de ultrapassada e “verificada” uma fase do processo passa-se para outra, progressivamente e sem retorno ou questionamento conceitual profundo dos resultados anteriores.

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Adorno e a sociedade de consumo

Quando as luzes brilham de forma tão intensa,Que chegam a ofuscar todo o resto do ambiente,

Os animais para elas voam; carbonizando-se.

Eu mesmo.

Porque a humanidade está entrando numa nova barbárie apesar das promessas de belos tempos da modernidade esclarecida? “Fascínio por despostas, afinidade auto-destrutiva com a paranoia racista... manifesta a fraqueza do poder de compreensão do pensamento teórico atual”. (P.13)

Razão instrumental propõe um conhecimento progressivo, “eliminação do mito no conteúdo explicativo”, que ao deitar-se sobre bases teoricamente sólidas, segue uma marcha para a complexificação. Prometendo o pleno conhecimento de tudo, e legando o homem a possibilidade do viver sem a angústia da dúvida e existência.

O esclarecimento cria uma linguagem e uma arcabouço conceitual próprio que se implementa em todas as faces do real como um experimento científico sendo desenvolvido. Depois de ultrapassada e “verificada” uma fase do processo passa-se para outra, progressivamente e sem retorno ou questionamento conceitual profundo dos resultados anteriores.

Tudo que venha a se contrapor a esse status quo vigente ganha ares de uma debater-se sem sentido, uma perca de tempo, obscuro, sem clareza, tudo isso para manter a falsa clareza como condução a rédeas curtas da sociedade sem o espírito crítico do pensar conceitual. Se a crítica a essas bases sucumbe no desejo voraz de progresso, tal conhecimento tende a se tornar cego e ditatorial, por já não rever seus princípios, por temor a verdade.

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A técnica é a essência desse conhecimento. Por não se preocupar com a revisitação das bases ou o thelos, o método a operacionalidade é o que é importante. Já que nos causa um sentimento grande de controle sobre a natureza desmistificada.

Ulisses o mito e a verdade. “Mito já é esclarecimento”. O Esclarecimento reverte o mito. Sociedade de consumo transforma esclarecimento em ideologia,

confluindo para uma idolatria daquilo que existe e do poder pelo qual a técnica é controlada. Porque o Esclarecimento tem medo de um pensar conceitual e liberto desse progressismo do conhecimento? Que tipo de pensar é o

pensar o conceitual? É o transpor seu tempo em conceitos, um pensar que a todo momento questiona suas bases para refazer-se. Nada pode ser mais radical e subversivo do que conceituar aquilo que está acontecendo no tempo agora. Produzir tal conceito é manifestar seu tempo em palavras, é expor para àqueles que agem os solos por onde esses caminham e na maior parte das vezes nem percebem.

Pensar conceitual de Hegel x Pensar conceitual de Adorno: Como filho do esclarecimento o pensamento hegeliano nutria sonhos de um progressismo do saber, que culminaria numa sociedade plenamente esclarecida, onde a razão se implementaria na história e o thelos da humanidade seria a liberdade. Adorno reconhece os ganhos que o método dialético pode trazer ainda hoje para o pensamento crítico, mas discorda desse progressismo e implementação progressiva da razão na história, haja vista toda barbárie de duas guerras mundiais e suas atrocidades. “o progresso converte-se em regressão”.

A dialética de Hegel trouxe avanços, mas como culminou numa barbárie como a xenofobia e massacre de minorias em anos de guerra, nem ela pode ficar isenta de reforma e crítica. Hegel falha por conta de seu otismo e seu desejo de racionalização, e sua dialética carrega seus traços de otimismo. O motor de sua dialética, IDENTIDADE= Identidade + Não identidade, já carrega em si o erro, por a não identidade não é contradição, mas apenas uma pequena modificação superável da Identidade, essa sim a força e motor de seu sistema. Essa sede pela identidade nada mais é do que a força ditatorial do esclarecimento se implementando em seu pensamento e fazendo-o rumar a um otimismo e desmitificação de tudo progressivo.

