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Eu soumãe

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Conheça a história de Flávia,que ouviu o choro do filho adotivoDavi na ante-sala de partoP o r T h a i s L a z z e r iF o T o s M a n o e L M a r q u e s

O trânsitO caóticO da avenida santO amarO, na zOna sulde sãO PaulO, passa a três quadras da casa de Flávia Miranda de Oliveria, 33anos, professora de educação infantil e psicóloga, e Ricardo Peev, 38 anos, jornalista.Os sons das freadas e das buzinas não chegam até lá. Por sorte do casal, há uma cal-maria rara nesse cantinho da capital paulista. Flávia me recebe numa tarde de quinta-feira de sol e calor intensos. Nem bem atravesso a porta que leva à sala, escuto griti-nhos de um bebê que tenta se comunicar. No mesmo instante, algo muda em Flávia.O brilho de seu olhar se torna mais forte, e ela não consegue esconder o quanto estáradiante por ter se tornado mãe. Essa felicidade começou em fevereiro, quando Ricar-do contou, por telefone, que Davi, hoje com 7 meses, nasceria dentro de dois mesesemSãoLuís,Maranhão.Assim,semrodeios,elacomeçaamecontarahistóriadeamore de adoção entre ela e o filho. “Cada vez que eu reconto, me aproprio mais dela”, diz,com olhos marejados. Faz uma pausa, toma um gole de café, e volta a sorrir.

O casal tentou engravidar por cincoanos. “Parece que um mês vira um ano.Um belo dia eu disse: chega!” Ela contaque, inconscientemente, se aproximoude casais que tinham adotado. Em umafesta, o avô da aniversariante, tambémadotiva, disse a Flávia: “Só falta você.”Na hora, ela diz ter ficado com raiva.Mas sentiu também que ele colocounela a sementinha da adoção. Doisanos mais tarde, Flávia entendeu o queleva casais a terem um filho por outrocaminho. “Não queria ter uma barriga.Queria um filho, queria ser mãe. A gra-videz pode ser um caminho. Mas nãoexiste só esse.” Não levou muito tempoaté entrarem na fila para adoção.

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Contar para os familiares foi o segundo passo. Flávia deu a notícia aos pais deladurante um jantar, dizendo que ela e o marido estavam pensando em adotar – quandona verdade já tinham se decidido. Ela faz uma pausa para segurar com os dedos aslágrimas que insistem em sair. Levanta-se do sofá e imita os gestos do pai, como se es-tivesse revivendo tudo. “Ele me abraçou chorando. Dizia ‘filha querida, você está medando um presente. Nunca te falaria isso, mas sempre pensei nisso para você, e nãocomo prêmio de consolação.” Também falaram, com carinho, aos filhos que Ricardoteve no primeiro casamento, Mário e Marina. Mais que adorar, todos celebraram.

Oquarto foidecoradoemapenasdoismeses, logoapósotelefonema.Ovelhaszelampelo sono do pequeno. Na gaveta da cômoda, os pais começaram a montar uma biblio-teca infantil. Por lá está a coleção de carrinhos com os quais em poucos meses Davi vaiadorarbrincar.Enfeitamaparededoisquadrosfeitosporumaamigaartistaplástica.Aliestá a história de Moisés, que chegou aosbraços da princesa, filha do faraó, em umcesto pelo rio. Para ela, é uma representa-ção simbólica da chegada de Davi.

Hoje Flávia olha para o filho e não lem-bra das dificuldades que passou. Uma de-las foi viajar, ao lado da mãe, para São Luís.Ricardo só poderia se afastar do trabalhopor uma semana. Então, embarcaria assimque os papéis da guarda provisória fossemliberados. A mãe biológica do bebê, emum processo chamado adoção direta, ab-dicou dos direitos legais sobre o filho e es-colheu um casal para entregá-lo. No caso,Flávia e Ricardo. Um casal de amigos fezo intermédio. “É como se estivesse cadavez mais perto de realizar um sonho”, diz.Davi parece saber que estamos falando de-le. Flávia lhe manda um beijo e ele, numgesto de cumplicidade, gargalha.

Instalada em São Luís, Flávia decidiu,três dias antes do parto, programado parauma quarta-feira, passar as roupas do en-xoval. Naquela madrugada, o advogado,que fez o intermédio entre as duas famí-lias, ligou avisando que a bolsa da mulhertinha rompido e que estavam indo parauma clínica, paga pelo casal. “Foi como setivesse sentido as contrações também.”

Ela e a mãe permaneceram em umaante-sala ao lado da sala de parto. QuandoDavi nasceu, ela ouviu o primeiro chorodo filho. Minutos depois, ainda enroladona toalha, ele foi ao encontro do peito de-la. Flávia tinha feito estimulação para ter

Não queria teruma barriga.Queria ser mãe.A gravidez pode serum caminho. Masnão existe só esse

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Até o fim do primeiro semestre de 2008, maisde 80% dos Estados brasileiros devem usufruirdo Cadastro Nacional de Adoção, um sistemade informação capaz de reunir todos os dadosde candidatos à adoção e crianças legalmentedisponíveis. A estimativa é da Secretaria Especialde Direitos Humanos, ligada à Presidência, árearesponsável pelo cadastro. O objetivo é que juízesconsigam encontrar nesse banco de dados umperfil de adotante de outro Estado para umacriança de um local que não tenha candidatos.Os requerentes também vão ter facilidades. Como sistema nacional, o candidato não precisaráefetuar o cadastro de pretendentes para adoçãoem vários Estados. Uma vez incluído, todos osjuizados brasileiros vão ter acesso ao perfil. ParaMariza Tardelli, coordenadora do Programade Fortalecimento do Sistema de Garantiade Direitos da Criança e do Adolescente dasecretaria, o cadastro também revelará estimativasdesconhecidas, como o perfil das criançasdisponíveis para adoção. “Umas das preocupaçõesé diminuir o tempo de permanência da criança,seja agilizando a volta para a casa dos responsáveisou definindo-as como aptas para adoção”, diz.

leite. “A sensação de amamentá-lo foi indescritível”, diz. Daquele momento em dianteos outros problemas deixaram de existir, tudo ficou menor. Agora ela tinha o Davi.

Ricardo viajou duas semanas depois. Ligava incessantemente e chorava ao telefone.Ele sofria ao pensar que o filho não o reconheceria. A volta para casa foi o momentocom que Flávia sonhou desde que ouviu falar de Davi e o amou, antes mesmo deconhecê-lo. Fazemos uma pausa para o lanche da tarde do menino. Manhoso por contada dor do nascimento de dente, ele rejeita a papa de frutas. A mãe aconchega-o no coloe a irritação passa. Da janela da sala, somos vigiados pelo cão de guarda, ummixde vira-lata com boxer. Ele é o protetor de Davi. Foi comprado um mês depois do nascimentodo bebê. O nome foi escolhido a dedo – e não poderia caber melhor: Golias.

Quando Davi adormece, pergunto como eles pretendem contar ao menino sobrea adoção. Mesmo sorrindo, Flávia se emociona e caem as lágrimas novamente.Não é um choro de lamentação, é felicidade. Davi parece ter curado Flávia. Antesela vivia a ausência, a impotência. Davi foi o sim. Ela quer contar a ele a história in-teira, que não precisa ser de rejeição, e sim de aceitação, sem rótulos ou estigmas.“Ele não é adotivo, ele foi um dia adotado. Hoje ele é meu filho legítimo.”

Cadastro Nacionalde Adoção no Brasil

Flávia está guardando eescrevendo novas cartas paraDavi. Ele terá toda a sua vidacontada aos olhos da mãe

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passo-a-passo daadoção

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