Na dialética negativa de Adorno a não identidade é CONTRADIÇÃO (e não negação, ou contrário), é crítica voraz, produção conceitual, não adequação radical, produção de perspectiva não contornável. É realocação do papel de liberdade do sujeito na construção de perspectivas. É força contrária a ao sujeitar-se da liberdade individual às forças que se mascaram de liberdade.

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Diante dos “ganhos” da sociedade esclarecida (multiplicação da espécie, alimentos em abundância, tecnologias, gadgets... sobreviver já não é uma dificuldade biológica ou afim) o indivíduo ao se ver em meio a complexidade da sociedade estratificada vê sua individualidade esmaecida, ante aos infindos compromissos para sua sobrevivência social.

Como os indivíduos não mais se reconhecem no fruto do seu trabalho, como já dizia Marx, e estes estão a todo instante bombardeados por uma gama de conhecimentos nunca antes vistos e por um mundo de diversões e dispersões as pessoas se sentem subjugadas a uma força exterior que lhe impele a um tipo comum e “idiotizado” de existência.

Na sociedade do consumo em que o pensamento mediano vigente nutre ojeriza a tudo que é “místico” ou que precisa ser continuamente reinventado e pensado, a metafísica foi tomada como um fator decisivo para o controle das massas. A Metafísica, como aquilo que subjaz e ordena características primordiais do pensamento dos indivíduos, foi tomada pelos detentores do poder econômico como “cortina ideológica atrás da qual se concentra a desgraça do real”.

A cortina ideológica tentar substitui progressivamente e cada vez mais vorazmente o poder de uso pelo poder de troca, transformando o primeiro em um mero coadjuvante ante a capacidade técnica de produzir sempre algo novo. O fim ou finalidade tem seu valor diluído nos processos de produção.

Como cobrança do ônus de livrar a humanidade do medo da natureza e do não precisar mais lutar para sobreviver, o sistema nascido do esclarecimento burguês moderno busca meios de se perpetuar e tornar-se a metafísica dominante na relativa liberdade individual. Para tanto, ciente de si como ideologia a ser propagada, o aparato de divulgação é erguido sob o falso conceito de identidade entre o particular e o coletivo, buscando tornar ideologia e indivíduos algo idêntico. Suprimindo análise dos axiomas e a sprevisões de futuro a um operante e voltado para uma resposta mecânica do esquema libidinal do gozo.

Com as progressivas gerações sob domínio dessa novo mito metafísico “os dirigentes não estão mais sequer muito interessados em encobri-lo, seu poder se fortalece quanto mais brutalmente ele se confessa de público. O cinema e o rádio não precisam mais se apresentar como arte... ideologia destinada a legitimar o lixo que propositalmente produzem. Eles se definem como indústrias, e as crifras publicads dos redimentos gerais suprimem toda dúvida quanto à necessidade social de seus produtos.” P.114.

Borbardeamento de informações precisas e de quantidade inimaginável e amplificação da insensibilidade como mote e traço marcante no indivíduo contemporâneo. Não lidamos mais com produção, muito menos a conceitual, mas com assimilação, esquecimento e operacionalidade dos esquemas audiovisuais do cotidiano. Produzir conceitos é algo que delegamos à metafísica dominante.

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O que anos mais tarde guy debord vai falar em sociedade do espetáculo adorno já havia dado os primeiros sintomas: “O filme sonoro paralisa essa capacidade em virtude de sua própria constituição objetiva. São feitos de tal forma que sua apreensão adequada exige, é verdade, preteza, dom de observação, conheciemntos específicos, mas também de tal sorte que proibem a aatividade inelectual do espectador, se ele não quiser perder os fatos que desfilam velozmente diante de seus olhos. P.119

Os esquemas introjetados nos indivíduos por esse fomento de cultura de massa que alardeia a ideologia dominante, alcança sua máxima estabilidade quando no analisar dos próprios desejos dos indivíduos percebemos a univocidade desses esquematismos como suas próprias e individuais verdades. A falsa ilusão da liberdade.

A astúcia dessa ideologia de consumo para se “perpetuar” foi jamais negar a liberdade individual nascida na modernidade, mas não mais com uma autonomia tão grande como gostaria o descartes, kant e o Hegel, mas relegar a essa subjetividade o papel da liberdade do que consumir. Ou seja, ao invés de criar conceitos e manifestar as contradições do seu tempo a liberdade de nossa subjetividade apresenta-se sob o aspecto de consumidores ante prateleiras de milhares de produtos que não precisamos, mas que gostamos de consumir para apaziguar nossa angústia de sermos sencientemente enganados.

Em kant, o ser humano, portador de uma razão transcendental, detinha o poder de a partir de conceitos fundamentais (substância, forma, matéria...) deliberar sobre os outros conceitos que se ligavam a esses primordiais, formando o sentido da frase. Agora a ideologia dominante fornece o aparato instrumental básico de onde partimos à deliberar. Ou seja, já partimos do algo posto por essa metafísica, fazendo com que tudo que venhamos a criar tenha um ar porosidade ou legitimação, ou obscuridade ante àquilo que criticamos.

A racionalidade conquista na modernidade culmina numa racionalidade técnica e operacional. Que no esquema de nossa liberdade radical cria como efeito de nosso apagamento uma circularidade: um “caráter compulsivo de uma sociedade alienada de si mesmo”.

A televisão é uma tentativa de junção do rádio e do cinema com empobrecimento estético dos dois. Desde seu nascer o caráter de arte nunca lhe foi uma preocupação. A transmissão ainda mais direta do conteúdo sem rodeios ou florilégios, torna mais acessível ainda o conhecimento, empobrecendo ainda mais a subjetividade preocupada apenas no operacionalizar e consumir.

Para a subjetividade que introjetou o consumo como essência nada mais a conceituar, seu papel de doadora de sentidos é legada a indústria cultural que assume esse papel, legando a essa apenas o poder de distinguir e consumir.

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Com a morte da Ideia, do conceito, o esquematismo e operação tomam lugar da importância. O particular, o isolado, o pictórico, o delongar-se na musica e na literatura feneceu a totalidade da indústria cultural e seu empobrecimento sistemático.

Qual a solução então? Tudo que produzimos desde as explicações míticas foi uma tentativa de controlar e dominar a natureza, fazendo-nos escapar do medo da existência. E afirmando nossa subjetividade cada vez mais forte nos períodos da história. Qualquer teoria que venha simplesmente a se opor, como um maniqueísmo, como uma teoria de sinal negativo ante uma teoria de sinal positivo, partirá dos mesmos conceitos metafísicos primordiais, ou seja do esquema de dominação sujeito conhece objeto. Ou seja o que há de idêntico, no mito, na religão, na ciência, no esclarecimento, na sociedade de consumo? Tornar cada vez mais forte nossa força de auto perseverar na vida, O conatus, a força de permanecer na existência a todo custo, principalmente, sob a forma da dominação progressiva da natureza.

A teoria que venha a ser construída não pode ser a da oposição a algo que já foi erguido, pois esta aparecerá apenas como mais um efeito dos conceitos primordiais que já subjazem a essa metafísica, tornando-se apenas mais um exemplo, agora com sinal negativo, do que estar por vir. Por isso mesmo, o próprio marx, inteligente como era, jamais faria uma teoria de sociedade comunista, já que só seria possível dizer como seria depois que a mesma fosse implementada, pois marx era adepto da dialética hegeliana. A teoria que viesse a nascer teria que partir de princípios outros desse esquema que levou a progressão do conhecimento como razão instrumental e que culminou na barbárie de duas guerras mundiais e um holocausto...

Maniqueísmo não cria nada de novo, o que cria o novo á contradição, é a descontiguidade. É o pensamento que desde sempre é erigido sob o signo do não sistema, da não progressão, da temporalidade de seu saber, da particularidade, da não congruência. Da multiplicidade de ser liberdade subjetiva. De criar de fazer arte. De produzir conceitos, E não MAIS DELIBERAR SOBRE O ARCABUÇO TEÓRICO DISPOSTO.

Dialética da contradição e não mais da não-identidade. Pois a não-identidade se equaciona no mesmo, instaurando o princípio da identidade como primordial. O esquema da identidade como primordial é violência com o objeto. O que adorno almeja é o primado do objeto sob o sujeito. Não é mais possível que o Ser do objeto e o pensar do objeto sejam congruentes. A incongruência, a contradição é o mote primordial dessa relação objeto sujeito...